IVAN MARQUES DA SILVA ANJOS LIMA AS PAREDES DA HEGEMONIA CAPITALISTA A PARTIR DE UMA REVISÃO CRÍTICA DA PRODUÇÃO ARQUITETÔNICA E URBANÍSTICA DA MODERNIDADE E DA PÓSMODERNIDADE. Quando a Arquitetura e o Urbanismo foram subjugados pelas relações de produção capitalistas. Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Planejamento Urbano e Regional. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Fania Fridman Rio de Janeiro 2012 L732p Lima, Ivan Marques da Silva Anjos. As paredes da hegemonia capitalista a partir de uma revisão crítica da produção arquitetônica e urbanística da modernidade e da pós-modernidade : quando a Arquitetura e o Urbanismo foram subjugados pelas relações de produção capitalistas / Ivan Marques da Silva Anjos Lima. – 2012. 124 f. : il. ; 30 cm. Orientador: Fania Fridman. Tese (mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, 2012. Bibliografia: f. 114-124. 1. Sociologia urbana. 2. Arquitetura moderna. 3. Arquitetura pós-moderna. 4. Planejamento urbano. 5. Fordismo. 6. Lefebvre, Henri, 1905-1991 – Crítica e interpretação. I. Fridman, Fania. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. III. Título. CDD: 307.76 IVAN MARQUES DA SILVA ANJOS LIMA AS PAREDES DA HEGEMONIA CAPITALISTA A PARTIR DE UMA REVISÃO CRÍTICA DA PRODUÇÃO ARQUITETÔNICA E URBANÍSTICA DA MODERNIDADE E DA PÓSMODERNIDADE. Quando a Arquitetura e o Urbanismo foram subjugados pelas relações de produção capitalistas. Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Planejamento Urbano e Regional. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Fania Fridman Aprovado em: BANCA EXAMINADORA _______________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Fania Fridman Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional / UFRJ Prof.ª Dr.ª Maria Ângela de Almeida Souza Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Urbano / UFPE Prof. Dr. Rainer Randolph Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional / UFRJ Rio de Janeiro 2012 Esta página é completamente inesperada. Ela surgiu a poucos dias da conclusão de todo o trabalho, porém silenciosamente teve a capacidade de se tornar a mais importante. Com dores, pesar e tristeza, dedico esse trabalho, in memoriam, a meu irmão Ivandro Marques da Silva – Graduado em Administração pela UFPE, Mestre em Engenharia de Produção pela UFPE e Primeiro Administrador da Pró-reitoria do Instituto Federal de Alagoas – que nos deixou abruptamente aos 33 anos de idade, ensinando-nos que devemos sonhar e realizar os sonhos. Por todo seu exemplo, sua dedicação à família e aos estudos. Por ter sido, meu irmão, meu pai, meu amigo, meu espelho a ser seguido sempre...Pelas contribuições feitas a esse trabalho, mesmo distante, me ouvias. Nada, nada, nada vai preencher este vazio que fica em meu peito. AGRADECIMENTOS Agradeço a minha amada esposa Aline e a minha tão amada filha Iasmin Enila que, ao longo de todos esses anos de moradia no Rio de Janeiro, sempre foram meu alento, meu lar e minha família. Sem esse porto seguro, não conseguiria seguir em frente. Obrigado por todo amor dedicado a mim. Não poderia deixar de agradecer ao amigo e chefe de trabalho Paulo Meirelles, o qual no momento de desânimo que tive aqui nesta cidade me incentivou a seguir nos estudos e na vida acadêmica. Pelas contribuições e discussões geradas entre os amigos de trabalho do CPN – Centro de Projetos de Navios da Marinha do Brasil, principalmente, Rosângela Soares. Aos colegas de turma do mestrado de 2010 do IPPUR – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional e todos os docentes que me proporcionaram um olhar mais crítico daquilo que entendo por realidade. Agradeço também as palavras de incentivo e as contribuições singulares que somente uma orientadora, amiga e professora, como Fania Fridman poderia presentear-me. Finalmente, agradeço também a minha primeira professora, minha mãe Ione Maria da Silva, que me ensinou o que tenho de mais precioso: a integridade e o desejo de construir um mundo melhor. E, claro, agradeço a Deus e a intercessão da virgem Maria que me permitiram chegar até aqui! RESUMO O presente trabalho parte da investigação iniciada por Léfèbvre sobre a sociedade urbana e sua tríade espacial “forma, função e estrutura urbana”, compreendendo a produção arquitetônica e urbanística da modernidade e da pós-modernidade (século XIX e século XX) como sua expressão físico-espacial. É realizada uma revisão crítica da Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo enquanto prática reflexiva, percorrendo respectivamente dois eixos analíticos sobre a Arquitetura e Urbanismo e sua interface com o Fordismo e a Acumulação Flexível. Dos Planos de Paris, Chicago e Barcelona do século XIX, passando pelas contribuições da Bauhaus, Gropius, de Le Corbusier, de Frank Llyod Wright, dos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna até as intervenções dos Jogos Olímpicos de 1992 em Barcelona, o Museu Guggenheim em Bilbao, as obra de Ricardo Bofill, Kevin Lynch, Aldo Rossi, Jane Jacobs e Robert Venturi, o trabalho expõe como a Arquitetura e o Urbanismo foram subjugados pelas relações capitalistas, sendo a elas subservientes, construindo as paredes de sua hegemonia e consolidando o não protagonismo do espaço vazio na produção arquitetônica/urbanística. PALAVRAS-CHAVE: Arquitetura e urbanismo modernista. Arquitetura e urbanismo pós-modernista. Fordismo. Acumulação flexível. Sociedade urbana (Léfèbvre). Hegemonia capitalista. ABSTRACT This part of the research work initiated by Lefebvre on urban society and its triad form, function and urban structure, comprising the production of architectural and urban modernity and postmodernity (nineteenth and twentieth century) as its physical-spatial expression. So that is performed a critical review of Theory and History of Architecture and Urbanism as reflective practice, covering respectively the two analytical on Architecture and Urbanism and its interface with Fordism and flexible accumulation. Plans Paris, Chicago and Barcelona nineteenth century, through the contributions of the Bauhaus, Gropius, Le Corbusier, Wright, of the International Congresses of Modern Architecture to the paradigmatic interventions of the 1992 Olympic Games in Barcelona, Guggheim Museum in Bilbao, the work of Ricardo Bofill, Lynch, Rossi, Jacobs, Venturi, the work explains how the Architecture and Urbanism were subjugated by capitalist relations, being subservient to them, building the walls of her hegemony, not consolidating the role the empty space in architectural production / urban. KEYWORDS: Architecture and urban modernist. Architecture and urban planning post-modernist. Fordism. Flexible combination. Urban society (Léfèbvre). Capitalist hegemony. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 10 2 CONSTRUINDO O QUADRO TEÓRICO DA QUESTÃO 16 2.1 O QUE DIZ LÉFÈBVRE: AS TRANSFORMAÇÕES NA FUNÇÃO, FORMA E ESTRUTURA URBANA 16 2.2 O QUE DIZ HARVEY: O URBANISMO SERVE PARA ESTABILIZAR UM MODO DE PRODUÇÃO EIXO 1 22 ________________________________________________________________ 27 3 ARQUITETURA E URBANISMO MODERNISTAS COMO EXPRESSÃO FÍSICO-ESPACIAL DO FORDISMO 28 3.1 A NOVA RACIONALIDADE: QUANDO A REFLEXÃO URBANÍSTICA MATERIALIZA A DOMINAÇÃO NA CIDADE 3.2 29 A REFLEXÃO URBANÍSTICA E A FORMAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DA ARQUITETURA E URBANISMO MODERNOS 31 3.2.1 Paris, Barcelona, Cidade-jardim e Chicago: as origens da urbanística moderna 32 3.2.2 As experiências urbanísticas de 1890 a 1914 43 3.3 A ORIGEM DA URBANÍSTICA MODERNA JÁ É SUBVERSIVA AO CAPITAL 44 3.4 O MOVIMENTO MODERNO, O URBANISMO MODERNISTA E O FORDISMO 47 3.4.1 A Bauhaus e os Princípios da Arquitetura e Urbanismo Modernos 52 3.4.2 A Urbanística de Le Corbusier, de Wright e dos CIAMs 54 3.5 66 ARQUITETURA E URBANISMO MODERNISTAS: ALGUNS ARGUMENTOS EIXO 2 ________________________________________________________________ 71 4 ARQUITETURA E URBANISMO PÓS-MODERNOS COMO EXPRESSAO DA ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL 72 4.1 DA DINAMITAÇÃO DO PROJETO RESIDENCIAL PRUITT–IGOE À TEORIA DA ARQUITETURA E URBANISMO PÓS-MODERNOS: ROBERT VENTURI, JANE JACOBS, KEVIN LYNCH, ALDO ROSSI E RICARDO BOFILL 75 4.2 A INTERVENÇÃO DE BARCELONA PARA AS OLIMPÍADAS DE 1992 83 4.3 BILBAO E O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DA CIDADE 86 4.4 ARQUITETURA E URBANISMO PÓS-MODERNOS E A ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL: ALGUNS ARGUMENTOS 90 5 CONCLUSÃO 97 5.1 AS PAREDES DA HEGEMONIA CAPITALISTA 100 6 REFERÊNCIAS 114 10 1. INTRODUÇÃO A Arquitetura e o Urbanismo são, para mim, apaixonantes. No entanto, desde que optei por essa formação profissional realizo uma luta silenciosa contra a sua elitização. Por esta razão, nas entrelinhas desse trabalho existe o desejo de contribuir para uma sociedade melhor, mais humana e menos desigual. O tema da desigualdade sempre esteve presente na minha vida acadêmica. Na monografia da graduação de Arquitetura e Urbanismo, realizei uma análise pós-ocupacional em dois conjuntos habitacionais da cidade do Recife sobre a apropriação espacial de seus moradores. De cunho qualitativo, posso dizer que tal trabalho de graduação – iniciado num estágio na Diretoria de Habitação da Prefeitura do Recife – deixou-me uma questão particular; isto é, construí um juízo de valor no que concerne à Arquitetura e ao Urbanismo implementados pela Política Habitacional Brasileira. Percebi que mais do que a casa, a população de baixa renda luta para ser reconhecida como sujeito social e político, luta para reduzir a desigualdade. Posso dizer que o estágio e a graduação ajudaram-me a ser um novo sujeito do conhecimento e, ao mesmo tempo, comecei a perceber a produção arquitetônica e urbanística como objeto de estudo. Na especialização, realizada no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ), percorrendo o tema da habitação continuei, nas entrelinhas do meu trabalho intitulado “Intervenções Urbanísticas para a População de Baixa Renda: Ampliação do Direito à Cidade ou Reprodução da Espoliação Urbana?”, a me empenhar contra a desigualdade e a favor da justiça social, no que diz respeito ao acesso à Cidade. Comecei a assumir uma postura analítica marxista e passei a compreender melhor o meu objeto de estudo, reconhecendo nele novas possibilidades a serem perseguidas. Tornei-me outro sujeito do conhecimento e meu objeto de estudo, por sua vez, mais complexificado. Por isso, o trabalho proposto vem de um longo caminho perseguido através da temática da habitação de baixa renda, mas que, em seu cerne, tem algo de secreto e principal: questionar a produção arquitetônica e urbanística como solução para a crise urbana vivenciada nas cidades. Sabe-se que o espaço urbano das cidades do século XXI caracteriza-se pela precariedade, pela informalidade, pelo aumento da criminalidade. A má distribuição de renda, a extrema pauperização, a degradação ambiental, além, é claro do papel da financeirização da economia, da derrocada do socialismo, da revolução tecnológica bem como dos novos modos de gestão e regulação do trabalho, com a precarização do emprego e ampliação das desigualdades, tanto nos países 11 periféricos, como principalmente nos países centrais; são, todos esses, fatores determinantes para a configuração da crise urbana que se espraia nas cidades. Esclarecer e definir essa crise não é uma tarefa fácil e muito se tem tentado no que diz respeito aos interesses acadêmicos, teóricos, econômicos e sociais. No entanto, é quase consensual que, frente a esse cenário, intervenções arquitetônicas e urbanísticas são implementadas nas cidades de maneira que a produção arquitetônica e urbanística da sociedade urbana surge como uma resposta à tal crise, buscando dar conta de forma adequada aos problemas urbanísticos, de saneamento ambiental e habitacionais, além dos conflitos sócio-espacais presentes nas cidades. É claro que a produção arquitetônica e urbanística teve e continua a ter um papel de destaque nas cidades. Como se sabe, a literatura acadêmica destaca a Arquitetura e o Urbanismo modernistas também como responsáveis por darem ordem à desordem da urbe. E, no final do século XX e nas primeiras décadas do século XXI, essa mesma literatura apresenta a incredulidade desse metadiscurso moderno e coloca a Arquitetura e Urbanismo pós-modernos como os paradigmas formais ideais frente à problemática vivida nas cidades do século XXI. Assim, da passagem da urbanística moderna, racionalista, funcionalista e missionária (como por exemplo, a produção arquitetônica de Le Corbusier, de Walter Gropius e de Ebenezer Howard) para a Arquitetura e Urbanismo pós-modernos, do simulacro, da diferença, da não-funcionalidade, do não-comprometimento, da não-razão, do êxtase e do prazer (como as obras de Ricardo Bofill, Frank Guehry, os planos estratégicos de Borja e outros), vai se confirmando a produção arquitetônica e urbanística como expressão da solução à crise urbana das cidades, pois é pelo diagnóstico da crise que se legitimam as políticas, os planos, os programas e os projetos a serem implementados. Todavia a História da Arquitetura e Urbanismo é, antes de tudo, a história das concepções espaciais. Esta é a definição de Zevi (1996) em sua clássica obra “Saber ver Arquitetura”. Nesta obra, o autor alerta que a maioria das abordagens teóricas sobre a Arquitetura e Urbanismo é dominada pela ótica da estética, incutindo uma compreensão fragmentada da teoria e história da Arquitetura e do Urbanismo. Fragmentada por que? Porque ora se aborda a Arquitetura e o Urbanismo pela interpretação política (diz respeito às causas das correntes arquitetônicas ou ao simbolismo dos estilos), pela interpretação filosófica-religiosa (a respeito dos fenômenos históricos que envolvem a cultura arquitetônica e simbolismo), pela interpretação científica (sublinha o paralelismo entre as concepções matemáticas e geométricas e o pensamento arquitetônico/urbanístico), ora pela interpretação materialista (onde a morfologia arquitetônica se explica através das condições geográficas e geológicas 12 dos lugares onde surgem os monumentos), pela interpretação econômico-social (destaca a arquitetura como autobiografia do sistema econômico e das instituições sociais), pela interpretação técnica (discorre sobre a história da construção colocando que as formas arquitetônicas e urbanísticas seriam determinadas pela técnica construtiva), pela interpretação fisiopsicológica (genéricas evocações literárias de “estado de espírito” produzidas pelos “estilos” arquitetônicos) ou ainda pela interpretação formalística (as estéticas tradicionais enumeram uma monotonia através de leis, qualidade e regras que a composição arquitetônica deve responder com a unidade, o contraste, a simetria e o equilíbrio estético). No entanto, segundo o autor, deve-se abordá-los por uma interpretação espacial, a qual não exclui as anteriores e nem as coloca como erradas, mas se constitui no atributo fundamental para uma abordagem integrada da Arquitetura e Urbanismo. Na história da Arquitetura e Urbanismo como a história das concepções espaciais, o espaço vazio surge como seu protagonista, uma vez que é a partir dele que o volume, a plasticidade e o desenho de uma rua, por exemplo, são definidos. Tal história, ainda segundo Zevi, conduz também ao conteúdo da Arquitetura, definido pelo autor, como conteúdo social. Nas fotografias não há nenhum conteúdo, mas, na realidade da imaginação arquitetônica e na realidade dos edifícios, existe o conteúdo: são os homens que vivem os espaços, são as ações que neles se exteriorizam, é a vida física, psicológica, espiritual que decorre neles. O conteúdo da Arquitetura é o seu conteúdo social (ZEVI, 1996, p.189). No entanto, esse conteúdo é ignorado nos métodos de representação das concepções espaciais - as plantas, os cortes e elevações e as perspectivas; - além, é claro, de ser parcialmente abordado nas interpretações citadas. Este estudioso então afirma existir uma ignorância sobre como ver a Arquitetura e o Urbanismo concluindo ser urgente uma nova história para a Arquitetura e Urbanismo; uma história apoiada na interpretação espacial que proporcione, de fato, “Saber ver a Arquitetura”, rompendo com a tradicional abordagem estética. Léfèbvre (1999), filósofo e sociólogo francês, reitera a necessidade de saber ver a Arquitetura e Urbanismo ao estudar a sociedade urbana em sua clássica obra a “Revolução Urbana” sublinhando as relações de produção. Para ele, a sociedade urbana é a que nasce da industrialização e a sucede, passando por um processo histórico de implosão-explosão da cidade, onde a realidade urbana se estilhaça e se fragmenta impondo a problemática urbana à escala mundial 1 . Confirma-se assim a crise urbana. De acordo com Léfèbvre (1999), a aceleração do crescimento das forças produtivas a partir da revolução industrial provocou na cidade um processo de “implosão-explosão” (metáfora tomada da física nuclear), ou seja, a enorme concentração (de pessoas, de atividades, de 1 13 A partir da hipótese da urbanização completa da sociedade, Léfèbvre analisa o caminho percorrido pelo fenômeno urbano do zero da urbanização até chegar à sociedade urbana (o seu máximo), num processo onde explodem as antigas formas urbanas, e conclui que: cabe ao analista descrever e discernir os tipos de urbanização e dizer no que se tornaram as formas, as funções, as estruturas urbanas transformadas pela explosão da cidade antiga e pela urbanização generalizada (LÉFÈBVRE, 1999., p.29). Em outras palavras, ao se estudar o percurso do fenômeno urbano sem esquecer as relações de produção e as questões de crescimento e de industrialização na cidade, a problemática urbana se impõe, re-significando as formas, as funções e as estruturas urbanas. Pode-se dizer que o autor sugere ao analista, então, estudar o que se tornou a Arquitetura e Urbanismo frente à problemática urbana. Cabe ressaltar que Léfèbvre, ao sublinhar as relações de produção na análise da forma, função e estrutura urbana, não se limita apenas à interpretação econômica-social exposta por Zevi, pois desta maneira seria novamente uma abordagem fragmentada da Arquitetura e Urbanismo. Pelo contrário, o filósofo argumenta que o “espaço e a política do espaço exprimem as (relações de produção) relações sociais, mas reagem sobre elas” (LÉFÈBVRE, 1999, p.27), confirmando a abordagem integrada do fenômeno urbano. Forma, função e estrutura urbana não são neutros, não traduzem apenas a estética. Como foi dito, a sociedade urbana é aquela que nasce da industrialização, potência dominante e coativa que se converte em realidade dominada, de maneira que aquilo que era induzido (a urbanização) se torna dominante e indutor, impondo a problemática urbana à escala mundial. O autor localiza, então, a sociedade urbana a partir da Cidade Industrial. Nesse sentido, a produção arquitetônica e urbanística da modernidade e da pós-modernidade pode, então, ser compreendida como expressão da formas, funções e estruturas urbanas da sociedade urbana de Léfèbvre. Por sua vez, é também nessa sociedade que nasce o conflito entre a burguesia e o proletariado, entre o capital e o trabalho, onde se produzem e se reproduzem as relações capitalistas e, como dito, a problemática urbana se impõe à escala mundial, conformando-se a realidade de crise nesta sociedade. Seguindo esse raciocínio, a presente dissertação apresenta a seguinte questão: partindo da sugestão de Léfèbvre quanto ao estudo da forma, função e estrutura urbana da sociedade urbana, qual o verdadeiro papel da produção arquitetônica e urbanística da modernidade e da pós-modernidade frente à problemática urbana vivenciada nas cidades, considerando-a expressão dessa tríade de Léfèbvre? riquezas, de coisas e de objetos, de instrumentos, de meios e de pensamento) na realidade urbana, e a imensa explosão, a projeção de fragmentos múltiplos e disjuntos (periferias, subúrbios, residências secundárias, satélites etc) (Ibid, p.26). 14 Construída dessa forma, a questão proposta se insere numa perspectiva histórico-marxista e está no cerne dos estudos sobre as concepções teóricas e os processos sócio-espacial, urbano e arquitetônico na formação do ambiente construído, tratando-se, pois, de uma questão de Teoria e de História da Arquitetura e Urbanismo sob uma ótica marxista. Nesse sentido, o objetivo geral do trabalho é realizar uma recuperação crítica da Teoria e da História da Arquitetura e Urbanismo Modernos e Pósmodernos, destacando como a produção arquitetônica e urbanística da sociedade urbana se tornou subserviente à ordem capitalista. Em, “Construindo o quadro teórico da questão” , no capitulo 1, é exposto o referencial teórico do trabalho, baseado no “o que diz Léfèbvre” sobre a produção do espaço, no “o que diz Harvey” acerca do Urbanismo e das relações de produção. E, constituindo-se o método do trabalho para responder a questão proposta, dois eixos analíticos são percorridos: • O eixo analítico 1 trata da Arquitetura e Urbanismo Modernista e compõe todo o capítulo 2 do trabalho, onde se percorrem a origem da urbanística moderna, os modelos de urbanização do final do século XIX, a Escola da Bauhaus, o surgimento do movimento moderno na arquitetura e no urbanismo, as obras de Le Corbusier, Gropius, Wright e as propostas do Urbanismo Racionalista dos CIAM (Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna), chegando-se, então, à crise do Modernismo na Arquitetura e no Urbanismo, por volta da década de 1970. O percurso realizado por este eixo analítico é orientado pelas seguintes questões: à luz da contribuição de Léfèbvre quanto ao não-esquecimento das relações de produção na análise da forma, função e estrutura urbana, qual seria o papel da produção arquitetônica e urbanística moderna na consolidação das relações capitalistas? Teria o ideário arquitetônico/urbanístico moderno se prestado à manutenção das relações capitalistas? • O eixo analítico 2 trata da Arquitetura e Urbanismo Pós-modernos e compõe todo o Capítulo 3 do trabalho, percorrendo a crise da Arquitetura moderna e a dinamitação do Projeto Residencial Pruitt–Igoe, a obra dos arquitetos Robert Venturi, Ricardo Bofill, bem como as obras de Jane Jacobs, Aldo Rossi e Kevin Lynch e os projetos de renovação urbana como as Olimpíadas de Barcelona e da cidade de Bilbao. Nesse sentido, tal eixo é orientado pelas seguintes questões: Qual o papel desempenhado pela forma, função e estrutura urbana na reestruturação capitalista do final do século XX? A produção arquitetônica/urbanística da Pós-modernidade ainda tem o espaço vazio como seu protagonista? Quem, de fato é o protagonista da Arquitetura e Urbanismo do século XXI? 15 Arquitetura e Urbanismo Modernos como expressão do Fordismo Arquitetura e Urbanismo Pós- Modernos como expressão da Acumulação Flexível EIXO 1. EIXO 2. Qual o papel da produção arquitetônica e urbanística frente à problemática urbana da sociedade urbana? Ilustração 01 - Desenho esquemático do método trabalho, construído pelo autor. Fonte: acervo do autor. O percurso por esses dois eixos analíticos direciona-se à “Conclusão” do trabalho, a qual retoma a questão central e, numa perspectiva histórico materialista, aponta o que realmente está por trás da produção arquitetônica e urbanística da modernidade e da pós-modernidade. E, longe de se colocar um ponto final neste debate, as considerações finais apontam novas possibilidades de investigação, construindo um novo objeto de estudo agora mais complexificado, porém também mais compreendido por esse pesquisador. A abordagem histórica-estrutural aqui proposta sugere um outro olhar para a Arquitetura e Urbanismo, e pretende direcionar-me a novos caminhos a serem percorridos na continuação da minha vida acadêmica no doutorado, onde, baseado nas conclusões deste trabalho, sugiro a perspectiva de se repensar a produção habitacional para a população de baixa renda, levantando a hipótese da constituição de um ideário arquitetônico/urbanístico para a pobreza. Assim, o trabalho aqui proposto objetiva melhor compreender o processo histórico da produção arquitetônica e urbanística da modernidade e da pós-modernidade na sociedade urbana, servindo de referência para um futuro objeto empírico de estudo no doutorado: a Política Habitacional Brasileira e uma concepção hegemônica de arquitetura para pobres. Por fim, é importante registrar que sendo uma questão inserida no cerne dos estudos sobre a Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo (tendo em vista a minha formação), reconheço a grande contribuição do IPPUR ao proporcionar ao trabalho uma perspectiva marxista, onde, no limite, problematizo e apresento a Arquitetura e o Urbanismo como subverservientes às relações de produção capitalista. Sem as aulas do IPPUR, esse olhar seria praticamente impossível. 16 2. CONSTRUINDO O QUADRO TEÓRICO DA QUESTÃO. Léfèbvre é um dos autores clássicos que abordam a Arquitetura e o Urbanismo como ideológicos. Para ele, a produção do espaço é carregada de intencionalidades, o espaço é político, ideológico e estratégico (não é neutro). Além disso, o autor sustenta a tese de que, desde a sua origem enquanto prática reflexiva, o Urbanismo serve para produzir e reproduzir relações de poder e dominação. Nesse sentido, uma melhor compreensão da crítica de Léfèbvre ao Urbanismo se constitui referencial teórico deste trabalho, pois fortalece o objetivo central proposto: investigar qual o papel da produção arquitetônica e urbanística da modernidade e da pós-modernidade frente à problemática urbana vivenciada nas cidades. O referencial teórico do trabalho também busca sustento em Harvey (1980). Enquanto Léfèbvre (2001) vai apontar a forma, a função e a estrutura urbana como reprodutoras e produtoras da dominação; o segundo autor vai colocar o Urbanismo como estabilizador de um modo de produção. Dessa forma, o quadro teórico do trabalho procura colocar a Arquitetura e Urbanismo como produção e reprodução das relações de poder, constituindo assim o pressuposto do trabalho. 2.1. O QUE DIZ LÉFÈBVRE: FORMA, FUNÇÃO E ESTRUTURA URBANA, COMO A PRODUÇÃO DO ESPAÇO É IDEOLÓGICA. Em sua obra “A Revolução Urbana”, Léfèbvre parte de uma hipótese, a urbanização completa da sociedade. Hipótese essa que implica numa definição, a sociedade urbana, “aquela que nasce da industrialização e a sucede” (LÉFÈBVRE, 1999, p.16); hoje, virtual, amanhã, real. Tal hipótese está dentro de uma visão de mundo (epistemologia), e, por conseguinte dentro de uma metodologia; onde, ao se constituir a hipótese, se constitui o objeto de estudo: objeto e hipótese se fazem imbricados. O objeto de estudo, assim como a hipótese, é também virtual, não é a realidade, a totalidade, mas é um objeto que, - ao lado dos procedimentos como a dedução e a indução e principalmente a transdução (reflexão sobre o objeto possível) -, se tornam possíveis. Em paralelo a esse conceito de sociedade urbana, como a que nasce da industrialização e a sucede, o autor utiliza as palavras “revolução urbana” para designar... o conjunto das transformações que a sociedade contemporânea atravessa para passar do período em que predominam as questões de crescimento e da industrialização ao período no qual a problemática urbana prevalecerá, em que a busca das soluções e das modalidades próprias à sociedade urbana passará ao primeiro plano (LÉFÈBVRE, 1999, p.16). 17 Para melhor compreender essa sociedade urbana, atravessada pela revolução urbana, o autor propõe uma análise do fenômeno urbano, partindo da ausência de urbanização (a pura natureza, topologia), o 0%, chegando-se a sua hipótese inicial, a urbanização completa da sociedade, o 100%. Ilustração 02 - Desenho esquemático do eixo espaço-temporal percorrido pelo fenômeno urbano. Fonte: Léfèbvre, 1999. Colocando algumas balizas nesse percurso do fenômeno urbano, Léfèbvre (op.cit.) identifica que os primeiros grupos humanos marcaram e nomearam o espaço, balizando-o, e depois, os camponeses, sem perturbar tal balizamento, aperfeiçoaram esse espaço; de maneira que “a representação segundo a qual o campo cultivado, a aldeia e a civilização camponesa teriam lentamente secretado a realidade urbana, corresponde a uma ideologia” (LÉFÈBVRE, 1999, p.20). Em outras palavras, o autor coloca que a leitura linear “campo – aldeia – civilização camponesa – realidade urbana” se traduz num evolucionismo e num continuísmo histórico, num pensamento lógico ideológico. Como a agricultura somente superou a coleta “sob o impulso de alguns centros urbanos que se tornaram protetores, exploradores e opressores, isto é, administradores, fundadores de um Estado ou de um esboço de Estado” (LÉFÈBVRE, 1999, p.21); a leitura linear, campo – aldeia – cidade, não é verdadeira, uma vez que “a cidade política acompanha ou segue de perto o estabelecimento de uma vida social organizada, da agricultura e da aldeia” 2 (LÉFÈBVRE, 1999, p.21). Arriscando em colocar perto da origem do eixo espaço–temporal percorrido pelo fenômeno urbano, a Cidade Política, para o autor, já se sinaliza perto do zero da urbanização. Marcada pela presença dos sacerdotes, príncipes, nobres, guerreiros, chefes militares, administradores e escribas, ela é inteiramente ordem, ordenança e poder; tudo isso mediante a escrita 3 , os documentos, as taxas de impostos, os laços sociais; reinando sobre um determinado número de aldeias, tendo a propriedade do solo (símbolo de poder) como propriedade eminente do monarca. Presentes na Cidade Política, a 2 LÉFÈBVRE (op.cit.) ressalta que tal caminho do fenômeno urbano não se traduz em verdade absoluta, pois talvez, em muitos espaços onde se predominou um seminomadismo e uma miserável agricultura, como as cidades africanas tal caminho metodológico não é observado. O autor parece situar sua investigação no fenômeno urbano nas cidades ocidentais. 3 É importante ressaltar que o autor não coloca o espaço como característica da Cidade Política, e sim a escrita como meio de garantia da ordem. 18 troca e o comércio passam a aumentar, deixando de ser heterotopias fora da cidade para assumirem uma função. Os comerciantes e os faubourgs começam a se integrar lentamente. A troca e o comércio, indispensáveis à sobrevivência como à vida, suscitam a riqueza, o movimento. A cidade política resiste com toda a sua força, com toda a sua coesão; ela sentese, sabe-se ameaçada pelo mercado, pela mercadoria, pelos comerciantes, por sua forma de propriedade (a propriedade mobiliária, movente por definição: o dinheiro) [...]Em verdade, é apenas no Ocidente europeu, no final da Idade Média, que a mercadoria, o mercado e os mercadores penetram triunfalmente na cidade (LÉFÈBVRE, 1999, p.22). Na hipótese do autor, é a troca que estava fora da Cidade Política, considerada como nãocidade, que vai toma-la de assalto. A troca vai “se espacializando”, penetrando na cidade. A praça do mercado, então, torna-se central, revestida de signos, de forma que a Cidade Política passa a assumir a imagem da Cidade Comercial. ... a praça do mercado torna-se central. Ela sucede, suplanta, a praça da reunião (a ágora, o fórum). Em torno do mercado, tornado essencial, agrupam-se a igreja e a prefeitura (ocupada por uma oligarquia de mercadores), com sua torre ou seu campanário, símbolo de liberdade. Deve-se notar que a arquitetura segue e traduz a nova concepção da cidade. O espaço urbano torna-se o lugar do encontro das coisas e das pessoas, da troca. Ele se ornamenta dos signos dessa liberdade conquistada, que parece a Liberdade. Luta grandiosa e irrisória (LÉFÈBVRE, 1999, p.22). O espaço urbano se ornamenta de signos e a arquitetura passa a traduzir a nova concepção de cidade através de novas formas urbanas: a Cidade Comercial com a centralidade da praça do mercado, com o surgimento das novas formas (torres e campanários) e da nova estrutura espacial da praça do mercado; de maneira que “[...] a troca comercial torna-se função urbana; essa função fez surgir uma forma (ou formas: arquiteturais e/ou urbanísticas) e, em decorrência, uma nova estrutura do espaço urbano” (LÉFÈBVRE, 1999, p.23). Através da tríade forma, função e estrutura, uma nova concepção de cidade surge: a Cidade Comercial se torna símbolo da nova etapa do percurso do fenômeno urbano. A Arquitetura e o Urbanismo, ao seguirem e traduzirem essa nova concepção de cidade, parecem servir às novas relações de poder, à nova ordem imposta pela Cidade Comercial. A troca que estava fora da cidade, que era a anticidade, se fez Cidade com o auxílio do espaço, principalmente do espaço da praça do mercado. Observa-se que a troca desestabiliza as relações sociais da Cidade Política e passa a ser vista como uma forma de se libertar do domínio dos senhores feudais. O espaço urbano ao se ornamentar para essa troca, através do surgimento da praça do mercado, com a Igreja e a prefeitura ocupada pelos mercadores, assume intencionalidades. O espaço urbano passa a ser um meio necessário para a nova ordem da Cidade Comercial. Ressalta-se, diante do exposto, que mesmo com o destaque dado ao espaço urbano, o campo ainda conferia primazia sobre a cidade nesse momento. A riqueza imobiliária, as pessoas possuidoras 19 de feudos e revestidas de nobreza ganhavam a produção advinda do solo, no entanto as pessoas percebiam que podiam não mais produzir para os senhores feudais, mas a produzir para o mercado, como possibilidade de liberdade. Assim, a sociedade passa a não mais coincidir com o campo, surge entre o humano e a natureza, a realidade urbana; e nessa iminência da inversão de primazia, a cidade ganha sua própria escrita: Durante esse período, entretanto, nasce a imagem da cidade. A cidade já detinha a escrita; possuía seus segredos e poderes. Ela já opunha a urbanidade (ilustrada) à rusticidade (ingênua e brutal). A partir de um determinado momento, ela tem sua própria escrita: o plano. Não entendamos por isso a planificação — ainda que ela também se esboce — mas a planimetria (LÉFÈBVRE, 1999, p.24). O plano, a escrita da Cidade, se caracteriza então, como um olhar ao mesmo tempo ideal e realista – do pensamento, do poder -, situa-se na dimensão vertical, a do conhecimento e da razão, para dominar e constituir uma totalidade: a cidade. A imagem da Cidade parece ser um novo elemento para reforçar as novas relações de poder estabelecidas pela troca da Cidade Comercial. Ela será decisiva para o estabelecimento da burguesia nascente em detrimento da aristocracia decadente; os laços sociais vão sendo quebrados e outras relações estabelecidas, muitas delas estabelecidas pelo plano da cidade. O momento da inflexão da realidade social para o urbano marca a mediana do caminho percorrido pelo fenômeno urbano. E tal inversão não pode ser dissociada do crescimento do Capital Comercial reconhecido nas indústrias que se iniciavam. A Cidade Comercial, - assim como a Cidade Política se defendeu da troca e da sua propriedade, o dinheiro -, se defendeu como pode da indústria. Esta se implantou primeiramente fora da cidade, próxima às fontes de energia, das matérias-primas, mas ao passar do tempo, foi se aproximando da Cidade Comercial em busca de mão-de-obra mais barata, da proximidade dos capitalistas. A Cidade Comercial se defendeu da indústria nascente, do capital industrial e do capitalismo pelo corporativismo, pela imobilização das relações. Contudo, a indústria que estava fora da cidade, que era a anti-cidade vai conquistar a cidade, penetrá-la, fazendo dela a sua imagem, a Cidade Comercial vai se tornar a Cidade industrial. Léfèbvre (Op. cit.) mais uma vez se posiciona contra o continuísmo e o evolucionismo histórico, e coloca um outro olhar sobre a inflexão agráriourbano, olhar dialético e não linear. 