CENTRO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO TECNOLOGICA
PAULA SOUZA
ESCOLA TÉCNICA JORGE STREET
CLASSE DESCENTRALIZADA
ESCOLA ESTADUAL “MARIA TRUJILO TORLONI”
TÉCNICO EM SERVIÇOS JURÍDICOS
Eunice Andrade Cintra
Luiza Teixeira Mendes
LEI MARIA DA PENHA: Feminicídio
São Caetano do Sul
2015
Eunice Andrade Cintra
Luiza Teixeira Mendes
LEI MARIA DA PENHA: Feminicídio
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado ao Curso Técnico
em Serviço Jurídico da Etec
Jorge
Street,
Classe
Descentralizada Escola Estadual
“Maria Trujilo Torlone” orientado
pelo
Prof.
Waldir
Gomes
Magalhães,
como
requisito
parcial para obtenção do título
de técnico em Serviço Jurídico.
São Caetano do Sul
2015
DEDICATÓRIA
Eunice
Dedico a Deus, este, por ser tão dedicado a esta sua filha, que em
todos os momentos de minha vida senti Tua presença alimentando
minhas forças.
À minha mãe Efigênia Andrade Cintra de inesgotáveis amor e
dedicação.
Aos meus filhos, Gustavo, Ana Elisa, Mariana e minha netinha
Anna Giulia por estarem presente em minha vida, fazendo-me
conhecer em todos estes ano o verdadeiro sentido para mim do amor.
As todas brasileiras que trabalham arduamente, combatendo à
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher sonhando com um
futuro melhor, com uma justiça igualitária gerando paz e bem.
Às todas as PLPs (Promotora Legal Popular), principalmente as
responsáveis pela criação do curso para formação delas.
A todas as mulheres que sofrem desse mal.
A toda sociedade feminina brasileira, desde a mais simples até a
mais renomada cidadã.
E, naquelas horas em que nada parecia dar certo, agradeço
àqueles que não mais aqui estão, mas que sei que, com sua luz,
elucidaram meus pensamentos.
Luiza
Dedico em primeiro lugar a Deus que iluminou o meu caminho
durante esta caminhada.
Ao meu esposo, que de forma especial e carinhosa me deu força e
coragem, me apoiando nos momentos de dificuldades.
Aos meus filhos que embora não tivessem conhecimento disto,
mas iluminaram de maneira especial os meus pensamentos me
levando a buscar mais conhecimentos.
Não deixando de dedicar de forma grata e grandiosa, a minha
mãe quem eu rogo todas as noites a sua existência.
E minha amiga Eunice que se não fosse por sua grande ajuda não
teria conseguido chegar ao termino do curso.
AGRADECIMENTOS
A todos os professores que tivemos em nossas vidas, que sempre terão o
nosso respeito, pois investiram seu tempo ao ensino, e que ajudaram a
nos transformar em quem somos. Em especial, aqueles que no decorrer
deste curso, que além de nos ensinarem, conquistaram nosso carinho.
“Um de vocês vai dizer que não viu nada, não ouviu nada”. Um de
vocês vai me dizer “vai devagar, sem acusar”. A violência se faz, a
indiferença se faz, a intolerância se faz sem testemunha. Dentro de
casa, nas ruas do subúrbio, Dentro de casamento e nas delegacias.
Não faz mal pensar que não se está só. Um de vocês vai dizer que
não viu nada, não ouviu nada. Um de vocês vai me dizer “vai
devagar, sem acusar”.
E também sofrem as ricas disfarçadas, as mães executivas e as
presidiárias. O grito mudo das filhas do subúrbio penetra nas
entranhas do teu ouvido surdo. Não faz mal pensar que não se está
só”.
FILHAS, MÃES E IRMÃS – DOMINATRIX
RESUMO
Objeto deste estudo é a violência doméstica, com apresentação especial em duas
leis, ou seja, na Lei Maria da Penha que foi editada na lei federal nº 11.340 no dia 7
de agosto de 2006, e na lei feminicídio que recentemente foi tipificada na Lei
13.104/2015, enquadrada como homicídio qualificado. Para tanto, não há propósito
de analisar aqui a constitucionalidade da Lei e sim algumas palavras sobre a
violência contra a mulher e seus significados, seus efeitos de sentido na lei
feminicídio. Primeiro analisa-se o crescente fenômeno da violência de gênero, da
qual a mulher é majoritariamente vítima, e como a histórica inferiorização da mulher
e sua constante submissão à figura masculina contribuiu para perpetuar essa
situação. Em seguida, o crime de feminicídio é abordado com mais profundidade.
Discorre-se, então, sobre os diferentes tipos de feminicídio existentes, e alguns
casos de repercussão mundial.
Palavras-chave: Lei Maria da Penha; Feminicídio; Conceitos.
ABSTRACT
. Object of this study is domestic violence, with a special presentation in two laws,
namely in the Maria da Penha Law was published in Federal Law No. 11,340 on
August 7, 2006, and femicide law recently was typified by Law 13,104 / 2015 framed
as degree murder. Therefore, there is no purpose here to analyze the
constitutionality of the law but a few words about violence against women and their
meanings, their sense effects on femicide law. First it analyzes the growing
phenomenon of gender violence, which women are mostly victims, and as the
historical inferiority of women and their constant submission to the male figure helped
to perpetuate this situation. Then femicide crime is covered in more depth. Discusses
up, then, on the different types of femicide, and some cases of world-wide
repercussion.
Key-words: Maria da Penha Law; femicide; Concepts.
Sumário
1 INTRODUÇÃO ..........................................................................................................................................10
2. LEI MARIA DA PENHA ...........................................................................................................................12
2.1 VIOLÊNCIAS DE GÊNERO ..................................................................................................................15
3 - Medidas Protetivas ...............................................................................................................................17
3.1 – Conceito ..................................................................................................................................................... 17
3.2 – Evoluções das Medidas Protetivas ........................................................................................................ 17
3.3 - Políticas públicas ....................................................................................................................................... 22
4 - Feminicídio:............................................................................................................................................25
4.1 - Conceito ...............................................................................................................................................25
4.2 – Doutrina ..............................................................................................................................................25
A quesitação do feminicídio no Júri: ......................................................................................................25
4.3.1 - Feminicídio íntimo: ................................................................................................................................. 33
4.3.2 - Feminicídio não íntimo: ......................................................................................................................... 33
4.3.3 - Feminicídio por conexão: ...................................................................................................................... 33
5 – Aspectos Legais ...................................................................................................................................34
5.1 - Inclusões do Feminicídio no Código Penal ..................................................................................35
5.2 - A LEI Nº 13.104, de 9 de março de 2015.........................................................................................41
5.3 – Homicídios qualificados ..................................................................................................................50
5.4 – Crimes hediondos .............................................................................................................................51
5.5 – A Tipificação do Feminicídio ..........................................................................................................52
6 – Casos Emblemáticos ...........................................................................................................................57
7 – CONCLUSÃO .........................................................................................................................................71
8. Bibliografia..................................................................................................................................................72
9 - ANEXO .......................................................................................................................................................73
1 INTRODUÇÃO
Na atualidade, a temática “violência” vem sendo incessantemente debatida,
em decorrência do aumento de incidência tanto nos setores da vida pública como na
vida privada.
Uma das manifestações que mais tem preocupado a sociedade brasileira é a
violência doméstica contra mulher. O objeto deste estudo é a violência doméstica,
com enfoque especial para os pontos principais e as eventuais fragilidades da Lei nº
11.340, de 07 de agosto de 2006. Para nortear a pesquisa questiona-se: o advento
da Lei Maria da Penha é suficiente para resolver o problema relacionado à violência
contra a mulher não solucionada pelos Juizados Especiais Criminais? Ao final,
confirma-se a hipótese de que a Lei Maria da Penha vem para atender aos anseios
da sociedade contra a sensação de impunidade despertada pela aplicação da Lei do
Juizado Especial Criminal aos casos de violência doméstica e familiar praticada,
especialmente, contra a mulher.
Contudo, a “Lei Maria da Penha” (2006), que se destina a coibir a violência
doméstica e familiar contra a mulher: quebra-se nela a memória discursiva de família
tradicional, ao adotar um posicionamento em favor da mulher vitimada pelo homem,
seu agressor.
Objetivo desta
pesquisa
será
especificamente
a
incorporação
do feminicídio ao Código Penal, para punição do agente infrator contra mulheres
frente aos crimes. Propiciar a informação, divulgar, explorar, buscar entendimento
sobre última Lei nº 13.104/2015.
Despertar atenção da sociedade, para a importância das atualizações dos
avanços, com a efetiva aplicação da Lei, Levantar a problemática da violência
domestica e o amparo da lei a garantia de direitos. Pois a mulher quando se
sente protegida, ela terá mais
força
e
coragem
para seguir
em frente,
com
esperança, vida nova, para ela e os seus. No momento que se encontra numa
situação
degradante, onde tudo
parece perdido, a lei está protegendo-a de
seu agressor. Fato é que a violência domestica e familiar é uma questão histórica
e cultural, anunciada que ainda hoje, infelizmente, faz parte da realidade de muitas
mulheres nos lares brasileiros.
10
Só com a
educação e
o
esclarecimento
conseguir-se-á reverter
esse
quadro dramático da nossa sociedade.
Esta tarefa pretende chamar à atenção da sociedade, para as vitimas que
estão como alvo de seus algozes.
Logo, esta pesquisa pretende abordar a aplicabilidade da Lei Maria da Penha,
abordar a aplicabilidade da recente promulgada Lei do Feminicídio, iniciando com
uma análise da violência doméstica e familiar, interligando-se com os novos
conceitos e avanços trazidos pela lei.
11
2. LEI MARIA DA PENHA
Em todos meios de comunicação atualmente é comum se deparar com
notícias de mulheres que foram ou são agredidas por seus companheiros. A ação
contra esse tipo de violência já se deu de diversos modos, entre elas, sendo a de
maior eficácia, as medidas punitivas da Lei nº 11.340/06, popularmente conhecida
como Lei Maria da Penha.
Com embasamento nos elevados índices de mortes de mulheres, tanto
adultas quanto adolescentes e crianças no país, além de intensas pressões dos
movimentos feministas no enfrentamento à violência doméstica e familiar, foi criada
a Lei Maria da Penha. O procedimento de formação legislativa da Lei Maria da
Penha foi um dos mais democráticos vistos até hoje no Brasil, visto que este
procedimento teve a participação de movimentos feministas de todas as regiões do
país, além de um grande apoio internacional.
Uma proposta de prevenção à violência doméstica elaborada por um conjunto
de ONGs (Advocacy, Agende, Cepia, Cfemea, Claden/IPÊ e Themis) foi
apresentada, e depois de várias discussões e reformulações coordenadas pela
Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM), o texto legal foi enviado pelo Governo
Federal ao Congresso Nacional, onde foi aprovado por unanimidade nas cinco
regiões do país onde houve audiências públicas realizadas nas Assembleias
Legislativas e que contaram com a participação de entidades da sociedade civil,
parlamentares e a SPM. Como podemos observar, a espera de uma lei que
realmente fosse ajudar as mulheres vítimas da violência doméstica foi finalmente
concretizada, podendo atender tanto mulheres da classe alta quanto mulheres
carentes.
Muito se fala na chamada Lei Maria da Penha, mas muitos não sabem o
porquê esse nome foi dado a ela. Maria da Penha Maia Fernandes, bi farmacêutica,
cearense, e que atualmente possui 61 anos de idade, foi vítima, por duas vezes, de
tentativa de homicídio praticado por seu marido na época, o professor universitário e
economista Marco Antônio Herredia Viveros, e também pai de suas três filhas.
Na primeira tentativa, em 29 de maio de 1983, Marco Antônio deu um tiro nas
costas de Maria da Penha com uma espingarda enquanto ela dormia, simulando um
12
assalto. Depois do disparo foi encontrado na cozinha da residência gritando por
socorro, alegando que os ladrões haviam fugido pela janela. Maria da Penha ficou
internada durante quatro meses e em resultado da violência voltou paraplégica para
a sua casa.
Pouco mais de uma semana do fato ocorrido, a segunda tentativa de
homicídio foi praticada. O marido a empurrou da cadeira de rodas que usava em
virtude da primeira tentativa, e também buscou eletrocutá-la por meio de uma
descarga elétrica enquanto ela tomava banho.
Como expõe Maria Berenice Dias (2007, p. 13), as investigações começaram
em junho de 1983, mas a denuncia só foi oferecida em setembro de 1984. Em 1991,
o réu foi condenado pelo tribunal do júri a 8 anos de prisão. Além de ter recorrido em
liberdade ele, 1 ano depois, teve seu julgamento anulado. Levado a novo julgamento
em 1996, foi-lhe imposta a pena de 10 anos e 6 meses. Mais uma vez recorreu em
liberdade e somente 19 anos e 6 meses após o fato, em 2002, é que Marco Antonio
Herredia Viveros foi preso e cumpriu apenas dois anos de prisão em regime fechado
e logo após recebeu o benefício da progressão de regime indo para o regime aberto.
A repercussão dessa história foi tão grande que fez a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos
solicitar ao governo brasileiro um parecer sobre o fato. Como este parecer nunca foi
entregue à Comissão, o Brasil foi condenado internacionalmente em 2001, tendo
como pena o dever de impor o pagamento de indenização no valor de 20 mil dólares
em favor de Maria da Penha, além de ter sido responsabilizado por negligência e
omissão em relação à violência doméstica. Fora isso, foi recomendado que o país
adotasse várias medidas para simplificar os procedimentos penais para que possa
ser reduzido o tempo processual.
E, como já dito anteriormente, foram essas pressões internacionais que
fizeram com que o Brasil cumprisse os tratados internacionais dos quais é
signatário.
Maria da Penha, após as tentativas de homicídio, começou a atuar em
movimentos sociais contra violência e impunidade e hoje é coordenadora de
Estudos, Pesquisas e Publicações da Associação de Parentes e Amigos de Vítimas
de Violência (APAVV) no Ceará.
13
Com a ineficiência dos Juizados Especiais já que a lei da força física ainda
era superior à da lei jurídica, foi criada em 2002 , uma medida cautelar , de natureza
penal , ao admitir a possibilidade de o juiz decretar o afastamento do agressor do lar
conjugal na hipótese de violência doméstica . Antes da Lei 11.340/06, a violência
doméstica contra a mulher nunca teve uma lei especifica que regulasse a punição do
agente agressor.
Em 2006, com a promulgação da Lei Maria da Penha, um novo texto legal
surge para regularizar e punir os agressores de mulheres no âmbito doméstico e
familiar ,e com essa nova lei , mudanças surgiram nos tramites processuais penais
brasileiros .
Sobre isso, Maria Berenice Dias nos mostra a inferioridade da mulher numa
relação de violência: “Apesar de a igualdade entre os sexos estar ressaltada
enfaticamente na Constituição Federal de 1988, é secular a discriminação que
coloca a mulher em posição de inferioridade e subordinação frente ao homem”.
Se antes da promulgação da Lei Maria da Penha era possíveis penas
alternativas como forma de punição pela violência praticada, depois da Lei , ficou
proibido o uso de pena pecuniária , multa ou entrega de cestas básicas , e se
permitiu a prisão em flagrante e a prisão preventiva do agressor , a depender dos
riscos que a mulher corra .
A Lei trouxe com ela uma das maiores conquista, a criação dos
JVDFMs (Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher), o que deu
mais celeridade e competência cível e criminal, por exemplo, os processos que
continham direito de família.
