Artigo 10/2013
O PECADO DO IPK Luiz Paulo Freitas Pinto Parece ainda imperar, em alto grau, certos domínios do interesse patrimonialista fundado no espírito universal da burocracia, que é o segredo, o mistério, ou seja, a ignorância sobre os coisas e mecanismos de funcionamento do Estado. Um dos temas da pauta nacional e que foi como que o estopim dos movimentos sociais de junho de 2013 é o das tarifas do transporte coletivo. Muito – e bota muito nisso – se tem falado, discutido, argumentado sobre as metodologias de cálculo, os custos, as formas de financiamento etc., mas todo o debate sobre esse tema ainda é insuficiente, claro. Até porque ficou evidente que não se trata apenas dos vinte centavos. Quero propor aqui, de modo extremamente sintético e singelo, uma reflexão sobre um aspecto do cálculo tarifário extremamente relevante. Nesse cálculo, existe a figura do IPK (índice de passageiros por quilômetro), cujo detalhamento é aqui desnecessário e inviável. Apenas cabe referir que sua gênese e seu uso em geral justificam a primeira frase acima. Há décadas, a metodologia empregada nacionalmente nas planilhas de apuração das tarifas do transporte coletivo é a mesma, por vezes com pequenas variações, mas sem nunca se questionar a sua constituição conceitual, sem se alterar sua estrutura. Esse “copiar/colar” tem resultado em verdadeiras aberrações, tanto em planilhas, como em discursos. Na essência, o IPK considera os passageiros pagantes (não nos percamos aqui em detalhes – equivalências, descontos etc.), ou seja, não considera a totalidade dos passageiros (ao menos, não de modo igual). Aqui reside, no meu entender, um dos maiores problemas do cálculo tarifário do transporte coletivo: no custo da passagem são computadas as isenções e outros benefícios, tais como o caso de estudantes, idosos etc., que, na verdade, não constituem elementos do custo do transporte, mas renúncias de receita. O custo do transporte se constitui dos insumos, ou seja, dos custos fixos (salários, encargos etc.) e variáveis (combustível, lubrificantes etc.) e, para efeitos tarifários, mais a remuneração do capital, tributos e lucro. O somatório desses elementos é que constitui o custo total (ou unitário se dividido pelo número de passageiros transportados). Artigo 10/2013
Os benefícios (isenções, passe‐livre etc.) constituem custos públicos de outra natureza; a isenção para idosos, por exemplo, deveria ser custeada via subsídio direto do poder público, assim como a isenção para estudantes, que poderia ser considerada uma despesa com educação. No modo como são feitos os cálculos de que tenho conhecimento, as passagens subsidiadas e as isenções são consideradas como custos e cobradas dos passageiros pagantes. Vale repetir: os passageiros pagantes (sem entrar na questão do vale transporte, do aumento das tarifas e consequente alijamento de potenciais passageiros etc.) é que saldam as passagens para os idosos, estudantes etc., o que é, do ponto de vista da justiça social, um absurdo. Quem deve arcar com o custo desses benefícios (gratuidades e descontos) é a coletividade e não apenas os usuários pagantes do transporte coletivo, estes deveriam pagar tão somente a tarifa correspondente ao custo do transporte (dividido pela totalidade de usuários), sem a adição dos benefícios concedidos a outros cidadãos. O tema é amplo e complexo, o que torna difícil e até temerária uma abordagem en passant. Mas esta reflexão apenas visa a realçar a importância de conhecermos e bem aplicarmos os conceitos da contabilidade de custos, cuja falsa aridez só interessa ao espírito universal da burocracia, à demagogia patrimonialista, enfim, a interesses outros que não combinam com a promoção do bem comum. Calcular custo pode não ser preciso, mas o saber é preciso. Os conceitos de receita, despesa e custo não se confundem. E no setor público, é cada vez mais imperativo conhecermos e aplicarmos corretamente os conceitos de custo. A CAGE (Contadoria e Auditoria‐Geral do Estado do Rio Grande do Sul), ao lado de outros órgãos que operam a contabilidade pública brasileira, já tem certa expertise em termos de implantação de sistema de custos no setor público. Mas precisamos avançar, e muito, na introdução do sistema de informações de custos em mais e mais órgãos estaduais, bem como na disseminação do conhecimento. Por isso, estamos realizando o 6º Seminário de Orientação ao Gestor Público e 2º Seminário de Informações de Custos na Administração Pública Estadual no dia 20 de novembro próximo. Portanto, bem longe do propósito de apresentar soluções para o problema da tarifa do transporte coletivo, esta reflexão visa, fundamentalmente, convidar à participação de nosso Seminário todos aqueles que desejam voluntariamente evitar o pecado do IPK e seus correlatos. Luiz Paulo Freitas Pinto Contador e Auditor‐Geral do Estado. 
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