Zimbro
Associação Cultural Amigos da Serra da Estrela | Março 2014
ASE
ZIMBRO - MARÇO 2014
Director
José Maria Serra Saraiva (presidente da ASE)
Corpo redactorial
Tiago Pais
José Amoreira
Rómulo Machado
Sede e redacção:
Rua General Póvoas, 7 - 1º
6260 - 173 MANTEIGAS
www.asestrela.org
ASE: [email protected]
Redacção: [email protected]
Composição
Paulo Silva
Grafismo
Bruno Veiga
Fotografia de capa
Ricardo Costa
www.rcosta.pt
Colaboraram neste número
Alexandre Nieuwendam
António Duarte
Hugo Figueiredo
João Noronha
Jorge Marcelino
José Conde
Jorge Marcelino
José Maria Saraiva
Mónica Sousa
Pedro Esteves
Pedro Rocha
Liliana Barosa
Vasco Freitas
4 | Editorial
10 | ASESTRELA 2014, Uma estrela desconhecida
12 | Somos um dos países mais ricos do mundo
14 | Asestrela
18 | Os estudos dos periodos frios do Quaternário na Serra da Estrela com
base em depósitos de vertente
26 | O gafanhoto Prionotropis flexuosa (Serville, 1838) no Parque Natural da
Serra da Estrela
32 | Dissonâncias
36 | Conservação da natureza: a importância de integrar as populações locais
46 | Presença de lontra num habitat potencialmente favorável
50 | As Diversas Realidades dos Pequenos Produtores
58 | Montanhas de imagens, Pedro Esteves
A “ZIMBRO” é editada pela Associação Cultural Amigos da Serra da Estrela, em formato digital e
com distribuição trimestral gratuita.
62 | Satyrus actaea
64 | Barragem das Cortes
Os artigos de opinião são da responsabilidade dos seus autores.
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ZIMBRO - MARÇO 2014
EDITORIAL
José Maria Serra Saraiva
Em cada inverno que passa é frequente a estrada do planalto superior, entre a Nave
de Santo António e a Lagoa comprida, estar encerrada por causa da neve. Tal facto
leva muita gente a questionar os serviços de limpeza da neve e a fazer comparações
com o que se passa no estrangeiro em condições análogas.
Os responsáveis pelo tráfego e pela segurança de quem circula na referida
estrada tem limitado a informação aos automobilistas, através da sinalização dos
painéis colocados nas principais vias de acesso à Torre. Nunca se prestou a um
esclarecimento, pedagógico, que elucidasse os cidadãos sobre as razões que levam
ao constante encerramento da estrada, das condições, singulares, naturais da
Serra da Estrela, comparativamente a estradas
de montanha de outros países. Uma das razões
para que isso suceda tem a ver com a pouca
afinidade que os seus intervenientes têm com as
montanhas, particularmente com esta Serra, são
pessoas que foram destacadas para um ambiente
que não era o seu!
Penso não errar se afirmar que a Serra da Estrela
é única ao ter uma via nacional que a atravessa
no seu ponto mais elevado. As dezenas de
estradas que ligam Espanha a França, através
dos Pirenéus, passam por portelas ( Cols) tal
como se fez por aqui antes da abertura da estrada da Torre. A estrada mais alta na
cordilheira pirenaica fica na fronteira de Portalet, a 1800m, e é ladeada por duas
encostas com mais de 2.200m. É assim nas montanhas por esse mundo fora!
Enquanto a generalidade das estâncias de esqui estão localizadas em vales, a “nossa”
está na “careca” da serra, exposta a tudo! A Serra da Estrela encontra-se a 100
quilómetros do atlântico, sem qualquer barreira montanhosa que a salvaguarde dos
ventos húmidos e ciclónicos do oceano, enquanto a generalidade das montanhas da
restante europa têm um clima mais continental. Excepção para os Picos da Europa
mas onde as estradas se encontram a altitudes muito baixas e não há pistas de esqui.
Quem convive desde há muitos anos com o trabalho do Centro de Limpeza da
Neve, situado a 1.600 metros, sabe das dificuldades que os seus trabalhadores
têm para manter limpa a estrada, nalguns casos com risco para a própria vida. Há
situações em que se torna complicado sair das instalações com as viaturas por causa
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do vento gelado que não deixa funcionar os
limpa-vidros, nem permite visibilidade para
circular. Imagine-se como será 400 metros
mais acima! Tudo isto pelas características
particulares que distingue a Serra da
Estrela de outras serras, para não falar do
tipo de neve que torna a sua remoção mais
difícil, que não se confunde com os flocos,
a chamada neve polvo, de ambientes mais
continentais.
É verdade que todos os anos surgem uns dias
maravilhosos que para quem nos visita ou
anda a esquiar imagina estar nas melhores
estâncias de esqui! Mas isso não deve
tolher-nos a inteligência para perceber que
o anúncio, recente, de aumentar as pistas de
esqui e ter mais dias de abertura da estância
ser uma miragem e um completo disparate,
para além de mais um atentado a juntar
aos muitos que têm vindo a ser cometidos,
ao meio natural do ponto mais elevado do
continente português.
Já vamos tarde, mas não deixa de ser
imprescindível, porque quanto mais
disparates maior o prejuízo, parar para
refletir e começar por questionar tudo o que
tem vindo a ser feito ao nível do turismo na
Serra da Estrela.
Não é normal, que todos desejemos ter a
serra coberta de neve, estarmos a pagar a
um organismo para a fundir como acontece
com o Centro de Limpeza da Neve. Só no
Planalto Superior, entre a Nave de Santo
António e a Lagoa Comprida, calcula-se que
possam, todos os anos, ser fundidos perto de
200.000m3 de neve (que fazem falta à serra,
ao turismo, às nascentes), para por a estrada
circulável. Por outro lado estamos a suportar
a presença de um corpo da GNR que não
seria necessário se se optasse por encontrar
outra solução para levar as pessoas ao ponto
mais elevado da Serra da Estrela.
Seria interessante, por exemplo, saber
quanto nos custa, anualmente, ter um
Centro de Limpeza da Neve, localizado
estrategicamente para manter limpos 15
quilómetros de estrada quando os seus
meios podiam ser deslocalizados para vias
estratégicas de acesso ao país e à região.
Um estudo do Laboratório Nacional de
Geologia e Energia IP (http://www.lneg.
pt/iedt/unidades/16/paginas/26/30/125)
veio confirmar as preocupações da nossa
Associação, ao revelar a “contaminação de
água subterrânea por substâncias de limpeza
da neve em estradas…” verificada em
diversos pontos do Planalto Superior.
Sobre o turismo desconhecem-se quaisquer
estudos que nos digam qual a preferência
dos visitantes que procuram as unidades
hoteleiras. Num curto inquérito que a ASE
fez, há mais de duas décadas, às principais
unidades hoteleiras, não era o esqui a
principal motivação, bem pelo contrário, mas
a neve, enquanto atracção. Admite-se que
alguma coisa possa ter mudado desde então,
mas só o inquérito nos permitirá apurar
quais as actuais preferências dos visitantes
dado que a entrada da Vodafone deu uma
maior visibilidade à Estância de Esqui.
O que distingue a Área Protegida da Serra
da Estrela das demais áreas montanhosas
e protegidas do país é o Planalto Superior,
acima da cota dos 1.500 metros. Se a questão
da estrada que o rasga não for equacionada
e encontrada uma melhor solução o Parque
Natural da Serra da Estrela está condenado!
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Polistes aka vespa
foto6de Vasco Freitas
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A proliferação de torres eólicas em áreas protegidas ameaça a paisagem, e não só...
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fotografia de JorgeZIMBRO
Marcelino
Numa Europa onde parece que tudo se reduz
a cifrões, Portugal tem sete regiões entre as
dez mais pobres economias da moeda única.
A Serra da Estrela é a mais pobre de Portugal
com um Produto Interno Bruto (PIB) per
capita de 8 300 €. A Grande Lisboa tem um
PIB de 32 000 €, muito longe dos 109 000
€ de Wolfsburg, a zona alemã que lidera o
escalonamento das regiões mais ricas…
Só o meu masoquismo me faz passar o Entrudo
de 2014 numa zona tão pobre…e quando digo
aos amigos que vou acampar…eles têm mesmo
muita pena de mim. Trocar pernas ao léu por
pedras à chuva, não é de muito bom senso.
Já no ano passado, em Junho, tinha subido a
garganta de Loriga e me tinha espantado com
a descida da ribeira de Beijames, uma joia! Este
ano 2014, o ASESTRELA propôs como base
o Covão da Ponte, mesmo à beira do Mondego.
Vieram-me à cabeça memórias de há 30 anos e
duma célebre Marcha de Montanha feita com
a família e os amigos. Fomos convidados pela
Ester e pelo Alberto Serrão. Os meus filhotes
estiveram presentes e não consegui apanhá-los
na subida para Videmonte… coisas que agora
se fazem por estrada asfaltada… bem perto
da Sra. D’Assedasse, bela invocação de Maria,
não é!?...
No domingo de Carnaval tivemos o grande
cortejo: uma caminhada de mais de 16 Km,
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circular, com o coração sempre a bombear e
os ‘foles’ a ventilar… numa descompressão
entre os 1100 e os 1300 metros de altitude!
Tempo húmido, ventoso e ameaçador. Coisa
que os viriatos(as) não temem com as suas
três peles e as botas goretex. Partimos da
casa do guarda do Gorgulhão, perfeitamente
disponível sem fechaduras nem janelas, mas
com lareira. Próximo avistámos um circuito
de manutenção, em ruína, penso que do tempo
dos romanos… Fomos em direção à Quinta do
Fragusto acompanhando a ribeira de Quécer,
o maior afluente do Mondego na Serra da
Estrela. Terrenos de xisto, vegetação livre e
indomada, caminhos largos sem dificuldades.
Atravessámos belas e cerradas monoculturas
de Pseudotsuga, uma Pinaceae de crescimento
rápido e de boa madeira, também conhecida
por Pinheiro-do-Oregon dado que é
originária da costa oeste da América do
Norte. Estas grandes resinosas pareceram-nos
perfeitamente indefesas aquando da ocorrência
do próximo incêndio… Virámos a norte
ladeando o Cerro do Gato, e quando demos
por isso estávamos em cima do Mondego com
a Quinta da Taberna mais ao longe. O rio
mostra um belo meandro, um ómega perfeito
com águas estreitas e apressadas… e foi com
esta prenda nos olhos que subimos mais um
pouco e abrimos as mochilas para o almoço.