20 Ilustração 03 - Esquema do eixo do fenômeno urbano de Léfèbvre. Fonte: Léfèbvre, 1999. No movimento ascendente da Cidade Industrial, a industrialização, para o autor, vai caracterizar a sociedade moderna. O processo de industrialização vai ser o indutor da urbanização e da problemática do urbano, onde “se pode contar entre os induzidos os problemas relativos ao crescimento e à planificação, as questões referentes à cidade e ao desenvolvimento da realidade urbana” (LÉFÈBVRE, 2004, p.03). É assim, no caminho percorrido pelo fenômeno urbano, que a realidade urbana é transformada pela industrialização e ao mesmo tempo amplificada e estilhaçada, ela perde os traços da época anterior e se reveste de signos e sinais no urbano para reforçarem a nova ordem. Nesse movimento, a realidade urbana, ao mesmo tempo amplificada e estilhaçada, perde os traços que a época anterior lhe atribula: totalidade orgânica, sentido de pertencer, imagem enaltecedora, espaço demarcado e dominado pelos esplendores monumentais. Ela se povoa com os signos do urbano na dissolução da urbanidade; torna-se estipulação, ordem repressiva, inscrição por sinais, códigos sumários de circulação (percursos) e de referência (LÉFÈBVRE, 1999, p.26). A sociedade moderna, assim, tem a sua frente um duplo processo: industrialização e urbanização. O processo da Industrialização, que assaltou a Cidade Comercial e a torna Cidade Industrial, anuncia a zona crítica do caminho do fenômeno urbano, isto é, o momento de implosãoexplosão da Cidade. O processo da urbanização, por sua vez, coloca em cena a reflexão urbanística, o Urbanismo reflexivo frente à problemática urbana que se destacava. Esse duplo processo, então, vai caracterizar a implosão-explosão da cidade (metáfora emprestada pela física nuclear), onde a realidade urbana da cidade Industrial passa a ser marcada por signos do urbano, códigos espaciais, uma ordem repressiva inscrita e reforçada pelos percursos; em síntese, pelo Urbanismo. O crescimento da produção industrial se superpõe ao crescimento das trocas comerciais, multiplicando-as, do escambo ao mercado mundial, concentrando pessoas, atividades, riquezas, instrumentos, meios e pensamentos, e fragmentando a realidade urbana, em periferias, subúrbios, residências secundárias, etc (Léfèbvre, 1999; 2004). É assim que aquilo que era induzido (a urbanização) se torna indutor, e a problemática urbana se impõe. 21 A problemática urbana impõe-se à escala mundial. Pode-se definir a realidade urbana como uma "superestrutura", na superfície da estrutura econômica, capitalista ou socialista? Como um simples resultado do crescimento e das forças produtivas? Como uma modesta realidade, marginal em relação à produção? Não! A realidade urbana modifica as relações de produção, sem, aliás, ser suficiente para transformá-las. Ela torna-se força produtiva, como a ciência. O espaço e a política do espaço "exprimem" as relações sociais, mas reagem sobre elas. Bem entendido, se há uma realidade urbana que se afirma e se confirma como dominante, isso só se dá através da problemática urbana (LÉFÈBVRE, 1999, p.27). Diante do exposto, o autor baliza no eixo do fenômeno urbano em direção à sociedade urbana, a zona crítica, caracterizada por uma segunda inflexão, uma segunda inversão de sentido e de situação: a industrialização, potência dominante e coativa, converte-se em realidade dominada, e a problemática urbana se torna dominante sem, contudo, o urbano se definir como realidade acabada, como situação dada. É assim que o objeto virtual, o urbano, se constitui como o objeto possível diante da realidade urbana. Nessa realidade urbana, o espaço e a política do espaço exprimem as relações sociais, ou seja, o espaço não é neutro, e a produção do espaço é estratégica e carregada de intencionalidades, como dito anteriormente. Para o autor, as formas espaciais dizem algo, as funções urbanas falam algo, as estruturas urbanas expõe algo: estratégias, intenções. O autor parece sugerir as formas, as funções e as estruturas urbanas transformadas pela explosão da cidade antiga e pela urbanização generalizada como formas, funções e estruturas urbanas subordinadas e subservientes às relações de poder e de dominação. Ele argumenta essas afirmações através do pensamento dialético, onde a anticidade assalta a cidade; por exemplo, a troca e o comércio estavam fora da Cidade Política, a Cidade Comercial era considerada como não-cidade. No entanto, as práticas de troca e do comércio crescem, a praça do mercado ganha destaque, as pessoas passam a ver na troca que se desenrola no espaço público da praça, uma possibilidade de liberdade dos laços de serventia dos senhores feudais; a troca começa a assumir uma função urbana, como bem observou o Léfèbvre (Op. cit.). Nesse processo, é importante destacar o surgimento do espaço público, pois o espaço na Cidade Política era o espaço da comuna, e agora, a praça do mercado se torna central; é o espaço público, onde os homens se percebem livres para realizar a troca. O espaço público da praça do mercado é uma nova forma, uma nova estrutura urbana da Cidade Comercial; é assim que a nãocidade (Cidade Comercial) assalta a cidade (Cidade Política) fazendo dela a sua imagem, pelas transformações na forma, função e estrutura urbana. Outro exemplo desse processo dialético do Léfèbvre (Op. cit.) é o assalto da Cidade Industrial transformando a Cidade Comercial em sua imagem. Segundo o autor, a indústria também estava fora da Cidade, a produção industrial e toda a sua espacialidade estavam fora da Cidade Comercial, primeiramente. As indústrias se situavam próximo às áreas de maior concentração de matéria-prima. 22 No entanto, a busca por mão-de-obra, a necessidade de proximidade aos capitalistas, fez a indústria penetrar na Cidade Comercial, de maneira que, a anticidade (Cidade Industrial) tomou a cidade (Cidade Comercial). É importante destacar nesse processo, a espacialização da produção industrial, a qual recolhe a matéria-prima das fontes naturais, leva à fábrica, ao processo produtivo, e gera o produto, a mercadoria que precisa circular. É através da circulação do excedente, que o espaço da praça do mercado vai perdendo a sua centralidade, dando destaque ao espaço adjacente às indústrias, e aos espaços que geram mais lucros. Na análise de Léfèbvre fica claro o porquê da crítica ao evolucionismo e ao continuísmo histórico que compreendem uma visão linear da passagem “campo–aldeia-civilização camponesaurbano”. Para o autor, o evolucionismo e o continuísmo histórico escamoteam as relações de poder e dominação trazidas através da produção do espaço pelas transformações na forma, função e estrutura urbana. Em síntese, foi pela espacialização da anticidade através das transformações na tríade de Léfèbvre que se estabeleceram as relações de poder da nova ordem da cidade. Foi por meio das transformações na forma, função e estrutura urbana que a não-cidade assalta a cidade. Forma, função e estrutura urbana para Léfèbvre (Op. cit.) não são neutras e imparciais, são carregadas de intencionalidades e estratégias e, no limite, são responsáveis por produzir e reproduzir as relações de poder, podendo ser partes integrantes de um projeto hegemônico capitalista. É assim que o Urbanismo para Léfèbvre é ideológico. E isso é pressuposto desse trabalho: a Arquitetura e o Urbanismo são carregados de significados nas suas formas físico-espaciais, e, confirma-se a produção do espaço do espaço como carregada de intencionalidades. 2.2. O QUE DIZ HARVEY: O URBANISMO SERVE PARA ESTABILIZAR UM MODO DE PRODUÇÃO. Dialogando com Léfèbvre (1999,2004), Harvey (1980) em sua célebre obra “A justiça Social e a Cidade” alerta que o Urbanismo é um fenômeno que pode ser estudado por diversas posições ideológicas e em diferentes contextos, e uma teoria geral poderia encerrar prematuramente uma série de fenômenos urbanos, ricos em complexidades e ambigüidades. O autor toma como pressuposto que ... o Urbanismo pode ser encarado como uma forma particular ou padronizada do processo social. Esse processo desenvolve-se num meio espacial estruturado, criado pelo homem. A cidade pode, por isso, ser olhada como um ambiente tangível construído – um ambiente que é um produto social (HARVEY, 1980, p.168). Esse pressuposto, o qual aborda a cidade como ambiente construído e produto social, se torna fundamental para o referencial teórico deste trabalho, pois buscar-se-á demonstrar que o autor ao falar 23 desse ambiente construído (cidade) está falando também de suas formas físico-espaciais, e principalmente de sua Arquitetura e Urbanismo. Além desse pressuposto, o autor também considera que as cidades se formam através da concentração geográfica de um produto social excedente, relacionando as características de um modo de produção com a produção do espaço. Consideração também fundamental para a questão central deste trabalho. Questionando as interpretações deterministas econômicas sobre os estudos de Marx, Harvey (1980), expõe a ideia de que para Marx, a dialética (entre a estrutura econômica e a superestrutura) é central para a compreensão da sociedade e do conceito de modo de produção, pois o elemento determinante na história é a produção e a reprodução da vida real. Mais do que isso nem Marx nem eu jamais afirmamos. Por essa razão se alguém deturpar isso dizendo que o elemento econômico é o único determinante, ele transforma a proposição em uma frase insignificante, abstrata e sem sentido. A situação econômica é a base, mas os vários elementos da superestrutura - formas políticas da luta de classes e seus resultados, [...] as teorias políticas, jurídicas, filosóficas, pontos de vista religiosos e seu posterior desenvolvimento em sistemas de dogmas – também exercem influência sobre o curso das lutas históricas, e em muitos casos, preponderam na determinação de sua forma (MARX E ENGELS Apud HARVEY, 1980, p. 169). Harvey destaca, com isso, o papel da superestrutura na dialética marxista da produção e reprodução da vida real. As formas políticas de luta de classes, os pontos de vistas religiosos e o desenvolvimento de sistemas dogmáticos são fundamentais para a sobrevivência de uma sociedade e a perpetuação de dado modo de produção; devendo, pois, argumenta Marx, o modo de produção criar as condições para a sua própria perpetuação, pois “diferentes formas de produção podem ser encontradas no mesmo modo, e formas similares podem também ser identificadas no interior de modos diferentes” (HARVEY, 1980, p.173). A reprodução dessas condições torna-se tão importante como a própria produção. Nesse sentido, o conceito de modo de produção para o autor não pode ser do tipo ideal no sentido weberiano, e a Cidade e o Urbanismo podem ajudar a criar as condições para a autopreservação ou não de um modo de produção. “A cidade e o Urbanismo podem funcionar para estabilizar um modo de produção particular”, com também, “a cidade pode, ser o lugar das contradições acumuladas e ser, por isso, o berço provável do novo modo de produção” (HARVEY, 1980, p.174). Fica claro que existe uma estreita relação entre as características de um modo de produção e produção do espaço, em destaque, o espaço urbano. Daí, para o autor, as principais características do ambiente construído (cidade) são a materialização espacial da lógica interna entorno da qual os membros da sociedade se organizam para produzir. Como o conceito de Modo de produção não é do tipo ideal, Harvey (1980) propõe a existência de três modos de integração social, política e econômica, 24 o da reciprocidade, o da redistribuição e o do mercado de troca; conceitos que podem servir para analisar as relações entre as sociedades e as formas urbanas que se manifestam nelas. Por reciprocidade, o autor compreende a existência de grupos simétricos na estrutura social; sociedades igualitárias, com mecanismos próprios de coerção social sustentada pelos costumes e tradições sociais, de maneira que as sociedades marcadas pela reciprocidade não permitem a concentração do produto social necessário ao Urbanismo. Já por redistribuição, as posições de destaque nessas sociedades são de algum modo limitadas, de tal maneira que nem todos possam alcança-las, mas isso impede o acesso de todos os seus membros aos recursos básicos da vida. A estrutura social dos grupos sociais marcados pela redistribuição pode ser fisicamente representada por uma hierarquia de centros urbanos. Quanto a ideia de mercado de troca, o autor diz que a escassez é fundamental para a sua existência, pois sem ela os mercados de preço fixo não podem funcionar. O mercado de preço fixo, por sua vez, é característica do modo de produção capitalista e é sustentado pelas instituições através do seu poder coercitivo. Harvey (1980) argumenta então que, a reciprocidade, a redistribuição e o mercado de troca são meios conceituais para caracterizar uma formação econômica e social e um modo de produção dominante. O autor diz que a reciprocidade e a redistribuição funcionam a partir de lógicas reconhecidamente sociais e não econômicas apenas. Já o mercado de troca, implica na lógica da troca, logo, a economia que estava subordina pela vontade social, com o advento e a predominância do mercado de troca, passa a estar subordinada à economia, destacando-se o valor de troca nas relações sociais. O autor dialoga com Léfèbvre, ao sustentar a idéia de que o mercado de troca favoreceu a ascensão do modo de produção capitalista, marcando a passagem de uma sociedade tradicional, onde os indivíduos estavam unidos pelos laços de pertencimento ou territorial, para uma sociedade de homens livres, que se encontram para a troca. O espaço da sociedade de laços que antes era o espaço em comum, o espaço da comuna; passa a ser o espaço público, onde os homens diferentes e livres podem se encontrar. Nesse sentido, com o advento do mercado de troca destaca-se o espaço público, permitindo a circulação do excedente, fazendo da cidade “o lugar da produção, assim como de extração da mais-valia” (HARVEY, 1980, p.198). Em síntese, o autor afirma que é possível que o surgimento das cidades tenha sido o resultado da passagem do modo de produção baseado na reciprocidade para um modo baseado na redistribuição, na medida em que é apenas a partir do surgimento da redistribuição que se pressupõem 25 a centralização e a concentração de excedente num espaço público para a troca. No entanto, o Urbanismo se deu necessariamente com a emergência do mercado de troca, a qual necessita do espaço público, de todos, onde os homens livres podem se encontrar para a troca; uns entram no mercado - espaço fora da fábrica - para alcançar a mais-valia, outros para vender a única mercadoria possível, a sua força de trabalho. A nova orientação da produção – agora voltada para a troca no mercado e não mais para a subsistência – significou a emergência de uma nova cultura: o Urbanismo. A reciprocidade e a redistribuição não desaparecem mesmo com o advento e o domínio do mercado de troca, elas são reconhecidas na “metrópole contemporânea em países capitalistas numa verdadeira sobreposição de formais sociais” (HARVEY, 1980, p. 210). E, assim, ao permitir a sobrevivência de diferentes modos de produção no seu interior, a cidade cria as condições não apenas para a sobrevivência daqueles deixados à margem pelo mercado, como contribui para a extração do sobretrabalho daqueles que estão precariamente inseridos no processo produtivo. Esses espaços de precariedade, típicos do modo de produção capitalista, cumprem, então, um papel bem definido: O exército industrial de reserva tem que existir em algum lugar, e a acumulação primitiva tem também que ocorrer em algum lugar [...] As populações pobres, por isso, funcionam como artifícios estabilizadores dentro das economias capitalistas – artifícios estabilizadores que se baseiam no sofrimento e degradação humana [...] (HARVEY, 1980, p.234 e 237). Diante desses espaços de precariedade, a redistribuição, que se dá também através das políticas estatais, como políticas voltadas para a saúde, educação e transporte, apresenta um efeito perverso: formas urbanas hegemônicas para a pobreza, possíveis responsáveis por manter a ordem capitalista. A combinação de capitalismo com políticas estatais de bem-estar tem produzido uma transformação substancial nas formas metropolitanas. A distribuição variável da renda disponível entre os vários grupos na sociedade refletiu-se na aparência do urbanismo contemporâneo. Esse impacto é mais evidente naqueles países, tais como a Inglaterra e Escandinávia, que têm seguido políticas estatais de bem-estar com alguma persistência. Nesses países, a sociedade adquiriu estrutura dupla, na qual o setor privado é fortemente diferenciado do setor público. Esse dualismo refletiu-se no desenho físico. Nas cidades britânicas, a moradia pública é claramente distinguível da privada e os bens e serviços fornecidos pelo setor público são também dos da ação privada em campos tais como saúde e educação. O dualismo urbano da Inglaterra e da Escandinávia está amplamente desenhado na paisagem urbana (HARVEY, 1980, p.236). Com efeito, reconhece-se na cidade um certo dualismo urbano. Formas urbanas para a pobreza, criando através de políticas concebidas como sociais, “uma espécie muito diferente de estrutura urbana de bem-estar social para o pobre” (HARVEY, 1980, p.236). As políticas estatais têm conseqüências consideráveis para a forma edificada da metrópole contemporânea, e a estrutura urbana dela advinda estabiliza um modo de produção. A tríade de Léfèbvre - forma, função e estrutura urbana – colocada como responsável pela manutenção das relações de poder parece ser também 26 reconhecida na argumentação de Harvey, pois a política social cria formas urbanas diferenciadas para o pobre, surgindo uma outra estrutura urbana e, principalmente cumprindo um papel: servir para estabilizar um modo de produção. Confirma-se a produção do espaço como política e carregada de intencionalidades. 27 EIXO1 28 3 ARQUITETURA E URBANISMO MODERNISTAS COMO EXPRESSÃO FÍSICO-ESPACIAL DO FORDISMO. Vasta é a produção acadêmica na Sociologia Urbana e no Urbanismo sobre a abordagem da Arquitetura e Urbanismo Modernistas como expressão físico-espacial do Fordismo. É evidente que existe uma intrínseca relação entre a produção arquitetônica/urbanística do Modernismo e os princípios fordistas. Contudo, tal relação é bastante cara e requer, aqui neste trabalho, maior atenção. Em sua obra, A Justiça Social e a Cidade, como citada anteriormente, Harvey (1980) expõe a ideia de que a Cidade e o Urbanismo podem funcionar para estabilizar um modo de produção particular (ambos podem ajudar a criar condições para a sua autopreservação), demonstrando uma estreita relação entre as características de um modo de produção econômico e a produção do espaço, em destaque, o espaço urbano. Daí, para o autor, uma das principais características da cidade é a materialização espacial da lógica interna em torno da qual os membros da sociedade se organizam para produzir. Na direção desta ideia, busca-se aqui melhor compreender a produção arquitetônica/urbanística do Modernismo como materialização espacial da lógica interna fordismo, caracterizando com isso o ambiente construído da Cidade Fordista. A intenção não é traçar aqui uma análise cronológica da Arquitetura e Urbanismo Modernos com os fatores econômicos, mas investigar a Arquitetura e Urbanismo Modernos como expressão morfológica e espacial do Fordismo e das transformações espaciais que levaram à consolidação das relações capitalistas de produção rompendo, assim com a ideia fragmentada da Arquitetura e Urbanismo modernos concebidos apenas como estilos arquitetônicos. Enfoca-se aqui o processo de produção do espaço, tal como problematizou Léfèbvre (1999), compreendendo a urbanística moderna como a responsável por organizar a sociedade urbana. Não é, nesse sentido, uma simples coincidência que o termo “urbanização” seja cunhado em 1858 através das grandes obras do Engenheiro Ildefonso Cerdá em Barcelona, uma vez que se observa a importância do pensamento urbanístico na sociedade moderna (marcada por uma grande “revolução” social: a substituição do modo de produção feudal para o modo de produção capitalista). Tal revolução caracteriza-se, de acordo com Weber (2008), pela quebra dos laços sociais e pelo surgimento das relações de dominação (dependência) através da propriedade dos meios de produção, onde nasce uma classe dominante (a burguesia), uma classe dominada (o proletariado) e ocorre um aumento da circulação de excedente, sobressaindo-se a instituição do mercado de troca, como espaço público para a troca. Essa passagem e consolidação, na Idade Moderna (século XV a XVIII), de uma sociedade tradicional - indivíduos unidos pelos laços de pertencimento, família ou território para uma sociedade moderna de homens livres onde circula o excedente, fez o espaço de caráter comunitário (a comuna) expandir-se para o espaço de caráter público (o mercado), onde os homens diferentes e livres podem se encontrar para a troca comercial. É esse espaço público, lugar de encontro para a troca, que vai despertar a importância do pensamento urbanístico como mantenedor da nova ordem social. Dialogando com Weber (Op. cit.), Harvey (Op. cit.) afirma que a ruptura dos antigos laços sociais para uma nova orientação da produção – agora voltada principalmente para a troca no mercado e não apenas para a subsistência – significou a emergência de uma nova cultura: o Urbanismo. O Urbanismo, para Harvey (1980), 29 surge necessariamente na sociedade caracterizada pelo mercado de troca, ou seja, na sociedade moderna. Depreende-se, daí, porque não foi uma simples coincidência o surgimento do termo urbanização na sociedade moderna. Para Harvey (1980) o urbanismo surge imbricado com a mais-valia. Mas como se deu essa relação entre Urbanismo e mais-valia? Se o Urbanismo surge necessariamente com o mercado de troca e suas concomitantes estratificações sociais e acesso diferencial aos meios de produção, seria, desde sua origem, ideológico? 3.1 A NOVA RACIONALIDADE: QUANDO A REFLEXÃO URBANÍSTICA MATERIALIZA A DOMINAÇÃO NA CIDADE. Léfèbvre (2001), anteriormente a Harvey, já apontava que a partir do sobreproduto crescente da agricultura, em detrimentos dos feudos, as cidades começam a acumular riquezas e a se caracterizarem por uma orientação irreversível em direção ao dinheiro, às trocas e ao comércio. Tal orientação irreversível à troca, à economia monetária e à produção mercantil, vai resultar na industrialização, a qual implica numa mudança radical na cidade: o desenvolvimento da sociedade urbana (e por sua vez, da problemática urbana) caracterizada pela exploração (sociedade moderna) em lugar da opressão (sociedade de laços sociais e castas). Com a industrialização, o valor de uso da cidade enquanto obra é miniaturizado, em detrimento do valor de troca, tornando a cidade, agora, produto. É com a industrialização, a qual dá ênfase ao produto (a mercadoria) que, de fato, o valor de uso se torna subordinado ao valor de troca. Além disso, para Léfèbvre (Op. cit.), a industrialização é também o processo indutor da urbanização (processo induzido), pois caracteriza na sociedade uma súbita queda da mortalidade, melhorias nos padrões nutritivos e nas forças técnicas e socioeconômicas e, principalmente, a separação entre os trabalhadores e as propriedades das condições de realização do trabalho, destacando-se nas cidades uma concentração urbana sem precedentes. Esta se deu primeiramente na Inglaterra e depois em todo mundo em desenvolvimento, consolidando a problemática urbana (FRAMPTON, 1997, BENEVOLO, 2000 E CHOAY, 2000). A população de Manchester cresceu oito vezes no curso do século, passando de 75.000 em 1801 para 600.000 em 1901, enquanto Londres, no mesmo período, crescia de cerca de 1milhão para 6,5 milhões (FRAMPTON, 1997, p.14). Com esse duplo processo industrialização e urbanização, as cidades passaram a ser marcadas pela transformação dos bairros em áreas miseráveis com moradias sujas e cortiços, cuja finalidade principal, dada a carência geral de transporte, era proporcionar, da forma menos onerosa possível, a quantidade máxima de alojamento dentro da distância a pé dos centros de produção. Naturalmente essas habitações congestionadas tinham condições inadequadas de luz e ventilação, carência de espaços abertos, péssimas instalações sanitárias, como latrinas e lavatórios (que eram externos e comuns), e despejos de lixo contíguos. Com escoamento precário e uma manutenção inadequada, tais condições levavam à acumulação de excrementos e lixo e inundações, o que provoca naturalmente uma alta incidência de doenças – primeiro a tuberculose, depois, ainda mais alarmante para as autoridades, os 30 surtos de cólera na Inglaterra e na Europa Continental, nas décadas de 1830 e 1840 (FRAMPTON, 1997, p.14). Percebe-se como a atividade industrial a se tornar função urbana, vai alterando a estrutura urbana e as formas arquitetônicas/urbanísticas. E como especificou Léfèbvre (1999), considerar que esse duplo processo de industrialização e urbanização é natural, e se deu de forma evolucionista pelo simples aumento da população na cidade não traduz a realidade, caracteriza-se uma visão truncada. Em tal processo intervêm ativamente, voluntariamente, grupos sociais dominantes que empregam parte da riqueza produzida na cultura, na arte, no conhecimento, na ideologia 4 e também a classe operária que se presta à manutenção de valores de mundo de uma minoria como dominantes. Dessa forma, esse duplo processo é também ideológico e marcado pela ausência de neutralidade. Para Léfèbvre (2001), a análise crítica desse duplo processo pode distinguir três períodos, onde primeiramente a indústria e o processo de industrialização assaltam e saqueiam a realidade urbana preexistente, negando o “social urbano” pelo “econômico industrial”; num segundo momento, a urbanização se amplia, e a realidade urbana faz-se reconhecer como sociedade socioeconômica, por fim um terceiro momento onde a centralidade da cidade é restituída agora como centro de decisão, nascendo ou renascendo a reflexão urbanística. É assim que nasce ou renasce a reflexão urbanística. Esta sucede a um urbanismo sem reflexão. Os senhores, reis e príncipes não tiveram outra necessidade de uma teoria urbanística para embelezar suas cidades. Bastava a pressão que o povo exercia sobre os senhores e também uma civilização e de um estilo para que as riquezas provenientes do labor desse povo fossem investidas em obras. O período burguês põe um fim a essa tradição milenar. Ao mesmo tempo, esse período traz uma nova racionalidade (LÉFÈBVRE, 2001, p.22). O surgimento de uma nova racionalidade é bem diferente da racionalidade clássica, tradição milenar pela qual a pressão exercida pelo povo bastava para que os senhores feudais embelezassem as cidades, não se fazendo necessário uma teoria urbanística. No período burguês, toma forma a racionalidade organizadora, operacional, ideológica: a reflexão urbanística. A reflexão urbanística (nova racionalidade organizadora) no lugar do urbanismo sem reflexão vai se prestar à manutenção da dominação de uma classe possuidora dos meios de produção sobre uma massa de proletariado que só tem a sua força de trabalho para vender no mercado, no espaço público da troca, para sobreviver. O autor sugere o Urbanismo subserviente à manutenção da exploração e às relações de poder da sociedade moderna. Ele é carregado de intencionalidades, é ideológico. Fica claro o porquê de Léfèbvre (2001 e 1999) e Harvey (1980) dialogarem quanto à ideia do surgimento do Urbanismo ser, necessariamente, na 4 A Arquitetura e Urbanismo são considerados arte, técnica e conhecimento. É assim que a produção arquitetônica/urbanística da modernidade a qual visava a solucionar a problemática urbana que se destacava, pode ser expressão desse duplo processo, escamoteando as relações de poder e dominação. 31 sociedade moderna 5 : a reflexão urbanística com as transformações na forma, função e estrutura urbana materializa na cidade a dominação capitalista. A burguesia se fez dominante também a partir da reflexão urbanística. Essa nova racionalidade organizadora se materializa e se expressa nos aspectos e atributos físicoespaciais do ambiente construído da cidade, apresentando novos códigos, novos signos da Arquitetura e do Urbanismo. Esses novos signos da Arquitetura e Urbanismo passam a questionar os arquétipos da arquitetura clássica (cidade obra), formando os pressupostos da Arquitetura e do Urbanismo Modernos. Com a prática da reflexão urbanística, a Urbanística moderna se constituirá. 3.2 A REFLEXÃO URBANÍSTICA E A FORMAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO MODERNOS. Segundo Frampton (1997), já no final do século XVII com o médico e arquiteto Claude Perrault e, em 1706, com o Abade Cordemoy em seu “Novo Tratado de Toda a Arquitetura”, a ortodoxia dos atributos vitruvianos da arquitetura – utilitas, firmitas e vernustas [utilidade, solidez e beleza] – são contestados e substituídos por uma nova trindade: ordonnance, distribution, e bienséance [ordem, distribuição e conveniência]; a produção artística da Cidade, voltada à beleza e ao valor de uso passa a ser substituída pela produção do espaço mais racionalizada. Além disso, a cisão entre engenharia e arquitetura parece confirmar essa ideia de Léfèbvre (2001) da Arquitetura e Urbanismo como tradução da nova racionalidade organizadora da cidade, uma vez que a Engenharia e a Arquitetura e Urbanismo passam a ser constituídos por corpos teóricos distintos. Com a fundação, em Paris (1747), da École des Ponts et Chausées, primeira escola de engenharia e as transformações técnicas, culturais e sociais do século XVII e XVIII apropriadas ao novo estilo de vida da burguesia ascendente 6 e da aristocracia decadente surgem disciplinas humanistas do Iluminismo. São condições propícias à origem dos paradigmas arquitetônicos/urbanísticos da sociedade moderna (FRAMPTON, 1997). Os engenheiros fazem progredir, durante o século XIX, a técnica das construções e preparam os meios de que se irá servir o movimento moderno, porém, ao mesmo tempo, colocam sobre esses meios uma pesada hipoteca cultural, associando a eles uma espécie de indiferença pela qualificação formal e legando os hábitos de construção a certas correspondências habituais aos passados (BENEVOLO, 2000, p.68). Dentre alguns exemplos dos pressupostos da Arquitetura e Urbanismo Modernos no século XVIII, podese destacar a Arquitetura Neoclássica, de estilo autêntico (não copiando os arquétipos da Antiguidade) e ligada à 5 Benevolo (2000) também coloca o nascimento da urbanística moderna no século XIX. Segundo ele, os antigos instrumentos de intervenção revelam-se inadequados, sendo assim elaborados novos, adaptados às condições modificadas pela industrialização. 6 Frampton (1997) confirma a idéia de Léfèbvre (2001): os arquétipos da arquitetura clássica são questionados quando a burguesia ascendente busca afirmar como dominante seu novo estilo de vida. 32 Monarquia Constitucional, desempenhando a formação do estilo burguês imperial). O projeto do cenotáfio (observatório) para Isaac Newton (1785) de caráter Iluminista o qual, segundo Frampton (1997), procurou uma metodologia universal da edificação contrária ao Código Napoleônico; e o projeto da Fábrica de Sal, primeiro exemplo de arquitetura industrial (integrando conscientemente unidades produtivas e alojamentos operários, já sinalizando as vilas operárias), de Ledoux, construído para Luis XVI, culminando na sua Cidade ideal em 1804. São exemplos de obras arquitetônicas neoclassicistas que, através de seus signos e atributos espaciais, proporcionaram as bases dos paradigmas arquitetônicos/urbanísticos do modernismo. Ilustração 01 - Cidade Ideal de Ledoux, 1804. Fonte: Frampton, 1997. A arquitetura das pontes e das estações ferroviárias do século XVIII também contribuiu para os pressupostos da Arquitetura e do Urbanismo Modernistas, principalmente porque a expansão urbana se dava através dessas novas infraestruturas. Muitas técnicas novas (modernas) foram usadas na construção de pontes e a busca por boas soluções estéticas de modo que as estações ferroviárias não se tornassem edifícios industriais. Colunas de ferro forjado, utilizadas com colunas envidraçadas modular, tornaram-se as técnicas padrão de pré-fabricação e edificação nos centros urbanos, através de casas de câmbio, estufas, palácios de cristal, viadutos e galerias. As obras de canais, esgotos, portos, etc se destacam nessa expansão urbana pela aplicação do cimento e, posteriormente, do concreto armado ainda no século XVIII, culminando com as obras de esgotos da Paris de Haussmann.As transformações técnicas, a cisão entre engenharia e arquitetura, o surgimento da Engenharia estrutural, a expansão urbana pelas linhas férreas, os novos edifícios industriais que iam surgindo na cidade, tudo isso também se tornavam a expressão física dessa nova racionalidade organizadora apontada por Léfèbvre (2001). A aplicação do cimento, do concreto armado, das técnicas de pré-fabricação com módulos são os pressupostos da Arquitetura e do Urbanismo Modernistas. 3.2.1 Paris, Barcelona, Cidade-Jardim e Chicago: As Origens da Urbanística Moderna. 