JP2 JORNAL DO POVO /6 POVO/6 Sábado e domingo, 16 e 17 de outubro de 2010 EDUARDO FLORENCE [email protected] 1, 2 e muito mais que 2 Eles não sabem contar, eles não diferenciam cores, eles não usam verbos no passado e nem no futuro. Eles não tem nenhuma memória sobre os antepassados e não existe a noção do tempo. Eles não sabem nada de Deus. A palavra que diferencia pai e mãe é a mesma. Os verbos olhar ou ver e matar ou morrer são iguais. Eles usam sentenças curtas sem orações subordinadas. Eles se revelam em todo corpo sólido, liquido, exótico. Eles se revelam à ciência por sempre estarem ocultos e sendo óbvios. Eles estão enlouquecendo os linguistas e a ciência. Os pirarrãs são um povo indígena de 350 pessoas que vive perto de um afluente, que é afluente do Rio Madeira, na Amazônia, quase ao lado de Rondônia. Eles falam apenas o idioma que leva o nome de sua tribo. A língua quase não tem fonemas e no meio da fala saem assobios e zunidos. A sua gramática foi definida por cientistas ligados a igrejas americanas em 1986. Não existe verde, nem ver- melho, nem azul, somente existe o claro e o escuro. Os números são o 1, o 2 e o muito mais que 2. O linguista mais importante atualmente é o Chomsky, que acredita na existência de um conceito nas línguas universais que explicaria tudo da mente humana. A língua é a expressão da identidade. Ele diz que os seres humanos já saem com um editor de texto no cérebro. Em todas as línguas estudadas existem recursos e conceitos, como o fato de contar, distinguir e lembrar. Em todas as línguas do mundo existe o mito da criação do universo. Este é um dos argumentos dos criacionistas. Tudo foi criado para adorar o criador. Chomsky afirma que as línguas usam recursos e conceitos e são a principal diferença que distingue os homens dos animais. Os pirarrãs não são conceituais e nem usam recursos e, por não usarem o passado, não existe o mito da criação do mundo. Eles são ateus. Por não serem conceituais, e se teoria de Chomsky for verdadeira, os pirarrãs não seriam homens, e sim animais. Por enquanto, um linguista que trabalhou com os índios virou ateu. E Chomsky não se pronunciou. A Fundação Perseu Abramo fez uma pesquisa sobre quais tipos de pessoas são as mais odiadas do Brasil. Os campeões do ódio foram os usuários de drogas e em primeiro lugar disparado foram os ateus. Foram 20% de repulsa e ódio. A mentira não está nos discursos, mas nas coisas. O Brasil profundo é puritano. Ingenuamente acreditávamos que a Igreja e seus ritos, dogmas, autos, evangelhos, tinham perdido o seu poder. Mas existe um outro Brasil repleto de mistérios e preconceitos que mantêm uma fé intransponível acima de todas as coisas. O maior pais católico do mundo ainda segue os preceitos da Santa Madre Igreja. Os pentecostais crescem a cada dia, com um maior puritanismo que explode e espasticamente se mostra evidente em questões muito liberais. Ser ateu é um pecado mortal. O ateu é pior que o corrupto. Reacionariamente o Brasil profundo é a nossa imagem e circunstância. Tentar entender o Brasil é também ter que ajoelhar-se e rezar, além de dizer amém, é claro. O programa nacional dos direitos humanos esqueceu de ouvir o Brasil profundo e apenas foi repleto na ficção, na opressão, no desentendimento e no poder de nós, que ainda acreditamos sermos agnósticos, donos da verdade e da luz. Por isso eles rezam nas missas, se ajoelham nos templos, se benzem, falam baixo com Deus, pisam leves e sabem contar de todos os caminhos até a grande final. Quem há de negar o que é superior? Não discutir este país profundo é não saber quem somos nós. Os diversos autos de fé ainda vigoram em todos os estágios na busca de unicidade opressora. O estado pode ser laico, mas o povo não. Por isso o medo é exterminarem os pirarrãs. Um dia a física quântica chegará com Deus e um índio pirarrã. Eles caminharão juntos e nada explicarão, pois na vida o importante é o mistério. São nestes momentos que ganha sentido aquele espaço da mente que contém a calma, a leveza e o respeito. O claro e o escuro são todas as cores. Não é 1, nem 2, é muito mais que 2. O Renato Thomsen com a justa composição de luz e cor na estrada de Rio Pardo com o lago e a lua Peço clemência Na edição passada a palavra clowns perdeu o n. O Prometeu acorrentado saiu como verbo e adjetivo. Foi erro de edição. Prometeu era um titã que mexeu com o politicamente correto. Foi a síntese grega de um revolucionário. De resto... Ih! Pintou patologia.