Subimos ladeando pelo poente a Serra do
Boi e caímos docemente no Gorgulhão
fechando o nosso percurso. Boa caminhada,
muitas fotografias, excelentes comentários
Rio Mondego
fotografia de Pedro ACS
do nosso guia e muitas conversas calorosas ponte Cabaço, a Estrela conhecida, e ouvir
refrescadas por aquela chuva molha-tolos que os gritos estridentes das crianças enceboladas
nos segredou: - Quando voltarem vêem resto! supervisionadas por avós enregelados. Descida
algo deslizante para o Sabugueiro e almoço
Depois de mudar de roupa e já no Covão da em seia, perdão Seia. Piloto automático para
Ponte, uma boa lareira e umas saborosas… Lisboa…
feijocas. A rematar o animado serão uma
ida de carro até Manteigas para ver a Feira e Porque é que o PIB não avalia certas coisas?!...
exercitar o consumismo.
Ao ZIMBRO e à ASE os
meus
Na 2ª feira, depois das despedidas, nova agradecimentos.
subida à Serra para ver nevar e fazer sku na
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Temos potencialidades enormes desde a água
ao sol, não esquecendo o nosso mar imenso e
o nosso solo que tudo tem. Mas, somos o que
somos por não sabermos explorar o que temos
e o nosso país… é o nosso retrato! Tentamos
encontrar desculpas para o indesculpável,
mas a culpa é nossa! Este raciocínio não é
meu, embora esteja de acordo com ele. Vem
isto a propósito da Serra da Estrela e do
seu desenvolvimento por vezes agressivo e
desenquadrado.
A ASE sempre defendeu a tese de que todo
o apoio ao turismo, falo de infraestruturas de
grande dimensão como a Hotelaria, deveriam
estar sempre em torno da serra, na cota dos
600/700 metros e daí os turistas partirem para
a aventura. Os investimentos feitos no alto da
serra, para além de caros e de logística difícil,
são também agressivos para a paisagem. Ficam
pois desenquadrados. Um exemplo gritante,
indo ao encontro do pensamento da ASE,
foi a construção em Unhais da Serra de um
empreendimento ímpar, na serra e no país. O
H2otel!
Desde que me conheço, já com as termas
antigas, sempre ouvi falar da necessidade de se
construir um hotel termal em Unhais da Serra.
As potencialidades da então aldeia deveriam
ser aproveitadas, deveriam ser exploradas as
suas condições naturais. Mas, nem a autarquia
local se via com possibilidades de conseguir
um investimento, nem a Câmara da Covilhã,
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dona das termas de Unhais da Serra, facto
para mim incompreensível, avançava com
algo que resolvesse o problema. Depois de
alguns malabarismos, talvez ingénuos, porque
a forma em que a água estava a ser explorada, à
superfície, não tinha as condições necessárias
de qualidade e quantidade, a Câmara da
Covilhã fez furos artesianos e conseguiu
água em qualidade e quantidade e ainda mais
quente. Avançou com um concurso nacional
para a construção de um hotel termal na agora
vila, e conseguiu que uma firma da Covilhã,
finalmente, arrancasse com a obra que hoje
todos conhecemos, ou pelo menos que anda nas
bocas do mundo, pelas melhores razões! Um
edifício plenamente enquadrado na natureza,
com uma exploração de águas no seu interior
de fazer inveja, piscinas naturais e termais, para
além dos tratamentos associados, massagens,
etc. Por isso a ASE e muito bem, entregou ao
empreendimento o Cristal de Gelo, porque a
obra veio dar razão à associação. A sua beleza
e a sua lotação como a maior no país em hotéis
de quatro estrelas, vêm reforçar a ideia de que
a ASE tinha razão. Depois vieram os efeitos
colaterais positivos. Por um lado o emprego
que criou, cerca de uma centena de postos de
trabalho diretos, depois os consumíveis que
o hotel absorve, através dos fornecedores de
serviços e depois o que Unhais da Serra cresceu.
Mais pessoas ficaram na vila, foi das terras que
mais cresceu na Covilhã, segundo os últimos
Sensos. Foram feitos cursos de formação, que
tinham por finalidade preparar a população
da vila, à receção e tratamento de turistas ou
H2Otel em Unhais da Serra
viajantes. A vila sofreu obras no valor de cerca
de cinco milhões de euros, foram melhoradas
as infraestruturas rodoviárias, todo o
mobiliário urbano foi beneficiado, fez-se a
praia fluvial, e parece que não, na vila entram e
saem diariamente mais de quinhentas pessoas,
desde o turismo aos lanifícios e outros serviços.
De uma forma proporcional, só a Covilhã e
Tortosendo, pelos seus parques industriais, têm
maior movimento. O município da Covilhã
concedeu durante cinco anos, isenção de taxas
a todas as obras em Unhais. O conceito de
Unhais da Serra vila termal, abrange uma área
que vai desde Seia a Espanha, da Guarda a
Castelo Branco, pois os seus efeitos, de uma
forma ou outra, são por ali sentidos. Muitos
milhares de pessoas passam em Unhais da
Serra anualmente. De facto, o H2otel está de
tal forma bem equipado, que muitas pessoas
não saem de lá durante a sua estadia, pois
ali têm tudo o necessário para o descanso e
bem-estar. E Unhais da Serra recomenda-se
pelas melhores razões. A braços com uma
crise que é nacional, alguns comerciantes não
conseguiram manter algum comércio, que
era necessário ao turismo, pois as rendas dos
espaços eram e são ainda caras. Infelizmente,
nos últimos dois anos, muita gente emigrou e
Unhais ficou mais pobre. O Hotel, pelo que
parece, está a dar-se bem com a crise, pois
apesar de a oferta ser cara, consegue vender.
Em suma, o H2otel vai vendendo, também
porque a paisagem é maravilhosa impressiona
quem a visita. Faltam-nos ainda algumas
infraestruturas importantes para que a vila se
complete, entre elas, a conclusão da estrada
da serra e os caminhos pedonais, que fazem
muita falta aos turistas que decidem visitarnos, para desfrutarem do magnífico ambiente
natural.
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porque tem passado este espaço em que, pelas
razões atrás expostas se têm vindo a agravar,
ao ponto de, não sabendo o que fazer pura e
simplesmente se deixa entregue a uma empresa
privada que começou por fazer pequenas obras
clandestinas mas na mira estaria a edificação
de yurts “escondidas” lá para trás do arvoredo
como se o Covão d’Ametade passasse a fazer
parte de uma área protegida da Mongólia!
Que é o que passa já no Vale do Rossim!
durante alguns anos, a pedido da ASE, para ter
a oportunidade de falar sobre a importância da
Área Protegida aos participantes. Estávamos
no tempo em que o director do PNSE dava
e, se dava a conhecer às populações. Convém
também recordar que o NEVESTRELA foi
uma verdadeira escola para muitos portugueses,
inclusive para a maioria dos que andam hoje
com o nome de Portugal nos cumes dos 8.000
metros.
Q
uem tem vivido ou assistido a este
“desencontro” da ASE com o PNSE, a
propósito da realização do NEVESTRELA
e mais recentemente do ASESTRELA, é
muito bem capaz de pensar que, a ASE, se
está a achar no direito a algum privilégio ou
anda a usar a Serra da Estrela para actividades
que possam estar a por em causa a conservação
da natureza. Nada disso.
Convém, começar por lembrar que o
NEVESTRELA iniciou-se com o apoio do
PNSE e até o seu director chegou a participar,
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Quando, pela birra de uma única pessoa,
se começou a por em causa a realização do
NEVESTRELA, no Covão d’Ametade,
com o pretexto de se estar a por em causa,
o local (se pagarmos já podemos organizálo e os problemas ambientais ficam de
lado) achávamos, continuamos a achar, que
não era verdade e a questão foi colocada,
publicamente, ao Parque para que explicasse
o que se estava a por em causa ao nível da
conservação para sermos mais rigorosos, já
que nos era impensável que uma associação
com a projecção conquistada pusesse em causa
questões de ordem ambiental. Fomos mais longe
e quisemos colaborar procurando transmitirlhes, sem sucesso, quais os problemas de que
aquele local enferma, que tinham e têm a ver
com a gestão, o tipo de obras ali edificadas
e os princípios que nortearam a criação de
uma área de recreio, nos moldes em que o foi
para o Covão d’Ametade. Daí os problemas
Enquanto o NEVESTRELA era organizado
no inverno, numa temporada em que a natureza
se encontra num período de hibernação e
quase sempre se acampava em cima de neve,
daí o nome do evento (NEVESTRELA),
não encontrávamos explicação para esta
birra. Sabendo que quando vinha no verão
chegavam a estar muito mais de mil pessoas,
na sua maioria merendeiros a fazer lume por
tudo quanto era sítio, caravanas que já tinham
local marcado, estacionamento de veículos
com cobrança dentro do Covão d’Ametade,
lixo espalhado por tudo quanto era canto, com
a natureza em pujança, que moral tinham para
impedir a organização do NEVESTRELA
que sempre teve o cuidado de deixar o espaço
limpo?
A ASE não desiste, acha que tem a razão do
seu lado, e espera, com serenidade, voltar ao
Covão d’Ametade para proporcionar a centenas
de montanhistas, avós, filhos e netos (já há
netos que descendem de montanhistas que por
ali se iniciaram), a continuação do contacto
solidário com a natureza e na magnitude
daquele imponente cenário.
Por não querermos transgredir com os
princípios que têm sido a bússola da ASE,
fizemos questão de não voltar mais ao Covão
d’Ametade enquanto a gestão do espaço se
mantiver tal como está. Diga-se, em abono
da verdade, que tínhamos todo o direito em ir
para lá e acampar, já que gozamos do direito
de poder usufruir de um espaço comunitário
de que somos compartes e, também, porque
o regulamento do PNSE o permite. Em
resultado dessa posição quisemos, este ano dar
a conhecer uma outra “Estrela”, a vertente do
Mondego. Envolvemos a Junta de Freguesia
de Sameiro, que administra territorialmente
esta área. A resposta do Parque a um ofício
daquela Junta só veio depois de alguns, e-mails
e telefonemas. Mesmo assim, e pela primeira
vez, assinamos um termo de responsabilidade
e um código de boas práticas! Veja-se bem a
ASE, uma associação que tem dado provas mais
que suficientes do seu trabalho desde 1982,
que já fez parte do Conselho Geral do PNSE,
por convite do próprio Parque, ao “vexame” a
que chegou de ter de assinar tais documentos
e mesmo assim não houve deferimento. Não
nos deixaram acampar no Gorgulão, um local
interessante, onde nasce o maior afluente do
rio Mondego, na Serra da Estrela, a ribeira
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do Quécere! Pois bem, o
impacte da alteração do
Gorgulão para o Covão
da Ponte foi, do nosso
ponto de vista muito
maior já que foi necessário
proceder ao transporte das
pessoas e desenvolver lá as
actividades que estavam
programadas.
