TRABALHO SOCIAL, UMA PROPOSTA DE APRENDIZAGEM E
DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO
Carin Otilia Kaefer1
Rosilaine Coradini Guilherme2
RESUMO: O presente artigo situa a inserção do Serviço Social, através do projeto de
intervenção elaborado na comunidade Nova Santa Marta, na cidade de Santa
Maria/RS. Confronta, analiticamente, a metodologia preconizada no texto teórico do
projeto, e o desenvolvimento da sua aplicação. Aborda, ainda, a comunidade
enquanto agentes coletivos, e as necessidades sentidas pelos sujeitos, fazendo uma
inferência sobre o Desenvolvimento de Comunidade na perspectiva do Serviço Social.
Palavras-chave: Serviço Social. Comunidade. desenvolvimento.
INTRODUÇÃO
O artigo que ora se apresenta é parte integrante do projeto de intervenção,
intitulado “Trabalho Social e Comunitário: garantir direitos sociais e construir
cidadania”, desenvolvido e implementado durante o ano de 2006, na comunidade
Nova Santa Marta, na região oeste da cidade de Santa Maria/RS. Neste recorte,
utilizou-se a igualdade de oportunidades como categoria básica de análise, no intuito
de compreender as variadas formas de exclusão experimentadas pelos sujeitos
sociais que vivem e se reproduzem envoltos num cotidiano histórico perpassado por
condições materiais adversas. A comunidade Nova Santa Marta surgiu por meio de
uma ocupação, em dezembro de 1991, à antiga fazenda Santa Marta, liderada por um
grupo formado por cinqüenta e quatro famílias pertencentes ao MNLM - Movimento
Nacional de Luta Pela Moradia.
No entanto, a ocupação desordenada da Nova Santa Marta, desprovida de
planejamento espacial e ambiental, gerou problemas relacionados à produção de
lixo sem o necessário recolhimento, bem como referentes à instalação de
residências em áreas de riscos e à ausência de um sistema de esgoto; arborização,
1
Assistente Social, Gerontóloga Social, Mestre em Serviço Social pela PU/RS e Professora do Centro Universitário
Franciscano/UNIFRA. End.: Aníbal Barão, 148, ap.103, Bairro: Dores/ SM. Tel.: 55 91496310/ 55 30256182, e-mail:
[email protected].
2
Assistente Social, Mestranda em Política Social pela UCPEL-Bolsista CAPES e Professora do Centro Universitário
Franciscano/UNIFRA End: Becker Pinto, 118, Bairro: Dores/SM. Tel: 55 99778946/55 33071655, e-mail [email protected].
praças e áreas de lazer. Devido ao grande crescimento populacional, e à reduzida
oferta de vagas escolares, os moradores convivem com a não garantia do direito
básico à educação, saúde e segurança. Há, ainda, o sofrimento da discriminação
cotidiana, já que, ao relatar onde moram, geralmente, são estigmatizados por
habitarem uma área oriunda de ocupação.
A implementação de um projeto emancipatório que fortaleça a autonomia e
o empoderamento dos grupos vulneráveis, sem reforçar estigmas, à luz dos recortes
sobre o papel e da importância dos equipamentos de infra-estrutura, configura-se
como um contínuo desafio para a construção da cidadania dos moradores da Nova
Santa Marta. A democratização da gestão pública traduz a centralidade da
materialização desse projeto civilizatório, uma vez que implica na adoção de
mecanismos de participação democrática, efetivando o direito à cidadania.
Nesse sentido, apresenta-se a inserção do Serviço Social na comunidade
Nova Santa Marta, visando descrever as necessidades sentidas e relatadas pelos
sujeitos sociais comunitários. A aproximação com a população usuário do projeto de
intervenção materializa-se por meio de uma inferência sobre o Desenvolvimento de
Comunidade na perspectiva do Serviço Social. Ou seja, por meio do enfoque de
desenvolvimento que se expressa a partir do processo de expansão de oportunidades.
1.
A INSERÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NA COMUNIDADE NOVA SANTA
MARTA
O recorte de público balizou-se em pressuposto de Castel (1998), apontando
que a acentuada lógica destrutiva capitalista propõe a desafiliação e a ruptura dos
laços de pertencimento, levando à perda total do vínculo societal. O indivíduo fica sem
referência, sem apoio, sem significado, sem intercâmbio. Tais determinações políticas
e econômicas conduzem, além da desafiliação, à exclusão e à pobreza. Para Sposati
“estes conceitos não são sinônimos; a exclusão estende a noção de capacidade
aquisitiva relacionada à pobreza a outras condições atitudinais e comportamentais que
não se referem tão só à capacidade de retenção de bens” (1999, p.74).