Depois da promulgação da lei Maria da Penha houve penas mais rígidas ao
agressor, não sendo mais possível penas alternativas tais como: pecuniária, multa
ou entrega de cestas básicas. Com esta lei determinou-se prisão em flagrante e a
prisão preventiva do agressor para impedir riscos para a mulher, determinando
tempo de prisão para cada caso.
Além de todas estas determinações vale exaltar o fato de dar ao juiz
autonomia de fixar um limite mínimo de distancia contato entre o agressor e a vitima
agredida, seus familiares e testemunhas.
14
Um dos mais importantes dispositivos da Lei para o agressor não voltar a
agredir a mulher, é o Juiz determinar o comparecimento obrigatório do agressor a
programas de recuperação,  reeducação, e a reeducação psicológica.
A Lei 11.340/06 trouxe medidas positivas para proteger às mulheres que
sofrem violências domesticas e familiar tais como: vitima só poder desistir da
denuncia perante o juiz; assegurar a vitima e seus familiares e testemunhas
uma distancia segura de seu agressor.
2.1 VIOLÊNCIAS DE GÊNERO
A ordem patriarcal é vista como um fator dominante na produção da violência
de gênero, uma vez que está na base das representações de gênero que configura
a desigualdade e dominação masculinas internalizadas por homens e mulheres. A
violência de gênero aparece nas relações de poder onde se ajuntam as categorias
de gênero, classe e etnia. Expressa uma forma particular de violência global
mediatizada pela ordem patriarcal, que delega aos homens o direito de dominar e
controlar suas mulheres, podendo para isso usar a violência. Dentro dessa visão, a
dominação masculina, segundo Bourdieu (1999), desempenha um controle
simbólico sobre todo o tecido social, corpos e mentes, discursos e práticas sociais e
institucionais, criando diferenças e naturalizando desigualdades entre homens e
mulheres. Para ele a dominação masculina organiza a percepção concreta e
simbólica de toda a vida social.
O controle do homem não pode ser vista como algo isolado, que se reproduz
de modo igual. Há diferenciações na forma como o poder patriarcal aparece, assim
como nas formas de reação que as mulheres desenvolvem nos diferentes meios.
Essa perspectiva teórica que vincula o domínio sobre as mulheres no sistema
patriarcal foi durante anos, utilizada pelas feministas no estudo da relação controle
masculino e obediência feminina, entretanto, no presente momento é criticada pelos
estudos de gênero por suas tendências universais.
Desta forma, o sentido gênero passou a ser usado de forma mais ampla do
que patriarcado para compreender as relações de poder e subjugação. Passou
também a mudar a categoria “mulher” em muitos estudos feministas (Piscitelli,
2002). A perspectiva de gênero desenvolvida por escritoras feministas como Tereza
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de Lauretis (1987), Joan Scott (1995) e Judith Butler (2003) entre outras, indica um
outro sentido critico para refletirmos sobre a violência de gênero, não apenas com a
visão da dominação masculina, mas também para um ambiente mais amplo.
Este novo ângulo analítico questiona a universalidade das categorias homem
e mulher, associadas a construções binárias que associam poder e dominação ao
masculino e obediência e submissão ao feminino. Se o gênero é relacional, não se
pode admitir, no contexto das relações de gênero, um poder masculino absoluto. As
mulheres também detêm parcelas de poder, embora desiguais e nem sempre
suficientes para sustar a dominação ou a violência que sofrem. Desta forma, é
possível pensarmos em diferentes possibilidades ou modos de subjetivação e
singularização vivenciados por homens e mulheres.
Se o poder se articula segundo a posição, e se homens e mulheres detêm
parcelas de poder, embora de forma desigual, cada um lança mão das suas
estratégias de poder, dominação e submissão. No caso da violência contra a mulher
ou violência de gênero, podemos concluir que embora a dominação masculina seja
um privilégio que a sociedade patriarcal concede aos homens, nem todos a utilizam,
assim como nem todas as mulheres se submetem igualmente a essa dominação.
(Araújo, 2008; Saffioti, 2001).
Apesar o aparecimento igual do fator predominante – a desigualdade de
poder nas relações de gênero - cada caso tem uma influência própria, ligada com os
contextos distintos e as histórias de vida de seus autores. Desta forma, no estudo e
compreensão da violência contra a mulher é suma importância levar em
consideração esses aspectos universais e particulares de forma a apreender a
diversidade do fenômeno. Portanto, pode-se dizer que a violência contra a mulher
não é um fenômeno único e não acontece da mesma forma nos diferentes
contextos; ela tem aspectos semelhantes, mas também diferentes em função da
singularidade dos sujeitos envolvidos. (Araújo, S/Data)
16
3 - Medidas Protetivas
3.1 – Conceito
Segundo o site do TJCE, São medidas cautelares que o juiz poderá conceder
à vítima, para proteger sua integridade física. São elas: suspensão do porte de
armas do agressor, afastamento do agressor do lar, distanciamento da vítima, dentre
outras.
3.2 – Evoluções das Medidas Protetivas
Dentro da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), está incluso uma grande
quantidade de medidas a serem tomadas pelos agentes executores da proteção e
pela interpretação dos atos envolvendo a violência doméstica e familiar, no intuito de
assegurar às vítimas o direito de paz. Dias (2007, apud NUCCI) salienta ainda que
"são previstas medidas inéditas, que são positivas e mereceriam uma extensão ao
processo penal comum, cuja vítima não fosse somente a mulher, o que de fato
ocorreu com as modificações das medidas cautelares do Art. 319 do CPP, com base
na Lei 12.403/2011".
É certo que o papel de conter o agressor e garantir a segurança patrimonial
da vítima da violência doméstica e familiar está a cargo da polícia, do juiz e do
Ministério Público, devendo estes agir de modo imediato e eficiente (DIAS, 2007).
A vítima poderá solicitar ações necessárias à justiça, no objetivo de garantir a
sua proteção por meio das autoridades e o delegado de polícia deverá encaminhar,
no prazo de 48 horas, o expediente referente ao pedido, anexado com os
documentos necessários à prova, para que este seja conhecido pelo juiz.
De acordo com a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), estão previstas em
seus artigos 22, 23 e 24, as medidas protetivas de urgência:
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos
termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou
separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
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I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão
competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite
mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de
comunicação;
c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e
psicológica da ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de
atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
§ 1o As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas
na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o
exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.
§ 2o Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições
mencionadas no caput e incisos do art. 6o da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de
2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas
protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas,
ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da
determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de
desobediência, conforme o caso.
§ 3o Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz
requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.
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§ 4o Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no
caput e nos §§ 5o e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código
de Processo Civil).
A providência inicial a ser tomada pela autoridade policial, após a denúncia é
a suspensão da posse ou restrição do porte de armas do agressor, no objetivo de
evitar uma tragédia ainda maior, com comunicação ao órgão competente nos termos
da Lei 10.826 de 22 de dezembro de 2003 (DIAS, 2007).
Deve-se deixar claro que, de acordo com Porto (2012), quando não for mais
possível o flagrante, devido à fuga do local da ocorrência por parte do agressor, a
apreensão das armas também é indicada à autoridade policial, sendo necessária a
autorização da vítima para a busca na casa, sendo que não há nenhuma ilegalidade
no ato policial. O doutrinador destaca o antigo dito popular: “é melhor prevenir do
que remediar”.
O artigo 23 da referida Lei atentou-se a proteção das vítimas, trazendo
medidas protetivas de urgência.
Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de
proteção ou de atendimento;
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo
domicílio, após afastamento do agressor;
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos
a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV - determinar a separação de corpos.
Os meios de proteção às vítimas da violência doméstica e familiar devem ser
determinados pelo juiz competente, ou ainda pela autoridade policial, sendo que o
Ministério Público também tem esse dever, por se tratar de um serviço público de
segurança, mesmo que seja no âmbito administrativa (DIAS, 2007).
Porto (2012) enfatiza que só será permitido o afastamento de seu lar se
houver alguma evidencia da prática ou risco comprovado de algum crime que
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provavelmente irá justificar o afastamento, não apenas como mero capricho da
vítima, pois se sabe que muitas vezes o afastamento do individuo extrapolará os
prejuízos a sua pessoa. Tal medida pode ser considerada violenta, por privar os
filhos do contato e do convívio com o pai.
O doutrinador indica também que é possível a prisão preventiva do agressor,
conforme disposto nos artigos 20 c/c 42 da referida Lei, que deu nova redação ao
artigo 313 do Código de Processo Penal, permitindo a prisão preventiva quando se
julgar adequada para garantir o cumprimento das medidas protetivas de urgência.
Soares (2005) aponta ainda que é de suma importância que a vítima da
violência domestica saiba de alguns direitos que a protegem. A vítima deverá estar
ciente também que, caso queira desistir da ação penal que move contra o agressor,
se esta for ação penal pública condicionada à representação, “só será permitido a
desistência da representação perante o juiz, em audiência especialmente designada
com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público”,
conforme dispõe o artigo 16 da Lei, sendo que essa audiência deverá ser solicitada
pela vitima.
Ainda de acordo com Soares (2005), o juiz assegurará à mulher vítima de
violência doméstica e familiar, com o fim de preservar sua integridade física e
psicológica:
a) acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da
administração direta ou indireta;
b) manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de
trabalho, por até seis meses.
Por opção da vitima, a competência da ação judicial para os processos cíveis
regidos pela Lei 11.340 será o Juizado:
a) do domicílio da vitima ou de sua residência;
b) do local do fato em que se baseou a demanda;
c) do domicílio do agressor.
Após receber o expediente, o juiz irá se decidir sobre as medidas protetivas
de urgência, no prazo de 48 horas, podendo este ainda determinar o
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encaminhamento da vítima ao atendimento da assistência judiciária. Se for o caso
de prisão do agressor, a vítima precisará ser notificada dos atos processuais
relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão
(SOARES, 2005).
A Lei Maria da Penha também tem incluso, em seu artigo 24, a concessão de
medidas protetivas na esfera patrimonial:
Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de
propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as
seguintes medidas, entre outras:
I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e
locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos
materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.
Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar no cartório competente para os fins previstos
nos incisos II e III deste artigo.
Porto (2012) deixa claro que a primeira destas medidas preocupa-se em
determinar a restituição dos bens indevidamente subtraídos pelo agressor, podendo
acorrer em caráter cautelar nos seguintes casos:
a) Quando se tratar dos bens particulares da ofendida, retidos pelo agressor;
b) Quando se tratar de bens comuns que o agressor está subtraindo do casal, em
hipótese similar ao de furto de coisa comum;
c) Quando se tratar de bens comuns, mas de uso profissional da ofendida (PORTO,
2012, p. 114).
Em um segundo momento, menciona o inciso II do citado artigo, onde é
permitido ao juiz solicitar a proibição temporária para a celebração de atos e
contratos de compra, venda e de locação de qualquer propriedade, a não ser que o
21
próprio juiz permita que o agressor o faça, sendo conveniente que a vítima indique
os bens que deverão ser protegidos.
Na visão de Dias (2007), a eventualidade do inciso III do artigo 24 da Lei
Maria da Penha é uma das mais indicadas, pois dá ao Juiz a possibilidade de
suspender procurações concedidas pela vítima ao agressor no prazo de 48 horas
após a denúncia.
O Prof. Porto (2012) foi feliz em afirmar que a procuração depende do acordo
entre as partes, e que, quando esta confiança é quebrada, de acordo com o artigo
682, I, do Código Civil Brasileiro, o mandante poderá revogar o mandato, sendo
necessária a divulgação do ato para evitar danos a terceiros de boa-fé.
Concluindo o assunto de medidas protetivas, a medida cautelar prevista no
inciso IV do citado artigo garante a satisfação de um direito que venha a ser
reconhecido em demanda judicial a ser indicada pela vítima, determinando o
depósito judicial de bens e valores. Essas medidas podem ser criadas perante a
autoridade policial, uma vez que são meramente extrapenais (DIAS, 2007). (Presser,
2014)
3.3 - Políticas públicas
Em agosto de 2014, a Lei 11340/06 – conhecida como Lei Maria da Penha,
completou 8 anos de compromisso e pioneirismo no enfrentamento à violência de
gênero. Olhada como inovadora, baseada nos tratados internacionais de proteção
dos direitos das mulheres ratificados pelo Brasil, a lei estabelece o aspecto legal
diferenciado por gênero. Prevê ainda medidas de proteção e assistência às
mulheres no que se refere à contenção e enfrentamento à violência.
Porém, a lei precisa ser posto em prática, ou seja, estar a disposição das
mulheres que dela precisam de forma rápida e, para isso, aumentar e fortalecer a
rede de serviços especializados.
Esta sendo trabalhando na articulação e
integração das politicas mediante a diversidade da temática de gênero,
sensibilização de dirigentes da gestão pública, fortalecimento do controle social e
implantação de experiências inovadoras de gestão.
22
É porque vivemos em uma sociedade ainda marcada por desigualdades
historicamente ocorridas na família, no trabalho, nas relações sociais, politicas e
privadas, com falsa influência da cultura e dos valores da sociedade, de concepção
patriarcal.
A Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres (SMPM) vem ampliando
sua rede de serviços, capacitando gestores e gestoras municipais e mostrando que
incentiva e financia a autonomia e no protagonismo das mulheres. Isso requer
apontar para a ampliação e fortalecimento da rede de combate à violência, em fina
ligação com os projetos de autonomia econômica, cidadania ativa e participação
social desenvolvidos nos serviços públicos amparados pela Secretaria: Unidade
Móvel, Centros de Cidadania da Mulher (CCMs), Centros de Referência da Mulher
(CRMs) e Casa Abrigo.
Nesses mecanismos, foi realizado cerca de 14 mil atendimentos em 2013 e
15 mil no 1º semestre de 2014 (incluindo os da Unidade Móvel). Visando ampliar
essa rede, estão previstas a instalação de dois novos Centros de Referência da
Mulher, nas regiões Sul e Leste da capital.
Esta sendo estudada ainda a fundação da Casa da Mulher Brasileira, cujo
edital federal encontra-se em fase de conclusão e que funcionará como um serviço
inédito, reunindo, em um mesmo espaço, atendimento psicológico, social e jurídico,
encaminhamentos ao mercado de trabalho e dormitório de passagem.
Como integração do programa “Mulher Viver sem Violência”, do Governo
Federal, recebemos este ano a Unidade Móvel de Atendimento às Mulheres, ônibus
cedido pela Secretaria de Politica para as Mulheres da Presidência da Republica,
equipado para percorrer áreas mais remotas da cidade, com equipe multidisciplinar
treinada para acolher e encaminhar as demandas referentes às políticas de gênero.
O serviço, efetuou no 1º semestre de 2014 cerca de 8 mil abordagens às
mulheres no extremo sul de São Paulo, (145 diretamente relacionadas à violência),
em conjunto com a rede de combate à violência, lideranças populares e governo
local.
A SMPM (Secretaria Pública Para Mulheres) participa também do “Fórum
Compromisso e Atitude”, originado da cooperação entre o Governo Federal, Poder
23
Judiciário e Defensoria destinada ao fortalecimento da rede e implementação da Lei
Maria da Penha no Estado.
Tem ainda o projeto “Guardiã Maria da Penha”, em faze de experiência, que
desde junho, atua na região central, com Guardas Civis Metropolitanos treinados
para investigar a situação das mulheres sob medida protetiva. No setor de controle
social, mantemos diálogos com os movimentos sociais, procurando incentivar a
instalação dos Fóruns Regionais que definirão as prioridades no que se indicam às
políticas públicas nas subprefeituras. O resultado será a instalação do Conselho
Municipal de Políticas para as Mulheres em 2015 e preparar a V Conferência de
Políticas para as Mulheres.