Entretanto
fomos
observando
algumas
práticas que parecem
não estar a preocupar os
responsáveis do Parque
Natural da Serra da
Estrela. As imagens são
bem elucidativas do estado
em que se encontram os
recipientes do lixo que
ali foram colocados, cujo
cheiro não deixou dúvidas
quanto ao tempo em que se encontra ali!
o Plano de Ordenamento para não podermos
acampar no Gorgulão mas, por outro, permite
que se crie uma área de recreio quando o mesmo
plano é muito claro quanto às definições dos
núcleos de recreio. Terá o Parque Natural
da Serra da Estrela conhecimento da Área
de Lazer do Gorgulão? Se tem qual foi a
sua atitude tendo como referência o Plano
que esmera por fazer cumprir? Que parecer
emitiu? Que medidas pensam tomar se não
foi ouvido nem achado?
O que pensa o Parque Natural do fogo-deartifício noturno deitado sobre as pistas de
esqui, que a televisão levou ao conhecimento
dos portugueses? Pode-se fazer à luz do Plano
de Ordenamento? O Parque foi ouvido? Será
que no Parque Natural da Serra da Estrela a
aplicação dos regulamentos se vão suavizando
à medida que vamos estando a maior altitude?
Entre os milhares de esquiadores, o fogo-deartifício a alegrar as noites de quem não tem
a mínima noção dos valores naturais à sua
volta, a música em alto som e os milhares de
automóveis que dominam em plena reserva
Um outro aspecto curioso que nos foi dado biogenética, a 1.950 metros de altitude, são
observar naquele local é o
estado deplorável em que se
encontra o edifício da antiga
casa do guarda-florestal e
anexos, ao mesmo tempo que
houve um investimento de raiz
com a criação de uma Área de
Lazer do Gorgulão cujo estado
dos equipamentos dá pena e
é bem o exemplo de como se
gastam, sem o mínimo sentido
de objectividade os dinheiros
públicos.
Parece-nos
que
existem
dualidades de critério por parte
do PNSE. Por um lado invoca
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toleráveis e, a pernoita por uma noite, a
1.150 metros, para mais de meia centena de
pessoas, num local onde o Parque Natural não
tem um valor, sequer, referido em termos de
conservação, um acto não consentido!
veículos motorizados a conseguir o que seria
inimaginável há uns anos!
Consideramos que é no terreno que se deve
privilegiar a vigilância e o contacto com as
populações residentes e com os visitantes, e
A ASE irá ser sempre amiga da Serra da não, como temos vindo a sentir, na perseguição
Estrela. Do Parque Natural também, mas é dissimulada e da caça à taxa, na comodidade
necessário que o diálogo seja franco, a prática da secretária visualizando as páginas online
da conservação, um exemplo e, quem anda a de quem promove iniciativas que deviam ser
pé, alcance o privilégio de ser beneficiário do acarinhadas em vez de perseguidas.
espaço natural do qual faz parte e não sejam os
Asestrela 2014
fotografia de Pedro ACS
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A análise dos depósitos de vertente é um
Por exemplo, para os taludes e cones de
detritos (Fig. 2), um período que parece ter
tema clássico nos estudos de geomorfologia sido fundamental na sua geração foi a fase
das montanhas portuguesas. Trata-se de dita paraglaciária, iniciada com a deglaciação
acumulações de sedimentos (por ex.: areia dos vales. Os depósitos reflectem assim a
e cascalho) em situação de vertente ou resposta das vertentes à fusão dos glaciares
próximo da sua base, cuja origem é controlada
essencialmente
pela
acção da gravidade,
que pode, ou não, ser,
assistida pela água, gelo
ou vento. Os processos
geomorfológicos
nas vertentes estão
frequentemente
relacionados
com
mudanças
na
vegetação, precipitação
e
temperatura,
resultando
em
processos de erosão
do solo, originando a
produção e transporte
de sedimentos. Estes
podem ficar preservados
em
sequências
estratigráficas
que
servem como registos
dos ambientes do
passado.
Na Serra da Estrela
ocorrem vários tipos
de depósito de vertente
entre os 600 m e os 1500
m de altitude (Fig. 1),
os quais se formaram
em diferentes períodos.
Figura 1 - Localização dos depósitos de vertente. 1 – São Gabriel (680 m); 2 – Souto do Concelho (700 m); 3 – São Sebastião (1010 m); 4 – Vale do Rossim (1516 m); 5 – Chão das Barcas
(1300 m); 6 - Sítio das Pessoltas (1300 m); 7 – Penas da Saúde (1520 m); 8 – Vila Belo Horizonte (1260 m); 9 - Unhais da Serra (620 m).
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Figura 2 - Cones de detritos no Vale do Zêzere.
de vale, que causou a descompressão do
substrato, e consequentemente uma intensa
actividade ligada a movimentos de vertente.
Existem também vários depósitos de vertente
formados em condições ditas periglaciárias,
caracterizadas por intenso frio (por ex.:
depósitos de solifluxão - Fig. 3); outros
ligados a um frio menos intenso, e que se
enquadra na designação de crionival (por ex.:
depósitos estratificados de vertente - Fig. 4); e
finalmente, casos de depósitos azonais, como
as escoadas de detritos e os leques aluviais, que
permitem inferir que a sedimentação esteve
provavelmente ligada a eventos de precipitação
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Figura 4 - Depósito estratificado de vertente de São Sebastião (1010 m).
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Figura 3 - Aspecto do corte no Vale do Rossim (1516 m), sendo de
notar os blocos achatados, angulosos a subangulosos tendencialmente
com o eixo maior inclinando no sentido do declive da vertente.
intensa e concentrada, mas que podem ocorrer
em diferentes climas.
A Serra da Estrela representa um marco
nos estudos de geomorfologia periglaciária
em Portugal, no entanto, existe ainda um
importante caminho a percorrer no âmbito do
estudo detalhado dos depósitos de vertente.
Nesse sentido, estamos a realizar no Centro
de Estudos Geográficos (IGOT – ULisboa)
um estudo que pretende contribuir para a
clarificação dos processos morfogenéticos
que estiveram activos na Serra da Estrela nos
períodos frios, explorando as possibilidades de
os enquadrar cronologicamente e investindo
na avaliação do seu significado palegeográfico.
Este projecto, assente numa dissertação
de doutoramento que estou a desenvolver,
tem como objectivo o aprofundamento do
conhecimento da paleodinâmica das vertentes
da Estrela. Esta, pela sua posição geográfica,
entre os domínios Atlântico e Mediterrâneo,
e pelas características morfológicas e
sensibilidade climática, é uma montanha
muito importante para melhor compreender a
evolução paleoambiental da Península Ibérica.
Estamos, por isso, a aplicar técnicas de análise
sedimentológica detalhadas e de datação,
enquadradas num trabalho de geomorfologia
de campo sistemático, apoiado pela análise
espacial em ambiente SIG.
Como
exemplos
da
componente
sedimentológica, a análise da estrutura clástica
tem sido uma ferramenta útil na interpretação
dos ambientes de deposição, principalmente
quando utilizada em conjunto com outras
técnicas. A direcção, ângulo de inclinação
e a forma dos detritos, são quantificados a
partir de dezenas de clastos de cada unidade
sedimentar, revelado orientações preferenciais
dos elementos do depósito. Estas podem ser
relacionadas com os processos geomorfológicos
que estiveram na sua origem, como o
escoamento hídrico (Fig-5 A), os fluxos de
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detritos (Fig-5 B), ou a solifluxão (Fig-5 C).
Uma outra técnica que estamos a usar, é a
micromorfologia, que abrange a identificação
e descrição microscópica sistemática de
componentes e estruturas de sedimentos.
Os resultados fornecem informações
complementares à análise macroscópica,
ajudando a clarificar as modalidade e os
processos geomorfológicos sedimentares e póssedimentares. A análise micromorfológica
é feita a partir de lâminas delgadas que
permitem uma descrição sistemática das
características físicas dos sedimentos. No caso
da serra da Estrela, identificámos diferentes
microestruturas, das quais apresentamos aqui
alguns exemplos: estruturas com laminação
que testemunham escoamento hídrico (Fig.
6-A); estruturas com origem no gelo no
solo (criogénicas) frequentes em depósitos
resultantes de solifluxão (Fig. 6-B); e estruturas
que indicam que os fluxos de detritos foram
responsáveis pela formação do depósito (Fig.
6-C).
Os trabalhos realizados na serra da Estrela
enquadram-se na investigação do CEG/
IGOT-ULisboa realizada em diversas regiões
de montanha e polares. Atualmente, a equipa
trabalha na serra da Estrela, Sserra Nevada,
Pirenéus, Svalbard e Península Antártica,
prevendo-se também extender as nossas
atividades ao Alto Atlas e Andes. Vem estudar
a geomorfologia das montanhas do Mundo
conosco!
Figura 6 – Imagem vertical das lâminas delgadas. A - São Gabriel; B – Vale
do Rossim; C – Souto do Concelho.
Figura 5 - Análise da estrutura clástica: direcção, ângulo de inclinação e a forma dos
detritos. A- São Gabriel; B – Souto do Concelho; C – Penhas da Saúde.
24
http://www.antecc.org
ZIMBRO - MARÇO 2014
26
Fêmea de Prionotropis flexuosa
ZIMBRO - MARÇO 2014
Prionotropis flexuosa (Serville, 1838), gafanhoto braquíptero da família Pam-
phagidae, é uma espécie exclusiva da Península Ibérica de ocorrência rara e distribuição fragmentada (imagem da página anterior). As suas populações estão
associadas, normalmente, a zonas de montanha, sendo em Portugal conhecido
no Parque Natural da Serra da Estrela, e em Espanha, em algumas regiões nas
províncias de Albacete, Ávila, Burgos, Huesca, Leão, Lérida, Madrid, Segóvia e
Teruel, (Llorente & Presa, 1997).