2
Ultrapassando conceitos genéricos relacionados às demandas sociais da
comunidade Nova Santa Marta, é possível reconhecer o objeto de intervenção
profissional, uma vez que a realidade cotidiana vivenciada pelos sujeitos perpassa as
variadas formas de exclusão. Diante disso, a inserção do Serviço Social nesta
comunidade pretende desnaturalizar a exclusão social e, sobretudo, propor padrões
básicos de inclusão que visam além da „assistência‟, tendo em vista a supremacia da
cidadania.
O agravamento da desigualdade social, aliada à ausência de informações, bem
como ao desconhecimento dos direitos, dificultam a garantia do exercício de cidadania
dos sujeitos subalternizados. Chuairi (2001), diz que parte da população pertencente a
várias camadas sociais, desconhece seus direitos e deveres. A autora prossegue
dizendo que o Assistente Social sempre esteve inserido na prestação de serviços
assistenciais, voltando sua ação, prioritariamente, às necessidades e à garantia de
direitos sociais das classes subalternas.
Tendo em vista o agravamento da desigualdade social aliada à ausência de
informações e ao desconhecimento dos direitos, realizou-se durante o primeiro
semestre de 2006, atendimento social à comunidade Nova Santa Marta. O
atendimento social estava previsto no texto teórico do projeto de intervenção, sendo
que ocorreu conjuntamente com o Curso de Direito, proporcionando, desta forma, uma
intervenção interdisciplinar.
A demanda emergente no atendimento social é entendida como o momento de
identificação dos interesses da população. Para Souza (2004), os interesses e
preocupações são necessidades sentidas, ou seja, aquelas que a consciência
percebe e reconhece como carência. Sendo assim, a identificação dos interesses e
preocupações oriundos da comunidade podem ser compreendidos como um momento
exploratório e de aproximação inicial do profissional/população, uma vez que é a partir
desse momento que se pode estabelecer um conceito quanto à realidade a ser
trabalhada.
A partir da disponibilização do atendimento sócio-juridico aos moradores do
Núcleo Habitacional Nova Santa Marta, implementou-se no primeiro e segundo
semestre de 2006 o projeto de intervenção. O seu objetivo geral é garantir o „acesso‟
aos direitos sociais, por meio da „informação‟ correta e do „encaminhamento‟ exato
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aos Órgãos ou Entidades públicas competentes. Para a operacionalização dos
atendimentos utilizou-se a triagem como instrumento técnico-operativo estratégico.
Utilizou-se, também, o diálogo como instrumento possível de provocar o processo
reflexivo da condição econômica, social e política vivenciada pelos sujeitos.
Diante da gama variada de necessidades sentidas e relatada pelos sujeitos,
registrou-se que, devido ao número de estagiários do Direito superar o do Serviço
Social, foi possível intervir em apenas 63% do total dos atendimentos realizados. Tal
dado leva à conclusão que os moradores do Núcleo Habitacional Nova Santa Marta
são usuários em potencial do Serviço Social, colocando-se como um campo possível
de propor e de implementar projetos sociais. Destaca-se, ainda, que do total de
atendimentos realizados, 80% foram demandados pelo sexo feminino, implicando uma
reflexão. Para tanto, utilizar-se-á o debate ocorrido na IV Conferência Mundial sobre a
Mulher realizada em Beijing, na China, em 1995.
O documento da IV Conferência critica a ausência da perspectiva de gênero
nas análises e planejamento econômico, e a pobreza da mulher estaria relacionada,
especialmente, à ausência de oportunidades e autonomia econômica. Ao se tratar da
pobreza da mulher, pode-se concluir que, eminentemente, a caracterização dos
usuários atendidos, perpassa a perspectiva de gênero, pois o sexo feminino se
constitui em ampla maioria. Decifrando tal fenômeno, Soares (2003), refere-se que os
fatores de caráter econômico, a rigidez das funções que a sociedade designa às
mulheres, seu limitado acesso ao poder e os recursos produtivo e os novos fatores
que ocasionam insegurança para as famílias, contribuem para a „feminização da
pobreza‟. A pobreza da mulher, dessa maneira, pode ser relacionada às distinções na
repartição do poder econômico, baseadas na perspectiva de gênero.
2.
