PÉ NA ESTRADA
MARIANA NO MUNDO, O MUNDO EM MARIANA
Nº 19 - Maio de 2014
Tiragem: 2000
Distribuição Gratuita
"Respeitáveis outras
pessoas! Esta vida de
equilibrista é perigosa, mas
muito interessante. Por mim, fiz
o que podia e achei que valeu a
p e n a .
A d e u s ! ”
Umas pessoas concordaram.
O u t r a s ,
n ã o .
'- Eu também acho muito
interessante! Viva o equilibrista!
- Eu não acho graça nenhuma!
- Eu acho que vale a pena! Vale
m u i t o
a
p e n a !
- Não vale a pena nada! Eu acho
u m a
b o a
d r o g a ! '
O equilibrista deu um risinho:
'- Justamente o interessante é
que cada um acha o que quer!"
Trecho do livro O Equilibrista Fernanda Lopes de Almeida
Objetos voadores
Beau de L’air e
Imag. 1
DIVERSIDADE P.2
FESTIVAL DAS LÍNGUAS P.3
POESIA P.4 e 5
EDUCAÇÃO P.6
MEMÓRIA P.7
PROGRAMAÇÃO P.8
Sagarana de Verso
Por Pessoas Voadoras
Laura Ralola
Como um quebra-cabeça resolvido, o dia 31 de dezembro
Nos primeiros sinais do outono o espírito de Madá se fez ponto de partida do recanto literário de Guimarães
fica mais forte na cidade. É tempo de Na Boca do Rosa. Sagarana é um lugar de bichos e árvores, de um
Balão e para mim, que de Madá só pude sentir a povo do interior, sem convenções e poses. Em palavras
energia, é tempo de cortejo com objetos voadores trocadas, é lugar de se ver as grandes árvores estalarem
pelo percurso do Sagarana Café-Teatro até a sob o raio, e cada talo do capim humano rebrotar com a
Praça da Sé. Os objetos voadores cruzam o ar num chuva ou se estorricar com a seca.
show durante a homenagem à Magdalena Lana Feito para ver a cidade, o café-teatro abriu suas portas à
Gastelois, que ocorre todos os anos na histórica poesia e arte diária das almas, em 1998, iniciando o sonho
Mariana. Seus tamanhos, formas e cores são de um lugar para sorrir; música, poesia, dança, circo,
múltiplos. Para ser o que eles são só precisam teatro, encontros e trocas! No dia 20 de Maio, aniversário
estar no ar. Ninguém sai pelo cortejo marcando que de Magdalena Lana Gastelois e de abertura ao público do
um é “assim” e o outro “assado”. Ao contrário, são refúgio (dele, dela e nosso), brotou um lugar feito por
justamente as diferenças que transformam o todo diversas nefesh. Da construção comunitária do espaço é
num espetáculo. Os objetos e suas singularidades que se plantou a flor da devoção pela diferença. Sagarana
são percebidos ali como interdependentes e preza por todas as pessoas; diversidade é a linha que
mutuamente importantes para o cortejo. Ninguém equilibra e dá chão para se viver na Terra. “É um espaço
diz que um objeto voador é menos objeto voador do pra ser feliz, qualquer que seja a cor, a idade ou a
que o outro. Bom mesmo seria se a estrutura social profissão”, nas palavras de Madá, bom mesmo é “amar o
em que vivemos pudesse olhar para as pessoas amado e ser amado”.
como os tantos olhares que já acompanharam os Maio é, também, mês que cedia o dia Internacional de
objetos durante o cortejo. Que a estrutura social Luta Contra a Homofobia (17/05). Por saber que a alegria
vigente não se empenhasse tanto em traçar, nas é um direto de todos, o Sagarana Café teatro demonstra
pessoas, o que “é” e o que “não é”. Tal empenho no impulso diário de memória à Madá o respeito a
implica em classificações binárias que, nem de diversidade e reconhece que na multiplicidade de
l o n g e , d ã o c o n t a d e a b a r c a r n o s s a s pessoas é que tornamo-nos apenas espírito em equilíbrio,
singularidades. Aproveita-se o momento, em dias sem segregação de cor, sexo, classe e religião. Ser
de Madá, para questionar a forma acimentada que equilibrista é viver diferente, construindo aquilo que se
nossa sociedade busca se organizar: é necessário pensa no fio da vida, ir desenrolando e se equilibrando
fazer mais do que simplesmente celebrar as dentro do possível, saber que bom mesmo é ser muitos.
diversidades, aprofundemos no motivo das Vez ou outra, os desequilibristas tentarão mostrar outro
classificações binárias que implicam em inclusão chão, remexer o fio da vida de cada um, julgar o diferente
de uns e exclusão de outros. Quem sabe assim a como louco e rir. Os equilibristas tentarão se defender
vida seria mais interessante... num mundo onde a dizendo que já nasceram assim, e os desequilibristas
felicidade não giraria em torno de “enquadrar-se” e dirão que não acreditam numa mentira dessas.
