UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE ESCOLA DE ENFERMAGEM ANNA NERY COORDENAÇÃO GERAL DE PÓS-GRADUAÇÃO ANNA MARIA DE OLIVEIRA SALIMENA O COTIDIANO DA MULHER APÓS A HISTERECTOMIA À LUZ DO PENSAMENTO DE MARTIN HEIDEGGER Rio de Janeiro 2007 ANNA MARIA DE OLIVEIRA SALIMENA O COTIDIANO DA MULHER APÓS A HISTERECTOMIA: À LUZ DO PENSAMENTO DE MARTIN HEIDEGGER Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutora em Enfermagem. Área de concentração: A Enfermagem no Contexto Social Brasileiro Núcleo de Pesquisa de Enfermagem em Saúde da Mulher-NUPESM Orientadora: Profª. Dra. Ivis Emília de Oliveira Souza Rio de Janeiro agosto de 2007 Salimena, Anna Maria de Oliveira O cotidiano da mulher após histerectomia a luz do pensamento de Martin Heidegger / Anna Maria de Oliveira Salimena ; orientador: Profa Dra. Ivis Emilia de Oliveira Souza. - - 2007. 137 f. Tese (Doutorado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal de Juiz de Fora. 1. Saúde da mulher. 2. Enfermagem. 3. Heidegger, Martin. 4. Fenomenologia. I. Souza, Ivis Emilia de Oliveira. II. Titulo. CDD 613.99 O COTIDIANO DA MULHER APÓS A HISTERECTOMIA À LUZ DO PENSAMENTO DE MARTIN HEIDEGGER ANNA MARIA DE OLIVEIRA SALIMENA Tese submetida à Banca Examinadora da Escola de Enfermagem Anna Nery, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutora em Enfermagem. Aprovada em 30 de agosto de 2007 por: ____________________________________________ Dra. Ívis Emília de Oliveira Souza Orientadora Profª.Titular da Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ ____________________________________________ Dra. Matilde Meire Miranda Cadete 1ª Examinadora Prof Adjunta da Faculdade de Enfermagem UNESA/ MG _____________________________________________ Dr. Octavio Muniz da Costa Vargens 2º Examinador Profº Titular Faculdade de Enfermagem da UERJ/RJ ____________________________________________ Dr. Michel Perreault 3º Examinador Profº Associado da Faculdade de Enfermagem da Université de Montreal- CA Profº. Visitante na Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ _________________________________________ Dra. Maria Antonieta Rubio Tyrrell 4ª Examinadora Profª Titular da Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ ____________________________________________ Dra. Claudia Santos Suplente Profª Adjunta Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ ____________________________________________ Dra. Teresa Caldas Camargo Suplente Enfermeira do Hospital do Câncer III HCIII - I N CA - RJ Dedicatória Ao meu pai, que inesquecível se faz pre-sença no meu cotidiano. A minha mãe, pelo meu ex-istir sendo-mulher-com-no-mundo. Ao Luiz Céu Mar, meu marido, com quem compartilho todas as alegrias e dificuldades. Aos meus filhos Leandro, Fernando e Lucianna pela imensa alegria de ser-mãe, sendo-no-mundo com vocês. À Drª Ívis Emília, que me mostrou um universo de possibilidades. Às mulheres que prontamente concordaram participar do meu estudo e, ao se abrirem falando do seu cotidiano, compartilharam comigo suas vivências. Para você minha orientadora, Inteligente, importante, imprescindível, Você Iluminou meu caminhar Sua presença me estimulou a continuar Enquanto eu trabalhava, Minha amiga, você me apoiava Independente dos percalços Lentamente com você eu avançava Inimaginável a principio, quão longe nós chegaríamos Agora aqui estamos, no fim da nossa jornada. E, a você meu companheiro, Lutando contra as adversidades Ultimamente você quase ficou só. Imprescindível no caminho, Ziguezagueando ao meu redor. Companheiro leal Enquanto eu caminhava. Uma vez ao meu lado, Meu espírito se acalmava. Assim consegui chegar ate aqui. Rumo a essa vitória com você, graças ao seu apoio velado. AGRADECIMENTOS À Deus, pela minha existência e luz em meu caminhar, mostrando sempre um amanhecer, dando forças para eu prosseguir em minhas propostas e me guiando nesta trajetória. Ao meu pai, não mais presente, por ter sido motivo de forças nos momentos em que pensei não mais ter. Por ter sido o primeiro a ensinar-me o significado do amor, do respeito e dedicação ao próximo, sendo-aí-com em todas as possibilidades de ser. À minha mãe, por me incitar a ter aquilo que não teve, por me fazer confiante e acreditar nas possibilidades e por tudo que fez para que eu estudasse, pois sempre me estimulou. Aos meus filhos, dos quais tirei muitas horas de com-vívio no percurso de suas adolescências para meus estudos no mestrado e doutorado. Mas, também, por despertarem em mim força e vontade, sendo ser-com-carinho-e-dedicação no cotidiano. Ao marido, pela ajuda, por termos vivido esse trabalho juntos, por sempre confiar e apoiar, enfim, pela cumplicidade e amor. À minha orientadora, pelos nossos encontros que, com serenidade, segurança e competência, me conduziu aos caminhos da fenomenologia e do pensar de Heidegger. Não encontro palavras para agradecer, pois que no modo de ser-com, se abriu e compartilhou: sua sabedoria, solicitude, amizade, cuidado e carinho e, mais que uma orientadora uma amiga que, na co-vivência autêntica, compreendeu minhas dificuldades pessoais, atropelos do cotidiano e possibilitou o meu desenvolvimento pessoal e profissional. Aos jovens, Joyce Eliza e Ivan Marcos, pelo carinho com que sempre me atenderam ao telefone. À Ana Inês, pelo carinho com que me acolheu em sua casa, no Rio, durante o curso. À Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Juiz de Fora-MG e à Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro-RJ, pela oportunidade de realização do Curso de Doutorado. Às professoras do Curso de Doutorado da Escola de Enfermagem Anna Nery/ UFRJ e aos membros do Núcleo de Pesquisa de Enfermagem em Saúde da Mulher, pela acolhida carinhosa e pela oportunidade de aprendizado compartilhando os seus saberes para o meu enriquecimento. Aos Membros das Bancas de Defesa do Projeto, Qualificação e Defesa da Tese, pela disponibilidade de participar e apresentar contribuições decisivas e consistentes no aprimoramento deste estudo. À professora e Drª Matilde Meire Miranda Cadete que, sendo minha orientadora no mestrado, despertou-me para o caminho da fenomenologia. Às colegas do Curso de Doutorado, pelo inestimável companheirismo, troca de experiências e oportunidade de crescimento no con-vívio de estudos no cotidiano da vida acadêmica, sendo co-presenças nessa trajetória. À Sonia Xavier e demais funcionários da Secretaria Acadêmica da Coordenação de PósGraduação da EEAN-UFRJ, que sempre atenderam com gentileza, carinho e eficiência a todas as minhas solicitações. À colega e amiga Maria Carmen, parceira de estudos, pela amizade, carinho, pela troca constante de conhecimentos, solidariedade nos momentos difíceis e compreensão no estarcom. À Daiane, pela amizade, “ filha por escolha”, que com carinho, me ajudou com as traduções em inglês. Às colegas e amigas Girlene, Cristina Arreguy e Betânia pelo incentivo, generosidade, apoio e solicitude, pois que, sempre disponíveis, me ajudaram nesta caminhada. Aos colegas do Departamento de Enfermagem Aplicada, da Faculdade de Enfermagem da UFJF, pelo apoio em mais esta etapa. Aos médicos – professores da UFJF: Itagyba (anestesiologista) amigo que sempre me incentivou nos estudos e Homero (gineco-obstetra) na ajuda com o referencial bibliográfico e Dr. Marcio José (epidemiologista) que trouxe contribuições ao projeto deste estudo na organização de dados quantitativos. A todos do Bethel Kéren Happouk nº 8 de MG, pelo apoio e incentivo para mais este momento vivido. A todos que fazem parte do meu existir, que de forma direta ou indireta, me ajudaram neste caminho e na concretização deste sonho. RESUMO SALIMENA, Anna Maria de Oliveira. O COTIDIANO DA MULHER APÓS A HISTERECTOMIA À LUZ DO PENSAMENTO DE MARTIN HEIDEGGER. Rio de Janeiro, 2007. Tese (Doutorado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem Anna Nery,Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2007. Este estudo de natureza qualitativa teve como objeto o cotidiano de mulheres após a histerectomia. Neste sentido foi utilizada a abordagem fenomenológica como método de pesquisa e o pensamento de Martin Heidegger como referencial teóricometodológico. Foram depoentes 25 mulheres submetidas à histerectomia, sendo que a entrevista fenomenológica ocorreu num tempo variado de quatro a dezenove meses após o procedimento cirúrgico. A análise interpretativa em seu primeiro momento metódico, da compreensão vaga e mediana, permitiu a construção de oito unidades de significação: os problemas que determinam a cirurgia são relembrados; a decisão do tratamento é/foi do médico; a rotina do acompanhamento de saúde é obedecida; houve necessidade de ajuda no domicílio; o retorno às atividades do lar e de trabalho foi gradativo; ocorreram probleminhas que determinaram idas e vindas ao hospital; houve melhoras, mas ainda há queixas; a atividade sexual foi considerada. A compreensão interpretativa, segundo momento metódico, desvelou à luz do pensamento de Heidegger que o cotidiano da mulher após a histerectomia se expressa num movimento que transita da inautenticidade para o indicativo de propriedades e impropriedades que mostra a autenticidade pela decisão, porém não desenvolve o movimento da angústia hedeggeriana. A mulher indicou que, no período que antecede a cirurgia, está no modo de ser da cotidianidade, dominada pelo temor de estar sangrando e sentindo dor. Entretanto é no dia-a-dia, após a intervenção, que se compreende sendo-aí-com-os-outros e se desvela, frente a propriedades e impropriedades, mostrando-se como ser de possibilidades num mundo próprio. Há, dentre os sentidos desvelados, pelo menos três que, diretamente, contribuem para a melhoria da qualidade da assistência frente às atuais políticas públicas de saúde da mulher. Estes sentidos revelaram que na dinâmica assistencial às condições de busca da mulher pelo serviço de saúde, o preparo para a alta hospitalar e a alta propriamente dita, e ainda, as rotineiras orientações de abstinência sexual determinada pelo pós-operatório devem ser considerados a partir da subjetividade da mulher que será submetida à histerectomia. Palavras chave: Saúde da Mulher. Histerectomia. Cotidiano. Martin Heidegger. ABSTRACT SALIMENA, Anna Maria de Oliveira. Woman´s daily after histerectomy in the light of Martin Heidegger´s thoughts. Rio de Janeiro, 2007. Thesis (Doctorate in Nursing) – Anna Nery School of Nursing, Federal University of Rio de Janeiro, 2007. This qualitative study had as its object the daily-life of women after being submitted to a histerectomy. Following this sense the phenomenological approach was chosen as methodological framework , supported by Martin Heidegger´ phenomenology. The deponents were twenty five women submitted to a histerectomy between four and nineteen months after the surgical procedure, which was made by open-ended interviews. Data analysis in its first methodological step of the vacant and medium understanding allowed to build eight meaning units: the programs that determinete the surgery was remembered; the decision on treatment is/was a doctor´s choice; the health follow up´s routine is/was obeyed; homecare was necessary; the return home and work activities were gradual; little problems occurred and that had determined the necessity to return to the hospital; there was some improvements but there are still some complaints; the sexual activity was considered . The hermeneutics analysis, the second methodological step, showed, under Hedegger perspective, that women´s daily-life after being submitted to histerectomy expresses itself in a movement that goes forward and backward for inauthenticity to an indication of properties and improperties, and that shows authenticity for the decision. However, does not develop movement of Heidegger´s anguish. The woman pointed out that during the time period before the surgery, she was in the heidegger´s way of being of daily-life, dominated by the fear of being bleeding and feeling pain. However, it is in the daily-life after the surgery that she understands herself as being-there-with-theother and, facing properties and improperties, revealing herself as “being-ofpossibilities” in a self world. There are among the presented meanings, at least three that contribute to the improvement of the assistance quality even with the current women´s health public system. These senses showed that, in the assistential dynamics, the conditions that allowed women to search for health services, to be prepared for hospital discharge, and also to be prepared for sexual abstinence determined by the post operative must be considered from the perspective of the subjectivity of the woman who will be submited to histerectomy. Words key: Health of the Woman, Histerectomy, Daily, Martin Heidegger. RÉSUMÉ Salimena, Anna Maria de Oliveira. Le quotidien de la femme après l'hystérectomie, à la lumière de la pensée de Martin Heidegger. Rio de Janeiro, 2007. Thèse (Doctorat en Infirmerie) - École d'Infirmerie Anna Nery, Université Federale de Rio de Janeiro, 2007. Cet étude de nature qualitative a eu comme objectif, le quotidien des femmes après avoir subi une hystérectomie. Dans ce sens a été utilisée une abordage expérimental comme méthode de recherche et les pensées de Martin Heidegger comme références. Vingt cinq femmes qui ont subi l' hystérectomie ont témoignés après une période entre quatre et dix-neuf mois après l'intervention chirurgicale. L'analyse a pu interpréter au premier moment, la construction de huit unités signiticatives: les souvenirs des problèmes qui ont determiné la chirurgie sont constant, la décision du traitement est ou a été de la part du médicin, la routine du suivi médical est obéi, il y a eu la nécessité d'aide dans le domicile, le retour des activités au travail et de tâches ménagères a ètè graduel, des petits problèmes ont determinés des aller-retour à l'hôpital, il y a eu des progrès, mais aussi des plaintes, l'activité sexuelle a été consideré. La compréhension au deuxième moment de l'analyse a saisi sur le fait que le quotidien de la femme après avoir subi une hystérectomie s'exprime dans un mouvement que varie entre l'inauthenticité pour l'indicatif des proprietés et improprietés et que montre l'authenticité pour la décision, par conséquent, ne développe pas le mouvement de l'angoisse hedeggeiène. La femme a indiqué qu'avant la periode précedente à la chirurgie, est dans la manière d'être de la quotidienneté, assujetie par la peur de saigner et d'éprouver de la douleur. Cependant c'est de jour en jour après l'intervention, que se comprends "en étant ainsi comme les autres", et se montre face à des propriétés et impropriétés dans un monde convenable. Il y a au moins trois sens qui contribuent pour l'amélioration de la qualité d'assistence, face aux actuelles politiques publiques de la santé de la femme. Ces sens ont revelé les conditions de recherche de la femme pour les services hospitaliers et les orientations à propos de l'abstinence sexuelle,determinée après l'intervention, doivent être considerés à partir de la subjectivité de la femme que subira l'hystérectomie. Mots-clés: Santé de la femme. Hystérectomie. Quotidien. Martin Heidegger. RESUMEN SALIMENA, Anna Maria de Oliveira. El COTIDIANO DE LA MUJER TRAS LA HISTERECTOMIA A LA LUZ DEL PENSAMIENTO DE MARTIN HEIDEGGER. Rio de Janeiro, 2007. Tesis (Doctorado en Enfermería) - Escuela de Enfermería Anna Nery, Universidad Federal de Rio de Janeiro, 2007. Este estudio de naturaleza calitativa tuvo como objeto el cotidiano de mujeres tras la histerectomia. En este sentido fue utilizada el enfoque fenomenológico como método de investigación y el pensamiento de Martin Heeidegger como referencial teórico metodológico. Fueron testigos 25 mujeres sometidas a la histerectomia siendo que la encuesta fenomenológica ocurrió en un tiempo entre cuatro y diécinueve meses tras el procedimiento cirúrgico. El análisis interpretativa de su primer momento metódico de comprensión no precisa y mediana, permitió la construcción de ocho unidades de significación: los problemas que determinan a la cirurgia son recordados; la decisión del tratamiento es/fue del médico; la rutina del acompañamiento de salud es obedecida; hubo necesidad de ayuda en domicilio; el retorno a las actividades del hogar y del trabajo fue gradual; ocurrieron algunos pocos problemas que determinaron vueltas al hospital. Hubo mejoras, pero todavía hay quejas; la actividad sexual fue considerada. La comprensión interpretativa, segundo momento metódico, reveló a la luz del pensamiento de Heidegger, que el cotidiano de la mujer, tras la histerectomia se expresa en un movimiento que transita de la inautenticidad para el indicativo de propiedades y impropiedades que muestra la autenticidad por la decisión, sin embargo no desarrolla el movimiento de la angustia hedeggeriana. La mujer indicó que en el periodo que antecede a la cirurgia está en el modo de ser de la cotidianidad dominada por el temor a la sangre y al dolor. Sin embargo es en el cotidiano, tras la cirurgia que se comprende siendo-ahí-con-los-otros y se revela delante de propiedades e impropiedades enseñandose como ser de posibilidades en un mundo propio. Hay entre los sentidos desvelados, por lo menos tres que directamente contribuyen para la mejora de la calidad de asistencia delante de las políticas públicas de la salud de la mujer Estos sentidos revelaron que en la dinámica asistencial las condiciones de búsqueda de la mujer por el servicio de salud o la preparación para la alta del hospital o la alta propiamente dicha y todavía las orientaciones de rutina respecto a la abstinencia sexual tras la cirurgia deben ser considerados a partir de la subjetividad de la mujer que será sometida a la histerectomia. PALABRAS CLAVES: Salud de la mujer, Histerectomia, Cotidiano, Martin Heidegger. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 1. Trajetória Profissional 16 2. A problemática do pós-operatório de histerectomia: um olhar para o cotidiano da mulher 22 3. Objetivo do Estudo 27 4. Relevância e Contribuição 28 I – O CONTEXTO DE SAÚDE DA MULHER: aspectos políticos, assistenciais e sócio-culturais 31 II - A PROBLEMÁTICA GINECOLÓGICA E SUAS IMPLICAÇÕES 2. 1 A histerectomia como tratamento 41 2. 2 Repercussões para a mulher após a histerectomia 44 2. 3 Cotidiano de saúde da mulher como problemática existencial 49 III - REFERENCIAL FILOSÓFICO 3. 1 - Fenomenologia 57 3. 2 - O pensamento de Martin Heidegger 59 IV – TRAJETÓRIA METODOLÓGICA 4. 1 Fenomenologia: um caminho de investigação 63 4. 2 O método em Heidegger: um caminho para compreensão 64 4. 2. 1 Cenário de acesso às depoentes 65 4. 2. 2 As depoentes 66 V - ANÁLISE COMPREENSIVA 5.1 Os significados e as estruturas essenciais 71 5.2 Compreensão vaga e mediana - 1º momento metódico 82 5.2.1 Unidades de Significação 82 5.2.2 A compreensão das mulheres: o cotidiano após a histerectomia 98 5.2.3 Fio condutor da interpretação: o conceito de ser mulher após a 103 histerectomia 5. 3 Compreensão interpretativa - 2º momento metódico 104 VI - CONSIDERAÇÕES FINAIS 115 REFERÊNCIAS 122 ANEXOS I - Autorização do chefe do Serviço de Ginecologia do HU - UFJF 131 II - Autorização do Diretor Geral do HU -UFJF 132 III - Protocolo de entrega do projeto ao Comitê de Ética da UFJF 133 IV - Parecer do Comitê de Ética 134 V - Ficha do Serviço de Arquivo Médico do HU - UFJF 136 VI - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 137 “Comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível, e de repente estará fazendo o impossível”. São Francisco de Assis INTRODUÇÃO 1 - Trajetória profissional Minha experiência profissional como enfermeira deu-se, inicialmente, na Unidade de Cirurgia de Mulheres (CM) e na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU-UFJF) sendo, por dois anos, responsável por estas duas unidades. Como plantonista tive a oportunidade de desenvolver atividades laborais no Centro Cirúrgico, fato que despertou meu interesse pela assistência a clientes cirúrgicos. A partir de 1982 até os dias atuais, tenho como atuação principal o exercício da docência em atividades teóricas, práticas e de estágio no setor de Centro Cirúrgico, acompanhando acadêmicos de Enfermagem do Curso de Graduação da UFJF. Questões de foro profissional, contextual e familiar me impediram de ingressar em curso de pós-graduação stricto sensu em períodos anteriores. Persistindo minha intenção de aprofundar as questões que me inquietavam e as oportunidades que surgiram, inicialmente foi possível aprimorar meus conhecimentos através de cursos de especialização: em Didática do Ensino Superior (1980), Assistência de Enfermagem (1985), Administração Universitária (1987). Esses cursos foram compatíveis com a minha vivência na ocasião, o que subsidiou decisões conscientes e firmes, além de, ao realizá-los com vistas ao meu crescimento profissional e pessoal, ter corroborado a contextualização de minhas inquietações. No final da década de 90, foi possível também concretizar a realização do curso de mestrado, vislumbrando a oportunidade de pesquisar uma das minhas inquietações relativas ao mundo cirúrgico, valorizando as questões da mulher-mãe de crianças atendidas cirurgicamente. O motivo para este estudo foi subsidiado pela minha percepção da assistência prestada à mulher-mãe ser enfocada preferencialmente “na criança hospitalizada” ou “numa doença a ser tratada” sem se atentar com profundidade às pessoas que integram o mundo circundante da infância. No hospital, o centro cirúrgico é uma unidade que atende aos usuários com peculiaridade e particularidades: de faixa etária, gênero, cultura, raça, valores, com agravos de saúde e necessidades terapêuticas, relacionados às diversas especialidades e onde identificamos pessoas em estados emocionais distintos. Por isso realizei uma pesquisa para melhor compreender os sentimentos da mãe ao entregar o seu entregar o filho a um profissional que está à porta da sala de cirurgia. A conclusão do estudo realizado no mestrado1 veio contribuir para o 1 SALIMENA, A. M. de O. Buscando compreender os sentimentos da mãe ao deixar o filho à porta da sala de cirurgia. 