VENTO SUJO
POLUIÇÃO TIPO
EXPORTAÇÃO
Fumaça produzida pelas queimadas na Amazônia
brasileira afeta outros estados e países da América do Sul
TEXTO MARIA CLARA SERRA DESIGN TELIO NAVEGA
A fumaça das queimadas brasileiras chega a cobrir cerca de cinco milhões de quilômetros
quadrados da América do Sul, o equivalente à metade do território brasileiro ARQUIVO
O
Brasil, que se orgulha de ter reduzido o desmatamento nos
últimos anos, se tornou o maior exportador de fumaça da
América do Sul. A poluição produzida pelas queimadas afeta
diretamente a saúde da população amazônica e o equilíbrio
ambiental. Porém, vai mais longe e causa problemas em
estados das regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste e países
vizinhos, principalmente Bolívia, Peru e Paraguai. A constatação é de um
estudo inédito do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em
colaboração com a Universidade Federal do Acre.
Os estados amazônicos de Pará, Rondônia, Amazonas, Mato Grosso
e Acre registram o maior número de queimadas da América do Sul.
Somente as nuvens de fumaça geradas no Brasil chegam a cobrir até
cinco milhões de quilômetros quadrados ­— o equivalente a mais da
metade do território brasileiro — devido à circulação de ar típica do
inverno no Norte do país associada a um anticiclone do Atlântico Sul,
componente típico do clima da região.
— O nosso estudo surgiu por uma demanda do Ministério Público
do Acre por conta da elevada poluição no estado. O governo local,
então, justificou que não era responsável pela fumaça, mas que acabava
importando de outros países — conta Saulo de Freitas, pesquisador
do Centro de Previsão de Tempo e Estudo Climático (CPTEC) do Inpe,
responsável pela pesquisa ao lado de Karla Longo. — Concluímos, no
entanto, que o Acre é o maior poluidor da região.
Em 2005, a média mensal de emissões pela queima de biomassa no
estado fez os níveis de concentração de partículas em suspensão atingir,
na estação seca — de julho a novembro —, entre 40 e 80 mícrons por
metro cúbico (µg/m³) por períodos de até 30 dias. Nível bem acima dos
limites considerados toleráveis pela Organização Mundial de Saúde
(OMS), de 20µg/m³ ao longo do ano.
— Fizemos quatro anos de estudo, 2005, 2008, 2009 e 2010, e
constatamos as mesmas variações de qualidade do ar — ressalta Freitas.
O MP impetrou uma ação civil pública em 2007, que determinou a
proibição do uso de fogo para desmatamento na região e solicitou um estudo
técnico para determinar as fontes de poluição por queimada no estado.
O CAMINHO DA FUMAÇA
Utilizando dados de focos de fogo, estimativas dos gases emitidos
pela queima de biomassa — com técnicas de sensoriamento remoto —
e um sistema de equações de previsão do tempo, a equipe de pesquisa
conseguiu estimar a quantidade de poluentes que a capital Rio Branco
recebia de sete regiões: o próprio Acre, Rondônia, Amazonas, Mato
Grosso, Bolívia, Peru e Paraguai. Os locais de estudo foram escolhidos de
acordo com o regime de ventos, levando em consideração a fumaça que
poderia influenciar a qualidade do ar na cidade.
Com base nos dados coletados, Saulo e sua equipe criaram um
modelo e utilizaram o supercomputador Tupã — financiado com apoio
da Fapesp e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) —
para chegar aos resultados.
Em agosto de 2005, por exemplo, concluíram que os maiores
contribuintes para a poluição na cidade eram o próprio Acre e o
Amazonas. Em agosto de 2010, apenas Acre, Rondônia e Amazonas
emitiram, juntos, três vezes mais fumaça que a Bolívia, segundo país que
mais polui, de acordo com o estudo.
— Não fizemos essa medição, mas pelas correntes de vento do Brasil,
podemos ver que estados como Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná,
Santa Catarina e Rio Grande do Sul também são afetados por essa fumaça.
O Rio tem pouca probabilidade de receber a poluição, pois o transporte de
ar dessa região para o estado está associado com frentes frias, que elevam a
fumaça para níveis mais altos ou a eliminam com a chuva — explica Freitas.
EMISSÕES DE GASES NO QUADRILÁTERO RIO BRANCO EM 2010
Agosto
Setembro
Outubro
Novembro
AMAZONAS
PARÁ
ACRE
RONDÔNIA
PERU
MATO GROSSO
BOLÍVIA
FONTE: INPE
A poluição transfronteiriça não é exclusividade da América do Sul.
