DA POSSIBILIDADE DE RETIFICAÇÃO DE PARTILHA JUDICIAL POR ESCRITURA
PÚBLICA
Marco Antonio de Oliveira Camargo (*)
DLI nº 5 - ano:2008 - (Boletim Cartorário)
A Lei n° 11.441/07 representa efetivamente uma revolução, uma mudança de paradigmas. A partir
de sua vigência a responsabilidade do tabelião de notas tornou-se ainda maior e mais relevante para
a sociedade. A atual geração deste profissional de direito, que vive e constrói este momento
novidadeiro e de pioneirismo, tem uma grande responsabilidade histórica. Será através dos
resultados que forem alcançados no momento presente que o tabelião e a nova lei serão julgados
pelos usuários e pela história.
A cautela dos operadores do direito e de todos os envolvidos no complexo procedimento da
realização de inventários e partilhas é realmente louvável, mas, neste novo milênio, no mundo
verdadeiramente globalizado de hoje, não existe lugar para acomodação. A sociedade exige
mudanças e para mudar é necessária certa dose de audácia.
A celeridade, eficácia e eficiência dos processos é uma exigência geral que atinge todas as espécies
de rotinas e processos, sejam econômicos, industriais, produtivos e também o Processo Judicial.
Nesse contexto não se deve fazer uma interpretação excessivamente restritiva do alcance da nova
lei. A Lei n° 11.441/07, que foi editada no bojo de uma Reforma do Judiciário, atende ao anseio da
sociedade que está a exigir respostas rápidas que garantam a solução célere e segura para suas
necessidades.
As novas atribuições recebidas pelo tabelião estão a exigir dele, como nunca antes aconteceu, o
estudo do Direito Processual Civil. Como contribuição ao estudo e debate o presente texto
compartilha com os eventualmente interessados algumas conclusões sobre retificação de partilhas.
É possível, e de ocorrência comum, uma situação de erro, omissão, ou imperfeição presente em
partilha homologada em processo de inventário ou arrolamento. Por evidente, a falha existente não
obstou a sentença por ter estado oculta e não ter sido levada a conhecimento do juiz ou dos
interessados. Em tal situação, quando o respectivo Formal de Partilha ou Carta de Sentença for
efetivamente apresentado ao oficial de registro de imóveis, no processo de qualificação registrária, a
imperfeição pode vir a ser percebida e, diante de tal situação, enquanto não superada, não será
permitido o acesso ao registro imobiliário e a efetiva transmissão da propriedade de bem imóvel
partilhado.
A situação assume maior gravidade quando, por desídia do interessado, o registro do título somente
for buscado muito tempo depois da conclusão do processo judicial. Nesta ocasião o processo poderá
estar arquivado o que dificulta ainda mais o movimentar da máquina judiciária para a correção dos
erros ou omissões verificados tardiamente.
Uma escritura pública, a partir da vigência da Lei 11441/07, quando, evidentemente, todas as partes
interessadas forem maiores e capazes e entre elas existir consenso, parece ser um meio adequado
para a necessária retificação da partilha efetivada com erro ou imperfeição.
Trata-se de uma solução eficaz e muito mais célere que a retificação judicial nos autos originais.
As imperfeições a demandar retificação da partilha podem ser, e geralmente são, efetivamente,
pouco significativas e facilmente sanáveis pelas partes, sem a participação direta do Estado-Juiz,
bastando para isso a apresentação de documentos ou comprovação de fatos que eram inexistentes,
encontravam-se ocultos à época do processo ou ainda que tenham sido objeto de alteração de
substância ou forma, de modo a impedir o necessário acesso ao serviço de registro de imóveis.
O Conselho Nacional de Justiça, na Resolução n° 35 (1) definiu claramente a competência do
tabelião para realizar sobrepartilhas. O grupo de estudos criado pela Corregedoria Geral de Justiça
do Estado de São Paulo, antes da edição de tal resolução, já havia se manifestado pela possibilidade
da realização de sobrepartilhas(2) e, em uma conclusão especialmente esclarecedora, reconheceu
explicitamente o caráter procedimental do referido diploma legal(3), estendendo sua aplicação aos
óbitos ocorridos antes de sua vigência.