2000. Dissertação ( Mestrado em Enfermagem) Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais. aprofundamento de minhas reflexões em dois aspectos: o primeiro diz respeito ao redimensionamento dos compromissos éticos da enfermagem no atendimento às necessidades de mulheres-mães quando seus filhos são submetidos a procedimentos cirúrgicos; o segundo, à noção de que a assistência no centro cirúrgico atende a grupos específicos sem considerar a família, portanto, não disponibilizando o atendimento para as mães e família (SALIMENA, 2000, 2002, 2002, 2003, 2003). A ocorrência de uma cirurgia é motivo de forte mobilização emocional para o paciente e sua família. Percebem-se sentimentos de inquietação, de insegurança e de medo, como descrito na literatura sobre esta temática por Silva et al. (1997), Smeltzer, Bare (2002), Parra, Saad (2001), entre outros estudiosos. Atribuo tais manifestações à natureza intervencionista do tratamento terapêutico proposto e às necessidades emocionais da clientela submetida ao tratamento cirúrgico, uma vez que o enfoque, via de regra, está centrado na dimensão biológica da doença. Para muitas mulheres, com as quais tive oportunidade de estar durante as atividades de ensino e de extensão, em seus períodos de pré-trans-pós operatórios, percebi que a hospitalização e a constatação diagnóstica de uma situação de morbidade foram vivenciadas como uma experiência impactante sobre seu cotidiano. As inquietações oriundas da vivência no centro cirúrgico referentes a cirurgias específicas do gênero feminino que afetam a sua condição de ser mulher, ou seja, as cirurgias ginecológicas, acarretam limitações que exigem, quando for o caso, afastamento laboral, distanciamento da família e necessidade de repouso. Essa constatação é tão mais relevante, quando se considera o fato de que tais procedimentos cirúrgicos, muitas vezes, não podem ser eletivos, trazendo embutidos em si a premência do processo de opção do tratamento. As pessoas, que têm a indicação para serem submetidas a tal intervenção cirúrgica, estão diante da iminência de uma decisão. Observo nessa condição que, as escolhas são limitadas, impedindo o ensejo de se organizarem pessoal e/ou profissionalmente, o que equivale a dizer que suas opções restringem-se a uma chance de continuarem ou não a luta pela vida, independentemente do ônus que isso possa significar na vivência da cirurgia e, também, posteriormente considerando o contexto familiar, profissional e domiciliar. Portanto, identifico como sendo relevante, na compreensão do processo vivencial de uma mulher com alterações ginecológicas que possua indicação para tratamento cirúrgico, que a decisão desta intervenção seja estabelecida pelo profissional que a está assistindo. A tal assertiva, alia-se a incapacidade cognitiva atribuída culturalmente à mulher para compreender e opinar, com respaldo, sobre as opções terapêuticas de que dispõe, uma vez que como usuárias não são consultadas para opinar diretamente sobre a sua saúde/doença e a definição terapêutica. Na apreciação de Boltanski (2004) sobre a condição de saúde e doença nas classes sociais baixas, fica enfatizado o poder de decisão do médico sobre os tratamentos, a desconsideração do conhecimento que o próprio doente tem de seu corpo, bem como a despreocupação em ouvir ou conhecer as suas condições socioeconômicas e culturais. Mas Simões, Souza (2002) já sinalizaram que a mulher tem tomado novas posturas/decisões em relação aos cuidados com sua saúde. Percebo que a pessoa, ao ter necessidade de submeter-se a um procedimento cirúrgico, perde o controle sobre o seu estado de saúde, sente-se ameaçada real ou imaginariamente face a uma recomendação médica ou também devido ao fato de buscar perpetuar suas possibilidades de vida pelo maior tempo possível. Além destas reflexões, ainda observo que as cirurgias são planejadas em consonância com as rotinas do serviço e, na maioria das vezes, não é dada à mulher a possibilidade de decidir o momento mais adequado e tempo necessário à reorganização de seu cotidiano pessoal e profissional. Assim, ela não tem opção. Algumas vezes tive a oportunidade de pensar que aceitar submeter-se a um procedimento cirúrgico mutilador, histerectomia, pode equivaler a concordar em se internar e enfrentar o “tão temido” procedimento, sem ter tempo para se preparar psico e emocionalmente e reorganizar o seu cotidiano, quer para o período de internação ou quer para o pós-operatório. Penso, então, que o enfermeiro deve estar atento às necessidades de cada paciente e, como indicam Galvão et al (2002), buscar atendê-las de modo significativo a fim de propiciar uma assistência perioperatória de qualidade. Merece destaque a Consulta de Enfermagem após o diagnóstico e deliberação cirúrgica para orientações sobre o procedimento cirúrgico e atividades no pré e pós-operatório como uma forma de contribuir para o envolvimento da família ( DIÓGENES et al, 2001). Acredito que as situações anteriormente mencionadas intensifiquem o estado emocional e sejam fontes geradoras de ansiedade para a mulher que precisa submeter-se a um procedimento cirúrgico. Socialmente existem crenças que foram introjetadas ao longo da história de vida de cada mulher, que podem justificar a existência do medo da dor, da anestesia, do desconhecido e da própria cirurgia, conforme SMELTZER, BARE (2002) e GALVÃO et al. (2002). Há que se considerar os mitos e as idéias assimiladas pela mulher sobre a cirurgia ginecológica, principalmente a histerectomia, pois que eles estão atrelados a sentimentos e valores de cada mulher. E, segundo Khastgir et al.(2000), a incidência de morbidade psicológica é mais alta antes da cirurgia, pois a perda do útero significa para a mulher o fim de um potencial reprodutivo e diminuição da sexualidade. Tais situações se expressam pelo tempo de duração, pela exposição do seu corpo ao trauma cirúrgico e pela presença de intervenções mutiladoras sobre órgãos que, culturalmente, possuem significados vinculados à feminilidade como o útero, de acordo os estudos de SBROGGIO (2004) e DAVIM (2005). A assistência de enfermagem deve enfocar, por isso, atividades que contemplem a mulher de maneira humanizada, sendo ela vista em sua totalidade, em todos os aspectos biopsicossocioculturais. Assim, este cuidar envolverá ações, atitudes e comportamentos respaldados em conhecimentos científicos. A mulher estará sendo considerada como ser humano, uma vez que a mulher com possibilidade cirúrgica terá no período perioperatório um plano de cuidados elaborado, conforme recomendaram Ferraz, Salzano, Torres (1982) e Castellanos, Jouclas (1990). Destaco que são de grande importância para o sucesso do tratamento as orientações tanto no pré-operatório quanto no pós-operatório, tanto mediato quanto imediato. A aplicação de técnicas de comunicação interpessoal é imprescindível e as questões a serem orientadas devem, segundo Meeker, Rothrock (1997, p. 363) “ir progredindo do geral para o específico” e, em todo o processo, deve-se estar aberta e disponível para um franco relacionamento terapêutico. Embora, durante minha formação acadêmica, marcada pelo método científico e pautada no atendimento biológico, eu tenha aprendido como atender o ser humano em suas necessidades básicas bio-psico-sócio-espirituais, sempre me questionei sobre esse atendimento. Então, com parte de minhas inquietações sanadas no mestrado, decidi atingir uma outra dimensão da assistência à mulher, estando atenta ao ser humano a quem estaria cuidando. Ampliando o cuidado centrado na dimensão terapêutica e técnica de enfermagem para uma dimensão mais humanizada e individualizada, comecei esta incursão por um projeto de extensão no próprio hospital onde exerço minhas atividades de docência. Ao coordenar e participar de atividades desenvolvidas no Projeto de Extensão, “Visita de Enfermagem Pré-operatória: implementação da Assistência de Enfermagem às mulheres da Enfermaria de Ginecologia do Hospital Universitário da UFJF”, tenho a oportunidade de verificar que emergem questões na dimensão do modelo biomédico, mas que me fizeram repensar meu existir como mulher. Este projeto é destinado à preparação psicoemocional e social de mulheres internadas para um procedimento cirúrgico pélvico. Diante disso, busquei um movimento de ultrapassar a dimensão biológica, no qual procuro sair de uma técnica provocadora e ir ao encontro da dimensão existencial. Isso me fez repensar o meu existir-sendomulher e sendo profissional. De tais aproximações emergiu do meu sendo-no-mundo-com-a-cliente, esta mulher que enfrenta a cirurgia, como ser-existencial, vivenciando em seu modo próprio, como sendo-no-mundo, segundo seu sentido, sua maneira e modo de ser ( HEIDEGGER, 1999). Pensando em criar oportunidades de implementação de modelos assistenciais no campo da formação de enfermeiros e de cenários propícios ao exercício de habilidades e competências afins, optei por inserir os discentes do Curso de Graduação em Enfermagem no projeto de extensão anteriormente citado, com vistas a contribuir para a sua formação acadêmica. Esta dimensão de como o enfrentamento das intervenções cirúrgicas é vivenciado pela mulher, construído duplamente nesta articulação docente-discente, contribui para o processo de minha aproximação com a real vivência destas mulheres durante os períodos delicados do pré/trans/pós-operatório e com o ensino de peculiaridades de cada período junto a futuros enfermeiros. Como estratégia para me aproximar da compreensão das questões significativas à existência humana da clientela por nós assistida na área da saúde, como o medo, a angústia, a tristeza, a finitude da vida e, buscando suporte para o desenvolvimento da pesquisa a ser realizada no Curso de Doutorado em Enfermagem, participei como aluna especial de algumas disciplinas. Assim, foi possível cursar através do Núcleo de Pesquisa de Enfermagem em Saúde da Mulher do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil, ministradas na Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro as seguintes Disciplinas: ”Política e Problemática da Saúde da Mulher na Perspectiva LatinoAmericana” (2001), “Problemas, Métodos e Fontes da Pesquisa em Saúde da Mulher” (2002) e “Métodos Qualitativos da Pesquisa Abordagem Fenomenológica e Hermenêutica” (2004). Acredito ainda que a apropriação desses conhecimentos é significativa para a melhoria da assistência de enfermagem e seu desdobramento na docência bem como na pesquisa, pela possibilidade de desenvolver novas reflexões, e estimular mudanças necessárias na assistência às mulheres nos procedimentos cirúrgicos. 2 - A problemática do pós-operatório de histerectomia: um olhar para o cotidiano da mulher Na medicina as especialidades se desenvolveram de forma gradativa. À medida que o conhecimento em cada campo do saber se tornava mais extenso sobre as condições de saúde e de vida do homem, surgiam novas especialidades. No que se refere ao campo cirúrgico, a cirurgia geral é a base de todas as especialidades cirúrgicas. É progressiva e evoluiu a partir dos povos nômades até tornar-se uma forma científica de terapêutica. Berry, Kohn (1977) relatam que Soramus de Ephesus é considerado como o fundador da ginecologia, pois no segundo século depois de Cristo, clinicando em Roma, deixou escritos, que permaneceram por mais de 1.500 anos, sobre as doenças de mulheres, e sabe-se que cirurgiões daquela época já recomendavam a remoção do útero quando prolapsado. A cirurgia ginecológica, portanto, é um ramo da cirurgia geral que trata do aparelho genital feminino, das afecções cirúrgicas da mulher, considerando as mamas e a pelve. Não existem registros com exatidão da época em que aquela se iniciou, mas se sabe que tanto a obstetrícia quanto a ginecologia foram separadas da cirurgia geral no começo do século XIX. A primeira cirurgia ginecológica abdominal realizada foi a Ooforectomia por McDowell, em 1840, a Miomectomia, e depois realizadas Histerectomia e Fístulas Vesico-Vaginal (LINDE, MATTINGLY,1971). Nos Estados Unidos, dentre as cirurgias de grande porte, a histerectomia em termos de ocorrência é considerada a cirurgia mais comum entre as mulheres na idade reprodutiva, ocorrendo em aproximadamente 650.000 ao ano (GARBONE et al., 1990). No Brasil, ela ocupa lugar de destaque entre as cirurgias ginecológicas ou mesmo entre as cirurgias em geral (SMELTZER, BARE, 2002). Para melhor contextualizar e dimensionar a problemática da vivências das mulheres nos momentos de intervenção ginecológica, desenvolvi um levantamento de natureza exploratória de todas as cirurgias ginecológicas da pelve realizadas numa instituição hospitalar, que possui dez leitos femininos para a ginecologia, em Juiz de Fora, Minas Gerais, ocorridas no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2003, construindo uma série histórica de quatro anos. Na Tabela I, a seguir, apresento a distribuição desses procedimentos cirúrgicos ginecológicos pélvicos realizados. Tabela I: Distribuição e Participação Percentual dos Procedimentos Cirúrgicos Ginecológicos Pélvicos, segundo Tipos de Procedimentos Realizados: Instituição Hospitalar X, Juiz de Fora, Janeiro de 2000 a Dezembro de 2003. Tipos de Procedimentos Cirúrgicos Ginecológicos F. Absoluta F. Relativa Amputação parcial/total de colo uterino 143 34,3 Histerectomia 129 30,9 Curetagem 47 11,3 Colpoperienoplastia 35 8,4 Ooforectomia/plastia 16 3,8 Laparotomia 15 3,6 Miomectomia 8 1,9 Marsupialização 6 1,0 Anexectomia 4 1,0 Slingue 4 1,0 Traquilectomia 3 0,7 Exerese corpo estranho/cisto 2 0,5 Ressecção de septo 2 0,5 Cauterização vulvar 1 0,2 Fistulectomia 1 0,2 Salpingectomia 1 0,2 Total 417 100 FONTE: Livro de Registros do Centro Cirúrgico da Instituição Hospitalar X, Juiz de Fora – MG. É possível identificar que, dos 417 procedimentos cirúrgicos realizados, 65,2% foram de amputação parcial ou total de colo uterino e de histerectomia. Sendo assim,tais dados representam a participação mais significativa justamente de cirurgias mais invasivas e com maiores repercussões no cotidiano dessas mulheres. Na Tabela II, está apresentada a distribuição dos procedimentos cirúrgicos ginecológicos pélvicos, segundo os órgãos que foram alvo da intervenção cirúrgica. Obviamente que o resultado reforçou os dados anteriormente descritos. Assim observo que, das intervenções realizadas, 78,7% foram ocorridas no útero, órgão culturalmente identificado como gerador da vida. Tabela II: Distribuição dos Procedimentos Cirúrgicos Ginecológicos Pélvicos Realizados, segundo Órgãos que foram Alvo da Intervenção: Instituição Hospitalar X, Juiz de Fora, Janeiro de 2000 a Dezembro de 2003 Órgãos da Intervenção Cirúrgica F. Absoluta F. Relativa Útero 328 78,7 Vagina 46 11 Ovário e anexos 28 6,7 Não especificado 15 3,6 Total 417 100 FONTE: Livro de Registros do Centro Cirúrgico da Instituição Hospitalar X, Juiz de Fora – MG. Diante das informações contidas nas Tabelas I e II, foi possível delinear subsídios iniciais da população alvo para a presente pesquisa, que visou analisar o cotidiano de saúde da mulher após a histerectomia. Destaco aqui, no entanto, que tais resultados correspondem apenas a sinalizações preliminares. Dessa forma, os dados apresentados correspondem somente a uma ilustração. Quanto à análise deles, caberia aprofundamento mais significativo do que o de agora apresentado. Na maioria das vezes, a alta hospitalar da mulher que realizou um procedimento cirúrgico ginecológico pélvico de maior amplitude ocorre entre quatro a sete dias, sendo então marcado um retorno para a retirada dos pontos e outro, para avaliação, após trinta dias. A enfermagem deve orientar a mulher quanto aos cuidados que deverá observar após a alta, os quais poderão alterar seu cotidiano como, por exemplo: circulação periférica, infecção, micção e hemorragia. Segundo Smeltzer, Bare (2002) é importante que a cliente seja informada sobre as limitações e/ou restrições a que será submetida no pós-operatório no processo de restabelecimento. É recomendável reassumir atividades gradualmente, evitar esforços, levantamento de peso, relações sexuais ou reinício do intercurso entre outras atividades até que suas tarefas cotidianas sejam permitidas pelo (a) cirurgião (ã). Cabe, pois, à enfermagem parte das atividades de acompanhamento e orientações à mulher no período de perioperatório, que vão desde os cuidados físicos aos psicossocioemocionais numa interação efetiva com os demais membros da equipe multiprofissional que a assiste. No momento em que surgiu como perspectiva concreta o curso de doutorado em Enfermagem, desenvolvi um estudo do cotidiano da mulher após a histerectomia. Este estudo pretende considerar as características, as questões, os comportamentos e as atividades das mulheres, que foram submetidas à realização de histerectomia, focando o seu cotidiano após o procedimento cirúrgico. Penso que os procedimentos cirúrgicos relacionados aos órgãos genitais femininos representam a densidade da exposição da mulher. Pode-se, por exemplo, destacar o útero como um órgão incubador da vida e o que poderia representar para uma mulher tê-lo mutilado e/ou removido. Isso, entre outras inquietações, me faz indagar, como pertencente ao gênero feminino: quais seriam as minhas expectativas? Em que elas se modificariam pelo fato de necessitar realizar histerectomia? Como me organizaria para esse momento cirúrgico e para o pósoperatório? Que implicação e/ou impacto traria para minha vida a realização desta cirurgia? Como eu me sentiria tendo sido retirado todo ou parte de um órgão com o qual eu nasci, principalmente em se tratando do útero com o qual pude gerar meus filhos? Como seria minha reinserção no contexto sóciofamiliar e laboral? Que alterações teria o meu cotidiano? Se, diante da possibilidade de ser submetida a um procedimento cirúrgico ginecológico tais inquietações anteriormente mencionadas me mobilizam, fico a indagar como pesquisadora: como mulheres que estão diante de situações concretas de indicação terapêutica para a realização de uma histerectomia enfrentam e/ou vivenciam tais questões anteriormente citadas? Como elas se organizam para o pós-operatório em relação a seus filhos, marido, vida doméstica, vida social e retorno ao trabalho/atividade profissional. A partir do meu mundo-vida, alço vôos e retorno a terra, firme e sólida, relembrando e refazendo os caminhos e descaminhos na abordagem do mundo hospitalar, especificamente no contexto de mulheres em condições cirúrgicas de histerectomia e na compreensão do vivido pelas próprias mulheres. Cabe compreender, pois, que a cirurgia como procedimento terapêutico resolve um problema de um órgão doente, mas traz implicações no pré-trans e pósoperatório para sua condição de mulher. Muito além de ser um procedimento objetivo, em seu bojo existem relevantes considerações subjetivas para quem o vivencia. Trata-se, então, de ir além do biológico e se dedicar a encontrar faces do fenômeno que contribuam para o cuidado, compreendendo a saúde em seu sentido amplo, integral e humano. Sabe-se que são muitos os estudos científicos e avanços da tecnologia através do desenvolvimento de pesquisas sistematizadas e aperfeiçoadas na busca de tratamento adequado para as mulheres submetidas à cirurgia, para o controle e cura de suas patologias. No entanto, temos consciência de que, apesar de os estudos serem imprescindíveis, é necessário compreendermos as questões subjetivas do ser humano, que é único e singular. Penso que para compreender o cotidiano da mulher que se submeteu à histerectomia, posso utilizar a fenomenologia como método de investigação e o referencial heideggeriano de análise para compreender o sentido do ser-mulher após a histerectomia na situação cotidiana ao cuidar de sua saúde. Acredito que não basta observar a mulher e prejulgar as suas necessidades de ajuda, é necessário captar o sentido de ser, ou seja, deixar que ela explicite seus anseios, ocupações e preocupações. Assim é possível construir uma “abertura” para que o profissional ajude o ser-aí-mulher a decidir-se, assumindo e mostrando seu cotidiano de vida e de saúde. E, segundo Souza (1993, p. 64), “esta ajuda, no mundo positivo de cuidado, não implica em fazer pelo outro e sim levar o outro a assumir o seu próprio fazer...” . As recomendações pertinentes ao pós-operatório de histerectomia trarão interferências as mais diversas em seu mundo-vida, e este remete ao ser-aí-com (Heidegger, 1999), uma vez que este ser se apresentará como mediador de suas relações como mulher, esposa, mãe, e com os profissionais. Nesse sentido, o enfoque a ser dado a esta investigação deverá ser capaz de captar o sentido do cotidiano da mulher que vivencia a situação de póshisterectomia, percebendo suas necessidades de modo a atender a sua singularidade. Tal perspectiva pode ser corroborada por Luz (2001) ao desenvolver um estudo de natureza fenomenológica acerca do cotidiano da pessoa portadora de ostomia intestinal: Uma perspectiva que valoriza o compromisso humanístico, político e social da prática profissional implica numa visão ampliada da realidade com uma pretensão de totalidade, holismo e, ao mesmo tempo, unidade da diversidade, individualidade e singularidade, em que a pessoa a ser cuidada, deve ser vista em sua condição existencial na cotidianidade (2001:11). Tendo em vista as perspectivas assinaladas e descritas anteriormente, acredito que minhas reflexões para a realização deste estudo, concretizado durante o Curso de Doutorado, constituíram-se em desafios a serem enfrentados devido a minha condição de enfermeira e mulher. E ainda, a de buscar compreender, justamente, o mundo/cotidiano da mulher acometida por um agravo à saúde que a obriga a submeter-se a uma histerectomia. A partir do exposto, delimitei como objeto deste estudo o cotidiano da mulher após a histerectomia, focando a dimensão existencial que envolve sentimentos, percepções e comportamentos a partir do vivido. Tal busca, mediante análise compreensiva, não pressupõe o universal que seria o padrão de normalidade no paradigma biomédico. Ao contrário, considera a possibilidade norteadora da singularidade como diretriz de cuidado ao ser do humano. 3 Objetivo do estudo Analisar o cotidiano da mulher após a histerectomia à luz do pensamento de Martin Heidegger. 