ENTREVISTA JUNTA METROPOLITANA DEVE SER UM ESPAÇO DE ACÇÃO AFIRMA MARIA DA LUZ ROSINHA A presidente da Junta Metropolitana de Lisboa faz um balanço das alterações legislativas, das relações com o Governo e outros agentes e lança desafios em referência ao futuro do órgão a que preside A Presidente da Junta Metropolitana de Lisboa, Maria da Luz Rosinha, há um ano no cargo, considera que o órgão a que preside deve ter atribuições muito para além de um espaço de reunião de 19 responsáveis políticos municipais. Considera que a Junta tem de ser um espaço de acção, algo que acha não estar completamente salvaguardado no âmbito da nova legislação. Para isso, “é necessário um corpo político que dirija, articule posições e desenvolva consensos e se torne porta voz do que hoje são mais de três milhões de cidadãos”, diz na entrevista que concedeu ao primeiro número da Metrópoles. 7 metrópoles ENTREVISTA “Não basta transferir capacidade de dar pareceres, fazer análises e elaborar documentos. Tem de existir poder executivo” Metrópoles Passou pouco mais de um ano desde que foi eleita Presidente da Junta Metropolitana de Lisboa. É, talvez, a altura de fazer um primeiro balanço da experiência. Que expectativas tinha, ou que projectos alimentava quando assumiu o cargo? E que lição lhe parece possível tirar deste primeiro ano de mandato? Maria da Luz Rosinha Fazer o balanço ao fim de um ano na Junta Metropolitana de Lisboa não é fácil, quando estamos em profunda mudança. As expectativas ainda se mantêm, apesar de haver algum receio de frustração. Fui, durante o último mandato, muito crítica em relação àquilo que considero ser uma Junta Metropolitana, no que se refere às suas competências e atribuições. E agora, no momento em que se perspectiva o aparecimento delas, também o sou em relação aos meios neces- metrópoles 8 sários e subjacentes para que possam tomar corpo. Não basta transferir capacidade de dar pareceres, fazer análises e elaborar documentos. Tem de existir poder executivo. A Junta Metropolitana não pode ser apenas o espaço de reunião de 19 responsáveis políticos de municípios. Tem de ser o espaço de acção de um determinado número de responsáveis políticos de municípios. É esta a minha posição. E é algo que considero não estar completamente salvaguardado no âmbito da nova legislação que atribui novas competências às Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto. De qualquer maneira, não nos devemos afastar dos objectivos a perseguir. Desde logo, a forma como a direcção política de uma Junta Metropolitana deve ser encontrada. A actual obriga a articular a função de Presidente de Câmara com a de Presidente da Junta. E isso não é exequível, porque, quando se desempenha um cargo, o outro fica a aguardar. E, embora possam ocorrer, de vez em quando, benefícios desta duplicação de funções, a verdade é que há muitas angústias devidas a ela. Por isso, a Junta Metropolitana de Lisboa está a reflectir sobre uma nova forma de eleição - que não tem de ser forçosamente de sufrágio universal que permita a existência, em plenitude, de uma direcção política. Ou seja, se um Presidente de Câmara fosse escolhido para o lugar, ele deveria optar logo por o assumir em detrimento daquele que tinha representado. Só desta forma é que haverá condições para um poder político efectivo das Áreas Metropolitanas. Devemos ter em conta que estas entidades têm sempre necessidade de diplomacia na sua própria gestão, muito acima daquilo que é exigido num órgão municipal, ou, inclusive, em órgãos de outra natureza. No universo da Área Metropolitana de Lisboa, com 19 municípios, constituídos, no caso presente, por três forças políticas, é, em todos os momentos, necessário não criar situações de clivagem, mas sim encontrar consensos. É algo que exige, de quem tem essa responsabilidade, não só disponibilidade, como tempo para o fazer. Pode pensar-se que a Junta Metropolitana tem pouca matéria a seu cargo. Mas tem muita. Ela deve intervir num conjunto alargado de áreas, onde hoje não ENTREVISTA o faz, situação que continuará a ocorrer, se não forem criadas as