sim, quem sabe, de, como os objetos de Madá, sair Na poesia de varal das frases soltas, Fenando Pessoa
voando por aí... "Suplicamos expressamente: não revela que “só a loucura é que grande e só ela é que feliz”.
aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois E no reino dos equilibristas essa conversa cerraria com
em tempo de desordem sangrenta, de confusão riso de Magdalena e sua tão formosa frase em vida: “a
organizada, de arbitrariedade consciente, de alegria é alimento que nem semente: quanto mais se
humanidade desumanizada, nada deve parecer espalha, mais colhe.”
natural nada deve parecer impossível de mudar."
(Bertold Brecht)
Pedro Augusto Menegheti
Festival das Línguas
As Línguas e a Subversão
José Arnaldo Coêlho de Aguiar Lima
In Memoriam
É de fundamental importância que a
comunidade acadêmica se expresse de
maneiras outras, que não a institucional,
materializada em provas, seminários e
relatórios. Como também é imprescindível que a
mesma recupere um espaço que,
tradicionalmente, sempre lhe pertenceu. Refirome ao espaço do riso, da alegria, e, porque não,
da inversão.Desde o surgimento das
universidades, na Europa medieval, parcelas
significativas de professores e alunos invadiram
as ruas das cidades, encenando espetáculos
que primavam pela inversão de valores e, por
isso mesmo, provocando o riso e a alegria. Basta
uma breve passada de olhos em Rabelais, para
ficar só em um exemplo, que tais afirmativas são
percebidas de imediato.
Mas é convincente atentar a um detalhe. Para
se inverte alguma coisa, é preciso, antes de mais
nada, dominar, no sentido do conhecer, o objeto
da inversão. Sem este conhecimento, tal
experiência perde o significado, por ser inócua e
destituída de sentido. Enfim, não alcança seu
objeto último que é a subversão.
Um bom exemplo do que estou afirmando foi o
festival das línguas, levando a efeito em meados
de janeiro do corrente ano. Com muita
tranquilidade, o classifico como um destes
eventos que subvertem a ordem estabelecida do
maçante cotidiano acadêmico, uma verdadeira
prova de que a produção e a divulgação do
conhecimento não precisam se prender aos
rígidos padrões estabelecidos. Cabalmente,
mostrou, e a todos que dele participaram, que
ainda é possível recuperar aquilo que de
saudável as primitivas universidades
dispunham.
Mariana, 1993
Imagens: Arquivo da família
"As coisas não querem mais ser
vistas por pessoas razoáveis:
Elas desejam ser olhadas de azul Que nem uma criança que você olha de ave."
Manoel de Barros, O livro das ignorãças
Aventura
Magdalena Lana Gastelois
Ter este momento
a chuva, o espaço, o vento
flores cores e pássaros voando
na aventura inconsequente
deste firmamento
sou gente.
Correndo pelo asfalto
lá vou eu com meu carro.
Saber e continuar
cozinhando as raízes
costurando matizes
sofrendo mazelas
gritando pelas diretas
Bicho lúcido e impotente
Sou eu hoje aqui presente
sou mulher e professora
e vou tocando pra frente.
Por que não em priscas eras
E neste momento exato
em que borboletas voam
estão brotando sementes
aranhas estão tecendo
frutos amadurecendo
mulher das cavernas
lutando pelo fogo
no meio das feras?
Sou parte integrante
da aventura estranha
no momento louco
do homem que se atiba
na pressa contínua
de acabar com a Terra.
Paulo Mendonça .
Ou mulher das Arábias
de pano na cara
ou cega ou louca ou loura
ou grega ou rude
ou pastora?
Maria Antonieta Helena de Tróia
ou negra ou Índia ou Leonora
Cleópatra ou cantora?
enquanto muitos se matam
outros tantos passam fome
alguns
juntam
dinheiro no banco
outros trabalham que nem loucos
prá comprar roupa na moda
Uns estão chorando
outros rindo
Alguns indo outros vindo
pelejando, inventando
dormindo e acordando
como se fossem eternos.
Alguns tristes, outros ternos.
O OCO
"Um bando de loucos
debruçados na beira do oco
espiando, espiando.
Um bando de loucos
debruçados da beira do oco
procurando, procurando
procurando explicação.
Enquanto isso
come dorme,
levanta e deita.
Tem dia que chove,
tem dia de sol.
Tem também a preguiça comprida
boa, gostosa, pra ser vivida. Na beira do oco
tem sol tem praia tem boa comida
tem uns beijos pra beijar.
e um bando de loucos debruçados na beira do oco
procurando, procurando,
procurando explicação.