A COMUNIDADE E AS NECESSIDADES SENTIDAS
Partir da realidade concreta em que se encontra a comunidade significa partir
das necessidades sentidas por esta população. Tais necessidades materializam-se a
partir do reconhecimento consciente das carências sociais, políticas e econômicas
vivenciadas por ela. O reconhecimento das necessidades torna-se fundamental para o
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processo de inter-relação da realidade específica imediata com a realidade global
estrutural. Ou seja, é o momento da tomada de consciência histórica que permite
desencadear o processo de reflexão acerca dos interesses e preocupações.
Sobretudo, acerca de suas condições de enfrentamento.
Ao longo do primeiro semestre do ano de 2006, buscou-se, por meio do projeto
de intervenção, identificar os interesses e preocupações da população, tendo em vista
à sua significação social. A este termo, recorre-se a Souza (2004), que se dirige à
análise dos interesses e preocupações comunitários, não como um momento que se
resume em reflexões e abstrações, uma vez que algumas ações podem e devem ser
implementadas. Tendo em vista que a ação requer reflexão, previsão do que fazer, do
como fazer, do que se pretende atingir, utilizou-se as propostas sistematizadas no
projeto de intervenção como estratégia tática de construção e de reconstrução dos
objetivos da ação.
Sendo assim, durante o ano de 2006, realizou-se atendimento social à
comunidade Nova Santa Marta. Para efeito de elucidação das necessidades sociais
da comunidade, pretende-se descrever alguns dos atendimentos realizados, sem
detalhar os dados cadastrais dos usuários. Relacionar-se-á, a seguir, as necessidades
relatadas: atendimento 1: ação judicial visando garantir auxílio doença previdenciário;
atendimento 2: encaminhamento de pedido de separação matrimonial litigiosa;
atendimento
3:
pedido
de
informações
sobre
contribuições
previdenciárias;
atendimento 4: pedido de separação matrimonial consensual; atendimento 5: pedido
de encaminhamento de Benefício de Prestação Continuada; atendimento 6: ação de
provisão de alimentos; atendimento 7: ação de provisão de alimentos; atendimento 8:
pedido de ação jurídica coletiva contra a Companhia de Saneamento; atendimento 9:
ajuizamento de ação de reconhecimento de paternidade e provisão de alimentos;
atendimento 10: informações sobre processo criminal e defensoria pública.
Percebe-se que dentre os atendimentos realizados houve uma gama variada de
necessidades sentidas e relatados pelos sujeitos. Deste modo, a intervenção
profissional mostra que não é simples atingir a ultrapassagem da identificação
aparente das necessidades para a identificação de sua essência. Os problemas e
preocupações imediatos tornam-se potencializados e percebidos por meio do
atendimento, sendo que a sua transposição torna-se complexa. A conscientização dos
5
bloqueios que impedem os sujeitos de enfrentar os problemas de caráter estrutural
torna-se fundamental, tendo em vista a superação da mera demanda imediata.
Evidentemente que a demanda imediata deve ser trabalhada, e, sobretudo, utilizada
como possibilidade de intervenção voltada à reflexão conjunta com o usuário acerca
dos condicionamentos causais dos problemas sentidos.
3.
DESENVOLVIMENTO DE COMUNIDADE NA PERPECTIVA DO SERVIÇO
SOCIAL
Parte-se do pressuposto de que a categoria fundamental de Desenvolvimento
de Comunidade assenta-se na significação que se expressa por meio do processo da
expansão de opções à população. Sem dúvida, o crescimento e o desenvolvimento
econômico não levam necessariamente ao desenvolvimento humano. A este tema
Wanderley (1998), inferi que o escândalo da miséria, das enormes desigualdades
sociais, da vida não-humana de milhares de seres humanos, nos cinco continentes,
comprova que a distribuição de renda não é conseqüência automática de crescimento.
Para ela, há um consenso mundial de que o crescimento econômico é desejável; de
que o desenvolvimento integrado é um processo fundamental, mas seu objetivo último
é o ser humano em todas as dimensões.
Para a Organização das Nações Unidas o desenvolvimento humano é um
processo mediante o qual se proporciona a igualdade de oportunidades às pessoas,
sendo que inclui acesso que garanta uma vida socialmente saudável e, sobretudo,
implica à liberdade política e à garantia dos direitos humanos. O desenvolvimento
aconselhado prevê a afirmação de condições para que os sujeitos individuais ou
coletivos desenvolvam suas potencialidades, a partir de opções igualmente
oportunizadas.