Muitos são os desafios para garantir a execução concreta da Lei Maria da
Penha em uma cidade como São Paulo. Esses desafios exigem vontade das três
esferas de governo, sociedade civil e órgãos da Justiça. (Dau, 2014)
24
4 - Feminicídio:
4.1 - Conceito
Feminicídio significa a perseguição e morte intencional de pessoas do sexo
feminino, classificado como um crime hediondo no Brasil.
O feminicídio se configura quando é comprovada as causas do assassinato,
devendo ser este exclusivamente por questões de gênero, ou seja, quando uma
mulher é morta simplesmente por ser mulher.
Alguns estudiosos do tema alegam que o termo feminicídio se originou a partir
da expressão "generocídio", que significa o assassinato massivo de um determinado
tipo de gênero sexual.
De modo geral, o feminicídio pode ser considerado uma forma extrema de
misoginia, ou seja, ódio e repulsa às mulheres ou contra tudo que seja ligado ao
feminino.
Saiba mais sobre o significado de Misoginia.
Agressões físicas e psicológicas, como abuso ou assédio sexual, estupro,
escravidão sexual, tortura, mutilação genital, negação de alimentos e maternidade,
espancamentos, entre outras formas de violência que gerem a morte da mulher,
podem configurar o feminicídio.
4.2 – Doutrina
A quesitação do feminicídio no Júri:
Com a recente aprovação do Projeto de Lei nº 8.305/2014, da Câmara dos
Deputados, foi sancionada a Lei nº 13.104, de 09 de março de 2015, que alterou o
art.121 do Código Penal para prever o feminicídio como circunstância qualificadora
do crime de homicídio. Assim, cumpre verificar como se dará a elaboração e a
votação do questionário (CPP, art. 482 e seguintes) a ser respondido pelos jurados
no Tribunal do Júri, órgão jurisdicional competente para o julgamento do feminicídio.
25
A redação do art. 121 do CP passou a vigorar com as seguintes inovações a
partir do dia 10 de março de 2015, in verbis:
Homicídio simples
Art. 121...
Homicídio qualificado
§ 2º...
Feminicídio
VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:...
§ 2º-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime
envolve:
I – violência doméstica e familiar;
II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
...
Aumento de pena
...
§ 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime
for praticado:
I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;
II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com
deficiência;
III – na presença de descendente ou de ascendente da vítima.
26
Primeiramente, observa-se que a redação originária do Senado Federal (PLS
nº 292/2013) trazia no novel inciso VI do § 2º do art. 121 do CP a expressão “por
razões de gênero”, a qual foi substituída na Câmara dos Deputados pela expressão
equivalente “por razões da condição de sexo feminino”, o que em nada muda a
exegese do dispositivo, na medida em que ele faz referência ao homicídio praticado
contra a mulher (pessoa do sexo feminino) em decorrência de construções
socioculturais plasmadas no inconsciente coletivo, as quais espelham relações
desiguais e assimétricas de valor e poder atribuídas às pessoas segundo o sexo.[2]
Com efeito, o feminicídio constitui modalidade de violência de gênero ou,
conforme preceitua o art. 5º, caput, da Lei Maria da Penha e o art. 1º da Convenção
de Belém do Pará, violência “baseada no gênero”. Nessa perspectiva, vale destacar
as seguintes definições contidas no art. 3º, alíneas c e d, da Convenção do
Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres
e a Violência Doméstica – Convenção de Istambul, in verbis:
c) «Género» refere-se aos papéis, aos comportamentos, às atividades e aos
atributos socialmente construídos que uma determinada sociedade considera serem
adequados para mulheres e homens;
d) «Violência de género exercida contra as mulheres» abrange toda a violência
dirigida contra a mulher por ser mulher ou que afeta desproporcionalmente as
mulheres;
Dentre as circunstâncias qualificadoras do crime de homicídio, há as de
caráter subjetivo ou pessoal (incisos I, II e V), vinculadas à motivação e à pessoa do
agente e não ao fato por ele praticado, bem como as de caráter objetivo ou real
(incisos III, IV e VI), associadas à infração penal em si, tais como o meio, o modo de
execução do crime e o tipo de violência empregado.
A nova qualificadora do feminicídio não constitui o móvel imediato da conduta,
isto é, o agente pode ter agido por causa de uma discussão banal com a vítima
(motivo fútil) ou por causa da sua possessividade e ciúme excessivo em relação à
vítima ou em razão de seu inconformismo com o término do relacionamento afetivo
(motivo torpe), para ficar só nesses dois exemplos corriqueiros na lida do Tribunal do
27
Júri, dentre muitos outros. Durante o interrogatório de um réu que tenha praticado
um feminicídio, jamais lhe será perguntado se ele cometeu o crime “por razões de
gênero” (ou “por razões da condição de sexo feminino”), mas qual o acontecimento,
atitude ou episódio do contexto fático-probatório do caso que fez eclodir ou o levou
ao ato de violência macabro, ocorrência essa que geralmente constitui algum motivo
fútil ou torpe na maioria das vezes, conforme exemplificado.
Por outro lado, assim como a elementar objetiva do emprego de violência
diferencia um crime de roubo de um crime de furto, a qualificadora do feminicídio
descreve hipótese fática objetiva da presença (existência ou emprego) de violência
praticada contra a mulher por razões da condição de sexo feminino (isto é, por
razões de gênero) em duas hipóteses específicas elencadas no § 2º-A do art. 121 do
CP: violência doméstica e familiar contra a mulher (inciso I) e menosprezo ou
discriminação à condição de mulher (inciso II). Ou seja, caberá aos juízes naturais
da causa (os jurados, no caso do Tribunal do Júri) apenas verificar a situação
objetiva da presença ou não dessas duas hipóteses dos incisos I e IIdo § 2º-A do art.
121 do CP, como já ocorre hoje com a verificação, pelo juiz togado, por ocasião da
fixação da pena, da incidência da circunstância agravante do art. 61, II, f, parte final,
do CP, a qual prevê exasperação da pena quando o agente tiver cometido o crime
“com violência contra a mulher na forma da lei específica”, ou melhor, na forma da
Lei11.340/06, que nos seus artigos 5º e 7º enumera as hipóteses e formas de
violência doméstica e familiar contra a mulher.
Doravante, quando a qualificadora do feminicídio incidir, restará prejudicada a
incidência da agravante genérica do art. 61, II, f, parte final, do CP, sob pena de bis
in idem vedado pelo art. 61, caput, do CP. De outra parte, a expressão “violência
doméstica e familiar” contida no inciso I do § 2º-A deve ser interpretada
sistematicamente tal qual está positivada na Lei Maria da Penha, não só pela
necessidade de coerência, unidade e concordância prática do ordenamento jurídico
protetivo da mulher, como também porque o próprio Código Penal, no art. 61, II, f,
fez remissão à “lei específica” quando quis se referir à violência praticada contra a
mulher.
28
Portanto, se, de um lado, a verificação da presença ou ausência das
qualificadoras subjetivas do motivo fútil ou torpe (ou ainda da qualificadora do inciso
V) demandará dos jurados avaliação valorativa acerca dos motivos inerentes ao
contexto fático-probatório que levaram o autor a agir como agiu, por outro lado, a
nova qualificadora do feminicídio tem natureza objetiva, pois descreve um tipo de
violência específico contra a mulher (em razão da condição de sexo feminino) e
demandará dos jurados mera avaliação objetiva da presença de uma das hipóteses
legais de violência doméstica e familiar (art. 121, § 2º-A, I, do CP, c/c art. 5º, I, II e III,
da Lei 11.340/06) ou ainda a presença de menosprezo ou discriminação à condição
de mulher (art. 121, § 2º-A, II, do CP).
Nesse sentido, note-se que a hipótese do inciso II do § 2º-A ficou reservada
aos casos em que autor e vítima são pessoas desconhecidas e sem qualquer
relação interpessoal, diferentemente da hipótese do inciso I do § 2º-A, que cuida dos
casos em que autor e vítima têm ou mantiveram alguma relação de proximidade,
conforme hipóteses do art. 5º, I, II e III, da Lei 11.340/06, in verbis:
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a
mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio
permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente
agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos
que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou
por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha
convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Por conseguinte, é objetiva a análise da presença do modelo de violência
baseada no gênero (ou em razão da condição do sexo feminino), positivada na Lei
Maria da Penha e na Convenção de Belém do Pará e agora incorporada pela Lei nº
29
13.104/2015 com a expressão “violência doméstica e familiar”, já que a Lei Maria da
Penha já reputa como hipóteses desse tipo de violência aquelas transcritas acima
(art. 5º, incisos I, II e III).
No que diz respeito à redação dos quesitos a serem votados na sala especial
pelos jurados nos casos de feminicídio, não se pode olvidar que o parágrafo único
do art. 482 do CPP determina que os quesitos sejam redigidos em proposições
afirmativas, simples e distintas, de modo que cada um deles possa ser respondido
com suficiente clareza e necessária precisão. Desse modo, o quesito da
qualificadora do feminicídio, assim como os das causas de aumento trazidas pelo
novel § 7º do art. 121 do CP deverão ser votados por último, após os quesitos da
materialidade, autoria, absolvição e eventual quesito de causa de diminuição de
pena alegada pela defesa (CPP, art. 483).
Outrossim, a redação dos quesitos deve ser simplificada ao máximo, de modo
a ser compreendida facilmente por um espectro amplo de jurados, de maneira que
não há necessidade de se repetir a expressão contida no VI do art. 121 (“contra a
mulher por razões da condição de sexo feminino”), já que o § 2º-A faz interpretação
autêntica de referida expressão na forma dos seus respetivos incisos I e II, por isso
basta que o conteúdo descritivo de desses incisos esteja contido na quesitação.
Assim, a título de ilustração, teríamos os seguintes quesitos num questionário
típico de caso de feminicídio consumado:
1º Quesito (materialidade). No dia tal, endereço tal, hora tal, nesta cidade, a vítima
fulana sofreu ferimentos de instrumento perfuro-cortante, conforme laudo de exame
cadavérico tal?
2º Quesito (autoria). O acusado fulano foi o autor dos ferimentos descritos no quesito
anterior?
3º Quesito (absolutório). O jurado absolve o acusado?
4º Quesito (na eventualidade de ser alegada causa de diminuição pela defesa nos
debates). O acusado cometeu o crime sob o domínio de violenta emoção, logo em
30
seguida a injusta provocação da vítima (descrever no que consistiu a provocação da
vítima)?
5º Quesito (na eventualidade de ter sido admitida qualificadora subjetiva na
pronúncia). O acusado cometeu o crime mediante motivo torpe, consistente em
sentimento de posse e ciúme paranoico, ao não aceitar a vítima usar roupas curtas?
6º Quesito (na eventualidade de ter sido admitida qualificadora objetiva na
pronúncia). O acusado cometeu o crime com meio cruel, pois desferiu muitas
facadas na vítima, infligindo a ela desnecessário e excessivo sofrimento?
7º Quesito (qualificadora do feminicídio). Há quatro possiblidades de quesitação, a
depender de qual das hipóteses do § 2º-A incidirá no caso concreto:
7º.1. O crime envolveu violência doméstica e familiar contra a mulher, pois o
acusado convivia com a vítima na mesma unidade doméstica (hipótese do art. 5º,I,
da Lei 11.340/06)?
7º.2. O crime envolveu violência doméstica e familiar contra a mulher, pois o
acusado pertencia à família da vítima, já que era irmão dela (especificar parentesco
natural ou por afinidade – hipótese do art. 5º, II, da Lei 11.340/06)?
7º.3. O crime envolveu violência doméstica e familiar contra a mulher, pois o
acusado já tinha mantido relação íntima de afeto com a vítima (hipótese do art. 5º,III,
da Lei 11.340/06 – especificar se namoro, união estável, casamento, noivado etc.)?
7º.4. O crime envolveu menosprezo ou discriminação à condição de mulher,
consistente em... (especificar no que consistiu o menosprezo ou a discriminação)?
8º Quesito (causas de aumento do feminicídio). Há sete possibilidades de
quesitação, a depender de qual das hipóteses do § 7º incide no caso concreto:
8º.1. O crime foi cometido durante a gestação?
8º.2. O crime foi cometido nos três meses posteriores ao parto?
31
8º.3. A vítima era menor de 14 anos?
8º.4. A vítima era maior de 60 anos?
8º.5. A vítima tinha deficiência?
8º.6. O crime foi cometido na presença de descendente da vítima (especificar qual)?
8º.7. O crime foi cometido na presença de ascendente da vítima (especificar qual)?
Por fim, vale ressaltar que, na hipótese de o homicídio privilegiado (CP, art.
121, § 1º) ser acolhido pelos jurados (4º quesito), restará prejudicada a votação do
quesito da qualificadora subjetiva eventualmente imputada na pronúncia (motivo fútil
ou torpe), porém a votação seguirá quanto às qualificadoras objetivas (incisos III, IV
e VI do § 2º do art. 121 do CP), inclusive quanto à qualificadora do feminicídio, pois,
conforme explicado linhas atrás, tal qualificadora é perfeitamente compatível com a
incidência do privilégio, quando teríamos um homicídio privilegiado-qualificado.
Entendimento diverso (ou seja, entender que o acolhimento do privilégio é
incompatível com a qualificadora do feminicídio, ao fundamento de que esta teria
natureza subjetiva) conduziria ao disparate de se estar diante de um caso típico de
violência de gênero (ou, noutras palavras, caso típico de feminicídio) e de o quesito
do feminicídio sequer chegar a ser votado pelos jurados uma vez acatado o
privilégio, em total afronta ao escopo da Lei nº 13.104/2015.
Promotor de Justiça no MPDFT com atuação no Tribunal do Júri de
Ceilândia/DF. Pós-graduado em Ciências Penais pela FESMPDFT.
Nessa linha era, mutatis mutandis, a redação originária do art. 5º, caput, do
PL 4.559/2004, que resultou na edição da Lei Maria da Penha – Lei 11.340/06,
dispositivo que conceituava relações de gênero.
32
4.3 - Tipos de feminicídio
4.3.1 - Feminicídio íntimo:
Aqueles crimes cometidos por homens com os quais a vítima tem ou teve
uma relação íntima, familiar, de convivência ou afins. Incluem os crimes cometidos
por parceiros sexuais ou homens com quem tiveram outras relações interpessoais
tais como maridos, companheiros, namorados, sejam em relações atuais ou
passadas;
4.3.2 - Feminicídio não íntimo:
São aqueles cometidos por homens com os quais a vítima não tinha relações
íntimas, familiares ou de convivência, mas com os quais havia uma relação de
confiança, hierarquia ou amizade, tais como amigos ou colegas de trabalho,
trabalhadores da saúde, empregadores. Os crimes classificados nesse grupo podem
ser desagregados em dois subgrupos, segundo tenha ocorrido a prática de violência
sexual ou não.
4.3.3 - Feminicídio por conexão:
São aqueles em que as mulheres foram assassinadas porque se
encontravam na “linha de fogo” de um homem que tentava matar outra mulher, ou
seja, são casos em que as mulheres adultas ou meninas tentam intervir para impedir
a prática de um crime contra outra mulher e acabam morrendo. Independem do tipo
de vínculo entre a vítima e o agressor, que podem inclusive ser desconhecidos.