33 Léfèbvre (2001) também aponta a situação de crise vivida pela cidade de Paris de 1840, a qual Frampton (1997) coloca como situação favorável aos pressupostos da Arquitetura e do Urbanismo Modernistas, ficando evidente que mais do que estética e formas modernas, a reforma de Haussmann se tratava de “um plano para uma metrópole unida pela febre do capitalismo” 7 (FRAMPTON, 1997, p.17). A nova racionalidade organizadora da Cidade se materializava nos planos de Paris, através dos percements – demolição em linha reta para criar um via pública totalmente nova. Os percements ao deixar tudo visível em linha reta, escondem a verdadeira estratégia do plano. É a linha reta moderna e visível que tem a capacidade de tornar algo (a estratégia) invisível. Isso só poderia ser feito através da Arquitetura e Urbanismo. Na metade do século XIX em Paris, a burguesia progressista se via cercada pela classe operária instalada nas barreiras, na periferia imediata, morando em pardeiros ou em casas alugadas, se constituindo em uma verdadeira ameaça para os novos ricos, pois a vida urbana de Paris assumia proporções inesperadas. Essa vida urbana, por sua vez, pressupõe encontros, confrontos dos diferentes e desiguais, e por isso, para Léfèbvre (Op. cit.), guarda a possibilidade de uma revolução. Conscientes dos riscos dessa nova vida urbana de Paris (cheia de potencialidades), a burguesia progressista buscou impedir que a democracia urbana se instalasse, “expulsando do centro urbano e da própria cidade o proletariado, destruindo a urbanidade” (LÉFÈBVRE, Op. cit, p.15). Nisso se constituiu a reforma de Haussmann: uma estratégia de classe, onde a burguesia faz uso da reforma urbanística para manter seu projeto de dominação. Os movimentos de 1848 conduzem Napoleão III ao poder na França, caracterizando-se por um regime de uma nova direita autoritária que buscava o controle direto do Estado sobre a vida econômica e social das classes populares de Paris. Assim, uma série de reformas é posta em prática, com o intuito de conter uma revolução. São, portanto, reformas contra-revolucionárias, onde “a urbanística desempenha um papel importante nesse novo ciclo de reformas e transforma-se em um dos mais eficazes instrumentos de poder, especialmente na França” (BENEVOLO, 2000, p.92), servindo para lutar contra homens astutos, céticos e pouco escrupulosos – maneira como Haussmann se referia ao proletariado. Haussmann substitui as ruas tortuosas pelas longas avenidas, abrindo espaços vazios, criando também os boulevards, projetando a circulação viária, substituindo o sistema viário existente não mais adequado a economia capitalista em expansão), por um sistema de comunicação rápido e eficiente. Ele abre a malha da cidade, cruzando a barreira natural do rio Sena, motivado por razões de saúde pública, de engenharia de tráfego e principalmente pela possibilidade de atacar as classes populares revolucionárias com a artilharia de fuzilaria eliminando de vez as barricadas populares, já que a rua retilínea e espaçosa favorecia ao movimento da tropa. Ao lado dessas preocupações de ordem política, existem motivos econômicos e sociais que impelem no mesmo sentido. Paris tem cerca de meio de milhão de habitantes à época da Revolução e do primeiro Império, porém, sob a Restauração e ainda mais sob a Monarquia de Julho, começa a expandir-se e com o advento de Napoleão III, abriga cerca de um milhão de pessoas. O centro da antiga cidade é cada vez mais claramente incapaz de suportar o 7 Para este autor, já nos planos de Paris desenvolvidos no século XVIII (o Plano dos Artistas em 1793, e a arcada napoleônica de 1806) apresentavam-se os traços da nova racionalidade. 34 peso de um organismo tão crescido; as ruas medievais e barrocas não são suficientes para o trânsito, as velhas casas parecem inadequadas face às exigências higiênicas da cidade industrial, a concentração das funções e dos interesses na capital fez com que aumentassem tanto os preços dos terrenos que uma radical transformações nas edificações tornou-se inevitável ((BENEVOLO, 2000, p.96). Ilustração 02 - Georges Eugène Haussmann, Plano para Paris, 1851-1870. Fonte: (GONSALES, 2005). A Paris de Haussmann apresenta novos signos arquitetônicos através dos edifícios e do mobiliário urbano, dos monumentos públicos; todo isso traduzindo a ideia de saneamento, pois sanear o espaço era também uma forma de sanear o povo, tirando a cidade da “era das trevas” para a modernidade. O projeto de reforma coincidiu com o primeiro surto de industrialização francesa, obedecendo a um triplo objetivo: a circulação fácil, a eliminação da insalubridade, e revalorização e reenquadramento dos monumentos, construindo assim, a nova imagem da Cidade de Paris. A composição da Paris Haussmanniana é marcada por uma forte unidade arquitetônica na fachada dos prédios, e pela geometrização das ruas, baseados em conceitos de regularização, simetria e culte de l’axe [culto do eixo], rompendo com o repertório formal da tradição barroca, dividindo a cidade em bairros, com lotes perpendiculares à rua, e forma triangular dos quarteirões, favorecendo a construção de habitações burguesas de modo a recuperar o custo da expropriação e da urbanização. Tudo isso, caracteriza essa reforma, num prenúncio das transformações morfológica que surgirão no século XX (Lamas, 2000). Como foi visto, a industrialização induziu a urbanização, e esse duplo processo (tal como expõe Léfèbvre) caracterizou a cidade com uma nova imagem, uma nova planimetria. A indústria, que se tornou uma função urbana, fomentou novas formas arquitetônicas e urbanísticas, a estrutura do espaço foi modificada, e a nova imagem, a nova planimetria de Paris surgiu: uma cidade capitalista. É de se notar que a Arquitetura e o Urbanismo serviram para essa nova cidade capitalista. Quanto à proposta de expansão da cidade de Barcelona realizada por Cerdà em 1859, trata-se também de uma intervenção base à urbanística moderna. Embora mantendo preservada a cidade antiga cercada por muros, Cerdà sugere no plano de expansão, uma cidade quadriculada e radial sintetizada em um grande retângulo de sessenta por vinte módulos cortado por duas avenidas diagonais, sinalizando elementos e características projetuais da Arquitetura e Urbanismo Modernos. Em sua “Teoria Geral da Urbanização”, Cerdà inicia uma breve problemática sobre o uso de uma palavra nova em um plano de uma cidade: a palavra urbanização. Para o autor, é conveniente e 35 admitido didaticamente uma explicação sobre aquilo que tem uma acepção variável e incerta, sendo necessário uma explicação minuciosa, etimológica, analítica e filosófica sobre “todas as vozes aplicadas para expressar idéias referentes à urbanização” (CERDÀ, 1867, p.28). Com efeito, Cerdà realiza um longo caminho sobre as ideias referentes à palavra urbanização, chegando à “urbe-embrion”. A partir de derivações da palavra cidade, como civitas, civil, e estudando a casa e sua relação com a vizinhança, a vizinhança e sua relação com a via pública,(as vantagens e desvantagens de localização e de relação com a via pública, com a província e o distrito); além disso, as lutas de interesses materiais, morais, sociais, políticos, administrativos e da saúde pública e bemestar dos indivíduos que se fazem presentes nessas relações, Cerdà percebe que o termo “cidade” parece não traduzir a unidade de todas essas relações e os elementos diversos da materialidade do espaço urbano e “lembra-se” da palavra urbs. Corrobora esto el mismo orígen que los etimologistas latinos atribuyen á la palabra urbs, síncope de urbum ó arado, que era el instrumento com que marcaban los romanos el recinto que habia de ocupar uma poblacion, cuando iban á fundarla, lo cual prueba que urbs, denota y espresa todo cuanto pudie-se comprenderse dentro Del espacio circunscrito por el surco perimetral que abrian com el auxilio de los bueyes sagrados. De suerte que cabe decirsin violência alguna, que com la abertura Del surco urbanizaban el recinto y todo cuanto em él se contuviese; es decir, que la abertura de este curco, era una verdadera urbanización; esto es, el acto de convertir en urbs un campo abierto ó libre (CERDÀ, 1867, p.30). São essas as razões filológicas que levam o autor a cunhar a palavra urbanização, não só para indicar qualquer ato que tenda a agrupar a edificação e a regularizar o funcionamento de um grupo já formado, mas também como um conjunto de princípios, doutrinas e regras e relações que devem ser aplicadas para que as edificações e o agrupamento, - longe de comprimir, desvirtuar e corromper as faculdades físicas, morais e intelectuais do homem social -, sirvam para fomentar seu desenvolvimento e vigor e para acrescentar o bem-estar individual, cuja soma é a felicidade pública. 8 A casa se torna o ponto de partida do raciocínio de Cerdà. Analisando os vários momentos da unidade de moradia na história da urbanização, o autor elenca: o Trogloditismo – momento em que o homem diante das feras busca refúgio nas grutas e rochas naturais; o Ciclopismo – momento em que o homem desenvolve suas forças físicas e passa a construir no solo seu refúgio, através de uma vala ou aterro, fazendo uma cobertura com rochas formando ocas seguras; o Tugurismo – etapa de fixação do homem em choças de caçador ou cabanas de pastor, em pequenas tribos; evoluindo para os alquires de cultivador, onde o mesmo precisa de mais espaço para guardar aquilo que começava a produzir. 8 Também para Cerdà, a urbanização parece ser ideológica e missionária, pois visa a fomentar o desenvolvimento e bem-estar individual do humano. 36 Depois desses momentos, Cerdà aponta o efeito civilizador da agricultura, e os efeitos de uma tribo contra outra, gerando aglomeração de diferentes tribos que se encontravam em diversos graus de civilização e urbanização, chegando à próxima etapa de urbanização: a urbanização simples combinada e homogênea, caracterizada pelas famílias pastoras, próximas aos rios, lagos e pequenas cercaduras como limites da região das tribos pastoras. Com efeito, as obras de canalização das águas dos rios passam a ser determinantes sobre a espacialização da região da tribo agricultora. Começa-se também a surgir moradias elevadas para se olhar toda a extensão do campo comum, ruralmente urbanizado da colônia agrícola; de maneira que aqui também se observa a tríade de Léfèbvre nas diferentes fases de urbanização de Cerdà: a visão da extensão do campo assume uma função, as formas do espaço são alteradas e surge uma nova estrutura espacial, as moradias elevadas. As famílias e as tribos pastoras da urbanização combinada e homogênea se bastavam a si mesmas; e as famílias e as tribos agricultoras trabalhavam exclusivamente para sua subsistência. O câmbio entre uma e outra se torna o primeiro sintoma de mercantilismo na urbanização. Como para os pastores e agricultores era inconveniente e prejudicial para suas tarefas sair para as regiões apartadas onde se realizavam as trocas, aceitaram satisfatoriamente o ofício de algumas pessoas que saíam em caravanas a fim de oferecer nas proximidades das tribos aquilo que eles precisavam, em troca pelo que lhes sobravam. Com o passar do tempo, essas caravanas foram tomando assento em regiões próximas aos mares, tornando-se núcleos primitivos de um grande número de urbes (marítimas em sua maioria), porém nomeadas de tribos mercantilistas. Para Cerdà, tais assentamentos apresentavam uma característica diferencial em relação às tribos pastoras e agricultoras: o movimento, o ir e vir, o importar e exportar, fazendo o centro, atrativo de tais tribos, agitado. As tribos industriais também são caracterizadas por esse movimento, uma vez que a indústria retira das fontes matéria-prima e leva-a para a oficina (compartimento novo da moradia da tribo industrial), para lá realizar o processo de produção do produto. O espaço da oficina ganha destaque nessas tribos a ponto da reduzir os espaços habitáveis a arranjos justapostos e comprimidos, permitindo o aproveitamento do terreno e do espaço que distingue as tribos mercantis e industriais das tribos agrícolas e camponesas. A oficina também assume uma função urbana, fomentando transformações na forma e na estrutura do espaço: novos arranjos de moradias justapostos e comprimidos marcam essa etapa da urbanização. Por fim, o autor expõe a urbanização para as tribos guerreiras que visam a dominar o país, onde os homens caçadores de feras se tornaram caçadores de homens. A guerra se converteu na principal profissão dessas tribos e, como conseqüência, a busca por espaços seguros conferiu a essas tribos, além da muralha, uma maior compressão e justaposição de habitações, aparecendo conjuntos de edificações justapostas e conglomeradas, com pátios internos, denominados burgos - os municípios de dominação feudal. Também a guerra ao se converter na principal profissão das tribos, gera 37 transformações nas formas e estruturas urbanas, surgindo a muralha e os burgos. Assim o autor chega a urbe-embrion. Cerdà, ao compreender que a urbe-embrion dá-se no feudalismo, parece sinalizar a ideia de Léfèbvre e de Harvey quanto à urbanização ocorrer na idade moderna, principalmente com o advento das relações de produção capitalistas. Além disso, a visão da extensão do campo, o aparecimento do compartimento da oficina na casa e a importância da guerra ao se tornarem funções urbanas necessárias as suas respectivas etapas de urbanização, transformam as formas urbanas e a estrutura do espaço, dialogando com a contribuição de Léfèbvre. A Teoria Geral de Urbanização parece também sugerir a urbanização carregada de intencionalidades e significados. Ilustração 03 - Ildefonso Cerdà, Plano de Barcelona, 1859 Fonte: (GONSALES, 2005). O plano de Barcelona é, então, todo projetado em cima dessa Teoria Geral de Urbanização, tendo a habitação e o seu arranjo como o ponto de partida do plano. Suas habitações tinham como características: a privacidade, o higienismo, a aeração (através de iluminação solar e ventilação natural) e principalmente a adaptabilidade à classe operária. Completa o plano a Teoria General de la Urbanización -, onde Cerdà expõe a sua metodologia, pensamento urbanístico e preocupações de caráter sociológico. Cerdà será o “primeiro urbanista” no sentido moderno do termo, na medida em que consegue coordenar os aspectos espaciais e físicos com preocupações funcionais, sociológicas, econômicas e administrativas, tratando pela primeira vez a cidade como um organismo complexo e integrador de vários sistemas (LAMAS, 2000, p.216). Ilustração 04- Ildefonso Cerdà, Plano para Barcelona, 1859. Ilha-tipo Fonte: (GONSALES, 2005). O ensanche – plano de expansão preparado para 800.000 habitantes–, desenha uma grelha ortogonal que envolve a cidade velha medieval com módulos ou quarteirões de 113 por 20 metros. 38 Essa grelha é cortada por diagonais que confluem numa grande praça, e seus quarteirões organizamse em centros cívicos próprios, contendo igreja e escola. Essa grelha não é um mero loteamento ou divisão da cidade, mas uma modulação, um suporte geométrico para uma composição urbana, rompendo com o sistema tradicional de construção contínua na periferia das quadras, colocando os edifícios dispostos no interior das quadras. De certo modo, Cerdà antecipa as “unidades de vizinhança” do modernismo e o edifício solto na quadra. Percebe-se que as regras de composição clássico-barrocas (marcadas pela rua, pela praça, parque e avenida, no perímetro do quarteirão) são rompidas no plano de Cerdà, e através da modulação da grelha, da nova aplicação do quarteirão (o qual não tem mais como limite o espaço público), da racionalidade e linearidade do plano de expansão, a forma física do espaço passa a ditar a ampliação da cidade. Confirma-se assim o plano de expansão de Barcelona como um plano destinado a uma metrópole moderna e capitalista também pelas transformações na forma, função e estrutura espaciais. Ilustração 05 - Ildefonso Cerdà, Plano para Barcelona, 1859. Seção viária definida com o critério da independência entre os meios de locomoção. Fonte: (GONSALES, 2005). Em Chicago, nos Estados Unidos não foi diferente a questão de trazer a metrópole à modernidade através de um plano arquitetônico/urbanístico. Embora os E.U.A., no que concerne à arquitetura, limitavam-se a copiar o modelo arquitetônico/urbanístico da Europa, a partir do século XIX, a situação se inverte e surgirá um novo tipo de arquitetura que influenciará profundamente a Europa. A cidade de Chicago tinha uma predominância de construções em madeira, através de estruturas de encaixe, em 1871 um incêndio abateu quase toda a cidade, tornando-se necessária uma reforma urbanística, a qual se baseou em novos protótipos arquitetônicos, práticos e funcionais, de forma a evitar um novo incêndio. Optou-se, então, pela construção em estrutura metálica, atribuindo ao centro da cidade de Chicago a transformação em um grande centro de negócio, com prédios altos, grandes magazines e edifícios urbanos. Essa exploração intensiva do coração da cidade de Chicago como centro de grandes negócios, se tornou possível devido à invenção do elevador (1853) e do aperfeiçoamento das técnicas estruturais de ferro (à prova de fogo), como dito anteriormente. Assim, a introdução do metrô (1863), do bonde elétrico (1884) e do trem de subúrbio, fez a reforma urbana implantada em Chicago caracterizar-se pelo crescimento vertical do centro e pelo subúrbio ajardinado e de crescimento horizontal (Frampton, 1997). 39 O fator mais importante para a prosperidade do Plano de Urbanização de Chicago foi, sem dúvida, a ferrovia. Ela era responsável por levar os equipamentos modernos para a pradaria e voltar com os cereais e alimentos; além, é claro, do tráfego de passageiros. 9 No que concerne à Arquitetura de Chicago, o arquiteto norte-americano Louis Sullivan é quem melhor simboliza a inovação arquitetônica da segunda metade do século XIX, trazida pela reconstrução da cidade. Ao lado de Dankmar Adler, Sullivam preocupava-se em atender as exigências de uma Chicago em pleno desenvolvimento, tendo na forma do arranha-céus sua maior expressão arquitetônica/urbanística, permitindo a construção de blocos verticais de escritórios e habitação coletiva. Ilustração 06 - Cidade de Chicago (1898). Fonte: (BENEVOLO, 2000). É no projeto do Auditorium Building entre 1887 e 1889 que Adler e Sullivan iniciam sua linguagem arquitetônica apropriada às estruturas de grandes alturas, contribuindo, para Chicago, com inovações tecnológicas e culturais; onde se podem destacar a modulação, a complexidade de múltiplos usos, ordenamento rítmico, a fachada lisa e a secundarização do ornamento, pré-anunciando a grande crítica ao ornamento feito pela Arquitetura Moderna. Poderia dizer que seria ótimo para nosso bem estético se pudéssemos evitar completamente o uso do ornamento por alguns anos, de modo que nosso pensamento pudesse se concentrar intensamente na produção de edifícios bem formados e agradáveis em sua nudez [...] Aprenderíamos, porém, que o ornamento é um luxo, não uma necessidade, pois discerniríamos tanto as limitações como o grande valor das massas não-adornadas (SULLIVAN 1982 Apud FRAMPTON 1997). Ilustração 07 - Projeto do Auditorium Building entre 1887 e 1889. Fonte: Word Architecture Images. Essa suburbanização advinda com a ferrovia ganha destaque com os projetos das primeiras casas de Frank Lloyd Wright as quais antecipam o Estilo Pradaria do arquiteto - prática arquitetônica de acomodar os inconvenientes formais da residência como a área de serviço, na fachada traseira- atitude projetual considerada paradigmática do movimento modernista na Arquitetura. 9 40 Sullivan, no projeto do Guaranty Building de 1895, implementa os seus princípios para “O edifício de escritórios de grande altura artisticamente considerado”, relatados no seu ensaio de 1896. O projeto se traduz num edifício de treze andares, com uma estrutura decorativa, onde o ornamento ora como inclusão, ora como interrupção, aparece do material da fachada. É nesse ornamento (presente na cornija do Guaranty Building) das superfícies dos pilares dividindo a fachada e expandindo-se em torno das janelas circulares do pavimento ático, refletindo metaforicamente o sistema mecânico do edifício, que o seu slogan “a forma segue função” ganha expressão; sinalizando, ainda no século XIX, o funcionalismo que marcou a Arquitetura e o Urbanismo modernistas. Ilustração 08- No projeto do Guaranty Building de 1895, dá-se o slogan “a forma segue função”. Fonte: Word Architecture Images. Ressalte-se que Sullivan não buscava submeter, a forma, à função diretamente, como acontece na Arquitetura e Urbanismo Modernos. O arquiteto de Chicago procurava com esse slogan mostrar que o ornamento não tinha função, daí poder ser abolido. Todavia, a Arquitetura e o Urbanismo Modernos transformaram esse slogan em hierarquização da funcionalidade sobre a forma. É assim que a forma física espacial é subjugada pela nova ordem da cidade industrial, uma vez que esse funcionalismo é responsável por desenvolver uma estética formal compatível com a indústria em geral. A indústria, nova imagem da Cidade, havia estabelecido a dicotomia campo-cidade. No entanto, Ebenezer Howard – militante do movimento socialista inglês desde 1879 – propôs a união do campo e da cidade, como uma forma de propiciar uma nova civilização, pois nem a cidade (considerada como um ímã marcado por vantagens dos salários, de empregos, e de progresso, apesar das fuligens das indústrias que enfeiam os seus monumentos) nem o campo (ímã cheio de bosques, de belas paisagens, da agricultura, marcado também por baixos salários e poucas oportunidades) realizam verdadeiramente o ideal de uma vida, devendo o humano desfrutar do progresso da sociedade e das belezas da natureza juntando os dois ímãs, constituindo a Cidade-jardim. A cidade é o símbolo da sociedade – ajuda mútua e cooperação amistosa [...] O campo é o símbolo do amor e das liberdades de Deus para com os homens. Tudo o que somos e tudo o quê temos provém do campo [...]. A cidade e o campo devem esposar-se, e dessa feliz união brotará uma nova esperança, uma nova vida uma nova civilização [...] o primeiro passo nessa direção pode ser dado com a construção de um ímã Cidade-Campo (CHOAY, 2000, p.221). 41 A Cidade-Jardim projetada por Howard possui uma forma circular com raio de 1.130 metros construída num centro de um terreno de 2.400 hectares, tendo o centro público seis bulevares que divId essa circunferência em seis bairros. Em volta do Parque Central, desenvolve-se uma arcada de vidro, o grande Palácio de Cristal (abrigo e jardim de inverno da Cidade), de tal forma que qualquer cidadão esteja distante no máximo 550 metros do palácio. Concêntrico a esse Palácio de Cristal está um cinturão de variadas casas com jardins comunitários, levantadas em terrenos próprios e espaçosos com lotes de 6,5 x 44 metros, dispostos de maneira que o município exerça pleno controle da Cidade. No anel exterior da Cidade estão as manufaturas, as lojas, os mercados, os depósitos de carvão, dispostos em escalões ao longo da estrada de ferro que circunda toda a cidade. No que concerne à economia, a Cidade-Jardim adota o princípio de liberdade econômica, dirigida por uma sociedade anônima, proprietária do terreno, mas não das moradias, dos serviços ou das atividades econômicas. Os manufatureiros e outros fabricantes podem dirigir seus negócios à sua maneira, mas sujeitos à lei comum do país e obrigados a proporcionarem aos trabalhadores espaços e condições sanitárias razoáveis, bem como serviços de luz, água, comunicação telefônica, de modo que não seja criado nenhum monopólio absoluto, sendo permitido não só à municipalidade, mas a qualquer corpo de indivíduos ou corporações privadas, ofertar a parte da cidade ou a toda cidade tais serviços. Por fim, a Cidade-Jardim de Howard deve crescer respeitando as suas vantagens econômicas e sociais, bem como o progresso e a beleza da natureza da união dos ímãs campo-cidade, de tal forma que ao atingir 32.000 habitantes, essa célula deve se multiplicar gerando outras cidades. O movimento das cidades-jardim de Howard possui duas fontes interligadas: de um lado, a tradição das utopias da primeira metade do século XIX, especialmente a de Owen, entendida como comunidade perfeita e auto-suficente, síntese de cidade e campo, com os significados socais que lhe são tradicionalmente anexos; do outro lado, o conceito de casa unifamiliar no verde, que é um pouco a redução do ideal precedente por obra da cultura vitoriana na segundo metade do século, com a tônica, entretanto, colocado mais na privacy do que nas relações sociais: uma tentativa de subtrair a vida familiar à promiscuidade e à desordem da metrópole e de realizar – digamos assim – o máximo de ruralidade compatível com a vida urbana (BENEVOLO, 2000, p.356). Frente à desordem da Cidade Industrial, Howard propõe a integração do rural com o urbano. As ideias de Howard têm grande influência nas cidades européias depois de 1900, enquanto que na França, em Roma e algumas cidades perto de Nova York começam a se desenvolver modelos de Cités-jardins [cidades-jardins] depois da primeira guerra mundial, e em 1932 surgem os greenbelts [cinturões verdes] nos bairros norte-americanos. Pelo exposto acima, Howard é precursor da idéia de bairro satélite, uma vez que a sua aplicação do termo cidade-jardim se dava com essa conotação. Ele também antecipa a ideia de zoneamento e de funcionalidade do Urbanismo modernista do século XX, além de apresentar alternativas econômicas frente ao Capitalismo e à desordem da cidade, 42 distinguindo claramente os aspectos da vida urbana a serem coletivizados e os de responsabilidades da iniciativa privada. Propõe ainda a eliminação da especulação privada dos terrenos de forma que os edifícios nas cidades pudessem dar espaços a áreas verdes (BENEVOLO, 2000 e CHOAY, 2000). Ao propor uma articulação através de unidades urbanísticas hierarquizadas como o centro público, o parque central, o cinturão de moradias, os jardins, etc; Howard sinaliza também o problema da paisagem urbanística e do controle paisagístico e manutenção dos espaços públicos. Ilustração 09 - Cidade-Jardim de Howard. Fonte: (HOWARD, 1996). Os modelos de cidades-jardim desenvolvidos a partir da metade do século XIX influenciados pelo movimento Arts and Crafts 10 , tendo o de maior expressão o de Ebenezer Howard em 1898 são influências marcantes para Arquitetura e Urbanismo Modernistas. Segundo Frampton (1999), as cidades-jardins eram uma política social que combinava a disseminação urbana com uma colonização rural e um governo descentralizado; e como movimento cooperativo, a renda da cidade-jardim viria a partir de um equilíbrio indústria e agricultura. Colocando-se contrário à desordem da cidade industrial, e buscando evocar novamente a função urbana do campo, a cidade-jardim de Howard se torna expressão de novas formas e estruturas espaciais referências da Arquitetura e Urbanismo Modernos, as quais não são apenas um novo modelo de cidade, mas uma proposta de alternativa econômica para o Capitalismo com melhorias nas condições de vida e trabalho do operariado industrial. A cidade-jardim 10 Movimento iniciado por Morris, projetando móveis de madeira para toda a casa, numa forma de retorno ao campo. William Morris tem seu nome ligado à Red House de 1859, a casa vermelha localizada em Kent, Inglaterra, é o edifício de destaque na história do movimento das Arts and Crafts como da arquitetura britânica do século XIX. A decoração interior foi toda realizada artesanalmente, com formas simples (com a exclusão de ornamentos excessivos) mostrando que era possível produzir objetos necessários à vida sem uso da máquina. 43 de Howard aponta, ao conciliar a função urbana do campo com a cidade, um potencial emancipatório e revolucionário a partir das transformações na forma, função e estrutura urbana. Embora que reforça o imaginário do campo como o lugar da natureza e a cidade como o lugar do progresso, não rompendo com a ideia da cidade como lócus do progresso. 3.2.2 As Experiências Urbanísticas de 1890 a 1914. Entre 1850 e 1870 forma-se a praxis urbanística burguesa pós-liberal, que tem como característica principal a planificação urbana dependente estreitamente da conjuntura econômica, com o governo executando as obras públicas com fundos de créditos e de propriedade, e esta propriedade, agora privada, retém a maior parte do aumento de valor dos terrenos. Na Inglaterra, depois de 1890, destacam-se cerca de quarenta associações filantrópicas que trabalham liberando áreas ocupadas por slums 11 , permitindo às iniciativas particulares construírem novas moradias, ainda que incapazes de modificar as condições da classe operária inglesa. Surge, então, uma Comissão Real para enfrentar o problema habitacional da classe operária, a qual implica na lei de 1890, a Housing of the Workers Class Act, onde são concedidos às autoridades locais empréstimos sob melhores condições, possibilidade de expropriação de terrenos com indenizações de maneira que aspectos higienistas, moralistas e civilizatórios possam fazer partes das novas construções. Em Paris, formam-se as primeiras iniciativas privadas com fins humanitários - a Société Philantropique de Paris, a Fondation Rothschild, e a Sociéte Française des Habitations à Bon Marché-; e na Itália, surge o Instituto Autônomo de Casas Populares que constrói e aluga a preços reduzidos habitações para os operários. Em quase todas as grandes cidades, antes de 1914, apresenta-se a exigência de um plano geral estabelecido oficialmente. O projeto de Haussmann, em Paris, é completado sob a Terceira República e consolidado em fins do século XIX. Em Viena, a ordenação do conjunto iniciada com a construção do Ring é completada pelo regulamento de 1885, pelo zoneamento de 1893 (o qual especificava o tipo de construções e o número de andares das construções) e pelo cinturão verde estabelecido em 1905. Já em Roma, o primeiro plano é aprovado em 1883 e o segundo em 1908, enquanto que nos Estados Unidos, acontece o movimento City Beautiful, com seus planos em disposição de xadrez. A Urbanística Moderna que vai se constituindo principalmente através desses planos, busca resolver a problemática urbana que se figurava nas cidades: a concentração e a aglomeração urbana, a ausência de salubridade, as epidemias e as doenças e as péssimas condições de vida das classes populares, advindas com o processo de industrialização; enfim, a Urbanística Moderna direciona-se a resolver a desordem da Cidade 11 Moradias precárias e miseráveis. Cortiços decadentes e insalubres onde moravam muitos operários. 44 Moderna. 12 No entanto, a Urbanística moderna, que se iniciava, procurou resolver as contradições do modo de produção capitalista através da luta contra a ausência de salubridade, a concentração urbana, etc. e não da luta contra a apropriação privada da mais-valia. Ela não atua no cerne das relações de produção capitalistas, por isso torna-se subserviente. Contrários a essa ideia de desordem e de que a problemática urbana é constituída pela concentração e aglomerado de pessoas, Marx e Engels, trabalhando com a dialética, vêem a cidade como o lugar da história, o lugar onde a burguesia se desenvolveu numa primeira fase e também o proletariado industrial, responsável por executar a revolução socialista. Assim, para eles, o papel histórico da cidade do século XIX é a expressão de uma ordem que foi ao seu tempo criadora (produtora e reprodutora) das condições de existência do modo de produção capitalista e que deve ser destruída para ser ultrapassada; a cidade do século XIX é a expressão formal do capitalismo e sua forma futura está ligada ao advento da sociedade sem classes. Para eles, seja como for, toda cidade grande tem um ou vários bairros “ruins” onde se concentra a classe operária, com ruas sujas, sem ventilação e pouca iluminação. Isso se encontra nas cidades de Londres, Liverpool, Manchester, na Inglaterra e na pequena Irlanda (o canto mais pavoroso). Nesses bairros, os cottages 13 são velhos, sujos, sem fornecimento de água, insalubres e com uma verdadeira multidão de crianças e mulheres; podendo acontecer de em uma habitação de dois cômodos morar pelo menos 20 pessoas (CHOAY, 2000). Embora de grande influência na Urbanística Moderna, a ideia de destruir a cidade do século XIX uma vez que ela é expressão do capitalismo, não acontece no sentido proposto por Engels e Marx, mas sim quer se destruir a cidade em busca do terreno ideal, o espaço vazio de origem da Arquitetura e Urbanismo Modernos. Por fim, tal vertente acaba sendo concebida como socialismo utópico. Essa é a grande diferença entre a Urbanística Moderna que se instaura e a concepção de urbanismo marxista. A Urbanística Moderna não rompe com a lógica do Capital – mesmo que destrua a cidade existente, ela propõe outra, que através de transformações na função, forma e estrutura urbana visa a solucionar as contradições da ordem capitalista. 3.3 A ORIGEM DA URBANÍSTICA MODERNA JÁ É SUBSERVIENTE AO CAPITAL No século XIX quase todas as grandes cidades (do mundo ocidental) são marcadas pelas transformações e melhorias urbanas com o intuito de viabilizar o modo de produção capitalista e como 12 A sociedade urbana de Léfèbvre é caracterizada agora pela Cidade Moderna, que é também industrial, e a problemática urbana faz parte da nova imagem da cidade. 13 Termo originado na idade média para descrever as casas dos trabalhadores rurais. Aqui empregado no contexto de casas inabitáveis, antigas e totalmente insalubres. 45 visto, os planos e reformas do século XIX visavam a transformar as cidades barrocas ou tradicionais em modernas e capitalistas. Impulsionados pela industrialização e pela urbanização (duplo processo referido por Léfèbvre), ocorrem o crescimento das cidades, a concentração urbana e a separação entre os trabalhadores e a propriedade dos meios de condições de realização do trabalho, propiciam as condições para o surgimento do subúrbio, da periferia e, de maneira mais ampla, da “problemática urbana” (a implosão-explosão da cidade). Percebe-se claramente que as transformações na tríade de Léfèbvre acabam por favorecer a ordem social do Capital, colocando as formas arquitetônicas e os planos urbanísticos advindos do período de “origem da urbanística moderna” como responsáveis por criarem a imagem da cidade Capitalista. Sugere-se, aqui, que a busca pela mais-valia, transformada em função urbana, se expandiu com a industrialização e gerou transformações no espaço urbano. Os planos urbanísticos de Paris, Barcelona e Chicago além de representarem as origens da urbanística moderna – pois a urbanística barroca e clássica se mostrava inapropriada para a nova realidade vivenciada nas cidades - se traduzem, também, em propostas de diferentes organizações e formas onde os signos da Arquitetura e do Urbanismo são expressão físico-espacial da nova racionalidade descrita por Léfèbvre (2001): a ordem do Capitalismo. Morfologicamente, se observam nas intervenções abordadas, que a rua alargou-se, perdeu a sinuosidade e se tornou mais linear, passando a ser um mero percurso; o edifício, por sua vez, se interioriza no lote, passando a se situar no meio, perdendo o contato direto com o espaço público. Os processos de loteamento e a divisão do plano da cidade perdem suas relações com a urbanística tradicional barroca e vão se tornando meros instrumentos de especulação fundiária. A cidade passa se desenvolver pela extensão do loteamento e pela característica de divisão e modulação da malha urbana e não mais pela organização dos espaços urbanos. Observam-se as mudanças nas formas arquitetônicas imprimindo no urbano características como a racionalização, linearidade, as quais favorecem à especulação fundiária, e, no limite, à ordem capitalista. Dialogando com Léfèbvre (2001) e com Frampton (1997), Choay (2000) presenteia-nos apontando as características físico-espaciais dessa nova racionalidade organizadora da cidade, dessa nova ordem. Ao analisar a mesma Paris, caracteriza, então, os aspectos físicos e espaciais da cidade moderna: Pode-se definir esquematicamente essa ordem nova por um certo número de características. Primeiro a racionalização das vias de comunicação, com a abertura de grandes artérias e a criação de estações. Depois, a especialização bastante ativada dos setores urbanos (quarteirões de negócios do novo centro, agrupados nas capitais em torno da Bolsa, nova Igreja; bairros residenciais na periferia destinados aos privilegiados). Por outro lado, são criados novos órgãos que, por seu gigantismo, mudam o aspecto da cidade: grandes lojas, grandes hotéis, grandes cafés, prédios para alugar. Finalmente, a suburbanização assume uma importância crescente: a indústria implanta-se nos arrabaldes, as classes média e operária se deslocam para os subúrbios e a cidade deixa de ser uma entidade espacial bem delimitada (CHOAY, 2000, p.04). 