condições políticas – sobretudo na forma como se constrói e escolhe a direcção. Embora a Junta, no âmbito da nova legislação, venha a ser dotada de uma nova estrutura, esta não é suficiente. É necessário um corpo político que dirija, articule posições e desenvolva consensos e se torne porta voz do que hoje são mais de três milhões de cidadãos. A importância da sua existência é bem clara, mas a que lhe tem sido atribuída não. É algo que se obser va na forma como os sucessivos governos se têm relacionado com as Áreas Metropolitanas. Estas têm sido somente entidades que apenas tomam conhecimento das decisões. Nunca foram interlocutoras privilegiadas na sua adopção. Acho urgente que este quadro de intervenção se defina e que cada um de nós assuma as suas próprias responsabilidades. Metrópoles Como se sente agora, confrontada com eventuais mudanças legislativas que podem revelarse fundamentais para a Área Metropolitana de Lisboa? MLR O presente mandato está, efectivamente, a ser confrontado com profundas alterações ao nível legislativo. Foi-nos apresentada uma proposta de Lei sobre as Áreas Metropolitanas e as Comunidades Urbanas, uma proposta de Decreto-Lei sobre a criação das Autoridades Metropolitanas de Transpor tes de Lisboa e Por to, uma estrutura desde há muito aguardada e desejada por todos os Autarcas, a par de um conjunto de propostas legislativas de transferência de competências do Governo para as Autarquias, que vão da Educação, à instalação e funcionamento dos recintos de espectáculos e divertimentos públicos, ao licenciamento e autorização para a realização de operações urbanísticas de empreendimentos de Turismo Rural e um conjunto de outras competências dos Governadores Civis. Todas estas questões exigem um esforço suplementar, de análise política-formal, de grande responsabilidade, um vez que as opções que forem agora tomadas têm consequências, quer ao nível da Junta Metropolitana, quer ao nível dos Municípios. Metrópoles É sabido que a Área Metropolitana de Lisboa abarca o território comum de dezanove Municípios, cada um com o seu eleitorado específico, um mosaico de tendências políticas. Enquanto Presidente da Junta Metropolitana, como gostaria de classificar o seu relacionamento com os outros Presidentes de Câmaras, nomeadamente os que pertencem a formações políticas diferentes da sua? MLR O relacionamento com os meus colegas Autarcas tem sido excelente, desde logo a avaliar pela minha própria eleição - por unanimidade - e pela constituição e eleição da Comissão Permanente da Junta Metropolitana, que integra representantes de todas as forças políticas presentes no universo metropolitano. “É necessário um corpo político que dirija, articule posições e desenvolva consensos e se torne porta voz do que hoje são mais de três milhões de cidadãos” 9 metrópoles ENTREVISTA Metrópoles Está de acordo com o sistema de eleição do Presidente da Junta Metropolitana que se encontra em vigor, ou preferiria outro? Qual e porquê? MLR A forma de eleição do Presidente da Junta Metropolitana é a possível no quadro legal vigente. Conhecemos o resultado do Referendo sobre a Regionalização, feito em 1998 e vivemos hoje com um quadro débil, do ponto de vista formal, relativo à eleição do Presidente da Junta Metropolitana. Todos nós temos uma legitimidade democrática, que nos advém do resultado eleitoral, em cada um dos nossos Concelhos, mas a verdade é que não existe legitimidade democrática directa, para eleição do Presidente da Junta Metropolitana. “eu preferiria um Presidente da Junta eleito directamente, através de acto eleitoral, com dedicação plena e exclusiva na Área Metropolitana.” metrópoles 10 Por outro lado, toda a nossa intervenção e trabalho político incidem, essencialmente, em cada um dos nossos Municípios, a favor das expectativas dos cidadãos que nos elegerem. O tempo que sobra é pouco para uma atenção profunda e exclusiva aos problemas que, sendo municipais, são de ordem metropolitana. Por isso, eu preferiria um Presidente da Junta eleito directamente, através de acto eleitoral, com dedicação plena e exclusiva na