Na serra da Estrela, a população foi descoberta
apenas recentemente, em 2007, o que não deixa
de espantar pois P. flexuosa é um gafanhoto
de tamanho grande, conspícuo e de fácil
identificação, e nos últimos 100 anos a região
foi visitada por numerosos entomólogos,
nacionais e estrangeiros. O gafanhoto foi
encontrado a sul dos Piornos, numa encosta
pedregosa de exposição a leste situada a uma
altitude superior a 1600 metros (Bivar-deSousa et al, 2008).
A raridade desta espécie, aliada ao facto de
ser uma primeira ocorrência em Portugal,
determinou um estudo por forma a conhecer
melhor a sua distribuição espacial na serra
da Estrela, as características do seu habitat e
identificar ameaças e factores de perturbação
da população, de modo a antever a sua situação
no futuro.
no Piornal, e no Terroeiro, numa área de 17
Km2.
A metodologia de campo consistiu em dividir
a área selecciondada em quadrículas UTM de
1x1 Km, realizando-se em cada uma delas um
transecto para identificação visual, percorrido
de forma aleatória durante um período de
aproximadamente uma hora. Os registos foram
efectuados com um aparelho GPS Magellan
Meridian Color, considerando-se como área
de ocorrência o espaço definido por uma linha
que contorna as observações efectuadas.
A ocorrência de P. flexuosa foi confirmada
apenas no Alto da Pedrice numa área com uma
superfície de aproximadamente 20 hectares,
correspondente a três quadrículas UTM 1x1
km, situada a uma altitude compreendida entre
os 1600 e os 1740 metros (mapa da página 23).
Na área de distribuição de P. flexuosa o habitat
caracteriza-se por uma vegetação constituída
Entre Maio e Agosto de 2008, prospectando por um coberto arbustivo dominado por
a zona onde a espécie já era conhecida e outras piorno (Cytisus oromediterraneus) intercalados
áreas de potencial ocorrência, tendo em conta por prados das gramíneas Avenula sulcata,
parâmetros como a altitude, exposição solar e Arrhenatherum elatius e Anthoxanthum
a composição e estrutura da vegetação do seu aristatum (Poacea) (imagem da página 24).
habitat, procurou-se obter a melhor estimativa
possível da distribuição da espécie. O estudo No Espinhaço do Cão, no Piornal e no
incidiu nas áreas do planalto das Penhas da Terroeiro, a espécie não foi encontrada, apesar
Saúde/Alto da Pedrice, no Espinhaço do Cão, do esforço aí realizado. Este facto poderá
28
Distribuição de P. flexuosa no PNSE
resultar de nestes locais a população apresentar
níveis de abundância não detectáveis com base
na metodologia adoptada, não traduzindo,
necessariamente, a ausência do gafanhoto.
A ocorrência de P. flexuosa numa área
extremamente reduzida, bem como o
isolamento da população parecem constituir
as principais ameaças à preservação da espécie
na serra da Estrela. A estes factores acresce
a proximidade do aldeamento das Penhas da
Saúde e os vários projectos que se propõem
para o local, de que se salienta a instalação de
um teleférico, prevendo-se que a população a
médio prazo possa estar sujeita a uma forte
pressão antrópica. Também o desaparecimento
da actividade agro-pastoril tradicional poderá
ameaçar a sua sobrevivência uma vez que
a manutenção do seu habitat depende do
pastoreio.
ZIMBRO - MARÇO 2014
Habitat de P. flexuosa no PNSE
Embora não tenha sido efectuado qualquer
trabalho no sentido de quantificar a
abundância da população, o baixo número de
registos efectuado sugere que a espécie terá um
efectivo reduzido na área de ocorrência.
Considera-se, assim, que esta espécie constitui
uma das populações de insectos mais ameaçadas
do território nacional, devendo merecer das
entidades responsáveis pela conservação da
natureza uma atenção particular que permita
assegurar a sua manutenção.
30
Referências bibliográficas
Llorente, V. & J. J. Presa, 1997. Los Pamphagidae
de la Península Ibérica (Insecta: Orthoptera:
Caelifera). Universidad de Murcia. 248 pp.
Bivar-de Sousa, A., J. Conde, & L.F.
Mendes, 2008. Reconfirmação da presença
de Prionoptropis flexuosa (Serville, 1838) em
Portugal, nota sobre a espécie na Península
Ibérica e sinonimização das subespécies
descritas
(Orthoptera,
Pamphagidae,
Prionotropisinae).
Boletín
Sociedad
Entomológica Aragonesa, nº 42: da
ZIMBRO - MARÇO 2014
R
ecentemente, em Espanha, na província de Cáceres, bastante perto da Serra da Estrela por
sinal, um Tribunal Supremo confirmou a decisão do Tribunal Superior de Justiça sobre a ilegalidade de uma decisão política que permitiu a construção de um mega projeto imobiliário,
em plena Área Protegida que faz parte da Red Natura 2000 – o complexo “Turístico, de Salud,
Paisajístico y de Servicios Maria Isla de Valdecañas”. O projeto, que se encontra numa fase
muito avançada, situa-se numa ilha do rio Tejo, a montante da barragem de Valdecañas; incluí
unidades hoteleiras bem como 200 casas particulares de luxo, um campo de golf e porto náutico desportivo.
32
A nível do Governo
Regional da Extremadura,
decretou-se o projecto
como
de
interesse
público
permitindo
assim
ultrapassar
as
condicionantes constantes
do regulamento da Área
Protegida e da Rede Natura
2000 que, ironicamente,
o próprio governo tinha
aprovado no momento da
sua criação. A decisão do
tribunal vem dar razão à
queixa apresentada por dois
movimentos
ecologistas
espanhóis (Asociación para
la Protección de los Recursos
Naturales de Extremadura
(Adenex), e Ecologistas
en
Acción
(CODA),
reconhecendo deste modo
que não tinham sido
apresentadas justificações
que permitissem classificar
aquele projecto como de
interesse verdadeiramente
público. O interesse público
é algo que deve interessar a todos, ou pelo
menos a uma grande maioria dos cidadãos e
não a um grupo reduzido com determinadas
características a que lhe são atribuídos direitos
especiais e processos de legalização duvidosos.
O projeto concretizou-se, saltando das folhas
de papel vegetal e maquetas para a realidade
tridimensional desta Área Protegida da
Extremadura Espanhola. A política do ato
consumado é uma arma forte e geralmente
eficaz. Mas não neste caso. O tribunal de
recurso ordenou que seja reposto o estado
inicial da área em questão o que significa a
demolição dos edifícios e infraestruturas,
construídos.
Tirando a parte da setença do tribunal, a
situação descrita não parece novidade em
Portugal, dando azo a nomes específicos
como os Projetos de Interesse Nacional (PIN)
e outras siglas modernas que tal. Na Serra da
Estrela lembro-me de um caso onde, também,
decisões políticas aprovaram leis à, posteriori
ZIMBRO - MARÇO 2014
permitiu a desafectação dos terrenos de Rede
Natura 2000, o Supremo Tribunal impugna
o referido decreto e ordena a restauração dos
terrenos ao seu estado original.
Área de intervenção na albufeira de Valdecañas em pleno rio Tejo, tendo
como fundo a serra de Gredos
para legitimar determinadas atos específicos
que não se coadunavam com a regulamentaçao
em vigor, sem que para isso existisse, na
minha opinião, qualquer justificação válida
e muito menos uma que fosse do interesse
público. Um caso que me vem à mente é o das
casas de madeira, turisticamente divulgados
como chalés de montanha, construídos em
formato de bairro social urbano, nos terrenos
a sul do Hotel Serra da Estrela, nas Penhas
da Saúde. São terrenos que estão dentro do
Parque Natural da Serra da Estrela e para
os quais havia fortes condicionantes de
edificação naturalmente devido aos impactes
previstos. Este foi um caso que me marcou
particularmente, e por isso o refiro, devido a
vários absurdos. Por um lado a sua densidade
- mais de 60 chalés separados por poucos
metros uns dos outros – por outro porque o
projecto foi aprovado à posteriori em conselho
de ministros (RCM 88/2004) e por último (ou
talvez não) por ser em total desacordo com
um plano de pormenor de requalificação das
Penhas da Saúde, que andava há anos para
34
ser concretizado e que recentemente (à data
da construção dos chalés), tinha reunido
parecer favoravel de diversas entidades com
responsabilidade de gestão do respectivo
territorio e aprovado também em conselho de
ministros (RCM 110/2002). Tudo isto num
Parque Natural, num território único do nosso
país. Mas tudo isto, legalizado com justificações
que, a mim, como exposto anteriormente, me
deixam longe de convencer. Aparentemente,
estas justificações como as de interesse publico
ou do ato consomado não convencem outros e,
num caso em particular, um grupo de cidadãos
espanhois da Extremadura que não ficaram
convencidos com as justificações de legalidade
que permitiram a construção de um gigantesco
empreendimento em plena área protegida
e em desafio de todos os regulamentos que
regiam a gestão da respectiva área. Este grupo
acreditou na validade das suas convicções,
acreditou na eficácia da justiça do seu país e
levou a questão a tribunal. Seis anos depois de
publicado o decreto aprovado em Conselho
de Governo da Junta de Extremadura que
Verde, e por aí em diante.
Não posso então evitar perguntar, o que
sucederia com uma ação semelhante no nosso
país, na nossa Serra, e com a nossa justiça?
Independentemente das diferentes dimensões
dos dois projetos, os princípios em que
se basearam os
decisores políticos
para proceder às
alterações
legais
que
legitimaram
a construção dos
projectos são muito
semelhantes e, de
novo, em minha
opinião carecem de
igual
justificação
de
interesse
público. Exemplos
semelhantes
que
me recordo são os
da ampliação da
estância de esqui, da
Barragem da Ribeira
de Cortes, do troço
Loriga-Portela do
Arão, da Estrada
ZIMBRO - MARÇO 2014
36
Acção de educação ambiental com grupo de
escuteiros durante a devolução à natureza de
dois mochos-galegos recuperados
no- MARÇO
CERVAS.
ZIMBRO
2014
Poderão ler na minha última intervenção na
Zimbro de Janeiro que “um controlo e uma
vigilância apertados, associados a um crescente
aumento da sensibilização e educação
ambiental que visem o desenvolvimento de
atitudes com vista
à diminuição destas problemáticas [perseguição
directa a espécies selvagens] são essenciais”, e o
mesmo se aplica a todas as outras problemáticas
relacionadas com a conservação da natureza
na generalidade. Mas porquê? E como?
A resposta à primeira interrogação é tão
simples como: conservar a natureza sem
integrar a população local é impossível!