4 Relevância e contribuição Ao penetrar no mundo-vida das mulheres após a histerectomia, o presente estudo contribui para a compreensão de situações-problema, subsidiando a realização de abordagem das problemáticas emergentes vivenciadas por essas mulheres. Dessa forma, acredito que se trata de contribuir para redimensionar as peculiaridades do processo de cuidado sob um outro paradigma, que não do cuidado padronizado destinado à mulher. Para que os conflitos do cotidiano possam ser ouvidos e compreendidos, além de prevenidos/tratados precocemente, e para que ocorram vínculos mais consistentes entre profissional e cliente, como ressaltam Silveira, Progianti e Vargens (2007), é necessário considerar um outro paradigma para o assistir à mulher no contexto da área da saúde. Vejo que uma compreensão mais atentiva das expectativas e situaçõesproblema dimensionadas e/ou vivenciadas por mulheres submetidas à histerectomia subsidiará a intencionalidade pretendida dentro do processo de cuidar da enfermagem, evidenciando características definidoras de situações passíveis de serem abordadas por enfermeiros e por profissionais que atuam na área de saúde, principalmente na saúde da mulher. Do ponto de vista do processo ensino-aprendizagem da graduação e da pósgraduação, creio que a efetivação desta pesquisa poderá contribuir, também, para a apreensão de situações de gênero peculiares da mulher que requeiram e/ou propiciem aos discentes o desenvolvimento de habilidades e competências coerentes com as diretrizes da reforma curricular da enfermagem. Com destaque para as atuações extensionistas, conforme o tripé ensino, pesquisa e extensão, que caracterizam as atividades universitárias hoje. Creio também que este estudo pode contribuir com Núcleo de Pesquisa de Enfermagem em Saúde da Mulher - NUPESM - do Departamento de Enfermagem Materno Infantil da Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN/UFRJ) e com o Grupo de Pesquisa O cotidiano do cuidar em Enfermagem da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Juiz de Fora (FE/UFJF). No NUPESM, se insere na linha de pesquisa sobre questões do cotidiano de saúde da mulher, utilizando o método de investigação da fenomenologia na perspectiva de Martin Heidegger. Além disso, a presente proposta consistirá numa contribuição de abordagem focada na dimensão da própria mulher, sendo significativa para os profissionais de enfermagem, em particular e profissionais da área da saúde, uma vez que pesquisei o cotidiano de mulheres em um momento singular e/ou crucial de sua dimensão existencial. “ Todo cuidar só tem valor quando o outro tem valor para mim” Boff I – O CONTEXTO DE SAÚDE DA MULHER: aspectos políticos, assistenciais e socioculturais No desenvolvimento do evento cirúrgico, faz-se necessária a atuação dos profissionais envolvidos nos procedimentos anestésico-cirúrgicos, ou seja, uma equipe multiprofissional que irá agir no suporte e desenvolvimento das atividades que lhe são concernentes. As ações desenvolvidas por esta equipe têm seu início no período pré-operatório, estendem-se durante os procedimentos trans e pósoperatórios, prestando assistência ao cliente até a sua alta hospitalar, bem como, algumas vezes, por um longo período após a alta. Neste conjunto de atuação, a equipe de enfermagem tem papel relevante no desempenho de suas atividades, considerando que qualquer ato cirúrgico conta com a atuação de bastidores: do Centro de Material Esterilizado, além da circulação de sala de operação. Ao me aproximar do conhecimento científico referente às questões de saúde da mulher, encontrei uma diversidade de situações, mas me detive no que julguei mais pertinente para subsidiar este estudo, ou seja, o que tinha em mente em minhas pré-reflexões sobre a temática. Dessa busca, passo a apresentar algumas situações em que a mulher está inserida. Com as mudanças significativas nas estruturas socioeconômicas no mundo, após a Segunda Guerra Mundial, principalmente a partir da década de 60, os governos dos diversos países latinos começaram a implementar programas de saúde vislumbrando um atendimento especial à mulher. Tyrrell, Carvalho (1993) relatam que o grupo materno-infantil vem sendo objeto de estudo pelas autoridades e profissionais de saúde na tentativa de melhorar e minimizar a situação de saúde deste grupo. Estes programas incluíam proteção à maternidade, à infância e à adolescência. Afirmam estas autoras que, em 1975, começou a ser implantado o Programa de Saúde Materno-Infantil (PSMI), partindo do Ministério da Saúde sob orientação do Plano Nacional de Desenvolvimento. O PSMI trouxe como objetivo o acompanhamento pré-natal, controle do parto domiciliar e do puerpério, dando ênfase e valorizando tanto a mulher na fase reprodutiva como o concepto. Nesta política pública, posteriormente revista e acrescida das Atividades de Planejamento Familiar, Paternidade Responsável e o Programa de Prevenção da Gravidez de Alto Risco, manteve-se a mulher valorizada apenas na ótica da reprodução. Esses programas, segundo OSIS (1998), tiveram como enfoque a intervenção no corpo da mulher-mãe, no sentido de assegurar crianças saudáveis que fossem adequadas às necessidades da reprodução social. A atenção às mulheres centrada basicamente nas questões relativas à reprodução e no cuidado materno-infantil com ênfase na criança, também são relatadas por Simões e Souza (2002). A Organização das Nações Unidas (ONU) considerou 1975 o Ano Internacional da Mulher e solicitou que as instituições desenvolvessem políticas públicas de proteção, visando minimizar os índices de morte materna, a violência contra mulheres, os abusos sexuais e a discriminação racial, de forma que se contribuísse para eliminar toda forma de discriminação social contra o grupo feminino. No final dos anos 70 e início da década de 80, as mulheres, através dos movimentos feministas mudam a trajetória da atuação política com suas lutas pelo direito ao uso do corpo, à opção pela maternidade, contra a violência e o direito de oportunidade de trabalho. Segundo Tyrrell, Carvalho (1993), esses movimentos fomentaram as pesquisas sobre a saúde da mulher e questionaram a atuação do Estado na implementação de programas de saúde de acordo com a nossa realidade. Passou-se, então, a se discutir, pelos profissionais de saúde, sociedade e pelas mulheres através do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, a construção de políticas de saúde que culminaram com a criação do Programa de Assistência Integral da Saúde da Mulher (PAISM) e da Criança (PAISC), em 1984, pelo Ministério da Saúde, em que são estabelecidas as especificidades da mulher e da criança (TYRRELL, CARVALHO, 1993). O PAISM rompe com a visão estrita da assistência à saúde da mulher via binômio mãe-filho. Para Tyrrell e Carvalho (1993), este programa traz enfoques inovadores, pois a mulher passa a ser vista como sujeito ativo da sua própria saúde, considerando todas as etapas da vida da mulher e a assistência integral em três grandes áreas de atuação: a assistência clínico-ginecológica e educativa (incluindo prevenção do câncer cérvico-uterino e de mama, doenças sexualmente transmissíveis, climatério, concepção e contracepção); assistência pré-natal e a assistência ao parto e puerpério. As autoras consideram que a atribuição de responsabilidade é dada à equipe multiprofissional e não mais reforçando a hegemonia médica para executar as atividades de proteção à saúde da mulher e da criança. As diretrizes gerais do Programa enfatizam as ações para o controle das doenças mais prevalentes nas mulheres, as posturas diferenciadas dos profissionais de saúde, a proposição de uma prática educativa permeando todas as atividades. Assim, a clientela pode apropriar-se dos conhecimentos necessários a um maior controle sobre sua saúde. O PAISM instiga a promoção da autonomia feminina, estimula o conhecimento e o controle sobre o próprio corpo (SALIMENA, FERNANDES, BITTENCOURT, 2001). O Ministério da Saúde (BRASIL,1984, p.5), conceitua, então, como assistência integral à mulher as “ações de saúde dirigidas ao atendimento global das necessidades prioritárias desse grupo populacional e de aplicação ampla no sistema básico de assistência à saúde“. Este Programa apresenta como principal conceito a eqüidade e a atenção integral, abordando a mulher em todas as fases do seu ciclo vital. Ainda não houve implementação efetiva do PAISM em todo o Brasil, o que segundo Galvão (1999, p. 176), “não pode ser analisado de forma isolada e exclusiva, mas no contexto do caos em que se encontra todo o sistema público de saúde no país”. Num enfoque que valoriza menos a função reprodutiva, temos como exemplo a análise do quadro representado pelas altas taxas de mortalidade ocasionadas pelo câncer do colo de útero, considerado responsável por cerca de 15% de todos os tipos de câncer feminino. Com a proposição de mudanças neste cenário, o Ministério da Saúde em conjunto com o Instituto Nacional do Câncer (INCA) propõe o desenvolvimento de ações preventivas e esclarecedoras para mulheres (BRASIL, 2002). Como estratégia de implantação busca-se articular e integrar uma rede nacional; motivar a mulher a cuidar de sua saúde; reduzir a desigualdade de acesso da mulher à rede de saúde; melhorar a qualidade de atendimento e aumentar a eficiência da rede de controle do câncer (BRASIL, 2002). Sabe-se que a realização do exame citopatológico é um método de diagnóstico sensível, seguro e de baixo custo possibilitando a detecção precoce de formas iniciais da doença. Entretanto, o exame não é realizado de forma sistemática pelas mulheres, mesmo que tenha o governo brasileiro passado (BRASIL, 2002, p. 22), a “investir esforços na organização de uma rede nacional de detecção precoce do câncer do colo do útero” após a Conferência Mundial Sobre a Mulher, ocorrida em 1995 na cidade de Beijing na China. Uma estratégia importante que merece destaque foi a estruturação do Viva Mulher - Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo do Útero e de Mama, lançado em 1997, com o objetivo de formar uma grande rede nacional na qual o profissional de saúde está capacitado a estimular a prevenção, realizar a detecção precoce e promover o tratamento adequado por meio de padronização de procedimentos e condutas para controle do câncer. Visando dar continuidade e atualização ao PAISM, em 2004, o Ministério da Saúde elaborou a “Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da MulherPrincípios e Diretrizes”, prevendo ações de saúde que possam contribuir para a garantia dos direitos humanos das mulheres e reduzam a morbi-mortalidade por causas previníveis e evitáveis (BRASIL, 2004). Para que os objetivos dos programas implementados pelo governo sejam alcançados, torna-se necessário que os recursos humanos sejam devidamente capacitados e pratiquem a comunicação adequada, estabelecendo educação contínua entre os profissionais. É imprescindível que ocorra um diálogo entre o profissional de saúde e a mulher assistida, com orientações coerentes e pertinentes à escuta atentiva, corretas quanto aos exames e queixas, pois, quando descoberto precocemente o agravo à saúde, isso proporciona chances de cura e, na maior parte dos casos, possibilita tratamento não mutilador (VERAS, 2005). Entende-se, então, que a assistência à mulher deveria perpassar os aspectos de suas necessidades físicas, biológicas, sociais, espirituais, psicológicas e ocupacionais. Segundo Simões, Souza (2002), na I Conferência Nacional de Saúde e Direitos da Mulher, em outubro de 1986, em Brasília, entre outras, foram abordadas questões específicas das mulheres, tais como: a relação autoritária entre os profissionais de saúde e a clientela feminina; a extrema medicalização do corpo; a qualidade de assistência (gravidez e parto); a falta de participação nas decisões sobre a política de saúde e sobre sua execução. Várias questões de estudo e desafios para a intervenção em saúde, portanto, se fazem prementes no Brasil, como afirma Brandão (2000): mortalidade materna, humanização do parto; as questões do aborto; assistência à concepção e contracepção; prevenção de doenças sexualmente transmissíveis; prevenção do câncer; problematizar questões pertinentes ao corpo, à violência, ao sofrimento psíquico, à escolaridade feminina; à inserção no mercado de trabalho; aos diferenciais de gênero, geração, raça/etnia, classe social e filiação religiosa. Ainda, a discussão dos direitos sexuais e reprodutivos deve ser levada à luz da questão mais ampla do combate à pobreza e da promoção do desenvolvimento social. Na busca científica do cuidado, nós enfermeiros(as) temos desenvolvido pesquisas sobre a assistência de enfermagem, no sentido de que esta ocorra de forma própria e autêntica, promovendo uma assistência integral, com compreensão e resolução de transtornos emocionais como tensão, ansiedade, frustração, medo e insegurança. Nesse contexto, foi elaborado, o Sistema de Assistência de Enfermagem Perioperatório (SAEP) que preconiza uma filosofia individualizada e humanizada, bem como o Processo de Enfermagem que segundo Horta (1979), é a dinamização das ações sistematizadas e inter-relacionadas, visando à assistência ao ser humano – ambas no sentido de atender à Sistemática da Assistência de Enfermagem Perioperatória. Acredito que o(a) enfermeiro(a) deve entender o significado e pressupor os sentimentos da mulher que irá submeter-se à cirurgia ginecológica pélvica e tentar resolver suas demandas, sendo possível solucionar dúvidas e anseios da paciente à medida que se presta assistência, e percebendo cada paciente com suas diferenças individuais a fim de prepará-la para o procedimento cirúrgico. Interações adequadas minimizam este momento estressante e favorecem um melhor bem-estar, além de ajudar a enfrentar situações agressivas como no caso da histerectomia (SMELTZER, BARE, 2002). No meu cotidiano profissional, observo que a mulher, ao chegar ao Centro Cirúrgico, mostra-se angustiada e ansiosa, atribuindo ao ambiente cirúrgico características de sensação térmica de frio e de sentimento de hostilidade, embora façamos constantes esforços para torná-lo aconchegante e confortável. Observamos que a pessoa submetida a tal situação demonstra sentir-se ameaçada em sua identidade e integridade, sentimentos que geram profundo desconforto. No estudo sobre o ex-sistir no cotidiano da prevenção do câncer cérvico-uterino, Lopes (1996, p. 4), destacou que “a mulher experiencia o medo, a vergonha, o temor, a angústia... tudo pautado em crenças, valores, conceitos e preconceitos”. Assim, acredito que muitos diagnósticos terapêuticos cirúrgicos poderiam ser evitados se as mulheres procurassem, sem receio e medo, os serviços de saúde para fazerem prevenção e ou detecção precoce de agravos à saúde, principalmente do câncer, pois segundo o Instituto Nacional do Câncer (BRASIL, 1999), ele representou a segunda causa de morte na década de 80 e, nos anos de 1987 a 1995, aumentou em torno de 2% ao ano. Apesar das campanhas de prevenção do câncer cérvico-uterino e mama e dos avanços terapêuticos, o câncer continua sendo a principal causa de mortalidade nas mulheres nos nossos dias em todo o mundo. E, ainda hoje, existem os tabus, conceitos e pré-conceitos por este agravo à saúde. O Programa Viva Mulher, em 1999, veio contemplar o controle do câncer do colo de útero e de mama (SOUTO, 2003). Mesmo assim, para muitas mulheres, enfrentar o câncer é submeter-se a tratamentos e procedimentos desconhecidos. A cirurgia constitui o papel mais importante no tratamento dos mais diversos tipos de câncer de ovário e útero, pois através dela pode-se determinar o diagnóstico definitivo como também seu estadiamento, podendo ainda ser considerada estratégia paliativa para alguns casos mais evoluídos. Para realizar o tratamento cirúrgico, porém, faz-se necessário um suporte adequado desde a fase de préoperatório até após a alta hospitalar. Corroborando tal compreensão, Abrão (1997, p. 229), diz que: “apesar de ser o procedimento mais importante, geralmente, não é o único, havendo a necessidade de uma equipe multidisciplinar para outros tipos de tratamento”. Acrescenta ainda que a finalidade desta cirurgia de complexidade tão variável é extirpar a maior quantidade de tumor possível. O que temos visto são, então, grandes incisões no abdome para a realização de Laparotomias e/ou Histerectomia quando o tumor se desloca, permanecendo restrito à pelve; ou a Pan-Histerectomia, quando há maior comprometimento com os anexos. Existem, também, os procedimentos que são feitos através da vagina, que são ditos “por via baixa”, onde há o comprometimento do períneo e colo do útero (MEEKER, ROTHROCK, 1997). Nesse contexto, a título de ilustração do universo empírico, destaco dentre as cirurgias ginecológicas femininas que vivencio no meu cotidiano as seguintes: Conizações de colo uterino; Cauterizações de colo uterino por alta freqüência; Anexectomias; Ooforectomias; Marsupinações; Perineoplastias e Colpoperineoplastias; Curetagens Uterinas; Histerectomias (abdominais e vaginais); Pan-histerectomias; Miomectomias e Laparotomias. Assim sendo, no pós-operatório, a mulher terá alguns cuidados restritivos, proporcionando alterações em seu cotidiano de mulher-mãe-esposa e profissional. Será preciso que ela receba orientações de ações para este período, de modo geral, e, especificamente, para as situações de cirurgias ginecológicas da pelve. Obviamente, essas orientações devem ser ditas em uma linguagem clara e compreensiva para a cliente, atendendo às suas necessidades de orientação e contemplando-a como ser existencial no seu cotidiano. Nesta busca bibliográfica, no Portal da CAPES - Banco de Teses foram identificadas 105 dissertações de mestrado e 26 teses de doutorado com enfoques variados no cotidiano de saúde da mulher com análises, ora quantitativas ora qualitativas, em pesquisas nas áreas da Psicologia, Medicina, Serviço Social, Educação, Enfermagem e outras. Nos mais variados aspectos, os estudos das teses versam sobre variadas dimensões do cotidiano: o sentido atribuído, a busca do sentido, do profissional enfermeiro, do trabalho doméstico, do trabalho feminino, do cuidar da saúde, das práticas de cuidado com o corpo, das representações sociais do sofrimento e prazer da enfermeira assistencial entre outros. No dimensionamento das questões relativas ao gênero, encontramos suporte na fala de Nascimento (1996), ao considerar que ainda existem diferenças e desigualdades relativamente grandes que separam homens e mulheres no mundo contemporâneo, e que muitos teimam em não enxergá-las sob o discurso da universalidade dos fenômenos sociais. Estudos atestam as discriminações das quais as mulheres são vítimas, revelando assim as diferenças e a inferioridade em relação aos homens. Traduzindo assim, a situação da mulher nos dias atuais, na vida social, sexual, afetiva e principalmente no mercado de trabalho. Para Nascimento (1996, p. 34), “mesmo depois que se tenha provado que temos alma, que a menstruação não representa impureza e indignidade”, ainda assim, a capacidade produtiva e intelectual é entendida como inferior a dos homens. A autora considera que as próprias mulheres, ao terem a consciência de gênero, transformarão a realidade social, com a eliminação das discriminações a que estão sujeitas. Um passo importante será o entendimento de que a diferença não está na natureza biológica de homens e mulheres mas nas relações sociais construídas. A palavra gênero foi utilizada, segundo Passos (1996, p. 45), “entre as feministas americanas com o objetivo de demonstrar o caráter social das diferenças entre os sexos” e “uma maneira de referir-se à organização social da relação entre os sexos”. Assim, compreende-se que gênero não é para ser usado no sentido biológico, ou seja, para apontar as diferenças sexuais entre homens e mulheres, mas para ser uma forma de significar as relações de poder entre eles. Percebe-se, especificamente em relação ao movimento feminista, intensificado no final da década de 70 e início na década de 80, que vários estudos surgiram e com estes a utilização e expansão do termo gênero pelas estudiosas feministas, principalmente, as americanas. Então, as enfermeiras passaram a também dele se utilizar em suas pesquisas, tal como Lopes et al (1996, p. 8), se aproximaram desse conceito e, convencidas de sua potencialidade teórica, passaram a utilizá-lo, considerando que “não tratava de uma substituição de rótulo”, mas que, “optar pelo conceito de gênero, significava uma decisão de ordem epistemológica, implicando uma opção teórica”. As pesquisas passam, a ter como sujeito-objeto de estudo a mulher bem explicitada, provocando algumas concepções, entre elas, a de que o sujeito se produz em relação e na relação. Ao se considerar o estudo do cotidiano das mulheres após a histerectomia, estamos lidando com um fenômeno que é, ao mesmo tempo, biológico, social e cultural. O modo como a mulher concebe a perda do seu útero está articulado com a categoria gênero, uma vez que é no “trabalho reprodutivo, o lugar onde a diferença se instala” (HEILBORN, 1999, p.103). Gênero, conforme a definição de Heilborn (1999, p.102), é um conceito das ciências sociais “que se refere à construção social do sexo” e que ajuda a distinguir a dimensão biológica do social. A pretensão fenomenológica não exclui gênero, apenas não destaca gênero nem como questão ou categoria. “O caminho se faz, caminhando” Paulo Freire II - A PROBLEMÁTICA GINECOLÓGICA E SUAS IMPLICAÇÕES 2.1 A histerectomia como tratamento O século passado foi de grande desenvolvimento da ciência e, conseqüentemente, da medicina. Com a anestesia, antibióticos e transfusão de sangue, muitos métodos diagnósticos e terapêuticos clínicos e cirúrgicos puderam ser introduzidos e modificados, restringindo a utilização de cirurgias radicais somente aos casos em que elas são a única escolha. A terminologia cirúrgica, segundo Parra, Saad (2000) é formada por prefixo que indica o órgão em causa e sufixo que indica o ato cirúrgico realizado. Assim, a cirurgia realizada para retirada do útero é denominada histerectomia. Segundo Linde, Mattingly (1971), a primeira histerectomia vaginal de que se tem notícia foi realizada em 1813, por presença de carcinoma da cérvix, sem sucesso, pois a extirpação do útero pela via vaginal causou uma profusa hemorragia. Somente em 1879, no final do século XIX, o interesse por essa técnica cirúrgica despontou nos Estados Unidos. E, Berry, Kohn (1997) relatam que a primeira histerectomia bem sucedida aconteceu em 1818 e que McDowell realizou a primeira ovariotomia em 1808, tendo sua paciente sobrevivido por 31 anos. O procedimento cirúrgico ginecológico ao longo da história, vem sendo utilizado como opção terapêutica para as mais diversas situações de doença. A partir do número cada vez mais elevado de casos de câncer de colo uterino e também em razão do avanço no conhecimento científico possibilitando melhor identificação da doença. Isso vem influindo para que esta modalidade terapêutica assuma inquestionável relevância (BRASIL, 2002). Apesar dos esforços empreendidos visando à detecção cada vez mais precoce das neoplasias, ainda hoje elas representam a principal causa das cirurgias ginecológicas realizadas (ABRÃO,1997). Embora o tratamento cirúrgico seja de importância incontestável ainda em nossos dias, a sua realização tem implicações variáveis no cotidiano das mulheres a ele submetidas. Muitas vezes, o tratamento cirúrgico não é utilizado isoladamente, sendo necessário o emprego de outras formas terapêuticas como coadjuvantes no controle da doença. A inserção e o desenvolvimento de exames como, o ultrasom, tomografias e outros tipos de métodos diagnósticos por imagem vieram propiciar uma identificação mais efetiva e mais bem delineada dos problemas de saúde feminina. Surgiram também as várias técnicas endoscópicas como as videolaparoscopias e, não mais, as grandes incisões que tanto dificultavam a recuperação pós-operatória (ABRÃO,1997). Os tratamentos por radioterapia, quimioterapia, hormonioterapia e laserterapia, segundo Souen (2001), têm sido utilizados nas mais diferentes áreas da medicina, encontrando na ginecologia aplicação ampla nos casos de neoplasias. Cada uma destas possibilidades terapêuticas acarreta efeitos positivos em sua essência, na medida em que representam as possibilidades de controle do câncer, suas manifestações e complicações. É, porém imprescindível a análise apurada de seus efeitos, já que a sua realização também irá interferir no cotidiano das mulheres a eles submetidas. Ao final do século passado, já havia um conhecimento considerável das neoplasias nas mulheres, apontando possibilidades para a sua detecção precoce, tratamento e cura. Com a política de saúde, instituída