Eu einh!
Eu não!"
Magdalena Lana Gastelois
Poemas de 3 anos
Ana: Poema primário
.
Mamãe,
quando não tinha nem um menino
nem uma terra
nem uma flor
Ivan: Posse
como é que nasceu?
.
Mamãe, vai buscar uma escada
e eu vou pegar a lua
quebro a lua em pedaços
Pedro: Filosofia
e guardo na minha areia.
Afinal, pra que essa nossa vida
Borboleta
saída da bunda docês?
.
Mamãe, olha uma cor passando ali
parece um passarinho.
Magdalena Lana Gastelois
Aluno do Pica Pau Amarelo.
Memória viva
do
Picapau Amarelo
“Se lembra da jaqueira
A fruta no capim
O sonho que você contou pra mim
Os passos no porão
Lembra da assombração
E das almas com perfume de jasmim
Se lembra do jardim ó maninha Coberto de flor”…
Recordando o tempo em que descobri que escola era lugar
de brincar, e que brincar era o maior aprendizado. Cedo me
arrumava, com a roupa mais confortável e rabo de cavalo, para subir em árvores e desbravar aquela
imensidão que era minha escola. O caminho até a escola era longo... um longo aprendizado.
Enquanto percorríamos o caminho, íamos cantando as músicas das lindas fitas do Ivan. Foi nesse
percurso que conheci um pouco mais do universo mineiro, acompanhada pelo Clube da Esquina e
Milton Nascimento.
Nessa escola viver e aprender eram sinônimos. O tempo, as regras, os encontros aconteciam de
forma orgânica. Não me recordo quando era hora disto ou aquilo.... Me lembro de aprender
matemática desenhando flores; de compartilhar o lanche entre os amigos, num grande piquenique;
de brincar de casinha nas copas das arvores; do grande balanço que era o galho da mangueira e de
correr livremente, sem muita intervenção adulta. O que sou e sinto se deve àquele ano vivido com
intensidade naquela escola.
Desde minha saída da escola, sempre sonhei voltar. Subir na mangueira, deitar nas
almofadas coloridas da casa de Madá e reconhecer cada canto daquele universo que era a escola.
Já se passaram 30 anos e ainda sonho com isso… apesar de saber que não encontrarei Madá, que
não terá escola… Mas quem sabe a mangueira ainda esteja lá? Quem sabe eu me reconheça em
algum vestígio? Hoje sou educadora e escritora de livros infantis, do jeito que eu profetizava para
minha professora Rosa e para Magdalena.
À Maria Magdalena Lana Gastelois, minha gratidão!
Ana Claudia Gondim Bastos
Mosaicos Magdalenos
Pensar em Magdalena é coisa cotidiana pra nós.
Como se debulha uma espiga de milho, pulam, aqui
e ali, o tempo em grãos de saber-magdalena. Mais
ela se distancia no tempo físico e mais presente na
memória, em sua sabedoria lúdica e multifacetada
que a gente vai entendendo cada vez melhor assim.
Como olhar para um mosaico: construído a partir de
pedacinhos multicoloridos, a forma se fazendo
surpreendentemente, composição harmônica de
partes tão diferentes...
Magdalena lembra o narrador benjaminiano, que
devia viver para narrar. Sua vida era essa infinidade
de retalhos de experiência tornada conhecimento. E
a gente ia aprendendo o jeito, só de ver acontecer,
de ouvir contar. Casos não faltam, como não
faltavam grãos na espiga e cacos no mosaico. Hoje
vamos narrando as coisas dela, como lições, como
alegria de lembrar...
Daí que pra contar uma coisinha só, fica difícil
demais! Tem a “teoria do buraco”, que achávamos
muito bonita. Deveria ser escrita. Era algo assim:
sempre existe um oco que nos ocupa e impulsiona,
quando não o cobrimos de fantasia, com aparente
satisfação ou pensada frustração. Um buraco é
desejo que move ou se esconde para doer menos a
vontade sentida. Madá, contudo, abria buracos,
inspirava os desejos e removia as camadas de
frustração que escondiam as aptidões. A um dizia,
escreva esse poema, a outro, vai para o circo! Foi
por lidar com os buracos, que plantou um circo no
centro da cidade, que fez o “Festival das Línguas”,
onde o povo provou do biscoito fino francês que ela
oferecia - em formato saltimbanco, e o povo pedindo
mais e comprovando que cultura pode ser
consumida, basta oferecer. O buraco era o desejo
que movia.
A ausência de Magdalena não deixa de fazer
buraco, de falta, mas também de inspiração. Como
ela dizia: “mais que a morte, importava saber viver”,
mas do que a ausência importava a presença. Daí
que ela ligava para os amigos queridos para um
jantar, um carinho, um dedo de prosa.