Independentemente dos investimentos feitos
em projectos direccionados, com medidas
específicas e com intervenções directas
no terreno, se não se investir também na
formação, sensibilização, interacção e troca
de experiências, divulgação e aproximação
das populações locais às temáticas da
conservação, não será possível garantir o
sucesso das intervenções no momento nem a
sua continuidade a longo-prazo.
E como podemos então integrar as populações
locais, independentemente da sua idade,
formação de base ou ocupação profissional?
Talvez a faceta mais conhecida quando se fala
em integrar as populações locais nos projectos
de conservação, a Educação, Sensibilização ou
“Sedução” Ambiental é a acção que, pela sua
dimensão dinâmica e abrangente, permite
transmitir conhecimentos e ensinamentos das
mais diversas formas, apesar da mais familiar
serem as acções com escolas ou outros grupos
de crianças e jovens. Trabalhar com crianças
e jovens tem tanto de compensador como de
desafiante, e sendo este um grupo normalmente
interessado nos temas da natureza, e também
os “Homens” do futuro, para além do seu
entusiasmo ao partilhar o que aprenderam
(que nem sempre se verifica nos adultos…),
38
as acções com escolas funcionam como um
excelente meio de integração da população
local mais jovem. Depois, temos as acções com
grupos-chave na gestão do território e dos seus
valores (pastores, caçadores, SEPNA-GNR,
ICNF, etc.): é essencial actuar directamente
com grupos localmente interventivos e
decisores que funcionem como facilitadores e
difusores muito eficientes da informação. Por
outro lado, tratam-se normalmente de pessoas
com um conhecimento muito abrangente do
que se passa no terreno e que podem ajudar a
melhorar as informações tidas e transmitidas
nessas mesmas acções.
Uma outra faceta da educação ambiental
que vos será familiar por terras da Serra da
Estrela, particularmente através do CERVAS/
ALDEIA, são as devoluções à natureza
de animais recuperados. Estes momentos
de libertação de animais recuperados nos
centros de recuperação de fauna selvagem
são o agradável culminar de um processo de
recuperação muitas vezes moroso, sendo então
momentos privilegiados para contacto com as
populações locais, de modo a dar a conhecer o
trabalho desenvolvido pelos centros e também
as espécies que ocorrem localmente e são
nossas “vizinhas”, através de uma proximidade
aos animais libertados e da participação num
momento inesquecível. Costumo dizer –
correndo o risco de soar parcial – que estes
momentos são dos momentos mais marcantes
na vida de um apaixonado por fauna selvagem:
ver sair em liberdade um animal recuperado
é uma imagem intensa e inesquecível, que
retém com ela toda a informação transmitida
nesse momento (num método algo “oposto”
ao normalmente conhecido para contacto com
espécies selvagens, em que essas se encontram
em cativeiro…).
Apesar da Educação Ambiental andar sempre
“de mãos dadas” com a Formação, porque há
que “conhecer para proteger”, quando falamos
de temas muito específicos, a formação sobre
os mesmos é outro modo muito importante de
integração da população local. A transmissão
do conhecimento técnico-científico permite
a quem detém o conhecimento empírico
e “de vida” compreender melhor a ciência
da dinâmica, necessidades e benefícios da
natureza que os rodeia. Os Workshops,
Cursos, Jornadas e Seminários são os meios
mais comuns para a formação das pessoas,
através da participação de especialistas em
determinadas áreas, e que podem ou não ser
acções com grupos-chave, de sensibilização
específica para a sua área de actuação, de modo
a alcançar públicos específicos e a intervir sobre
os temas mais indicados para a realidade local.
Mas podemos sair da formação em contexto
mais formal e entrar no mundo das conversas
informais, pois nem sempre é necessária
a imagem típica do formador Vs. plateia.
Também em conversas informais, passeios,
convívios, é possível contribuir para a formação
das populações locais. Neste tipo de ambiente,
mais descontraído, torna-se mesmo mais fácil
a discussão de assuntos mais “sensíveis” e a
intervenção de todos, por mais tímidos que
sejam, o que é particularmente importante
quando estamos a falar de temáticas mais
delicadas em que o “ambiente de auditório”
poderia ser um pouco intimidatório, como são,
por exemplo, os temas da caça e da conservação
de espécies de predadores.
Um outro meio de formação, mesmo que
por vezes não seja visto desse modo, é o
voluntariado. Este modo de vida escolhido por
tantas pessoas é um óptimo meio de formação,
Workshop de recuperação de fauna selvagem direccionado a estudantes de biologia e
veterinária, técnicos do ICNF e SEPNA e população em geral
ZIMBRO - MARÇO 2014
através da aprendizagem pela prática e pela
intervenção directa. Sendo uma opção
pessoal, e não um meio de formação formal/
obrigatório, o conhecimento é adquirido de
um modo agradável e eficaz, em que não só
apenas a entidade que depende de voluntários
para funcionar fica a ganhar, mas também o
voluntário tem este retorno para o seu próprio
como “professora“: o conhecimento empírico e
de “experiência de vida” das populações locais,
adquiridos ao longo de vários anos partilhados
com as circunstâncias que se pretendem
conservar, podem contribuir grandemente
para complementar o conhecimento técnicocientífico. Esta formação, com um cariz
integrador, pode ser realizada pela população
a ALDEIA tem procurado privilegiar),
transmitindo o seu saber e proporcionando uma
troca de informação essencial à conservação
da natureza.
Um outro modo em que podemos verificar a
integração das populações locais na conservação
da natureza é quando temos a intervenção
directa da população na
conservação: são as pessoas
que habitam nas circunstâncias
que se pretendem conservar
que poderão mais facilmente
intervir para a sua preservação
a longo-prazo, para além da
sua essencial participação no
desenvolvimento de medidas
no presente. A gestão agrícola
e cinegética e a actividade
turística são três dos exemplos
de acções que são desenvolvidas
pelas populações locais e que
têm um elevado peso na gestão
do território. Garantir que estas
actividades incluem medidas
de preservação e boas-práticas
torna-as importantes aliados na
conservação da natureza, bem
como as actividades próprias
das associações locais, como
ONGA’s, Associativas de Caça
ou entidades oficiais (ICNF
ou SEPNA, por exemplo)
que devem incluir no seu
plano de trabalho medidas de
conservação da natureza.
Depois, a título um pouco
mais pessoal, e normalmente
decorrente de acções de
Formação em contexto informal (Festival Tribal 2009)
educação ambiental e de
formação realizadas e do
consequente desenvolvimento
de atitudes sustentáveis, temos aquilo que
local através da partilha de experiências
enriquecimento pessoal e/ou profissional.
cada um pode fazer por si só para contribuir
em contexto formal ou informal e mesmo
para a preservação do meio comum. Um
Continuando na Formação, mas mudando incluindo membros das comunidades locais
exemplo inserido no contexto da Estrela e
de formador, temos a própria população local como formadores em actividades (algo que
40
da presença do CERVAS em Gouveia é a
detecção de animais feridos pelos populares e
pelas entidades locais: são as pessoas que usam
e vivem no terreno, particulares ou entidades
oficiais, que desempenham este importante e
essencial auxílio e que permitem aos centros
de recuperação concretizar a sua tarefa de
reabilitar os animais selvagens feridos.
Um outro exemplo muito simples e mais geral
são as tarefas diárias executadas de um modo
sustentável: ao desenvolver as mais variadas
actividades do quotidiano de um modo
sustentável, as populações locais contribuem
grandemente para a conservação da natureza.
Um modo de conservação integrada que me é
muito querido é a “conservação no dia-a-dia”, que
se pode fazer durante as chamadas “conversas
de café” (e a partilha de experiências associada
a este contexto informal e descontraído), as
acções de voluntariado e até mesmo nos
passeios de domingo (quando é tão comum
as pessoas encontrarem animais selvagens que
necessitam de cuidados, por exemplo), em que
é possível conservar a natureza, mantendo uma
atitude respeitadora, sustentável e informada
sobre as várias temáticas.
Dificuldades e “pontos fortes” da integração
da população local na conservação:
Trabalhar com as populações locais, e com
a diversidade de circunstâncias, opiniões,
conhecimento e mentalidades que isso implica,
pode apresentar algumas complexidades…
Algo do qual já vos falei (na Zimbro de
Setembro de 2013) e que muito me fascina
são os mitos e as ideias pré-concebidas mas
sei bem que é algo que tem dificultado um
pouco esta tarefa. As histórias da infância
(como a do Lobo mau…), os mitos ampla
e intrinsecamente existentes (como os
relacionados com as corujas e mochos) e todas
as ideias pré-concebidas associadas tornam o
trabalho de conservação mais complicado, já
que muitas destas “informações” são dadas
como certas desde sempre e contrariá-las
ZIMBRO - MARÇO 2014
Resgate de uma cegonha por um particular
pode ser um autêntico desafio. Utilizar dados
e factos concretos pode ajudar nesta tarefa
mas nem sempre as pessoas estão abertas
a reconhecê-los como verdadeiros… Mas
não são só os mitos que alimentam as ideias
erradas, também acções ou conversas fora do
contexto completo podem dar azo à criação
de ideias incorrectas. Um dos exemplos tem a
ver com a incorrecta percepção que é feita da
devolução de animais recuperados à natureza,
muitas vezes tomada como libertação de
animais criados em cativeiro. Torna-se assim
muito importante a correcta divulgação destas
acções e o seu uso como acções de educação
ambiental, de modo a evitar a criação de ideias
42
imprecisas sobre o trabalho desenvolvido.
Para além das ideias erradas, pode mesmo
existir a “falta de ideias”, de informação,
que a Educação Ambiental e a Formação
constantemente procuram colmatar.
Outra questão prende-se com as dificuldades
sociais e uma definição de prioridades distinta:
nem sempre é fácil fazer com que investimentos
na conservação sejam aceites quando as
populações locais se sentem de algum modo
prejudicadas por eles. Compensá-las pelos
danos causados (como o pagamento de
indemnizações pelos prejuízos causados pelo
lobo) e explicar, provando, a importância da
co-existência podem ajudar a contrariar este
obstáculo.
Por outro lado, muitas vezes as pessoas
culpabilizam as várias entidades pela falta
de informação ou por uma transmissão
de informação ineficaz. É de extrema
importância a proximidade das entidades
oficiais às populações locais, e ONGA’s
como a ALDEIA podem e devem ter um
papel muito importante
como pontes para esta
aproximação.
