Magnífico Reitor da Universidade do Porto, Prof. Doutor José Carlos Marques dos Santos Reitoria da Universidade do Porto Praça Gomes Teixeira 4099‐002 Porto Porto, 01 de junho de 2012 Assunto: Comunicação v/ ref.ª FOA.12.2.3600.2012, de 04/04/2012 Na comunicação do Senhor Reitor da Universidade do Porto, datada de 04 de abril de 2012, dirigida aos Diretores das Unidades Orgânicas da U.Porto, lê‐se que decorreria da legislação e dos regulamentos em vigor que o acesso à época especial de exames por parte dos trabalhadores‐estudantes colide com as disposições legais e regulamentares existentes; e alerta o Senhor Reitor para desconformidades entre o estipulado normativamente pela lei e pela Universidade com a prática de algumas Unidades Orgânicas. Carece porém aquela comunicação de rigor! É facto que, como é dito, a Lei n.º 116/97, de 4 de novembro, concretamente no n.º 4 do seu art.º 8.º, estipula que «os trabalhadores‐estudantes gozam de uma época especial de exames em todos os cursos e em todos os anos letivos»; porém, ao contrário do que é ali afirmado, a Lei n.º 166/97, de 4 de novembro não foi revogada pela Lei n.º 105/2009, de 14 de setembro. A partir do argumento desta revogação (que não ocorreu!), desenvolve‐se o raciocínio lógico de que o Estatuto de Trabalhador‐Estudante da U.Porto, aprovado de 23 de maio de 2011, «baseado na legislação aplicável (concretamente a nova regulamentação do Código do Trabalho)» (sublinhado nosso) não previa tal figura (que pretendia revogada pela «nova regulamentação» ‐ aquela Lei n.º 105/2009). Afirma‐se ainda com pouquíssimo rigor jurídico que «considerando que, quer o disposto na lei geral, quer no ETE da Uporto, não existe enquadramento legal para que os TE [trabalhadores‐estudantes] possam usufruir da época especial de exames, deverão os regulamentos específicos de avaliação dos discentes de todas as UO’s [unidades orgânicas] respeitar os normativos vigentes nesta matéria, evitando assim tratamentos desiguais dos TE da U.Porto.». Ora, também não é verdade que não existe tal enquadramento legal, que permita as normas de acesso à época especial dos trabalhores estudantes. Senão, vejamos: A Lei n.º 116/97, de 4 de novembro, encontra‐se neste momento revogada, é certo; mas tal revogação foi operada pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, mais concretamente pela al. i) do n.º 2 do art.º 21.º, revogação que entraria em vigor, nos termos da mesma norma, com a entrada em vigor da regulamentação do Código de Trabalho aprovado pela mesma lei — regulamentação que veio a ser aprovada pela Lei n.º 35/2004, de 29 de julho. Assim, desde a entrada em vigor da Lei n.º 35/2004, o estatuto legal dos trabalhadores‐ estudantes passou a estar definido pelo Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 em articulação com a sua regulamentação, constante nesta Lei n.º 35/2004 (concretamente nos art.os 147.º a 156.º). Nesta regulamentação, quanto à questão em apreço, definia‐se apenas que «no caso de não haver época de recurso, o trabalhador‐estudante tem direito, na medida em que for legalmente admissível, a uma época especial de exame em todas as disciplinas.» (cf. n.º 2 do art.º 155.º). Com a revisão do Código do Trabalho operada pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, regulamentada posteriormente pela Lei n.º 105/2009, promoveram‐se pequenas alterações ao regime legal do estatuto dos trabalhadores‐estudantes, mas aquela norma constante do n.º 2 do art.º 155.º não sofreu qualquer alteração de redação; passando quase ipsis verbis a constituir o n.º 2 do art.º 12.º :«Caso não haja época de recurso, o trabalhador‐estudante tem direito, na medida em que seja legalmente admissível, a uma época especial de exame em todas as disciplinas.». Daqui resulta claro que o regime hoje vigente na legislação laboral e na sua regulamentação, aplicável ao estatuto dos trabalhadores‐estudantes, é o mesmo, no que diz respeito ao acesso a época especial de exames, desde a entrada em vigor da Lei n.º 35/2004. Ora, pelo mesmo raciocínio apresentado pelo Senhor Reitor, se carece hoje o acesso à época especial de exames de enquadramento legal também carecia do mesmo enquadramento legal o acesso a tal época desde o ano letivo 2005/06 em toda a U.Porto. Esteve porventura a conceder‐se ilegalmente aos trabalhadores‐estudantes acesso à época especial de exames desde esse ano letivo?! A resposta é claramente negativa! Porque o regime legal estabelecido é o regime mínimo que tem de ser previsto e não pode ser derrogado pela U.Porto; mas o mesmo regime pode ser regulamentarmente alargado, dentro dos limites da lei, isto é, sem violar as proibições legais existentes — não existindo então qualquer proibição de definição regulamentar para vigorar na U.Porto regime mais favorável. As mesmas razões continuam porém a ser aplicáveis: não proibindo a legislação hoje vigente a que se defina o acesso dos trabalhores‐ estudantes à época especial de exames, está na disposição regulamentar da U.Porto prever a sua possibilidade. Com que legitimidade legal?, poderia perguntar‐se. Qual a lei habilitante de tal poder regulamentar? Perguntas cuja resposta não pode deixar de ser: desde logo o n.