33
5 – Aspectos Legais
Infelizmente, inúmeras infrações penais são praticadas no interior dos lares,
no seio das famílias. Desde agressões verbais, ofensivas às honras subjetiva e
objetiva das pessoas, passando por ameaças, lesões corporais, crimes contra o
patrimônio, violências sexuais, homicídios e tantos outros crimes. Esses fatos
passaram a merecer uma atenção especial dos criminólogos, que identificaram que
os chamados broken homes (lares desfeitos ou quebrados) eram uma fonte
geradora de delitos dentro, e também fora dele.
Gerardo Landrove Díaz, analisando especificamente as situações de
infrações
penais
praticadas
no
interior
dos
lares,
nos
esclarece
que:
“Dentro das tipologias que levam em conta a relação prévia entre vítima e autor do
delito (vítima conhecida ou desconhecida) temos que ressaltar a especial condição
das vítimas pertencentes ao mesmo grupo familiar do infrator; tratam-se de
hipóteses de vulnerabilidade convivencial ou doméstica. Os maus tratos e as
agressões sexuais produzidos nesse âmbito têm, fundamentalmente, como vítimas
seus membros mais débeis: as mulheres e as crianças. A impossibilidade de defesa
dessas vítimas – que chegam a sofrer, ademais, graves danos psicológicos –
aparece ressaltada pela existência a respeito de uma elevada cifra negra”.
Contudo, isso não quer dizer que esse grupo de pessoas apontado como
vulnerável, ou seja, mulheres e crianças, sejam vítimas somente no interior dos
lares. As mulheres, principalmente, pela sua simples condição de pertencerem ao
sexo feminino, têm sido vítimas dentro e fora dele, o que levou o legislador a
despertar para uma maior proteção. Sob a ótica de uma necessária e diferenciada
proteção à mulher, o Brasil editou o decreto 1.973, em 1º de agosto de 1996,
promulgando a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará, em 09 de junho de 1994.
Os artigos 1º, 3º e 4º, alínea “a”, da referida Convenção dizem,
respectivamente:
Art. 1º. Para os efeitos desta Convenção deve-se entender por violência contra a
mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou
sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no
privado.
34
Art. 3º. Toda mulher tem direito a uma vida livre de violência, tanto no âmbito público
como
no
privado.
Art. 4º. Toda mulher tem direito ao reconhecimento, gozo, exercícios e proteção de
todos os direitos humanos e às liberdades consagradas pelos instrumentos regionais
e internacionais sobre direitos humanos. Estes direitos compreendem, entre outros:
a) o direito a que se respeite sua vida.·.
5.1 - Inclusões do Feminicídio no Código Penal
No último dia 26, o Consultor Jurídico publicou o texto Feminicídio é
retrocesso na busca pela igualdade e no combate à discriminação, de Leonardo
Isaac Yarochewsky, sobre o projeto de inclusão do feminicídio no Código. [1] O texto
se refere ao PLS 292/2013, aprovado pelo Senado no dia 18 de dezembro de 2014,
e que pretende incluir o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de
homicídio:
“§ 7º Denomina-se feminicídio à forma extrema de violência de gênero que resulta
na morte da mulher quando há uma ou mais das seguintes circunstâncias:
I – relação íntima de afeto ou parentesco, por afinidade ou consanguinidade, entre a
vítima e o agressor no presente ou no passado;
II – prática de qualquer tipo de violência sexual contra a vítima, antes ou após a
morte;
III – mutilação ou desfiguração da vítima, antes ou após a morte:
Pena – reclusão de doze a trinta anos.”
O projeto deve, ainda, ser votado pela Câmara dos Deputados.
35
Não entrando no debate acerca da criminalização excessiva de condutas, é
importante reconhecermos, no entanto, que o PLS 292/2013 representa um avanço
no combate à violência contra a mulher. Ele evidencia que existem tipos de violência
aos quais as mulheres são submetidas pelo simples fato de serem mulheres. Ou
seja, o PLS reconhece que existe violência de gênero no Brasil e que esse é um
problema a ser combatido pelo Estado.
Outro mérito é que o projeto atrela o feminicídio à relação de afeto ou
parentesco que, na maioria das vezes, a vítima tem com seu agressor. De acordo
com dados levantados pela Secretaria de Políticas para Mulheres, nas 30.625
denúncias que o Disque 180 recebeu durante o primeiro semestre de 2014, em
94,02% dos casos, a vítima tinha ou relação familiar (82,82%) ou relação de afeto
(11,2%) com o agressor.
Fica evidente, então, que a violência sofrida pela mulher não é uma violência
como outra qualquer, mas ocasionada, principalmente, pela sua condição de mulher
e praticada no âmbito doméstico e familiar.
Após reconhecer que “a violência contra mulher é um dos males que assolam
e desafiam a sociedade em todo mundo”, Yarochewsky argumenta que o PLS
discrimina a mulher, considerando-a como “sexo frágil”. Seria um projeto
“paternalista” e que violaria o princípio da igualdade. Ao incluir o feminicídio
no Código Penal, o PLS estaria dando mais valor à vida da mulher do que à do
homem.
Yarochewsky se equivoca ao afirmar que a inclusão do feminicídio noCódigo
Penal representa uma forma de discriminação. E o faz porque sua noção de
igualdade está inspirada pela ideia de igualdade formal. De fato, com
a Constituição de 1988, as mulheres brasileiras conquistaram a igualdade formal. De
acordo com o artigo 5º, inciso I, homens e mulheres são iguais em direitos e
obrigações. Porém, as mulheres ainda não conquistaram a igualdade material em
relação aos homens. Apesar de, formalmente, poderem gozar de todos os direitos
que são reconhecidos aos homens, na prática, as mulheres ainda sofrem diversas
restrições no exercício desses direitos.
36
Nossa sociedade está alicerçada em uma divisão desigual do trabalho e do
usufruto do tempo. Às mulheres ainda cabe a maior parte das atividades domésticas
e de cuidados. Conforme pesquisa empreendida pelo IPEA, o tempo médio que os
homens brasileiros dedicam ao trabalho doméstico é de 10 horas semanais,
enquanto as mulheres dedicam 25 horas semanais às mesmas tarefas, o que
representa um tempo médio 150% maior do que o gasto pelos homens.[4] Além de,
muitas vezes, trabalharem fora, as mulheres ainda têm que cuidar da casa e dos
familiares. É a chamada “dupla jornada de trabalho”. Assim, as mulheres têm muito
menos tempo para se dedicar a outras atividades, como, por exemplo, a vida
política. Essa divisão desigual também tem reflexos na sua carreira profissional: no
Brasil, os homens ganham aproximadamente 30% a mais do que as mulheres da
mesma idade e nível de instrução.
É o trabalho não remunerado que acaba limitando o exercício de direitos
pelas mulheres e possibilitando o exercício pleno desses mesmos direitos pelos
homens. Essa situação faz com que uma importante parte das mulheres se veja em
situação de dependência e vulnerabilidade em relação a seus parceiros. E é essa
desigualdade material que está na base da violência de gênero.[6] Ao contrário do
que afirma Yarochewsky, não se trata de considerar a mulher como “sexo frágil”,
mas de reconhecer que mulheres e homens vivenciam, na vida privada, no âmbito
doméstico e nas relações afetivas, situações de desigualdade que propiciam o uso
da violência contra as mulheres. Assim, nas palavras de Leda Maria Hermann:
Reconhecer a condição hipossuficiente da mulher vítima de violência
doméstica e/ou familiar não implica invalidar sua capacidade de reger a própria vida
e administrar os próprios conflitos. Trata-se de garantir a intervenção estatal positiva,
voltada à sua proteção e não à sua tutela.
Como argumenta Maria Berenice Dias, o próprio texto constitucional prevê
tratamentos
diferenciados
para
homens
e
mulheres.
Essa
diferenciação
constitucional não tem como base diferenças biológicas, mas as desigualdades
entre eles na divisão do trabalho. Ressalta a autora que:
O que se deve atentar não é à igualdade perante a lei, mas o direito à igualdade
mediante a eliminação das desigualdades, o que impõe que se estabeleçam
37
diferenciações específicas como única forma de dar efetividade ao preceito
isonômico consagrado na Constituição.
Dias afirma, ainda, que a efetivação do princípio constitucional da igualdade
depende do reconhecimento das diferenças e das desigualdades históricas entre
homens e mulheres:
Para pensar a cidadania, hoje, há que se substituir o discurso da igualdade
pelo discurso da diferença. Certas discriminações são positivas, pois constituem, na
verdade, preceitos compensatórios como solução para superar as desequiparações.
Mesmo que o tratamento isonômico já esteja na lei, ainda é preciso percorrer
um longo caminho para que a família se transforme em espaço de equidade.
Ao tratar da constitucionalidade da Lei Maria da Penha, também o STF se
pronunciou a respeito da desigualdade de gênero. No julgamento da ADI 4.424, os
ministros entenderam que a atuação do Estado no combate a esse tipo de violência
de gênero está fundamentada em diversos dispositivos jurídicos, como, por
exemplo: a) artigo 226, parágrafo 8º da Constituição Federal (“O Estado assegurará
a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando
mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”); b) Convenção
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher; e c)
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher.
No caso presente, não bastasse a situação de notória desigualdade
considerada a mulher, aspecto suficiente a legitimar o necessário tratamento
normativo desigual, tem-se como base para assim se proceder a dignidade da
pessoa humana – artigo 1º, inciso III –, o direito fundamental de igualdade – artigo
5º, inciso I – e a previsão pedagógica segundo a qual a lei punirá qualquer
discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais – artigo 5º, inciso
XLI.
Caberia ao Estado “acelerar o processo de construção de um ambiente de
real igualdade entre os gêneros”. E ainda:
38
Não se pode olvidar, na atualidade, uma consciência constitucional sobre a
diferença e sobre a especificação dos sujeitos de direito, o que traz legitimação às
discriminações positivas voltadas a atender as peculiaridades de grupos menos
favorecidos e a compensar desigualdades de fato, decorrentes da cristalização
cultural do preconceito.
Assim, não há que se falar que a inclusão do feminicídio no Código
Penalseria inconstitucional, uma vez que ela não é contrária ao princípio da
igualdade, mas busca, justamente, promover uma maior efetivação desse princípio.
Também é importante frisarmos que o feminicídio já foi tipificado em diversos países
da América Latina: Costa Rica (2007), Guatemala (2008), Chile (2010), Peru (2011),
El Salvador (2012), México (2012) e Nicarágua (2012). No México e na Guatemala,
por sinal, a constitucionalidade desse preceito foi contestada sob o mesmo
argumento de suposta violação do princípio da igualdade. Em nenhum dos casos a
tese prevaleceu. No México, a Suprema Corte de Justicia de la Nación decidiu que:
[…] la creación legislativa del feminicidio cumple con los criterios de objetividadconstitucionalidad, racionalidad y proporcionalidad que, justifica el trato diferenciado
y de mayor tutela de los bienes jurídicos concernientes a la vida de la mujer y su
dignidad, cuando estén en peligro o sean lesionados en ciertas circunstancias, ello
en contraste a lo que acontece con el delito de homicidio propiamente dicho, de ahí
la necesidad y justificación de su creación, a fin de prevenir y combatir tal
problemática con mayor eficacia, por ello, el feminicidio no viola el principio de
igualdad jurídica del hombre y la mujer, pues dicho principio debe entenderse como
la exigencia constitucional de tratar igual a los iguales y desigual a los desiguales.
Já na Guatemala, os magistrados da Corte de Constitucionalidade decidiram
que:
[…] el derecho que esta norma [art. 4º da Constituição da Guatemala, que prevê a
igualdade entre todos os seres humanos]garantiza no exige simplemente un mismo
trato legal para todos los ciudadanos, sino determina que, ante situaciones que
revelen disparidade de las condiciones o circunstancias existentes (objetivas o
subjetivas), el legislador está en posibilidad de observar tales diferencias a fin de
que su reconocimiento legal y, por ende, la regulación de um tratamento
39
diferenciado, resulte eficaz para el aseguramiento de los valores superiores que
inspiran al texto constitucional y, a la vez, para el logro de los fines que éste impone
ala organización social.
[…]
Así las cosas, como cuestión primera, se hace necesario hacer uma remisión a los
temas abordados com anterioridad, en cuanto a los motivos que impulsaron al
legislador para tipificar los delitos de violência contra la mujer y violência económica
contra la mujer, por cuanto existe una realidad apreciablemente distinta que en el
contexto social determina un trato discriminatorio y desigual en perjuicio de la mujer,
generador de violência en sus diferentes facetas y apoyado en patrones culturales
que tienden a ubicar al sexo feminino en situación de subordinación frente al
hombre, los que desde una perspectiva democrática es innegable que deben ser
superados.
Na maior parte das vezes, nossas instituições naturalizam e reproduzem as
assimetrias fáticas entre homens e mulheres. Por isso, é importante que a existência
de desigualdades de gênero passe a ser sistematicamente reconhecida pelo poder
público. A qualificadora do feminicídio é um passo em direção a esse
reconhecimento e significa um avanço no tratamento institucional de um tema que,
durante muito tempo, foi ocultado sob o manto das relações privadas.
O princípio da igualdade não deve ser tomado como algo abstrato,
cristalizado no texto constitucional. O princípio da igualdade deve estar em
constante diálogo com as circunstâncias concretas das vidas de grupos sociais
historicamente oprimidos, pois as desigualdades concretas que esses grupos
vivenciam em seus cotidianos produzem obstáculos reais à efetivação desse
princípio.
Por tudo isso, o feminicídio não “viola o princípio constitucional da igualdade
entre pessoas do mesmo sexo”, mas representa um passo na busca pela igualdade.
O feminicídio trata de “forma diferenciada a mulher” porque ela é submetida a
relações diferenciadas e cabe ao direito atuar nessas assimetrias para garantir a
plena concretização do princípio da igualdade. Por fim, o projeto não está “tratando
bens jurídicos idênticos (vida humana) de maneira desigual”. Ele está sim
40
procurando preservar a vida das mulheres. Vida essa que está constantemente em
risco pelo simples fato de serem de mulheres. (Paes, 2015)
5.2 - A LEI Nº 13.104, de 9 de março de 2015.
Seguindo as determinações contidas na aludida Convenção, em 7 de agosto
de 2006 foi publicada a Lei nº 11.340, criando mecanismos para coibir a violência
doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do §8º do art. 226 da Constituição
Federal, que ficou popularmente conhecida como “Lei Maria da Penha” que, além de
dispor sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher, estabeleceu medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de
violência doméstica e familiar, nos termos dispostos no art. 1º da mencionada Lei.
Em 9 de março de 2015, indo mais além, fruto do Projeto de Lei do Senado nº
8.305/2014, foi publicada a Lei nº 13.104, que criou, como modalidade de homicídio
qualificado, o chamado feminicídio, que ocorre quando uma mulher vem a ser vítima
de homicídio simplesmente por razões de sua condição de sexo feminino.
Jeferson Botelho Pereira, com o brilhantismo que lhe é peculiar, dissertando a
respeito do tema, sobre os tipos possíveis de feminicídio, preleciona que:
“A doutrina costuma dividir o feminicídio em íntimo, não íntimo e por conexão.
Por feminicídio íntimo entende aquele cometido por homens com os quais a vítima
tem ou teve uma relação íntima, familiar, de convivência ou afins.
O feminicídio não íntimo é aquele cometido por homens com os quais a vítima
não tinha relações íntimas, familiares ou de convivência.
O feminicídio por conexão é aquele em que uma mulher é assassinada
porque se encontrava na “linha de tiro” de um homem que tentava matar outra
mulher, o que pode acontecer na aberratio ictus. Devemos observar, entretanto, que
não é pelo fato de uma mulher figurar como sujeito passivo do delito tipificado no art.