pelo Ministério da Saúde, especialmente para a população feminina, ampliaram-se as expectativas de controle da doença. Na última década, foi consistentemente definida a relação existente entre alguns tipos sexualmente transmissíveis do papiloma vírus humano (HPV) e o processo de iniciação do câncer de colo de útero (BRASIL, 2005). Segundo o Ministério da Saúde (2003), as pesquisas sinalizam que a infecção por este agente ocorre geralmente em mulheres jovens ao iniciarem sua atividade sexual e vai sendo reduzida, possivelmente pela eliminação do vírus por ação imunológica, à medida que há avanço na idade. O risco de desenvolver anormalidades epiteliais, reconhecidamente precursoras da doença, se dá quando a mulher, entre trinta e cinqüenta anos, permanece infectada pelo HPV. Os avanços nas pesquisas das patologias refletiram em importantes descobertas não só nos seus mecanismos de ação, como também na configuração de medidas preventivas primárias e secundárias e de suas complicações. A diversidade de descobertas científicas possibilitou analisar melhor os diagnósticos e possibilidades terapêuticas com tratamentos mais específicos, clínicos e cirúrgicos, para as mulheres e seus problemas ginecológicos. As indicações para histerectomia são: falha do tratamento clínico ou da ablação endometrial em pacientes com sangramento uterino anormal; miomas uterinos associados a dor ou com sangramento uterino anormal; úteros de volume até 500cm3. A histerectomia subtotal está indicada nos casos de: colo de útero normal à colpocitologia oncótica e colposcopia; pacientes jovens (abaixo de 45 anos)(MEEKER, ROTHROCK, 1997). Jeffcoate (1983, p. 921), considera a histerectomia abdominal subtotal quando “a parte vaginal do cérvice e uma quantidade variável do cérvice supravaginal não são removidos”. A Histerectomia Abdominal Total (HAT) é indicada para colo de útero anormal; hipermotilidade do colo uterino; paciente que não realiza colpocitologia oncótica anualmente, conforme exposto por LIPPI et al. (2002, p.20). Segundo Meeker, Rothrock é: para o relaxamento pélvico sintomático ou prolapso, dor associada com congestão pélvica, doença inflamatória pélvica, endometriose, cisto ovariano recorrente, fibróides (miomas), sangramento idiopático em mulheres na pós-menopausa, adenomiose ou sangramento uterino disfuncional (1997, p. 396). Tais autores sugerem ainda que nas situações de doença anatômica, estado maligno e em condições de alto risco para o desenvolvimento ou recorrência deste, deve ser feita a HAT com salpingo-ooforectomia bilateral. A histerectomia, porém, é voltada às mulheres portadoras ou não de câncer de colo de útero, ou até mesmo de útero. Para Meeker e Rothrock considerando a amplitude e a abrangência: a HAT é a remoção de todo o útero, incluindo a cérvix. Quando a HAT á combinada com a salpingo-ooforectomia, o procedimento é comumente denominado pan-histerectomia ou histerectomia completa (1997, p.396). A histerectomia também pode ser realizada por via vaginal (HV). Sendo considerada de menor traumatismo, devido à ausência de incisão abdominal não há exposição da cavidade peritonial. Ambas as vias de acesso têm vantagens e desvantagens, sendo que cada uma tem suas próprias indicações e contraindicações (MEEKER, ROTHROCK, 1997). Como alternativa à histerectomia abdominal, pode-se, ainda, usar como recurso a histerectomia vaginal laparoscópica-assistida (HVPA) ou a histerectomia vaginal pelviscópica-assistida (HVPA), nas quais são realizados pequenos orifícios no abdome, retirando o útero através da vagina. A indicação da histerectomia, ou seja, dessa terapêutica cirúrgica, normalmente inclui um conhecimento específico da fisiologia e das patologias dos órgãos do aparelho genital feminino, das manifestações clinicas das afecções da pelve da mulher, para que haja sucesso nesse procedimento. Assim, trata-se de um procedimento definitivo, seja ele qual for, de perda irreversível do útero, que pode ser para restabelecer a saúde ou mesmo salvar a vida da mulher. Mas a histerectomia determina uma série de implicações com alterações, desde as condições físicas até a fortes perturbações emocionais, com modificações em sua vida. O profissional de enfermagem, envolvido com a prática assistencial em todas as suas dimensões, deve propiciar uma assistência holística à mulher e, segundo Diógenes et al. (2001) na Consulta de Enfermagem Ginecológica, ele deve considerar a cliente como ser único e, estar atento, capacitado e com disponibilidade de tempo. 2 . 2 Repercussões para a mulher após a histerectomia As teorias Hipocráticas sobre a anatomia e fisiologia do aparelho reprodutor humano, como assinala LeBlanc (2004), traziam um vago conhecimento de anatomia do útero em relação às víceras e ignoravam a inexistência dos ovários. No entanto, os avanços das pesquisas na área hoje têm definido o papel do aparelho reprodutor humano. No que diz respeito ao significado atribuído pela mulher em relação ao útero e seus anexos, ainda requer maior aprofundamento. De modo geral, as mulheres atribuem ao útero vários significados. Entre tantos, tem-se o útero como órgão sexual para procriação, fonte de competência feminina e de vitalidade, como também o da atração. Por isso, a sua retirada pode também ser significativa e trazer para as mulheres alterações na vida sexual e emocional. Além das alterações determinadas pelos fatores psíquicos, físicos, fisiológicos, sociais e culturais (SBROGGIO, 2004). Ao saber que será retirado seu útero, a mulher pode experienciar o sentimento de perda, pois trata-se de uma parte dela que será amputada cirurgicamente. Órgão com que nasceu e convive até então, além de também reconhecer suas funções definidas como a de procriar para perpetuar sua família. Isso pode trazer-lhe transtornos emocionais, será uma nova situação com a qual ainda não tem vivência, porém tem experiência e conhece situações até familiares. Enfrenta o medo do desconhecido e do sucesso da cirurgia, visto que não tem certeza dos resultados. Não conhece os efeitos que a histerectomia trará sobre sua imagem corporal, pois desconhece como será seu corpo após a cirurgia. Ela não sabe, também, como será ou ficará afetado seu desempenho sexual e como seu parceiro enfrentará a mudança de seu corpo, ou seja, as alterações anatômicas ocorridas. E, segundo Davim et al. (2005), é uma experiência pessoal, mas que também envolve pessoas importantes em seu cotidiano, como por exemplo, o marido. Normalmente, dizem Parra, Saad (2001), surgem as preocupações em relação à dor e ao desconforto, pois todo processo cirúrgico envolve corte, recuperação posterior, isso aumenta a apreensão, sensibilidade e ansiedade. Smeltzer, Bare (2002) expressam que, se as manifestações das alterações psicológicas não forem percebidas e cuidadas, poderão se tornar distúrbios psiquiátricos. Também é de suma importância perceber as manifestações físicas e fisiológicas que poderão surgir, visto que no pós-operatório a mulher terá algumas restrições, como, por exemplo, não fazer exercícios que forcem a musculatura abdominal e, principalmente, a da pelve. Devido ao manuseio das alças intestinais durante a histerectomia, pode haver alteração da função intestinal. A mulher deve ser orientada a não se esforçar durante o ato de defecação, na cesariana seguida de histerectomia, conforme recomenda Rezende (1999). E o sistema urinário também pode apresentar alterações, pois para as histerectomias, via de regra, é realizada a cateterização vesical, tornando-se necessária a reeducação posterior para a reintegração da micção (CAMANO, 2003). Torna-se necessário fazer orientações relativas ao pós-operatório para o retorno ao cotidiano, de forma compreensiva para a mulher, clara e numa linguagem acessível aos seus conhecimentos e vivências. Esta mulher, numa ótica biologicista, estará enfrentando um procedimento cirúrgico e deverá acreditar na sua recuperação e em que tudo dará certo, visto que não é relevante a sua dimensão existencial. Mas, quando essa dimensão é considerada, sua dimensão existencial, pensando no seu cotidiano após a histerectomia, encontra-se o exposto por Heidegger (1999, p. 35), em que não se pode desvincular que esta mulher é ser e que “o ser é sempre o ser de um ente”. E, compreende-se então, que é na dimensão existencial que funda-se o cotidiano, quando o ser que é ser-com e ser-aí, pode tornar-se dominado por aquilo que se espera dele. Por ser considerada a histerectomia uma cirurgia de grande porte, além de um período maior de internação no pós-operatório são recomendados repouso e limitação de alguns hábitos, o que afasta a mulher de imediato do convívio social, trazendo em algumas circunstâncias, inibições e desajustes sociais. Também, existe repercussão no labor, tanto doméstico quanto no trabalho fora do lar, tendo em vista que nos dias atuais a mulher é força no mercado de trabalho (CAMANO, 2003). Na perspectiva de olhar a dimensão existencial da mulher, recorrendo a Heidegger (1999, p.105), para entender o mundo, encontra-se que: “o mundo pode ser usado como um conceito ôntico e funciona como termo ontológico e significa ser dos entes”. Para o entendimento deste “mundo”, precisa-se recorrer à dimensão existencial e considerar, então, que ora se está num mundo público e ora num doméstico. Penso, então, que as mulheres, para vivenciarem o cotidiano após histerectomia, têm que receber orientações que as ajudam a se sustentarem sendono-mundo-com-os-outros. Compreendê-las e não só considerar o seu mundo público, com rotinas pré determinadas, sem se voltar para o ser-aí-com dessa mulher, com suas expectativas e com uma vida sem os desconfortos de natureza ginecológica. Estar-se-á, então, com um olhar no ôntico que é a questão da cirurgia e no ontológico, o que leva a um olhar diferente, considerando a existência do ser. Destaco a seguir alguns estudos já realizados sobre a temática. Silva (1980) realizou pesquisa exploratória sobre a orientação para alta de pacientes submetidas à cirurgia ginecológica e verificou a atuação da enfermeira no processo de orientação quanto ao preparo para continuidade do tratamento e cuidados pós-alta e as reais necessidades das pacientes sobre tais atividades. Constatou que as pacientes, de modo geral, têm necessidade de orientação e que esta é fornecida de maneira assistemática. Estabelecendo uma comparação entre os resultados dessa investigação e minha atuação profissional e com o grupo alvo, percebo que após duas décadas desse estudo a realidade ainda não se modificou. Na minha prática cotidiana e em outros estudos mais recentes, encontro as mesmas condições, a falta de orientação e, quando ela é realizada, é padronizada segundo o procedimento cirúrgico, não considerando a singularidade. Também Caliri (1994) realizou um estudo de natureza quantitativa junto a mulheres histerectomizadas com o objetivo de compreender e descrever o processo vivenciado por elas sob as suas próprias expectativas. Os resultados encontrados permitiram compreender que, para as mulheres estudadas, existia uma situação de ambigüidade: necessidade de resolverem os problemas que impediam que tivessem uma vida “normal” e a incerteza sobre as conseqüências de ficarem sem o útero. Penso que as mulheres ainda não estão bem esclarecidas sobre a condição de sua saúde, o processo da doença, sua cidadania e que, muitas vezes, se vêm sem opção para o seu próprio cuidar. A pesquisa de Garcia, em 1999, teve como objetivo analisar as expectativas dos pacientes com câncer em relação à orientação pré-operatória. Utilizando a abordagem quanti-qualitativa apresentou como resultado, entre as implicações para a assistência de enfermagem, a necessidade de maior interação do paciente com a equipe. Reconheço que o enfermeiro recebe, desde a graduação, informações sobre o relacionamento e interação com o paciente, estabelecendo uma aproximação, mas sei também, que isso se adquire na prática diária ao longo dos anos, quando em exercício profissional. É um processo construído com o tempo, com a capacidade individual e que, muitas vezes, se encontram barreiras próprias para a proximidade do outro. Vejo que, para melhor assistir a paciente, torna-se necessária uma aproximação, escutando, percebendo e compreendendo-a. Abordando questões sobre o útero, feminilidade, sexualidade, imagem corporal e relacionamento conjugal, Sbroggio (2004) também realizou pesquisa com mulheres em pré-operatório para histerectomia. Constatou mitos sobre retirada do útero (ficar frígida, envelhecer precoce e perda da feminilidade) e que a insegurança marca mulheres no período que antecede a histerectomia. Recomendou tratamento psicológico, desde o pré-operatório, para as mulheres e familiares, visto que o apoio do marido é fundamental. Considero que esse estudo realizado por profissional da área da psicologia traz para a enfermagem importante contribuição, pois reforça o trabalho de assistir a mulher emocionalmente, bem como à sua família. Os diferentes aspectos da qualidade de vida em mulheres em tratamento de câncer do colo do útero e o papel do profissional de enfermagem na oferta de conforto e segurança às mulheres e seus familiares foram abordados no estudo de Ohnuma (2005). O resultado apontou que a qualidade de vida é afetada radicalmente e de forma negativa tanto pela doença quanto pelos efeitos agressivos do tratamento. Percebo ter que se considerar as modificações psicoemocionais, fisiológicas e anatômicas a que as mulheres ficam sujeitas quando acometidas pela doença e tratadas, e que o impedimento da realização de tarefas do cotidiano pode gerar transtornos na família. Davim et al. (2005) realizaram uma pesquisa para identificar as causas que levam mulheres, de uma área rural do Rio Grande do Norte, a se submeterem à histerectomia e para verificar informações recebidas antes e após a cirurgia, e a percepção das mesmas quanto ao procedimento. As autoras constataram que as causas para o procedimento são relacionadas à presença de miomas, útero crescido, cistos de ovário e sangramentos constantes. Acrescentam ainda que as mulheres recebem antes da cirurgia informações sobre a prevenção do câncer de colo do útero e, no pós-operatório, sobre os problemas de menopausa precoce e terapia de reposição hormonal. Supõem a histerectomia como uma cirurgia mutiladora que irá interferir em suas funções femininas, em especial, no seu desempenho sexual, e expressam o medo das interferências na vida matrimonial. 2. 3 Cotidiano de saúde da mulher como problemática existencial Toma-se conhecimento através da evolução que a mulher foi uma trabalhadora incansável, pois, nos primórdios da civilização, a encontramos envolvida com o trabalho em suas mais diversas formas. Sua vida diária sempre foi repleta de atividades laborais. As ações que garantiam ao homem a manutenção de sua sobrevivência estavam intimamente ligadas ao trabalho feminino que foi sem dúvida uma forma de manifestação de cuidado do ser humano. No início da civilização, desde as cavernas, era a mulher quem cuidava da família e das atividades do lar (SALIMENA, BARA, 1998). A proteção materna surge, então, como a primeira forma de manifestação do cuidar do ser humano, surgindo daí a associação do trabalho feminino e cabendo à mulher tudo o que se tornava necessário para o desenvolvimento da família, ou seja, a manutenção da saúde, a educação dos filhos e o cuidado com o lar. Afirma Giovanini (1995) que as práticas de saúde surgiram entre os grupos nômades, cuja estrutura familiar contemplava a mulher como responsável pelo cuidado com as crianças, velhos e doentes. Assim, os cuidados de saúde eram praticados pela mulher e repassados entre elas e suas gerações. Podemos pensar que desde a adolescência a jovem menina já aprendia a cuidar de outros e de si. Com a evolução dos tempos, a mudança nos regimes políticos e sociais dos feudos ao capitalismo, surge a necessidade de novas organizações para expansão da produção e economia, conseqüentemente, novas forças de trabalho, o que faz com que a mulher não mais seja só trabalhadora do lar, mas também trabalhe para contribuir para o sustento da família. Apesar disso, ela continuou sendo a responsável pela saúde e educação dos filhos até os dias atuais. Como é de meu interesse o cotidiano da mulher após à histerectomia, realizei uma busca bibliográfica com o intuito de aproximar-me desta temática, aprofundando-me neste assunto a partir da produção científica “stricto sensu” de enfermagem já produzida. A busca nos anais da ABEN, no período de 1990 a 2000, acusou a existência de 37 pesquisas em saúde da mulher, sendo 04 teses de doutorado abordando a temática em questão. Na Escola de Enfermagem Anna Nery, no período de 1992 a 2004, a respeito da saúde da mulher, encontram-se 26 teses, das quais 12 abordaram as questões de gênero e cotidiano. A realização deste levantamento possibilitou identificar a produção científica da enfermagem, especificamente na área da saúde da mulher com enfoque nas questões de gênero e cotidiano, entretanto nelas não se identifica a histerectomia. Por outro lado, apenas uma delas aborda as questões da paternidade e suas implicações no gênero masculino. Isso posto, traço algumas considerações de pesquisas, em dissertações e teses realizadas por enfermeiras, as quais poderão acrescentar subsídios ao estudo da temática do cotidiano e saúde de mulheres, pois são estudos com abordagem fenomenológica, que mostram a condição de ser mulher. Trazem reflexões sobre a mulher que, inserida no cotidiano, teve modificações no cotidiano devido à maternidade, situações de doença sua ou nos seus filhos e/ou, até mesmo, por estar no mercado de trabalho. Neste processo, estão compreendidos, por exemplo, os estudos fenomenológicos em saúde da mulher, abordando o cotidiano em Heidegger. Souza (1993) obteve como resultado de sua pesquisa, no fenômeno do ser gestante, o significado atribuído pelas gestantes à amamentação. Compreendendo que esta temática envolve o ser na dimensão do existir e o poder-ser, inseparável em sua existência. A meu ver, tal fenômeno traz também repercussões no cotidiano da mulher-mãe e mulher trabalhadora, devido às condições que alteram o seu comportamento, o poder decisório da amamentação, que, na orientação científica, não leva em consideração o vivido da mulher-mãe. Paz (1994) compreendeu que é necessária a valorização da singularidade do ser mãe ao pesquisar o significado do cuidado de saúde do filho lactente. O cuidado emergiu nesta pesquisa para o ser mãe como: obrigação, propriedade e disposição. Penso que este estudo traz em seu bojo um cotidiano velado, onde a mãe nele inserida é a responsável pela alteração dele. Dando continuidade a seus estudos no nível de doutoramento (1998), desvelou o sentido do cuidado de saúde prestado às crianças pela equipe de enfermagem nas unidades básicas de saúde, mostrando que esta equipe não se preocupa com a saúde da criança, mas sim, se ocupa dela, pois que sua assistência está centrada nas normas propostas pelos serviços. De acordo com os resultados dessa pesquisa, mais uma vez a equipe em seu cotidiano, no seu mundo do trabalho e no falatório do cuidar, experiencia seu cotidiano sem considerar o cotidiano da clientela assistida ( MALVEIRA, 1998). Simões (1995), ao pesquisar o significado das vivências do trabalho de parto, na fase de dilatação, compreendeu que a mulher em seu modo-de-ser-parturiente, demonstra em sua possibilidade de ser-um-ser-autêntico, trazendo uma forma de compreensão de sua vivência e da atuação da equipe de saúde que a assiste. Percebe-se haver para quem está na vivência do trabalho de parto, um cotidiano hospitalar sem reflexões em que se está atentamente assistindo, não considerando que essa mulher está num cotidiano que não é seu, em que tudo é novo e estranho. A mesma pesquisadora, em 1998, em sua tese de doutorado, ao estudar os significados atribuídos pela mulher ao cuidar da sua saúde, constatou que a mulher encontra-se lançada nas ocupações emergentes de seu cotidiano doméstico aos quais interferem nas suas de-cisões de cuidar de si. Mesmo existindo nesse cotidiano, ela pode decidir se cuidar, fazer escolhas devido às possibilidades traçadas pelas políticas de saúde do governo e implementadas pelos profissionais de saúde. Tal estudo remete à reflexão do quanto a mulher evoluiu no seu processo de decisão de se cuidar, de sua inserção nos programas de saúde e mercado de trabalho, trazendo conseqüências ao seu cotidiano. Lopes (1996), ao analisar o significado atribuído pela mulher à realização do exame preventivo ginecológico para a prevenção do câncer cérvico-uterino encontrou o ser-mulher como pre-sença temerosa, sem compreender o procedimento, sentindo vergonha, ansiedade e medo. Partindo dessa facticidade em busca do desvelamento desse fenômeno, a autora compreendeu o sentido do sermulher, e, que os profissionais que dele participam estão voltados ao cotidiano do serviço não direcionado ao atendimento particularizado da mulher que vivencia esse exame, que não faz parte do cotidiano vivido por ela. Por meio desse estudo, percebe-se o quanto é importante para os profissionais de saúde compreender as dificuldades enfrentadas pela mulher ao procurar os Serviços de Saúde e que ali são atendidas de modo diferenciado para que sintam a necessidade de inserir no seu cotidiano a regularidade do exame. Camargo (1997), tendo como objeto o ex-sistir da mulher frente à queda de cabelo em conseqüência do tratamento quimioterápico para o câncer de mama, percebeu que ela se encontra exposta ao falatório no cotidiano assistencial e com pre-sença temerosa enfrenta o temor da perda do cabelo. Compreendeu, em sua análise, que no cotidiano a mulher transita da inautenticidade para a autenticidade, através da angústia e encontrando o seu poder ser-mulher. Prosseguindo em seus estudos, em 2000, a autora realizou outra pesquisa, na qual aprofundou a dimensão da angústia dessa mulher que enfrenta o tratamento quimioterápico para o câncer de mama e desvelou esse temor num movimento existencial marcado por um temor cíclico, ou seja, um temor a cada ciclo do tratamento. Sob esta ótica, os profissionais de saúde devem compreender que, na cotidianidade, o ciclo de quimioterapia foge do esquema padronizado e seqüencial, pois ele é único a cada vez que a mulher o enfrenta. Oliveira (1999), dedicou-se a compreender o significado atribuído pela mãe ao choro do filho recém-nascido e dele o sentido que funda o seu comportamento. Compreendeu, assim, que esse choro representa a concretização do projeto sermãe. Posso entender que o reconhecimento desse choro se concretiza no cotidiano dessa mulher. Ghelman (2000), ao analisar o cotidiano de mães de crianças diabéticas, buscou compreender o significado deste ser-mãe. Desvelou que essas mães se mostram preocupadas com o cotidiano: as mudanças nos hábitos de cuidar do filho e o não-compartilhamento desse cotidiano com outros membros da família. E, Salimena (2000) aponta a mudança do cotidiano do ser-mãe-estar-com ao deixar o filho à porta da sala de