Outros estudos já documentaram, por exemplo, a exportação da poluição
da Ásia para os Estados Unidos, dos Estados Unidos para o Canadá e
entre países europeus. No entanto, ao contrário das regulações e acordos
internacionais que regem o problema na América do Norte e na Europa, os
países sul-americanos ainda não possuem legislação sobre o assunto.
— Como faltam pesquisas que mostrem o impacto dessa poluição
internacional na América do Sul, esse é um problema emergente, que
começou, do ponto de vista político e jurídico, no Acre, mas vai crescer
quando os outros países começarem a perceber que importam fumaça do
Brasil — acredita Freitas.
Os elementos lançados na atmosfera — gases do efeito estufa,
precursores de ozônio e aerossóis (partículas em suspensão na atmosfera)
— causam problemas à saúde humana, às plantações e às florestas.
Também alteram o regime de chuvas.
— Cada um desses gases interage com o vapor d’água e acaba acelerando
o processo de formação de gotas. Quando há poluição, o número de gotas
é maior, mas suas unidades são menores — afirma Luiz Augusto Machado,
meteorologista do CPTEC e responsável pelo Projeto Chuva, criado em
2010 para estudar o regime de precipitações do país. — A consequência
disso é que fica mais difícil chover, pois a gota só se precipita quando fica
pesada. As nuvens ficam no ar por mais tempo, mas não chove.
Machado, Saulo de Freitas e a pesquisadora Karla Longo estudam uma
forma de medir com maior precisão o impacto dos gases nas grandes
formações de nuvens. O estudo é resultado da união de três grandes
projetos. O primeiro é o Chuva, que monitora as nuvens na superfície.
O alemão Acridicon pesquisa as nuvens em altitudes de cerca de 15 mil
metros com instrumentos de microfísica. Por fim, o GoAmazon, que
mede a concentração de gases e partículas na atmosfera a seis mil metros
de altitude. A ideia é investigar como as queimadas modificam as nuvens
e o seu impacto na circulação da água na Amazônia.
GASES LIBERADOS PELA QUEIMADA E SEUS EFEITOS
— A Amazônia tem condições únicas. É a maior floresta do mundo,
mas também tem queimadas e cidades em expansão, como Manaus. Com
esse estudo poderemos entender como a atividade humana modifica o
regime natural da floresta — explica Freitas, ressaltando que os primeiros
resultados da iniciativa devem surgir em dois anos e podem contribuir na
previsão de qualidade do ar.
A Floresta Amazônica é o foco de pesquisas mundiais não apenas por
conter um ambiente único de estudo nessa área. Mas, principalmente,
porque a queima de sua biomassa, extremamente densa, produz muito
mais fumaça do que qualquer outra.
— Para se ter uma ideia, um hectare (10 mil metros quadrados) de
queimada na Amazônia emite cerca de 20 a 40 vezes mais do que a mesma
área de Cerrado — compara Freitas.
Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP e integrante do
Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), alerta que
a poluição das queimadas também causa uma modificação na maneira
como a floresta gera energia.
— Outro efeito importante é que essa poluição altera a radiação que a
floresta precisa para fazer fotossíntese, influenciando negativamente sua
capacidade de preservação — diz Artaxo.
Segundo o IBGE, as queimadas são a principal fonte de poluição em
64% dos municípios do país.
— O Brasil tem uma história de sucesso na diminuição do
desmatamento de 27.500 quilômetros quadrados em 2005 para 5.000
quilômetros quadrados em 2013, mas não reduziu proporcionalmente
as emissões de queimadas — critica Artaxo. — Até alguns anos atrás,
a maior parte das queimadas era associada ao desmatamento. Mais
recentemente, foi substituída por práticas agrícolas.
Segundo o físico, se o Brasil investisse em campanhas de educação,
o problema poderia ser atenuado, já que existem técnicas modernas
que substituem a queimada em processos como manutenção de pastos
e eliminação de resíduos agrícolas. Uma delas é a que utiliza os restos
da produção para enriquecer o solo com matéria orgânica. A técnica é
simples: em vez de queimar, as sobras são trituradas e enterradas. Mas o
método ainda é pouco difundido no país.
— Na verdade há uma falta de estratégia do governo federal na redução
de emissões de queimadas. Além de campanhas educativas, é preciso
uma legislação forte para proibir e punir quem as pratica — cobra Artaxo.
O estudo do Inpe suscitou debates sobre a governança da fumaça
na América do Sul. Espera-se que, em breve, o Brasil seja cobrado pelo
bloco de países prejudicados ­— no qual a Argentina, dependendo do
regime dos ventos, também faz parte — a pensar em medidas efetivas
para mitigar sua poluição. •
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EMISSÕES DE GASES NO QUADRILÁTERO RIO