Visão Geral do Livro IV do Novo Código Civil Maria Luiza Póvoa Cruz Há muito que o nosso vigente modelo codificado (Lei nº 3.071, de 01 de janeiro de 1916), não atendia às demandas sociais e, via de conseqüência, às judiciais. Nós operadores do Direito, somos obrigados a nos socorrer as normas constitucionais, na construção jurisprudencial, nas muitas leis extravagantes e até no Direito Comparado. Mudou a família. Mudou o Estado. Mudaram as concepções que os regiam. Avançou-se de um liberalismo patrimonialista, individualista, hierárquico, fundado na desigualdade, para o bem-estar social, onde o princípio regente é a dignidade da pessoa humana. Diferentemente do individualismo exacerbado do século XVII. Há publicização do direito privado. O ordenamento jurídico brasileiro não poderia ficar infenso a tais modificações sociais. Seguiram-se então a Lei nº 883/49, permitindo-se o reconhecimento dos filhos adulterinos por escritura pública ou por testamento, uma vez dissolvida a sociedade conjugal, e concedendo aos mesmos direitos sucessórios. Também o filho adotado passou a ter a metade dos bens amealhados em sucessão pelo filho biológico superveniente por meio da Lei nº 3.133/57. Seguiu-se a Lei nº 4.162/62, Estatuto da Mulher Casada, após a eclosão dos movimentos feministas na década de 50, que reconheceu às mulheres direitos de livre determinação de suas rendas, ainda que parcialmente. Mais adiante, a Emenda Constitucional nº 9 de 1977 e a Lei 1 6.515/77, rompendo com o dogma da indissolubilidade do vínculo jurídico do casamento com a aprovação do divórcio. Destaque-se ainda, o Código de Menores de 1.979 e a Lei nº 7.250/84. Esta última ampliou a possibilidade do reconhecimento do filho adulterino por sentença transitada em julgado para o cônjuge separado de fato por mais de 5 anos contínuos. A Constituição Federal de 1988 promoveu verdadeira revogação tácita do ordenamento então vigente e propiciou uma verdadeira estrutura infraconstitucional. No Direito de família atual, o que importa não são os vínculos biológicos ou jurídicos, mas sim a realização psicológica e afetiva de cada um de seus membros – repersonalização. Seguiu-se a Lei nº 7.841/89 (que revogou expressamente o artigo 358 do Código Civil aplicando no ordenamento, o princípio da igualdade entre filhos), a Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e Adolescente – reafirmando o princípio do melhor interesse da criança), a Lei nº 8.560/92 (que ampliou o acesso à investigação de paternidade e o reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento). A Lei nº 8.971/94 (que concedeu direitos aos companheiros a alimentos e à sucessão, embora tais direitos já fossem assegurados constitucionalmente e já tivessem sido objeto, inclusive das Súmulas 380 e 382 do STF, antes mesmo da CF/88), a Lei nº 9.236/96 (que disciplina o direito ao planejamento familiar, reforçando a idéia da paternidade responsável) e a Lei 9.278/96 (que regulamentou o § 3º do artigo 226 da CF/88, definindo critérios da união estável). 2 Avanços científicos dão ao homem a capacidade de reproduzir fora do contexto da conjunção carnal (métodos de reprodução assistida). Fala-se em reforma da codificação quanto talvez se devesse falar em decodificação e microssistemas. Esta é uma realidade presente no Direito de Família, tão célere na sua transformação. Até porque a reunificação dos sistemas legislativos reflete a unificação política e ideológica do povo. Certo que, o crítico condutor de toda e qualquer legislação que se disponha modernamente tratar do Direito de Família deverá fundar-se em cinco princípios da Constituição Federal, expresso no inciso II do artigo 1º, a dignidade da pessoa humana; o princípio garantidor da isonomia ou igualdade em direitos e obrigações entre homens e mulheres, expresso no inciso I do artigo 5º e ratificado na relação conjugal (artigo 226, § 5º); O princípio de reconhecimento da pluralidade de opções para a formação da família, expresso no artigo 226 e seus parágrafos 3º e 4º; o princípio da não discriminação entre os filhos não importando sua origem expresso no artigo 227, § 6º e repetido no artigo 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente. O princípio da paternidade responsável ratificado na previsão do planejamento familiar (art. 226, § 7º) e finalmente, o princípio do melhor interesse da criança, Lei nº 8.060/90, artigo 4º. Importa destacar que a ideologia da codificação de 1.916 é essencialmente patrimonialista. A jurisprudência e leis extravagantes abrandaram um pouco o rigor da codificação então vigente. 3 Embora tímida, a nova proposta legislativa ampliou os horizontes do ordenamento jurídico familial contemporâneo. O Novo Código Civil, contraria algumas tendências citadas por Orlando Gomes, em decorrência da transformação do Direito de Família: 1) Estatização – mais e mais o Estado faz ingerência nas questões privadas; 2) Retratação – a grande família deixa de existir, dando lugar exclusivamente àquela família formada por pai, mãe e filhos; 3) Proletarização – as famílias deixaram para trás o seu aspecto capitalista; 4) Democratização – com a emancipação da mulher a família não mais será centralizada na autoridade “pater família”, formando membros da família uma verdadeira comunidade de afeto; 5) Desencarnação (desbiologização) – o elemento biológico das relações familiares da lugar ao elemento socioafetivo; 6)Dessacralização – o casamento não ser mais indissolúvel e também o reconhecimento da existência de outras formas de família (união estável e monoparentabilidade). Inobstante o teor do artigo 1.513, a própria descrição minuciosa feita nos artigos 1.512 a 1.526 e 1.525 a 1.532, não deixam dúvidas quanto à institucionalização da família codificada e a presença reguladora do Estado. 4 Profª. Maria Luiza Póvoa Cruz. 5