121 do Código Penal que já estará caracterizado o delito qualificado, ou seja, o
feminicídio. Para que reste configurada a qualificadora, nos termos do §2-A, do art.
121 do diploma repressivo, o crime deverá ser praticado por razões de condição de
sexo feminino, que efetivamente ocorrerá quando envolver:
41
I
–
violência
doméstica
e
familiar;
II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Assim, por exemplo, imagine-se a hipótese em que alguém, que havia sido
dispensado de seu trabalho por sua empregadora, uma empresária, resolve matá-la
por não se conformar com a sua dispensa, sem justa causa. Nesse caso, como se
percebe, o homicídio não foi praticado simplesmente pela condição de mulher da
empregadora, razão pela qual não incidirá a qualificadora do feminicídio, podendo,
no entanto, ser qualificado o crime em virtude de alguma das demais situações
previstas no §2º do art. 121 do Código Penal.
Agora, raciocinemos com a hipótese onde o marido mata sua esposa, dentro
de um contexto de violência doméstica e familiar. Para fins de reconhecimento das
hipóteses de violência doméstica e familiar deverá ser utilizado como referência o
art. 5º, da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, que diz, verbis:
Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a
mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,
sofrimento
físico,
sexual
ou
psicológico
e
dano
moral
ou
patrimonial:
I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio
permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente
agregadas;
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos
que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou
por vontade expressa;
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha
convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem
de orientação sexual. Em ocorrendo uma das hipóteses previstas nos incisos acima
transcritos, já será possível o reconhecimento da qualificadora relativa ao
feminicídio.
O inciso II, do §2-A, do art. 121 do Código Penal assegura ser também
qualificado o homicídio quando a morte de uma mulher se der por menosprezo ou
discriminação à essa sua condição. Menosprezo, aqui, pode ser entendido no
sentido de desprezo, sentimento de aversão, repulsa, repugnância à uma pessoa do
sexo feminino; discriminação tem o sentido de tratar de forma diferente, distinguir
42
pelo fato da condição de mulher da vítima. Merece ser frisado, por oportuno, que o
feminicídio, em sendo uma das modalidades de homicídio qualificado, pode ser
praticado por qualquer pessoa, seja ela do sexo masculino, ou mesmo do sexo
feminino. Assim, não existe óbice à aplicação da qualificadora se, numa relação
homoafetiva feminina, uma das parceiras, vivendo em um contexto de unidade
doméstica, vier a causar a morte de sua companheira.
O CONCEITO DE MULHER:
Para que possa ocorrer o feminicídio é preciso, como vimos anteriormente,
que o sujeito passivo seja uma mulher, e que o crime tenha sido cometido por
razões da sua condição de sexo feminino. Assim, vale a pergunta, quem pode ser
considerada mulher, para efeitos de reconhecimento do homicídio qualificado?
A questão, longe de ser simples, envolve intensas discussões nos dias de
hoje. Tal fato não passou despercebido por Francisco Dirceu Barros que previu as
discussões que seriam travadas doutrinária e jurisprudencialmente, e propôs uma
série de problematizações, a saber: “Problematização I: Tício fez um procedimento
cirúrgico denominado neocolpovulvoplastia alterando genitália masculina para
feminina, ato contínuo, Tício, através de uma ação judicial, muda seu nome para
Tícia e, consequentemente, todos seus documentos são alterados. Posteriormente,
em uma discussão motivada pela opção sexual de Tícia, Seprônio disparou 05 tiros,
assassinando-a.
Pergunta-se: Seprônio será denunciado por homicídio com a qualificadora do
inciso VI (Se o homicídio é cometido: VI – contra a mulher por razões de gênero)?
Problematização II: Tícia, entendendo que psicologicamente é do sexo masculino,
interpõe ação judicial e, muda seu nome para Tício, consequentemente, todos seus
documentos são alterados. Posteriormente, em uma discussão motivada pela opção
sexual de Tício, Seprônio disparou 05 tiros, assassinando-o.
Pergunta-se: considerando que a vítima é biologicamente mulher, mas foi
registrada como Tício, Seprônio será denunciado por homicídio com a qualificadora
do inciso VI (Se o homicídio é cometido: VI – contra a mulher por razões de
gênero)?
Problematização III: Tício, tem dois órgãos genitais, um feminino e outro
masculino.
43
O órgão genital biologicamente prevalente é o masculino. Certo dia, em uma
discussão motivada pela opção sexual de Tício, Seprônio disparou 05 tiros,
assassinando-o.
Pergunta-se: considerando que a vítima também tem um órgão genital
feminino, Seprônio será denunciado por homicídio com a qualificadora do inciso VI
(Se o homicídio é cometido: VI – contra a mulher por razões de gênero)?
As discussões lançadas são perfeitamente possíveis de acontecer. Assim,
precisamos definir, com precisão, o conceito de mulher para fins de reconhecimento
da qualificadora em estudo.
Inicialmente, podemos apontar um critério de natureza psicológica, ou seja,
embora alguém seja do sexo masculino, psicologicamente, acredita pertencer ao
sexo feminino, ou vice versa, vale dizer, mesmo tendo nascido mulher, acredita,
psicologicamente, ser do sexo masculino, a exemplo do que ocorre com os
chamados transexuais. O transexualismo ou síndrome de disforia sexual, de acordo
com as lições de Genival Veloso de França é uma: “inversão psicossocial, uma
aversão ou negação ao sexo de origem, o que leva esses indivíduos a protestarem e
insitirem numa forma de cura por meio da cirurgia de reversão genital, assumindo,
assim, a identidade do seu desejado gênero”.
E continua, dizendo: “As características clínicas do transexualismo se
reforçam com a evidência de uma convicção de pertencer ao sexo oposto, o que lhe
faz contestar e valer essa determinação até de forma violenta e desesperada. Em
geral não tem relacionamento sexual, nem mesmo com pessoas do outro sexo, pois
só admitem depois de reparada a situação que lhe incomoda. Somaticamente, não
apresentam qualquer alteração do seu sexo de origem. Quase todos eles têm
genitais normais”. Essa é a posição defendia por Jeferson Botelho Pereira, quando
assevera que: Transexualismo Diante das recentes decisões da Lei nº 11.40/2006,
em relação à Lei Maria da Penha, em especial o TJGO, acredito que o transexual
pode figurar como autor ou vítima do delito de feminicídio.
Homossexualismo masculino: Também em função dos precedentes dos
Tribunais Superiores, em havendo papel definido na relação, é possível o
homossexual masculino figurar como vítima do feminicídio.
Homossexualismo feminino: Acredito não haver nenhum óbice também para
figurar tanto como autor ou vítima do crime de feminicídio”.
44
O segundo critério, apontado e defendido por Francisco Dirceu Barros, diz
respeito àquele de natureza biológica. Segundo o renomado autor, através dele:
“identifica-se a mulher em sua concepção genética ou cromossômica. Neste caso,
como a neocolpovulvoplastia altera a estética, mas não a concepção genética, não
será possível a aplicação da qualificadora do feminicídio.
O critério biológico identifica homem ou mulher pelo sexo morfológico, sexo
genético e sexo endócrino: a) sexomorfológico ou somático resulta da soma das
características genitais (órgão genitais externos, pênis e vagina, e órgãos genitais
internos, testículos e ovários) e extragenitais somáticas (caracteres secundários –
desenvolvimento de mamas, dos pelos pubianos, timbre de voz, etc.); b) sexo
genético ou cromossômico é responsável pela determinação do sexo do indivíduo
através dos genes ou pares de cromossomos sexuais (XY – masculino e XX –
feminino) e; c) sexo endócrino é identificado nas glândulas sexuais, testículos e
ovários,
que
produzem
hormônios
sexuais
(testosterona
e
progesterona)
responsáveis em conceder à pessoa atributos masculino ou feminino.
Com todo respeito às posições em contrário, entendemos que o único critério
que nos traduz, com a segurança necessária exigida pelo direito, e em especial o
direito penal, é o critério que podemos denominar de jurídico. Assim, somente
aquele que for portador de um registro oficial (certidão de nascimento, documento de
identidade) onde figure, expressamente, o seu sexo feminino, é que poderá ser
considerado sujeito passivo do feminicídio.
Aqui, pode ocorrer que a vítima tenha nascido com o sexo masculino, sendo
tal fato constado expressamente de seu registro de nascimento. No entanto,
posteriormente, ingressando com uma ação judicial, vê sua pretensão de mudança
de sexo atendida, razão pela qual, por conta de uma determinação do Poder
Judiciário, seu registro original vem a ser modificado, passando a constar, agora,
como pessoa do sexo feminino. Somente a partir desse momento é que poderá,
segundo nossa posição, ser considerada como sujeito passivo do feminicídio.
Assim, concluindo, das três posições possíveis, isto é, entre os critérios
psicológico, biológico e jurídico, somente este último nos traz a segurança
necessária
para
efeitos
de
reconhecimento
do
conceito
de
mulher.
Além disso, não podemos estender tal conceito a outros critérios que não o jurídico,
uma vez que, in casu, estamos diante de uma norma penal incriminadora, que deve
45
ser interpretada o mais restritamente possível, evitando-se uma indevida ampliação
do seu conteúdo que ofenderia, frontalmente, o principio da legalidade, em sua
vertente nullum crimen nulla poena sine lege stricta.
CAUSAS DE AUMENTO DE PENA NO FEMINICÍDIO:
Diz o §7º, do art. 121 do Código Penal:
§7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime
for praticado:
I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;
II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta anos) ou com
deficiência;
III – na presença de descendente ou de ascendente da vítima.
Antes de analisarmos cada uma das hipóteses de aumento de pena, vale
ressaltar que embora a segunda parte do §4º, do art. 121 do Código Penal tenha
uma redação parecida com aquela trazida pelo §7º do mesmo artigo, asseverando
que se o crime de homicídio doloso for praticado contra pessoa menor de 14
(catorze) anos ou maior de 60 (sessenta) anos, a pena será aumentada de 1/3 (um
terço), havendo, mesmo que parcialmente, um conflito aparente de normas,
devemos concluir que as referidas majorantes cuidam de situações distintas,
aplicando-se, pois, o chamado princípio da especialidade, ou seja, quando
estivermos diante de um feminicídio, e se a vítima for menor de 14 (catorze) anos ou
maior de 60 (sessenta) anos, como preveem os dois parágrafos, deverá ser aplicado
o §7º, do art. 121 do estatuto repressivo. Dessa forma, o §4º, nas hipóteses
mencionadas, será aplicado por exclusão, ou seja, quando não se tratar de
feminicídio, aplica-se o §4º do art. 121 do diploma penal.
Ao contrário do que ocorre no §4º, do art. 121 do Código Penal, onde foi
determinado o aumento de 1/3 (um terço), no §7º do mesmo artigo determinou a lei
que a pena seria aumentada entre o percentual mínimo de 1/3 (um terço) até a
metade. Assim, o julgador poderá percorrer entre os limites mínimo e máximo. No
entanto, qual será o critério para que, no caso concreto, possa o julgador determinar
o percentual a ser aplicado? Existe alguma regra a ser observada que permita a
46
escolha de um percentual, partindo do mínimo, podendo chegar ao máximo de
aumento?
Imaginemos a hipótese onde o agente foi condenado pelo delito de homicídio
qualificado, caracterizando-se, outrossim, o feminicídio. Vamos considerar que o
crime foi consumado e que o fato foi praticado contra uma senhora que contava com
65 anos de idade. O agente foi condenado e o julgador, ao fixar a pena base,
determinou o patamar mínimo (12 anos de reclusão), após avaliar as circunstâncias
judiciais. Não havia circunstâncias atenuantes ou agravantes. Uma vez comprovado
nos autos que o agente tinha conhecimento da idade da vítima, qual o percentual de
aumento a ser aplicado? Se determinar 1/3 (um terço), por exemplo, a pena final
será de 16 anos de reclusão; se entender pela aplicação do percentual máximo, a
pena final será de 18 anos de reclusão. Enfim, a diferença será ainda maior à
medida que a pena base for superior aos 12 anos e terá repercussões importantes
quando, após o efetivo trânsito em julgado da sentença penal condenatória, for
iniciada a fase da execução penal, interferindo, por exemplo, na contagem do tempo
para a progressão de regime, livramento condicional etc.
O critério que norteará o julgador, segundo nosso posicionamento. será o
princípio da culpabilidade. Quanto maior o juízo de reprovação no caso concreto,
maior será a possibilidade de aumento. Como se percebe, não deixa de ser também
um critério subjetivo, mas, de qualquer forma, o juiz deverá motivar a sua decisão,
esclarecendo as razões pelas quais não optou pela aplicação do percentual mínimo.
Na verdade, como o processo é dialético, ou seja, é feito de partes, tanto a
aplicação do percentual mínimo, ou qualquer outro em patamar superior devem ser
fundamentados, porque o orgão acusador e a defesa precisam tomar conhecimento
dessa fundamentação para que possam, querendo, ingressar com algum tipo de
recurso, caso venham a dela discordar.
Dessa forma, em sendo condenado o agente que praticou o feminicídio,
quando da aplicação da pena, o juiz deverá fazer incidir no terceiro momento do
critério trifásico, previsto no art. 68 do Código Penal, o aumento de 1/3(um terço) até
a metade, se o crime for praticado:
I
–
durante
a
gestação
ou
nos
3(três)
meses
posteriores
ao
parto
Ab initio, para que as causas de aumento de pena previstas pelo inciso I, do §7º, do
art. 121 do Código Penal possam ser aplicadas é preciso que, anteriormente,
47
tenham ingressado na esfera de conhecimento do agente, ou seja, para que o autor
do feminicídio possa ter sua pena majorada, quando da sua conduta tinha que
saber, obrigatoriamente, que a vítima encontrava-se grávida ou que, há três meses,
tinha dado realizado seu parto. Caso contrário, ou seja, se tais fatos não forem do
conhecimento do agente, será impossível a aplicação das referidas majorantes, sob
pena de adotarmos a tão repudiada responsabilidade penal objetiva, também
conhecida como responsabilidade penal sem culpa ou pelo resultado.
Na primeira parte do inciso I sub examen, podemos extrair as seguintes
hipóteses, partindo do pressuposto que o agente conhecia a gravidez da vítima, e
que agia com a finalidade de praticar um feminicídio:
A mulher e o feto sobrevivem – nesse caso, o agente deverá responder pela
tentativa de feminicídio e pela tentativa de aborto; A mulher e o feto morrem – aqui,
deverá responder pelo feminicídio consumado e pelo aborto consumado;
A mulher morre e o feto sobrevive – nessa hipótese, teremos um feminicídio
consumado, em concurso com uma tentativa de aborto; A mulher sobrevive e o feto
morre – in casu, será responsabilizado pelo feminicídio tentado, em concurso com o
aborto consumado.
Se o agente causa a morte da mulher por razões da condição de sexo
feminino, nos 3 (três) meses posteriores ao parto, também terá sua pena majorada.
Aqui, conta-se o primeiro dia do prazo de 3 (três) meses na data em que
praticou a conduta, e não no momento do resultado morte. Assim, por exemplo, se o
agente deu início ao atos de execução do crime de feminicídio, agredindo a vítima a
facadas, e essa vem a falecer somente uma semana após as agressões, para efeito
de contagem do prazo de 3 (três) meses será levado em consideração o dia em que
desferiu os golpes, conforme determina o art. 4º do Código Penal, que diz que se
considera praticado o crime no momento da ação ou da omissão, ainda que outro
seja o momento do resultado.
II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com
deficiência.