46 A fim de controlar as transformações em curso nas cidades, a técnica urbanística que se forma na segunda metade do século XIX, sob a tutela do novo dirigismo econômico e político, idealizou algumas operações típicas: a demolição dos centros históricos, a ampliação na periferia e as demolições das estruturas barrocas para construir sobre tais áreas novas estruturas baseadas na quadra, no quarteirão, no bloco e nas áreas verdes. Dessa forma, os interesses de rentabilidade do solo se sobrepõem aos princípios artísticos do Urbanismo, tornando a cidade cada vez mais produto em detrimento do seu caráter de obra, tal como especificou Léfèbvre. E o Urbanismo assumindo cada vez mais a função de estabilizar o modo de produção capitalista, conforme apontou Harvey (1980). Ficou claro com os exemplos, que através das formas e atributos espaciais e urbanos, materializou-se no espaço o projeto de dominação da burguesia, marcando além da exploração do interior da fábrica, uma exploração na esfera da vida pública da cidade. A caracterização deste período histórico, aqui denominado, tal como propôs Benevolo (2000), de “origens da urbanística moderna”, é marcada pelo papel de destaque da indústria moderna, que iniciou um processo de urbanização sem precedentes e de mudanças políticas e técnicas, que consolidaram o capitalismo concorrencial que já assumia o lugar do capitalismo mercantil. 14 A Cidade Industrial confirma-se como a nova imagem da cidade e assalta por completo a Cidade Mercantil, principalmente porque a burguesia confirma-se como o grupo social dominante. Esse capitalismo concorrencial, também chamado de capitalismo clássico ou liberal, é marcado pelo aumento das possibilidades de negócios aos pequenos e médios capitalistas, através da “livre iniciativa” que se destacava mediante à concorrência generalizada (Netto e Braz, 2006). É nesse período que surge também a luta de classes em sua modalidade moderna, ou seja, fundada na contradição entre Capital e Trabalho, antagonizando a burguesia e o proletariado, o capitalista e o trabalhador. Os protestos operários ganham forçam e ameaçam a dominação burguesa. E a resposta burguesa ao protesto operário não se esgotou na repressão pura e simples; tomou também a forma de incorporação de novas tecnologias à produção, de modo a atemorizar os proletários com a ameaça do desemprego pela redução do trabalho vivo. Na verdade as inovações funcionam como armas na luta de classes; controladas pelos capitalistas, servem na guerra contra os trabalhadores (NETTO; BRAZ, 2006, p.173). Como visto anteriormente, os planos de Paris, Chicago e Barcelona serviram para dar forma física à cidade capitalista que surgia. Eles fazem parte dessa resposta burguesa frente ao protesto do proletariado, assegurando as condições externas para a acumulação capitalista, isto é, a manutenção da propriedade privada e da “ordem pública” (enquadramento dos trabalhadores). O parcelamento do 14 Foi visto no trabalho de Cerdà que a passagem da produção mercantilista para a produção capitalista simples implicou na urbeembrion, momento onde as tribos mercantilistas deixam de realizar as trocas entre si e passam a realizá-las nos burgos, constituindo a urbanização. 47 solo, o percement, o loteamento, as grandes quadras e os módulos e o desenho da grelha no traçado da cidade, não são neutros, foi através dessa morfologia do urbanismo desenvolvido no século XIX que as condições externas para o capitalismo foram garantidas. Pode-se se dizer que do final do século XIX até 1914, o Urbanismo se constitui como disciplina autônoma, síntese artística e técnica, do conhecimento e da intervenção na cidade. As práticas do Urbanismo perdem o caráter empírico e de arte urbana assumindo, de vez, uma visão integrada e pluridisciplinar da Cidade, apresentando respostas em moldes científicos e espaciais e, também, nos moldes do capitalismo. Assim como Harvey argumentou que o Urbanismo necessariamente surge com emergência do mercado de troca, a constituição do Urbanismo como disciplina autônoma foi uma resposta burguesa frente às reivindicações do proletariado. Com efeito, nos aspectos morfológicos, a organização das áreas habitacionais e do alojamento, a salubridade, as funções industriais e a expansão urbana, a infraestrutura, se constituem os maiores problemas que a urbanística teve de enfrentar desde o início na cidade moderna (LAMAS, 2000). Contudo, essas questões morfológicas escamotearam a verdadeira função da Arquitetura e Urbanismo (exposta neste trabalho): produzir e reproduzir as condições para a manutenção das relações capitalistas. Ao perder o caráter empírico e de arte urbana (urbanismo sem reflexão) e ao tornar-se disciplina autônoma (reflexão urbanística), o Urbanismo através das transformações na função, forma e estrutura urbana parece escamotear as relações de poder e dominação do capitalismo que se estabeleceram por detrás da ideia de produção de um espaço salubre e de melhores condições urbanas para o proletariado. O papel do urbanismo reflexivo (origem urbanística moderna) contra a desordem da cidade industrial pode também ser compreendido como instrumento necessário para consolidar a nova ordem, a ordem do Capital, uma vez que tais reformas urbanísticas criaram as bases físico-espaciais para as relações capitalistas, melhorando o desempenho da extração da mais-valia e o aumento da exploração, e disciplinando também fora da fábrica, no espaço urbano, o proletariado. O estudo da função, forma e estrutura urbana tal como sugeriu Léfèbvre aponta que a urbanística moderna se constitui numa materialização físico-espacial das relações de poder e coloca o padrão arquitetônico/urbanístico modernista desde a sua origem, marcado pela manutenção das relações de poder e dominação de uma minoria burguesa, sobre uma massa, o proletariado. A busca pela mais-valia, assumindo-se como função urbana e, como especificou Harvey (1980) quanto ao surgimento do Urbanismo relacionado com a circulação de excedente, geraram novas formas urbanas a partir dessas reformas urbanísticas. A urbanística moderna que vai se constituindo reforça, então, essa nova ordem social – a mais-valia - e será com o fordismo o seu apogeu. 3.4 O MOVIMENTO MODERNO, O URBANISMO MODERNISTA E O FORDISMO. 48 Entre meados do século XVIII e o final do XIX, predominava a máquina a vapor e as indústrias têxteis, o carvão como fonte de energia e a mínima presença do Estado na economia. No entanto, como visto acima, as experiências urbanísticas de 1890 a 1914 tiveram como marca principal a intervenção do Estado no espaço frente à questão urbana. O Estado passava a se preocupar com as condições do proletariado e com o agravamento das epidemias, e com a desordem nas cidades. Percebe-se também na economia uma maior intervenção do Estado. Pouco a pouco, de acordo com a historiografia, o capitalismo concorrencial é substituído pelo capitalismo monopolista, tendo como setores mais importantes a indústria siderúrgica e a automobilística, caracterizando-se assim a segunda revolução Industrial que vai até os anos 1970. A multiplicidade de pequenas empresas, concorrentes entre si, vai sendo substituída pela economia das grandes unidades (monopólios), surgindo um plano comercial de tarifas protecionistas (nacionalismo econômico), modificando o papel do próprio Estado que deixa de ser o guardião da propriedade. Com efeito, o nível das técnicas e da organização do trabalho atingidos no final do século XIX permitiram o surgimento de novas formas de coação no campo econômico e político, formando verdadeiros monopólios na produção industrial. Dentre essas novas técnicas de coação, destacam-se o taylorismo e o fordismo. Baseado na ideia proposta no início desse capítulo de que Urbanismo não é neutro, mas ideológico e na argumentação de Léfèbvre quanto ao papel da reflexão urbanística para a burguesia, pode-se perceber que essa coação assumiu também uma face físico-espacial, isto é, o Urbanismo se constitui como disciplina autônoma do conhecimento e da intervenção na Cidade e, como dito acima, perdeu sua característica de arte e técnica reivindicadas pelo povo e tornou-se técnica e arte a serviço de uma parte do povo. Desde as profundas transformações industriais e ao crescimento demográfico, às utopias sociais e aos problemas de higiene, de salubridade e de habitação para todos, se fez necessário um campo autônomo pluridisciplinar quanto ao estudo da Cidade, constituindo-se assim a urbanística moderna, podendo, neste sentido, ser compreendida como expressão físico-espacial dessas novas formas de coação. O objetivo aqui é mostrar que o Urbanismo modernista pode ser compreendido como expressão físico-espacial do fordismo. A partir de 1900, a Alemanha passa a ser o centro da cultura arquitetônica européia. 15 Fatores como a tardia industrialização e a ocupação de cargos públicos de ensino por teóricos políticos, pensadores sociais e por artistas de vanguarda favoreceu a organização de exposições e influenciou, em grande escala, a produção industrial, contribuindo para o desenvolvimento da cultura arquitetônica/urbanística alemã. A mais importante organização cultural da Alemanha desse momento, antes da guerra, é a Deutscher Werkbund, fundada por um grupo de críticos que herdaram os ensinamentos de Morris, que visavam enobrecer o trabalho manual coligando-o à arte e à indústria, isto é, sem se opor aos métodos de trabalho em série. Com efeito, logo 15 A disputa pela hegemonia no continente, entretanto, tornou-se de administração crescentemente difícil para uma Grã-Bretanha em declínio, primeiro industrialmente, e logo em seguida também financeira, política e militarmente. Com o declínio da França, a Alemanha surgiu como potência hegemônica continental no Salão dos Espelhos de Versalhes em 1870, agravando as disputas imperiais. 49 começam a surgir duas tendências opostas na Werkbund a respeito da padronização e da liberdade de projeto. É, em meio a esses conflitos na instituição, que se forma Walter Gropius, um dos futuros diretores da Escola Bauhaus. Gropius foi discípulo de Behrens (arquiteto alemão que buscava uma síntese entre a arquitetura e a indústria na Werkbund), e de maneira precoce foi um dos criadores da arquitetura racionalista e um dos primeiros arquitetos a apresentar um estudo sobre as condições essenciais à pré-fabricação, à montagem e à distribuição de unidades de moradia padronizadas. Ilustração 10 - Fábrica Modelo – Exposição da Werkbun (Gropius) Fonte: UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA. No seu projeto do Complexo Industrial modelo da Exposição de Werkbund, em 1914, Gropius sustentava a ideia de que a Arquitetura deveria ser internacional englobando três círculos: a) o indivíduo, o povo e a humanidade; b) uma verdadeira adequação ao espírito de seu tempo, ao espaço e c) a utilização dos materiais novos e recursos advindos da produção industrial. Assim ele determina todos os aspectos da construção moderna: “exatidão e rigor formal; simplicidade dentro da diversidade; estruturação das unidades construtivas conforme as funções [...]; limitações das formas-tipo” (GROPIUS apud CHOAY, 2000, p.177). Com ele, começam a se constituir os princípios formais da Arquitetura Moderna. A unificação dos componentes arquitetônicos deveria contribuir para dar a nossas cidades essa homogeneidade salutar que é a marca própria de uma cultura urbana superior. Uma prudente limitação a alguns tipo-padrões de edifícios aumenta sua qualidade e diminui seu preço de custo, elevando assim o nível social da população em seu conjunto. A repetição de elementos estandartizados e a utilização de materiais idênticos nos diferentes edifícios traduzir-se-á, em nossas cidades, por uma unidade e uma sobriedade comparáveis às que a uniformidade da roupa introduziu na vida social (CHOAY, 2000, p.177). Este arquiteto, então, descreve as características que deve assumir a Arquitetura e Urbanismo modernos: a estandartização, a padronização e a elaboração de tipos, a uniformidade e a homogeneidade da cidade e das formas arquitetônicas, bem como a ideia de síntese; tudo isso deixando claro sua ênfase: a estreita relação da Arquitetura e Urbanismo com a produção industrial. Para ele, se fazia necessário reduzir a uma solução em comum os problemas plásticos, sociais, técnicos e econômicos com os estudos das funções do alojamento e da rua, e da cidade. Com isso, construir uma cidade moderna, para Gropius, era construir à maneira da produção industrial. Com efeito, a produção industrial estava marcada pelas características da estandartização, da padronização e da produção em série e da racionalização. E, com a implementação do 50 Fordismo 16 em 1914, quando Ford introduziu o valor de cinco dólares para cada oito horas diárias trabalhadas pelos operários da linha automática de montagem de carros em Dearbon, Michigan, os princípios de produzir para a massa e de transformação do trabalho concreto em trabalho abstrato 17 começam a ganhar força na indústria. O processo de produção foi transformado com Ford. A racionalização do trabalho com as teorias do Taylorismo (1911), decompondo o processo produtivo de um único bem numa série de operações elementares, tendo a sua recomposição por meio de uma solução técnica inovadora: a cadeia de montagem móvel. Isso teve como efeito a diminuição do tempo de produção dos produtos, uma nova configuração da força de trabalho (tornando o trabalho do operário cada vez mais abstrato, repetitivo e sem domínio sobre o produto) e, segundo Mela (1999), uma fuga impressionante da mão-de-obra da empresa Ford em busca de ocupações operárias mais tradicionais. A partir daí, Ford busca introduzir, através de visitas de assistentes sociais às habitações dos operários, um novo sistema de relações entre a sua empresa e os operários, lhes possibilitando rendimentos suficientes a fim de adquirirem produtos industrializados, sobretudo os bens de consumo duráveis como o automóvel e os eletrodomésticos. Para ele, o fordismo só seria eficiente se os bens fossem produzidos em grande escala e o mercado acessível à grande massa, da qual fazia parte os próprios trabalhadores. Com isso, o fordismo evidencia-se não apenas como métodos novos de trabalho para o processo de produção, mas sim com uma nova forma de viver. O americanismo e o fordismo, observou ele [Gramsci] em seus Cadernos do Cárcere, equivaliam ao “maior esforço coletivo até para criar, com velocidade sem precedentes, e com uma consciência de propósito sem igual na história, um novo tipo de trabalhador e um novo tipo de homem”. Os novos métodos de trabalho são inseparáveis de um modo específico de viver e de pensar e sentir a vida (HARVEY, 1999, p.122). O dia de oito horas e cinco dólares significava diante disso, “um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova política de controle e gerência do trabalho, uma nova estética [...], em suma um novo tipo de sociedade democrática, racionalizada, modernista e populista” (HARVEY, 1999, p.122). Ou seja, o fordismo era uma nova forma de coerção, mas também uma nova forma de viver, a qual também se expressaria através da Arquitetura e Urbanismo, esta já relacionada com a produção industrial, como bem expôs Gropius. Embora Ford tenha realizado intervenções e estudos quanto às condições de moradia dos operários, uma inflexão de destaque na produção da Arquitetura e Urbanismo deste momento é a construção de mais bairros e conjuntos arquitetônicos como encargo do Estado e de entidades públicas; confirmando-se assim o 16 Datar o início do Fordismo não é fácil. Embora muitos sociólogos definam o período fordista a partir da década de 1930 (após o crash da bolsa de valores), algumas transformações vivenciadas ainda no Iluminismo já sinalizavam (e compõem) as bases e origens do Fordismo. Esse é o duplo caráter do trabalho apresentado por Karl Marx, onde o trabalho concreto é o trabalho útil, cujo seu produto é um valor de uso. Contudo pela divisão do trabalho, o trabalho concreto assume uma forma alienada, a do trabalho abstrato (que se manifesta no valor de troca). Essa alienação consiste, substancialmente, em “despossuir” o trabalhador do controle do trabalho e do produto do trabalho. 17 51 início da segunda revolução industrial marcada pela presença mais decisiva do Estado na economia. A Primeira Guerra Mundial modificou por completo a mentalidade cultural arquitetônica/urbanística da Europa e dos Estados Unidos. Gropius, por exemplo, fala que a sua consciência enquanto arquiteto foi determinada pela Primeira Guerra Mundial. Segundo ele, “cada ser pensante sentiu a necessidade de uma mudança de frente intelectual. Cada um, dentro de sua esfera particular de atividade, desejava dar sua contribuição para superar o desastroso abismo aberto entre a realidade e o ideal” (GROPIUS apud BENEVOLO, 2000, p.392). É assim, que as ideias de Gropius da Deutscher Werkbund, descritas anteriormente, vão amadurecer e revolucionar a Arquitetura e Urbanismo modernistas. As destruições bélicas (mesmo que não equivalentes às da Segunda Guerra Mundial) e, sobretudo a parada das atividades produtivas durante a guerra impõe graves e urgentes tarefas de reconstrução. Onde quer que o problema de moradias já se encontrava presente antes da guerra, este se torna agudo no pós-guerra, e sobretudo depois de alguns anos, graças à retomada do crescimento demográfico. A vastidão de tarefas é tão grande que somente o Estado está capacitado a desempenha-la, razão pela qual se intensificam as iniciativas de construção subvencionada e se aperfeiçoam as leis correspondentes (BENEVOLO, 2000, p.390). A Primeira Guerra, a depressão econômica e a inflação misturam e destroem os hábitos e domínios da antiga hierarquia social. Passa-se a buscar, agora, os interesses comuns a todos a fim de se construir uma nova linguagem de alcance geral, cujas implicações e reviravoltas se percebem nas vanguardas artísticas e na exaltação da técnica na prática do planejamento como sinônimo de progresso. O planejamento assume o papel de solução para os males e a manutenção/desenvolvimento do capitalismo, em particular na situação dos anos 1930. Nos anos entre-guerras, porém, se destacavam duas barreiras à disseminação do fordismo: a primeira foi o baixo desenvolvimento da tecnologia fordista de linha de montagem para a produção antes dos anos 1930 na Europa, a qual se adaptava mais a teoria de Henri Fayol 18 ; a segunda barreira, por sua vez, estava para Keynes nos moldes da intervenção estatal que vivia um dilema de encontrar um conjunto de estratégias para estabilizar o capitalismo e ao mesmo tempo evitar o cunho de soluções nacional-socialistas (Harvey, 1999). No campo da Arquitetura e Urbanismo, uma das barreiras na Europa ao fordismo é a Bauhaus – Escola Alemã de Design desenvolvida por Gropius a partir da Werkbund. Esta escola Alemã é uma instituição favorável à produção arquitetônica como produção industrial, porém sem que o artista e o artesão perdessem a compreensão do processo produtivo. Nesse sentido, a Bauhaus mesmo com características de produção industrial (racionalização, estandartização) é contrária ao Fordismo dos EUA uma vez que, na sua essência, a Bauhaus e Gropius se baseiam nos valores e ideologia socialistas. No entanto, é com Le Corbusier, com Wrigth 18 Engenheiro de minas e administrador francês, Henri Fayol formulou uma teoria completa de gestão e a definiu as principais atividades do gestor dentro das organizações: planejar, organizar, comandar, coordenar e controlar. 52 e com os CIAMs (Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna) que a Arquitetura e Urbanismo parecem tornar-se uma expressão desse novo modo de viver. 3.4.1 A Bauhaus e os Princípios da Arquitetura e do Urbanismo Modernos O arquiteto alemão Walter Gropius é chamado a suceder o arquiteto-designer belga Henry van de Velde no cargo de Diretor da Escola de Artes Aplicadas de Weimar, fundando em 1919 a Escola Bauhaus de arquitetura e design. 19 Realizações na teoria e na prática da educação artística, a elaboração de um novo repertório de artefatos materiais para o século XX, e principalmente, o estabelecimento dos cânones do projeto de design moderno. Tudo isso faz parte das contribuições históricas da, então denominada Escola Bauhaus, termo cunhado por Gropius que combinava o verbo alemão bauen – construir- com o substantivo haus – casa – o que reflete o idealismo da visão de seu fundador. 20 Colocando a Arquitetura como centro dos debates sobre o design, elevando o status das artes e ofícios ao nível das belas-artes e aperfeiçoando os produtos industriais por meio da combinação de trabalho de artistas, industriais e artesãos, o propósito principal de Gropius com a Bauhaus era o de reconstruir uma nação derrotada moral e economicamente pela primeira guerra mundial. Observa-se na Bauhaus uma ideologia socialista que embora favorável à produção arquitetônica com características da produção industrial, não é favorável ao Fordismo que se disseminava a partir dos Estados Unidos, principalmente por evitar a distinção de classes e a especialização do processo produtivo por parte do artesão. Para a Bauhaus, Todos nós arquitetos, escultores, pintores, devemos voltar-nos para nosso ofício. A arte não é uma profissão, não existe nenhuma diferença essencial entre o artista e o artesão... Formamos uma única comunidade de artífices sem a distinção de classe que levanta uma arrogante barreira entre o artesão e o artista. Juntos concebemos e criamos o novo edifício do futuro, que reunirá arquitetura, escultura e pintura numa única unidade, e que um dia será levantado contra o céu pelas mãos de milhões de trabalhadores como o símbolo de cristal de uma nova fé (GROPIUS apud BENEVOLO, 2000, p.404). Gropius coloca em questão a noção de trabalho coletivo e trabalho individualizado. Na Bauhaus, a ideia era propiciar a formação de um grupo de operadores responsáveis, conscientemente associados, que não seriam mais peças de um mecanismo, mas sim agentes em contato com todo o processo de produção, do começo ao fim. Com efeito, embora se dissesse uma instituição apolítica, se reconhece aqui, um forte cunho político na escola. 19 A escola de Artes Aplicadas de Weimar foi fundada em 1906 e a Bauhaus foi criada com a fusão da Academia de Belas Artes com esta escola, em 1919. 20 Bauhütte significa alojamento medieval, o que demonstra a preocupação do Gropius com as condições dos menos favorecidos. 53 Ilustração 11 - Em Dessau, a nova sede da Bauhaus. Fonte: BAUHAUS. A Bauhaus buscava a estética da máquina condizente com a ideologia socialista (a elaboração de formas-modelo, com design e montagem anônimos e de fácil reprodução em série), que configurava os princípios da arquitetura moderna. As próprias palavras de Gropius confirmam isso: Assim em 1919 foi inaugurada a Bauhaus. Seu escopo específico era concretizar uma arquitetura moderna que, como a natureza humana, abrangesse a vida em sua totalidade. Seu trabalho se concentrava principalmente naquilo que hoje se tornou uma tarefa de necessidade imperativa, ou seja, impedir a escravização do homem pela máquina, preservando da anarquia mecânica o produto de massa e o lar, insulflando-lhes novamente sentido prático e vida. Isto significa o desenvolvimento de objetos e construções projetados expressivamente para a produção industrial. Nosso alvo era o de eliminar as desvantagens da máquina, sem sacrificar nenhuma de suas vantagens reais (GROPIUS, 2001, p.30) [destaque do autor deste trabalho]. O método da Bauhaus tinha uma abordagem humanística da arquitetura e do design com ênfase na máquina como forma “racional” moderna. Ele simbolizava a produção de peças padronizadas, o design e montagem anônimos, valorizando a condição geométrica geral dos produtos. Tais “formas-modelo” representavam o espírito do progresso industrial e o caráter anônimo da produção por máquinas eliminava a expressão subjetiva e o inevitável individualismo do estilo pessoal. Era a expressão de um significado coletivo, universal, uma “fé utópica” na idade moderna, resultando no acesso de todos ao design e ao processo. Para Gropius, a questão que mais o preocupava se referia à moradia mínima para as classes economicamente desfavorecidas. Segundo ele, era preciso determinar a estrutura necessária desse alojamento, concebido como uma unidade econômica completa. E além desse problema, surgia o da forma a ser dada à cidade inteira, entendida como um organismo planejado. Por isso, ele buscava a casa Wohnmaschine (máquina de se viver), uma casa de circulação mínima organizada ao redor de um átrio (uma sala de estar iluminada). O que deve ser observado é que o ideário modernista presente na Bauhaus - produção em série, casa de dimensões mínimas, padronização e a racionalização do projeto/ design anônimos, isto é, estandartização – possuía um propósito socialista: a produção de habitação para todos, a recuperação de uma nação destruída pela guerra, a luta em prol do trabalho coletivo, a construção de uma consciência de grupo entre os artistas, industriais e artesãos; no limite, a eliminação das classes e da desigualdade. Com vários de seus componentes ligados ao Partido Comunista Alemão, a Bauhaus em seus breves catorze anos de funcionamento marcou a Arquitetura e o Urbanismo modernistas, principalmente com as construções de Gropius de suas Serienhäuser 54 (casa em série), concebidas como protótipos em seus ateliês de mobiliário, onde se produziam também cadeiras, mesas, luminárias com ênfase nas questões de sociais e não apenas estéticas. Uma nova pedagogia, baseada no trabalho de grupo, pôde propor-se a inserir aos poucos o artesanato na indústria, e com isso recuperar os valores da antiga tradição artística – que se manifestaram historicamente num trabalho deste tipo – e introduzi-los no ciclo vital da sociedade moderna, retirando-lhes ao mesmo tempo qualquer característica de classe, de modo que toda a sociedade participe deles (BENEVOLO, 2000, p. 406). Em 1922, a inflação oprime a vida econômica da Alemanha e bloqueia, principalmente, as atividades no setor de construção. A Bauhaus, essencialmente financiada pelo Estado, não consegue seguir em frente com seu projeto da Haus am Horn, uma casa concebida em célula unitária para um pequeno bairro, facilmente reproduzida em série. Assim, oprimida pelas autoridades locais de Weimar, principalmente por suas tendências socialistas, a Bauhaus é obrigada a mudar de lugar, instalando-se em Dessau, em 1925. A construção dos novos edifícios em Dessau empenha a escola, pela primeira vez, a projetar não apenas a sede do instituto e a construção de moradia dos docentes no terreno vizinho, uma casa para Gropius e três edifícios duplos, mas também um bairro segundo o modelo de habitações operárias no subúrbio de Törten (BENEVOLO, 2001). Com a Bauhaus, o movimento de construção habitacional nas cidades ganha força, assumindo uma tendência social e que passou a ser apoiada pelas autoridades públicas. A leitura da Arquitetura como unificação de todas as atividades de design, artes e ofícios, proporcionou uma nova linguagem arquitetônica/urbanística dando forma aos princípios da Arquitetura e do Urbanismo desenvolvidos ao longo de todo o século XX. Finalmente, cabe, pois ressaltar uma possível conseqüência inesperada nesse caráter anônimo da produção dos artefatos da Bauhaus: tal caráter favoreceu a transformação do trabalho concreto (saber do artesão) em trabalho abstrato; e isso é decisivo para as relações capitalistas. Com certeza, a Bauhaus não esperava por isso. E assim, paradoxalmente, o ideal socialista de universalização da Arquitetura e do design se tornou tão capitalista quanto o próprio fordismo. 3.4.2 A Urbanística de Le Corbusier, de Wright e dos CIAMs Não apenas Gropius e a Bauhaus tinham um ideal socialista utópico para a Arquitetura e o Urbanismo, Le Corbusier (Charles Édouard Jeanneret) também herdara essas idéias quando teve contato com Peter Behrens (uma das principais figuras da Deutsche Werbund), com Gropius e com Tony Garnier – o idealizador da Cité Industrielle de 1904. Em sua fase inicial, Le Corbusier se destacava por seu interesse pelo béton armé (concreto armado). Convencido de que o béton armé era o material do futuro, devido a sua plasticidade, resistência, natureza monolítica e maleável, economia e durabilidade, Le Corbusier dá forma a uma das suas estruturas paradigmáticas da Arquitetura e Urbanismo Modernos, a Maison Dom-Ino - um sistema construtivo de baixo custo que permite a padronização e a repetição em série - que se tornaria o protótipo-base de suas obras até 1935. É claro que não poderia ser outro material adotado pelo urbanista moderno, uma vez que o béton armé também, através da sua resistência, expressava a rigidez que caracterizava a ecnomia fordista. 55 Ilustração 12 - Pontos da Arquitetura de Le Corbusier: 1 – Casa La Roche, 1923; 2 – Villa em Garches, 1927; 3- Villa em Cartago com a Maison Dom-Ino; 4 – Villa Savoye, 1931. Fonte: Stoa-architecture. A Ville Pilotis, desenvolvida nesse mesmo período (1915), era uma cidade projetada para ser construída sobre pilares, [anunciando um dos seus cinco princípios da arquitetura moderna], os pilotis (a liberação do solo), elevando-se a massa construída. Para Corbusier, a Arquitetura deveria ser submetida ao controle dos traçados geométricos reguladores, e os seus elementos novos já se faziam presentes nos produtos industriais, como por exemplo, as naves, os aeroplanos, os automóveis e as máquinas, que exerceram influência de destaque em sua arquitetura. Para ele, baseado nesses produtos industriais e no espírito de sua época, as transformações nos pressupostos econômicos e técnicos comportam necessariamente uma revolução arquitetônica 21 . Portanto, a casa deve ser construída não apenas à maneira de uma máquina, mas como uma própria máquina de habitar! Nos tempos do cavalo e do carro de boi, as aglomerações se constituíam de ruas costeadas de casas, assim construídas: andar térreo e, às vezes, um andar superior, cujas janelas principais davam para o interior de quadriláteros formados por quatro ruas sobre jardins. As velocidades vinte vezes maiores (100 quilômetros por hora) substituíram a velocidade imemorial do passo do homem ou do passo do cavalo, ou do passo do boi, do burro... Em cem anos, uma civilização nasceu, subvertendo tudo à sua passagem. A medida humana foi transgredida, ultrapassada, talvez perdida (LE CORBUISER, 1979, p.16). Reside também aí a necessidade de ser formulada uma nova arquitetura e um novo urbanismo. Em 1926, Le Corbusier publica um documento com algumas ideias formuladas em obras anteriores, ideias essas que constituem os cinco pontos de uma nova arquitetura: a) os pilotis que elevam as massas acima do solo; b) os tetos-jardim que fazem da cobertura verdadeiros terraços contribuindo para o bom clima das lajes de concreto; c) a planta-livre, a qual permitiu que os andares não mais ficassem “encaixados” uns com os outros, pois a planta não estava mais “escravizada” pela sustentação das paredes, dado que o concreto armado, permitiu a estrutura independente; d) essa estrutura independente, fazia-se no interior das plantas e não no seu 21 Tal como a troca assumiu uma função urbana e gerou formas arquitetônicas, e modificou a estrutura espacial em Léfèbvre, as inovações tecnólgicas (naves, aviões) se geraram novas formas arquitetônicas, como a casa máquina de morar, e Corbusier modifica a estrutura do espaço. 56 perímetro, permitindo a fachada-livre; e) e a fenêtre em longueur, ou a janela corrediça horizontalmente em toda a extensão da fachada. A natureza dessas composições arquitetônicas advindas de tais pontos se torna a expressão da aplicação da estética da máquina para a habitação, agora como máquina de morar, caracterizando um novo momento da arquitetura. Exemplos bem conhecidos dessa nova arquitetura são as obras iniciais de Le Corbusier, no período entre guerras, como o Projeto da Ville Contemporaine (1922), o Plan Voisin para Paris (1925) e a Villa Savoye em Poissy (1929-31). Ilustração 13 - LE CORBUSIER - Villa Savoye, 1928. Fonte: LOPRETO. O Projeto da Ville Contemporaine era uma cidade para três milhões de habitantes em um terreno ideal, isto é, sem acidentes geográficos e totalmente plano, com o objetivo de “formular os princípios fundamentais do urbanismo moderno” (LE CORBUSIER, 2000, p.156). Influenciado pelas cidades reticuladas de arranha-céus dos Estados Unidos, Le Corbusier projeta uma cidade capitalista de elite, como um centro de administração e controle, com cidades-jardim para seus trabalhadores e as indústrias para além do cinturão verde (“zona de segurança”) que envolvia a cidade. Com edifícios de três tipos (os grandes arranha-céus cruciformes no centro, prédios de seis andares com rédents 22 na zona intermediária e immeubles-villas na periferia) e a população da Ville classificada a partir das categorias urbanos (aqueles do centro), suburbanos (aqueles que trabalham na zona fabril não vêm à cidade e resId na cidade-jardim) e os mistos (aqueles que fornecem seus trabalhos nos centros de negócios, mas vivem com suas famílias na cidade-jardim). Assim, se dá a “batalha para urbanizar uma cidade contemporânea”. Os immeubles-villas (prédios-villas) contém o germe da futura unité d’habitation. É um complexo de 120 amplos alojamentos com terraço-jardim, providos com serviços comuns: uma loja de alimentos cooperativa, onde “os víveres chegam diretamente do interior para o lugar de consumo...; no teto, ... uma pista de 1000 metros onde se poderá correr ao ar livre e onde solarii permitirão que se continuem com os benefícios dos banhos de sol estivais...; seis porteiros farão turnos de oito horas, dia e noite, vigiando o prédio, anunciando os visitantes por telefone e levando-os aos andares com os elevadores” (LE CORBUSIER apud BENEVOLO, 2000, p.430). 