º 2 do art.º 76.º da Constituição da República Portuguesa, secundado pelo RJIES – Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro (especialmente nos seus art.os 11.º, n.os 1 e 2, 71.º, n.º 1, entre outras disposições). É a autonomia universitária constitucional (e legalmente) definida que habilita a U.Porto a, sem colidir com as disposições legais aplicáveis, emitir os seus regulamentos internos. E não proibindo a legislação aquele acesso à época especial, é a U.Porto livre para a prever. Igual raciocínio que foi feito para a relação entre a legislação e a regulamentação (geral) da U.Porto pode ser feito para a relação entre a regulamentação (geral) da U.Porto e as regulamentações específicas das unidades orgânicas da U.Porto. Esta regulamentação específica está livremente à disposição dos órgãos próprios das unidades orgânicas, desde que cumpram as disposições legais existentes e as disposições estatutárias (da U.Porto e da própria unidade orgânica) e regulamentares (regulamentação geral da U.Porto) em vigor. Assim, não proibindo a legislação aplicável, como demonstrado supra, o acesso por trabalhadores‐ estudantes à época especial de exames, e não constando igualmente do Estatuto dos Trabalhadores‐Estudantes da U.Porto qualquer proibição de acesso a tal época de exames, está à disposição dos órgãos próprios das unidades orgânicas a definição de tal acesso ou a não previsão do mesmo. Com que enquadramento legal? Com que norma habilitante?, poder‐ se‐ia novamente perguntar. A resposta para as unidades orgânicas é o mesmo RJIES, que confere, em articulação com os Estatutos da U.Porto, as autonomias próprias das unidades orgânicas e as competências (legais e estatutárias) dos seus órgãos próprios. Pelo exposto, não estando prevista a proibição de acesso à época especial por parte dos trabalhadores‐estudantes nem na legislação nem na regulamentação (geral) da U.Porto, é livre a regulamentação específica nesse sentido por parte de qualquer unidade orgânica (ou de algumas delas, ou mesmo de todas). Do que resulta não só a falta de rigor daquela comunicação do Senhor Reitor aos Diretores das unidades orgânicas, como a falsidade da conclusão a que aí se chega de que «não existe enquadramento legal para que os TE possam usufruir da época especial de exames» e de que «deverão os regulamentos específicos de avaliação dos discentes de todas as UO’s respeitar os normativos vigentes nesta matéria». Por tudo o que se disse, e aproveitando a ocasião, permitimo‐nos chamar a atenção de que nesta questão do Estatuto dos Trabalhadores‐Estudantes da U.Porto houve de facto violação de disposições legais e estatutárias. É que a Lei n.º 23/2006, de 23 de junho, confere às associações de estudantes, e por extensão, as suas federações o direito a ser consultadas em relação a várias matérias, nomeadamente a que aqui está em causa (cf. al. c) do n.º 1 do art.º 21.º), não tendo tal ocorrido; e secundam esta disposição os Estatutos da U.Porto prevêm que a Universidade do Porto (maxime o seu Reitor) «ouve as associações de estudantes no âmbito da legislação que vigore relativa à participação na vida académica» (cf. n.º 2 do art.º 99.º), como é o caso desta Lei n.º 23/2006. Assim, não se agiu em conformidade com as disposições daquela Lei n.º 23/2006 e com o art.º 99.º dos Estatutos da U.Porto, nem por isso com a diligência necessária para o cumprimento das disposições legais e estatutárias aplicáveis, quer na aprovação do Estatuto dos Trabalhadores‐Estudantes da U.Porto, quer no ato inserto na comunicação do Senhor Reitor a que agora se alude, uma vez que tal comunicação constituiria, no mínimo, outro assunto do interesse dos estudantes (cf. al. d) do n.º 2 do art.º 99.