Sobrepartilha, entretanto, não se confunde com retificação. Inegavelmente existe diferença
substancial e gramatical entre os verbos sobre-partilhar e retificar; grosso modo, sobrepartilha se
define pelo caráter de acréscimo, adição, complemen-tação com elemento faltante. Diferentemente,
retificação tem significado de correção, arrumação, tornar reto e íntegro aquilo que continha defeito
ou era inexato.
O legislador previu no artigo 1.040 do Código de Processo Civil a possibilidade da realização de
sobrepartilha para o acréscimo de bens ou direitos ao inventário, mas, no mesmo dispositivo, nada
previu sobre correção de erros ou alteração de dados.
Para retificação dos erros verificados na descrição dos bens, previsão do artigo 1028 do CPC (4), o
instrumento adequado é o aditamento retificativo, que sempre se fez no seio do processo, sob a
exclusiva dependência da tutela do juiz do feito.
A sentença judicial, que no inventário é meramente homologatória, pode ser rescindida do mesmo
modo que os demais atos jurídicos em geral. Assim dispõe o artigo 486 do CPC, verbis: Os atos
judiciais, que não dependem de sentença, ou em que esta for meramente homolo-gatória, podem ser
rescindidos, como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil.
A rescisão da sentença homologatória, portanto, é possível e está apenas condicionada às
prescrições do artigo 104 do Código Civil, regra aplicável aos negócios jurídicos em geral, a saber:
existência de consenso e de capacidade das partes, ausência de ilicitude do objeto e uso da forma
adequada.
Assim como se apresenta possível a rescisão, igualmente viável será a retificação, ou seja, a
correção e alteração, do mesmo modo como se procede com todos os demais atos jurídicos. Sendo
possível cancelar e rescindir, inquestiona-velmente, igualmente possível será retificar e corrigir. A
garantia de poder realizar mais, confere a seu titular a faculdade de realizar menos, conforme
assevera conhecido aforis-mo jurídico.
Inexistindo dúvida sobre a possibilidade de retificação de partilha homologada por sentença
judicial, resta analisar a forma como esta deverá ocorrer para adquirir a eficácia necessária. Trata-se
de uma questão fundamental, pois o respeito à forma prescrita para o ato é requisito de validade do
mesmo.
Por analogia à possibilidade da sobrepartilha por escritura pública, é razoável, a partir do início da
vigência da Lei n° 11.441, de 04 de janeiro de 2007, admitir-se a possibilidade de retificação da
partilha do mesmo modo que se faz a própria partilha, ou seja, por escritura pública que, em caso de
retificação, será de aditamento retificativo à partilha realizada.
Se, a partir da vigência da Lei n° 11.441/07, que inegavelmente tem caráter procedimental, a
escritura pública lavrada em tabelionato é forma capaz de efetivar partilha entre maiores e capazes,
quando entre todos os interessados existir consenso, ela também será apta à realização de
sobrepartilhas, como, expressamente afirma o Conselho Nacional de Justiça (art. 25 da Resolução
35) e também para retificações de partilhas, embora não exista, até a presente data, decisão em
caráter administrativo, jurisprudência firmada, ou doutrina conhecida afirmando expressamente tal
possibilidade.
Inequivocamente escritura pública, lavrada sob a fé e responsabilidade do tabelião de notas, que
acolhe e formaliza a vontade livremente manifestada pelas partes, é forma apta para rescindir atos
jurídicos em que as mesmas pessoas são os únicos interessados. Aplicável, na espécie, o princípio
de atração da forma, que exige para o desfazimento do ato a mesma forma pelo qual ele se fez, ou,
no dizer do artigo 472 do Código Civil: O distrato se faz pela mesma forma exigida para o contrato.
Na medida em que a Lei n° 11.441/07 conferiu ao tabelião, por meio da realização de escritura
pública, capacidade para praticar atos tipicamente processuais, conferindo-lhe competência para a
realização de Inventários e separações, exigindo, entretanto, em exceção à regra geral da atividade
notarial, como condição de validade do ato e para maior segurança jurídica, a assistência de
advogado, implicitamente atribuiu à escritura pública capacidade de rescindir e, evidentemente, de
alterar e retificar partilhas e atos em que a sentença existente seja meramente homologatória da
vontade dos interessados.