22 Conceito de Garnier de grandes aglomerações residenciais justapostas umas às outras. 57 A sistematização proposta por Le Corbusier para a sua cidade contemporânea e para o Plan Voisin de Paris é em síntese um colossal percement tal qual a intervenção urbanística de Paris, aponta Benevolo (2000). E é, nesse sentido, que a urbanística de Le Corbusier vai camuflar uma estratégia. A sobreposição de vias com as auto-estradas, a demolição de partes da cidade preservando-se os edifícios históricos de Paris e a construção de cidades-jardim para os operários fazem parte dos princípios de sua arquitetura e urbanismo modernos. Para Le Corbusier, a Cidade é um instrumento de trabalho, e aquela que não desempenhar bem sua função é ineficaz. A desordem que nela se multiplica resulta na sua decadência e não traduz o espírito da época. Para tanto, a ordem deve ser estabelecida pela geometria e pela racionalização das funções urbanas. A geometria é o meio pelo qual os homens percebem o mundo e também a forma como se expressam, pois como “um automóvel feito em série é uma obra-prima de conforto, de exatidão, de equilíbrio e de bom gosto” (LE CORBUSIER, 2000, p.165), é por meio da geometria industrial que se representam a perfeição e o divino. E como a máquina procede da geometria, toda época contemporânea, portanto, é essencialmente, geométrica. Com efeito, Le Corbusier “decreta” que se faz necessário geometrizar o urbano, industrializar a cidade trazendo o taylorismo para ela. A cidade tem, então, suas funções zoneadas em áreas distintas; a zona residencial teria sua origem na Unité d’habitation, a qual seria repetida em série com blocos soltos no meio das quadras feitos em concreto armado com a estrutura Dom-ino. Tudo à maneira do taylorismo. O Urbanismo Modernista elege o terreno plano como ideal e as teorias fordistas e tayloristas como princípios reguladores do espaço urbano. O fordismo assume, então, a sua expressão físico-espacial com a urbanística “corbusiana”. Pouco a pouco, o conteúdo ideológico original de sua estética vai sendo assaltado pelo capitalismo. A era da máquina exige uma medida nova, capaz de harmonizar o trabalho humano, já que assim como a música, através de métodos dóricos e jônicos, transferiu para a escrita aquilo que parecia intransferível: o som. Na era da máquina, onde diferentes coisas visuais surgem a cada dia, o comprimento dessas coisas ainda não tinha uma ferramenta para o medir com perfeição. Era preciso criar o Le Modulor. O Le Modulor é, na verdade, a tentativa de Le Corbusier de conciliar dois sistemas de medidas distintos, o anglo-saxônico e o métrico, unificando a estética com os princípios da produção industrial, favorecendo o processo de penetração e domínio econômico do mundo do imperialismo americano (ARTIGAS, 1986). A existência de dois sistemas de medidas o pé-polegada anglo-saxão – remanescente feudal que faz parte do processo de dominação de burguesia inglesa - e o sistema métrico pelo qual a burguesia francesa lutou contra as ruas feudais e tortuosas da antiga Paris, era um obstáculo ao imperialismo americano. Com efeito, a burguesia inglesa com o intuito de arruinar o comércio marítimo da França, mantêm seu sistema de medidas feudal pé-polegada, e não desenvolve uma forma mais moderna de medição. Mudar o sistema de medidas significaria mudar todo o maquinário produzido até 58 então, mesmo que o sistema métrico fosse mais moderno e de mais fácil assimilação, se tornaria um grande incômodo, uma imprudência econômica. Le Corbusier ao propor harmonizar os dois sistemas, de maneira a compor uma linguagem técnica universal, incentiva o imperialismo americano a tornar-se dominante, pois tem como conseqüência uma produção industrial universal. Ilustração 14 - O arquiteto francês Charles-Edouard Jeanneret-Gris, mais conhecido como Le Corbusier, e o Le Modulo. Fonte: ARCHIVER. A ideia do Le Modulor que, coincidentemente [para não dizer propositalmente], adota a altura do policial inglês com a mão levantada como referência ideal da estatura humana faz a passagem entre o pé-polegada e o metro sem grandes defasagens. O Le Modulor afirma o sistema métrico como desumano e hostil e coloca o sistema pé-polegada como orgânico já que parte das proporções humanas. É aí que Le Corbusier concilia a estética (a arquitetura e urbanismo) com a produção industrial. Ou seja, as proporções do urbanismo moderno baseadas no Le Modulor, favorecem a nova fase do capitalismo, “o imperialismo e os anos dourados”. No primeiro pós-guerra, com a escassez do aço, o trabalho de Le Corbusier apresenta algumas mudanças significativas, como a diminuição do uso das superfícies de vidro e aço e a adoção de formas esculturais de concreto aparente. São desse momento as obras onde se destaca o uso do brise-soleil. O brisesoleil permitiu ao arquiteto a criação de vazios na massa sólida sem que se voltasse à tradicional superfície sólida e perfurada. Através desse elemento arquitetônico que se torna a mais nova expressão da Arquitetura Moderna de Le Corbusier do pós-guerra, o arquiteto dava visibilidade e penetração ao sol, criava a integração com a natureza e, em certo sentido, também expressava sua ideologia “antiurbana”, (antiurbana, porém moderna 23 ). Observa-se que após a Primeira Guerra Mundial, as formas mais avançadas de organização industrial e consumo de massa continuaram em grande parte confinadas aos EUA. Na Europa, as vanguardas e a Bauhaus Alemã ganhavam força e produziam uma arte radical, mas a obra de Le Corbusier veio a favorecer a disseminação do Fordismo principalmente com a Segunda Guerra, tendo 23 A ideia do terreno ideal na cidade, onde tudo deve ser destruído para alcançá-lo também mostra essa ideologia antiurbana de Le Corbusier. O urbano existente e sua desordem precisam ser destruídos. 59 uma das conseqüências, o esmagamento das velhas elites agrárias e seu estilo de vida na maior parte do continente europeu. O fordismo começa a se tornar dominante. A democracia capitalista estável se instituiu e os bens de consumo duráveis são padronizados no Ocidente. Percebe-se que a obra de Le Corbusier, cooptada pelas questões econômicas, perdeu a radicalidade da arte, tornando seu urbanismo e arquitetura integrados e subordinados ao Fordismo. A cooptação do Urbanismo pelo estável e monótono Estado keynesianista pós-guerra, se torna uma realidade; e o Urbanismo confirma-se como instrumento para estabilizar um modo de produção, como especificou Harvey (1980). A cidade agora modificada pelas novas formas arquitetônicas de Le Corbusier e da urbanística moderna passa a ser o ambiente construído da lógica fordista. Ao destacar a suburbanização e a desconcentração da população e da indústria como os verdadeiros estímulos à demanda efetiva almejada por Ford, Harvey (1999) também compartilha dessa ideia do Urbanismo e Arquitetura “solidários” e necessários para o desenvolvimento e disseminação do fordismo. Ford não queria apenas aplicar o fordismo no processo de produção, mas sim na cidade; é tanto que ele também constrói suas cidades, a Fordlândia a partir de 1928, e a Belterra em 1934, ambas na Amazônia, no Brasil. Fatos que confirmam que o fordismo se expressava como urbanismo. 24 A Fordlândia, localizada às margens do rio Tapajós, seria um núcleo modelo no qual deveriam ser mantidas as virtudes rurais e corrigidos os males urbanos. Embora precária, a cidade se prestava a sua função principal, à produção de látex. Os variados equipamentos urbanos, a serraria, a usina, o refeitório, o hospital, as estradas e uma ferrovia ligando a serraria aos acampamentos de derrubada de árvores, todos foram construídos segundo a matriz-norte-americana. Ilustração 15 - Forlândia, Brasil. Fonte: (Grandin, 2011). Quanto à habitação, os trabalhadores solteiros não qualificados viviam em galpões coletivos, os trabalhadores casados nos barracos ou casas de madeira com teto de palha, enquanto os engenheiros, 24 A empresa tornou-se responsável pelo saneamento, escolas, energia, pavimentação, construção de igrejas e de salas de recreação, incluindo cinemas, e a reforma dos vilarejos assumindo de fato funções municipais. Greg Grandin relata que a Ford criou durante os anos 20 inúmeras cidadezinhas neste “pastoralismo industrial”, implantando o modelo da Fordlândia. 60 supervisores e os funcionários da serraria – na sua maioria europeus, americanos - viviam em pequenos bangalôs ao longo da Riverside Avenue, da Hillside e da Main Street. Casas com varandas e jardins também eram construídas na Palm Avenue, à sombra de mangueiras, com calçadas, hidrantes pintados de vermelho e com iluminação pública, quadra de tênis, cinema e campo de golfe. Tudo à maneira norte americana. No entanto, foi o plano da cidade ideal de Wright (1935), a Broadacre City, que revelou a concepção modernista de urbanização essencial para o fordismo. Embora de concepção utópica socialista (igualitária) e contrária à cidade moderna que se desenvolvia, a Broadacre City, ao buscar um “campo urbanizado 25 ” onde cada homem teria sua própria subsistência no seu acre de terra, paradoxalmente, favoreceu a consolidação do Fordismo. Em 1928, Wright cunhou o termo Usonia para denotar uma cultura igualitária que surgiria espontaneamente nos Estados Unidos. Com essa palavra, parecia remeter não apenas a um individualismo de raízes populares, mas também à concretização de uma forma nova e dispersa de civilização, como a que havia pouco se tornara possível pela propriedade maciça de automóveis. O carro enquanto a modalidade “democrática” de locomoção seria o deus ex machina do modelo antiurbano de Wright, seu conceito de Broadacre City, em que a concentração da cidade do século XIX seria redistribuída pela rede de um traçado rural regional [... Mas] Uma das ironias de nosso século está no fato de a Broadacre City ter correspondido, mais estreitamente que qualquer outra forma de urbanismo radical, aos preceitos centrais do Manifesto comunista de 1848, que defendia a abolição gradual da distinção entre cidade e campo através de uma distribuição mais equânime da população na terra (FRAMPTON, 1997, p.227). Ilustração 16 - Broadacre City (1935), detalhe da maquete. Fonte: (MANNA, 2008). A Broadacre City mesmo marcada pela utopia antiurbana e de caráter “comunista”, acabou se tornando, devido à arquitetura orgânica de Wrigth e à criação econômica da forma construída de espaço, a urbanização necessária para o fordismo. Ao se desenvolver em módulos dispostos em função do transporte mecanizado e das novas formas de comunicação - o automóvel, o bonde elétrico, o rádio, o telegrafo e o telefone -, ganham destaque, pois são os elementos responsáveis por articular os módulos da cidade (o centro cívico, o parque e as empresas agrícolas; o estádio e o centro 25 A Falling Water de Wright (1936) também é um exemplo dessa ideia de conciliar o campo com a cidade. Dessa maneira o campo abriga uma casa urbana e esta se abre à natureza, tem a natureza em seu interior. 61 sanitário; as pequenas empresas agrícolas e o setor dos mercados). Assim, os bens de consumo mecanizados se tornam os protagonistas da cidade. Tem-se o modelo de urbanização necessário ao fordismo, consumo em massa dos bens industrializados. Ilustração 17 - Broadacre City, modelos para residências. Fonte: (MANNA, 2008). A intervenção do Estado na economia passa também à cidade. O modelo de urbanização advindo do urbanismo moderno se presta à manutenção do projeto fordista; a urbanização se torna a expressão da intervenção estatal, consolidando formas físico-espaciais fordistas no urbano. O problema da configuração e uso próprios dos poderes do Estado só foi resolvido depois de 1945. Isso levou o fordismo à maturidade como regime de acumulação plenamente acabado e distintivo [...] O fordismo se aliou firmemente ao Keynesianismo, e o capitalismo se dedicou a um surto de expansões internacionalistas de alcance mundial que atraiu para sua rede inúmeras nações descolonizadas (HARVEY, 1999, p.125). Neste mesmo período nota-se o crescimento do movimento operário na Europa ocidental. A revolução socialista russa estimulou tal crescimento, mas o Capital partiu para o contra-ataque. No plano microeconômico buscou reafirmar-se diante do palco da luta de classes através de novas possibilidades de controle social como o keynesianismo, uma forma como o capitalismo gera possibilidades de controle social. Para Oliveira (2004), a crise de 1929 – desemprego e deflação – desempenhou um papel central no reforço de uma nova institucionalidade e na determinação das políticas como um todo. As novas alianças de classe que se articulam tendo em vista o enfrentamento da crise – New Deal, Planificação Nazista, Front Populaire... - aos poucos vão forjando aquilo que se pode caracterizar como a forma alternativa mais concreta ao Estado liberal [...]: o Estado social [Welfare State] (OLIVEIRA, 2004 p. 197). O período compreendido entre as duas guerras mundiais é, então, muito significativo para a arquitetura e o urbanismo, uma vez que na Europa, onde o déficit habitacional acumulado e os trabalhos de reconstrução do pós-guerra apresentavam uma escala 26 só possível de ser enfrentada pelo Estado (o grande cliente dos arquitetos), consolidando o Movimento Moderno a partir da arquitetura subvencionada. A “guerra para acabar com todas as guerras” proporcionou, pelo Tratado de Paris de 1919, a criação da Liga das Nações, uma organização internacional onde as potências vencedoras buscavam 26 Após a Primeira Guerra Mundial, por exemplo, a Alemanha apresentava um déficit habitacional de mais de 800 mil domicílios. 62 negociar um acordo de paz e reorganizar as relações internacionais de forma a garantir a justiça entre as nações. Assim, em 1927 foi aberto um concurso internacional de arquitetura para o projeto do Palácio da Sociedade das Nações, a ser edificado em Genebra. Embora o projeto de Le Corbusier tenha sido um dos setes premiados, Benevolo aponta que o projeto vencedor apresentava uma linha acadêmica bem inferior ao de Le Corbusier, a ponto de buscar no projeto deste último, soluções para o tornar satisfatório. Diante de tais circunstâncias, os arquitetos do Movimento Moderno, decidiram reunir e sistematizar em conjunto, as pesquisas e propostas sobre a Arquitetura e Urbanismo por eles desenvolvidas em seus países e nas semanas, concursos e exposições internacionais, onde eles poderiam comparar e trocar idéias entre si. Surgem assim, os CIAMs – Congressos Internacionais de Arquitetura e Urbanismo. A declaração de La Sarraz, de 1928 no 1º CIAM, realizado na Suíça, assinada por vinte e quatro arquitetos representando a França, a Suíça, a Alemanha, a Holanda, a Itália, a Espanha, a Austrália e a Bélgica observava a Arquitetura e Urbanismo como fenômeno da arquitetura moderna e do sistema econômico geral, um verdadeiro instrumento político e econômico, capaz de promover o progresso social. E através da ideia de eficiência econômica (mínimo esforço da produção), os primeiros CIAMs, visavam a garantir o fim do mal universal (a desordem) que toma conta da cidade, apontando, frente à urbanização e a divisão de terra resultante da especulação, vendas e herança, uma política de terra justa, coletiva e metódica. Entre a declaração de La Sarraz e a última conferência realizada em 1956 em Dubrovnik, destacam-se três etapas de desenvolvimento dos CIAMs: a primeira que vai de 1928 a 1933, compreendendo os congressos de Frankfurt e de Bruxelas, 27 onde os arquitetos alemães de tendência socialista buscam resolver os problemas dos padrões mínimos de alojamentos e a questão da altura e do espaço entre os blocos edificados, respectivamente. Esta é considerada a fase mais doutrinária e também de cunho socialista dos Congressos (Frampton,1997). A segunda etapa dos CIAMs, de 1933 a 1947, foi dominada por Le Corbusier que enfatizou deliberadamente o planejamento urbano e a arquitetura racionalizada. Foi o congresso mais abrangente urbanisticamente, tendo em vista a análise comparativa entre trinta e quatro cidades da Europa. Do IV CIAM, de 1933, resultou a Carta de Atenas, um documento anônimo, mas certamente redigido por Le Corbusier. Trata-se de um conjunto de códigos e princípios gerais para o estabelecimento da ordem na cidade moderna, não melhorando a realidade da cidade existente, mas propondo uma cidade que funcione para todos repartindo com equidade os benefícios para todos os cidadãos. 28 O núcleo básico da urbanística desenvolvida na Carta de Atenas é a célula de habitação (um alojamento), que constitui em uma unidade de habitação e relacionada aos 27 O urbanismo da primeira fase dos CIAMs possui mais traços socialistas, embora não rompa com o capitalismo principalmente porque procura estabelecer uma aliança Capital e Trabalho. É o ideal de “arte para todos” de Morris, que assume agora um objetivo político onde o interesse privado estaria subordinado ao interesse público (ver nota10). 28 63 locais de trabalho e às instalações de lazer a partir dos recursos da técnica moderna, de tal forma que as funções urbanas da cidade se estabelecem com eficácia. A era da máquina, ao modificar brutalmente determinadas condições centenárias, levou-as ao caos. Nossa tarefa atual é arrancá-las de sua desordem por meio de planos nos quais será previsto o escalonamento dos empreendimentos ao longo do tempo. O problema da moradia, da habitação, prevalece sobre todos. Os melhores locais da cidade deveram ser reservados a ela, e se estes foram devastados pela indiferença ou pela concupiscência, tudo deve ser feito para recuperá-los. Muitos fatores concorrem para a qualidade da moradia. É preciso buscar ao mesmo tempo as mais belas paisagens, o ar mais saudável, levando em consideração os ventos e a neblina, os declives melhor expostos, e, enfim, utilizar as superfícies verdes existentes, criá-las se não existem ou recuperá-las se foram destruídas (CARTA DE ATENAS, 1993, p.29). Com cento e onze propostas sobre as condições das cidades e como corrigí-las agrupadas em cinco categorias - as quatro funções urbanas básicas (moradia, lazer, trabalho, circulação) e a categoria dos edifícios históricos - a Carta de Atenas sintetizava o conteúdo do Urbanismo Racionalista, também chamado de Urbanismo Funcionalista, 29 enfatizando a necessidade do planejamento regional e intra-urbano, a submissão da propriedade privada do solo urbano aos interesses coletivos, a industrialização dos componentes e a padronização das construções, a limitação do tamanho e da densidade das cidades, a edificação concentrada e relacionada com amplas áreas de vegetação. Supunha ainda tal urbanismo principalmente o uso intensivo da técnica moderna na organização das cidades, dessa forma, o zoneamento funcional, a separação da circulação de veículos e pedestres, a eliminação da rua-corredor (advinda da edificação alinhada com a frente do lote) e o predomínio de uma estética geometrizante passam a ser as novas características do urbanismo moderno. Frampton (1997) argumenta que ao enfatizar a necessidade da economia e da industrialização planejadas, os CIAMs elegiam a eficiência como um meio de maximizar lucros e defendiam a introdução de dimensões normativas e métodos de produção para se racionalizar a indústria da construção. Com efeito, seriam as novas formas arquitetônicas/urbanísticas que iriam gerar essa eficiência. O fordismo [do pós-guerra] também se apoiou na, e contribuiu para a, estética do modernismo – particularmente na inclinação desta última para a funcionalidade e a eficiência – de maneiras muito explícitas, enquanto as formas de intervencionismo estatal (orientadas por princípios de racionalidade burocrática-técnica) e a configuração do poder político que davam ao sistema a sua coerência se apóiam em noções de uma democracia econômica de massa que se mantinha através de um equilíbrio de forças de interesse especial (HARVEY, 1999, p.131). Infelizmente, a ideia de eficiência estava relacionada à eficiência da produção industrial. Logo, mesmo com um discurso marcado pela ideologia socialista onde se buscava subordinar os interesses privados face aos interesses coletivos, como também a universalização da habitação e de melhores condições de moradia e uma maior justiça e equidade na questão fundiária, os CIAMs não rompem com a dinâmica do capitalismo na busca pela mais-valia. Pelo contrário, esses congressos atribuem às 29Nela estão incorporadas as contribuições de mais de um século de arquitetura, incluindo desde as propostas do socialismo utópico até as da Bauhaus, passando por Morris, Howard e Tony Garnier, entre outros. 64 formas arquitetônicas e à urbanística por eles propostas, o vínculo ao sistema econômico e, dessa maneira, tornam a Arquitetura e o Urbanismo subverservientes às relações de produção, isto é, frente à crise do capitalismo, a produção arquitetônica/urbanística moderna permite o reconhecimento do espaço urbano como forma de expansão capitalista. É notória a mudança de tom na segunda fase dos CIAMs. Com efeito, o gerenciamento estatal fordista e keynesiano passou a ser associado a uma forte estética funcionalista (alto modernismo) no campo dos projetos racionalizados. Fatores como a materialização de um novo sistema monetário internacional (padrão dólar-ouro), incorporando instituições internacionais de coordenação e controle (Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e GATT), baseado nos acordos de Bretton Woods 30 para conduzir as políticas públicas proporcionaram a hegemonia mundial dos Estados Unidos como centro capitalista mais importante. Apesar dos EUA aparecerem como o espaço capitalista pioneiro de desenvolvimento do New Deal, 31 também a Europa e o Japão conheceriam a aplicação dos seus principais elementos constitutivos, sobretudo quando da imposição americana ao financiar sua reconstrução depois do fim do conflito bélico. Em particular, deve-se destacar o Plano Marshall, aplicado à reconstrução dos países capitalistas da Europa Ocidental. Dessa forma, os congressos dos CIAMs serviam para ditar internacionalmente as regras e legislações urbanísticas a serem seguidas nos países a serem reconstruídos. É assim que o fordismo se internacionaliza também via formas e paradigmas arquitetônicos urbanísticos. Aliado ao cinema e à televisão com suas propagandas alegres do American way of life, a ilusão de que os conflitos sociais seriam substituídos pela harmonia das classes, com o desaparecimento do proletariado tradicional em conseqüência do fordismo e keynesianismo, invade a velha Europa devastada pela guerra, trazendo consigo os símbolos da cultura capitalista do novo mundo, baseado na prosperidade econômica, estabilidade geopolítica e na promessa de uma vida melhor advinda da intervenção reguladora do Estado (Welfare State). A Europa, traumatizada pelas guerras e ameaçada pelas intenções expansionistas do império soviético, abre suas portas para a democracia do modelo americano, ou seja, liberal e competitiva. Enquanto a Europa recebia a maior parte do auxílio advindo do Plano Marshall, a América Latina, mesmo sendo aliada norte-americana, figurava com percentuais inferiores a 10%, ainda que fosse considerada uma área de risco para a expansão do comunismo. Percebe-se que o Urbanismo 30 Acordo para colocar a economia mundial submissa ao padrão ouro-dólar. Embora o New Deal tenha sido implementado já no início da década de 1930, seus efeitos sobre a retomada da acumulação são percebidos, de fato, ao final da Segunda Guerra. 31 65 Racionalista da Carta de Atenas e da segunda etapa dos CIAMs não são simplesmente um conjunto de códigos e princípios arquitetônicos mas, conforme argumenta Frampton (1997), “as exigências políticas radicais do movimento inicial tinham sido abandonadas, e, enquanto o funcionalismo continuava sendo credo geral, os artigos da Carta pareciam um catecismo neocapitalista” (FRAMPTON, 1997, p.329). Era o Plano Marshall na economia e a estética dos CIAMs no espaço urbano. Esse aspecto neocapitalista da Carta de Atenas tem seu apogeu na terceira etapa dos congressos onde o idealismo liberal triunfou completamente sobre o materialismo do período anterior. O debate da cidade funcional deu lugar à criação de um ambiente físico capaz de satisfazer as necessidades emocionais e materiais do homem. 32 No CIAM VIII realizado em 1951 em Hoddesdon (na Inglaterra), com o tema “o coração da cidade”, a ideia de satisfação parece assumir o lugar da ideia de universalização: “as pessoas querem que os edifícios que representam sua vida social e comunitária possam dar-lhes uma satisfação funcional maior. Querem satisfazer sua aspiração à monumentalidade, à alegria, ao orgulho e à comoção” (FRAMPTON, 1997, p.329). O CIAM VIII sinaliza a pós-modernidade. Esse impulso crítico de encontrar as formas físico-espaciais mais adequadas às necessidades sociopsicológicas tornou-se o tema do CIAM X (o TEAM X), realizado em 1956, Se trata de una observación elemental pero profundo inovadora com respecto a la extendida pereza mentl de dar por descontadas y absolutamente objetivas las reglas de la “rejilla CIAM” sin intentar reflexionar. Es también el reconocimiento de las necessidades psíquicas de la “pertinência” ( a uma comunidade, a um lugar, a um contexto incluso degradado) lo que impulsa um análisis de las inter-relaciones entre urbs y civitas, esto es, entre la forma física del espacio construído y las expectativas sócio-emotivas de sus habitantes. Desde este punto de vista, no es arriesgado afirmar que um slum – con su estrutura “banal” de callejuelas, comércios y casas estrechamente unidos entre sí en un tejido unitario – pueda resultar mucho más agradable de viver que un espacio isótropo de bloques laminares o uma macroestructura en béton-brut “hiperpryectada” (GRAVAGNUOLO, 1999, p.427). A distância entre os desejos coletivos de espaço urbano e os modelos de habitação propostos pelo urbanismo funcionalista, inclui no debate do planejamento a linguagem espontânea dos espaços carentes (slum) questionando assim toda a ideia de demolição e de terreno ideal do Urbanismo Racionalista. A excessiva segregação social, a forte “zonificação” haviam provocado a perda da característica principal das cidades desde a aparição do fenômeno urbano: a mistura de funções numa superfície reduzida, com contato com diferentes grupos sociais. Dessa forma, os bairros residências de baixa renda se tornaram guetos e a monotonia era a característica da fisionomia da cidade. O paradigma da cidade funcional não mais deu conta da realidade vivida a partir dos anos 1950. 32 A ideia de satisfação das necessidades, de prazer e emoção já sinalizam o pós-modernismo. 66 O desenvolvimento desigual da economia mundial também colocava “em xeque” o Fordismo e seu novo internacionalismo e a hegemonia dos Estados Unidos. A América agia como banqueiro do mundo em troca da abertura dos mercados de capital, de maneira tal que as desigualdades resultantes produziram sérias tensões sociais e fortes movimentos sociais por parte dos excluídos. Amplos seguimentos da força de trabalho sem acesso ao emprego privilegiado da produção em massa e ao consumo mostravam-se insatisfeitos. Dessa forma, o Estado se via obrigado a garantir alguma espécie de salário social, adequando para todos os excluídos as políticas redistributivas, evitando assim os ataques à economia pela minoria excluída (Harvey, 1999). Em outras palavras, “a legitimação do poder do Estado dependia cada vez mais da capacidade de levar os benefícios do fordismo” (Id, p.133) e isso se dava através das intervenções urbanísticas. É assim que, mesmo no apogeu do Fordismo, as críticas e as práticas contraculturas dos anos 1960, os movimentos da minoria excluída, e a crítica à racionalidade burocrática começaram a se fundir formando um movimento político-cultural contrário a esse modo de viver. Ressalte-se, por fim, que mesmo com esses descontentamentos, o fordismo manteve a expansão no período pós-guerra até 1973, quando a recessão econômica abala esse quadro. A crença na tecnologia é, então, questionada, uma vez que foi a tecnologia da modernidade que gerou tantas destruições... Começa a figurar de novo a ideia de retorno ao passado, o medo frente a essas tecnologias. 3.5 ARQUITETURA E URBANISMO MODERNISTAS: ALGUNS ARGUMENTOS A partir da contribuição de Léfèbvre, observou-se que o processo de industrialização foi o indutor do processo de urbanização, o induzido. E esse duplo processo, por sua vez, gerou a implosãoexplosão da cidade, isto é, um processo histórico marcado pela concentração (de pessoas, de atividades, de riquezas, etc) e pela projeção de fragmentos múltiplos e disjuntos (as periferias, os subúrbios) na realidade urbana. Nessa linha de raciocínio, pode-se compreender que os períodos aqui abordados, denominados de “Origens da Urbanística Moderna” (com os planos de Paris, Barcelona e Chicago) e de “Arquitetura e Urbanismo Modernistas” (com Gropius, Le Corbusier, Wright e os CIAMs), fazem parte das transformações físico-espaciais desse processo de implosão-explosão da cidade; logo a produção arquitetônica e urbanística da modernidade confirma-se como expressão do processo de transformação da forma, função e estrutura urbana da sociedade urbana. A realidade urbana, agora amplificada e estilhaçada (implosão/explosão), perdeu os traços do “urbanismo sem reflexão” da época em que a Cidade era obra (totalidade orgânica, sentido de 67 pertencer, esplendores monumentais), e se povoou, como disse Léfèbvre, com os signos do urbano representando a ordem repressiva, inscrita por sinais, códigos sumários de circulação e de referência criados pela “reflexão urbanística”, da qual faz parte o ideário arquitetônico/urbanístico moderno, assumindo as características dos planos que a fizeram produto (mais-valia). Nesse contexto, a abordagem teórico-metodológica do trabalho apoiada na contribuição de Léfèbvre e percorrendo todo o eixo analítico da Arquitetura e Urbanismo Modernista, rompe com a concepção tradicional da arquitetura que vê o espaço como um receptáculo e confronta a (pseudo) neutralidade do mesmo, enfatizando a função instrumental do plano urbanístico, e, no limite, a Arquitetura e Urbanismo como mecanismos de controle social, uma vez que o espaço envolve poder e poder é sinônimo de controle e dominação. Dessa forma, o ideário da arquitetura e do urbanismo modernistas, ao enaltecerem os princípios da produção industrial transportando-os para a produção do espaço, encobriu as relações de poder, mascarou a dominação do capitalismo por detrás da ideia de melhoramentos urbanos, melhores condições de vida, universalização da moradia, etc. As ideias de racionalidade, funcionalidade, estandartização,e de produção em série, que fazem parte do ideário da Arquitetura e Urbanismo modernos, na verdade, serviram para manter um aspecto de unidade/homogeneidade, daquilo que era não-unidade/heterogeneidade; serviram para manter unido/coeso, aquilo que na sua essência já era desunido/não-coeso: o Capital e o Trabalho, os dominantes e os dominados. Esse parece ter sido o papel da produção arquitetônica/urbanística moderna: possibilitar a coesão social, para aquilo que era coerção, o imperialismo capitalista. O contra-ataque do Capital às possíveis revoluções, mascarando suas enormes contradições, se deu via intervenção no espaço. ... o Estado de Bem-estar com os investimentos em transporte, equipamentos públicos, e com um forte complemento ao salário social com gastos de seguridade social, assistência médica, educação e habitação também permitiu, com a possibilidade do consumo dos sindicatos, sua cooptação. Com efeito, ganhos reais de salários para as organizações sindicais significavam cooperação na rotina de disciplinação dos trabalhadores ao sistema fordista de produção (HARVEY, 1999, P.134). Dessa forma, o planejamento se convertia numa exigência para evitar a anarquia, controlar a expansão urbana e garantir a construção de equipamentos sociais, expressão do Estado de Bem-estar que se instaurara. Pode-se dizer, diante do exposto, que surge uma relação de reciprocidade, onde, a partir dos anos 1930, e de maneira especial depois da Segunda Guerra Mundial, as teses fordistas, tayloristas e keynesianas proporcionaram justificativa teórica à Cidade Funcional e esta, por sua vez, as condições físico-espaciais para a sua reprodução. Não é coincidência que os chamados “anos dourados” do Capitalismo sejam os anos do pós1945 até a década de 1970, período onde o ideário arquitetônico/urbanístico modernista triunfou. 68 “Aliás, uma característica dos anos dourados do imperialismo foi consolidar a dominação dos meios de expressão e de circulação de ideias pelo grande capital[...]” (NETTO E BRAZ, 2006, p.199). Le Corbusier passou para a cidade os postulados da produção fordista e taylorista garantindo o controle social frente às ameaças de revolução devidas às contradições do capitalismo. O controle social se expressou através das intervenções do urbanismo modernista, o qual deu a forma física à cidade fordista. Os princípios de racionalização por decomposição das tarefas e funções elementares que gerou aumento na produtividade e maiores lucros para as fábricas foram transportados para a cidade através do zoneamento, que a dividia à maneira da produção fordista. O zoneamento dividia toda a cidade em áreas de acordo com suas funções, enaltecendo a funcionalidade no urbano, não permitindo que se misturassem distintos usos do espaço. A forma difusa de cidade se impulsiona durante a etapa do capitalismo fordista, através de fenômenos característicos como a suburbanização e desconcentração, rompendo com a forma compacta marcada pelas barreiras físicas das muralhas, como se via no princípio do século XIX. As características da industrialização fordista e taylorista induzem a expansão urbana das cidades, tal como alertou Léfèbvre. A partir dos anos 1920, o uso do automóvel e a aplicação das concepções urbanísticas relacionadas com o campo (como o conceito de cidade-jardim e a Broadacre City) propiciaram ao Estados Unidos as primeiras fórmulas residenciais de baixa densidade, que logo se converteram em modelos essenciais para a disseminação do Fordismo. Como foi observado, a crise de 1929 evidenciou a necessidade de novas formas de intervenção do Estado na economia capitalista que, segundo Netto e Braz (op. cit.), obrigou os dirigentes capitalistas a adotarem políticas keynesianas, de 1945 até a década de 1970. Dessa forma, a urbanística de Le Corbusier com o Le Modulor e os CIAMs inseriram a produção do espaço dentro das políticas keynesianas e, como visto, consolidando o imperialismo do Estados Unidos, o qual passou a financiar reformas em outros países. Embora as ideias dos CIAMs e do urbanismo moderno tenham influências socialistas, a arquitetura e urbanismo que se desenvolveram a partir delas não rompem com a lógica do Capitalismo. O Urbanismo Modernista ao conceber a casa como uma máquina de morar, devendo ser racionalizada e produzida em série, tal como se pensou na Bauhaus - onde se buscava um design anônimo, uma arquitetura anônima - possibilitou, na verdade, a socialização da produção da casa, mas manteve a apropriação dos lucros, do excedente, de forma privada e inalterada. Ou seja, a utopia antiurbana que se via presente nas obras de Le Corbusier e Wrigth, a posição contrária ao fordismo que se reconhece na Bauhaus não foram capazes de romper com a lógica das relações de produção capitalistas. Esse antiurbanismo parecia querer destruir apenas a cidade, esquecendo-se que as relações sociais têm um papel preponderante na produção do espaço. 