Algo que posso atestar
por experiência própria
nesta aproximação às
comunidades
locais
é que muitas vezes é
muito complicado não
dizer o que não se pode
fazer mas sim o que se
deve fazer… As pessoas
têm os seus hábitos e
ritmos e nem sempre
aceitam com facilidade
que
esses
sejam
quebrados. É assim de
extrema importância
apresentar alternativas
equilibradas
entre
as necessidades das
pessoas e a conservação
da natureza.
aprender - melhorando o seu conhecimento
científico - como em ensinar - aumentando o
conhecimento empírico dos técnicos, através
da troca de experiências. Por outro lado, a
capacidade de difusão da informação entre as
pessoas locais, pelas ligações pessoais existentes
dentro das comunidades, funcionam como
óptimos veículos de difusão de informação
Devolução à natureza da cegonha recuperada após resgate por um
particular
Felizmente,
e
de
um
modo
muito
recompensador, existem uma série de
facilitadores à integração das populações
locais na conservação da natureza.
Por um lado, a proximidade às temáticas e a
presença “no terreno” tornam as populações
locais, inseridas na natureza que se pretende
proteger e que estão intimamente ligadas a
ela, os principais aliados na sua conservação.
Deste modo, é muito importante uma abertura
das comunidades à aprendizagem e partilha,
apresentando estas, muitas vezes, uma
enorme disponibilidade e interesse tanto em
Diz-se na cultura popular que há uma tendência
para se “Puxar a brasa à sua sardinha” e é
também esta uma das “armas” que pode ajudar
na conservação, se houver o cuidado de serem
explorados temas de interesse local, bem como
as necessidades das populações, procurando
alcançar um equilíbrio entre as várias partes.
Até porque a conservação da natureza não
tem apenas repercussões positivas no que se
dirige efectivamente, também as pessoas e os
locais que acolhem estas medidas beneficiam
da imagem cooperativa e empenhada que lhes
ZIMBRO - MARÇO 2014
Devolução à natureza de um mocho-galego recuperado no CERVAS em que a divulgação da acção
foi realizada pelo particular responsável pela sua recolha
do bem comum apresenta, e que permitem
explorar todos os potenciais que a inclusão das
comunidades locais cria.
A Associação ALDEIA, localmente através
do CERVAS, tem sido um exemplo do
reconhecimento da importância da integração
das populações locais na conservação da
natureza mas mais exemplos existem. Sejam
outras ONGA’s, sejam entidades oficiais ou
mesmo particulares, a dinamização de atitudes
cooperantes entre os vários agentes para a
preservação da natureza está efectivamente
ao alcance de todos. E dada a demonstrada
relevância desta integração, englobar as
populações locais nas medidas a realizar
deverá sempre ser uma prioridade de todos
Os vários meios de integrar a população os projectos de conservação da natureza que
local nas acções de conservação da natureza, sejam desenvolvidos.
sejam eles a educação ambiental, a formação
ou a intervenção directa, são os recursos que
permitem ultrapassar as várias dificuldades
que o desafio de englobar todos na preservação
é associada.
Em última instância, a cooperação entre
entidades e a população local pode potenciar
diversas alterações e melhorias na conservação
da natureza, seja de mentalidades, seja na
legislação, activando mudanças significativas.
E porque não é só do crescimento profissional
e do enriquecimento “curricular” e científico
que se trata quando falamos em colaborar para
a conservação da natureza, mas também do
crescimento pessoal que tanto os técnicos como
as comunidades locais obtêm ao cooperarem
na conservação da natureza, tenho mesmo que
frisar como mais-valia os novos conhecimentos
que se travam e amizades que se fazem.
44
ZIMBRO - MARÇO 2014
ocorrendo de forma generalizada por todo
o território continental. Contudo, foi na
Serra da Estrela - onde a altitude, a natureza
granítica e a precipitação são os grandes
modeladores da estrutura da região - que tive
a oportunidade de realizar um estudo sobre
a ecologia da lontra. Observações ocasionais,
espécimes atropelados ou baleados e a elevada
variedade de zonas húmidas indicavam a sua
presença na serra mais elevada de Portugal
continental. No entanto, à data, muito pouco
se sabia sobre o seu regime alimentar ou
utilização em altitudes mais elevadas.
fotografia de Fernando Romão
Um corpo alongado, sinuoso e ligeiramente achatado, as patas curtas com cin-
co dedos e membranas interdigitais, pêlo impermeável e uma cauda longa que
serve de propulsor dentro de água…Estas são algumas das características hidrodinâmicas da lontra (Lutra lutra Linnaeus, 1758). Dependente da água doce,
esta espécie adaptou-se a diferentes ambientes aquáticos, ocorrendo de forma
generalizada por todo o território continental.
46
Um corpo alongado, sinuoso e ligeiramente
achatado, as patas curtas com cinco dedos e
membranas interdigitais, pêlo impermeável e
uma cauda longa que serve de propulsor dentro
de água…Estas são algumas das características
da lontra (Lutra lutra Linnaeus, 1758), que
lhe configuram soberania nos ambientes
aquáticos portugueses, particularidades que
desde o início me fascinaram.
Dependente da água doce, esta espécie
adaptou-se a diferentes zonas húmidas,
Para perceber qual a distribuição da lontra no
Parque Natural da Serra da Estrela, percorri
toda a área protegida em busca de indícios
de presença da espécie e verifiquei que existia
uma estreita relação entre a ocorrência deste
carnívoro e a presença de cursos de água ou
lagoas com carácter permanente. Grosso
modo, a área onde a lontra pode ocorrer varia
consoante a altitude. Se por um lado, quanto
maior a altitude menor é a área de habitat
preferencial, por outro, é no sopé da montanha
que se faz sentir uma maior perturbação, com
a proximidade às povoações (habitualmente
apontado como um aspecto negativo para esta
espécie).
ZIMBRO - MARÇO 2014
Apesar desta diversidade de condições
ambientais, podem ser encontrados vestígios
de lontra por toda a área do parque,
destacando-se a particularidade de a lontra
também ocorrer a altitudes superiores aos
1500 metros, onde é menor a disponibilidade
de coberto vegetal com condições de refúgio,
bem como a abundância de alimento.
A ocorrência da espécie por toda a área e
durante todo o ano - mesmo nas zonas com
condições menos atractivas para a espécie
reflectem o potencial hidrológico existente no
PNSE, que incluem tanto os leitos dos rios
como as suas margens, e podendo variar desde
as cabeceiras e troços fluviais relevantes, até
aos charcos e albufeiras de corrente lenta.
Passados mais de 15 anos desde a realização
deste trabalho, importa perceber o estado
actual das populações de lontra no PNSE,
tendo presente que, mesmo os resultados
então obtidos permitiram apenas conhecer
a
distribuição
generalizada da espécie
na área do Parque
Natural que, por si
só, não é sinónimo
de abundância ou
estabilidade da espécie.
Desconhecem-se
completamente outros
Por outro lado, o
aspectos que permitam
padrão de marcação do
aferir o seu estado de
território pela lontra
(i.e. marcação odorífera de locais específicos, conservação, como são exemplo o tamanho
muitas vezes associada à deposição de fezes), e tendência da população, a qualidade do
que está directamente relacionado com a habitat ou o impacte das pressões que afectam
importância dos habitats presentes nestas a espécie.
áreas, também é diferente em altitudes
superiores e inferiores aos 1500 m. As áreas Apesar da relativa tolerância e oportunismo
de maior altitude apresentam quase sempre presentes nos hábitos da lontra, a preservação
valores mais elevados de intensidade de das zonas húmidas revela-se crucial para
marcação, o que poderá estar relacionado com manter a espécie num estado de conservação
a defesa de recursos, mais escassos nessa área. favorável.
No entanto, uma inversão deste padrão foi
registada na Primavera, época de reprodução Dadas as potencialidades hídricas existentes
da lontra, onde este predador encontra na Serra da Estrela, também o interesse do
melhores condições a altitudes inferiores, Homem sobre as zonas húmidas é indiscutível,
aumentando assim a marcação dos habitats. e a intensidade das actividades que nelas
Estes resultados sugerem uma movimentação desenvolve são de relevância significativa para
de indivíduos entre o Planalto Superior e as a conservação da lontra e de muitas outras
espécies de hábitos aquáticos. A destruição
áreas de menor altitude.
Nestas regiões de altitudes mais elevadas,
as populações de lontra evidenciaram uma
grande adaptação às condições do meio.
Assim, verificou-se que a lontra faz uso
de recursos tróficos alternativos, onde os
anfíbios representam
cerca de 83,5% e os
peixes (normalmente
a sua presa principal)
constituem apenas 6,3
% do total de presas
consumidas.
48
do coberto vegetal ripícola, a degradação da
qualidade da água, a diminuição de caudal
ou de recursos alimentares e a perturbação
humana são alguns exemplos da alteração das
características naturais do habitat de que a
espécie depende.
desportos de inverno, pesca, extracção inertes,
rega, abeberamento do gado, exploração da
vegetação ribeirinha, potencial hidroeléctrico,
etc.).
Ainda que sejam um elemento imprescindível
numa estratégia de conservação da natureza,
O valor ambiental das zonas húmidas não se a protecção nacional e internacional conferida
limita ao seu interesse para a conservação de à Serra da Estrela, bem como à lontra e a
espécies e habitats, representa também uma outros valores naturais aí existentes, não são
garantia da qualidade da água e estabilização por si só suficientes. É assim, uma necessidade
do leito e margens, suporte de importância e um desafio garantir uma utilização
vital para o Homem. Permite tanto um sustentável dos usos múltiplos das massas
usufruto social (actividade balnear, desportos de água, maximizando a rentabilidade mas
náuticos, etc.) como a exploração económica salvaguardando os ecossistemas e a diversidade
dos recursos (comercialização da água potável, biológica da Serra da Estrela.
ZIMBRO - MARÇO 2014
fotografia 4028mdk09, via Wikimedia Commons
50
ZIMBRO - MARÇO 2014
M
uito temos ouvido falar de pequenos
produtores, agricultura familiar e de
proximidade. Cada vez mais este é um tema
corrente, mas principalmente agora, que
2014 foi escolhido como ano internacional
da agricultura familiar, sendo essa forma
de agricultura, considerada pela FAO como
importante na solução para um mundo livre da
pobreza e da fome. Por isso a FAO incentiva
os governos a demonstrar o seu compromisso
politico no apoio à agricultura familiar e de
pequena escala, elaborando enquadramentos
juridicos, instituições e politicas para os
pequenos agricultores. Irónicamente o nosso
governo presenteou em 2014 os pequenos
produtores da nação com a introdução de um
novo regime fiscal, que em nada os protege
ou promove.
