A questão do Gênero Masculino Giuliana Bastos Araujo Atualmente, tem-se visto que o homem entra no sistema de saúde através da atenção especializada, o que tem como conseqüência o agravo da morbidade pelo retardamento na atenção e maior custo para o SUS. Um boa explicativa para isso é a questão do gênero masculino, o que faz com que o homem sinta-se poderoso e invencível, além de não ser, originalmente, o gênero cuidador, e por isso não preocupar-se tanto com a própria saúde antes que comecem a surgir manifestações de alguma doença. Vários estudos comparativos, entre homens e mulheres, têm comprovado o fato de que os homens são mais vulneráveis às doenças, sobretudo às enfermidades graves e crônicas, e que morrem mais precocemente que as mulheres 1,2,3,4 . O QUE É O GÊNERO MASCULINO? Desde antes de nascer, o homem já começa a receber “rótulos” masculinos, como por exemplo o enxoval azul ou os primeiros carrinhos que ganha. Quando criança, o homem aprende que meninos não choram, meninos brincam de carrinho e meninas de boneca. Assim, conforme vai crescendo, o homem vai aprendendo que é mais forte que a mulher, que deve protegê-la, e tudo isso vem trazendo uma série de associações. Além disso, a sociedade também contribui muito para a questão do gênero masculino. Historicamente o homem tinha mais privilégios que a mulher, e por isso, ainda hoje, o homem ainda ganha mais que a mulher, fazendo com que se sinta responsável pela casa e por sustentar a família. As masculinidades são construídas historicamente e sócioculturalmente, sendo a significação da masculinidade um processo em permanente construção e transformação. O ser homem, assim como o ser mulher, é constituído tanto a partir do masculino como do feminino. Masculino e feminino são modelos culturais de gênero que convivem no imaginário dos homens e das mulheres5. O QUE A QUESTÃO DO GÊNERO MASCULINO INFLUENCIA NA SAÚDE DO HOMEM? Tudo isso contribui para que homem pense mais em trabalhar do que em cuidar da própria saúde. Pense em ser o protetor e dar o essencial e o conforto para sua família e não preocupa-se em prevenir doenças, e procura o serviço de saúde somente quando sente-se mal, sendo muitas vezes o momento crítico e sem volta. Muitos homens também possuem características machistas e acham que posto de saúde, atenção primária e cuidado são lugares de mulher, são características de mulher, e que prevenir-se é exagero. Pensam que homens não ficam doentes e que a doença é somente o momento em que se tem algum sintoma, e aí sim é hora de procurar o médico. Os homens, muitas vezes, alegam que o horário de funcionamento da rede básica coincide com o horário de trabalho, e que por isso não podem freqüentar os postos de saúde. De certa forma, eles tem razão, porém, se pensarmos pelo lado em que a mulher, de uns tempos pra cá, vem se inserindo no mercado de trabalho e contribuindo com as despesas de casa, ela também deveria estar ausente nos serviços de saúde, o que não acontece. Complicações poderiam ser evitadas se os homens realizassem medidas de prevenção primária. A resistência masculina à atenção primária aumenta não só a sobrecarga financeira da sociedade, mas também o sofrimento físico e emocional do paciente e de sua família, na luta pela conservação da saúde e da qualidade de vida. Um grande agravante que torna o homem mais vulnerável que a mulher é a questão do gênero masculino. Os estereótipos de gênero, enraizados há séculos em nossa cultura patriarcal, potencializam práticas baseadas em crenças e valores do que é ser masculino. A doença é considerada como um sinal de fragilidade que os homens não reconhecem como inerentes à sua própria condição biológica. O homem julga-se invulnerável, o que acaba por contribuir para que cuide menos de si mesmo e se exponha mais às situações de risco6,7,8,9. A isto se acresce o fato de que o indivíduo tem medo que o médico descubra que algo vai mal com a sua saúde, o que põe em risco sua crença de invulnerabilidade5. Doenças que mais acometem os Homens Entre as causas de morte entre os homens de 15 a 59 anos, temos: em primeiro lugar as causas externas (78%), em segundo as doenças do aparelho circulatório, em terceiro os tumores, em quarto as doenças do aparelho digestivo e em quinto lugar, as doenças do aparelho respiratório10. ATUAL SITUAÇÃO