69 Os cinco pontos da nova arquitetura desenvolvidos por Le Corbusier, a ideia de casa mínima produzida em série e racionalizada da Bauhaus, os conceitos de cidade-jardim de Howard, divisão da cidade em zonas pelo urbanismo funcionalista, o edifício solto na quadra ou no meio do lote, são algumas características de destaques da Arquitetura e Urbanismo do século XIX e XX desenvolvidas na Europa e nos Estados Unidos que se tornaram úteis para a produção da hegemonia capitalista. Tal como a troca assumiu uma função urbana e gerou formas arquitetônicas, e modificou a estrutura espacial em Léfèbvre, a indústria se tornou função urbana também e gerou novas formas arquitetônicas; a casa máquina de morar de Corbusier modifica a estrutura do espaço. Com isso, a produção arquitetônica/urbanística do modernismo parece ter se constituído em uma resposta espacial para a consolidação das relações capitalistas e a superação de suas crises, pois o Urbanismo modernista é a expressão físico-espacial do keynesianismo. A construção de um Estilo Internacional de Arquitetura e Urbanismo ditado pela Carta de Atenas e pelos CIAMs também ajudou a fase imperialista do Capitalismo, pois escreveram as regras de como produzir a cidade funcionalista para todo o mundo. A produção intelectual da Arquitetura e Urbanismo, ou seja, o ideário arquitetônico/urbanístico modernista faz parte das ações do Estado Interventor que visa a garantir não só as condições externas da produção e acumulação capitalista, mas principalmente, as condições gerais no espaço urbano para a sua reprodução. A Arquitetura e o Urbanismo Modernistas (internacionais), de certa forma, fomentaram as condições físico-espaciais de expansão, permitindo o desenvolvimento pleno do capitalismo em outros setores ou territórios, o capitalismo se deslocalizou, usando a expressão de Lipietz, ou seja, desdobrou-se em termos mundiais, integrando diretamente outras economias. Parece ter sido esse o verdadeiro funcionalismo da Arquitetura e Urbanismo modernistas. No que concerne à deslocalização do Capital em outros territórios, ao se permitir a "exportação" das regras e normas da arquitetura e urbanismo através da Carta de Atenas, sugere-se também o favorecimento do processo de desenvolvimento desigual e combinado do Capital, promovendo a integração de territórios desiguais em diferentes continentes numa economia mundial, como por exemplo, o processo de industrialização do Brasil. Pode-se compreender também que essa Arquitetura e Urbanismo Modernistas que tanto influenciaram na produção arquitetônica brasileira, se constituíram num instrumento de esfumaçamento das relações de dominação e desigualdade que se estabeleceu entre o Brasil e as nações de capitalismo avançado; servindo tal ideário arquitetônico/urbanístico a instaurar o Fordismo Periférico. Diante da análise realizada, as formas, funções e estruturas urbanas advindas da Arquitetura e Urbanismo modernistas produziram e reproduziram se tornaram forças produtivas da hegemonia capitalista. Era necessário mudar a cidade para se garantir a dominação! 70 “É preciso mudar algo para que tudo permaneça como está”. Personagem d’O Leopardo, notável romance do italiano Giuseppe Lampedusa (1896-1957). 71 EIXO 2 72 4 ARQUITETURA E URBANISMO PÓS-MODERNOS COMO EXPRESSÃO DA ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL. Em meados dos anos 1966 já se marcavam quedas significativas na produtividade e na lucratividade nos Estados Unidos e principalmente o aumento acelerado da inflação, a qual começou a solapar o papel do dólar como moeda-reserva internacional estável. Embora a existência de críticas e questionamentos aos “anos dourados” do capitalismo - como a crítica da inflação permanente e funcional e a da transformação dos serviços (educação, saúde, cultura e lazer) em mercadoria - e apesar das enormes desigualdades sociais, observava-se nos países centrais a proteção social pelo Welfare State através de políticas sociais e do consumo de automóvel pela massa trabalhadora. Nos países periféricos, destacavam-se os projetos industrializantes como formas de combater o atraso e era nesse cenário, com a presença de instituições políticas como a Organização das Nações Unidas (ONU), o Banco Mundial (BIRD) com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que “o capitalismo democrático” se consolidava, a produção em larga escala encontrava um mercado em expansão considerada infinita e a intervenção reguladora do Estado controlava as crises (Netto;Braz, 2006). De 1965 a 1973, a competição internacional intensificou-se, colocando em questão a hegemonia dos Estados Unidos através dos países como o Japão e os da Europa Ocidental, rompendo-se o acordo de Bretton Woods (1971) – de fixação do preço ouro e da convertibilidade do dólar –, produzindo-se a desvalorização do dólar e deixando evidente a incapacidade do fordismo e do keynesianismo de conter as contradições do capitalismo. Nesse período, a queda nas taxas de lucros, o aumento dos gastos com os direitos sociais conquistados pelos trabalhadores e os problemas de rigidez na esfera da produção caracterizavam o final dos trinta gloriosos dos “anos dourados” do capitalismo (Harvey, 1999). Com base na Teoria Geral de Keynes, a qual trabalha em cima da incerteza na produção, são criados mecanismos, e ações do Estado para legitimar o capitalismo e sua forma de produção, de modo que os compromissos do Estado com a massa trabalhadora se tornam mais rígidos, confirmando à política monetária, à rigidez, onde sua capacidade de imprimir moeda era o único instrumento flexível para manter a economia estável. Neste cenário, a inflação destaca-se e uma “onda recessiva” passa a caracterizar o período pós-1970, marcando a presença de grandes oscilações econômicas e incertezas. Segundo Netto e Braz (op. cit.), é aí que, simultaneamente, começam a ser introduzidas alterações nos mecanismos 73 produtivos, de forma que se esgota a rigidez da acumulação própria do taylorismo‐fordismo e se instauram novos mecanismos de produção, culminando na acumulação flexível 33 . A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões de desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego do chamado “setor de serviços”, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas (HARVEY, 1999, p.140). Essa acumulação flexível se expressa no mercado de trabalho, através de novas modalidades como a subcontratação, o trabalho temporário, os autônomos e os contratos de curto prazo sem os direitos sociais - os considerados “empregos flexíveis”. Já quanto ao controle do Trabalho pelo Capital, a simples coerção fordista perde espaço, e por trás da ideia de participação e envolvimento dos trabalhadores nas empresas, cria-se uma noção de comunidade (toyotismo) e de equipe de trabalho, favorecendo a baixa consciência de classe da massa trabalhadora. A acumulação rígida ao dar lugar à flexível permite a externalização dos custos, precarização dos empregos e a flexibilização das relações capital - trabalho de forma que a queda das taxas de lucro seja contida e possibilite maiores mecanismos de exploração da força de trabalho. Além disso, o capital promove a “desterritorialização” da produção levando unidades produtivas para novos espaços territoriais, principalmente nos países de capitalismo periférico, acentuando ainda mais o seu caráter desigual e combinado (Harvey, 1999). Essa flexibilidade que rompeu com a rigidez e a estandardização do fordismo busca atender variabilidades culturais e regionais, voltando-se às especificidades do consumo, de maneira que não se restringe apenas à esfera econômica, dando-se também tal ruptura na arte. Assim, a ideia de modernismo não mais se aplicava frente às transformações que se percebiam na nova sociedade (novas filosofias, novas invenções tecnológicas), sendo necessário um novo termo para dar conta do cenário que se construíra. Surge, então, o pós-modernismo, reconhecido também na cidade, através dos novos paradigmas nas formas físico-espaciais, marcando uma certa descontinuidade da Arquitetura e Urbanismo Modernos para o início da Arquitetura e Urbanismo Pós-Modernos. 33 Essa rigidez também se dava na Arquitetura Moderna, as formas prismáticas, padronizadas, o concreto armado eram responsáveis por imprimir essa rigidez à plasticidade arquitetônica. 74 De acordo com Santos (1987), o termo pós-modernismo se aplica às mudanças percebidas na arte, na ciência e na sociedade como um todo já a partir da década de 1950. Ele nasce com a Arquitetura e a Computação e ganha destaque com arte Pop dos anos 1960, crescendo principalmente a partir da crítica à cultura ocidental, e das invenções tecnológicas nos anos 1970. Enquanto o modernismo pode ser compreendido como a crise da representação realista do mundo, onde a arte como representação das coisas não traduz o mundo e a estética tradicional não consegue dar conta de captá-lo; o pós-modernismo valoriza a antiarte, 34 os signos e símbolos que estavam nas ruas, fundindo arte e cotidiano. O pós-modernismo caracteriza-se pelo frívolo, pelo efêmero, pela pouca crítica. Em síntese, Harvey (1999) e Santos (1987) apresentam o seguinte esquema para designar as diferenças esquemáticas entre modernismo e pós-modernismo: MODERNISMO PÓS - MODERNISMO Romantismo/ simbolismo Parafísica / dadaísmo Forma (conjuntiva, fechada) Antiforma (disjuntiva, aberta) propósito jogo projeto acaso hierarquia anarquia Domínio/logos Exaustão/silêncio Objeto de arte/obra acabada Processo/performance/happening metáfora metonímia Seleção combinação Raiz/profundidade Rizoma/superfície Código mestre idioleto tipo mutante Cultura elevada Cotidiano banalizado arte antiarte Obra/originalidade Processo/pastiche Ilustração 18- Esquema comparativo entre o modernismo e o pós-modernismo baseado em Santos (1987) e Harvey (1999). Fonte: acervo do autor Na Arquitetura, o pós-modernismo se coloca contrário ao funcionalismo e ao racionalismo da Bauhaus, de forma que o dogma modernista “a forma segue a função”, foi substituído pela “função obedecendo à forma e à fantasia”. Contra o estilo universal modernista, os arquitetos italianos e depois os americanos e os ingleses se voltam para o passado, aliando novos materiais aos antigos, retomando o ornamento, as colunas gregas, o desequilíbrio, a decoração, o movimento, a bizarrice, a fantasia (Santos, 1987). É nesse cenário que uma das principais imagens arquitetônicas do modernismo, a fábrica, sede lugar ao Shopping Center, a sociedade do consumismo, em lugar da sociedade do trabalho. 34 A antiarte pode ser considerada a “desestetização”, a não-definição da arte, a valorização do acaso, das diferenças, do conceitual, do hiperrealismo, se apoiando nos objetos (não no homem), na matéria (não no espírito), no momento (não no eterno), no riso (não no sério). 75 Essa sociedade do consumo é caracterizada pelos empreendimentos, pelas fusões e incorporações de empresas como maneiras alternativas de se obter em mais lucros que não se restrinjam apenas na escala da produção, mas principalmente na escala financeira (Harvey, 1999). Além disso, o equilíbrio existente entre o poder financeiro e o poder do Estado, caracterizado pelo fordismokeynesianismo, é rompido, colocando rapidamente os Estados Unidos de país credor global líquido a país devedor do mundo, principalmente após o final do acordo de Bretton Woods (1971) e do reconhecimento das políticas keynesianas se mostrarem mais inflacionárias, à medida que aumentavam as despesas públicas, gerando uma forte crise de 1973 a 1975. Tornam-se, pois, claramente imbricados, a crise do capitalismo com a crise do modernismo, colocando a Arquitetura e Urbanismo Pós-modernos como expressão estética da acumulação flexível. 4.1 DA DINAMITAÇÃO DO PROJETO RESIDENCIAL PRUITT–IGOE À TEORIA DA ARQUITETURA E URBANISMO PÓS-MODERNOS: ROBERT VENTURI, JANE JACOBS, KEVIN LYNCH, ALDO ROSSI E RICARDO BOFILL. Segundo o crítico de arquitetura e historiador Charles Jencks, em seu livro The language of postmodern Achitecture, a dinamitação do projeto Pruitt- Igoe em 15 de Julho de 1972 situa com precisão a morte da Arquitetura Moderna. Tratava-se de um espaço habitacional com 3.000 unidades de moradia para a população de baixa renda, construído entre 1952 e 1955 pelo Arquiteto Minuro Yamasaki. Enaltecia os princípios de arquitetura e urbanismo do Le Corbusier e dos CIAMs, onde a ideia de casa máquina para a vida moderna era plenamente enaltecida. Além disso, um sistema de ruas suspensas separando circulação veicular e de pedestres, com 35 blocos de onze andares, e com espaços caracterizados por diferentes funções como playground, área de lavanderia e creche, áreas comunitárias, e espaço público com os pilotis, seguindo a todos os preceitos da Carta de Atenas (motivo pelo qual o projeto foi premiado pelo Instituto Americano de Arquitetos, em 1951), tornaram-se as características principais desse grande conjunto habitacional. Com o intuito de influenciar o comportamento dos que lá habitavam, o Pruitt-Igoe recebia as pessoas desempregadas e sem condições de sustento. No entanto, toda a sociedade passava a ver os moradores desse complexo como desempregados e estigmatizava-os. E, embora o governo procurasse viabilizar o projeto, houve um aumento da degradação, do vandalismo e da insatisfação pelos próprios moradores, que apoiaram a sua dinamitação. 76 Ilustração 19 - Demolição de Pruitt-Igoe, 1972. Fonte: ARCHITECT, Setembro de 2011. Ilustração 20 - Guggenheim museum from New York, projeto de Frank Lioyd Wright. Fonte: Guggenheim.org Ocorre que antes mesmo da Segunda Guerra Mundial, a Arquitetura Moderna já estava posta em crise pelas últimas obras de Wright, como o Museu Guggenheim, projetado para Nova Iorque em 1943. Nessa obra, por exemplo, o próprio arquiteto fala da sua intenção de realizar um edifico de figura simbólica, rompendo com a lógica rígida e prismática do urbanismo modernista, criando um projeto de formas ovais e inusitadas. Também Robert Venturi, arquiteto italiano, em sua obra “Learning from Las Vegas”, publicada também em 1972 com os autores Scott Brown e Steven Izenour, se posicionava contrário aos princípios e paradigmas da Arquitetura e Urbanismo Modernos. Na sua pesquisa desenvolvida ao final dos anos 1960 para intervenção no corredor comercial de Las Vegas (Strip), Venturi sugere que o arquiteto tem muito a aprender com a paisagem, e ao invés de arrasá-la, pode a partir dela, ter o insight. Distancia-se assim da ideia do terreno ideal, passando a se compreender a paisagem e seu contexto. Eles argumentam: Aprender com a paisagem existente é, para o arquiteto, uma maneira de ser revolucionário. Não do modo óbvio, que é derrubar Paris e começar tudo de novo, como Le Corbusier sugeriu na década de 1920, mas de outro, mais tolerante, isto é, questionar o modo como vemos as coisas. [...] Os arquitetos perderam o hábito de olhar para o ambiente sem emitir julgamentos porque a arquitetura moderna ortodoxa é progressista, se não revolucionária, utópica e purista; ela está insatisfeita com as condições existentes. A arquitetura Moderna tem sido de tudo, menos 77 tolerante: os arquitetos preferiram mudar o entorno existente em vez de realçar o que já existe (VENTURI, 1972, p.25). Venturi e seu grupo de arquitetos buscam, então, adotar uma posição populista em relação à intervenção em Las Vegas, de forma a colocá-la como a explosão da fantasia popular, concordando ao design arquitetônico uma sociedade exclusivamente impulsionada pela economia; “uma sociedade que não tem nada de mais importante a representar do que o gigantesco anúncio luminoso da rua comum” (FRAMPTON, 1997, p.354). Como a arte refinada segue a arte popular, sugerem uma arquitetura de signos e símbolos através de um corredor comercial, onde a luminosidade, a comunicação e os símbolos se tornaram dominantes. O edifício, diante dos letreiros e das placas convidativas do corredor comercial, perde sua importância e o signo e/ou símbolo se tornam a própria arquitetura, passando-se do “texto” para o “contexto”: a possibilidade de lucrar através da experiência do espaço. Isso se vê claramente no espaço do Shopping Center, que mais valoriza o interior, o baixo pé-direito de forma a viabilizar os condicionadores de ar e os símbolos como elementos de comunicação para o lucro. O símbolo domina o espaço. A arquitetura não é suficiente. Uma vez que as relações espaciais são feitas mais por símbolos do que por formas, a arquitetura nessa paisagem se torna mais símbolo no espaço do que forma no espaço. A arquitetura define muito pouco [...] O letreiro é mais importante do que a arquitetura. Isso se reflete no orçamento do proprietário. O letreiro na frente é uma extravagância vulgar, o prédio nos fundos, uma necessidade modesta. O que é barato aqui é a arquitetura. Às vezes, a própria construção é o anúncio: a avícola em forma de pato, chamada “O patinho de Long Island” é o símbolo escultural e abrigo arquitetônico (VENTURI, 1972, p.40). Percebe-me claramente, que o projeto de pesquisa de Venturi em Las Vegas centra-se na linha do pós-modernismo. O simbolismo, a banalidade, os signos e a comunicação, a união da arte refinada com a arte popular, são características encontradas em sua proposta. Além disso, a maneira como se elaborou a proposta e como ela ocorreu também já demonstra claras rupturas com o modo de projetar do International Style. Seus amigos arquitetos estabeleceram acordos com empresas locais de Las Vegas para conseguir financiar sua pesquisa: empresas de aluguel de carros, helicópteros e, principalmente, grandes hotéis e estabelecimentos comerciais apoiaram o desenvolvimento da proposta, uma vez que o Comitê de Embelezamento de Las Vegas recomendava que a Strip (ou o corredor comercial) fosse transformada 78 numa Champs-Élysées do Oeste, implementando árvores e fontes gigantescas no meio dos letreiros luminosos; e os organismos locais de zoneamento e planejamento continuavam a persuadir os postos de gasolina a imitar a arquitetura dos cassinos, em nome de manutenção da unidade arquitetônica, um conceito totalmente modernista. Fica claro que a posição dos organismos de poder público era outra; e que, é através das relações com as empresas privadas, a proposta de Venturi ganha força. Ilustração 21 - The Big Duck, New York, 1931. Fonte:Wikipedia. Ilustração 22- Livro de Robert Venturi e as imagens de Las Vegas. O letreiro destaca-se em detrimento da arquitetura. Fonte: VENTURI, 1972. Não só através dos projetos arquitetônicos/urbanísticos surgiam as críticas à urbanística moderna, mas também através de obras literárias e pesquisas acadêmicas. Jane Jacobs, em sua obra A Morte e a Vida nas Grandes Cidades Americanas, publicada em 1961, já alertava que o projeto da Cidade Modernista apresentava graves conseqüências negativas para seus habitantes. A autora demonstra a importância de 79 visibilidade e de segurança que se alcançava através da rua limitada pela fachada das casas ao invés do edifício solto no meio das grandes quadras. Tais ruas seriam o lugar de contato social cotidiano, os lugares de passeios vigiados pelos vizinhos e pelos transeuntes, e principalmente, formariam os espaços seguros para diversão e lazer das crianças. Jacobs diz que escreve sua obra sobre “o funcionamento da cidade na prática”, uma vez que os paradigmas, princípios, leis e normas da Arquitetura e Urbanismo Modernos são ortodoxos e favorecem a decadência dos espaços, marcando os lugares pela insegurança, monotonia, esterilidade e vulgaridade, chegando até mesmo “à morte”. A autora exemplifica a área de Morningside Heights na cidade de Nova York, que passou por uma intervenção seguindo as teorias do urbanismo modernista, onde todos acreditavam não existir problema algum, pois possuía áreas com os usos zoneados sem a proximidade de indústrias, grandes áreas verdes, playground; além, é claro, de um terreno dito ideal; ainda assim, no início dos anos 1950, essa área transformou-se em zona de cortiços e espaços de insegurança. Frente a esse cenário, as instituições de planejamento propuseram a demolição da maior parte degradada e construíram um empreendimento de renda média dotado de Shopping Center e de um conjunto habitacional, dentro de uma proposta de renovação urbana. Contudo, segundo a autora, foi aí que a área decaiu ainda mais. Outro exemplo usado foi um conjunto habitacional no East Harlen de Nova York, com um imenso gramado que era alvo de reclamações dos moradores. Jacobs (2003) destaca a insatisfação dos moradores com o gramado, através de suas falas, onde, ...certo dia uma moradora mais bem articulada que os outros disse o seguinte: "Ninguém se interessou em saber o que queríamos quando construíram este lugar. Eles demoliram nossas casas e nos puseram aqui e puseram nossos amigos em outro lugar. Perto daqui não há um único lugar para tomar um café, ou comprar um jornal, ou pedir emprestado alguns trocados. Ninguém se importou com o que precisávamos. Mas os poderosos vêm aqui, olham para esse gramado e dizem: 'Que maravilha! Agora os pobres têm de tudo!” (JACOBS, 2003, p.14). A estudiosa rompe, então, com os paradigmas do urbanismo moderno ao alertar a proximidade das casas, o uso das calçadas, a necessidade de quadras curtas e, a combinação dos usos como meios para se garantir “a vida”, a integração das pessoas na cidade. Para ela, as práticas urbanísticas modernas em voga nos Estados Unidos tinham origens na proposta de Howard e a sua cidade-jardim, nos textos e projetos de Le Corbusier, bem como no movimento do City Beautiful; e, através do conceito de Renovação Urbana, impunham as doutrinas dos CIAMs e da Carta de Atenas como perfeitos para o bom funcionamento das cidades. No entanto, a mesma denuncia que isso tudo não passa de uma falácia. Além de Jacobs, na década de 1960, também Kevin Lynch lança uma obra clássica na literatura de Arquitetura e Urbanismo, “A Imagem da Cidade”. Esta é uma obra com características de ruptura com os 80 paradigmas e princípios da Arquitetura e Urbanismo Modernos, principalmente por apresentar a ideia de que a cidade possui uma imagem construída não apenas pelas suas formas físico-espaciais, mas pela interação de um processo bilateral entre o humano e o meio, onde o meio ambiente sugere distinções e relações e o humano (observador) - com grande adaptação e à luz de seus conhecimentos próprios seleciona, organiza e atribui significado àquilo que vê (Lynch, 1999). Para esse autor, a imagem da cidade para o individuo forma-se a partir de mapas mentais, utilizando-se de cinco elementos principais: as vias, os limites ou contornos, bairros, pontos nodais e marcos de referência. Um dos pontos de destaque na obra é que a Imagem de Cidade pode ser diferenciada de individuo a indivíduo ou por grupos de pessoas estabelecidos a partir de uma classificação “mais homogênea possível, segundo idade, sexo, cultura, ocupação, temperamento, ou familiaridade” (LYNCH, 1999, p.17). Dessa forma, a ideia de uma concepção universal da cidade presente no Urbanismo moderno é completamene rompida e a imagem da cidade não se faz só fisico-espacial, e sim pelo triplíce atuação da estrutura, do significado e da imaginabilidade da cidade, onde os humanos atribuem sentido e significado à experiência espacial vivida. Além disso, o autor ao estudar os marcos de referências da cidade, evoca a importância dos marcos históricos, dos obeliscos da cidade e, nesse sentido, vai de encontro ao modernismo, pois busca afirmar a importância do passado para a localização das pessoas, na identificação das pessoas com a Cidade, colocando a imagem da cidade impregnada de memórias e significados. Em sua obra “A Arquitetura da Cidade” publicada em 1965, o arquiteto italiano Aldo Rossi também rompe com a teoria modernista da cidade, opondo-se ao funcionalismo e coloca as motivações culturais presentes no locus como determinantes ao desenho arquitetônico. O pensamento de Rossi compreende a Arquitetura da Cidade como uma obra de arte e, nesse sentido, contém características relacionadas não apenas com aspectos econômicos, mas com questões objetivas e subjetivas, conscientes e até mesmo inconscientes, como uma “criação inseparável da vida civil e da sociedade [... que] por dar forma concreta à sociedade e sendo intimamente ligada a ela e à natureza, a arquitetura é diferente, e de um modo original, de todas as outras artes” (ROSSI, 1995, p.01). Rossi define, então, a Cidade como artefato, como obra de arte, como a coisa humana por excelência; e é precisamente a sua forma que fica impressa em nós. Aldo Rossi sugere então uma simbiose humano-espaço, de maneira que não é mais a tipologia da habitação o ponto de partida da cidade, mas sim o fato urbano. Os fatos urbanos são igrejas, praças, esquinas de ruas, monumentos, bairros, pontes e outros fatos que possuem um caráter singular, uma unicidade que os tornam metaforicamente muito semelhantes à obra de arte, ou seja, eles não são apenas a forma física, mas também e principalmente, a expressão de 81 um significado reconhecido pelo humano (como por exemplo, as pontes da cidade do Recife podem ser consideradas como um fato urbano para Aldo Rossi, pois a história, a cultura do lugar, as pessoas, dotaram-na de uma unicidade). Como os fatos urbanos são relacionáveis as obras de arte? Todas as grandes manifestações da vida social têm em comum com a obra de arte o fato de nascerem da vida inconsciente, esse nível é coletivo no primeiro caso e, individual no segundo, mas a diferença é secundária, porque umas são produzidas pelo público, as outras para o público, mas é precisamente o público que lhes fornece um denominador comum (ROSSI, 1995, p. 19). O pensamento de Rossi se torna, então pós-moderno ao romper com a ideia de célula da habitação como célula da cidade e ao colocar o fato urbano como composição de destaque na cidade bem como ao evocar a importância da história na formação dos fatos urbanos. A cidade para Rossi não pode ser anti-histórica, nela há uma cultura em constante transformação. Além disso, o autor apresenta uma discussão pertinente sobre tipologia e modelo, tomando por base a teoria de Quatremère de Quincy 35 retomada por Argan na década 1960 sobre a diferença de tipo ideal e modelo físico. O modelo, entendido segundo a execução prática da arte, é um objeto que deve se repetir tal como é; o tipo é, pelo contrário, um objeto, segundo o qual um pode conceber obras , que não se assemelharão entre si. No modelo, tudo é dado e preciso, no tipo tudo é mais ou menos vago (GIULIO CARLO ARGAN apud ROSSI, 1995, p.25). O conceito de tipo pode constituir o fundamento base da Arquitetura, um enunciando lógico que precede a forma e a constitui, pois são elementos fundamentais e irredutíveis. Em síntese, ele afirma que o tipo é a própria ideia de arquitetura, é aquilo que está mais próximo de sua essência, e que apesar de poder se transformar com o tempo, ele apresenta uma constante (o tipo cruz nas igrejas, o tipo central em alguns tempos gregos). O autor contribui, então com uma metodologia historicista sobre a arquitetura da cidade, totalmente voltada para dimensão cultural e coletiva, principalmente por definir o tipo como “um fenômeno cultural”, enquanto o modelo é que está relacionado à repetição. Isso rompe com a ideia de tipo e tipologia modernista 36 . Outro arquiteto que segue a linha do pensamento de Rossi é o espanhol Ricardo Bofill, destacando-se por apresentar uma proposta para Les Halles - que está no coração de Paris. Diferente de Le Corbusier, que em 1925 no seu Plano Voisin propusera arrasar o solo e criar torres para as atividades Argan em 1965 defendeu “a tipologia como processo criativo e não como mero sistema de classificação. Adotando a distinção entre tipo e modelo, conforme Quatrèmere de Quincy, Argan enfatiza que apenas o tipo deveria ser o ponto de partida do projeto”. 35 A ideia de casa protótipo presente na Arquitetura e no Urbanismo modernistas, a qual pode ser reproduzida em série, favoreceu no âmbito do Planejamento Urbano à prática das tipologias habitacionais que se repetem. 36 82 humanas, Bofill sugere uma configuração espacial mais tradicional, humanitária e urbana, um Classicismo Francês, onde no centro há uma grande arena pública elíptica, rodeada por fachadas clássicas de uma série de apartamentos constituídos por base - eixo e capitel, agregando um efeito cinematográfico. Ilustração 23 - La Petite Cathedrale 1971, Cergy-Pontoise, France. Fonte: Ricardobofill.com Ilustração 24 - Le Palacio – Les Espaces d’Abraxas - 1983 Fonte: Ricardo Bofill, 1985. O maior sucesso de Bofill como arquiteto e urbanista, na França é o projeto de 1971, La Petite Catedral de Cergy – Pontoise, onde ele se baseia em Violet–le–Duc e no Goticismo de Gaudi, estabelecendo um estruturalismo e um classicismo tradicional. Através do pastiche, do simulacro e dos efeitos visuais conseguidos com as texturas e vidros, o arquiteto se torna um nome de destaque da Arquitetura e Urbanismo Pós-moderno. Diante do exposto, e a partir da crítica de Frampton (1997), podem-se esboçar as seguintes características da Arquitetura e Urbanismo Pós-modernistas: a) O populismo – que se encontra na obra de Venturi e nos seus estudos sobre a paisagem e o cotidiano de Las Vegas, caracterizando-se pela crítica ao redutivismo do Modernismo ao partir sempre da “tábula rasa”, destruindo a cultura urbana e desprezando a dinâmica da paisagem. Dessa forma, o crítico Charles Jencks, identifica como pós-moderno a arte populista-pluralista de comunicabilidade imediata que, 83 na verdade, simula cinematograficamente perfis, imagens e simbolos do vernacular de “patético mau gosto” (Frampton, Op. cit.). São exemplos desse populismo a obra residencial de Frank Gehry em Santa Mônica na Califórnia (1979), a Piazza d’Italia em Nova Orleans de Moore; além, é claro, da obra de Venturi sobre Las Vegas; b) O movimento Neorracionalista de Aldo Rossi que, segundo Frampton (Op. cit.), se tratava de uma tentativa de impedir que tanto a arquitetura como a cidade, fossem tomadas pelas forças do consumismo megalopolitano. Rossi contribui principalmente com o estudo da morfologia urbana, colocando a forma urbana determinada não pela unidade habitacional mais pela relação dialética dos fatos urbanos. Para o crítico, Rossi tenta evitar a lógica positivista e a fé cega no progresso presentes no Modernismo, principalmente ao evocar a importância do inventário e da memória na produção da cidade. Ainda é destacado o papel do genius loci na produção da Arquitetura da Cidade, uma vez que a prática do terreno ideal não é mais capaz de traduzir a realidade da sociedade. São exemplos desse neo-racionalismo o bloco residencial no bairro de Gallaratese de Milão, de Rossi (1969 -1973), e o complexo de apartamentos Noisy 2 de Enrique Ciriani, em Marne-la- Vallée perto de Paris (1980); c) Megaclassicismo de Bofill, usando do pastiche e do simulacro para criar efeitos na Arquitetura e Urbanismo. Constituem-se exemplos desse Megaclassiscismo as obra do “Le Palacio”, Les Espaces d’Abraxas, Marne-la-Vallée, 1979 – 1983. 4.2 A INTERVENÇÃO DE BARCELONA PARA AS OLIMPÍADAS DE 1992. Frampton (1997), Harvey (1999), bem como diversas pesquisas e artigos desenvolvidos por Sánchez (2011) colocam a importância do Plano de Barcelona em meados dos anos 1980 como paradigmático da Arquitetura e Urbanismo Pós-Modernos. Com a perspectiva dos Jogos Olímpicos, a Diretoria de Planejamento de Barcelona inaugura um novo ciclo de gestão urbana para a cidade, conjugando micro intervenções estratégicas a um plano mais geral. Segundo Borja e Muxí (2004), esse novo tipo de gestão urbana ocorreu devido a uma concordância entre um governo orientado à esquerda com apoio dos movimentos sociais e eurocomunistas, bem como uma ampla base política e social, onde no centro, uma direita catalã participa do governo de forma a constituir uma aliança entre os produtos urbanos, a qual evocava a importância da construção de equipamentos de bairros, centros cívicos, equipamentos culturais, espaços públicos com animação sociocultural para a cidade, além de projetos de renovação e reabilitação urbana de conjuntos históricos degradados. 84 A partir da metade dos anos 1980, ainda de acordo com Borja - geógrafo e sociólogo à frente da Prefeitura de Barcelona de 1983 a 1995-, ocorre o crescimento econômico com aumento dos postos de trabalhos na Europa, na Espanha e, principalmente, na cidade de Barcelona, se estabelecendo nesse novo processo de gestão urbana um diálogo social com a participação dos cidadãos. Foi assim elaborado o “Plano Estratégico da Cidade” em 1988, inaugurando um urbanismo dito democrático, cidadão e integrador. Nasce, então, um projeto para se pensar a cidade pós-Jogos Olímpicos de 1992, exaltando os espaços públicos, a descentralização, a alta qualidade arquitetônica e as “intervenções de sutura” nos territórios periféricos da cidade, bem como de renovação da zona litoral histórica para tornar invisível as indústrias abandonadas, os terrenos baldios com esgotos e resíduos de incineração e toda a parte degradada que se integrava à Barcelona. O Plano Estratégico de Borja para Barcelona foi influenciado pelas ideias do arquiteto Oriol Bohigas 37 da segunda geração dos CIAMs que em 1963 escrevera o livro Barcelona el Pla Cerda i el barraquisme (Barcelona entre o plano de Cerdà e as favelas), onde responsabiliza a Carta de Atenas pelo desaparecimento do lugar urbano por excelência, a rua do século XIX, sendo essa uma das maiores fatalidades da Arquitetura e do Urbanismo. Utilizando a Barcelona do século XIX, Bohigas se coloca contrário à ação de assepsia do Urbanismo Racionalista praticada no pós-guerra, dando as bases para o trabalho de Borja, o qual elege o espaço público como o instrumento urbanístico fundamental para o resgate da cidade democrática contemporânea, ameaçada pela monotonia, fragmentação dos usos do modernismo. Borja compreende que o espaço público é capaz de organizar toda a cidade, uma vez que ele é suporte de diversos usos e funções e pode criar lugares, espaços culturais, símbolos de identidade coletiva. A Intervenção de Barcelona proposta pelo geógrafo e sociólogo na verdade passou a ser expressão da dominação capitalista, onde a busca pela mais-valia se dá pela experiência arquitetônica urbanística, almejando-se tornar invisível a parte degradada da cidade e sua área de cornubação, bem como criar um plano metropolitano com atuação nos bairros periféricos e populares ao norte da Cidade, na Ciutat Vella e na Gran Via Sur que vai da Plaza de Espanya até o aeroporto e na Frente Marítima com um grande projeto de renovação radical, nas palavras de Borja de Muxí (2004). O arquiteto Bohigas prefaciou o livro El espacio público: ciudad y cidadania, de autoria de Borja e compartilha com ele do conceito de espaço público enquanto instrumento priviliegiado para refazer as cidades e qualificar as periferias, renovar os centros antigos, costurar os tecidos urbanos e dar valor cidadão às infraestruturas, bem como indicador preciso da qualidade de vida, evidenciando os problemas de injustiça social, econômica e polítca da cidade. 