cirurgia, pois a mãe, que é pre-sença no cuidar cotidiano com o filho, entrega-o a outra pessoa para este cuidar. Luz (2001), ao indagar o sendo da pessoa estomizada, desvelou o seu cotidiano no qual, de início, encontra-se dominado pelo temor e falatório mas que, inserido no mundo da cotidianidade, mostra-se como ser-aí autenticamente e se descobrindo como ser do humano libertando-se do ente, se descobre ser de possibilidades. Encontro respaldo em sua pesquisa ao pensar que é no cotidiano assistencial que se compreende como os estomizados transitam da inautenticidade para a autenticidade, sendo-aí-com-outros. Pompa (2003), realizou um estudo sobre o cotidiano de vida e saúde de mulheres peruanas em uma comunidade rural no Peru, tendo desvelado que elas se mostram no modo de ser da cotidianidade dominada pela ocupação, pela preocupação e pelo temor de doenças na família. Considerou que a perspectiva da humanização da assistência de enfermagem às mulheres de uma comunidade rural precisa apreender o sentido do movimento ex-istencial, sua singularidade e então o seu cotidiano. A maneira do seu ser-mulher precisa fundamentar o trabalho de saúde e da enfermagem, considerando-a na família e respeitando o seu cotidiano. Acredito que tal estudo realizado em uma comunidade rural e em outro país vem ao encontro da nossa realidade, pois creio que aqui também se encontram situações, ainda hoje, iguais ou parecidas, com aquelas vividas pelas mulheres peruanas e que os profissionais da enfermagem devem considerar e acatar as recomendações de seu estudo. Na Universidade Federal da Bahia, Jesus (2002), buscou o fenômeno da vivência do primeiro ciclo da quimioterapia antineoplásica a que mulheres mastectomizadas foram submetidas e des-velou o sentido do ex-sistir na dimensão cotidiana, compreendendo a possibilidade da autenticidade das mulheres a partir das experiências do cotidiano: como o adoecer, o estar em perigo, o estar diante do desconhecido, o estar frente à possibilidade da morte e a superação do temor. Também considerou que o estudo não somente revelou o cotidiano de saúde das mulheres, mas que, na cotidianidade do nossa existência, estamos presos à tecnologia, reduzindo o espaço de um cuidar em que seja compreendido o cotidiano da clientela. Os estudos elaborados, portanto, por pesquisadoras da enfermagem, a partir dos anos 90, mostraram como a abordagem Fenomenológica, utilizando o método do filósofo Martin Heidegger, propicia um conhecimento original sobre o outro, ou seja, no depoimento de quem vivencia o fenômeno. O profissional, ao utilizar esta metodologia, tem que estar aberto a ouvir, estar atento ao não-verbal explicitado para captar o movimento do outro, o/a depoente, na possibilidade de mostrar-se como um SER com suas particularidades e especificidades em seu mundo cotidiano. Buscando construir uma relação autêntica no cotidiano profissional, espaço onde o enfermeiro encontra as possibilidades de ser-cuidador. Outros estudos em saúde da mulher e cotidiano, que não utilizaram a fenomenologia como abordagem, também podem contribuir para o enriquecimento, com os métodos: dialética e história de vida. Trago alguns desses estudos. Ao aprofundar suas reflexões acerca da mulher enfermeira e o auto-exame da mama, Melo (1992), discorre sobre a temática fazendo uma ponte entre o cotidiano da mulher enfermeira e as questões referentes ao “Saber, Fazer e Ensinar” como alicerce para a prática profissional, no enfoque de suas questões. Já naquela época, considerou como de grande relevância a preocupação relacionada às questões que envolvem o diagnóstico precoce do câncer, já que somente a partir deste, a doença pode ser combatida com maior eficácia. Consideração esta que, ainda na atualidade, expressa a realidade, constituindo ainda hoje, condição prognóstica. Seu enfoque da prevenção secundária “salienta a postura manifesta do Fazer ou Não Fazer o autoexame da mama, associada ao autoconhecimento da enfermeira e á projeção da importância atribuída” como elementos básicos para as análises referentes à temática. Em seu estudo, Maluhy (2001) constatou que a mulher-profissional da equipe de enfermagem sente dificuldade em separar o ser mulher do ser profissional, não está em dia com o exame ginecológico preventivo do câncer cérvico-uterino e, sente-se constrangida ao expor seu corpo para ser examinado. E, ainda, que o tecnicismo está mais evidente que o atendimento humanizado. Percebo, nessa pesquisa, que as mulheres-enfermeiras ainda têm resistência em se perceber como clientes e que ensinam o cuidar, mas que nem sempre fazem o que ensinam ou exercem no cotidiano profissional. Preocupo-me com o cuidado prestado à mulher que procura atendimento técnico para o exame, mas que espera ser tratada como ser humano, com medo, apreensões, ansiedades e angústias ao vivenciá-lo. Também a pesquisadora Spíndola (2002) em seu estudo descreveu o cotidiano da mulher-mãe-trabalhadora de enfermagem e discutiu a interferência da profissão na vida desta mulher, bem como analisou a sua percepção em relação ao seu cotidiano tomando como base a sua história de vida. Evidenciou que elas consideram o trabalho remunerado, fora do espaço doméstico, como forma de independência; que trabalham em condições precárias; o ressentimento por que não serem valorizadas; enfrentam a sobrecarga de trabalho e o sentimento de culpa pela ausência do lar. No cotidiano convivem com a ambivalência e conflito devidos aos vários papéis desempenhados e se esquecem de ser mulher. Nesse sentido, percebendo a complexidade do cotidiano de saúde da mulher é que me interessei por desenvolver um estudo sobre o dia-a-dia da mulher no pósoperatório, no seu contexto de saúde de acordo com as políticas públicas atuais, os aspectos assistenciais, as questões de gênero e as repercussões no cotidiano da mulher após a histerectomia. “...ir às coisas nelas mesmas” Heidegger III - REFERENCIAL FILOSÓFICO Devido às minhas inquietações, já descritas neste trabalho que me incitaram à realização deste estudo, cujo propósito é o de analisar o cotidiano da mulher após a histerectomia, justificou-se, na proposta desta abordagem, a fenomenologia como quadro de referência. Isso significa que se tratou de buscar a compreensão da mulher em seu cotidiano vivencial, por meio da descrição do fenômeno, a partir de quem o experiencia e de modo a alcançar a sua essência, não mais biológica, mas ir além da dimensão factual. Acrescento, ainda, que o referencial temático sobre a histerectomia está exclusivamente, centrado na doença e nos procedimentos técnicos, sendo estes insuficientes para esclarecer questões referentes à existência do ser-mulher, que sendo um ser existente não é contemplada na dimensão do seu cotidiano. Porque segundo Canguilhem (2006, p.83), “o que interessa é diagnosticar e curar... os valores desejados são a vida, uma longa vida, a capacidade de reprodução, a capacidade de trabalho físico, a força, a ausência de dor... além da agradável sensação de existir” . E, Davis-Floyd (2001), após suas pesquisas entrevistando médicos, enfermeiras, parteiras e também mães, descreveu os paradigmas de modelos tecnocráticos, humanísticos e holísticos de cuidados que influenciam o parto contemporâneo em doze doutrinas de cada um deles e como eles se aplicam na obstetrícia e suas implicações para o futuro. Ela considera que tais modelos diferem em suas definições sobre o corpo e sua relação com a mente e, assim, na abordagem do cuidado. Em minha experiência profissional, emergem já desvelados que, dentre as atividades e competências da enfermagem, o confortar, o ser com o outro, o dar segurança aos clientes, quer seja pelo conhecimento técnico científico, quer seja pela presença significativa, respeitando sua pluralidade e singularidade, conforme recomendado por Cadete (1994) em seu estudo de doutoramento. Considerei, então, que a pesquisa qualitativa, tendo a fenomenologia como referencial metodológico, abriria perspectivas para que eu buscasse compreender os diferentes significados atribuídos ao cotidiano pela mulher ao ser submetida à histerectomia, pois que a compreensão aconteceria quando me voltasse para quem vivencia essa circunstância, aproximando-me da mulher, em suas diferentes potencialidades e possibilidades, que me explicitaria este momento com sentido com o qual é vivido. Confesso que optar por essa abordagem, vislumbrando a Fenomenologia, em toda a sua dimensão compreensiva, significou adentrar num universo filosófico de modo apreensivo, visto que reconheço as lacunas de formação que obtive e, portanto, o meu desconhecimento dessa área. Mas, ao mesmo tempo encontrei uma significativa produção nacional, através de dissertações, teses e artigos publicados em periódicos, desenvolvidos com o suporte da Fenomenologia para a compreensão de muitas situações de saúde/doença experienciadas em sua condição existencial, evidenciadas nos pensamentos filosóficos de Martin Heidegger, Maurice MerleauPonty e Alfred Schutz. Na leitura filosófica, fiz um mergulho profundo e ousei enfrentar o desafio de estudar Heidegger, o filósofo existencialista. Nesse contexto, situando-me historicamente e reconhecendo os limites e as possibilidades do meu existir, pretendi me aproximar e utilizar da parcela da vasta contribuição por ele legada e que vem sendo aplicada nos estudos de Enfermagem. 3. 1 Fenomenologia A fenomenologia surgiu como ciência, nos estudos de Edmund Hussel, filósofo alemão, em contraposição ao positivismo. Despontou como meio de tornar possível ao ser humano o encontro com ele mesmo naquilo que mais o caracteriza, sua pre-sença no mundo. Como referencial teórico metodológico, essa vertente em concordância com o referencial filosófico acima mencionado, permite mostrar, descrever e compreender os motivos presentes nos fenômenos vividos, que se mostram e expressam por si mesmos. Estuda o fenômeno tal como ele ocorre. Por isso, vários autores, entre eles Donzelli (1988) e Bicudo (1992) consideram esta ciência como um método apropriado aos estudos dos fenômenos humanos e sociais, como uma proposta de compreensão do humano. Declara ainda Bicudo (1983, p.11), que “esta corrente filosófica não tem a tarefa de explicar os fatos, mas de ir além buscando o fundante presente em todo comportamento humano”. E, ainda, Martins e Bicudo (1989) dizem que a revelação do mundo acontece por meio da explicitação de quem vivencia um determinado fenômeno num determinado tempo e espaço, descrevendo assim, a experiência do homem. Coelho Júnior et al. (1991) mostram que a fenomenologia é o estudo do homem em sua totalidade existencial e Lopes et al. (1995) a identificam como o refletir a partir do retorno ao já vivido. Para Martins, Boemer, Ferraz (1990), a fenomenologia significa a volta ao mundo da experiência, no qual se busca chegar à essência através das experiências vividas pelo sujeito, possibilitando, assim, que as coisas sejam vistas como elas acontecem. E para compreender o homem, a fenomenologia convoca e remete para uma visão holística, possibilitando a exploração e discussão do cotidiano da enfermagem, emergindo numa práxis criativa e intencional. Aqui cabe destacar, no entanto, que ao me apropriar do método fenomenológico para conduzir este estudo, busquei a essência do fenômeno, através das descrições das experiências vividas ou dos discursos das mulheres, sujeitos desta pesquisa, do seu mundo real vivido (BICUDO, ESPOSITO, 1997). É uma atitude de abertura do ser humano para a compreensão da vivência a partir do outro, que segundo Boemer (1994, p. 88-89), “parceiro do pesquisador em seu processo de descoberta”. E assim, partindo de minhas inquietações procurei o fenômeno através de quem vivencia uma determinada situação: o cotidiano após a histerectomia. Na Fenomenologia, portanto, procura-se o sentido que funda o comportamento do indivíduo quando ele vive, tem saúde ou adoece, ama e sente-se feliz, quando se entristece, sente angústia ou ansiedade, quando sente a finitude de quem gosta... e que se expressa através do discurso, das palavras, dos gestos, da expressão de sua face e de seu corpo, do tom de voz, dos silêncios e, até mesmo dos discursos escritos (LOPES et al. 1995). Corroborando Leão (1999), em “Ser e Tempo” diz: O homem é o ser que fala, mesmo quando não fala e cala, recolhendo-se no silêncio do sentido...a fala remete para além ou aquém das palavras, mas este remeter não é semântico nem sintático. É o silêncio do sentido (HEIDEGGER, 1999:16). Com esse pensamento, não posso reduzir a uma única dimensão do cotidiano da mulher frente a histerectomia, independente das circunstâncias do evento e das contingências de sua realização. Isso, porque, este é significativo para a existência humana tal como a angústia, o medo, a esperança e desesperança frente aos procedimentos, bem como o próprio existir, não podendo ser tratado simplesmente como um fato ocasional. Operacionalmente, na abordagem Fenomenológica, o conhecimento que tenho sobre a temática constitui o meu momento pré-reflexivo. Na minha maneira diferenciada de olhar a situação problematizada, está assumir o olhar de observador que põe, segundo Heidegger (1999), em suspensão qualquer teoria, crença, concepção, conhecimento prévio sobre a situação em estudo para ir em busca da pré-compreensão. Devo também, inicialmente, recusar as pré-concepções sobre a natureza do fenômeno que estarei investigando e solicitar que as mulheres descrevam, em sua linguagem própria, como elas estão experimentando essa situação vivenciada. O que não quer dizer que, ao recusar teorias e explicações, parto de um marco zero, contrário, considero uma maneira não apropriada para apreender nas descrições feitas por essas mulheres que vivenciam o procedimento cirúrgico da histerectomia, a compreensão delas. Tendo como propósito buscar a compreensão do cotidiano da mulher após a histerectomia, segundo seu modo de ser-existente, encontrei na fenomenologia de Martin Heidegger um caminho apropriado para tal compreensão. 3.2 O pensamento de Martin Heidegger HEIDEGGER nasceu em 26 de setembro de 1889, numa pequena cidade da Alemanha. Em 1915 aproximou-se de Hussel, tornando-se seu discípulo e dedicando-se a fenomenologia, na compreensão do Ser. Desenvolveu um método próprio de interpretação e análise , na busca de compreender os entes dotados do ser da presença, seu sentido de ser em sua existência. Sua obra “Ser e Tempo” traz seu pensamento explicitado em texto complexo e de difícil apreensão num primeiro momento. Considera, Heidegger (1999, p. 65), a fenomenologia como “deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra, tal como se mostra a partir de si mesmo”. Portanto, a fenomenologia é uma investigação que está, na realidade, no nosso campo de atuação, que busca o que não está à mostra, ou seja, o que está velado, mas que pode ser revelado, o sentido ou a direção do ser. Heidegger (1999) diz que o Ser é a presença, o manifesto, o percebido, o compreendido e o conhecido para o humano para “o ser-aí ” ou “Dasein “, portanto, o homem é “Dasein “ e está laçado no mundo. E, sendo pre-sença é estar aí, e se torna sendo no mundo, onde se compreende como ser de possibilidades. Buscou, Heidegger, compreender o ser do humano e nessa compreensão denominou as pessoas de “ENTE”. Chamamos de “ente” muitas coisas e em sentidos diversos. Ente é tudo de que falamos, tudo que entendemos, com que nos comportamos dessa ou daquela maneira, ente é também o que e como nós mesmo somos. Ser está naquilo que é e como é, na realidade, no ser simplesmente dado., no teor e recurso, no valor e validade, na pré-sença, no “há” (1999, p. 32). No pensar de Heidegger (1999), encontramos as expressões ôntico e o ontológico. A instância dos fatos que envolve entes envolventes – o objeto e coisas e entes dotados do ser da pré-sença, considera ôntico todos os seres humanos, todos nós. Ontológico como o ser do humano. Partindo desse pensar, podemos interrogar o ser e o sentido do ser, para então compreender o velado para nós. A análise, segundo Heidegger9 1999), do nosso existir pode ser feita valorizando aspectos do pensamento do filósofo desenvolvidos na obra Ser e Tempo nos quais podem ser destacadas as questões relacionadas ao Cotidiano, à Angústia e à Morte. Considerando que o cotidiano é objeto deste estudo, procurei um aprofundamento conceitual dessa dimensão no pensamento de Heidegger (1999). Assim, é na dimensão existencial do cotidiano que estamos no nosso factual, onde nos localizamos e estamos expostos ao falatório, a tagarelice e a ambigüidade. Vivemos e existimos o dia-a-dia, nós somos para Heidegger (1999, p. 44), “antes de tudo e na maioria das vezes”, aquilo que determinam que a gente seja. É no cotidiano que o ser-aí pode se mostrar de maneira inautêntica e envolvido com as ocupações, sendo à maneira de todos. A cotidianidade é a possibilidade de ser e a possibilidade de toda impossibilidade. Então, segundo Heidegger (1999) a angústia é se reconhecer como possibilidades e a morte é reconhecer a finitude como possibilidade mais próxima, passando a ser a possibilidade de toda impossibilidade. Dubois (2004, p.50), expressa que “ a possibilidade da morte é não relativa ... desligada de toda referência ao outro... ela me dá a compreender a mim mesmo, me dá a assumir a existência inteira a partir do meu isolamento”. Refletindo sobre o pensamento de Heidegger (1999), acerca do “ente”, entendo que ente é o que somos e que quando procuramos desvelar um fenômeno temos que dar voz a quem é ente, ao ser que é pre-sença, que pensa, fala e vive, pois este é sendo-no-mundo. Dessa forma, o ser é existencial mostra-se, faz-se acontecer, é ser de possibilidades e isso pode acontecer no cotidiano. Quando dizemos cotidiano, queremos expressar o modo como as coisas se dão, como expressa Heidegger (1999, p. 44), “antes de tudo e na maioria das vezes”. Nessa oportunidade, devemos estar apreendendo as estruturas essenciais “que se mantêm ontologicamente determinantes em todo modo de ser de fato da pre-sença” (1999, p. 44). Então, na cotidianidade entenderemos aquilo que é. Estaremos envolvidos com as preocupações do dia-a-dia, ex-sistindo na facticidade lançados no mundo sem possibilidades de escolhas, na decadência sendo impessoais (na inautenticidade) vivenciando o falatório, a tagarelice e ambigüidade velando o sentido do ser. Ao desvelar o seu modo próprio de viver e relacionar-se com-osoutros na abertura para o mundo ocorre a expressão significativa. É no cotidiano que o ser-aí se mostra. “Fazer o que gosta, e, gostar do que faz”. Stephen Kantz IV- TRAJETÓRIA METODOLÓGICA 4.1 Fenomenologia: um caminho de investigação Acreditando que para estudar esta inquietação acerca do cotidiano da mulher após à histerectomia, como um sentido, uma maneira de ser, um modo de ser do próprio Ser, me aproximei dessa experiência para apreender a sua dimensão existencial no seu cotidiano de vida. O caminho foi, portanto, o da descrição das vivências. Para tanto, a trajetória de pesquisa que teve maior sintonia com o meu objetivo de estudo foi a abordagem qualitativa. De acordo com Minayo (1994, p.16), a metodologia é “o caminho do pensamento e a prática exercida na abordagem da realidade”. De forma complementar, na expressão de Russo (1997, p. 11), “a pesquisa qualitativa vem ao encontro dos anseios e expectativas do pesquisador na área das Ciências Sociais”. O estudo permite um relacionamento mais harmonioso e natural do pesquisador com as questões de estudo. Pensei, então, que a abordagem qualitativa, tendo a fenomenologia de Heidegger(1999), como referencial teórico-metodológico, justificava-se na proposta de estudo que buscou a compreensão da mulher em seu cotidiano após a histerectomia, por meio da descrição do fenômeno que a experiência nos oferece para chegar a sua essência. Acrescento, ainda, que os estudos pautados no referencial técnico-científico, exclusivamente centrado na dimensão da doença, não foram suficientes para esclarecer questões referentes à existência da mulher-ser encontradas no meu cotidiano profissional, tal como mencionado anteriormente. Como foi visto, a fenomenologia é o estudo ou a ciência do fenômeno. Permite mostrar, descrever e compreender os motivos presentes nos fenômenos vividos e que se mostram e se expressam por si mesmos. Estuda o fenômeno tal como ele ocorre. 4. 2 O método em Heidegger: um caminho para a compreensão Heidegger (1999), em sua obra “Ser e Tempo” utiliza a expressão ontológica ao falar do homem, considerando-o como ente: um ser que não é objeto no mundo, mas que nele está e é Ser de possibilidades. Por isso, o homem já traz em si uma compreensão do mundo e o tempo todo deve estar se cuidando, pois é possível sua finitude, ou seja, ele é mortal. Considera (Heidegger,1999, p. 66).que “a fenomenologia é a via de acesso e o modo de verificação para se determinar o que deve constituir tema da ontologia". Se o termo fenomenologia, derivado do grego, significa deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra a partir de si mesmo, Heidegger questiona então como buscar a essência desse ser, pois o ser pode encobrir-se até ser esquecido e a questão do ser e de seu sentido se ausentarem. Sendo assim, o fenômeno pode estar no ente de modo velado e nunca ser descoberto ou desvelado (HEIDEGGER, 1999). Heidegger expõe que o pesquisador deve ter com o sujeito interrogado um olhar atentivo e estar aberto para o diálogo, acolhimento das idéias, opiniões e sentimentos, colocando-se em seu lugar para ver, sentir e pensar como o pesquisado e, desse modo, estará mais próximo da sua compreensão. Também, nesta aproximação com o discurso dito (escrito ou falado) há de se considerar o não dito, através do silêncio e dos gestos, que são formas de expressão e de compartilhamento (HEIDEGGER, 1999). Deverá preocupar-se em mostrar e não em demonstrar, usando de uma rigorosa descrição para ter então o fenômeno revelado perpassando pela aparência (a coisa), parecer (a coisa em si) e aparecer (a coisa em si mesma) (HEIDEGGER, 1999). Dessa forma, só depois de compreender o que está velado é que o pesquisador poderá fazer a interpretação da questão pesquisada. Para Heidegger (1999, p. 204), “interpretar não é tomar conhecimento de que se compreendeu, mas elaborar as possibilidades projetadas na compreensão”. Por isso, a interpretação é o último momento da pesquisa. Continuando, o autor (1999, p.31), expressa que: “a compreensão vaga e mediana é um fato”, ou seja, é aquilo que o ente pensa e fala do ser, mas ainda não é a interpretação, que será alcançada no segundo momento pela hermenêutica. Neste estudo, dirigi um olhar atentivo para as mulheres submetidas à histerectomia, interrogando este ente (mulher), por causa de minhas inquietações em relação às questões que este Ser demanda, preocupada com a sua singularidade, e em busca do sentido do seu comportamento no cotidiano após a histerectomia. 