Tal como ocorre com o inciso I analisado anteriormente, para que as
majorantes constantes do inciso II sejam aplicadas ao agente é preciso que todas
elas tenham ingressado na sua esfera de conhecimento, pois, caso contrário, poderá
48
ser alegado o chamado erro de tipo, afastando-se, consequentemente, o aumento
de
pena.
Deverá, ainda, ser demonstrado nos autos, através de documento hábil que a
vítima era menor de 14 (catorze) anos, ou seja, não tinha ainda completado 14
(catorze) anos , ou era maior de 60 (sessenta) anos. Tal prova deve ser feita através
de certidão de nascimento, expedida pelo registro civil ou documento que lhe
substitua, a exemplo da carteira de identidade, conforme determina o parágrafo
único do art. 155 do Código de Processo Penal, de acordo com a redação que lhe foi
conferida pela Lei nº 11.690, de 9 de junho de 1990, que diz que somente quanto ao
estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.
A deficiência da vítima, que pode ser tanto a física ou mental, poderá ser
comprovada através de um laudo pericial, ou por outros meios capazes de afastar a
dúvida. Assim, por exemplo, imagine-se a hipótese em que o agente cause a morte
de sua mulher, paraplégica, fato esse que era do conhecimento de todos. Aqui, v.g,
a paraplegia da vítima poderá ser demonstrada, inclusive, através da prova
testemunhal, não havendo necessidade de laudo médico. O que se quer, na
verdade, é que o julgador tenha certeza absoluta dos fatos que conduzirão a um
aumento de pena considerável, quando da aplicação do art. 68 do Código Penal.
Em ocorrendo a hipótese de feminicídio contra uma criança (menor de 12
anos de idade) ou uma mulher maior de 60 (sessenta), não será aplicada a
circunstância agravante prevista na alínea “h”, do art. 61 do Código Penal, pois, caso
contrário, estaríamos levando a efeito o chamado bis in idem, onde um mesmo fato
estaria incidindo duas vezes em prejuízo do agente. Nesses casos, terá aplicação o
inciso II, do §7º do art. 121 do Código Penal, também devido à sua especialidade.
III – na presença de descendente ou de ascendente da vítima
Além do agente, que pratica o feminicídio, ter que saber que as pessoas que
se encontravam presentes quando da sua ação criminosa eram descendentes ou
ascendentes da vítima, para que a referida causa de aumento de pena possa ser
aplicada é preciso, também, que haja prova do parentesco nos autos, produzida
através dos documentos necessários (certidão de nascimento, documento de
49
identidade etc.), conforme preconiza o parágrafo único, do art. 155 do Código de
Processo Penal referido anteriormente.
Aqui, o fato de matar a vítima na presença de seu descendente ou
ascendente sofre um maior juízo de reprovação, uma vez que o agente produzirá,
nessas pessoas, um trauma quase que irremediável. Assim, exemplificando,
raciocinemos com a hipótese onde o marido mata a sua esposa na presença de seu
filho, que contava na época dos fatos com apenas 7 anos de idade. O trauma dessa
cena violenta o acompanhará a vida toda. Infelizmente, tal fato tem sido comum e
faz com que aquele que presenciou a morte brutal de sua mãe cresça, ou mesmo
conviva até a sua morte, com problemas psicológicos seríssimos, repercutindo na
sua vida em sociedade. (Greco, 2015)
5.3 – Homicídios qualificados
Um homicídio pode ser considerado homicídio qualificado quando é praticado
em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade. Revelam
essas características circunstâncias em que o agente (homicida):
a) É descendente ou ascendente, adotado ou adotante, da vítima;
b) Pratica o facto contra cônjuge, ex-cônjuge, pessoa de outro ou do mesmo sexo
com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos
cônjuges, ainda que sem coabitação, ou contra progenitor de descendente comum
em 1.º grau;
c) Pratica o facto contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade,
deficiência, doença ou gravidez;
d) Emprega tortura ou ato de crueldade para aumentar o sofrimento da vítima;
e) É determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para
excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil;
f) É determinado por ódio racial, religioso, político ou gerado pela cor, origem étnica
ou nacional, pelo sexo ou pela orientação sexual da vítima;
g) Tem em vista preparar, facilitar, executar ou encobrir um outro crime, facilitar a
fuga ou assegurar a impunidade do agente de um crime;
h) Pratica o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio
particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum;
50
i) Utiliza veneno ou qualquer outro meio insidioso;
j) Age com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter
persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas;
l) Praticar o facto contra membro de órgão de soberania, do Conselho de Estado,
Representante da República, magistrado, membro de órgão de governo próprio das
Regiões Autónomas, Provedor de Justiça, governador civil, membro de órgão das
autarquias locais ou de serviço ou organismo que exerça autoridade pública,
comandante de força pública, jurado, testemunha, advogado, todos os que exerçam
funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos, agente
das forças ou serviços de segurança, funcionário público, civil ou militar, agente de
força pública ou cidadão encarregado de serviço público, docente, examinador ou
membro de comunidade escolar, ou ministro de culto religioso, juiz ou árbitro
desportivo sob a jurisdição das federações desportivas, no exercício das suas
funções ou por causa delas;
m) For funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade.
5.4 – Crimes hediondos
Ao contrário do que costuma se pensar no senso comum, juridicamente,
crime hediondo não é o crime praticado com extrema violência e com requintes de
crueldade e sem nenhum senso de compaixão ou misericórdia por parte de seus
autores, mas sim um dos crimes expressamente previstos na Lei nº 8.072/90.
Portanto, são crimes que o legislador entendeu merecerem maior reprovação
por parte do Estado.
Os crimes hediondos, do ponto de vista da criminologia sociológica, são os
crimes que estão no topo da pirâmide de desvalorização axiológica criminal,
devendo, portanto, ser entendidos como crimes mais graves, mais revoltantes, que
causam maior aversão à coletividade.
Crime hediondo diz respeito ao delito cuja lesividade é acentuadamente
expressiva, ou seja, crime de extremo potencial ofensivo, ao qual denominamos
crime “de gravidade acentuada”.
51
Do ponto de vista semântico, o termo hediondo significa ato profundamente
repugnante, imundo, horrendo, sórdido, ou seja, um ato indiscutivelmente nojento,
segundo os padrões da moral vigente.
O crime hediondo é o crime que causa profunda e consensual repugnância
por ofender, de forma acentuadamente grave, valores morais de indiscutível
legitimidade, como o sentimento comum de piedade, de fraternidade, de
solidariedade e de respeito à dignidade da pessoa humana.
São considerados crimes hediondos:
- homicídio quando praticado em atividade típica de extermínio, ainda que cometido
por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, parágrafo 2º, incisos I,II, III,IV e
V).
- latrocínio
- extorsão qualificada pela morte
- extorsão mediante sequestro e na forma qualificada
- estupro
- epidemia com resultado morte
- falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins
terapêuticos ou medicinais crime de genocídio previsto nos artigos 1º, 2º e 3º da lei
2889/56.
São crimes equiparados a hediondos:
- tráfico ilícito de entorpecentes
- tortura
- terrorismo
5.5 – A Tipificação do Feminicídio
Ao editar a Lei nº 13.104/2015 criando a circunstância qualificadora do
feminicídio, o Brasil passou a ser o 16º país no mundo a ter uma legislação
específica que tipifica o feminicídio. Há de se examinar cuidadosamente a partir de
52
agora como os tribunais nacionais irão aplicar a nova legislação. Alguns operadores
de justiça tendem a ser mais benignos com os homens que assassinam as suas
parceiras, ou mesmo quando são filhos que matam seus pais movidos por uma vida
indigna e no extremo do limite. Em alguns julgamentos, os homens que assassinam
mulheres
costumam
sair
favorecidos
com
a
utilização
da
atenuante
de
responsabilidade: “violenta emoção”.
De outro lado, temos consciência de que apenas a edição da Lei nº
13.104/2015 não irá solucionar ou melhorar essencialmente os atos violentos contra
a mulher se não houver políticas preventivas que privilegiem a proteção. Também
necessitamos um sistema judicial sensibilizado e preparado desde a perspectiva de
gênero e que, além disso, funcione.
O crime praticado nessas condições agora é considerado homicídio
qualificado, acrescentando-se o inciso VI, do § 2º, do art. 121 do Código Penal, com
previsão de pena de 12 a 30 anos de reclusão. O texto, ainda, acrescentou o § 7º,
como causa de aumento de pena, de 1/3 (um terço) até a metade, se o crime for
praticado:
I - durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto;
II - contra pessoa menor de 14 anos, maior de 60 ou pessoa com deficiência; III – e
na presença de descendente ou ascendente da vítima.
Além disso, a Lei nº 13.104/2015 também inclui o feminicídio no rol dos
crimes hediondos, com a consequente modificação do artigo 1º da Lei nº
8.072/199016.
Assim, sendo considerado como crime hediondo, segundo o descrito no artigo
5º, inciso XLIII, da Constituição da República de 1988, a Lei proíbe a concessão de
fiança, graça ou indulto, além de outras restrições legais.
A bancada feminina defendeu o projeto com base em dados apresentados
pelo relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência contra a
Mulher, de 2013, que apontou o assassinato de 43,7 mil mulheres no país entre
2000 e 2010 - 41% delas mortas em suas próprias casas, muitas por seus parceiros
ou ex-parceiros íntimos 17.
No entanto, sabemos que enfrentaremos algumas dificuldades na aplicação
da referida Lei. A fragilidade do sistema judicial não é um problema recente e as
varas especializadas em crimes dolosos contra a vida contam com um déficit de
53
recursos humanos em seus quadros e carência de capacitação em direitos humanos
e de gênero. Os crimes de homicídio ou mesmo o homicídio tentado contra as
mulheres não têm uma resposta rápida da justiça por vários fatores. A cultura
machista e patriarcal enraizada na estrutura do sistema de justiça, incluindo a
Polícia, o Ministério Público e o próprio Poder Judiciário, além das falhas nos
serviços oferecidos, remetem à fragilidade na proteção às vítimas, acrescido ao fato
de que os processos até então eram julgados como mais um crime de homicídio
comum e sem qualquer perspectiva de gênero.
A questão remete às respostas dadas pelo sistema penal aos crimes de
violência contra as mulheres. Se por um lado é comum ouvir as mulheres que
sofrem violência dizerem que não desejam denunciar o seu agressor ou mesmo
desistem dos processos em andamento, o que também deve ser investigado, por
outro lado observam-se casos em que houve negligência ou omissão frente às
mulheres que denunciaram e demandaram auxílio diante da violência sofrida.
O crime de homicídio contra homens e mulheres tem o mesmo procedimento
e, na maioria dos casos, não é levada em consideração a desigualdade de gênero
nas relações entre a vítima e o seu algoz. Não raras vezes as mulheres mortas são
julgadas por suas condutas e atitudes, e não podem mais se defender. As famílias
das vítimas, incluindo os filhos, ficam sem qualquer assistência do Estado para se
reestruturar e reconstruir suas vidas.
Diante desse contexto, não resta a menor dúvida de que a Lei Maria da
Penha18 e a Lei nº 13.104/2015 representam um grande avanço no combate à
violência contra a mulher, mas são apenas mecanismos no grande processo de
enfrentamento às desigualdades de gênero e de combate à violência contra a
mulher. É certo que a lei representa uma resposta jurídica concreta às violências
sofridas pelas mulheres, mas precisamos de outros mecanismos de prevenção,
como, por exemplo, mais investimentos na educação em igualdade de gênero, nas
escolas e universidades, além da formação continuada dos operadores do direito,
incluindo policiais, promotores/as de justiça e juízes/as que atuam na área.
A violência baseada no gênero é um mecanismo político, cujo objetivo é
manter as mulheres em desvantagem e desigualdade no mundo e nas relações com
os homens, permitindo excluir as mulheres do acesso a bens, recursos e
54
oportunidades. Além disso, tal violência contribui para a desvalorização das
mulheres, as prejudica e as intimida e reproduzo domínio patriarcal.
O direito à vida das mulheres é expropriado não somente quando não se
resolvem todos os crimes contra as mulheres
(seja assassinato ou o desaparecimento de centenas delas), como é a situação de
outros países da América Latina, mas
também quando o Estado brasileiro não dá uma resposta eficaz ao crime de
feminicídio.
O feminicídio pode ser considerado um marcador de violência de gênero:
muitas vezes este é o ponto final de uma
rota crítica em que a mulher ameaçada busca auxílio durante longos períodos sem
obter ajuda e proteção do Estado
(MENEGHEL et al, 2011).
16 - Vide o Art. 2° da Lei nº 13.104/2015, e o art. 1° da Lei n° 8.072, de 25 de julho
de 1990, passa a vigorar com a seguinte alteração: “Art. 1° ......I - homicídio (art.
121), quando
praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só
agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2°, I, II, III, IV, V e VI).
17 - Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006.
Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Embora a elaboração de leis específicas em relação à violência de gênero seja uma
conquista do movimento de mulheres, a lei por si só não basta. E para fazê-la valer,
é preciso não só o aumento de recursos materiais, humanos e financeiros, mas um
árduo trabalho de desconstrução dos mecanismos ideológicos que mantêm as
desigualdades sociais e as hierarquias de poder entre os gêneros.
O Dossiê Mulher desempenha, portanto, uma importante função informativa e
analítica, não só sobre a violência imposta às mulheres no estado do Rio de Janeiro,
mas também sobre alterações ocorridas a partir da criação de leis e
políticas de prevenção e do maior rigor na aplicação das penas. Dessa forma, o ISP
exerce extraordinário papel social e
colabora tanto para o mapeamento da violência contra a mulher como também para
o embasamento de argumentos que facilitem a implementação de políticas públicas
55
mais eficientes voltadas para a prevenção e a repressão qualificada aos crimes
contra a mulher.
Por fim, compreender as mortes de mulheres como um grave problema social
significa que a partir destes eventos o Estado deve desencadear atividades de
prevenção às violências, ações de proteção às vítimas em situação de risco,
atenção aos/as sobreviventes, filhos e familiares, utilizando recursos institucionais e
comunitários. Isto é, colocar à disposição da sociedade dados oficiais sobre os
feminicídios é importante, mas estes devem permitir a avaliação da rota crítica, como
por exemplo, onde houve falha, negligência ou omissão por parte das instituições
envolvidas na proteção à mulher em situação de violência que culminou com a sua
morte.
Diante deste contexto, é fundamental que o Estado brasileiro se comprometa
com a adoção de políticas públicas adequadas para assegurar que as mulheres e
seus familiares tenham uma resposta adequada do Estado para os crimes de
assassinato de mulheres.
56
6 – Casos Emblemáticos
Juárez, a cidade que odeia as mulheres.
Ela saiu de casa ansiosa para fazer a prova que teria na escola. Silvia Elena,
16 anos, se formaria naquele ano de 1995 no ensino médio. À mãe, disse que se
apressaria para depois ir à sapataria onde trabalhava meio turno, no centro de
Ciudad Juárez, no México. “Que Deus te acompanhe”, despediu-se a mãe, Ramona
Morales. Às 19 h, como todas as noites, ela foi esperar a filha no ponto de ônibus.
Silvia não voltou para casa. “Deve ter ido a alguma festa”, pensou Ramona, não sem
estranhar o silêncio de quem sempre avisava aonde ia. Ela não apareceu. A mãe
empreendeu uma busca incansável pela filha. Foi às autoridades, denunciou,
protestou. Esperou. Quase dois meses depois, a polícia tocou à porta. “Encontramos
sua filha”. “Ela está bem?” Os agentes não responderam. Ramona só viu os restos
do corpo achado em um terreno baldio, com sinais de estupro e tortura. Os seios
traziam marcas de dentes, foram mutilados. Ramona nunca soube o que aconteceu.