37 85 Nou Barris é uma parte ao norte de Barcelona onde se localizam os bairros populares mal urbanizados e mal equipados, ocupada principalmente por autoconstruções e construções modestas, um bairro marginal embora seus moradores estevam integrados à vida econômica da cidade e desconhecido do centro da cidade. No início do século XX era ocupado por pequenos chalets e casas de veraneio, mas com a Primeira Guerra Mundial, com a industrialização entre os anos 1950 e 1960, uma população de 150.000 habitantes se instalou, caracterizando nos anos 1980, mas de 10% da população da cidade (Borja e Muxí, op. cit.). Desde os anos 1980 visavam-se intervenções na área e é com o plano para a Cidade pós92 que estas se consolidam. A criação de espaços públicos integrados com a cidade, equipamentos urbanos de qualidade e o uso de materiais no mesmo nível ou superior aos das zonas ricas da cidade são, nas palavras de Borja (op. cit.), o garantiu o êxito do processo de renovação urbana. Alguns dos principais objetivos previstos, como promover a cidade internacionalmente e grande investimento na sua infraestrutura, dentre elas intervenções nas vias propostas por Cerdà, transformando o ensanche, abrindo anéis viários como o Ronda del Mig, a Ronda de Dalt e a Ronda del Litoral, com o objetivo de reduzir o fluxo de passagem no interior da cidade, foi um dos maiores legados dos Jogos Olímpicos para a cidade. Ilustração 25 - I Pla Estratègic Econòmic i Social Barcelona 2000. Fonte: I Pla Estratègic Econòmic i Social Barcelona 2000. O Urbanismo Pós-92 de Barcelona é acusado de servir, sobretudo aos promotores imobiliários. A Gestão da Cidade pós-olímpica se consolidou a partir dos novos projetos. Nomeadamente, se trata de um oferecimento ao setor privado para desenvolver operações propostas pelo setor público. Na prática, o agente privado assume o projeto e o interpreta segundo seus interesses imediatos e sua peculiar cultura (ou não-cultura) urbana. 4.3 86 BILBAO E O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DA CIDADE A cidade espanhola de Bilbao tem uma história urbana singular, condicionada por acontecimientos definidos: o enclave medieval, sua condição portuária vinculada ao Reino de Castela, seu desenvolvimento e em relação ao Renascimento com uma ilustração de uma corte provinciana, e a eclosão de sua modernidade com a revolução industrial, além de um pós-guerra fundado na indústria e um final de século XX tenso entre a decadência e a busca por uma identidade sólida e próspera. Hoje, o centro de Bilbao, determinado por seus sítios históricos, catalisa e dirige a vida de uma população da área metropolitana de 1.000.000 habitantes em um complexo heterogêneo e dinâmico de municípios e realidades locais em transformação. Seu dinamismo urbano se dá pela sua correspondência com um processo de industrialização original na Espanha, onde desde meados do século XIX, vinculado a um verdadeiro processo de acumulação de capital e à construção de uma sociedade burguesa industrial, capaz de substituir a fonte de recurso do acúmulo de minérios para os setores industriais, mercantis – marítimo- e financeiro. A vida de Bilbao se faz voltada para o porto a partir de sua relação com os portos de Londres e Bruges. Com o processo de expansão urbana a partir de 1514, se foi configurando o espaço de Bilbao La Vieja, San Antón e la Ribera, mas que com o passar dos anos, apesar da intervenção de la Plaza Nueva, esse espaço urbano pode ser considerado “congelado”, constituindo assim o Conjunto Histórico de Bilbao, convertido no século XX, em um bairro popular, marcado pela deteriorização à medida que o centro deslocava-se para outros territórios.Já em 1807, através do projeto barroco de Puerto de la Paz, se mostra a necessidade de expansão da área e, com crescimento da cidade ao longo do século XIX, isso se confirma. Em 1880, Bilbao tem aproximadamente 25 mil habitantes, em 1900 chega aos 78 mil e em 1930 tem quase 160 mil habitantes (Actas de los XI Cursos Monográficos sobre el Patrimonio Histórico: Reinosa, 2000). Contudo, nos anos 1970 se destacam estudos sobre a mudança demográfica na área metropolitana e sua relação com os sistemas produtivos, destacando-se a situação de baixa demográfica em locais com problemas sócio-econômicos acentuados. Assim, é percebido que em meados dos anos 1970, Bilbao se encontra nesse contexto de declive urbano, - entre 1975 e 1981 se definindo como uma área de inflexão demográfica tornando-se uma das regiões da Europa com indicadores preocupantes, produção industrial decaia significativamente, dando-se uma enorme regressão populacional, industrial e migratória (Borja e Muxí, 2004). 87 Pode-se falar de uma Bilbao medieval, uma Bilbao mercantil, uma Bilbao Popular, uma Bilbao burguesa e uma Bilbao trabalho, formas de representar imagens sócio-formais de uma cidade construída historicamente em diferentes ritmos. À margem direita de La Ría, a partir do Mercado de La Ribera e El Arenal passa a se compor como espaço de de fachada urbana moderna e nobre, levantando-se equipamento diversos, enquanto a margem esquerda se destina a espaços vinculados à indústria e às ferrovias. Assim surge uma margem residencial e burguesa a direita, com a tipologia de uma cidade balneário com bairros jardins da elite, enquanto que na esquerda, se consolida um labirinto de fábricas (Actas de los XI Cursos Monográficos sobre el Patrimonio Histórico: Reinosa, 2000). 1200 - precoce vila de pescadores, província anteriormente de basco incorporada Reino de Castela 1300 - Fundação de Bilbao 1512 - Criação do Consulado de Bilbao (organismo para regular o comércio e transporte) 1452-1841 Apreciando especiais dos direitos comerciais 1838 – Primeira indústria de ferro 1857 - Criação da Companhia Ferroviária Tudela-Bilbao e Banco Bilbao 2nd half 19th - 1 ª fase importante da industrialização 1876 - Início da urbanização Ensanche fora da cidade medieval 1890 - Abertura da bolsa de valores / 1936-1939 - Guerra Civil Espanhola 1939-1975 - Espanha sob a ditadura de Franco, País Basco despojado de autonomia 1959 - Formação do grupo terrorista ETA / 1950s/1960s - 2 ª fase importante da industrialização, a imigração de pobres 1970- Início da recessão econômica / 1978 – Retorno da Espanha para a democracia; nova constituição espanhola institutos de 17 regiões autônomas. /1979 - Estatuto de Autonomia para o País Basco sob o governo democrático nova central 1980 - As eleições democráticas para o governo eo parlamento Basco 1981- Acordo econômico entre os governos central e basco 1983 - Dilúvio provoca grandes danos na cidade velha 1986 - Pico do desemprego; perdas populacionais de aceleração 1986 Espanha torna-se membro da Comunidade Européia 1989 Plano Territorial identifica 'áreas de oportunidade " 1991/1992 -Criação de agências de regeneração Bilbao Metrópoli-30 e Bilbao Ria 2000 1995 - Inauguração do novo sistema de metro 1997 - Inauguração do Museu Guggenheim 2006 - ETA chegaram a acordo sobre cessar-fogo Ilustração 26 - Quadro Cronológico de Bilbao [destaque dado pelo autor]. Fonte: (PLOGER, 2008). 88 Ilustração 27 - Final dos anos 1970, atividades minerais e industriais na margem do rio Nervión. Fonte: (PLOGER, 2008). Ilustração 28- Área industrial degradada com resíduos tóxicos no Rio Nervión, confirmando-se a renovação. Fonte: (PLOGER, 2008). Ilustração 29- O padrão habitacional visto como decadente em Bilbao que indicava a renovação urbana. Fonte: (PLOGER, 2008). Com isso, de acordo com Borja, Bilbao ficou associada a uma área de desânimo, de descrença, de incapacidade de recuperação, com perdas no sistema econômico e no conjunto urbano, além, é claro, de uma ausência de identidade cultural. É então uma dessas margens que vai dominar o projeto de expansão de Bilbao colocando “a esperança” em um “projeto entusiasmante” de um museu de Frank Gehry, bem como um Plan General de Ordenación Urbana (1986/ 1994) e o Bilbao Metrópoli 30 no Plan Estratégico de Revitalización del Bilbao Metropolitano (1991). Embora se tratasse de projetos que visavam a justiça social e a sustentabilidade, aconteceu que uma classe social dirigiu o processo de expansão da cidade, encontrando novas possibilidade de recompor sua identidade e torná-la dominante. Associando Bilbao às novas tendências econômicas da União Eiropéia, exigindo dinheiro público para manter a “vocação” da cidade em turismo, redes de hotéis, espaços de cultura e lazer, recuperando suas raízes fluviais através reintegração do Rio Nervión com a nova trama da Cidade disposta no Plano Estratégico de Revitalização. 89 Zorrozaurre, uma das áreas contempladas pelo Plano Estratégico, foi diagnosticada como carente de infraestrutura e equipamentos de recreação, tornando-se chave para o desenvolvimento local e regional através de soluções de transporte de Engenharia integrada com Arquitetura e agregando elementos escultóricos à paisagem, onde o Rio Nervión assume, perante a sua vitalidade e visibilidade, a responsabilidade de propiciar o caráter futuro e a nova identidade de Bilbao. Zorrozaure, a partir dessas intervenções, é “ancorada” com Abandoibarra, uma área onde o Plano Estratégico visava ampliação e integração à rede regional de Bilbao com “aspirações economicamente sustentáveis”. Ilustrações 30 e 31 - Museo Guggenheim Construído em 1997 e recuperação dos espaços degradados em Bilbao. Fonte: (PLOGER, 2008) e Istituto di Formazione Politica Pedro Arrupe. Ilustrações 32 e 33 - Recuperação da área portuária e industrial de Bilbao de 1979 ao início dos anos 2000. Fonte:Istituto di Formazione Politica Pedro Arrupe. O Museo Guggenheim é construído em 1997, caracterizando-se com um projeto de Arquitetura e Urbanismo Pós-moderno, onde, ironicamente, as formas não possuem formas (clássicas), a forma foi flexibilizada a ponto que se tornou “não-forma”. O design High Tech é exaltado através do que o arquiteto denominou de “algo como uma flor de aço”, com mais de 30.000m² , 700 metros de altura e um edifcíco de custo de mais de 100 milhões de dólares, com a promessa de atrair turistas, negócio e dinheiro. A partir desses planos, Bilbao ganha, nas palavras dos arquitetos e urbanistas responsáveis, “universalidade” e “internacionalidade”, atratividade de capitais, diferenciação... Tudo isso favorecido por uma Arquitetura e Urbanismo do espetáculo, da extravagância, da pós-modernidade. A intervenção de Bilbao se constitui num caso paradigmático do Urban Design e do Planejamento Estratégico. 90 O Planejamento Estratégico parte da ideia da Cidade como mercadoria, como lugar a ser atrativo e passa a ser realizado através da parceria público-privado, onde o Estado entra com os custos e riscos e o setor privado recebe os lucros. Desenvolvem-se assim vários shoppings centers, estádios de futebol, arenas de shows, renovação urbana, ou seja, um verdadeiro espetáculo urbano, onde a esfera local se sobrepõe à nacional, buscando “conectar-se” diretamente com esfera global através das reduções das barreiras espaciais (algo bem característico do capitalismo); consolidando-se a competição entre os lugares. 4.4 ARQUITETURA E URBANISMO PÓS-MODERNOS E A ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL: ALGUNS ARGUMENTOS Após a II Guerra Mundial até o último cartel do século XX, as grandes cidades do mundo experimentaram um intenso crescimento econômico de matriz fordista-taylorista e keynesiana, onde a intervenção do Estado e a lógica do Urbanismo Funcionalista do modernismo orientavam as políticas urbanas, marcadas por propostas “arrasa-quarteirões” em busca do terreno ideal e de uma universalidade padronizadora de tudo para todos. Com o esgotamento do modelo econômico fordista e a falência do Estado, surge um novo capitalismo, caracterizado pelo papel de destaque do mercado e seu livre funcionamento, onde os processos de padronização passam a dar a vez para processos de produção mais flexíveis, retomando o crescimento da taxa de lucro e a expansão da economia. Essas novas experiências, como foi visto, foi denominada de Acumulação flexível – a ordem social contemporânea. Autores como Harvey (1999), Netto e Braz (2006) afirmam que a ilusão dos “Anos dourados” do capitalismo é encerrada em 1974 e 1975, num processo de recessão generalizada envolvendo todas as grandes potências imperialistas. Em face da inflação e da queda da taxa de lucro características do momento de recessão, o capitalismo realizou uma estratégia baseada em um tripé, visando a sua manutenção e seu pleno desenvolvimento: a reestruturação produtiva, a ideologia neoliberal e a financeirização. Esse tripé, por sua vez, não apresenta apenas expressão econômica e social, mas se materializa na cidade, destacando os paradigmas da Arquitetura e Urbanismo Pós-modernos como sua expressão físico-espacial; confirmando a contribuição de Léfèbvre (2001) quanto à forma, função e estrutura espacial traduzirem a nova ordem social da cidade. No que concerne à reestruturação produtiva que, para Netto e Braz (2006), assinala o início da fase do pós-fordismo, ela se dá à base da flexibilidade, uma produção que rompe com a estandardização, 91 visando a atender a variabilidades culturais e regionais, entrando em nichos específicos do consumo, caracterizada também por sua desterritorialização: unidades produtivas deslocadas para novos territórios, principalmente em áreas periféricas, onde é mais fácil o aumento da exploração, e conseqüentemente do lucro, acentuando, como visto, ainda mais o caráter desigual e combinado do Capital. Também a introdução de novas tecnologias e seus recursos de informática alterou os processos de trabalho, tornando-os mais flexíveis, reduzindo a demanda de trabalho vivo e deslocando a base produtiva dos suportes eletromecânicos para os eletroeletrônicos. A precarização da força de trabalho e das relações trabalhistas, o aumento da informalidade passaram a agudizar ainda mais o processo de exploração da força de trabalho, e aquilo que parecia pertencer ao passado (início da industrialização), passou a se confirmar cada vez mais como mecanismos e formas necessários para o desenvolvimento do capitalismo. Além da desregulamentação das relações trabalhistas, o Capital passou a realizar uma desregulamentação universal através da globalização, onde as barreiras para entrada e saída de mercadorias e capitais são diminuídas em favor de uma “plena liberdade” na escala mundial da economia. A ideologia neoliberal passa a ser, então, a responsável pelo desmanche do Welfare State, priorizando a supressão dos direitos sociais conquistados, colocando-os como privilégios dos trabalhadores e culpabilizando-os pelos gastos do Estado. Fica claro também, que o objetivo real da ideologia neoliberal não é o desmanche do Estado por completo, mas a diminuição das funções estatais que respondem à satisfação dos direitos sociais, de modo que cada vez mais aquilo que era de responsabilidade do Estado (como moradia, saúde, educação), vai se tornando regulado pela lógica do mercado (acontecendo assim a financeirização). E isso é conseguido, no campo da ideologia, através de duas palavras-chaves: liberdade e satisfação. Liberdade para o mercado que passa a funcionar sem a intervenção do Estado e para todos, a falsa ideia de satisfação de que o mercado com sua lógica pode garantir as necessidades humanas. Além disso, a ideia de empreendedorismo e de capacidade individual para alcançar as satisfações também estão dentro dessa ideologia e colocam, na verdade, um “Estado mínimo” para o Trabalho e o “Estado máximo” para o Capital, pois é ele quem deve criar as condições para a manutenção e o pleno desenvolvimento das relações capitalistas tendo como características principais os processos de privatização dos sistemas de seguridade social. O neoliberalismo é em primeiro lugar uma teoria das práticas político-econômicas que propõe que o bem-estar humano pode ser melhor promovido liberando-se as liberdades e capacidades empreendedoras individuais no âmbito de uma estrutura institucional caracterizada por sólidos direitos a propriedade privada, livres mercados e livre comércio. O papel do Estado é criar e preservar uma estrutura institucional apropriada a essas práticas; o Estado tem de garantir, por 92 exemplo, a qualidade e integridade do dinheiro. Deve também estabelecer as estruturas e funções militares, de defesa, da polícia e legais requeridas para garantir direitos de propriedade individuais e para assegurar, se necessário pela força, o funcionamento apropriado dos mercados. Além disso, se não existirem mercados (em áreas como a terra, a água, a instrução, o cuidado de saúde, a segurança social ou a poluição ambiental), estes deverão ser criados, se necessário pela ação do Estado. Mas o Estado não deve aventurar-se para além dessas tarefas. As intervenções do Estado nos mercados (uma vez criados) devem ser mantidas num nível mínimo, porque, de acordo com a teoria, o Estado possivelmente não possui informações suficientes para entender devidamente os sinais do mercado (preços) e porque poderosos grupos de interesse vão inevitavelmente distorcer e viciar as intervenções do Estado (particularmente nas democracias) em seu próprio benefício. (HARVEY, 2008, p. 12). Porém, a mais importante das transformações por que vem passando a economia do imperialismo, segundo Netto e Braz (2006) - nesta que ficou conhecida como a sua terceira fase ainda em desenvolvimento –, consiste no processo de financeirização do capital, caracterizado pela especulação, inflação, manipulação de créditos, endividamento de população e suporte no sistema bancário e financeiro. Como o capitalismo é um sistema econômico que prefere não produzir a produzir sem lucrar, aconteceu um aumento do Capital em forma de dinheiro nos anos 1970 e meados dos 1980; uma verdadeira superacumulação, onde as transações financeiras se tornaram dominantes e majoritariamente especulativas. Com isso, papéis que à noite teriam um valor, na manhã seguinte passam a valer menos e, nesse processo, ações, cotas de fundo de investimentos, títulos de dívida pública passam a extrair ganhos imaginários, de maneira que impérios empresariais aparentemente sólidos se dissolveram literalmente da noite para o dia; e a falsa ideia de que D pode transformar-se em D’ sem passar pela produção (a qual agrega valor) se generaliza, consolidando a fetichização do dinheiro, como se ele pudesse reproduzir-se sozinho em mais dinheiro (Netto e Braz, 2006) 38 . A passagem da hegemonia do capital industrial para as transações financeiras aliadas a fetichização do dinheiro generalizou a mercantilização. Agora, tudo é efetivamente passível de transação mercantil, “dos cuidados dos idosos ao passeio matinal de animais domésticos [...] inclusive os serviços sexuais-, [tudo] se insere na industrialização generalizada” (Id, p.236). É dentro desse “tudo”, que surge na cidade uma arquitetura de ponta, longe do rigor da geometria euclidiana do Modernismo, de maneira que quanto mais exótica ou “descontruída”, mais a forma arquitetônica possibilita a mais-valia. A cultura do 38 Harvey (1999) argumenta que a passagem do fordismo para a acumulação flexível é marcada por uma grande mudança no uso e significado do tempo e do espaço, ocorrendo a compressão tempo-espaço. O sistema de entregas just-in-time, a aceleração do capital de giro, a internet, e, principalmente a partir da globalização, favoreceu-se a comunicação entre territórios longínquos em frações de segundos. 93 high-tech passa, então, a ser exaltada na arquitetura, e a Arquitetura e Urbanismo também se mercantilizam e passam a expressar físico e espacialmente a acumulação flexível. Conforme a Arquitetura e o Urbanismo Modernos que se uniram aos setores dominantes da sociedade, isto é, tomaram como seus princípios básicos a industrialização (o capital industrial), também a Arquitetura e o Urbanismo Pós-modernos se aliam aos “donos do poder”, tomando como seus princípios básicos a ideologia neoliberal - a busca excessiva pela mais-valia e a mercantilização de todas as relações -, reforçando cada vez mais a Arquitetura e Urbanismo como não neutros, mas de caráter político (Léfèbvre, 2001). Os objetivos da Arquitetura e Urbanismo não são mais a massificação, a padronização para a universalização (o acesso de todos a um bem), mas sim, através da forma (ou melhor, da “nãoforma”) espacial, a produção da exclusividade e da diferenciação, como mecanismos para potencializar a atratividade de lucros para a cidade. No que concerne aos exemplos paradigmáticos dessa Arquitetura e Urbanismo Pós-modernistas que visam à produção da exclusividade e da diferenciação para o alcance da mais-valia, destacam-se as intervenções em Barcelona de 1980 em função dos Jogos Olímpicos, e em Bilbao, no final da década de 1990 e início dos anos 2000. Esses exemplos de “atrações” arquitetônico-urbanística são, na realidade, grandes estratégias de negócio, associadas ao turismo urbano, eventos culturais e esportivos e a promoção de identidades empresariais nas cidades. Dessa maneira, a forma físico-espacial e o urbano são espetacularizados; caracterizando a expressão de Guy Debord, “a sociedade do espetáculo”, onde tudo virou representação, imagem; nada mais é real, concreto. Como, de acordo com Harvey (2008), nenhum modo de pensamento se torna dominante sem propor um aparato conceitual que mobilize as sensações e os instintos humanos, a forma físico-espacial da Arquitetura e Urbanismo Pós-Modernos assume esse papel do aparato conceitual. Dignidade humana e liberdade individual, em um mundo pós-guerra, passaram a ser as palavras-chaves da sociedade, despolitizada, onde o seu interesse deixou de ser o coletivo e a busca por símbolos expressivos como forma de construir uma identidade/distinção tornou-se o objetivo principal. A produção de símbolos e signos foi uma marca fundamental desta nova etapa da Arquitetura e Urbanismo Pós-modernos. Assim, a partir de alguns estudiosos da Arquitetura e Urbanismo Pós-modernos, pode-se mostrar as características principais dessa arquitetura e urbanismo pós-modernos. A Arquitetura pós-moderna revalida a ambigüidade e a ironia, a pluralidade dos estilos, atendendo ao mesmo tempo o gosto popular e dos especialistas em artes, de maneira a romper de forma plural com os dogmas da univalência do modernismo. Como foi observado por Jacobs, a cidade modernista dirigida pela Carta de Atenas, parecia 94 resultar em espaços sem vida, monótonos, decretando a morte das cidades. Frente a essa falácia do urbanismo moderno, a autora sugere a diversidade de usos de maneira complexa e densa nas cidades, de maneira que elas passariam a sustentar-se mutuamente, tanto economicamente, como socialmente. No entanto, pode-se considerar que Jacobs, ironicamente, já sinaliza as características da cidade pósmoderna: a complexidade a partir da diversidade dos usos, o auto-sustento econômico e social, a importância das relações de vizinhança. Todos esses, são pontos que expressam a atratividade das cidades. Venturi, por sua vez, demonstra que na sociedade do consumo, o quê mais importa é o lucro, colocando a arquitetura submissa ao letreiro, desaparecendo a forma espacial e urbana, destacando-se a caixa com ar condicionado e outdoors, único lugar de todas as sensações: o shopping center. No que concerne a Lynch e a Rossi pode-se considerar também que ambos autores evocam a importância do passado na construção da imagem da cidade. Para eles, a cidade não pode ser a-histórica e, muito menos, as construções feitas à base do terreno ideal, a tabula rasa, uma vez que a experiência empírica e a história dos lugares são determinantes para a imagem da cidade. Os edifícios e monumentos históricos possuem a difícil tarefa de comunicar as gerações anteriores com a atual, possibilitando ao urbano, características do tempo passado e do tempo presente, imprimindo – expressão de Rossi- também à cidade, uma outra relação espaço-tempo. Sugere-se, então, que tais autores criticaram o funcionalismo da cidade fordista, mas também sinalizaram as características da cidade pós-fordista: a flexibilidade, a diversidade, a compressão do tempo e espaço, a não-forma, a liberdade e a satisfação. Já Frampton (1997) afirma a cidade pós-fordista, se trata de uma fuga à tendência da vida contemporânea totalmente dominada pelos paradigmas industriaiscientíficos, de maneira que essa fuga se expressa na arquitetura através de uma destruição consciente do estilo e da canibalização da forma arquitetônica, como se nenhum valor, tradicional ou de outra natureza, pudesse opor-se por muito tempo à tendência do ciclo produção/consumo. O pós-modernismo parece reduzir, então, a arquitetura a uma condição de mera mercadoria e de atributos para se alcançar a mais-valia e passando a ser responsável por oferecer uma máscara conveniente e sedutora. E com isso, longe da ideia de ruptura, os paradigmas da Arquitetura e Urbanismo Pós-Modernos, na verdade, também se prestam à acumulação e à manutenção das relações capitalistas como dominantes. A reviravolta esperada, onde o Urbanismo Racionalista perdia a força, deu lugar a uma certa continuidade, onde a principal diferença se faz, nas palavras de Otília Arantes (2008), “no gerenciamento”, agora assumidamente empresarial, onde governantes, empresários, urbanistas e outros 95 atores sociais determinam como teorema-padrão para a sobrevivência da cidade (a qual estava em crise devido à monotonia, padronização e criação de espaços iguais), o Planejamento Estratégico, visando a tornar a cidade cada vez mais atrativa para o capital frente aos desafios da globalização. A globalização do mundo, onde não há fronteiras nem barreiras econômicas e sim uma valorização do livre comércio, justificaria a emergência de novas práticas da Arquitetura e do Urbanismo, práticas essas capazes de inserir as cidades num cenário inevitável de competição, tornando-as sustentáveis. Tendo suas bases e origens nos estudos e técnicas de administração de empresas, o PEC – Planejamento Estratégico da Cidade - surge como uma solução à crescente necessidade de uma ação mais agressiva das cidades para se tornarem economicamente mais atrativas. Neste novo cenário, a questão urbana não é mais caracterizada pelo crescimento populacional desordenado, pela reprodução da força de trabalho, pela racionalização do uso do solo, tal como dizia o Urbanismo Funcionalista, mas sim pela problemática da competitividade urbana. Dessa forma, conceber a vida urbana como “habitar, trabalhar, circular e cultivar o corpo e o espírito”, bem como a concepção de cidade ideal como uma estrutura “tipo árvore”, isto é, com funções urbanas dispostas hierarquicamente e sem superposições, se consolida em uma abordagem obsoleta, incapaz de resolver a questão urbana. A metáfora de cidade-máquina e a abordagem desenvolvimentista da cidade dão lugar à metáfora da cidade-mercadoria, a qual precisa ser vendida segundo uma lógica do modelo SWOT, onde a ação estratégica (do planejamento urbano) estaria baseada na identificação das forças, fraquezas, oportunidades, potencialidades e ameaças. Reconhece-se, a partir do estudo da Arquitetura e Urbanismo Pós-modernos uma agenda hegemônica para as cidades onde se estabelecem as ações urbanas aplicadas em Barcelona para as Olimpíadas como fonte de inspiração, um verdadeiro repertório de REs: requalificação, revitalização, reconstrução, reestruturação... Enfim apresenta-se um diagnóstico da cidade onde são supervalorizadas suas potencialidades e vocações, buscando a inserção da cidade no mundo globalizado. Em síntese, a produção arquitetônica e urbanística da pós-modernidade parece ser marcada por um receituário neoliberal, trazidos pelos Catalães na década de 1980, com ênfase no marketing das cidades, onde estas ora aparecem como mercadoria, ora como empresa tendo como objetivo a sua promoção, devendo os governo locais projetarem e darem visibilidade às cidades no âmbito internacional, implementarem a descentralização administrativa, o estabelecimento das parcerias público-privadas, o consenso, o discurso camuflado da ênfase no alívio da pobreza, da sustentabilidade e do papel desempenhado pelos atores considerados pela sociedade como relevantes. 96 As cidades ao competirem entre si, buscando especificidades atrativas, acabam reproduzindo um modelo urbano hegemônico baseado no modelo aplicado em Barcelona, com o Guggenheim Museum e a preparação das Olimpíadas, “uma grande operação de city marketing”. Vê-se claramente, o poder público tornando-se empresário através de parcerias, favorecendo a manutenção do sistema capitalista, ou seja, ocorre um planejamento estratégico para o Capital, fator denunciado por Harvey, quando fala que atrás da máscara de muitos projetos bem sucedidos, se encontram sérios problemas sociais e econômicos, os quais, em muitas cidades, estão assumindo a forma geográfica de uma cidade dual: de um centro renovado cercado por um mar de pobreza crescente (Harvey, 1999, p.62). As transformações ocorridas na forma, função e estrutura urbana da sociedade urbana, expressas pela produção arquitetônica e urbanística da pós-modernidade consolidou também o neoliberalismo nas cidades. Forma, função e estrutura urbana ajudaram a ocultar as relações de produção e a esfumaçar as relações de poder que passam a regular a cidade. A forma, o projeto, a hierarquia, a originalidade e a funcionalidade da produção arquitetônica e urbanística da modernidade dão lugar à antiforma, ao acaso, à hierarquia, ao pastiche e ao prazer presentes na Arquitetura e Urbanismo da pós-modernidade. E foi por meio das alterações ocorridas na forma, função e estrutura urbana da modernidade, que as relações capitalistas perpetuaram-se; de maneira que a acumulação flexível, a reestruturação capitalista, teve uma expressão físico-espacial. Tudo que é sólido se desmancha no ar (Karl e Engels) 97 CONCLUSÃO 98 Pode-se dizer que a análise realizada neste trabalho se insere no âmbito da Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo, pois (re) visita criticamente os principais exemplos de obras e de literatura acadêmica sobre a produção arquitetônica e urbanística da modernidade e da pós-modernidade. Nas entrelinhas do trabalho, ao longo do percurso dos dois eixos, buscou-se construir uma História Moderna da Arquitetura e do Urbanismo, a qual compreende a História das concepções espaciais e o conteúdo social da Arquitetura e do Urbanismo como suas principais expressões. Considerando-se esse conteúdo social da concepção do espaço, a revisão crítica percorrida nos dois eixos analíticos do método do trabalho também se insere nas inter-relações do espaço e da sociedade, não colocando o espaço como produto das relações sociais (ou de produção), ou as relações sociais como modificadas pelos atributos do espaço; mas, antes de tudo, afirmando existir relações dialéticas entre o espaço e a sociedade. Ou seja, a produção do espaço e as relações sociais são processos imbricados, indissociáveis, interdependentes: uma simbiose. Assim, as alterações na forma, função e estrutura urbana da sociedade urbana expressas pela produção arquitetônica e urbanística da modernidade e da pós-modernidade, parecem ocultar algo: as relações de poder estabelecidas nesta sociedade. Sem essa configuração espacial da Urbanística Moderna e Pós-moderna advindas das alterações na tríade espacial de Léfèbvre, afirmo ser impossível a hegemonia e a desigual apropriação dos lucros e vantagens reconhecida na sociedade urbana. Como nos lembra Léfèbvre, “o espaço e a organização política do espaço expressam relações sociais, mas ao mesmo tempo reagem de volta sobre estas” (LÉFÈBVRE, 1999, p.27). A Arquitetura e o Urbanismo tornam-se, então, força de produção como a ciência e modificam as relações de produção capitalistas de maneira a potencializá-las, mas tudo isso, às escondidas da visão crítica. Eles assumem uma postura, tornam-se ideológicos, deixam de ser valor de uso – expressão da vontade de um povo – e passam a ser valor de troca – expressão de uma minoria que se faz e quer se manter dominante. É mediante a tomada de assalto da cidade pela anticidade, conforme ocorreu com a Cidade Política, a Cidade Mercantil e a Cidade Industrial, que a cidade deixou de ser obra e passou a ser produto. As alterações na tríade espaciais de Léfèbvre geraram e foram geradas pela configuração urbano-industrial que suscita a sociedade urbana, sendo também responsável pela consolidação das relações capitalistas na cidade, perdendo-se o lúdico, o empírico, o vivido, o irreal, a subjetividade, a festa e a cotidianidade da vida urbana; surgindo um espaço urbano não mais voltado ao encontro e sim expressão da mais-valia. Com efeito, se percebe, então, que o advento da sociedade urbana alienou (no sentido marxista) o 99 urbanismo do povo e o transformou em nova estratégia coercitiva e consensual da classe dominante e parte integrante e fundamental da hegemonia capitalista. Como se sabe, o modo de produção capitalista – típico da sociedade urbana - acaba por separar o “trabalhar” e o “viver”, e as lutas e conflitos que se expressavam dentro da fábrica, se revelam agora no espaço urbano. É por isso que para se construir uma História Moderna da Arquitetura e do Urbanismo se faz necessário entender o espaço urbano como espaço social, síntese de múltiplas relações, e não apenas como concepção estética. Nesse sentido, um dos “axiomas” fundamentais da obra de Zevi (1996), - a ideia de que a produção arquitetônica e urbanística não pode ser compreendida independente dos acontecimentos políticos, históricos, sociais, econômicos e culturais; nem tampouco através do olhar de uma única disciplina: a estética - confirma-se também nos dois eixos analíticos do trabalho. No entanto, mesmo com o alerta dado sobre a compreensão fragmentada da Arquitetura e Urbanismo, limitando-os à dimensão estética apenas, Zevi apresenta o espaço vazio como seu protagonista; recaindo, assim, na abordagem fragmentada que alertou. Considerando-se a análise da dissertação e as múltiplas relações do espaço urbano, permite-se afirmar que o espaço vazio não existe, uma vez que para existir espaço se faz necessário o humano reconhecer esse espaço. Por sua vez, o humano sempre está carregado de valores e significados, visão de mundo que define tal espaço. Com isso, o espaço vazio é uma abstração matemática. É um conceito euclidiano e não deve ser aplicado ao estudo da Arquitetura e do Urbanismo. A ideia de espaço vazio esquece o conteúdo social da Arquitetura e do Urbanismo, e coloca-os, novamente, como expressão de uma geometria. O verdadeiro espaço da Arquitetura e do Urbanismo é, então, o espaço social. Como argumenta Léfèbvre, o espaço social pode ser considerado um produto social, e daí inferese que cada modo de produção produz seu espaço, de maneira que a passagem de um modo de produção para outro, necessariamente engendra outro espaço. Seguindo essa linha de raciocínio, sugiro que as alterações na forma, função e estrutura urbana da sociedade urbana tornaram-se fundamentais para a produção e reprodução das relações capitalistas, pois, tal como expõe Harvey (1980), o Urbanismo pode servir para estabilizar um modo de produção. Também, pela revisão crítica realizada sobre a produção arquitetônica e urbanística da modernidade e da pós-modernidade, fica claro que as alterações na tríade de Léfèbvre advindas com a sociedade urbana converteram-se em partes integrantes e fundamentais da hegemonia capitalista, uma vez que “a sobrevivência do capitalismo estava baseada na criação de uma espacialidade cada vez mais 100 abrangente, instrumental, e também socialmente mistificada, escondida da visão crítica sob véus espessos de ilusão e ideologia” (VILLAÇA, 2001, p.65). São esses véus espessos de ilusão e de ideologia que a produção arquitetônica e urbanística da modernidade e da pós-modernidade reforçaram. Os planos urbanísticos de Paris, de Chicago e de Barcelona do século XIX, como visto, tratavam-se mais de uma estratégia da burguesia para se fazer dominante, confirmando a urbanística moderna, desde a sua origem já subserviente às relações de produção capitalista. No século XX, a Arquitetura e o Urbanismo Modernista com destaque às obras de Gropius, Le Corbusier e Wrigth acabaram por criarem as formas físico-espaciais necessárias à reprodução e à manutenção do capitalismo. E, embora algumas ideias de cunho socialistas, não romperam com a lógica das relações de produção capitalistas. As ideias da Bauhaus, por exemplo, o caráter anônimo da Arquitetura (unificação do design, da arte e dos ofícios) podem ter favorecido à desvinculação do saber do trabalhador em relação ao seu produto realizado. O uso do béton armé a partir de um sistema construtivo de baixo custo que permitisse a reprodução em série universalizando a casa máquina de morar para todos, bem como os cincos pontos da arquitetura e urbanismo de Corbusier aliados à Carta de Atenas dos CIAMs, parecem ter ditado à humanidade, a forma físico-espacial ideal; e juntamente com o Le Modulor e os bens de consumo mecanizados nos subúrbios advindos com a Broadacre City favoreceram a penetração e disseminação do imperialismo americano, reforçaram a apropriação privada da mais-valia, criando-se as características espaciais necessárias para as relações capitalistas em todo o mundo ocidental. O Urbanismo pós-modernista, por sua vez, torna essas características espaciais modernistas e as converte em subserviente à acumulação flexível, fazendo com que “desapareça” a forma da Arquitetura e a imagem ganhe relevância na produção do espaço, criando-se, por fim, um ideário arquitetônico/urbanístico para garantir a lucratividade nas cidades. É assim que a Arquitetura e Urbanismo foram subjugados pelas relações capitalistas e, silenciosamente, constroem as paredes da hegemonia capitalista. Mas como se constrói uma hegemonia? O que significa dizer que a produção arquitetônica e urbanística da modernidade e da pós-modernidade (expressão da forma, função e estrutura urbana) tornou-se parte integrante do projeto hegemônico capitalista? 