Acedi com imensa satisfação ao convite feito
pela Associação Cultural Amigos da Serra
da Estrela para escrever sobre a realidade
dos pequenos produtores, e agradeço, em
especial ao seu presidente José Maria Saraiva,
a oportunidade de expor a minha visão sobre
este assunto.
Foi-me proposto abordar a importância da
agricultura de proximidade, familiar e de
pequena escala, realçando o seu contributo no
desenvolvimento económico e social do pais,
mas também sobre a forma como os pequenos
produtores assumem a preservação da paisagem
e contribuem para o enriquecimento de uma
cultura e identidade, que tanto nos diferencia
entre regiões, mas que a todos nos une como
Povo.
52
Seria dificil escrever este artigo sem recorrer
à minha própria memória e decisão de me
tornar agrícultor aos 30 anos de vida.
Em 1976, ano do meu nascimento, na freguesia
de Arcozelo em Vila Nova de Gaia, distando
apenas 12 km do centro do Porto, o gado ainda
passava à porta. De manhã ao acordar o pão
esperava na maçaneta da porta, dentro de um
saco de pano onde era deixado o dinheiro durante
toda a noite e em todo o horizonte a paisagem
era dominada por campos de cultivo. Nesse
tempo não existiam empresários agrícolas,
apenas produtores. Pequenos produtores que
lavravam todas as parcelas de terra disponivel
e juntos numa espécie de organização invisivel
cultivavam uma imensa variedade de legumes
e frutas com que abasteciam semanalmente
a grande cidade. Por trás de cada pequeno
produtor escondia-se uma familia, por trás
de cada familia vários laços com outras
familias de produtores que cooperavam sem
necessitar de Cooperativas, que se associavam
sem Associações que os pudesse representar
ou defender. Cada um tinha o seu pequeno
talhão que podia ter apenas algumas centenas
de metros quadrados, até meio ou um hectare.
Cada um responsável pela sua parcela, mas
sempre disponiveis para se ajudarem nas
tarefas que exigiam mais braços.
Tudo isto era realidade no sitio onde cresci,
entre os campos de Arcozelo e a localidade
piscatória da Aguda. Recordo bem as pequenas
parcelas de terrenos, ladeadas por árvores
de fruta e vinha e de toda a variedade de
culturas. Recordo com particular afecto que
tudo era cuidado, o mato cortado para fazer
camas para o gado, que seriam posteriormente
usadas na fertilização dos terrenos, os restos
de comida compostados, as águas reutilizadas,
Da esquerda para a direita - Pedro Rocha e Carlos Grazina, Projecto Raízes
as sementes das variedades locais e regionais em Modo de Produção Biológico com Sede
em Vila Nova de Gaia
trocadas e preservadas.
Onde cresci, crescia eu e de tudo um pouco.
Depois cresceram os prédios onde vivem
pessoas tão afastadas da realidade dos pequenos
produtores que poucos conseguem perceber a
sua importância.
De facto muita coisa mudou desde 1976 e em
2006 inspirado pela memória de infância iniciei
o Projecto Raízes para reavivar um conceito
cada vez mais perdido. Fazer agricultura de
proximidade, em pequena escala, apostando
na variedade e qualidade em deterimento da
quantidade e pouca qualidade. Para isso foi
preparada uma candidatura ao Proder e criada
a Raízes, empresa de produção de hortícolas
Em conjunto com o meu sócio Carlos Grazina
temos vindo a desenvolver o nosso projecto
agrícola. Criamos uma empresa, investimos,
trabalhamos, fazemos distribuição para
lojistas, restaurantes, hoteis, entregas ao
domicilio, mercados e ainda criamos um grupo
de consumidores que nos apoia directamente
garantindo o escoamento de parte da produção
e que chamamos de AMAP (Associação para a
Manutenção da Agricultura de Proximidade).
Para além de tudo isso, organizamos eventos,
somos convidados a participar em coloquios,
ir à Rádio, à TV, a dar entrevistas e também a
escrever artigos como este. Tudo isto fazemos
e muito mais faremos e queremos fazer.
ZIMBRO - MARÇO 2014
Os nossos clientes, encomendam via e-mail,
conhecem-nos via página web, facebook, blog.
académida superior, com vontade, motivados
e fazemos da criatividade e ousadia uma das
nossas importantes armas.
Preparação de hortícolas para entrega na AMAP Porto Oriental
Tudo isto vocabulário extraterrestres para a Mas seremos nós produtores iguais aos que
nos ajudaram a crescer?
grande maioria dos pequenos produtores.
No suporte de tudo o que fazemos, existe
uma estrutura, leve, agil, organizada. Usamos
programas de facturação, carregamos o
ficheiro SAFT pela Internet, comunicamos
permanentemente com a contabilidade via
e-mail, criamos mapas de excel que nos
ajudam a gerir de forma mais rigorasa a
produção e a empresa e muito mais temos
em mente fazer. Somos novos, com formação
54
Crescemos sem a preocupação de trabalhar,
tivemos a oportunidade de estudar no
Reino Unido, viver fora do pais, viajar.
Acompanhamos as novas tendências
tecnológicas de comunicação, consiguimos
falar vários idiomas e podemos apanhar o
avião e ir a qualquer parte da europa ou do
mundo para encontrar um cliente.
O novo regime fiscal para os pequenos
produtores não é idiota por exigir uma legitima
contribuição dos pequenos produtores para o
Julgo que não, estou certo que não. Recordo que Estado, obrigação essa que já decorre da lei. O
em Portugal nos anos 80 a taxa de analfabetismos novo regime é injusto porque não compreende
era de quase 20% e cerca de 25% da população e marginaliza uma parte significativa dos
vivia da agricultura. Basta ligar o televisor e pequenos produtores. O novo regime é injusto
ouvir bem o que se está a passar com o novo porque não distingue a realidade de cada um
regime fiscal para os pequenos produtores dos pequenos produtores, penalizando aqueles
para perceber que não estamos a falar de que à partida estão e são mais vulneráveis.
Falo de pequenos
pequenos produtores
produtores
com
que nasceram em
baixos niveis de
finais do Séc. XX.
escolaridade, baixos
Por isso enquanto
rendimentos,
faço este exercicio
pouca produção,
de escrita, dou por
já com alguma
mim a pensar como
idade. Acima de
poderá um pequeno
tudo
pequenos
produtor na Serra da
produtores
para
Estrela, que não teve
quem o Mundo
as oportunidades que
eu tive, enfrentar
evoluiu
mais
tudo o que lhe é
depressa do que a
hoje exigido? Como podem os pequenos sua própria capacidade de adaptação.
produtores que me viram crescer competir
comigo, ou com qualquer empresário agrícola? Idignou-me ouvir um produtor de 75 anos
Compreensivelmente uma grande parte não dizer que não ia conseguir pagar as suas
está dotado das ferramentas necessárias para contrubuições. Idigna ver um pais que não
o fazer.
reconhece a importância do trabalho de uma
Mas devemos reconhecer a importancia da vida de um pequeno produtor que tem uma
actividade de todos esses pequenos produtores, reforma de duzentos euros e não pode por isso
que muito nos ensinam quando conversamos descansar da sua vida inteira de trabalho.
com eles. Eles que conhecem a terra como A lei não é idiota ao atribuir a todos os mesmos
ninguém, que moldaram a paisagem toda uma deveres, mas é idiota quem olha para todos
vida com o cabo de uma enxada nas mãos.
de forma igual. É idiota, injusto, socialmente
insensível e de uma ingnorância grotesta
Com todas as assimetrias sociais, educacionais quem cria e apova leis que não têm em conta
e geracionais não é aceitável exigir o mesmo a as diferentes realidades existentes, sejam
produtores com contextos sociais e educacionais económica, sociais, educacionais, regionais,
tão diferentes como os que encontramos por etc...
este pais fora. Não podemos exigir o mesmo
que é exigido a um jovem agricultor. Não Podemos dizer que os pequenos produtores,
podemos exigir o mesmo nivel burocrático, o desadaptados do mundo moderno, não têm
mesmo nível de contribuição, o mesmo nível lugar no mundo de hoje e que precisamos
de dinamica.
de gente nova, ousada e capaz. Mas nunca
poderemos ignorar que foram esses milhares de
Seremos representativos da maioria dos
pequenos produtores em Portugal?
ZIMBRO - MARÇO 2014
pequenos produtores que sempre alimentaram
o pais, que cuidaram da floresta e estimaram a
paisagem como mais ninguém. Cuidaram de
tudo aquilo que milhões de turistas apreciam
em nós, o Vinho, a Cortiça, o Azeite, o Douro,
a Serra. O nosso grande trunfo sempre foi a
terra e o Sol e como pequeno produtor sinto
repulsa por quem tão pouco reconhece o
trabalho daqueles que me fizeram crescer para
chegar hoje aqui e ter o previlégio de escrever
este artigo.
Nota biográfica
Pedro Rocha
Nascido em 1976, Espinho - Portugal
Pedro Rocha cresceu entre as praias da Aguda e os campos de Arcozelo. No ano de 2000
conclui o Curso de Ciências do Ambiente e Poluição na Universidade de Glamorgan,
Reino Unido.
No inicio do seu percurso profissiona trabalha como assistente de projectos de desenvolvimento na Alemanha, sendo ainda Consultor no Projecto “The Saudi Programme for
Drilling of Wells, and Rural Developmente in the Sahel Countries of Africa - Phase III” em
Cabo Verde.
Durante a sua formação adquire ainda experiência internacional, como o seu projecto de
graduação, no Instituto Politécnico de Wroclaw na Polónia, sobre “Gestão de Resíduos
Urbanos Sólidos e Impacto Ambiental de Aterros Sanitários”.
Depois do seu regresso a Portugal em 2003, cria em 2005 o Projecto Raízes ao qual dedica
todo o seu tempo de trabalho.
56
Folha de Feijão
ZIMBRO - MARÇO 2014
Aveiro
www.facebook.com/
PedroEstevesPhotography
N
asceu em Aveiro decorria o ano de 1976.
Em 2007 concluiu o curso superior de Gestão
de Marketing no Instituo Português de
Administração e Marketing de Aveiro, ficando
habilitado com o grau de licenciado. Em 2008
frequenta o workshop de Composição em
Fotografia no Instituto Português de Fotografia
do Porto. Em Março de 2010 terminou o
Curso Profissional de Fotografia no Instituto
Português de Fotografia (IPF) – Porto. 2010,
58
Debaixo de estrelas
ZIMBRO - MARÇO 2014
estágio curricular com o fotógrafo António Pedrosa.