Depois do desaparecimento da filha, recebeu alguns telefonemas anônimos. O
último aconteceu no dia em que o corpo da jovem foi encontrado. Quando ligavam,
ao fundo podia-se escutar “Amor proibido”, música da cantora Selena, artista
preferida de Silvia. Mesmo sem provas, as autoridades culparam o egípcio Latif
Sharif Sharif, que já era acusado de outros homicídios de mulheres na região. Ele
morreu na cadeia pouco tempo depois. Ramona não acredita que o autor do crime
tenha sido Sharif porque ouviu um juiz admitir que no caso de Silvia não havia prova
nenhuma que pudesse incriminá-lo.
57
Fotos Jesús Alcázar
Rosa que choca as cruzes levantadas no antigo terreno onde foram encontrados oito
corpos
58
O drama de Ramona, infelizmente, não é o único. Ele se repete nas histórias
de mais de mil mães que pedem justiça enquanto choram pelas filhas que nunca
voltaram para casa — cerca de 1.100. Esse é o número oficial de mulheres mortas
desde 1993, quando começaram a contar os assassinatos em série nessa que é
considerada a cidade mais violenta do mundo. Só em outubro de 2010, 47 jovens
tiveram seus sonhos interrompidos de maneira absurda. Foi o mês com mais mortes
nos últimos 17 anos.
A paisagem seca da fronteira do México com os Estados Unidos, onde fica
Juárez, já faz dessa região, por si só, um lugar hostil à sobrevivência. Faltam
políticas sociais e a economia é fraca. A maior fonte de emprego são as
maquiladoras, indústrias multinacionais de mão de obra barata que fabricam peças
para exportação. Elas chegaram a Juárez entre os anos 70 e 80, estimuladas pelos
baixos impostos e a proximidade com o mercado americano. Atraíram muita gente à
fronteira, principalmente mulheres. Trabalhadoras jovens, de origem humilde,
exatamente o perfil das assassinadas.
A cidade tem cerca de dois milhões de habitantes, mas está perdendo
moradores: nos últimos três anos, 230 mil pessoas a deixaram com medo da
violência.
Pela
proximidade
com
o
município
de
El
Paso
(Texas)
e,
consequentemente, com o mercado americano, muitos cartéis disputam o controle
do tráfico de drogas, impondo um clima de terror nas ruas. Não são poucas as casas
abandonadas por aqueles que tiveram familiares assassinados e sofreram extorsões
de delinquentes, da polícia ou do Exército — que ocupa Juárez, teoricamente, para
garantir a segurança. Muitos comerciantes fecharam suas lojas. Não suportaram ter
de pagar as “cotas” de proteção exigidas pelo crime organizado, que agora começou
a cobrar as taxas até de escolas. Nesse ambiente, as mulheres são as vítimas mais
vulneráveis.
Quando os assassinatos começaram a ser alardeados, dizia-se que grupos
criminosos sequestravam as jovens para rituais de sacrifício. O corpo da mulher era
uma maneira de o homem que se iniciava no cartel do tráfico demonstrar seu poder
diante do grupo. O lugar e o jeito como os corpos eram encontrados (de barriga para
baixo, com as mãos amarradas, marcas e mutilações nos genitais) funcionavam
59
como mensagens que os grupos enviavam a companheiros ou membros de facções
inimigas. Também se cogitou a existência na cidade de uma indústria de filmes
snuff, produções que mostram crimes sexuais e homicídios verdadeiros. Mas Imelda
Marrufo, coordenadora da Mesa de Mujeres de Ciudad Juárez, uma rede de dez
organizações que trabalham com o tema da violência de gênero, tem outra
explicação. “Em Juárez se perpetua uma cultura sexista contra as mulheres. Está
presente em vários níveis da sociedade: nas instituições públicas, nas escolas, na
igreja, nos três poderes”, diz ela. “Aqui está disseminada a ideia de que a vida delas
é descartável como uma peça das maquiladoras. Os assassinos fazem o que
querem. Assim pensa tanto quem comete o crime quanto quem permite que ele
fique impune.”
Embora não se encaixe no perfil de assassinatos em série de mulheres que
vêm acontecendo há duas décadas na cidade, um exemplo escancarado da
impunidade em Juárez é o caso de Rubí Escobedo, 16 anos. Morta em um crime
passional, seu namorado, Sergio Rafael Barraza, foi levado a julgamento e
confessou tê-la matado em 2008. Pediu perdão à mãe da menina em plena
audiência. Para o desespero da família e espanto da opinião pública, foi declarado
inocente. Os juízes Catalina Ochoa, Netzahualcoyotl Zuñiga e Rafael Boudib
declararam “falta de evidências” para comprovar o crime. Foi um escândalo. A
absolvição em um caso tão óbvio repercutiu na cidade e a mãe, Marisela, armou
uma revolução. O caso foi reaberto e Sergio declarado culpado. O problema é que
ele já tinha fugido. O dia da entrevista de Marie Claire com Marisela, em novembro,
coincidiu com o aniversário de Rubí. Ela faria 19 anos. A mãe lembrou a data no fim
da conversa, com uma voz pesada, mas ainda firme. Disse que não iria descansar
até pôr o assassino na cadeia. Mas os algozes foram mais rápidos do que ela. Na
noite de 16 de dezembro último, Marisela fazia parte de um protesto de mulheres em
frente ao Palácio do Governo de Chihuahua, estado onde fica Juárez, e levou um
tiro fatal*. O crime causou indignação, até porque ela era das mães mais ativas de
Juárez. Marisela investigava por conta própria e pagava por pistas que levassem a
Sergio. Rubí conheceu Sergio aos 14 anos. Acabou envolvida pelo papo do rapaz,
que trabalhava em uma carpintaria que pertencia a Marisela. Sergio convenceu Rubí
a fugirem juntos, mantendo a menina afastada da família. Foi Marisela quem iniciou
uma reaproximação e até os ajudou a montar uma casa. Rubí estava grávida. A
60
relação do casal era conturbada, e Sergio tinha acessos de ciúme e violência
mesmo depois de a filha deles nascer. Diz que matou Rubí porque a flagrou tendo
relações sexuais com outro. Sergio também teria matado o suposto amante, mas
nunca apareceu um corpo ou registro de queixa de desaparecimento de um rapaz
naquele período. As amigas de Rubí dizem que ela nunca comentou nada sobre o
suposto caso extraconjugal. A jovem foi golpeada e queimada. Do corpo, foram
encontrados apenas alguns ossos jogados em um cemitério de porcos. Marisela
levou as autoridades até o local após seguir as indicações de um conhecido de
Sergio. Ela ficou com a guarda da neta, Heiri, 2 anos. Agora, ninguém sabe o que
será da menina.
Os casos de violência de gênero na cidade adquirem contornos de uma
execução. “Tem a ver com questões ainda não resolvidas na sociedade mexicana:
impunidade, falta de políticas públicas de atenção às mulheres, falta do hábito de
denunciar. É como se a mulher carregasse um cartaz ‘Sou sua’. É a crônica
anunciada de um feminicídio”, diz Rosalba Robles, pesquisadora da Universidade
Autônoma de Ciudad Juárez. A questão do sexismo, entretanto, acontece no México
como um todo, sendo que em alguns estados é ainda pior. Além de Chihuahua, os
estados do México (que inclui a capital do país), Sinaloa, Quintana Roo e
Tamaulipas são onde acontecem mais assassinatos. Fora o estado do México, que
fica no centro, os outros são no norte do país, onde a sociedade é mais
conservadora. Só em 2009, foram mais de 1.700 feminicídios no país, segundo
dados reunidos pelo Observatório Cidadão Nacional do Feminicídio. Naquele ano,
apenas o Estado de Chihuahua registrou 245, sendo 164 em Juárez.
“As mulheres são mortas simplesmente pelo fato de serem mulheres”
Julia Fragoso, do El Colegio da la Frontera Norte
Julia Monárrez Fragoso, de El Colegio de la Frontera Norte, centro de
pesquisa especializado em estudos dessa região, explica a situação peculiar de
Juárez com o que chama de feminicídio sexual sistêmico. “São feminicídios porque
as mulheres são assassinadas pelo simples fato de serem mulheres. Desde que os
casos começaram a ser sistematizados, percebemos que as vítimas apresentavam
códigos. Eram jovens, de origem humilde, mortas em atos violentos que deixavam
61
marcas no corpo, como mutilações de genitais”, diz Julia. “Juárez é um caso
particular pela frequência, continuidade e impunidade com que acontecem os
feminicídios. E continuam acontecendo, embora alguns corpos não apareçam”,
afirma.
DE MÃE PARA MÃE:
“Penso coisas tristes, a mente é ágil. Prefiro imaginar que ela está viva e bem
onde estiver, e que um dia vamos nos reencontrar.” Olga Esparza é mãe de Mónica.
A moça desapareceu em março de 2009, então com 18 anos. Saiu para fazer um
trabalho da faculdade. A mãe ligou no meio da tarde e Mónica avisou que ainda
demoraria um pouco. Nunca mais atendeu o celular. A família ouviu das autoridades
que o mais provável era que ela tivesse fugido com algum namorado. Outras mães
ouvem coisas piores de quem deveria ajudá-las. Dizem a elas que as filhas levavam
vida dupla, que eram prostitutas. Diante da inércia do poder local, é o pai da menina,
Ricardo Alanís, quem se arrisca a percorrer bares e casas noturnas em busca da
filha, que, acreditam, pode ter sido sequestrada por um cartel. Olga pressiona as
autoridades. Em uma visita da primeira-dama Margarita Zavala a Juárez, ela se
meteu entre a segurança e pediu ajuda, “de mãe para mãe”. Outro dia, foi à cidade
de Chihuahua juntar-se a outras mães em um plantão em frente ao gabinete do novo
governador. “Muitas meninas estão desaparecendo. E suas mães estão sendo
consumidas em vida”, diz.
Do desejo em comum por justiça, surgiram organizações civis em Juárez que
orientam as mães das vítimas, dão assistência psicológica e jurídica. Essas
organizações e também a luta das mães ajudam a dar visibilidade ao drama de
Juárez. É um universo majoritariamente feminino, mas aos poucos surgem homens
que tentam reverter o papel de antagonistas. O dramaturgo mexicano Humberto
Robles colabora, desde 2001, com a associação Nuestras Hijas de Regreso a Casa
(Nossas Filhas de Volta para Casa). A obra de teatro Mujeres de arena (Mulheres de
areia), escrita por ele, tem o feminicídio como tema e já foi representada em 13
países. De Madri, o jornalista Javier Juárez comanda a rede Sin Ellas No Estamos
Todos (Sem Elas Não Estamos Completos), que reúne fotos e informações de
desaparecidas.
62
Manter o ativismo de antes, no entanto, é difícil. Quem afirma é Marisela
Ortiz, cofundadora da associação Nuestras Hijas de Regreso a Casa e exprofessora de Lilia Alejandra García Andrade. A jovem de 17 anos e mãe de dois
filhos foi encontrada morta em 2001 em um terreno baldio. “Estamos totalmente
desprotegidas. Mataram meu genro e já fui ameaçada com pistola na cabeça. Você
acha que podemos gritar que estamos investigando? Os primeiros que vão morrer
são meus filhos”, diz. “Continuamos seguindo as pistas das jovens, mas não nos
fazemos visíveis”.
Mulheres protestam em Juárez:
Desde que o presidente Felipe Calderón assumiu o poder, em 2006, e iniciou
uma ofensiva contra o crime organizado, a violência aumentou na fronteira norte do
México. Mais de 29 mil pessoas morreram nos confrontos entre cartéis e forças de
segurança. Há mulheres envolvidas no narcotráfico, e elas também morrem nessa
guerra, como os homens. Também é verdade, no entanto, que esse contexto tem
feito com que se generalizem os assassinatos, se agrave a impunidade e a atenção
aos feminicídios seja desviada.
As associações listam o que é necessário mudar — ou o mínimo necessário
para que os crimes cessem. Governantes comprometidos em restabelecer o valor da
vida. Políticas de erradicação dos feminicídios. Especialistas para investigar os
assassinatos e ajudar na busca das desaparecidas. Punição dos responsáveis. O
caminho é longo e cada mulher de Juárez busca forças em fontes diferentes.
Marisela, na educação dos jovens que convivem com a violência. Ramona, na neta,
ilha de um dos irmãos de Silvia. Olga, na esperança de reencontrar Mónica. Todas
pedem, com a dor em comum: nenhuma morta a mais.
Uma campanha
errada (mas importante)
A linha de cosméticos para a temporada outono-inverno 2010 da marca MAC tinha
tudo para ser uma parceria de sucesso com a Rodarte, mas acabou criando
polêmica quando saiu à venda. A coleção inspirada nos feminicídios de Ciudad
63
Juárez, no México, caiu como uma brincadeira de mau gosto. Trazia esmaltes de
unhas com nomes como “Juárez” e “Factory”, em referência às maquiladoras,
principal fonte de emprego da cidade, batons “Ghost Town” e sombras “Sleepwalker”
ou Bordertown”. Uma modelo de aparência apática e fantasmagórica lembrava as
vítimas dos assassinatos na cidade.
A rejeição à ideia começou na internet, onde blogs de moda tacharam a
campanha de insensível. Associações de apoio às mães que perderam suas filhas
pela violência de Juárez lançaram um boicote aos produtos da marca. Admitem que
o lançamento gerou um debate sobre o problema, mas de forma degradante. A
resposta da MAC foi imediata. O presidente da companhia, John Dempsey,
anunciou que a intenção não era ofender, e que a linha não seria distribuída no
México
“por
respeito”.
A
empresa
também
abriu
inscrições
para
apoiar
financeiramente, por dois anos, associações que lutam contra o feminicídio em
Juárez. Um comunicado do dia 14 de setembro informava que seis organizações
seriam contempladas com a ajuda: Casa Amiga, Centro de Derechos Humanos de
las Mujeres, Fundación María Sagrario, Justicia Para Nuestras Hijas, Madres en
Busca de Justicia e Sin Violencia.
*Após o fechamento da edição, a família de Marisela, assassinada no período
em que essa reportagem estava sendo feita, foi violentada de novo. Dessa vez
queimaram a carpintaria do marido de Marisela e levaram o irmão dele, que estava
trabalhando lá na hora. Esse irmão foi morto no mesmo dia, em uma sucessão de
fatos violentos e muito tristes. (Martins, 2011)
A vlogueira Laci Green, ao comentar o recente massacre de Santa Bárbara,
na Califórnia, executado por Elliot Rodger, afirma que, dos 71 assassinatos em
massa ocorridos nos Estados Unidos desde 1982, 70 foram cometidos por homens,
a maioria brancos, e que isso está nos dizendo algo sobre a nossa cultura. Elliot
Rodger não conseguia lidar com o fato de que outros homens estavam fazendo sexo
e ele não, e ele, ao fim, matou para provar que ele era o “verdadeiro macho alfa”. A
mídia tradicional, nesses casos, geralmente justifica o comportamento do assassino
dizendo que ele era um psicopata, sociopata, enfim, um “monstro”.
64
Fazendo isso, ela individualiza o problema a um homem, impossibilitando o
debate e ignorando que o massacre foi produto de uma cultura misógina e de um
modelo de masculinidade agressivo e falido. Green conclui que Elliots e Wellingtons
são “monstros” que “nós, como cultura, como sociedade, criamos”.