Área Metropolitana. Dir-me-ão... mas isso é a Regionalização que as pessoas recusaram. Pois recusaram... num determinado momento. Talvez por culpa de todos, mesmo daqueles que são a favor da criação de Regiões, mas que não souberam fazer o discurso pedagógico das vantagens de um poder intermédio, entre os Municípios e o Governo. Julgo que, mais tarde ou mais cedo, a questão voltará a colocar-se. É a evolução normal da democracia na Europa, como resposta eficaz às expectativas dos cidadãos. Metrópoles Como definiria o ambiente da sua relação institucional com o Governo? Pensa que o facto de ele representar formações políticas distintas daquela a que pertence tem algum efeito, ou algum condicionamento negativo, sobre as suas funções? ENTREVISTA MLR A relação com o Governo é boa. Digamos que a Junta Metropolitana tem sido ouvida nas matérias que lhe dizem respeito. Se isto se traduz na expressão das propostas por nós apresentadas, o tempo o dirá. Devo, contudo, referir que a decisão de introduzir as portagens na CREL, sem ter sido dado conhecimento prévio à Junta Metropolitana, foi algo que mereceu a nossa reprovação. Independentemente de ser decisão do Governo, entendo que, sendo uma matéria em discussão no âmbito da Criação das Autoridades Metropolitanas de Transportes, o Governo deveria ter dado conhecimento à Junta Metropolitana de Lisboa desse facto, pelos enormes impactos que tal medida tem no território da Área Metropolitana de Lisboa. Exceptuando uma audiência solicitada ao Sr. Primeiro Ministro, também a propósito das portagens da CREL, que nunca foi concedida, digamos que os restantes membros do Governo têm manifestado disponibilidade para ouvir a Junta Metropolitana de Lisboa. Metrópoles Quer comentar o modo como decorrem as suas relações e as da Junta com os vários agentes sociais e económicos da vasta região que constitui a Área Metropolitana de Lisboa? MLR Julgo que é necessário criar um relacionamento com os agentes institucionais, sociais e económicos da AML, mais sólido e que se possa estruturar no reconhecimento institucional deste órgão. Mas, esta confiança tem que ser construída e solidificada em acções concretas. Posso referir algumas, a título de exemplo: A AIP - Associação Industrial Por tuguesa é um impor tante parceiro económico com quem estamos a trabalhar, no sentido de estudar a re-localização das zonas industriais na Área Metropolitana de Lisboa e criar unidades empresariais complementares às actividades existentes. Há, do lado dos Municípios, interesse no investimento e no desenvolvimento e, por outro, a capacidade para investir e atrair investidores. Outro exemplo: A integração da JML no Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo, que tem como objectivo o alargamento da intervenção do Centro aos conflitos de consumo ocorridos no território da AML - uma parceria que “é necessário criar um relacionamento com os agentes institucionais, sociais e económicos da AML mais sólido e que se possa estruturar no reconhecimento institucional deste órgão. Mas esta confiança tem que ser construída e solidificada em acções concretas” envolve a sociedade civil, a DECO, o Instituto de Defesa do Consumidor e o Ministério da Justiça. Também no domínio da Cultura, Lazer e Tempos Livres, existem parcerias já consolidadas, como é o caso com o Meia Maratona Clube, para a realização de um evento despor tivo, anual, de grande projecção – a Meia Maratona de Portugal. Também no curto prazo, será possível assegurar a colaboração da Companhia de Bailado Contemporâneo nos Municípios da AML, nos domínios pedagógico e de sensibilização à dança. O relacionamento com as Universidades é outra área que temos vindo a desenvolver com resultados palpáveis, como sejam, a próxima edição do primeiro ATLAS da AML, 11 metrópoles ENTREVISTA meça a existir uma consciência mais lata, de pertença comum a uma Área Metropolitana e que, em consequência disso, o Presidente da Junta Metropolitana de Lisboa passe a ser conhecido (e interpelado) como nova instância de recurso? “Persistem dúvidas sobre o financiamento da Autoridade