Entre um gole e outro de café, vinho, cerveja, de
inspiração vinham mil experiências, narrativas,
aforismos: “casar você pode com qualquer um, mas
pra ter filho, tem que escolher: porque filho é uma
ligação pra vida toda”, “você é lindo, não lhe falta
nada, tem pé, tem mão e mesmo que faltasse um
dente ou uma perna, haveria coisa para compensar,
alegria, coração”. Tudo embalado por músicas
cantadas ou
traduzidas, como a tradução para o francês da
música do Chico, que ela fez no colo, assim, só para
existir.
Havia ainda as culinárias, o desprendimento e o
calor humano de Magdalena, um sem fim de peças
no mosaico.
Houve um tempo que sua casa ficou sendo
conhecida como embaixada franco-baiana, devido
às culturas frequentadoras mais assíduas. Mas a
casa de Magdalena era mesmo isso, uma
embaixada pra refugiar todas as nações, dores e
criatividades.
Tão nômade fora ela e a casa era, no entanto, uma
coisa muito importante. Os testes que ela foi
fazendo em cada uma das suas moradas, sempre
tão inspirados até chegar no Sagarana, que foi a
obra da vida. O Sagarana é a representação física
do espírito de Madá. Mas lembramos ainda com
carinho de sua penúltima casa, que ela também
transformou e que foi um espaço de muitas alegrias
pra todos nós.
Chegamos lá e havia um jardim, no quintal, mas
que era um jardim “suspenso”. Lá no fundo do
quintal um pequeno platô, muradinho, de altura
certa para um palco ao ar livre, cara de Madá. A
inspiração veio logo – gente vamos fazer um
espetáculo no quintal para o aniversário de
Magdalena! Todos nós, tocados pelo seu condão
artístico, insuspeitados cantores, atores, músicos,
apresentamos pequenos números de musica
tocada em pente, monólogo, coral, e etc. Estava
inaugurada a casa de Madá! E, claro, a coisa
aconteceu. E acontece de novo a cada encontro, em
cada buraco aberto onde se planta o grão de sabermagdalena e, dali, cresce planta estranha, diversa,
uma obra em mosaico, sempre incompleta, por se
fazer de cada fragmento de lembrança, como a
“Sagrada Família” de Gaudí. Uma incompletude
linda!
por Maria Edith Maroca de Avelar
Álvaro de Araujo Antunes
P R O G R A M A Ç Ã O:
8º NA
BOCA
EDITO RIAL
Um jornal se faz com
ideias e atitudes. Assim tem sido
DO
feito as edições do Pé na Estrada,
idealizado por Magdalena
BALÃO
Gastelois, a partir de 2000. É com
grande alegria que publicamos
mais uma edição deste jornal.
Editar, reunir, criar, improvisar e
Imag. 2
incorporar o espírito de Madá,
para ver e fazer ver o Sagarana,
Festival das Línguas, Escola
30.04 - 22h - Valerie Quartet
Tributo à Amy Winehouse
01.05 - 20h - Candonguêro
02.05 - 22h - Encontro de Sanfoneiros
03.05 - 16h - Objetos Voadores com-vida
Praça Minas Gerais
- 22h - Rua da Virada
04.05 - 13h - Feijoada com Choro
Picapau Amarelo, literatura,
arquitetura, amigos, lembranças e
tanto mais!
Só foi possível fazer este
Pé na Estrada porque contamos
com a colaborações também dos
amigos, que de uma forma
singular e generosa encontraram
tempo para dedicá-lo a ela. Nosso
“muito obrigado”.
EXPED IENTE:
Jornal Pé na Estrada
Realização: Sagarana Café-teatro
Idealização: Magdalena Lana Gastelois
Coordenação: Ana Lana Gastelois
Apoio:
Editor de Redação: Pedro Menegheti
Comercial Mól
Rua Cônego Amando, 311
31 - 3557 - 3937
Diagramação: Tolentino Ferraz
Imagens: 2. tumblr.com
Rua Dom Viçoso
Centro - Mariana
31- 3557 - 3807
1.:favim.com/source/www.lookandlookagain.com
Rua Frei Durão,114
Produção: Sheyla Santos
Centro - Mariana
31 - 3557-2233
Impressão: Gráfica Dom Viçoso
Rua Direita, 182B
31 - 3558 - 1758
ARENA
Getulio Vargas, 6A
31 - 3558 - 5295
Rua Dom Viçoso, 58
31 - 3558 - 1758
Barra Longa
Mineirão Lanches
Casa de Carnes e Sacolão
Rua Cônego, 571
31 - 8330 - 5135
Rua Cônego Amando, 275
31- 3557 - 2789
Contato: [email protected]
sagaranacafeteatro.wordpress.com
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