5.1 AS PAREDES DA HEGEMONIA CAPITALISTA 101 Antonio Gramsci, assumindo os pressupostos marxistas sobre as origens materiais de classes e do papel da luta e da consciência de classe na transformação social, tem a originalidade de abordar o domínio burguês, argumentando que a força verdadeira do sistema não reside na violência da classe dominante ou no poder coercitivo do aparelho Estado, mas na aceitação por parte dos dominados de uma concepção de mundo que pertence aos seus dominadores. A dominação se faz com um projeto de ideologia. Ele percebe que para a dominação se faz necessário existir algo que não vem da base econômica apenas. Precisa-se de um projeto hegemônico, onde “as forças materiais são o conteúdo e as ideologias são as formas” (GRAMSCI, 1999, p.238). Por isso, a forma, função e estrutura urbana na sociedade urbana com a problemática urbana impostas são forças produtivas e, diante da revisão crítica realizada, compreendidas como partes integrantes do projeto hegemônico capitalista, uma vez que, “o desenvolvimento burguês não se fez apenas através do desenvolvimento das forças produtivas, mas através da hegemonia na arena da consciência” (CARNOY, 1988, p.103). A contribuição de Harvey (1980), referência deste trabalho ao colocar o urbanismo como necessário para estabilizar um modo de produção converge com a ideia de Léfèbvre (1999) e, com base na revisão crítica realizada da produção arquitetônica e urbanística, pode-se afirmar a Arquitetura e Urbanismo, na sociedade urbana, como partes integrantes do projeto hegemônico capitalista, pois materializam na cidade, no espaço urbano, essa dominação. Através de suas formas físico-espaciais, são produzidas e reproduzidas as condições para a perpetuação das relações capitalistas. Dessa forma, não coincidentemente, a cada crise do capitalismo podem ser reconhecidas transformações no espaço urbano. Na segunda metade do século XVIII, considerado o período de estágio concorrencial do capitalismo, também chamado de liberal ou clássico, foi o momento quando Marx e Engels reconhecem a subsunção real do trabalho pelo capital. Esse capitalismo concorrencial criará, no século XIX, o mercado mundial e os países mais avançados passaram a buscar matéria-prima em nações e territórios longínquos. Estabelece-se assim, uma economia mundial, marcada pela desigualdade e pela combinação, duplo caráter do Capital abordado por Trotsky. Com a livre iniciativa, os pequenos e médios capitalistas ampliavam sua atuação de maneira que nesse período concorrencial surge a luta de classes na sua modalidade moderna, isto é, o conflito entre o capital e trabalho. Com efeito, como foi observado, a resposta burguesa aos protestos operários não se passou apenas pela repressão e pela incorporação de novas máquinas e novas técnicas, mas assumiu 102 uma forma urbana, isto é, o urbanismo se tornou um instrumento para garantir as condições de produção e reprodução das relações capitalistas. Nos planos urbanísticos do século XIX, conforme ocorreram em Paris, Barcelona e em Chicago, a cidade tradicional deu lugar à cidade moderna. Tais projetos além de representarem as origens da urbanística moderna se traduzem, também, em propostas de diferentes organizações e formas onde os signos da Arquitetura e do Urbanismo são expressão físico-espacial dessa nova ordem: a nova racionalidade, a ordem do Capitalismo. Entre o final do século XIX e os primeiros anos do século XX, o capitalismo passa para a fase monopolista, levando à falência os pequenos e médios capitalistas. As indústrias de larga escalas e os bancos passam a controlar as gigantescas massas monetárias disponibilizando empréstimos, contribuindo para o processo de centralização do capital, uma vez que a concorrência entre os capitalistas industriais fez com que alguns buscassem o sistema de créditos, iniciando o estágio imperialista do capitalismo em que o capital financeiro desempenha o papel decisivo (LÊNIN apud NETTO E BRAZ, 2006). Nesse período, o Urbanismo se constituiu como disciplina autônoma, síntese artística e técnica do conhecimento e da intervenção na cidade, de maneira que o caráter empírico e de arte urbana, é substituído por moldes científicos e espaciais e por moldes do capitalismo. É assim que ao perder o caráter empírico e de arte urbana (urbanismo sem reflexão) e ao tornar-se disciplina autônoma (reflexão urbanística), inicia-se a intervenção do Estado no espaço urbano e o Urbanismo, - através das transformações na função, forma e estrutura urbana -, começando a criar “as paredes da ilusão e da ideologia”, escamoteando as relações de poder por detrás da ideia de produção de um espaço salubre e de melhores condições urbanas para o proletariado. Sendo, então, a Arquitetura e o Urbanismo subjugados pelas relações capitalistas. Por sua vez, nas três ultimas décadas do século XIX, sob o imperialismo, a exportação de capitais ganha destaque em duas formas: a de capital empréstimo (capitalistas concedem créditos, em troca de juros, para governos e outros capitalistas em outros países) e a forma de capital produtivo (onde indústrias são implantadas em outros países), estabelecendo-se uma relação de domínio e de exploração entre o país credor e/ou implantador e o país devedor e/ou recebedor, e um a verdadeira partilha do mundo, motivo que fez eclodir a Primeira Guerra Mundial. Tal imperialismo não se dava apenas na dimensão econômica. A análise realizada no Eixo 1 expõe também o papel paralelo que a Urbanística Moderna teve com o Plano Marshall para corroborar o imperialismo dos Estados Unidos. É assim que a Carta de Atenas, baseada nos cinco pontos da Arquitetura 103 e Urbanismo de Le Corbusier, passa a ditar para o mundo as regras de produção do espaço urbano, confirmando a Arquitetura e o Urbanismo modernistas como partes integrantes do projeto hegemônico capitalista. Cabe ressaltar que desde o século XIX, a principal característica espacial estabelecida pelas transformações na forma, função e estrutura urbana é a consolidação do padrão centro-periferia. O Fordismo não conseguiria existir sem esse padrão, pois a alocação dos setores industriais não acontecia homogeneamente, era comum a centralização e a descentralização, criando assim, espaços modelos de configuração urbano-industriais e espaços marginalizados. Assim, regiões com boa infraestrutura, urbanizadas, dotadas de mão-de-obra abundante tornam-se as características do centro hegemônico, enquanto as regiões periféricas assumem uma relação de dependência e desigualdade viabilizando o imperialismo, pois o caminho para a periferia crescer é sempre ditado pelo centro hegemônico. A partir da década de 1950, a universalidade da Arquitetura e do Urbanismo modernos começa a ser questionada e também o fordismo-keynesianismo vai se mostrando em crise. Como assinalado, o Team-X introduz no debate da Arquitetura e Urbanismo a ideia de satisfação e de não consenso das necessidades humanas, destacando que nem sempre a Carta de Atenas deveria ser aplicada em todas as realidades, principalmente nas áreas consideras decadentes. É assim que se inicia na Arquitetura e no Urbanismo uma desigualdade legislativa criando-se leis diferentes para a produção de espaços para a baixa renda. Essa ideia de satisfação e de diferença de necessidades acaba por romper com a única cultura para o mundo conforme ditava o movimento moderno. Com efeito, a cultura poderia separar-se em cultura da elite e em cultura popular. E é assim que, em certo sentido, o Team-X já sinalizava a flexibilização que se dava na economia da década de 1960, também na Arquitetura e no Urbanismo. A rigidez do Fordismo passa a ser substituída pelas novas formas de contrato de trabalho da acumulação flexível. Ao perderem força os direitos sociais e trabalhistas, consolidou-se o rompimento das formas rígidas do contrato de trabalho, surgindo formas mais flexíveis, isto é, a precarização do trabalho. A rigidez do concreto modernista também passa a ser substituída na Arquitetura e no Urbanismo Pós-modernos, destacando-se no cenário urbano, o simulacro de Bofill, copiando as características plásticas da arquitetura tradicional, mas de maneira não real, isto é, aplicando novos materiais para criar elementos arquitetônicos antigos, gerando um verdadeiro espaço cinematográfico. Tal como a acumulação flexível acontecia na economia, a Arquitetura e o Urbanismo flexibilizavam-se também em busca da construção de uma cidade mais lucrativa, conforme se deu em Barcelona pós-Jogos Olímpicos e com 104 Bilbao a partir do Museu Guggeinhem. A Arquitetura e o Urbanismo pós-modernos podem ser considerados, então, uma expressão físico-espacial da reestruturação capitalista iniciada no final da década de 1960. A criação de cenários e simulacros apontam que as alterações na forma, na função e na estrutura urbana da sociedade na pós-modernidade dão luz à virtualidade em lugar da realidade. Neste sentido, se valoriza mais a imagem, o virtual em detrimento do lugar real tal como as relações capitalistas que, mediante a financeirização do neoliberalismo, passam a valer mais o quê representam virtualmente. A compressão do espaço-tempo que se dá no neoliberalismo, onde D transforma-se mais rápido em D’, tem também sua expressão na forma, função e estrutura urbana, surgindo o espaço virtual, o endereço virtual, a identidade virtual e até mesmo a second life. E assim, “tudo que é sólido se desmancha no ar”. Tal compressão do espaço-tempo é uma das características principais da acumulação flexível, responsável por romper barreiras entre os distintos e longínquos lugares. Na economia global, a escala local destaca-se em detrimento da nacional e uma rede de relações entre diferentes lugares é criada, rompendo com o padrão centro-periferia do fordismo. Diante da revisão crítica realizada, se reconhece um ideário arquitetônico/urbanístico hegemônico e subserviente à dominação capitalista que passa a ser empregado em qualquer cidade do mundo em busca de atratividade e conquista de lucros. Com efeito, uma dualidade é destacada no cenário urbano: ilhotas de riqueza e opulência e mares de pobreza e precarização. De maneira que, ao mesmo tempo em que existe essa cidade formal marcada pela produção arquitetônica e urbanística de qualidade pela presença de infraestruturas e de Arquitetura e de Urbanismo com requintes, também existe a outra face da moeda da cidade, onde os espaços urbanos se destacam pela precarização total. Dessa forma, a produção arquitetônica e urbanística da modernidade e da pós-modernidade serviram, como dito anteriormente, para manter unido/coeso aquilo que na sua essência já era desunido/não-coeso: o Capital e o Trabalho, os dominantes e os dominados. Tal produção arquitetônica e urbanística ocultou as relações de poder que se estabeleciam na sociedade urbana. A informalidade, a criminalidade, a má distribuição de renda, as doenças crônicas, a fome, a miséria, o desemprego, a privatização e perda do espaço público, e, principalmente, uma extrema situação de pobreza, com pessoas suscetíveis a riscos ambientais, expostas a resíduos tóxicos e sem as condições básicas de habitabilidade compõem o cenário do espaço urbano que as relações capitalistas tentam ocultar. Esse espaço urbano é, para mim, considerado como o espaço da espoliação urbana (Kowarick, 1979). 105 A espoliação urbana, conceito apresentado por Lúcio Kowarick na década de 1970 dentro do pensamento marxista à luz da dinâmica de acumulação de capital, não se restringe apenas à autoconstrução da casa e ao sobretrabalho realizado pelas classes subalternas, mas consolida-se, principalmente, no ambiente precário da cidade que sobra para a população de baixa renda. Os espaços carentes, desprovidos de infraestrutura, de saneamento, marcados pela pobreza e pela subnutrição, além das condições urbanas “espinhosas” são tão subservientes às relações capitalistas como o espaço urbano criado a partir da produção arquitetônica e urbanística da modernidade e da pós-modernidade, pois o desgaste da força de trabalho submetida a jornadas de trabalho prolongadas e a essas “condições urbanas espinhosas de existência” tornam possível que outra parte da cidade caracterize-se por lucros e privilégios. Confirma-se assim um ideário arquitetônico urbanístico favorável à mais-valia e um ideário favorável à pobreza e a sua manutenção. Juntos, esses dois ideários, constituem a expressão físicoespacial do projeto hegemônico das relações capitalistas, ou seja, o ideário arquitetônico e urbanístico responsável pela produção e reprodução das condições necessárias para a dominação capitalista. Em síntese, conclui-se que a Arquitetura e o Urbanismo foram subjugados pelas relações capitalistas. Tornaram-se subservientes ao capitalismo, criando-se um conjunto de práticas arquitetônicas e urbanísticas que escamoteiam as relações de produção capitalistas, construindo, como dito, as paredes da hegemonia capitalista. Algumas práticas urbanas e intervenções urbanísticas realizadas em cidades brasileiras podem confirmar a conclusão acima. Intervenções arquitetônicas e urbanísticas implementadas na cidade do Rio de Janeiro demonstram isso. O programa RIO ORLA, dos anos 1990 a 1992, projeto de reurbanização de mais de 30 km da orla da cidade do Rio de Janeiro, construindo um passeio marítimo, reconstituindo o piso das calçadas em Copacabana, Ipanema e Leblon, criando-se uma ciclovia à beira-mar, serviços, quiosques diferenciados para a Zona Sul e para a Barra, além da redistribuição dos esportes na areia. Já o programa Rio Cidade, entre os anos 1993 e 2000, recuperou as principais ruas e avenidas comerciais, ainda que não dirigido à orla da cidade, favoreceu aos bairros litorâneos, sendo a Praia de Copacabana reformulada e reurbanizada. E, nos anos de 1997 a 2000, o programa Rio-Mar realiza o plantio de várias espécies arbóreas, recompondo o projeto original de Burle Marx e restaurando o mobiliário urbano e abrindo quiosques de alimentos e bebidas na orla marítima da cidade. Percebe-se então, que mediante programas de intervenções urbanísticas, as novas formas urbanas passam a servir às relações de capitais, pois o comércio popular é substituído por uma rede 106 integrada de quiosques dominadas por empresas de alimentação estrangeiras, como Mac Donalds e outras; a especulação imobiliária cresce, favorecendo sempre a mais-valia. O caso da Feira Popular de São Cristóvão ainda na cidade no Rio de Janeiro também é emblemático quanto ao uso da Arquitetura e Urbanismo subservientes às relações capitalistas. Desde o final da década de 1940, uma feira popular com grande destaque à cultura nordestina acontecia no Campo de São Cristóvão. Acredita-se que pelo grande número de indústrias instaladas na área, muitos nordestinos e feirantes ali se alojaram devido à proximidade do centro urbano e das indústrias. E, de acordo com o projeto de Lei Nº 606/2010, durante aproximadamente sessenta anos a feira popular existia espalhada pelas áreas do bairro, debaixo das árvores. No entanto, em 2003, as barracas foram transferidas para dentro de um antigo pavilhão, que foi reformado pela Prefeitura do Rio e transformado no Centro Municipal Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas, através do Projeto Rio Cidade Pavilhão, o qual abrange uma área de 76.000,00 m2 e tem como objetivo principal a requalificação urbanística do entorno do pavilhão de São Cristóvão. A intervenção deu à feira a configuração dos padrões exigidos pelo Planejamento Estratégico da Cidade, com melhoria da infraestrutura, criação de área para shows e estacionamento, tudo isso mediante o uso de uma arquitetura monumental e semelhante às grandes arenas culturais e esportivas dos países centrais. Destaca-se, com isso, que foi também mediante essa arquitetura que a feira popular foi transformada num espaço de evento cultural onde quem mais lucra são restaurantes e lojas envidraçados criados no interior do pavilhão, enquanto a maioria dos antigos feirantes permanece sem estrutura espalhados nas ruas ainda abandonadas do bairro. Esses são exemplos pontuais de como a produção arquitetônica e urbanística é subserviente as relações de produção capitalista. De maneira mais ampla, pode-se abordar também as reformas urbanísticas implementadas na cidade do Rio de Janeiro, no início do século XX e a atual remodelação da cidade do Rio de Janeiro para as Olimpíadas de 2016. A emblemática reforma de Pereira Passos que visa a promover o embelezamento e a civilização da antiga fisionomia colonial da cidade, ajustando o espaço urbano para o capitalismo do início do século. Fato confirmado na obra de Benchimol ao “denunciar” o papel do capital privado associado ao Estado Brasileiro que visa aburguesar a cidade, transformando-a de “cidade da morte” para “cidade maravilhosa”. Apesar da idéia de civilização presente no ideário de Pereira Passos através do embelezamento e saneamento dos espaços, a verdadeira intenção de tal reforma é criar uma cidade burguesa regulada pelos agentes privados fomentadores das atividades estéticas, urbanas, culturais e modernas. Avenidas, ferrovias, praças, demolições, melhoramentos de alargamento de ruas, zoneamento, construção de 107 teatros, e claro, erradicação dos cortiços do centro da cidade fazem parte do ideário arquitetônico e urbanístico do Pereira Passos, que baseado nas reformas de Paris, pode-se dar o epíteto de “Haussmann Tropical”. Tal como visto no plano de Paris de 1850, também no Rio de Janeiro, a produção arquitetônica e urbanística moderna torna-se subserviente às relações capitalistas. No que concerne à remodelação do Rio de Janeiro para as Olimpíadas de 2016, o projeto vencedor visa a criar um Parque Olímpico de padrão internacional conciliando as necessidades de um palco para um evento esportivo mundial com a criação de uma nova estrutura urbana bem-sucedida que fique como legado à cidade. Assim gerou-se o Plano de Legado Urbano e ambiental Rio2016 que busca “ancorar” os projetos previstos pelo Comitê Olímpico ao processo de planejamento da cidade e à política de ordenamento territorial. Tratamento urbanístico e paisagístico, reflorestamento de parques e encostas, arborização de áreas públicas, implantação de corredores ferroviário, metroviário e rodoviário, além de novos mobiliários urbanos e a racionalização do Aeroporto Internacional são algumas das ações previstas no Plano para a Cidade Olímpica do Rio de Janeiro. Seguindo o modelo ditado por Bilbao e Barcelona, busca-se também renovação e requalificação urbana conforme dita o Planejamento Estratégico de Cidades. Com isso, confirma-se um modelo arquitetônico e urbanístico responsável por produzir e reproduzir as condições ideais para a mais-valia. Esconde-se a cidade real e cria-se uma imagem de cidade, imagem atrativa dos lucros. Essa alienação da cidade real, por sua vez, não é alimentada apenas pela elite da sociedade ou pelas classes dominantes, mas também pela produção acadêmica/intelectual representada por livros e revistas de arquitetura e urbanismo que consagram as tendências advindas dos países centrais como corretas e ditam as regras de produção do espaço urbano para todos. Dessa forma, a urbanização dos países de capitalismo periférico, como o Brasil, acaba recriando o atraso e consolidando as desigualdades, confirmando também no urbanismo a característica de ser desigual e combinado. De acordo com Maricato (2000), o Brasil, como os demais países da América Latina, apresentou intenso processo de urbanização, especialmente na segunda metade do século XX. Em 1940 a população urbana representava 26,3% do total. Em 2000, atingiu 81,2%, ou seja, a população residindo nas cidades, soltou de 18,8 milhões em 1940 para 138 milhões de habitantes; número que significa mais de um terço da população da França. Frente a esse processo de urbanização concentrador e excludente, a produção arquitetônica e urbanística implementada no Brasil esteve muito aquém das necessidades geradas por tal processo. 108 A Política Habitacional Brasileira, considerada também responsável pela produção arquitetônica e urbanística do Brasil, ao optar por reproduzir as características formais e espaciais da Arquitetura e Urbanismo dos países centrais, parece ter consolidado nas cidades brasileiras um Urbanismo para pobres que se tornou parte integrante do projeto hegemônico da dominação capitalista. Sem dúvida, como parte integrante de um processo que é capitalista, a produção Arquitetônica e Urbanística Brasileira da modernidade e da pós-modernidade também se mostrou necessária para a consolidação do fordismo periférico. A Produção Habitacional Brasileira pós-1930 e ao longo das décadas de 1940 e 1950, não pode ser compreendida separadamente do ritmo da industrialização do país e do iniciado processo de mundialização do capitalismo. A ideia da provisão habitacional pelo Estado, no caso brasileiro, mostra como tal política habitacional acontecia atrelada ao Ministério da Indústria, Trabalho e Comércio. É o caso dos conjuntos habitacionais construídos pelos IAPs (Instituto de Aposentadoria e Pensão) e pela FCP (Fundação da Casa Popular), os quais contribuíram para o rompimento do caráter agro-exportador do país, reforçando a ideologia do progresso da nação brasileira dar-se unicamente via características de um país urbano-industrial. Esse novo país urbano-industrial vem a confirmar-se com a construção de Brasília, marco do urbanismo moderno brasileiro, o qual emprega os primados da arquitetura e urbanismo de Le Corbusier e do urbanismo funcionalista e da Carta de Atenas seguindo-os como regras perfeitas para o planejamento de cidades no Brasil. O que permite sugerir que o ideário arquitetônico/urbanístico inaugurado com a Política Habitacional Brasileira é carregado de intencionalidades, sendo uma delas, a passagem do protagonismo do campo para o protagonismo da cidade, da agro-exportação para a urbanização de caráter industrial. O padrão arquitetônico/urbanístico que se inaugura com a política habitacional brasileira e se destaca no período populista é fortemente influenciado pelos paradigmas da Arquitetura e Urbanismo Modernos. O keynesianismo que permeava essas propostas entendia a habitação como equipamento industrial e a questão fundamental que se colocava estava em como conciliar o esforço industrializante com políticas distributivas. Assim, por trás da idéia de bem-estar social, o populismo buscava possibilitar a disseminação do imperialismo de maneira que, os mecanismos de controle social criados, dentre eles a habitação, produziriam o homem novo, o trabalhador assalariado, um verdadeiro operariado nas cidades brasileiras. 109 A Política Habitacional Brasileira (e também seu padrão arquitetônico/urbanístico) que se inaugura, escamoteia as relações capitalistas que se estabelecem e favorecem a consolidação do Fordismo Periférico 39 . É assim que a Arquitetura e o Urbanismo dos países periféricos (parecem) também subjugados pelas relações capitalistas. Pode-se falar, então, num ideário arquitetônico e urbanístico subserviente ao fordismo periférico. O ideário arquitetônico/urbanístico da política habitacional brasileira de 1930 até a década de 1960, influenciado diretamente pelos paradigmas da arquitetura e urbanismo modernistas, apresenta-se também como formas físico-espaciais de coerção, e materializa nas cidades brasileiras a dominação capitalista. Esta problemática precisa ser mais analisada. Mas, para o momento, a dissertação apresentada permite colocá-la como uma hipótese. O mesmo pode-se dizer da produção habitacional iniciada com o BNH - Banco Nacional de Habitação, período onde os planos tecnocráticos, advindo de um saber especializado, passam a dominar o cenário da produção habitacional brasileira. Contudo, mesmo com tanto planejamento, é exatamente neste período que as cidades brasileiras mais crescem, “fora da lei” (Maricato, 1997). Grazia de Grazia afirma que a questão urbana passa politiza-se a partir dos anos 1970, principalmente com o surgimento do Movimento Nacional pela Reforma Urbana, se reconhece, então, uma nova etapa na consciência popular urbana no Brasil, onde as massas populares se fortalecem através de vários movimentos sociais que visavam a implantação de uma agenda reformista que, em certo sentido, avançaram com a Constituição de 1988. É dessa mesma época que também se destacam as ações alternativas do Planejamento Urbano no diz respeito à questão das favelas, alterando a política de remoção por uma política de urbanização e de melhoramentos espaciais. A cidade do Recife aparece com grande destaque, uma vez que os movimentos sociais resistiram e lutaram (ainda nas décadas anteriores como 1960 e 1970) contra a expulsão das favelas do centro e as carências de infraestrutura. Tudo isso somado através do Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social (PREZEIS). Assim, o redirecionamento das políticas de desenvolvimento urbano e habitacional, a partir da segunda metade dos anos 1970, apontou 39 Em certo sentido essa idéia também está presente nos estudos de Feldman (1996) quanto à eficácia do instrumento urbano do zoneamento em detrimento das soluções apresentadas pelos planos urbanísticos desenvolvidos pós-1940 para algumas das cidades brasileiras. Segundo a autora, mesmo diante do quadro de forte expansão da esfera pública, de criação de instituições governamentais preocupadas com bemestar social das classes populares, ou seja, um cenário de aumento da democracia, o zoneamento se constitui como um instrumento urbanístico de poder, determinando o uso, controle e quem poderia acessar o solo urbano. 110 para um novo padrão de intervenção pública que priorizava a regularização urbanística e fundiária das favelas. Na segunda metade dos anos 1980, a crise do Sistema Financeiro de Habitação e a extinção do BNH criaram um vácuo com relação às políticas habitacionais, a partir de então, influenciadas pela globalização. Segundo Fridman e Siqueira (2003), tal ordem ocasionou o aumento da pobreza, do desemprego e da desigualdade urbana, favorecendo o enfraquecimento do Estado Nacional. Com efeito, uma agenda neoliberal passa a dominar as práticas da Política Urbana brasileira refletindo-se também na política habitacional. Ainda, uma reestruturação produtiva do capitalismo impõe a desregulamentação e a privatização dos serviços públicos, elimina a noção de subsídio, e permite que as dinâmicas estruturais sigam seu curso livremente a partir da lógica do mercado determinando o processo de produção de cidades. Finalmente, na virada para o século XXI, pode-se reconhecer um movimento de politização na prática do Planejamento Urbano. A partir do ano de 2001, considerando-se a criação do Ministério das Cidades, a exigência de Planos Diretores para as cidades com mais de 20 mil habitantes e a aplicabilidade do Estatuto da Cidade e de seus instrumentos progressistas, observam-se relevantes mudanças na política habitacional brasileira. É inegável a presença de um projeto reformista de cidade para alívio da pobreza e da desigualdade, privilegiando o lugar dos pobres na cidade e a construção de uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (Cadernos Mcidades, 2004). Contudo, observa-se que o modelo de intervenção urbanística adotado pela atual Política Urbana Brasileira na urbanização de áreas pobres da cidade baseiase na flexibilização dos parâmetros do Urbanismo legal, visando à criação de parâmetros específicos para a área a ser urbanizada, dotando-as de condições básicas de habitabilidade e de regularização fundiária pelo regime de concessão. Assim, os direitos urbanos são garantidos, mas em condições mínimas, já que os atributos espaciais do urbanismo da cidade legal (como as dimensões das ruas e calçadas, o afastamento entre as construções adjacentes, a localização das redes de saneamento básico, e as dimensões do projeto arquitetônico da habitação) são flexibilizados. Com efeito, surge um ambiente construído com um outro padrão de bem-estar para o pobre, onde as características arquitetônicas e urbanísticas de tais espaços materializam os estigmas da situação de pobreza, principalmente quando tal produção arquitetônica e urbanística se assemelha com os espaços da espoliação urbana. Flexibilizam-se os parâmetros arquitetônicos e urbanístico para a população de baixa renda, reforçando-se a desigualdade, tal como a acumulação flexível maleabiliza o trabalho, precarizando-o. 111 Percebe-se, então, que a política habitacional desenvolvida a partir do BNH também vai confirmar a criação de um ideário arquitetônico/urbanístico subserviente à acumulação flexível, uma vez que, a partir da reestruturação capitalista, novas regras para a produção espacial são estabelecidas e a política habitacional brasileira confirma-se, como expressão da financeirização, implementando uma agenda neoliberal também na produção arquitetônica e urbanística pós-BNH. Essa também é mais uma hipótese que poderá ser desenvolvida a partir da revisão crítica realizada neste trabalho. Longe de colocar um ponto final nas questões aqui levantadas, fica claro como a Arquitetura e o Urbanismo tornaram-se subjugados pelas relações capitalistas, construindo as paredes (reais e virtuais) da sua hegemonia. E, diante de todo o exposto, eis que surge um novo sujeito do conhecimento e novas possibilidades para o objeto de estudo, de maneira que as considerações finais tornam-se considerações iniciais de uma futura etapa acadêmica a ser desenvolvida. 6 114 REFERÊNCIAS ARANTES, O. B.; MARICATO, E; VAINER, C. O Pensamento Único das Cidades: desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2000. ARTIGAS, João Batista Vilanova. Caminhos da arquitetura. São Paulo: Pini, Fundação Vilanova Artigas, 1986. BARONE, Ana Cláudia Castilho. Team 10: arquitetura como crítica. São Paulo: Annablume: Fapesp, 2002. BAUH5.GIF. Altura: 267 pixels. Largura: 827 pixels. 300dpi. 72 Kb. Formato GIF. Disponível em: <http://tipografos.net/imagens/bauh5.gif >. Acesso em: <14 de Agosto de 2012>. BENEVOLO, Leonardo. História da arquitetura moderna. Tradução, Ana M. Goldberg. São Paulo: Perspectiva, 2000. ______. A cidade e o arquiteto: método e história na arquitetura. Tradução, Attílio Cancian. 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