LEITURA DOS DIZERES LÍNGUA ESTRANGEIRA DOS ALUNOS-APRENDIZES DE Maria de Lourdes Marques Moraes (UNINCOR – Três Corações) Este texto é produto das reflexões acerca da construção das identidades a partir das práticas de linguagem. Sendo parte de uma pesquisa de mestrado, ainda em desenvolvimento, se sustenta teoricamente nos estudos de Foucault (1979), sobre os “regimes da verdade” e seus efeitos regulamentadores de poder, em Coracini (2003;2007), sobre o ensino de línguas, em Rajagopalan (2003) e seus estudos linguísticos. Procuramos, ainda, manter um diálogo com a perspectiva dialógica da linguagem na abordagem de Bakhtin (1992), por considerarmos a importância histórica dos seus estudos para as discussões teóricas na área de ensino de línguas. Buscamos fazer uma leitura dos dizeres dos alunosaprendizes de língua estrangeira, considerando a relação com a cultura outra, as implicações, aplicabilidades ou não desse idioma na vida do aluno, bem como, compreender as possíveis causas que despertam cada dia mais o interesse pelo aprendizado da língua outra, sendo a língua inglesa, a expressão maior desta procura. Baseados na concepção Bakhtiniana da linguagem como processo dialógico da comunicação, acreditamos que os dizeres desses alunos são marcados por diferentes vozes que os constituem e que somente é possível compreender a construção lingüística tomando por referência os elementos associados à condição de produção, às reais situações em que a mesma é produzida e o momento sócio-histórico, portanto, marcada pelos valores ideológicos. Entendemos, ainda em conformidade com Bakhtin, que a língua não é apenas um mero instrumento de comunicação, mas um sistema complexo que permite ao homem exteriorizar suas emoções, necessidades, seus pensamentos, etc. Nesse sentido, nos propomos a analisar os dizeres dos alunos a partir das perspectivas sociais, culturais e históricas, e, sobretudo, do movimento da globalização, que estimula e desperta desejos de inclusão, e as armadilhas que envolvem este movimento, por considerar “verdades” já preconizadas, comportamentos impostos que não correspondem exatamente à realidade brasileira. Nosso corpus de pesquisa consiste em entrevistas gravadas em áudio com alunos-aprendizes de língua inglesa de um instituto da cidade de Coronel Fabriciano-MG, onde dentre as várias perguntas feitas à esses alunos recortamos duas para análise neste texto, sendo a primeira: por que você decidiu estudar inglês? Os dizeres desses alunos apontam para o aprendizado da língua inglesa como uma necessidade, haja vista as qualificações exigidas por um mercado global e, por isto, cada vez mais competitivo. “Eu uso na área profissional, leitura basicamente em contratos, porque eu trabalho na parte de contratos então alguns contratos são nessa língua, os que são da Itália, França, normalmente eles estão em inglês.” “Eu trabalho com um diretor japonês que fala português muito bem... então eu não preciso do inglês hoje, hoje, mas, no futuro não sei. Também não tem uma previsão assim, daqui um ano, dois anos ele tá indo embora vem outro e se vai querer ficar comigo e se ficar comigo como secretária e ele não falar português o principal vai ser o inglês, né? Pode até ser que eu nem venha usar este inglês.” Como podemos observar, o conhecimento da língua inglesa é vista por esses alunos não somente como uma necessidade imediata, uma exigência para execução de tarefas práticas e imprescindíveis na rotina de uma empresa, como ler um contrato, um manual, etc. A língua inglesa é entendida como um “plus” que caracteriza a eficiência de um profissional qualificado para as demandas do mercado de trabalho e até mesmo como garantia de uma suposta estabilidade no emprego. “Eu decidi estudar inglês pela necessidade vigente no mercado mesmo.” “Na verdade eu sempre quis fazer inglês pra melhorar meu currículo.” É também, um instrumento que garante o sucesso profissional numa possível utilização em tempos futuros, ou seja, algo que deva ser aprendido pelo aluno como parte constituinte de uma formação global, não só nos dias de hoje, mas como uma verdade que antecipa uma necessidade absoluta e inevitável no futuro. “No momento não é tão importante quanto no futuro, mais quando eu for colocar no meu currículo vai ser fundamental, porque o inglês hoje está sendo uma língua que você tem que ter mesmo.” É nesse sentido que concordamos com Rajagopalan (2003, p. 67) ao afirmar que, ”somos movidos pelo desejo de ampliar os nossos horizontes culturais, de nos lançar a um melhor nível de vida – em suma, de tirar proveito do contato com algo previamente entendido e encarado como superior ao que já possuímos”. As respostas afirmativas para a segunda pergunta - você considera que uma pessoa que fala a língua inglesa tem mais oportunidades no mercado de trabalho? – justificam com unanimidade o título de “língua universal ou língua da globalização” concedido à língua inglesa, pois, como podemos observar nos dizeres dos alunos é um idioma utilizado nas mais diversas áreas e, por isso, considerado uma língua de prestígio, influência, domínio, status, o que torna ainda mais revitalizado a procura pelo seu aprendizado. “Hoje os EUA é a potencia mundial e várias empresas com o mercado exterior geralmente eles têm o inglês como prioridade.” “Eu considero que sim, aliás, alguns casos que nem há tanta necessidade e as pessoas até exigem um segundo idioma.” “Eu a princípio comecei a estudar inglês por causa de minha vida profissional, tudo que eu manuseio é em inglês.” Percebemos que a palavra estrangeira perpassa a idéia de poder, de força, de verdade. Esses dizeres nos levam a questionar a influência que o processo de globalização tem exercido na constituição identitária do aluno-aprendiz, considerando a vasta gama de informações que são todos os dias veiculadas pelos modernos e sofisticados meios de comunicação, tais como tv à cabo, internet, etc., o que garante uma maior disseminação da língua inglesa em âmbito internacional. Sob esse enfoque, a expressão língua estrangeira provoca um desejo pelo estranho, pelo diferente, pelo superior, tornando-se um meio privilegiado de conhecimento, portanto, de poder. “Olha sendo o inglês uma língua que não é falada só nos EUA, mas também em toda a Europa então ele cresce em oportunidades. É um diferencial a mais de quem só fala português, porque outros paises também usam o inglês”. “Porque com essa globalização daqui uns dias as empresas não serão só aqui, então quer dizer tem exportação de gente pra todo lado, gente trabalhando em muitas partes e também a gente recebe pessoas que não se dão trabalho de saber português, então é importante conhecer, né”. Em função da sua ampla utilização, o domínio do inglês, bem como o de outros conhecimentos que caracterizam as exigências de um mundo moderno dominado pela evolução tecnológica, é visto como uma necessidade imediata que precisamos suprir para não ficarmos presos a um passado, embora recente, sinônimo de ultrapassado, desatualizado, antigo, isso considerando a velocidade com que as mudanças são processadas atualmente. “... eu decidi estudar inglês pela necessidade e exigência do mercado mesmo.” “... já , já precisei do inglês pra concorrer a vaga de trabalho.” “... eu não acho, eu tenho certeza, porque na verdade a pessoa que ela desenvolve bem a língua inglesa ela tem oportunidade de trabalho mais favorável.” Dentro desse contexto, quem não se insere nas exigências de uma sociedade moderna, globalizada, onde o multilinguismo, conforme assegura Rajagopalan (2003, p. 27) “está se tornando cada vez mais a norma e não a exceção em nosso mundo” poderá correr o risco de cair na armadilha da exclusão, pois, ainda conforme o autor, “vivendo na era da informação – hoje somos o que sabemos. E a linguagem está no epicentro deste verdadeiro abalo sísmico que está em curso na maneira de lidar com as nossas vidas e as nossas identidades” (ibidem, p. 59). “... eu já perdi um emprego por causa da língua inglesa.” Nunca estivemos tão expostos aos bombardeios de informações, que não somente invadem nossa vida de uma forma sutil e muitas vezes imperceptível, mas deixam suas marcas na (trans)formação de nossas identidades, considerando o seu caráter heterogêneo, dinâmico e incompleto na perspectiva teórica por nós adotada. Portanto, não é novidade que o uso da língua inglesa como instrumento internacional de comunicação estabelece um domínio efetivo sobre a cultura dos outros países. A partir da sua difusão, marcas indeléveis são deixadas sobre o estilo de vida das nações submetidas à sua influência, tais como um maior número de empréstimos lingüísticos, um novo jeito de ser baseado na absorção cultural que gera novos hábitos, costumes e valores, como a preferência pela escolha musical (americana), tipo de alimentação (fast food), a preferência nacional pelos filmes Hollywoodianos, sem contar com o indiscutível domínio das telecomunicações e das novas tecnologias. Enfim, abriu-se um novo e amplo espaço para a importação do jeito americano de ser e viver. Acreditamos que tudo isso seja resultado da grande abertura política e econômica ocasionada pelo processo de globalização, favorecido largamente pelos avanços tecnológicos. Em função disso, ganhou-se uma nova concepção de distância e tempo como algo incomensurável, pois os contatos entre os povos se estabelecem na velocidade da luz, no simples acionar de uma tecla que permite uma conexão direta com qualquer outro lugar do mundo que desfrute da mesma tecnologia. Outro exemplo a destacar é a facilidade com que as pessoas migram de um país para o outro, sendo para os Estado Unidos a maior procura. Temos também o acesso à internet que permite a interação entre