As noções de desenvolvimento perpassam inúmeras acepções e fundamentos
históricos e científicos. Torna-se evidente a opinião reducionista de que o ser humano
é só um meio do progresso e do desenvolvimento. Tal opinião desconsidera que o ser
humano não é meramente um meio e sim sua finalidade última. Ou seja, o objetivo
primordial
do
verdadeiro
desenvolvimento
corresponde
à
ampliação
das
oportunidades objetivas dos sujeitos de desenvolverem suas potencialidades.
6
Certamente, a noção de desenvolvimento torna-se complexa, à medida que
apresenta variados aspectos. Há, no centro do debate, a discussão entre o suposto
equilíbrio econômico e social. As áreas econômica, política e social estão
intrinsecamente ligadas, sendo que cada uma delas sofre reflexos entre si. Sendo
assim, a visão meramente economicista de desenvolvimento gera um desequilíbrio
irreparável entre as dimensões sociais e políticas.
Efetivamente, o eixo fundamental de análise acerca do desenvolvimento é,
segundo Morin (1998), concebido de maneira antropológica. Ou seja, o verdadeiro
desenvolvimento é o desenvolvimento humano. Para o autor, a noção de
desenvolvimento deve tornar-se multidimensional, romper esquemas não apenas
econômicos, mas também civilizacionais e culturais que pretendem fixar seu sentido e
suas normas. Além disto, conclui dizendo que se deve romper com a concepção do
progresso como certeza histórica para fazer dele uma possibilidade incerta, uma vez
que nenhum desenvolvimento é adquirido para sempre.
Cabe, portanto, ao Serviço Social, voltar-se à reflexão acerca da concepção
fundamental
de
desenvolvimento,
tendo
em
vista
uma
perspectiva
de
Desenvolvimento de Comunidade transformadora. Com efeito, Wanderley (1998)
afirma que as teorias desenvolvimentista e modernista que sustentaram o surgimento
e o prosseguimento do Desenvolvimento de Comunidade, em muito, já foram
superadas. Para ela, o desenvolvimento modificou-se nas últimas décadas, sendo que
temáticas como desenvolvimento humano e desenvolvimento sustentado estão
presentes tanto na literatura contemporânea como nas discussões travadas pelos
órgãos nacionais e internacionais.
Desta maneira, o Serviço Social contemporâneo deve voltar-se à concepção de
que o Desenvolvimento de Comunidade configura-se muito além de um mero
processo técnico-metodológico de ação. O verdadeiro fundamento da prática de
Desenvolvimento de Comunidade concretiza-se através de sua dimensão política. Há
de ocorrer uma intervenção profissional voltada a despertar a consciência crítica dos
sujeitos, ou, ainda, à potencialização de forças sociais que visem o enfrentamento das
dificuldades que bloqueiam a superação de barreiras rumo ao desenvolvimento
humano e social.
7
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O grande desafio para a continuidade da implementação operacional e
metodológica do projeto é descobrir meios de enfrentamentos aos bloqueios que
impedem os sujeitos de participar, definir e usufruir de um desenvolvimento social que
contemple a satisfação de seus interesses e preocupações coletivos. A intervenção
profissional voltada a despertar a consciência crítica dos sujeitos, bem como à
potencialização de forças sociais que visem o enfrentamento das dificuldades que
bloqueiam a superação de barreiras rumo ao desenvolvimento humano e social é
entendida como fundamental.
A categoria fundamental de Desenvolvimento de Comunidade incorporada
assenta-se na significação que se expressa por meio do processo da expansão de
opções à população. O desenvolvimento idealizado prevê a afirmação de condições
para que os sujeitos individuais ou coletivos desenvolvam suas potencialidades a
partir de opções igualmente oportunizadas. O objetivo primordial é atingir o
desenvolvimento humano que é um processo mediante o qual se proporciona a
igualdade de oportunidades aos sujeitos, sendo que inclui acesso à vida socialmente
saudável, implicando a liberdade política e a garantia dos direitos humanos.
O projeto foi concebido como instrumento estratégico para se desenvolver o
processo de descobrimento e de enfrentamento dos interesses essenciais dos
moradores da comunidade. Contudo, a complexidade deste processo materializou-se
a partir da compreensão de que a problemática comumente vivenciada pelos sujeitos
implica uma articulação com o contexto social mais amplo. A partir da implementação
do projeto, especificamente através do atendimento social, os problemas e
preocupações
imediatos
mostraram-se
extremamente
potencializados,
e
sua
transposição tornou-se complexa. A conscientização dos bloqueios que impedem os
sujeitos de enfrentar os problemas de caráter estrutural coloca-se como o próximo
desafio, tendo em vista a superação da demanda imediata.
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Metamorfoses
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TRABALHO COMUNITÁRIO E SOCIAL: uma representação