4.2.1 Cenário de acesso às depoentes Esta pesquisa foi desenvolvida com mulheres que se submeteram à histerectomia no Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora – MG ( HU-UFJF) e por ser este tema emergente da minha prática profissional e onde surgiram as minhas inquietações. Estas mulheres foram internadas na Unidade de Ginecologia deste hospital. Sendo assim, o projeto de pesquisa foi apreciado pelo Chefe do Serviço de Ginecologia (Anexo I) e pelo Diretor Geral do HU-UFJF (Anexo II) que autorizaram o seu desenvolvimento. Após este consentimento, tornou-se necessária uma revisão para o encaminhamento ao Comitê de Ética da Universidade Federal de Juiz de Fora, devido às suas exigências (máximo de sete páginas em folha A4 e letra Arial 11, orçamento e cronograma à parte). Também os demais impressos, atendendo às solicitações da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde. Sendo, então, entregue ao Comitê em 04/04/06 (Anexo III), e aprovado em 22/06/06 e somente comunicado o deferimento em 27/07/06, conforme Parecer nº 055/2006 (Anexo IV). O HU da UFJF está localizado na rua Catulo Breviglieri, s/n no bairro Santa Catarina, Juiz de Fora, Minas Gerais. Está voltado para o ensino de futuros profissionais e para o desenvolvimento de pesquisas, oferecendo campo de estágio e prática para alunos dos Cursos de Graduação da UFJF nas áreas de Enfermagem, Medicina, Farmácia e Bioquímica, Serviço Social, Psicologia, Fisioterapia e, eventualmente Odontologia. Também, desenvolve cursos de Pós-Graduação lato e Stricto Sensu (Especialização, Residência e Mestrado). 4.2.2 As depoentes Os sujeitos desta pesquisa foram as mulheres submetidas à histerectomia, no ano de 2005 e nos meses de janeiro a julho de 2006. Para tal, realizei um levantamento no Livro de Registros de Cirurgia, do Centro Cirúrgico do HU, das histerectomias realizadas no período proposto para o estudo, onde identifiquei o nome e o número de registro de seus prontuários. Em seguida, pesquisei e consegui no Serviço de Arquivo Médico (SAME) do referido hospital, uma ficha contendo o endereço dessas mulheres (Anexo V). De posse da ficha-cadastro, do ano 2005, comecei a fazer contatos para o agendamento dos encontros. Inicialmente, na perspectiva de localizar a mulher e certificar o seu endereço, fiz várias tentativas através de ligações telefônicas. Como não obtive sucesso, ia ao endereço e também não conseguia. Ocorreu que elas mudaram de telefone ou de residência e não atualizaram as fichas de cadastro no hospital. Diante desse impasse, refiz a trajetória, voltando ao Livro de Registro do Centro Cirúrgico e ao SAME, fazendo o levantamento das mulheres submetidas à histerectomia no ano de 2006, de janeiro a julho. Nesta relação, encontrei 25 mulheres neste período, sendo que, 05 não residiam em Juiz de Fora. São de cidades vizinhas e, por isso, optei por não incluílas na pesquisa, considerando a possibilidade de realizar as entrevistas nos seus domicílios. Para as demais, fiz contato por telefone para agendamento dos encontros em suas residências. Quando isso não foi possível, por mudança de número de telefone ou de residência, ia até a residência registrada na ficha e procurava com os vizinhos o novo endereço, numa tentativa de encontrá-las, mesmo que esta visita ocorresse sem o agendamento prévio. Em alguns casos, foi bastante difícil esta localização, mas com empenho, consegui encontrá-las e promover o encontro fenomenológico inerente à entrevista empática e colher/ouvir seus depoimentos. Percorri bairros da cidade, onde nem sabia sua localização e que nunca tinha estado antes, bem como locais de risco por ser a área de tráfico de drogas. Em determinado momento, senti-me vigiada ao percorrer as ruas, mas ao mesmo tempo uma sensação de proteção. Tais encontros ocorreram à tarde, noitinha e noite, de acordo com a disponibilidade das mulheres e o agendamento prévio. Em algumas vezes precisei contar com apoio logístico para acesso ao local, devido à periculosidade do mesmo. Em certos bairros foi também difícil o acesso mesmo de carro, sendo necessário uma pequena caminhada. Para realizar as entrevistas, após uma explanação acerca deste trabalho e sua importância, com a anuência dessas mulheres, elas foram convidadas a serem sujeitos desta pesquisa que teve, do ponto de vista operacional, as seguintes questões norteadoras: Como tem sido para você este período após a realização da histerectomia? Como está sendo o seu dia-a-dia? Como você está se sentindo? A entrevista aberta foi pautada na metodologia da pesquisa referendada em Carvalho (1991), por ser uma maneira de o pesquisador adentrar na verdade mesma, seja ela qual for, sem falseamento ou deslize, sem preconceito ou impostura. Além disso, tentei estabelecer uma relação empática, com o intuito de estar num clima descontraído e possibilitador de um diálogo, tal como o preconizado por essa autora. Durante os depoimentos, observei, também, o não verbal, expresso em gestos ou outras manifestações. Estas observações, fui, posteriormente, registrando-as em diário de campo. Tão logo saía da casa, em outra rua próxima, já fazia o registro, sendo este manuscrito no verso da folha de registro do SAME. Pois como recomenda Minayo (2006), este é essencial no desenvolvimento de uma pesquisa qualitativa, visto que esta observação é um complemento que se soma de forma enriquecedora à pesquisa e que permite a percepção direta sem interferência exterior. Os depoimentos de 25 mulheres, 5 operadas em 2005 e 20 em 2006, foram ouvidos e gravados em fita magnética, sendo transcritos por mim mesma, no mesmo dia, a fim de se manter a fidedignidade dos discursos. Antes de proceder à coleta dos depoimentos, foi explicado a cada uma das mulheres participantes a pretensão de se desenvolver um trabalho com elas sem, contudo, dizer-lhes o conteúdo da entrevista. Foi, também, oferecida plena liberdade de participação ou recusa e solicitado que assinassem o termo de autorização para o registro de seus depoimentos, garantindo-lhes sigilo e anonimato, para proteção da sua privacidade. Tal procedimento visou atender à Resolução n.196/96 do Conselho Nacional de Saúde (1996), que dispõe sobre pesquisa envolvendo seres humanos e recomenda ”Termo de consentimento livre e esclarecido” (Anexo VI). Quadro de Encontros Identif . E1 E2 E3 E4 E7 E23 E24 E8 E16 E5 E22 E12 E9 E25 E11 E14 E13 Idade Est. Civil 50 Cas. 46 Cas. 47 Solt 54 cas 63 viú 45 solt 66 cas 67 viu 30 solt 31 cas 44 cas 38 cas 39 cas 50 solt 38 solt 77 viú 47 solt Data da Tempo Data do Profissão Histerec Realiz. Encontro 14/02/05 19 m 04/09/06 do lar 20/01/05 20 m 05/09/06 costur 03/03/05 18 m 27/09/06 Aposent. 29/03/05 18 m 03/10/06 do lar 16/04/05 19 m 14/11/06 do lar 12/01/06 11 m 29/12/06 domest 13/01/06 11 m 30/12/06 do lar 16/01/06 10 m 15/11/06 do lar 21/01/06 11 m 05/12/06 vended 06/02/06 10 m 14/11/06 Prof. 16/02/06 10 m 29/12/06 do lar 20/02/06 9 m 22/11/06 costur. 21/02/06 9 m 16/11/06 do lar 07/03/06 9 m 30/12/06 At. Enf 09/03/06 8 m 16/11/06 caixa 13/03/06 9 m 01/12/06 do lar 14/03/06 8 m 23/11/06 domést Endereço Benfica N. Era Araújo Industrial Centro N. Benfica Sta Clara Sta Luzia Progresso S.Terezinha Parq.Torre J Natal 7 J Natal 6 S. Antonio Sta Rita C1 Cid. Sol S. Mateus E17 E18 E21 E19 E20 E10 E15 E6 34 40 39 47 63 74 51 41 cas solt solt cas viú solt solt viú 16/03/06 20/03/06 20/04/06 08/05/06 15/05/06 25/05/06 03/07/06 13/07/06 9m 9m 9m 8m 8m 6m 5m 4m 05/12/06 27/12/06 28/12/06 27/12/06 28/12/06 16/11/06 04/12/06 14/11/06 manicur domest costur do lar do lar diarista domest ger. com. Granbery N S Aparec Vila Ideal Borboleta V. O. Costa Sta Rita C2 V. Braga Centro Esses encontros e entrevistas, agendados, ocorreram no mínimo quatro meses após a histerectomia. Desvencilhando-me das amarras do tecnicismo, da técnica provocadora, do modelo biomédico, que determinam o pós-operatório mediato, imediato e tardio, fui ao encontro dessas mulheres num período de tempo, variável de meses após a histerectomia, constituindo o tempo fenomenológico, que expressa o cotidiano delas. Então, conheci as mulheres, estabeleci uma relação empática e ouvi seus depoimentos, sobre sua condição cirúrgica e o seu cotidiano no após a histerectomia, sem interferência dos familiares pois foram em suas salas isoladas ou até em seu quarto de dormir. Nos encontros realizados, de forma amistosa e com as questões norteadoras, anteriormente descritas e feitas de forma aberta, em uma linguagem compreensível para as mulheres, intencionalmente deixei-as que falassem livremente do fenômeno vivenciado, cujo significado se encontra na própria experiência de vida. Ao terminar cada depoimento, este foi transcrito, ouvido, lido e relido tantas vezes se fizeram necessários, buscando a fidelidade à linguagem da mulher entrevistada, de forma a garantir o fiel pensamento e expressão dela. Também, nesse momento, estive utilizando meu “diário de campo” onde foram anotadas as expressões não-verbais durante o encontro, que Heidegger chama de comportamento, tendo em vista que este poderia ser um suporte para a análise compreensiva. A análise dos dados ocorreu concomitante à coleta dos depoimentos. Após a descrição do fenômeno vivido pelas entrevistadas, foram destacadas as significações constituindo-se então a compreensão vaga e mediana sendo este o primeiro momento metódico em Heidegger. Surgiu, assim, a compreensão do ser – fio condutor da compreensão interpretativa que é o segundo momento metódico desenvolvido sustentado no referencial metodológico. Os estudos de Camargo e Souza (2002), bem como de Pinheiro (2003, p.106), reportam a esses dois momentos como sendo o primeiro para explicitação do fato, onde o ente se mostra na maioria das vezes para todos, e, o segundo momento como o desvelar do ser ou fenômeno, no qual precisamos “construir o fato para trazê-lo à luz”. “ Quem não compreende um olhar, tão pouco compreenderá uma longa explicação” Mário Quintana V . ANÁLISE COMPREENSIVA 5.1 Os significados e as estruturas essenciais Para desenvolver esta etapa percorri um árduo caminho, rico de momentos singulares. De início, tive em alguns momentos, muitas dificuldades pelas minhas próprias inquietações e preconceitos. Foi necessário, em algumas ocasiões, um esforço de concentração para não me desviar do objetivo proposto no estudo, pois que a cada vez que lia os depoimentos das mulheres, percebia o quanto a entrevista fenomenológica, também denominada de encontro, foi peculiar. A dificuldade para desenvolver a análise e, na busca dos significados, encontrava explicações para os fatos, o que tornava difícil chegar ao contexto da compreensão. Nessa convivência com as mulheres depoentes, muitas vezes a minha própria condição de mulher, profissional, dona-de-casa, mãe e esposa, trazia à tona a minha existência humana de ser de possibilidades e com essa a condição eventual de ter que um dia submeter-me à histerectomia e de também ter o meu cotidiano modificado/alterado. Mas, encontrar-me com essas mulheres após a histerectomia, ouvi-las em seus depoimentos foi gratificante. Estar com elas em suas residências, conhecê-las em seu modo de ser, fez com que me aproximasse de uma outra realidade. Através de visitas domiciliares, pude identificar fatos sociais e econômicos, me aproximar do factual, bem como, da subjetividade à procura do vivido de cada uma. Tendo como objetivo fui “às coisa mesmas” para desvelar o fenômeno contemplado nos significados de quem o vivenciou. Para realização da etapa de campo tornou-se necessária uma aproximação, uma conversa empática para que as mulheres se expressassem com liberdade, com objetividade e subjetividade. Portanto, fui aos poucos me ambientando ao lar da depoente para ouvi-la. Por isso, a nossa conversa se iniciava com a conferência do registro dos dados fornecidos pela folha do SAME e depois eu introduzia as questões norteadoras da entrevista: Como tem sido este período após a histerectomia? Como está sendo o seu dia-a-dia? Como está se sentindo? Estas eram feitas de uma só vez e gravadas. Então, ela começava a falar de sua doença, do seu momento anterior à histerectomia e depois do seu momento atual. Nossa conversa era mais duradoura e enfática, no momento da gravação, as mulheres foram mais sucintas e pouco falavam. O fato de gravar não as deixava confortável. Após a transcrição de cada um dos depoimentos, iniciava-se o primeiro momento da análise compreensiva tratada como vaga e mediana, visto que esta medianidade aponta para o sentido que será desvelado na hermenêutica (HEIDEGGER, 1999). Neste movimento de análise compreensiva, precisei realizar várias leituras dos depoimentos e por diversas vezes acompanhadas de consulta ao diário de campo, para uma melhor aproximação ao “quem” das depoentes. Pois, segundo Heidegger (1999), o quem responde a partir de um mesmo, do “sujeito” do próprio. E, essas mulheres são ser-no-mundo e ser-com e, neste modo de ser, funda-se o modo cotidiano em que estão (HEIDEGGER, 1999). Contudo, no cotidiano, a pre-sença pode não ser ela mesma podendo perderse em si própria. Considerando Heidegger (1999, p. 39), ”no modo de assumir-se ou perder-se, a existência só se decide a partir de cada pré-sença em si mesma”. Mergulhei novamente na leitura dos depoimentos e, através destes, no primeiro registro dos significados expressos e apreendidos, reconhecendo que em Heidegger (1999, p.30), “toda procura retira do procurado sua direção prévia”. Tais significados apreendidos são os fatos que nos permitem alcançar posteriormente a compreensão mediana do ser, entendendo em Heidegger (1999, p.32), que “O procurado no questionamento do ser não é algo inteiramente desconhecido, embora seja, de início, algo completamente inapreensível”. Também pude apreender que somos entes, sendo ente tudo de que falamos, entendemos e como nos comportamos. Portanto, só depois de se apropriar dessa compreensão mediana, é que se pode chegar a um fio condutor para a hermenêutica; pois segundo Heidegger (1999, p.56), “apreender o ser dos entes e explicar o próprio ser é tarefa da ontologia”. Na análise da pre-sença o primeiro desafio é a questão do ser. Portanto, segundo Heidegger (1999, p. 44), “nem sempre se deve impor à pre-sença categorias delineadas”. por aquela idéia primeira. Para se conhecer esse Ser que é pre-sença é preciso voltar a considerar os depoimentos, pois é ali no conteúdo das entrevistas que estão os significados. Assim, compreendi que teria que reduzir os meus pressupostos, pois senão eu estaria aplicando uma idéia prévia, ou seja, uma categoria prévia, por mim colocada, que seria minha, como por exemplo: que no cotidiano da mulher após à histerectomia ela tenha dificuldades no relacionamento sexual. Esta era uma pressuposição inicial minha, calcada na tradição de que evidentemente, ela fez uma cirurgia abdominal na qual foi realizada a retirada do útero, que anatomicamente está ligado à vagina através do colo e que a relação sexual será uma atividade a ser postergada, a ser enfrentada. Evidentemente pressupõe-se que esta categoria deveria existir porque, HEIDEGGER (1999, p.49), “a tradição assim predominante tende a tornar tão pouco acessível o que ela ‘lega’ que, na maioria das vezes e em primeira aproximação, o encobre e esconde”. Ao reduzir este pressuposto que segundo Heidegger (1999, p. 44), “nem se deve impor a pre-sença categorias delineadas”, ou seja, a idéia que temos da dificuldade no relacionamento sexual em decorrência da histerectomia, pude considerar o vivido da mulher que foi histerectomizada e, através dos significados, compreender o cotidiano de sua situação após essa cirurgia em relação à sexualidade. A partir do ente e pensando acerca do ser, percebi como a mulher se mostrou em si mesma e por si. Pois segundo Heidegger (1999, p.77), “ é o ente que temos a tarefa de analisar”, considerando que este ente se comporta como seu ser. Mantive nas transcrições as expressões como foram ditas pelas mulheres, ou seja, como elas falaram e se expressaram com seus erros de linguagem, porque isto me reporta a elas, a quem são estas mulheres. Portanto é o modo em que eu as encontro, embora eu as tenha codificado num quadro, para a minha análise, o nome e falas que remetem a elas. A modalidade de acesso, então, mostra a pre-sença em sua cotidianidade mediana, tal como ela, Heidegger (1999), “é antes de tudo e na maioria das vezes”. Da cotidianidade expressa nas falas, nos depoimentos, procurei as estruturas essenciais e não as ocasionais. Uma dificuldade para o pesquisador nesta abordagem é, sem dúvida, registrar como desenvolveu a análise em sua pesquisa, ou seja, redigir seus passos, detalhando como é que se deu a distinção das estruturas e como as definiu. E, eu me proponho nessa etapa, baseada em Heidegger (1999), a expressar como isto foi feito, ou seja, como extrair dos depoimentos os significados referentes às estruturas essenciais deixando à parte as estruturas ocasionais ou acidentais. Por isso foi que ouvi tais depoimentos várias vezes para captar neles as falas que expressassem algo que no vivido, ela explicita como diretamente ligado a ter feito a histerectomia. É ela, a mulher que se submeteu a histerectomia, que faz esta significação e isto é o que é essencial. O que na fala parece não estar tão próximo à histerectomia, são questões ocasionais. Se são questões ocasionais/acidentais ou essenciais ainda é um pressuposto. Mas é a mulher que no seu vivido aponta o que é essencial. Portanto, só depois de atentamente ouvi-la, acompanhar uma mudança em seu corpo (postura), uma fala mais baixa, um gesto é que captamos sua expressão. Esta expressão, que nem sempre é oral, mas que é gestual, e portanto existencial, só é captada a cada vez que se lê os depoimentos, de cada uma das entrevistadas por várias vezes. Pude perceber, então, que as mulheres depoentes deste estudo, fizeram esse movimento quando a fala tinha uma ligação, um vivido forte ligado exatamente à histerectomia. A captação da expressividade do significado é mediada pela empatia, que marca o encontro entre o pesquisador e o sujeito pesquisado (CARVALHO, 1991). É mediante a empatia, quando se está aberta para ouvi-las, é que se apreende aquilo que foi mais significativo, e a própria mulher lhe faz esta indicação. Mas, caso esteja formalmente fazendo uma entrevista burocrática, nem olhando para ela, nem atenta a ela, não se consegue captar este movimento, pois não ocorrerá a mediação da empatia. Como eu busquei estar aberta para uma relação de empatia, durante a realização das entrevistas, desenvolvidas em seus lares, no seu ambiente do cotidiano, penso que foi possível captar esse movimento nas mulheres. Mesmo com a última entrevistada que optou pelo encontro em seu ambiente de trabalho, foi possível captar o seu movimento. Então, para Heidegger (1999), o que se está buscando como estrutura essencial tem que considerar o acidental e valorizar o que está ligado à significação. Heidegger (1999, p. 44), expõe que: “essenciais são as estruturas que se mantêm ontologicamente determinantes em todo modo de ser de fato da pre-sença”. Portanto, está na palavra “ontologicamente” a concepção que clareia o que não está na dimensão do fato, mas sim, na dimensão do fenômeno. A dimensão ôntica é factual e a ontológica é fenomenal. Em Heidegger, a pre-sença possui um primado múltiplo frente a todos os outros entes: o primeiro é um primado ôntico: a pre-sença é um ente determinado em seu ser pela existência. O segundo é um primado ontológico: com base em sua determinação da existência, a presença é em si mesma ontológica” (1999, p.40). Por isso, neste estudo, quando a mulher se expressa com esse conjunto de manifestações: na fala, na expressão do olhar, no movimento do corpo, no sorriso, numa ênfase (fala mais baixa ou mais alta), é que ela diz do seu todo. Então, algumas vezes ela fala e não tem essa expressão durante a entrevista e em outras é possível captar essa expressão que é dela, nesse ser dela que é singular, tendo ela a expressão do vivido do fenômeno do seu cotidiano após a histerectomia. Foi assim, que consegui captar, na singularidade de cada uma daquelas mulheres, as estruturas existenciais que podem ser determinantes e que emergem da distinção do ôntico e ontológico. Sendo assim, Heidegger (1999, p.34), coloca que: “O privilégio da questão do ser, porém, só se esclarecerá completamente se o questionamento definir, de modo suficiente, sua função, seu propósito e seus motivos”. E a respeito do ontológico que: “a essência da pré-sença está em sua existência” (1999, p.77). Pode-se, então seguindo o pensamento de Heidegger ( 1999, p. 79), entender que a pre-sença determina como o ente é e compreender o seu ser, pois segundo ele “este é o sentido formal da constituição existencial da présença”. E, então, para compreender a problemática do seu ser tem que se partir de sua existencialidade. Pois, segundo Heidegger (1999, p.79), “o que, onticamente, é conhecido e constitui o mais próximo, é, ontologicamente, o mais distante”. Portanto penso que, segundo Heidegger (1999), a expressão ôntico se refere a todos os seres humanos e ontológico, ao ser do humano. A seguir trago o depoimento da entrevista número 12, ou seja, E12 para ilustrar o desenvolvimento do meu pensar. Realizei a transcrição de todos os depoimentos, sem fazer parágrafos, pois não apreendi nas falas das mulheres algo que pontuasse os discursos. Entrevista 12 - 20/02/06 Fiz uma cirurgia pra tirá um cisto no ovário, mas depois de 3 meses já comecei a sentir sintomas de dores, sangramento. Aí, depois, comecei a fazê tratamento com injeção na barriga, mas nada disso parava de vim minha menstruação. Todo dia vinha, pouco, mas vinha. Comecei a faze tratamento na clínica, os médicos olhavam e tudo. Fiz exames que constatou um cisto novamente e já grande, e já com outros... que aparecendo lá na ultra-som. Comecei a fazê tratamento pra podê vê se melhorava a dor, nada tava melhorando. Eu tomava medicamento e nada passava a dor. Eu aí, voltava lá e tudo. Aí, que eles viram que eu tinha que sofrê cirurgia novamente. Aí eu falei: de novo! No mesmo lugar? Eu num tava acreditando, eu ainda falei com a dotora na hora: Puxa vida, novamente! E ela falo: É, novamente, vamos ter que fazer nova cirurgia, por que voltou o seu problema. Mas por que não tiraram o útero naquela época se já tinha constatado a endometriose, devido ao exame que caro já tinha feito, né, exame que faz quando a gente opera, que leva para Belo Horizonte e tinha dado endometriose. Qué dizê que continuá tendo a menstruação, por que mesmo depois de operação só dava isso. E começou novamente aquela agonia de fazê exame e tudo, e se preparando para a cirurgia. Foi aí que acabo teno que fazê mesmo a cirurgia, preparo e tudo, sendo que fez e não tirou tudo, tirou o útero, mas ficou o colo do útero, porque no momento não pôde ser retirado devido à endometriose que adere, né, que cola nos órgão e a dotôra na época falô que acho melhor não tirar o colo, porque ele estava colado na bexiga, porque naquele momento se ele fôsse tirado podia ofendê a bexiga e então dá problema na bexiga. Então a dotôra veio conversá comigo... e que foi muito bem a cirurgia, só que não tirô