Contrariamente a tais argumentos, seria possível argumentar que, a teor do disposto no artigo 1028
do CPC, toda e qualquer emenda deve ser feita, necessariamente, nos mesmos autos de inventário e
que, portanto, não seria possível o uso de escritura pública para qualquer espécie de retificação de
inventário ou partilha. Este dispositivo, entretanto, deve ser interpretado de maneira flexível e em
consonância com os objetivos da Lei n° 11.441/07 e de todo esforço que se realiza na atualidade
para tornar a justiça mais ágil e acessível ao cidadão. Esta foi a interpretação do Conselho Nacional
de Justiça, e do Grupo de Estudos criado pela C. G. J. de São Paulo, ao fazer constar expressamente
que sobre-partilha é possível ser realizada por meio de escritura pública. Se, diferentemente,
existisse o apego incondicional aos velhos paradigmas, poder-se-ia, com base no mesmo
dispositivo, negar também a possibilidade de realização de sobrepartilhas por meio de escritura
pública.
O Conselho Nacional de Justiça, na referida Resolução n°35 (art.10, parte final) determinou que os
Tribunais de Justiça dos diferentes Estados promoverão as medidas adequadas para a unificação e
concentração de dados e informações sobre as escrituras de inventário e partilhas, separações e
conversões em divórcio que forem realizadas nos diversos tabelionatos existentes.
A criação deste banco de dados unificado é realmente necessária, considerando-se que a realização
de escrituras não sofre limitações territoriais e que já se admitiu expressamente a realização de
sobrepar-tilhas que, de fato, representam alteração de partilhas já realizadas e de processos judiciais
já encerrados.
Em atendimento à determinação do CNJ o Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo,
pelo Provimento CG n° 19/2007, de 12/07/2007, determinou a criação de uma Central de Escrituras
de Separações, Divórcios e Inventários – CESDI, sob a gestão do Colégio Notarial do Brasil –
Seção de São Paulo. Efetivamente, desde o início do mês de agosto, a CESDI paulista está em pleno
funcionamento e pode ser acessada, fácil e gratuitamente, por qualquer interessado através de link
específico no Website: www.notarial net.org.br.
Eventualmente poderá se mostrar necessário ainda, em complementação à citada Central, a criação
de norma que obrigue todo tabelião que realize retificação de partilha (ou sobrepartilha) a
comunicar diretamente o juízo que processou o inventário da existência de tal escritura. Desta
forma, eventuais interessados, em buscas futuras, poderão facilmente vir a conhecer das alterações
extrajudiciais sofridas em partilha inicialmente homologada por Juiz de Direito.
Bibliografia
(1) Resolução n° 35, de 24/04/2007, editada pelo Conselho Nacional de Justiça - Art. 25. É
admissível a sobrepartilha por escritura pública, ainda que referente a inventário e partilha judiciais
já findos, mesmo que o herdeiro, hoje maior e capaz, fosse menor ou incapaz ao tempo do óbito ou
do processo judicial.
(2) Conclusões do grupo de estudos criados pela CGJ-SP para análise da Lei n°11.441/2007(1):
Item 4.23. É admissível escritura pública de sobrepartilha referente a inventário e partilha judiciais
já findos. Isto ainda que o herdeiro, hoje maior e capaz, fosse menor ou incapaz ao tempo do óbito e
do processo judicial.
(3) Conclusões do grupo de estudos criados pela CGJ-SP para análise da Lei n°11.441/2007(1):
Item 4.26. A Lei n° 11.441/07, de caráter procedimental, aplica-se também em caso de óbitos
ocorridos antes de sua vigência.
(4) CPC artigo 1028. A partilha, ainda depois de passar em julgado a sentença (Art. 1026), pode ser
emendada nos mesmos autos do inventário, convindo todas as partes, quando tenha havido erro de
fato na descrição dos bens; o juiz, de ofício, ou a requerimento da parte, poderá, a qualquer tempo,
corrigir-lhe as inexatidões materiais.
(*) O autor é 2°Tabelião de Notas de Matão, SP.
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