as pessoas das mais longínquas terras e cuja língua eleita para intermediar essas relações é a inglesa. Nessa direção, aprender a língua inglesa na atual conjuntura, longe de ser um simples símbolo de status, como podemos observar nos dizeres dos alunos, caracteriza uma nova realidade social. Dessa maneira, temos de um lado a fantástica globalização das atividades, e por outro lado, as pessoas se sentindo pressionadas a aderir a essa nova onda para não cair na discriminação, na exclusão, pois na mesma velocidade aumenta-se a diferença e a separação entre as categorias sociais. ”No momento não é tão importante quanto no futuro, mais quando eu for colocar no meu currículo vai ser fundamental, porque o inglês hoje está sendo uma língua que você tem que ter mesmo.” Nesse sentido, coadunamo-nos com Foucault (1979) sobre os regimes de verdade e seus efeitos regulamentadores de poder ao afirmar que a verdade é “produzida e transmitida sob o controle, não exclusivo, mas dominante, de alguns grandes aparelhos políticos ou econômicos” (p. 13). Sob esse enfoque, com as mudanças advindas da globalização, o sujeito se depara a cada dia com novas tendências e exigências provocadas pelo poder avassalador da influência estrangeira, o que gera a preconização de verdades e a imposição de comportamentos que não correspondem exatamente à realidade brasileira, se considerarmos o grande número de pessoas que ainda não têm acesso aos meios de comunicação e de interação social e cultural, bem como ao aprendizado e domínio de uma língua estrangeira. Nessa medida, muitas pessoas são vitimas da ignorância tecnológica e da inacessibilidade aos cursos de idiomas e, por isso, se encontram desqualificadas para viverem num mundo onde o conhecimento é mecanismo detentor de poder. As reflexões desenvolvidas neste texto nos levam a pensar a função do ensino de língua estrangeira para além do simples propósito de comunicação. Conforme propõe Coracini (2003, p. 155), “de modo que ensinar uma língua estrangeira não se pode limitar a transmitir conhecimentos sobre a língua”, mas é preciso reconhecer o seu ensino como uma ampla força (trans)formadora das identidades concebidas em meio à constantes (re)negociações, num novo contexto sócio-histórico e cultural provocado pela crescente miscigenação entre povos e culturas do mundo inteiro. Para a autora, a língua chamada estrangeira tem uma função formadora, atuando diretamente na imagem de nós mesmos e dos outros, na constituição identitária do sujeito do inconsciente. Ainda que seja aprendida com um fim meramente utilitarista, ela traz sempre consigo conseqüências profundas e indeléveis para a constituição do sujeito (2007, p.152). A partir dessas reflexões consideramos de acordo com Coracini (2007, p. 149), que a segunda língua é reconhecida como “a língua da comunicação com o outro no mundo contemporâneo caracterizado pela diversidade e pelo pluralinguismo”. Assim sendo, reconhecemos no discurso do aluno-aprendiz de língua estrangeira uma nova concepção de aprendizado de línguas, uma relação marcada substancialmente pelo uso efetivo e prático na vida desses alunos. Portanto, em meio às constantes e rápidas mudanças provocadas pelo advento da globalização surge uma nova relação entre o aluno-aprendiz e a língua outra, uma atração impulsionada pela sua utilização imediata, bem como numa perspectiva futura em vários segmentos da sociedade, relação esta marcada pela interação e inevitavelmente pelo confronto com a cultura outra, permitindo construir nesse novo contexto a identidade do sujeito pela e na linguagem, sendo esta a grande razão de se estudar uma língua estrangeira, ”compreender o outro – aceitar o diferente”, Coracini (2007, p. 132). BIBLIOGRAFIA BAKHTIN, M. (1953). Os gêneros do discurso. In Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p.279-326. CORACINI, M. J. Língua estrangeira e Língua materna – uma questão de sujeito e Identidade. In: CORACINI, M. J. R. (ORG).Identidade & Discurso – (des)construindo Subjetividades. Editora da Unicamp, Chapecó:Argos Editora Universitária, 2003, p. 139-159. ________________. Língua materna-estrangeira:entre saber e conhecer. In:CORACINI, M.J. A celebração do outro:arquivo, memória e identidade:línguas (materna e estrangeira), plurilinguismo e tradução. Campinas, SP:Mercado de Letras, 2007, cap. 9, p. 149-162. FOUCAULT, Michel(1979). Microfísica do Poder. Tradução e organização de Roberto Machado, Rio de Janeiro:Edições Graal, 1979. RAJAGOPALAN, K. Linguagem e identidade. In: Rajagopalan, K. Por um lingüística Crítica:linguagem, identidade e a questão ética. São Paulo:Parábola Editorial, 2003, p. 23-36. __________________. A identidade lingüística em um mundo globalizado. In:Rajagopalan, K. Por um lingüística crítica:linguagem, identidade e a questão ética. 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