tudo não e que eu fiquei com o colo do útero. Aí eu falei: Pôxa, ainda fiquei com o colo? (risos). Fiquei até um pouco desanimada de novo, pois puxa-vida, aí ela pegou e disse: Fica tranqüila, pois o que tinha que sê feito foi feito, não adianta você achá que tinha que tirá, você não podia. Fui pro quarto e foi tudo bem. Voltei, por que no caso, eu já tinha passado por anestesia geral e agora foi peri-dural, eu se senti melhor. Fui muito bem acolhida, não tenho nada a reclamar das enfermeiras e só a elogiá, por que o atendimento que eu tive, melhor não podia ser. A gente até aprende, acaba aprendendo com as estudantes. Fiz tudo que me mandaram direitinho, aí eu vimbora pra casa. É claro que a gente fica um pouco desanimada, puxa-vida, será que ainda vô tê que passá por isso novamente, mas aí continuo sentindo dor, é claro que dor a gente sente, que vai melhorando a cada dia que passa, mas aí tem que cicatrizá. Fico purgando e tal, mas no dia de í lá pra olha, na minha primeira consulta, aí a dotora... que era pra passá uma pomada, para solucioná e aí melhorou. Depois, já fui lá umas duas vezes e estou com uma vida normal. Na lida. Só que de dois meses pra cá, estou com problema de pressão que está alterando, minhas perna inchano e a minha barriga as vezes parece com um... tipo contração... muitas câimbra na barriga, mas estou indo ao médico, tomando remédio e tudo, clínico geral aqui do Posto de Saúde. Mas eu tenho que fazê retorno pra averiguá. Quando eu cheguei em casa num dava pra fazê nada. Mamãe que fazia comida pra mim, as meninas arrumava a casa e a roupa o marido ajudava. E foi tipo assim, eu fui devagarzinho voltando a fazê as coisas, como de fato é difícil né. Por que é como um resguardo, como que ganha uma criança, não dá mesmo, a gente sente dores e não que também fazê esforço, eu sei que não é a mesma coisa. Que a gente depois que opera não pode carregá peso mais. Tem que evitar muita coisa, por que por fora é uma coisa, mas por dentro tá cicatrizando. O relacionamento com o marido é normal, normal, vida normal não tem nada a reclamar. Sexo normal, não tem nada diferente, é tudo normal... relação sexual tranqüilo, tudo normal. Ele tava doido pra cirurgia, devido ao meu sofrimento, de vê tanta dor e sangramento. Entrevista 12 – 20/02/06 Fiz uma cirurgia pra tirá um cisto no ovário, mas depois de 3 meses já comecei a sentir sintomas de dores, sangramento1. Aí, depois, comecei a fazê tratamento com injeção na barriga, mas nada disso parava de vim minha 2menstruação. Todo dia vinha, pouco, mas vinha. Comecei a faze tratamento na clínica, os médicos olhavam e tudo. Fiz exames que constatou um cisto novamente e já grande, e já com outros... que aparecendo lá na ultra-som. Comecei a fazê tratamento pra podê vê se melhorava a dor, nada tava melhorando. Eu tomava medicamento e nada passava a dor. Eu aí, voltava lá e tudo. Aí, que eles viram que eu tinha que sofrê cirurgia novamente.2 Aí eu falei: de novo! No mesmo lugar? Eu num tava acreditando, eu ainda falei com a dotora na hora: Puxa vida, novamente! E ela falo: É, novamente, vamos ter que fazer nova cirurgia, por que voltou o seu problema. Mas por que não tiraram o útero naquela época se já tinha constatado a endometriose, devido ao exame que caro já tinha feito, né, exame que faz quando a gente opera, que leva para Belo Horizonte e tinha dado endometriose. Qué dizê que continuá tendo a menstruação, por que mesmo depois de operação só dava isso. E começou 1 Sublinhado em azul estão os significados que posteriormente constituíram a US nº 1 novamente aquela agonia de fazê exame e tudo, e se preparando para a cirurgia. Foi aí que acabo teno que fazê mesmo a cirurgia, preparo e tudo, sendo que fez e não tirou tudo, tirou o útero, mas ficou o colo do útero, porque no momento não pôde ser retirado devido à endometriose que adere, né, que cola nos órgão e a dotôra na época falô que acho melhor não tirar o colo, porque ele estava colado na bexiga, porque naquele momento se ele fôsse tirado podia ofendê a bexiga e então dá problema na bexiga. Então a dotôra veio conversá comigo... e que foi muito bem a cirurgia, só que não tirô tudo não e que eu fiquei com o colo do útero. Aí eu falei: Pôxa, ainda fiquei com o colo? (risos). Fiquei até um pouco desanimada de novo, pois puxa-vida, aí ela pegou e disse: Fica tranqüila, pois o que tinha que sê feito foi feito, não adianta você achá que tinha que tirá, você não podia. Fui pro quarto e foi tudo bem. Voltei, por que no caso, eu já tinha passado por anestesia geral e agora foi peri-dural, eu se senti melhor. Fui muito bem acolhida, não tenho nada a reclamar das enfermeiras e só a elogiá, por que o atendimento que eu tive, melhor não podia ser. A gente até aprende, acaba aprendendo com as estudantes. Fiz tudo que me mandaram direitinho, aí eu vimbora pra casa. É claro que a gente fica um pouco desanimada, puxa-vida, será que ainda vô tê que passá por isso novamente, mas aí continuo sentindo dor, é claro que dor a gente sente, que vai melhorando a cada dia que passa, mas aí tem que cicatrizá.1 Ficô purgando e tal, mas no dia de í lá pra olhá, na minha primeira consulta, aí a dotora... que era pra passá uma pomada, para solucioná e aí melhorou. Depois, já fui lá umas duas vezes3 e estou com uma vida normal. 1 Na lida. Só que de dois meses pra cá, estou com problema de pressão que está alterando, minhas perna inchano e a minha barriga as vezes parece com um... tipo contração... muitas câimbra na barriga, mas estou indo ao médico, tomando remédio e tudo, clínico geral aqui do Posto de Saúde. Mas eu tenho que fazê retorno pra averiguá. Quando eu cheguei em casa num dava pra fazê nada. Mamãe que fazia comida pra mim, as meninas arrumava a casa e a roupa o marido ajudava. 4 E foi tipo assim, eu fui devagarzinho voltando a fazê as coisas, como de fato é difícil né. Por que é como um resguardo, como que ganha uma criança, não dá mesmo, a gente sente dores e não que também fazê esforço, eu sei que não é a mesma coisa. 5 Que a gente depois que opera não pode carregá peso mais. Tem que evitar muita coisa, por que por fora é uma coisa, mas por dentro 2 Sublinhado em rosa estão os significados que posteriormente constituíram a US nº 2 tá cicatrizando. O relacionamento com o marido é normal, normal, vida normal não tem nada a reclamar. Sexo normal, não tem nada diferente, é tudo normal... relação sexual tranqüilo, tudo normal. 6 Ele tava doido pra cirurgia, devido ao meu sofrimento, de vê tanta dor e sangramento. 3 Sublinhado em verde estão os significados que posteriormente constituíram a US nº 3 Sublinhado em vermelho estão os significados que posteriormente constituíram a US nº 4 5 Sublinhado em amarelo estão os significados que posteriormente constituíram a US nº 5 4 6 Sublinhado em cinza estão os significados que posteriormente constituíram a US nº 6 Optei por trazer este depoimento como exemplo, porque ele mostra como foi a primeira compreensão dos significados expressos pelas depoentes e por ele contemplar a maioria das estruturas essenciais em relação às Unidades de Significação. Estas, sobre a forma definitiva de análise estão apresentadas com suas ilustrações nas próximas páginas. Continuando o movimento de análise, em seu primeiro momento metódico que é o da compreensão vaga e mediana, foi elaborada a seguinte relação na qual como exemplo mantenho a distribuição cromática. Fio Condutor primeiro - A situação vivida antes da cirurgia relacionada às diferentes ginecopatias é lembrada, e, comparada com a situação atual é expressa como normalidade. - Nas primeiras semanas de pós-operatório houve necessidade de ajuda de familiar, vizinho, amigos e outros - Os afazeres domésticos e compromissos de trabalho só foram retomados após um certo tempo. - Há relatos de idas e vindas ao ambulatório ou a instituição por intercorrências ou complicações de pós-operatório além da necessidade de repouso. - A atividade sexual foi retomada por algumas de maneira melhor, para outras normal e para algumas não foi possível - As queixas biológicas do período anterior trouxeram a aceitação da indicação da cirurgia como solução do problema. Posteriormente, esta relação foi acrescida de significados oriundos do conteúdo de outras entrevistas de modo a constituir Fio Condutor segundo 1 - A situação vivida antes da cirurgia relacionada às diferentes ginecopatias é lembrada e comparada com a situação atual e expressa como normalidade; 2 - Nas primeiras semanas de pós-operatório houve necessidade de ajuda de familiares, vizinhos, amigos e outros; 3 - Os afazeres domésticos e compromissos de trabalho só foram retomados após um certo tempo; 4 - Há relatos de idas e vindas ao ambulatório ou a instituição por intercorrencias e complicações de pós-operatório além da necessidade de repouso; 5 - A atividade sexual foi retomada por algumas de forma melhor ,para outras normal e para algumas não foi possível em decorrência da cirurgia; 6 - As queixas biológicas do período anterior a cirurgia trouxeram para a mulher a aceitação da indicação cirúrgica como solução do problema; 7- Algumas se sentem bem, tudo bem e tudo normal e outras estão insatisfeitas e têm queixas; 8 - Aceitação da sua situação atual mediante a expressão de normalidade ou redução do risco de vida 9 - Não houve um planejamento que desse conta da necessidade de ajuda após a alta hospitalar 10 - No cotidiano valorizam o cuidado de si expresso pela rotina do exame preventivo ginecológico e do controle do pós-operatório. Entendo que fiz, dessa forma, uma descrição do movimento de análise nem sempre presente em outros estudos de enfermagem, na abordagem fenomenológica. Considero que essa descrição pode melhor explicitar com se dá a apreensão das expressões dessas mulheres em seu vivido após a histerectomia. Trouxe esse detalhamento do meu movimento de compreensão para explicar como desenvolvi esta etapa. Então, voltando ao exemplo do depoimento da E12, o que eu pensava antes sobre o retorno à atividade sexual, após à histerectomia, de que seria uma dificuldade, era pressuposto. Na análise, esse pressuposto se reduziu para dar espaço à emergência dos significados que podem apontar a questão do ser pela essência. O que ficou como estrutura essencial não é a dificuldade da relação sexual porque se submeteu à histerectomia, porque mexeu no colo do útero, porque a ciência diz que tem que ficar dias em abstinência sexual, mas sim, no vivido delas, foi o retorno ao cotidiano da atividade sexual. E, naquele depoimento da E12 a mulher expressa: “não tem nada diferente”. Inclusive, revendo as Unidades de Significação destaco que quase a totalidade das depoentes está ilustrando com seus significados a questão da relação sexual. Tornou-se necessário reler várias vezes os depoimentos para captar as estruturas essenciais, sublinhando os significados relativos à histerectomia. Desse modo fui me aproximando da dimensão existencial, o ser ontologicamente pela pre- sença. Ainda, encontrei respaldo em Heidegger (1999, p. 56), “apreender o ser dos entes e explicar o próprio ser é tarefa da ontologia”. Então, nesse movimento consegui apreender o ser do ente porque fui às estruturas essenciais, que são aquelas que se mantêm ontologicamente determinantes. No exemplo mostro as estruturas essenciais em cores e as demais, foram compreendidas como ocasionais. 5. 2 Compreensão vaga e mediana – 1º momento metódico Creio que ficou explicitado como foram estruturadas as Unidades de Significação a partir da redução dos pressupostos, de como trabalhei os depoimentos e de como melhorei o foco da compreensão dos significados para distinguir estruturas essenciais de estruturas ocasionais/acidentais. Portanto, através dos depoimentos, pude destacar as estruturas significativas e agrupá-las em Unidades de Significação. Estas são as expressões do que captei como significação das mulheres acerca do seu cotidiano após a histerectomia. A seguir, as Unidades de Significação, apresentadas com as ilustrações que as constituíram. 5.2.1 Unidades de Significação Os problemas que determinaram a cirurgia são relembrados Eu já tava em casa, já tava com o útero pra fora, já pra saí na vagina. E4 Eu operei porque tinha muito sangramento, depois da última cesariana e a ligadura. Fiquei até com anemia. Cheguei até a usar fralda de tanto sangrá.... foi muito bom a cirurgia, digo até que foi ótimo. Não tenho mais o desconforto do sangue. Daquele cheiro ruim de mulher e de sangue. E5 Eu já tinha esse sangramento. Ficava de dez a quinze dias com muito sangramento. Usava DIU e não era ligada. E resultado... eu, quando eu me vi nessa situação, eu não tinha como, quando fiz consulta, minha barriga... Mas, assim, tô me sentindo bem é uma coisa que o conforto que sinto, que aquele cheiro normalmente a mulher tem nesta parte, diminuiu muito, e não sei se esse cheiro eu tinha por causa do sangramento e tudo, que até pra fazê higiene ficava mais difícil. E6 Foi necessário fazer a cirurgia. Eu tive necessidade porque eu corria risco de vida. E7 Fiz a cirurgia porque tinha endometriose e sentia muita dor, vinte dias do mês eu sentia muita dor, era uma dor que não sabia o que era não sentir dor, doía de mais. E9 No posto a médica falou que tinha que operar, discuti com ela porque fiquei nervosa, mas acabei aceitando a operação. Ela falou que tinha uma escamação e ia tirar só três centímetros. E10 Fui fazê a cirurgia por que deu problema no útero, e se eu não me cuidasse..., sangrando muito. E11 Fiz uma cirurgia pra tirá um cisto no ovário, mas depois de 3 meses já comecei a sentir sintomas de dores, sangramento. Aí, depois, comecei a fazê tratamento com injeção na barriga, mas nada disso parava de vim minha menstruação. Todo dia vinha, pouco, mas vinha. E12 Operei por que minha barriga, assim... tinha quase uns oito quilos, que eu tinha esse mioma e aí nada dos médicos preocupá em me operá, aí depois o Dr (...) falou que a senhora não tem condições de ficar com este mioma. E13 Eu sentia mal, por que isso me incomodava, sabe, por que até minha bexiga saía pra fora, por isso procurei a doutora.... E14 Eu fiquei sabendo que precisava fazê uma cirurgia ... Eu tinha uma animia e eu tinha sangramentos, aí descobri que estava com o bendito do mioma e depois eu tive trombose, entendeu?. E15 Foi bem assim complicado, por que eu nem sabia que ia fazê a histerectomia. Eu sentí uma dor... assim...na barriga, bem intensa. E16 Desde nova eu sentia muito sofrimento com a menstruação, era prolongada e aí depois descobriram o mioma, mesmo antes eu sentia muitas cólicas, dexava de trabalhar de tanta dor. E17 Eu operei por necessidade mesmo, por que eu tava sentindo muita dor, né, fiz vários exames e o médico falô que eu tinha que operá. Fiz vários tratamentos, tomei vários remédios. Pois aí não deu certo. Eu sentia muita dor, não podia sentá. E18 Eu não tava me sentindo muito bem, aí eu fui na ginecologista que me encaminhô pra cirurgia no Hospital Escola, fui pra lá. E19 Fui operá por que o útero saía pra fora. Foi tudo muito de repente, coisa de umas semanas. Saía e eu tentava com a mão empurra ele pra dentro. Daí... eu não conseguia mais. E20 Em 1990 eu tirei um cisto no ovário. Fiquei fazeno tratamento até 2000. ele cresceu novamente (risos), eu tinha problema de intestino que só funcionava com remédio. Daí foi crescendo a barriga. Eu fiz uma laparoscopia com o Dr... você conheceu ele? Já até morreu! Passei a tratá com o DR... que disse que eu tinha que tirá o útero, pois ele tinha muita aderência e eu trabalhando só sentada, num ia melhorá nunca. Decidi pela operação, pois era muita dor e desconforto na barriga. E21 Eu operei por que perdia muito sangue, saía aqueles pedaços de sangue, aí eu peguei e fui no Pronto Socorro e aí deu anemia baixíssima. E22 Descobri em 1993 a endometriose. Em maio operei para tirar cisto de ovário e aí quando abriu já viu que tava com aderência. Aí para não perfurar o intestino tirou só o ovário esquerdo. Continuou a dor e o sangramento. Continuei com tratamento, tomando injeção e mudei umas cinco vezes de anticoncepcional. Foi tentando pra vê se segurava, mas nada adiantava. Nada valia. Foi aí que ele disse que tinha que tirar o útero. E23 Eu cumeçei a apresentá o útero pra fora, assim quando ia butá roupa no varal eu sintia que ele tava saino. Pensava que era a bixiga, pois dia muito pra mijá. Demorei a prucurá recurso, mais né, fui na dotora que falô do meu engano e disse que tinha que operá. E24 Com a situação da Ana Maria Braga, na televisão, resolvi também me cuidar, pois já vinha sangrando muito durante os dias de menstruação. Era aqueles pedaços de sangue, coágulos enormes, que chegava a sujar minha roupa. Nos últimos 2 meses antes de operar eu já nem vinha trabalhar de tanta dor e sangue. E25 A decisão do tratamento é/foi do médico ...já tava com o útero pra fora, já pra saí na vagina. Depois da consulta arrumei tudo pra internamento, ele falou da internação, fui, esperei a chamada deles, eles me chamaram. Eu peguei fui e internei. E1 Eu operei porque tinha muito sangramento, depois da última cesariana e a ligadura. Fiquei até com anemia. Cheguei até a usar fralda de tanto sangrar. Tive que esperá acabá a grave na Universidade e ter vaga e sê chamada. Fiquei internada três dias.E5 Eu já tinha esse sangramento. Ficava de dez a quinze dias com muito sangramento. Usava DIU e não era ligada. E resultado... eu, quando eu me vi nessa situação, eu não tinha como, quando fiz consulta, minha barriga tinha crescido muito, tinha pessoas que achavam até que eu estava grávida, né. Por que é... por causa do tamanho do útero, que eu tinha que fazê esta cirurgia, então pensei... meu Deus, eu tenho que resolver isto logo, tirar isso de uma vez, que bem não está me fazendo. E está me fazendo mal. E6 Eu tive necessidade porque eu corria risco de vida. Então o médico disse pra mim: “ Já que a Senhora tem essa idade e não vai criar mais, no caso da Senhora é aconselhável que a Senhora tire o útero.” E eu concordei com ele. Eu tinha uma lesão no útero, sabe e não tinha como... a condição do meu caso, ele disse que era melho que tirasse, se eu concordava em tirá. Aí eu falei com ele se era para o meu bem, concordo. E7 ...porque tinha endometriose e sentia muita dor, vinte dias do mês eu sentia muita dor, era uma dor que não sabia o que era não sentir dor, doía de mais. Fui tratando e o medicamento não estava respondendo. Eu tratei três anos e não vi melhora nenhum. E9 No posto a médica falou que tinha que operar, discuti com ela porque fiquei nervosa, mas acabei aceitando a operação. Ela falou que tinha uma escamação e ia tirar só três centímetros, mas no Palácio da Saúde, outra médica examinou e falou a mesma coisa”. E10 Fui fazê a cirurgia por que deu problema no útero, e se eu não me cuidasse... ainda mais que sou portadora de HIV, sangrando muito. Internei. Operei. Tiraro o útero. E11 Fiz uma cirurgia pra tirá um cisto no ovário, mas depois de 3 meses já comecei a sentir sintomas de dores, sangramento. Aí, que eles viram que eu tinha que sofrê cirurgia novamente. E12 Operei por que minha barriga, assim... tinha quase uns oito quilos, que eu tinha esse mioma e aí nada dos médicos preocupá em me operá, aí depois o Dr (...) falou que a senhora não tem condições de ficar com este mioma. E13 ...procurei a doutora e ela falou: “você tem que fazer a cirurgia, por que isso aí não vai adianta trata nem nada. Tem que fazê a cirurgia.” Aí foi aonde eu internei lá. E14 Eu fiquei sabendo que precisava fazê uma cirurgia, certo. Sabe... muita burocracia tamem, né. Lá no Hospital, não na minha vida... Eu tinha uma animia e eu tinha sangramentos, aí descobri que estava com o bendito do mioma, entendeu? E15 Foi bem assim complicado, por que eu nem sabia que ia fazê a histerectomia. Eu sentí uma dor... assim... na barriga, bem intensa... Comecei a fica muito fraca, a tê tonteira e ... pediu internamento com urgência, e ele viu que eu até podia morrer de choque, entrar em estado de choque e falecer, aí ele mando í correndo e interna...e fazê a cirurgia que tevê que sê urgente. E16 Desde nova eu sentia muito sofrimento com a menstruação, era prolongada e aí depois descobriram o mioma, mesmo antes eu sentia muitas cólicas. E17 Eu operei por necessidade mesmo, por que eu tava sentindo muita dor, né, fiz vários exames e o médico falô que eu tinha que operá. Fiz vários tratamentos, tomei vários remédios. Pois aí não deu certo. Eu sentia muita dor, não podia senta. E18 Eu não tava me sentindo muito bem, aí eu fui na ginecologista que me encaminhô pra cirurgia. E19 Fui operá por que o útero saía pra fora. Foi tudo muito de repente, coisa de umas semanas. Saía e eu tentava com a mão empurra ele pra dentro. Daí... eu não conseguia mais. E20 Em 1990 eu tirei um cisto no ovário. Fiquei fazeno tratamento até 2000. ele cresceu novamente (risos), eu tinha problema de intestino que só funcionava com remédio. Daí foi crescendo a barriga. Eu fiz uma laparoscopia com o Dr... você conheceu ele? Já até morreu! Passei a tratá com o Dr... que disse que eu tinha que tirá o útero, pois ele tinha muita aderência e eu trabalhando só sentada, num ia melhorá nunca. Decidi pela operação, pois era muita dor e desconforto na barriga. E21 Eu operei por que perdia muito sangue, saía aqueles pedaços de sangue, aí eu peguei e fui no Pronto Socorro e aí deu anemia baixíssima. Aí que aconteceu... me mandaram pro Hospital escola e aí falaram que eu tinha que fazê a cirurgia. Me atenderam rápido, mais tive que esperá a greve acaba. E22 Descobri em 1993 a endometriose. Em maio operei para tirar cisto de ovário e aí quando abriu já viu que tava com aderência. Aí para não perfurar o intestino tirou só o ovário esquerdo. Continuou a dor e o sangramento. Continuei com tratamento, tomando injeção e mudei umas cinco vezes de anticoncepcional. Foi tentando pra vê se segurava, mas nada adiantava. Nada valia. Foi aí que ele disse que tinha que tirar o útero. E23 Eu cumeçei a apresentá o útero pra fora, assim quando ia butá roupa no varal eu sintia que ele tava saino. Pensava que era a bixiga, pois dia muito pra mijá. Demorei a prucurá recurso, mais né, fui na dotora que falô do meu engano e disse que tinha que operá. E24 Com a situação da Ana Maria Braga, na televisão, resolvi também me cuidar, pois já vinha sangrando muito durante os dias de menstruação. Era aqueles pedaços de sangue, coágulos enormes, que chegava a sujar minha roupa. Nos últimos 2 meses antes de operar eu já nem vinha trabalhar de tanta dor e sangue. Procurei o Instituto da Mulher, por que não queria olhar isso aqui, sabe, local de trabalho, podia não ser bem compreendida... Mas fui encaminhada praa qui mesmo. E25 A rotina do acompanhamento de saúde é obedecida ...fui na médica do climatério a pouco tempo, fui na consulta aí perguntei sobre o calor da menopausa, tudo isso. E1 ...quando fui fazê o preventivo falou que não vai ter jeito deu tê contato, que se eu quisé vou ter que fazê nova operação. Mas... agora arriscar minha vida outra vez. E4 Ainda não fiz o preventivo, mas agora é que ta na