“Seus atos aterrorizantes não são isolados. São parte de uma doença cultural
séria que afeta todos nós, especialmente as mulheres, todos os dias. E toda pessoa,
todo veículo de mídia que lhe dá o carimbo de ‘louco’ sem qualquer outra discussão
é parte desse problema. Acho que precisamos nos perguntar: por que é tão difícil de
admitir que a misoginia realmente mata pessoas?” (2014).
2.3.3 Eliza Samúdio e as hierarquias sexuais 31
A capa da Revista Placar do mês de abril trouxe em sua capa o ex-goleiro
Bruno. “Me deixem jogar”, dizia a chamada. Bruno encontra-se preso, condenado
pelo assassinato de Eliza Samúdia, sua amante e mãe de seu filho. Eliza foi
sequestrada, passou por intenso sofrimento físico e mental e, em 10/06/2012, foi
assassinada por asfixia e teve seus restos mortais jogados aos cachorros. Mas a
revista Placar escolheu colocar o assassino, e não a vítima, na capa, como se
estivesse sendo injustamente impedido de exercer sua profissão.
A capa desrespeita todas as mulheres que sofrem violência diária por parte
de seus companheiros, todas as mulheres assassinadas por dia.
O sistema judiciário não fez diferente. Em 13/10/2009, Eliza registrou
ocorrência policial e pediu medidas protetivas – estava, à época, grávida de 5 meses
e foi sequestrada, ameaçada com arma de fogo, lesionada e obrigada, por Bruno e
seu amigo Luiz Henrique, a beber um líquido abortivo.
Apesar do relatado, a Juíza de Direito do 3º Juizado da Violência Doméstica e
Familiar Contra a Mulher, de Jacarepaguá, negou proteção a Eliza, alegado que ela
tinha com Bruno apenas um relacionamento “de caráter eventual e sexual”, e que a
Lei Maria da Penha só serve para proteger “a família, seja ela proveniente de união
estável ou de casamento”.32
O Juiz da 1ª Vara Criminal de Jacarepaguá, ao condenar Bruno pelos fatos,
arrematou que Eliza tinha um “comportamento desajustado”, pois “procurava
65
envolvimento com muitos jogadores de futebol”. “Neste ponto, não se define bem
quem é vítima de quem”, concluiu o juiz.
Percebe-se que a Justiça não apenas se omitiu em seu dever, mas também
agiu de forma a desqualificar Eliza, taxando-a como mulher de certa categoria que
não merece proteção estatal. Em outras palavras, se a mulher não mantiver um
relacionamento duradouro, de preferência no casamento ou em união estável, ela
pode ser violentada por seu parceiro sem que o Estado aplique as medidas
protetivas e os outros mecanismos de enfrentamento à violência doméstica previstas
na Lei n. 11.340/2006, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.
Essas decisões judiciais, eivadas da mais profunda ideologia patriarcal, são
contrárias às disposições da Lei Maria da Penha, que em seu art. 5º, III, definiu de
forma clara quais os tipos de relação protegidas por ela: 32 Apelação Criminal nº
0042033-61.2009.8.19.0203, do TJRJ.
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar
contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte,
lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio
permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente
agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos
que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou
por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha
convivido com a ofendida, independentemente de
coabitação. (grifei)
Parágrafo único. As relações pessoas enunciadas neste artigo independem
de orientação sexual.
Ao prever proteção a “qualquer relação íntima de afeto”, independente de
coabitação, a lei não estabeleceu um tempo de relacionamento ou a forma como as
pessoas se relacionam. Disse apenas que “qualquer relação íntima ou de afeto” está
sob o seu comando normativo.
66
O tipo de relacionamento que Eliza e Bruno mantinham é irrelevante para a
aplicação ou não da lei. O que se sabe é que possuíam sim um relacionamento, do
qual inclusive nasceu uma criança, e isso deveria ser o suficiente para tutelar a
vítima.
Contudo, para manter o controle sobre o corpo feminino e sua sexualidade, a
sociedade divide as mulheres em duas categorias, “santas” ou “putas”, e
dependendo de qual grupo a vítima se encaixe, o Estado irá ou não lhe conferir
proteção. Basta lembrar que até pouco tempo atrás, a legislação penal dividia as
mulheres em “honestas” e “desonestas”, para dar especial proteção às moças
virgens e mulheres casadas.
Essa discriminação corrobora um sistema moral hipócrita que normatiza a
atividade sexual feminina e classifica as mulheres pela sua atividade sexual. Estilos
de vida fora do padrão hegemônico espantam e geram segregação e retaliações
sociais violentas, expressas ou sutis.
Segundo Gayle Rubin, “sociedades modernas avaliam os atos sexuais de
acordo com um sistema hierárquico de valores sexuais”: “Heterossexuais maritais e
reprodutivos estão sozinhos no topo da pirâmide erótica. Clamando um pouco
abaixo se encontram heterossexuais monogâmicos não casados em relação
conjugal, seguidos pela maioria dos heterossexuais. O sexo solitário flutua
ambiguamente. O estigma poderoso do século XIX sobre a masturbação hesita de
formas menos potentes e modificadas, tal qual a ideia de que a masturbação é uma
substituta inferior aos encontros em par. Casais lésbicos e gays estáveis, de longa
duração, estão no limite da respeitabilidade, mas sapatões14 de bar e homens gays
promíscuos estão pairando um pouco acima do limite daqueles grupos que estão na
base da pirâmide. As castas sexuais mais desprezadas correntemente incluem
transexuais, travestis, fetichistas, sadomasoquistas, trabalhadores do sexo como as
prostitutas e modelos pornográficos, e abaixo de todos, aqueles cujo erotismo
transgrede as fronteiras geracionais. Indivíduos cujo comportamento está no topo
desta hierarquia são recompensados com saúde mental certificada, respeitabilidade,
legalidade, mobilidade social e física, suporte institucional e benefícios materiais.
Na medida em que os comportamentos sexuais ou ocupações se movem
para baixo da escala, os indivíduos que as praticam são sujeitos a presunções de
doença mental, má reputação, criminalidade, mobilidade social e física restrita,
67
perda de suporte institucional e sanções econômicas. “Um estigma extremo e
punitivo mantém alguns comportamentos sexuais como baixo status e é uma sanção
efetiva contra aqueles que as praticam”. (Rubin, 1984, ps. 13-14).
Logo, as hierarquias sexuais podem ser estão assim dispostas:
1. Casamento hétero-monogrâmico e reprodutor
2. União estável hétero-monogâmica e reprodutora
3. Relacionamento hétero “promíscuo” ou sadomasoquista
4. Relacionamento estável homo e monogâmico
5. Homo “promíscuo” ou sadomasoquista
6. Travestis, prostitutas, etc.
Enquadrada pela juíza na terceira categoria sexual (hétero-promíscua), e
assim vista como não merecedora da tutela estatal, Eliza Samúdio se escondeu
inclusive em outro estado e ficou sem revelar seu paradeiro por cerca de seis
meses, com medo do que poderia lhe acontecer. No fim, acabou sendo
barbaramente assassinada por aqueles que se sentiram no direito de eliminar a
mulher que a justiça classificou como “desajustada” por exercer a mesma liberdade
sexual encorajada ao gênero masculino. É a hipocrisia da sociedade refletida no
poder judiciário.
2.3.4 Ângela Diniz e a legítima defesa da honra
Ângela Diniz era uma socialite mineira que, por exercer sua liberdade sexual
livremente, escandalizada a sociedade carioca. Era dona do seu corpo e do seu
dinheiro. Em dezembro de 1976, foi assassinada com quatro tiros no rosto,
disparados por “Doca” Street, seu companheiro à época, após ela ter mandado que
ele deixasse a casa em que passavam o verão em Cabo Frio.
Submetido a júri popular, durante as sessões do tribunal do júri, falou-se mais
sobre a conduta sexual da vítima do que sobre a ação criminosa do réu. Era Ângela
quem estava no banco dos réus. A acusação afirmou que a vítima era “dada a
amores anormais”, chamando-a de “Vênus lasciva” e comparando-a, por fim, à
“mulher de escarlate de que fala o Apocalipse, prostituta de alto luxo da Babilônia,
68
que pisava corações e com suas garras de pantera arranhou os homens que
passaram por sua vida”. Do lado de fora do tribunal, a população do local onde o
feminicídio ocorreu empunhava cartazes com os dizeres “Doca, Cabo Frio está com
você”.
Doca Street foi condenado, em outubro de 1979, por 5 votos a 2, por
homicídio culposo. O júri, na verdade, perdoou o assassino e condenou a vítima-ele,
porque, matando-a, o fizera “em legítima defesa da honra”34, essa excludente de
ilicitude que permitia aos “homens de bem”, quando representados por advogados
de renome, matar suas companheiras; ela porque, morrendo, saldara seus débitos
com os costumes sexuais estabelecidos.
A figura da “legítima defesa da honra” foi construída pela doutrina e usada em
inúmeros casos para atenuar a culpa de maridos, companheiros e namorados que
agridem ou mata suas companheiras, transferindo o fator motivador do delito ao
comportamento da vítima.
Quando o caso foi novamente a julgamento, em novembro de 1981, por conta
do recurso da acusação, o clima em Cabo Frio não mostrava-se mais tão receptivo
para Doca Street, graças ao trabalho da imprensa e de feministas, que chamaram
atenção para o machismo e a falsa moralidade observados no último julgamento. Na
porta do tribunal, a população recebeu o acusado com vaias, e feministas
carregavam faixas com a frase que virou slogan das campanhas contra a violência
infligida a mulheres: “quem ama não mata”. Por 5 votos a 2, os membros do júri
dessa vez o condenaram por homicídio doloso.
2.3.5 Eloá Pimentel e o crime passional
Em 13 de outubro de 2008, Lindemberg Fernandes Alves, à época com 22
anos, invadiu o domicílio da ex-namorada, Eloá Cristina Pimentel, de 15 anos, em
Santo André/SP, onde ela e amigos realizavam trabalhos escolares. Dois colegas
foram liberados, restando no interior do apartamento Eloá e sua amiga Nayara. Eloá
foi mantida em cárcere privado por mais de 100 horas – o sequestro em cárcere
privado mais longo já registrado pela polícia do estado de São Paulo. Durante cinco
dias, ela sofreu agressões físicas e psicológicas, até ser morta por Lindemberg,
baleada na cabeça e na púbis.
69
A abordagem do caso pela mídia foi extravagante e inadequada: formatado
como uma novela televisiva, teve programas sensacionalistas fazendo entrevistas ao
vivo com o agressor, e diversos especialistas (inclusive advogados e policiais)
procuraram justificar a agressão afirmando que se tratava de uma prova de amor,
pois o agressor (tido como sério, trabalhador e vivendo uma crise amorosa) estava
se arriscando a destruir sua vida por Eloá. Houve até quem sugerisse que o caso
terminasse em reconciliação e casamento. Foram desprezados não só o sigilo e a
abordagem não sexista que deveria envolver o caso, mas principalmente a vontade
da agredida, que perdeu a vida porque não desejava mais se relacionar com o
agressor. (Semíramis, 2011).
Tanto a mídia como alguns operadores do direito tratam de justificar o
comportamento do acusado nesses casos, alegando que ele “amava” a vítima, e que
estava em algum estado emocional incontrolável no momento da perpetração do
crime. Essa visão busca justificar os atos dos assassinos, classificando-os como
“crimes passionais”.
O feminicídio, porém, não tem nada de paixão ou amor. São crimes de poder,
que “evidenciam a força do patriarcado como uma instituição que propõe e sustenta
a autoridade masculina para controlar, com poder punitivo”. (Liési e Bandeira, 2010).
O sentimento de rejeição afeta igualmente homens e mulheres. Porém, a prática do
feminicídio, antecedida pela clássica ameaça “se não ficar comigo, não ficará com
mais ninguém”, compõe um sentimento de poder masculino. O sentimento de posse
é um resquício das épocas em que as mulheres eram consideradas propriedade do
homem. A educação familiar e social das crianças ainda é no sentido de afagar o
ego masculino, aceitando suas fraquezas e explosões violentas, e de convencer as
meninas a serem dóceis, submissas e compreensivas. (BUZZI, 2014)
70
7 – CONCLUSÃO
Este Trabalho de Conclusão de Curso conseguido através de Pesquisa ,
conclui-se , através do que foi exposto , que a Lei Maria da Penha , com todas as
suas novidades trazidas ao processo jurídico brasileiro , uma vez corretamente
aplicado , pode ser capaz de promover a adequação entre as sanções estatais e a
gravidade dos crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher , mudando
radicalmente o modo de encarar a questão da violência de gênero diminuindo do
número alarmante de casos desse tipo.
Esta Lei veio para ficar, uma vez que podemos dizer seus efeitos são
positivos, especialmente porque está sendo colocada em prática, já que as mulheres
estão se assegurando dos seus direitos e buscando a proteção da Lei, uma
legislação contemporânea, construída sobre uma base de um comportamento social
e que trouxe garantias de proteção para a mulher.·.
Além de grande produção de leis para as mulheres nos últimos anos, várias
instituições que articulam demandas específicas sobre a mulher foram criadas, com
ênfase para SPM, que tem como missão estabelecer políticas públicas que
contribuam para a melhoria da vida de todas as brasileiras e que reafirmem o
compromisso do Governo Federal com as mulheres do país, nesse papel, a
Secretaria conduziu incentivo para a criação de órgãos federais, estaduais e
municipais para a causa feminina.
Nesse sentido, a tipificação do feminicídio contribui para ampliar a visibilidade
do problema e a construção de uma nova linguagem para o enfrentamento da
violência contra as mulheres. Portanto razoabilidade na aplicação se transforma na
linha limite entre um Direito desigual e um Direito igualitário.
Se o gênero mulher tem conquistado enormes avanços dentro das leis brasileiras é
porque tem feito algo por este espaço na sociedade, não tem como ver tantos
exemplos de casos emblemáticos ignorando e assistindo imune a tudo. Afinal
amanhã a vítima pode ser qualquer uma que esteja entre nós. Portanto a violência
contra a mulher deixou de ser um caso banalizado pelo Poder Judiciário.
71
8. Bibliografia
(s.d.).
Araújo, M. d. (S/Data). Psicología para a America Latina. Acesso em 09 de Jun de 2015,
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Acesso em 09 de 06 de 2015, disponível em planalto:
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em 09 de 06 de 2015, disponível em Direitonet:
http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/8563/Medidas-protetivas-as-vitimas-deviolencia-domestica
72
9 - ANEXO
LEI Nº 13.104, DE 9 DE MARÇO DE 2015.
Altera o art. 121 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal,
para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e
o art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos
crimes hediondos.
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional
decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o O art. 121 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código
Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Homicídio simples
Art. 121. ........................................................................
.............................................................................................
Homicídio qualificado
§ 2o................................................................................
.............................................................................................
Feminicídio
VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:
.............................................................................................
§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o
crime envolve:
I - violência doméstica e familiar;
73
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
..............................................................................................
Aumento de pena
..............................................................................................
§ 7o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o
crime for praticado:
I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;
II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou
com deficiência;
III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima.” (NR)
Art. 2o O art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, passa a vigorar com a
seguinte alteração:
“Art. 1o .........................................................................
I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de
extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121,
§ 2o, I, II, III, IV, V e VI);
...................................................................................” (NR)
Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.
Brasília, 9 de março de 2015; 194o da Independência e 127o da República.
DILMA ROUSSEFF
José Eduardo Cardozo
Eleonora Menicucci de Oliveira
Ideli Salvatti
74
Este texto não substitui o publicado no DOU de 10.3.2015. (Presidência
da República, 2015)
75
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