DA SAÚDE DO HOMEM A maior causa de morte entre os homens são as causas externas, o que constitui um problema de saúde pública. Entre elas encontramos os acidentes de transporte, as lesões auto-provocadas e as agressões. São em sua maioria na faixa dos 20 aos 24 anos encontra-se o maior percentual de óbitos por causas externas, e os valores na população de 25 a 29 anos ainda são bastante elevados. Essa faixa etária de causas externas traz grandes conseqüências psicofísicas e socioculturais, pois esta é a fase mais produtiva do homem. As doenças do aparelho circulatório, como por exemplo, Infarto Agudo do Miocárdio, Insuficiência Cardíaca Congestiva, Acidente Vascular Cerebral, entre outras, acometem muitas vezes os homens, sendo muitas vezes complicações graves de Hipertensão Arterial Sistêmica, e podem ser prevenidos quando sofrem um bom acompanhamento multiprofissional, prevenindo maiores complicações. Entre os tumores, a terceira maior causa de morte entre os homens, temos os tumores de aparelho digestivo, respiratório e urinário. Os tumores de aparelho digestivo tem sua maior expressão no câncer de boca, estomago e esôfago. As neoplasias malignas do aparelho respiratório vem aumentando muito, e podemos ressaltar o tabagismo com um forte influenciador. Entre elas temos o câncer de pulmão, traquéia e brônquios. Em seguida temos as neoplasias de sistema urinário, com o câncer de próstata liderando. O câncer de próstata costuma ter uma evolução lenta, de forma que se diagnosticado e tratado precocemente previne o óbito. Uma estimativa realizada pelo Instituto Nacional do Câncer em 200811, traz o câncer de próstata em segundo lugar, no topo, da lista de neoplasias malignas, sendo superado somente pelo câncer de pele não-melanoma. Outro tumor do sistema urinário muito importante é o câncer de pênis, que está relacionado a má-higiene e a condições sócio-econômicas, e vem crescendo bastante em algumas regiões do país. Em quarto e quinto lugar temos as doenças do aparelho digestivo e respiratório, respectivamente, como a cirrose (que muitas vezes se deve ao alcoolismo) e as doenças respiratórias como por exemplo a DPOC, que pode ser associada ao tabagismo e ser agravada com algumas condições de vida (pedreiros lidam com muita poeira, o que pode agravar a doença). POR QUÊ ESSAS DOENÇAS SÃO AS QUE MAIS ACOMETEM OS HOMENS? Pode-se associar essas causas de óbito entre os homens, à suas condições culturais, sociais e seus hábitos de vida. Temos, entre os homens, muitos tabagistas e alcoolistas, o que propicia as doenças de sistema digestivo e respiratório. Os hábitos de vida masculinos podem propiciar doenças cardiovasculares e respiratórias, como, por exemplo, o sedentarismo, o fato de trabalharem muito e se cuidarem pouco, e até mesmo o tabagismo contribuem para que os homens sejam tão vulneráveis a essas doenças. As condições culturais influenciam pela questão do gênero. Os homens possuem muitos preconceitos em fazer o exame de toque retal para prevenção do câncer da próstata, entre outras questões que propiciam o surgimento das doenças de aparelho urinário. Considerações finais Podemos assim justificar a criação dessa Política. Os homens devem conhecer melhor as doenças que mais os assombram, devem aprender o porquê deles não possuírem a cultura que os faz cuidar da própria saúde, devem conhecer seus direitos e quebrar preconceitos. E os profissionais de saúde, cada vez mais, precisam entender o universo masculino e serem muito bem treinados para que saibam lidar com essa população tão ausente na atenção básica e que por causa disso vem se ausentando cada vez mais da sociedade através dos óbitos crescentes. BIBLIOGRAFIA 1 NARDI A, GLINA S, FAVORITO LA. Primeiro Estudo Epidemiológico sobre Câncer de Pênis no Brasil, International Braz J Urol, v. 33, p. 1-7, 2007. 2 COURTENAY WH. 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São Paulo: ABRASCO - UNFPA, 2005. 8 SABO D. O estudo crítico das masculinidades. In. Adelman M, Silvestrin CB, organizadores. Coletânea gênero plural. Curitiba: Editora UFPR, 2002. p. 33-46. 9 BOZON M. Sociologia da sexualidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. 10 BRASIL, MS/SVS/DASIS - Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM, 2005. 11 INCA - Incidência do câncer no Brasil, estimativa 2008.