Janeiro de 2011, Workshop – Masterclass de montagem
e comissariado de exposições fotográficas. Abril 2012
convidado para apresentar o portfólio no âmbito das
“Conversas sobre Fotografia”. Ciclo de apresentações
organizado pelo IPF (Instituto Português de Fotografia)
e a Fnac. Nos últimos anos tem recebido diversos
prémios em concursos nacionais e internacionais de
fotografia.
Véu branco
Lago de nuvens
60
Chegou o inverno
Mar de nuvens
ZIMBRO - MARÇO 2014
Satyrus
actaea (Esper, 1781), lepidóptero
diurno pertencente à família Nymphalidae
(subfamília Satyrinae), apresenta uma
distribuição europeia, abrangendo a Península
Ibérica, França e Itália. Em Portugal é no
Parque Natural da Serra da Estrela onde a sua
abundância é maior, ocorrendo também no
Parque Natural de Montesinho. Em Espanha
abrange quase a totalidade do território, no
Sul de França ocorre entre os Pirenéus e os
Alpes e em Itália só é conhecida nos Alpes.
Bromus, Festuca e Poa. A crisálida é de tom
avermelhado e fica ligeiramente enterrada no
solo. Encontra-se na serra da Estrela a partir
dos 1200m até ao topo, com maior abundância
em prados de cervunal, mas também em áreas
de vegetação arbustiva e encostas rochosas. Voa
entre meados de Julho até início de Setembro
numa única geração.
Segundo The IUCN Red List of Threatened
Species foi-lhe atribuído o estatuto de
conservação de LC (Least Concern), uma
vez que nos últimos 10 anos não houve um
declínio acima dos 25% e as populações na
Europa estão consideradas acima dos 10 000
indivíduos numa área superior a 20 000 km². É
de notar que os locais onde a espécie ocorre em
Portugal são abrangidos por áreas protegidas.
Na serra da Estrela esta espécie terá sido
encontrada pelo conde de Hoffmansegg no
início do século XIX, tendo Ochesenheimer
classificado os exemplares que este lhe enviou
como uma espécie distinta da S. actaea.
Posteriormente, em 1882, A. A. Carvalho
Monteiro descreveu-a como variedade
mattozoi e finalmente Cândido Mendes, em
1910, como variedade monteiroi (Mendes, Referências bibliográficas
1910).
Mendes, C., 1910. Satyrus actea Esp. (Lepid.)
da Serra da Estrella. Brotéria: Série zoológica,
As faces superiores das asas são de castanho- IX, 1: 60-66.
escuro, com um ocelo na asa anterior nos Maravalhas, E., 2003. As Borboletas de
machos e dois nas fêmeas, sendo estas de Portugal. Apollo Books, 455 pp.
maior tamanho, face inferior variegada (tons IUCN 2013. IUCN Red List of Threatened
castanhos e cinzentos), com uma envergadura Species. Version 2013.2. <www.iucnredlist.
entre 40 e 47mm.
org>. Consultado a 9 de Março 2014.
A lagarta é cinzenta, hiberna no solo e alimentase de gramíneas dos géneros Brachypodium,
62
fotografia Hugo Figueiredo
ZIMBRO - MARÇO 2014
A polémica gerada à volta da ribeira das Cortes, a
jusante das Penhas da Saúde, continua a alimentar
tensões entre os que são contra e os que estão a
favor.
A construção de barragens no leito de um rio
são sempre garrotes que os atrofia e, por isso, a
discussão deve ser franca e procurar envolver, sem
subterfúgios, todos os interesses, o que me parece
não ter sido o caso desta proposta barragem. Daí
que não seja muito saudável ouvir ou ler dos que
vivem na cidade algo que rebaixe ou minimize
quem vive numa pequena aldeia, quando é sabido
que o corte de água, através de uma barragem,
vai penalizar e muito, os habitantes que vivem a
jusante, como é o caso da Bouça, Cortes do Meio
e muitas outras que se localizam a jusante da
anunciada albufeira.
Analisemos o processo para a construção da
albufeira na ribeira das Cortes. Na década de 90,
a Câmara Municipal da Covilhã, decide mandar
elaborar estudos para a construção de uma
barragem na ribeira das Cortes, com o objectivo
de procurar resolver carências de abastecimento à
população que, em anos de seca, já se faziam sentir
na cidade e no concelho. É um dever de qualquer
município uma vez que lhe compete garantir em
quantidade e qualidade a água à sua população.
A falta de água para o abastecimento público foi
sendo colmatada através da abertura de poços
nas margens do rio Zêzere e, também, através
do aproveitamento de, aproximadamente, 30
nascentes e minas, na encosta sobranceira à
cidade da Covilhã e de uma captação na ribeira
das Cortes, através de bombagem. Devo salientar
64
o factor negativo que tem para o ambiente e a
biodiversidade, bem como para o aumento do risco
de incêndio, a retirada desta água do seu meio
natural para o sistema de abastecimento público.
Apesar dos estudos da barragem garantirem
que, todos estes sistemas de captação, é para
serem desactivados após estar concretizado o
abastecimento pela albufeira, voltando assim a
água ao meio natural, a realidade tem demonstrado
que a maioria das vezes os compromissos não
passam de letra morta.
Na sobreposição das duas opções, A e B
pode verificar-se que o plano de água da
opção A é maior mas a sua capacidade de
armazenamento, substancialmente, inferior que a opção B.
O primeiro estudo para a construção de uma
nova barragem localizava-a a jusante das últimas
moradias existentes, no local onde posteriormente
foi aberto um acesso e instalado um sistema
de captação com bombagem (no estudo mais
actualizado é referenciado como solução B).
Uma leitura mais cuidada dos estudos deixa
transparecer algumas lacunas que podem
induzir em erro quem os lê já que se sugere uma
opção que não corresponde com os factos e a
realidade do meio.
A opção A, que a COBA seleciona como a melhor,
é referida como tendo um plano de água com 10,9
km2, e uma capacidade de armazenamento de
2,20 hm3 enquanto a solução B é referida como
tendo uma área de 13,3 km2 e um volume de
armazenamento de 2,28 hm3. Ou seja, o estudo
revela que a opção B armazena mais 0,8 hm3, o
que é muito significativo, mas troca as áreas dos
planos de água como se pode ver pelas imagens
da figura 1. Tomando como certo o erro, a área da
opção B é menor e ainda armazena mais 0,8 hm3
que a opção A o que é perfeitamente compreensível
para quem conhece a área.
O estudo revela outras imprecisões quando, no
tocante aos impactes, admite que globalmente
as duas opções são muito similares para depois
considerar como negativos alguns elementos (do
ponto de vista da sua construção até poderão ser
mais favoráveis), com impactes diretos (morfologia,
áreas classificadas, densidade da vegetação e
qualidade da água) e indiretos potencialmente
acrescidos (qualidade da água e perturbação
devida às obras).,quando é precisamente o
contrário conforme se pode verificar in loco.
Enquanto na solução A toda a área a inundar é rica
em galeria ripícola, o mesmo não acontece com a
opção B. Os efeitos causados pelas obras, apesar
de idênticos, são mais negativos a montante (A)
porque abrangem uma maior área de intervenção e
atingem uma maior distância de leito que em, (B).
O estudo não refere, por exemplo, a maior
capacidade da bacia em B do que em A, para além
de ignorar um apreciável afluente onde está agora
a captação.
ZIMBRO - MARÇO 2014
os custos indemnizatórios se a opção recair em A
muito mais, onerosos, porque envolvem habitações
e uma maior área, ao invés da solução B onde não
existem habitações, menos área de intervenção e
de muito menos valor económico.
Fig. 2 Nesta imagem do Google Earth, pode ficar-se com uma ideia dos planos de águas de ambas
as barragens.
A única vantagem que consigo absorver na escolha
da COBA, reside na distância dos adutores para
levar a água à Estação de Tratamento de Água
(ETA) do Pião 5,6 km (noutra parte do estudo
66
referem-se cerca de 10 km (?), enquanto para a ETA
da Varanda dos Carquejais se ficam pelos 1,2 km,
neste caso com necessidade de uma cota superior,
daí a opção A. O estudo não refere, no entanto,
Atendendo, exclusivamente, às duas opções em
análise, do ponto de vista do impacto visual não
tenho a mínima dúvida que a solução B é aquela que
causa menos agressividade, tendo em consideração
que os aspectos negativos não são causados pela
massa de água mas sim pelo coroamento da
barragem. É óbvio que não me estou a referir aos
aspectos, extremamente negativos, que causam as
albufeiras da Serra, quando na época do estio se
encontram com os níveis da água muito abaixo
do Nível Pleno de Armazenamento (NPA) ou
mesmo sem água nenhuma o que causa um aspecto
muito desolador. É uma questão que poderia ser
resolvida, por consenso, para se parar a produção
logo que diminua o caudal para o armazenamento,
até para manter uma disponibilidade de água para
o combate aos incêndios.
Penso que a melhor solução para resolver o
problema do abastecimento de água, por gravidade,
ao concelho da Covilhã poderia ser encontrada na
actual albufeira da Cova do Viriato. Com o seu
alteamento, desassoreamento e até alongamento
para montante, podia ser a alternativa mais
interessante, quer do ponto de vista ambiental
quer dos custos. Se tecnicamente essa solução
se revelar improvável devem procurar-se outras
alternativas que não passem pela opção A.
Por exemplo, penso que poderia ser equacionada
a hipótese de transferir a água da ribeira das
Cortes, sem qualquer barragem, apenas um
pequeníssimo açude para captar a água quando
ela é abundante, conduzi-la para várias lagos
artificiais, que possibilitassem o encaminhamento
para as referidas ETAs. Desta forma aproveitavase a água quando não faz falta a ninguém, pelo
contrário até será benéfico para toda a gente que
se reduza o caudal. Por outro lado o concelho fica
mais protegido pela proliferação de pontos de
água para o combate aos fogos.
É claro que, esta possibilidade, requere uma
exploração rigorosa de toda a área e implica a
mobilização de solo, a altitudes muito mais baixas,
praticamente na zona urbana. Se se fazem campos
de futebol com 120x90 metros não vejo porque,
numa situação destas, não se encare com mais
apreço uma intervenção que resolva problemas
básicos para a população.
ZIMBRO - MARÇO 2014
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Historia Natural
de
da
Serra da Estrela
Semana científica
2014
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Associação Cultural Amigos da Serra da Estrela | Março 2014