Metropolitana de Transportes, os encargos financeiros para os Municípios e o papel institucional, MLR Começa a existir, efectivamente, a consciência, no cidadão, de que existem problemas só resolúveis ao nível metropolitano e começam a ser frequentes os pedidos de audiência ao Presidente da Junta Metropolitana, quer por parte de grupos de cidadãos organizados, como, por exemplo, o movimento da CREL ou o movimento que defende a abolição de portagens na Ponte 25 de Abril, mas, essencialmente, por parte de instituições, de vária índole, que reconhecem as potencialidades de uma intervenção metropolitana. O exemplo mais recente é o das empresas que garantiam a manutenção dos elevadores, monta-cargas e escadas rolantes, quando esta competência era do Governo e que agora procuram a JML para que seja encontrada uma solução de intervenção intermunicipal. Metrópoles Como é que está a evoluir o projecto da nova Autoridade Metropolitana de Transportes? Quais são as suas áreas de competência e de capacidade de intervenção? da Junta Metropolitana, enquanto representante de 19 Municípios, nos órgãos de decisão da Autoridade Metropolitana de Transportes” também um outro projecto para o estudo e a edição de publicações dirigidas aos praticantes do ecoturismo e ainda a produção de informação especializada, essencial à gestão municipal, como a Carta Geológica da Área Metropolitana de Lisboa, também a obter através de parcerias com a Universidade. Metrópoles Até hoje, o cidadão comum estava habituado a reclamar, no que respeita aos problemas do foro da sua área de residência, junto do respectivo Presidente de Câmara. Pensa que já co- metrópoles 12 MLR A proposta de Decreto-Lei, apresentada pelo Governo, sobre a Criação da Autoridade Metropo-litana de Transportes, tem sido analisada e discutida, em profundidade, quer no âmbito da Junta Metropolitana de Lisboa, quer no quadro das relações que se têm estabelecido com a Associação Nacional de Municípios Portugueses e com o Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações. Trata-se de uma proposta que visa a criação de uma Autoridade com capacidade efectiva de intervenção nos domínios dos transportes e da mobilidade na AML. A Autoridade Metropolitana de Transportes vai ter atribuições em matérias de Planeamento, Organização do Mercado, Financiamento e Tarifação, Promoção do Transporte Público, Investigação e Desenvolvimento. Com este leque de competências, trata-se realmente de uma Autoridade com poderes efectivos e julgamos que poderá ter toda a capacidade de intervenção para ENTREVISTA organizar, gerir e explorar o Sistema de Transportes da Área Metropolitana de Lisboa. Os Autarcas dos Municípios da Área Metropolitana de Lisboa anseiam há muito pela criação desta entidade. Estamos todos de acordo. Persistem, no entanto, dúvidas sobre o financiamento da Autoridade Metropolitana de Transportes, os encargos financeiros para os Municípios e o papel institucional, da Junta Metropolitana, enquanto representante de 19 Municípios, nos órgãos de decisão da Autoridade Metropolitana de Transportes. Nesta matéria, temos um desacordo de princípio, no que se refere à composição do Conselho de Administração. O Governo propõe que ele seja constituído por três representantes - um do Governo, outro da Câmara Municipal de Lisboa e outro da Junta Metropolitana. Entendemos que este modelo distorce a lógica metropolitana da Autoridade. Relega a Junta Metropolitana para um posição de segundo plano, quando deve ir no sentido oposto. Aliás, esta interpretação é corroborada por eminentes especialistas em transportes. Reconhecemos que Lisboa, cidade capital do País, deve ter um presença forte neste órgão de decisão e, por isso, propomos que, no referido órgão, a representação seja: um elemento do Governo e dois, da Junta Metropolitana, sendo um deles o representante de Lisboa. Uma solução “bicéfala”, em que estão presentes os três componentes institucionais, em contraponto ao modelo tripartido do Governo, em que um dos Municípios da AML assume um papel de autonomia em vez de fazer parte de um todo ■ 13 metrópoles