º dos Estatutos da U.Porto). Para além das considerações jurídicas sobre a questão, que como vimos não impedem que esteja previsto regulamentarmente ao nível da U.Porto ou das suas unidades orgânicas o acesso dos trabalhadores‐estudantes à época especial de exames, há ainda que apreciar o mérito e a oportunidade de retirar a possibilidade de acesso. Do ponto de vista do mérito, é muito questionável a medida de não possibilitar o acesso à época especial de exames, pois tal é ignorar o elevado valor social da qualificação dos trabalhadores, sobretudo no caso dos trabalhadores‐estudantes que empreendem uma dupla “jornada” (laboral e académica), tentando conciliar horários e calendários de ambas as “jornadas” sem pôr em causa nem a qualidade do seu “trabalho profissional” nem a do seu “trabalho académico”, respeitando a organização quer da empresa, quer da instituição de ensino. A medida é injusta porque não reconhece o mérito destes trabalhadores‐estudantes, que não têm, nem querem ter, na época especial de exames, um regime especial de avaliação no sentido de uma menor exigência ou de qualquer outro tipo de facilitismo académico, mas uma oportunidade de colmatar as falhas de compatibilidade organizacional próprias da empresa onde trabalham e da instituição onde estudam. E ainda mais injusta é, quando se possa olvidar que a época especial cujo acesso agora se pretende vedar decorre no mês de setembro, desprezando‐se assim o esforço conciliador que os trabalhadores‐estudantes tentam fazer das suas obrigações profissionais e académicas, na maioria das vezes traduzindo‐ se no sacrifício das suas férias, dedicando‐as ao estudo para se poderem apresentar a exame em setembro. Uma instituição como a U.Porto, que sistematicamente não tem desenvolvido esforços para organizar um ensino pós‐laboral, mais facilmente conciliável com o horário de trabalho dos trabalhadores‐estudantes, não pode simultaneamente ter a veleidade de extinguir a única medida própria de contribuir para aquela conciliação trabalho‐estudo. Sendo o regime legal vigente, de não obrigação de acesso à época especial de exames por parte dos trabalhadores‐estudantes, o mesmo desde 2004, sob o ponto de vista da oportunidade da medida anunciada, não é razoável vedar este acesso no exato momento em que atravessamos uma crise económico‐financeira da dimensão da atual, com todas as repercussões sociais que o elevadíssimo desemprego e a redução das verbas públicas disponíveis para a ação social provocam. Os estudantes têm sido chamados e têm assumido a responsabilidade, em função do atual momento económico dos seus agregados familiares, a procurarem rendimentos próprios que complementem o rendimento do agregado: não é aceitável que ao mesmo tempo uma instituição de ensino superior nada faça de motu proprio para facilitar a compatibilização do trabalho com o estudo, obrigando estes estudantes, em função da crise impulsionados para trabalharem, a ter de escolher entre estudarem ou trabalhando fazerem a sua quota‐parte em benefício da sua família. A medida que agora se toma, querendo simular não se estar agora a tomar, sob a justificação de apenas se estar a conformar as normas institucionais existentes com a legislação, para estes estudantes socioeconomicamente mais carenciados, ainda que não carenciados o suficiente para estarem abrangidos pelo cada vez mais escasso limiar de acesso à ação social direta, mais não representará do que um convite ao abandono escolar, frustrando as expectativas fomentadas ao longo dos últimos anos e dificultando as legítimas aspirações de mobilidade social e de desenvolvimento pessoal. A esta medida faltam assim razões quer de mérito, quer de oportunidade; sendo ainda agravada pelo facto de ir no sentido exatamente aposto ao estrategicamente definido para o desenvolvimento socioeconómico da Europa e do País. As metas de qualificação que pretendemos atingir, ao nível nacional e comunitário, nomeadamente as definidas pela Estratégia 2020, são uma obrigação de todos e cada um de nós, e as instituições de ensino superior não se podem alhear da tarefa que lhes incumbe realizar para as atingir. Esta medida ignora estas obrigações: nós entendemos que da maior Universidade portuguesa se exige mais, sobretudo se quiser ser verdadeiro referencial nacional para as outras instituições que aspiram a ser melhores. Pelo exposto, as associações de estudantes da U.Porto abaixo‐assinadas e a Federação Académica do Porto entendem assim que: a) Deve o Senhor Reitor emitir nova comunicação, corrigindo as imprecisões constantes da comunicação anterior, como demonstrado, ou pelo menos declará‐la como sem efeito; b) Não devem os Diretores das unidades orgânicas, pelas razões dadas supra, ter em consideração o teor daquela comunicação do Senhor Reitor, datada de 04 de abril de 2012; c) Devem as associações de estudantes da U.Porto e a Federação Académica do Porto ser ouvidas, quer na questão em apreço (acesso dos trabalhadores‐estudantes à época especial), quer em relação ao Estatuto dos Trabalhadores‐Estudantes da U.Porto, para cabal cumprimento das disposições estatutárias e legais aplicáveis à sua participação na vida académica.