ocasião, vou procurar o HU mesmo pra fazê lá. Vou me cuidar, toda mulher precisa de se cuidar. E6 ...ainda vou de 6 em 6 meses lá, né, por que a gente fica no controle e essa semana passada mesmo eu tive no HU pra fazê o controle ... por que nós mulheres devemos nos cuida, né, pode dar problemas mais tarde. E7 Voltei no hospital, fiz acompanhamento de pós-operatório e continuo fazendo acompanhamento. Tenho que marcar outro controle por esses dias. Minha saúde vem complicando. E11 Depois, já fui lá umas duas vezes e estou com uma vida normal. Na lida. Só que de dois meses pra cá, estou com problema de pressão que está alterando ... muitas câimbra na barriga, mas estou indo ao médico... Mas eu tenho que fazê retorno pra averiguá. E12 Já voltei pra fazê controle e coisa e tal, mas aí eu não sentia dor. Estava tudo bem, só me recomendaram fazê um preventivo. E15 ...então depois da pressão que meus pais fizeram comigo aí que peguei e resolvi trata. E17 Volta no médico porque minha barriga incha um pouco e tem 7 ou 8 meses que eu operei e quero saber se é normal, por que nunca fiz casaria, entendeu? E18 Da cirurgia tô bem é só a pressão que as veis sobe quando choro e uma tontura que diz que é labirinnnnnn, como é que fala? Labirintite. Mas tô cuidano disso, pois Deus não me levô ante dele. E24 Houve necessidade de ajuda no domicílio Vim pra casa e minha mãe ficou comigo, daí fiz repouso durante um mês. E5 ... minha irmã ficou comigo na primeira semana... e uma amiga veio e me ajudou muito. E6 ...tenho um filho que mora comigo e ele me ajudou muito, sabe... por que eu dependia de alguém pra me ajudar. E também várias pessoas que vinha aqui tudo se prontificava a fazê as coisas. E7 ..fui para a casa de minha filha... Depois fui praquela casa, que devido à construção em cima, até o pedreiro me ajudava. E8 Operei e vim pra casa. Foi bem, meu marido estava de férias na época, meus filhos já são grandes, tenho uma moça de quinze anos e um rapaz de vinte e um, cada um colaborou como pôde. E9 Meu menino mais novo, o ..., cozinhava e a ..., minha nora, lavava a roupa. Depois eu chamei a faxineira uma vez, um dia só e falei que não precisava mais não. E10 Minha mãe, que mora na frente, foi que me ajudou um pouco. Minha mãe que me dava comida e tudo... eu ficava aqui e minha menina de dez anos que também fazia... me ajudava um pouco.E11 Quando eu cheguei em casa num dava pra fazê nada. Mamãe que fazia comida pra mim, as meninas arrumava a casa e a roupa o marido ajudava. E12 Minha irmã que mora comigo fazia tudo .E14 ...todo mundo ajudô bastante, meu marido e minhas filhas. Eu tenho duas filhas que foram muito compreensivas, coperativas. Aqui em casa todo mundo colaborou bastante, meu marido principalmente que lavava a roupa, arrumava a casa e fazia o almoço, por que as filhas trabalham e estudam. E15 Fui direto pra casa quando saí do hospital, onde eu morava. Quem me ajudou foi ele( marido), por que minha mãe ficou muito nervosa... ele que me ajudava. As crianças também. E16 ...depois da cirurgia eu fiquei com meus pais aqui em casa, né,. E17 Cheguei em casa e minha filha que hoje tem 18 anos me ajudo bastante e, também minha sogra que mora aqui em cima tamem que ajudou e também toda a família, mesmo tudo em família... Então foi a família do meu marido, minha cunhada e minha sogra. Todo mundo cooperou um pouquinh. . E19 Não fiquei sozinha por que minha neta ficava lá comigo e minha nora fazia as coisas pra mim.. E20 Saí do hospital e vim aqui para casa. minha mãe cuidou de mim com muito carinho. Fui tratada que nem uma princesinha, não fazia nada.. E21 ... repouso e meu marido faz tudo. Ele me ajuda muito. E22 Cheguei em casa e nos primeiros dias nem comida eu fazia. Minha vizinha é que fazia tudo pra mim. Fiquei bem quietinh.. E23 Saí de lá, do hospital, vim aqui pra casa mermo. Minha filha pagô uma moça, daqui de perto mermo pra ficá aqui .E24 Saí, fui pra casa. Nos 2 primeiros dias minha mãe cozinhou e depois fui ensinando minha filha de 24 anos a fazer a comida. A roupa eu contratei uma lavadeira. E25 O retorno às atividades do lar e de trabalho foi gradativo Fiquei de repouso.... No meu dia a dia como dona de casa eu faço tudo tranqüila, não sinto nada, sem problema algum. E1 ... mas claro que eu fiquei em cima de uma cama de repouso, né. Aí com menos de um mês eu já estava andando normal, só fazendo o serviço de casa, porque serviço mais pesado o médico falou que não era pra fazer. E depois o tempo foi passando...Eu já tava doida pra voltar a trabalhar. Antes de vencer o tempo que o médico deu eu já estava doida pra volta. E2 Começei a levar uma vida normal, fazendo o serviço da casa bem devagarinho e voltei a trabalhar depois de dois mese. E5 Voltei a trabalha com quarenta dias, necessidade, né. Mas sem problema, tenho elevador no prédio, o escritório é aqui em frente e também tem elevador. E6 Não pode fazê as coisas logo, por que pede pra fazê repouso. Acho que mais de mês, a gente fica sem fazê o serviço de casa, mas com a graça de Deus eu consegui passar esse pós-operatório. Voltei a vida normal. E7 Fiquei dez dias de repouso. Fazia alguma coisa, lavava vasilhas pra ela, mas... varrer e lavar não. Segui vida normal, nunca pare. E8. Fiquei recuperando e com um mês já tava bem. E com três meses eu já tava fazendo tudo. Sem problem. E9 ... Pois o doutor... falou que eu não podia pegar no pesado, o mais a gente pode, anda pra não fica muito parada. E10 E foi tipo assim, eu fui devagarzinho voltando a fazê as coisas, como de fato é difícil né. Por que é como um resguardo, como que ganha uma criança, não dá mesmo, a gente sente dores e não qué também fazê esforço, eu sei que não é a mesma coisa. E12 Minha filha ia trabalhá e eu ficava fazeno o que agüentava... até dá conta de tudo. E13 Aí eu fiquei de repouso, que o médico mandô fica uns quarenta dias, não podia pega peso nenhum, fazê exercício de varrê casa e num podia fazê nada disso, então... eu fiz mesmo. Minha irmã que mora comigo fazia tudo. Fiquei de repozo.... Comecei a faze di tudo.E14 Então devido eu tê que subi e desce minha irmã ficou aqui uns três meses, sabe, por que ficou difícil e eu não podia abusar também. Mas agora eu já tô fazeno de tudo. E15 Eu levantava e fazia o almoço. Lavava o arroz e sentava. Ia fazendo as coisas bem devagar e aos poucos e sentava. A roupa eu dei pra uma moça vizinha lavar e foi assim, quando tinha que resolver as coisas na rua eu ia andando bem devagar, mas ia. Parava um pouco e depois andava. E16 ... depois da cirurgia eu fiquei com meus pais aqui em casa, né, eles me cuidano, só que eu tava procurando emprego no Rio... eu tava afim de ir pra lá. Mas então eu fiquei aqui alguns dias.E17 Aí foi aquela murrinha, fiquei com medo, a gente fica um pouco enjoada. Mas, depois de três primeiros dias comecei a fazê arte. Sabe, foi recomendado não subi escada, mas você sabe, minha casa tem escada. A mulher depois que faz a cirurgia quer limpar a casa, quer fazer um monte de coisas, e, faz isso e aquilo, e eu já queria fazê tudo de uma vez e que eu não podia fazê. Aí trabalhá fora eu voltei 2 meses .E18 Alguma coisinha mais leve logo eu comecei a fazer, pegava ia fazeno, agora varrer e passar pano estas coisas mais pesadas meu marido fazia. Até porque ele sempre me ajudo muito. Mas agora já ta tudo bem, faço tudo.E19 Não cheguei a ficá muito deitada. Fiquei mais era sentada e levantava um pouquinho, as moças lá falarum pra num ficá só deitada senão dava num sei o quê! Depois comecei a faze as coisas devagarinho. Ia fazeno. E20 Também com a mamãe me paparicando não era pra fazê nada mesmo. Voltei pra trabalho depois de 3 meses de licença e tudo bem.E21 Fiquei de repouso e meu marido faz tudo.Só não lava a roupa, pois é máquina que lava. Voltei a trabalhá depois de 3 meses. E22 Cheguei em casa e nos primeiros dias nem comida eu fazia. Fiquei bem quietinha. Depois comecei aos poucos a fazê as coisa. Até 2 meses eu não varria a casa. Fiz tudo direitinho até interá 3 meses. Depois fui aos poucos e voltei a trabalhar. E23 De pouqinho e pouquinho fui melhorano e já fui logo cuzinhano e fazeno uma coisinha aqui e ali, daí cheguei a fazê de tudo. Mais eu fiz o resgardo dereitinho, sabe. E24 Depois de uma semana voltei a dormir no meu quarto, por que ele fica em cima e eu evitei subir as escadas logo no princípio... Fiquei de repouso como recomendado e voltei a trabalhar aqui depois de 4 meses . E25 Ocorreram probleminhas que determinaram idas e vindas ao hospital ...depois de uns dias tive infecção urinária, fui lá de novo, tomei remédio e aí melhorou, ele deu alta. E1 “uns... cinco dias que eu estava em casa sangrou minha cirurgia, tive que voltar para o hospital. E2 ...falei pra ele que meu marido forçou e num deu. E4 Eu tive um probleminha com alguns pontos na parte mais baixa, que abriu e daí tive que voltar lá no hospital. E6 Lá, mexeu nos meus pontos e não conseguiu tirá, aí deu problema. Deu um... como se diz... começou fica... deu um probleminha, aí eu voltei no HU. E7 ...cheguei em casa e aí começou a dá um negócio aqui. E então me explicaram que operação tem que respirá, aí começou a dá sangramento, aí eu fui lá e o médico falou que era assim mesmo, que eu não precisava ficá preocupada não. E10 Eu ainda sinto dor, continuo sentindo dor. Voltei no hospital, fiz acompanhamento de pós-operatório e continuo fazendo acompanhamento. E11 ...mas aí continuo sentindo dor, é claro que dor a gente sente, que vai melhorando a cada dia que passa, mas aí tem que cicatrizá. E12 Eu só tô sentino uma dor aqui, na barriga... E15 ...só que quando eu saí daqui eu vi um furo na cicatriz e que até deu febre. E desse furo foram abrindo outros, então fui no médico lá mesmo onde eu tava trabalhando e ele falou que era rejeição de ponto. E17 Voltá no médico porque minha barriga incha um pouco e tem 7 ou 8 meses que eu operei e quero saber se é normal, por que nunca fiz cesária, entendeu? E18 Quando eu cheguei em casa e ainda sentia muita dor. Nossa...até para ir ao banheiro. E19 Só a barriga do imbigo pra baixo não sinto nada, parece que congelou. E23 ... é só a pressão que as veis sobe. E24 Houve melhora mas ainda há queixas É tudo bem... estou me sentindo muito bem. Muito bem... muito bem, não tem nada anormal, tudo normal... , não sinto nada, sem problema algum. E1 Num tem poblema nenhum. E depois o tempo foi passando, pra mim a cirurgia em si foi normal. E2 ...estou bem, dando conta de tudo. A operação não atrapalhou em nada. E4 Para mim, foi muito bom a cirurgia, digo até que foi ótimo. E5 E foi tudo muito bem, muito tranqüilo. me incomoda esta coisa da incisão, está incisão é um ponto que me incomoda, que não me deixa a vontade. E6 ...eu tô bem...depois você volta ao normal, você praticamente quase que esquece que você fez aquilo ali. E7 Mas depois da cirurgia do útero eu me sinto muito bem. Não tenho nada graças a Deus, o diagnóstico deu bom. Não tinha ferida e com a cirurgia foi tudo normal. E8 ..“optaram pela histerectomia. Foi a única condição e então melhorou e não senti mais nada”. E9 ...num tenho sentido nada não. E10 Eu ainda sinto dor, continuo sentindo dor. E11 ...mas aí continuo sentindo dor, é claro que dor a gente sente, que vai melhorando a cada dia que passa, mas aí tem que cicatrizá. Ficô purgando e tal, mas no dia de í lá pra olhá, na minha primeira consulta, aí a dotora... que era pra passá uma pomada, para solucioná e aí melhorou. Depois, já fui lá umas duas vezes e estou com uma vida normal. E12 ... a vida continua sem nada diferente. E13 ...num senti mais nada. Nada mesmo, foi uma beleza pra mim, uma coisa muito boa. E14 Mas fora isso...tudo bem, to muito bem Eu só to sintino uma dor aqui, na barriga, e não sei que dor é essa. E15 Na hora, eu nem liguei pra tirá o útero, pois o que eu queria mesmo é melhorá e vim pra casa. Depois, eu não sinto diferença de nada operação . E16 Foi um ano horrível, aí, to nessa. E17 ...foi tudo muito bom. E18 Mas agora já ta tudo bem, faço tudo... ta tudo bem, normal. Até pro sexo melhorou muito. E19 Graças a Deus num sinto nada. E20 Eu estou bem. E21 ...foi tudo bem. Tudo tranqüilo. E22 Graças a Deus não tive nada, nem os ponto inflamou. Tudo normal. Desde que comecei com estes problemas que atrapalhou um pouco, mas o resto ta tudo bom. E23 Da cirurgia tô bem. E24 Mas felizmente está tudo bem comigo. E25 A atividade sexual foi considerada Sexo eu não sei. E1 Não tive problema nenhum. Nem na vida sexual E2 ...eu falei com ele, você podia, né... ele falou: “você que sabe” Pois aí no outro dia a noite, ele tentou e nada. Pois aí num deu, pois aí ele falou: “num vô continuá não por que num está dando. E4 Também voltei a ter sexo tranqüilo... com conforto, pois antes era só debaixo do chuveiro, em pé. Aí já viu... não era muito bom .E5 Sexualmente estou 100% inativa, né... risos... por causa das circunstancias e mesmo porque emocionalmente falando eu não to preparada para me envolver com alguém, por que está muito recente a morte do meu marido e também por que me incomoda esta coisa da incisão. E6 na matéria de sexualmente eu num mexo mais, já estava antes, parada e continuo, sabe. Depois que meu marido morreu eu não me envolvi com mais ninguém não, sabe. E7 Quanto ao sexo eu não me interesso por sexo. Sou viúva a vinte e quatro anos. Não tenho namorado e nem pretendo ter, não pretendo ter mesmo. E8 Pro sexo melhorou muito por que antes eu só sentia dor. Agora nada, é muito bom, é ótimo. Antes, não tinha nem prazer. E9 Eu não tenho homem a muitos anos, eu fiquei com medo por causa da AIDS, eles falavam muito dessa coisa de AIDS e esse negócio da AIDS eu passei a ter medo disso ai. E10 Fiquei seis meses sem ter relações com meu marido, ele está no CERESP ( presídio), né. Num tem cama, é no chão e agora que voltei a ter. E11 Sexo normal, não tem nada diferente, é tudo normal... relação sexual tranqüilo, tudo normal. E12 No momento... é que agora tenho que ficá com o menino. E13 Não tive mais parceiro nenhum depois que meu marido morreu, nunca tive outro, só ele mesmo. E14 só o relacionamento que muda né, em casa, pro sexo. Eu não tenho vontade. Eu durmo aqui e ele dorme lá. Ele me procura, mas eu não tenho vontade. E16 Aí entrei em depressão, num queria cuidar de mais nada, sabe... ficou horrível Nem tomar sol, nem namorar, transar então... a gente fica meio esquisita. E17 Relação sexual não tenho. Sinto vontade normal, mas não quero sabe de homem. E18 Até pro sexo melhorou muito. Aquele desconforto na calcinha até acabou, pois era um desconforto que a gente tinha, a calcinha molhava muito, sabe. Melhorou muito. Igual já te falei, eu sentia envergonhada. E19 Esse negócio de sexo eu num quero nem sabê. Não sinto falta disso não, entendeu? Meu marido morreu tem 17 anos, arrumei outro que não deu certo não, então... não quero sabe de ninguém não.E20 Nunca tive namorado e nem sinto falta disso. Alguns rapazes até me olham, mas não me interesso por eles, pra quê complicar a vid..E21 Tudo normal pra sexo, não faz diferença nenhuma. Tudo tranqüilo.E22 Eu esfriei muito pra relação sexual. O marido cumigo é a mesma coisa. Eu não sinto vontade mas também não deixo morrer, né. Sempre compareço quando ele me qué. Desde que comecei com estes problemas que atrapalhou um pouco, mas o resto ta tudo bom. E23 A gente já num se engraçava fazia tempo, mermo assim antes de adoecê, ele e eu, era a idade sabe? Mais o quentinho dele me fais farta. E24 Meus colegas aqui do hospital, alguns que sabem do que passei com ele, às vezes até dos escândalos que ele vinha fazer aqui, compreendem por que eu não quis e não quero saber de nada disso. No início até me recomendavam que eu tinha que sair, conhecer outros homens, mas depois pararam.... E25 5.2.2 A compreensão das mulheres: o cotidiano após a histerectomia As mulheres, após histerectomia, ao falarem de seu cotidiano, fazem um retorno às situações vividas antes da cirurgia. Descrevem os problemas que vivenciaram, usando particularmente terminologia da área de saúde, falando: cesariana, útero atrofiado, cisto de ovário, vagina, aderência, endometriose, DIU, escamação, mioma, miomatoses, trombose, histerectomia, laparoscopia, ginecologista. Então, elas estão repetindo a fala dos profissionais de saúde. Mas, na expressão do significado delas, revelam que tinham muito sangramento, dores, o útero exposto ou muito desconforto. Os fatos aconteceram num período de tempo variado, que se caracteriza como um problema crônico, porque já há algum tempo estavam nestas situações. Então o problema que determina a cirurgia é crônico, ligado ao desconforto, à dor, ao sangramento intenso e que se anuncia como uma ameaça no dizer próprio dos médicos. Compreenderam que tinham que tirar o útero, que a cirurgia estava indicada para o caso delas como única solução para o sangramento e a dor. Algumas consideram que corriam risco de vida antes da cirurgia e, por esse motivo, se submeteram à histerectomia. Mas hoje se sentem bem, como apontam em seus relatos: corria risco de vida; muito sangramento; optaram por ela que foi a única condição. Expressam medo, preocupação e insegurança devido a seu estado de saúde e compreendem que acatar a decisão da cirurgia é resolução para seus problemas. Fazem comparações com sua atual situação após a histerectomia e então, expressam que está tudo normal em seu dia-a-dia recente, por não apresentarem mais os problemas anteriores ou, por estes terem diminuído. Para estas mulheres, o estado de saúde atual está normal e confortável. As situações e queixas do período anterior à histerectomia, trouxeram para as mulheres a aceitação da indicação e da decisão médica do procedimento cirúrgico como solução de seus problemas de saúde. Aceitaram o procedimento proposto pelo médico porque já haviam feito tratamento medicamentoso e não houve solução de sua situação. Compreenderam que esse era o recurso possível para a melhoria de sua saúde, e a decisão do médico sobre o tratamento foi o que prevaleceu. Compreenderam que tinham o útero para fora, muito sangramento, endometriose, mioma, cisto de ovário, dor intensa e que com o tratamento clínico não estavam melhorando. Assim, atenderam, sem questionamentos, ao tratamento cirúrgico, aceitando a decisão do médico e até, aguardando a disponibilidade de vaga para internação. O interesse pelo controle e acompanhamento de saúde emerge nos depoimentos como que para atender às recomendações das rotinas de pós histerectomia, bem como no retorno para avaliação; fui à médica do climatério; ainda vou de 6 em 6 meses; fiz acompanhamento de pós-operatório; já fui lá duas vezes; voltei para fazer o controle. No cotidiano, valorizam o cuidar de si mesma, expresso também na rotina do exame preventivo ginecológico: “quando fui fazê o preventivo”. Algumas mulheres compreendem que necessitam se cuidar: “vou me cuidar, toda mulher precisa se cuidar; minha saúde vem complicando; resolvi tratar; voltar no médico porque minha barriga incha um pouco; mas tô cuidano disso”. Os depoimentos expressam que as mulheres se ocupam em pensar e em procurar assistência médica com esta finalidade, fazendo consultas e seguindo as prescrições e recomendações para se manterem em melhor estado de saúde. Continuam indo ao serviço, cumprindo uma rotina estabelecida pelo médico para fazer controle. Então elas se cuidam da maneira que lhes é determinada. Algumas mulheres não expressaram que estejam se cuidando nem após a histerectomia. As mulheres relembram que, ao saírem do hospital, foram para os seus lares, a maioria foi para sua própria casa e lá fizeram repouso, não apenas por que tinham a recomendação de repouso, nas primeiras semanas, mas por que precisaram ser ajudadas. Sentiram a necessidade de pessoas se encarregando dos afazeres domésticos, pois tais tarefas estão sob a sua própria responsabilidade como mulher. Tinham que fazer repouso, ficando quietinha, nem comida fazendo e sem ter nenhuma obrigação. O cotidiano de uma casa, que geralmente fica sobre a responsabilidade da mulher, que é de lavar, passar, cozinhar, arrumar, limpar e que ela não podia fazer. Tinha que fazer repouso. Então a mulher após a histerectomia, quando chega do hospital, precisa de ajuda, de repouso, ficar quieta, não fazer esforço, portanto precisando de ajuda para manter o andamento da casa e dela mesma. Esses depoimentos revelam que no dia-a-dia a mulher se encarrega dos afazeres domésticos que estão sob a sua responsabilidade. Para o desempenho destas atividades, as mulheres submetidas à histerectomia tiveram que aceitar ou pedir ajuda de outras pessoas, tais como familiares, vizinhos, amigos e outros, pois elas não podiam fazer certas tarefas. No período imediatamente posterior à alta, correspondendo à chegada em sua casa ou a casa de parentes, não se sentiram, em condições de realizar os afazeres que sempre vinham desempenhando e que são considerados necessários à rotina de sua casa. Expressam que dependiam de alguém para ajudá-las, até mesmo para a alimentação. Elas não dão conta de realizar o que antes realizavam, o que antes assumiam, precisaram de ajuda para cuidarem delas e de suas casas. Tendo então necessidade de se relacionar com outras pessoas, familiares ou não familiares, homens ou mulheres e de diferentes faixas etárias, enfim todas se relacionaram com algumas pessoas para delas obterem a ajuda necessária no domicílio. O retorno às atividades do lar e do trabalho foi gradativo e as mulheres expressaram o quê fizeram, como fizeram e o comportamento que tiveram ao retornarem aos domicílios. Seguiram as ordens e as recomendações do médico. Obedeceram fazendo repouso e não fazendo esforço físico como: pegar peso ou subir escadas. Algumas foram rigorosas nessa obediência, visto que não cozinharam e nem varreram a casa ou lavaram roupas. Portanto, por algum tempo, as tarefas domésticas foram executadas por outras pessoas. Entretanto, foram aos poucos, reassumindo essas tarefas após cumprirem as exigências de pós-operatório recomendadas pelos médicos. Então começaram por tarefas consideradas mais leves, como lavar a louça e, pouco a pouco foram aumentando o desenvolvimento das atividades, fazendo o que agüentavam dar conta, bem devagar e dentro das condições de resguardo e de sua recuperação. Portanto, aos poucos assumiram suas atividades com a responsabilidade de ocupar seus lugares no lar e no trabalho profissional fora de casa, desenvolvendo todas as tarefas e dando conta dos afazeres diários. Reassumiram sua casa e seu trabalho conforme sua condição anterior à cirurgia, por considerarem seu papel e estarem bem. Compreendem que hoje levam uma vida normal por que fizeram tudo direitinho: o resguardo e o repouso. Daí foi possível, o retorno às atividades do dia-adia após a histerectomia. Nos primeiros dias após a alta, já no domicílio, algumas mulheres tiveram problemas após a histerectomia, evidenciado nos significados por elas atribuídos: infecção urinária, sangramento, dor na barriga, muita dor, problemas nos pontos (pontos que abriram), febre, barriga inchada, barriga parece que congelou e pressão que às vezes sobe (pressão alterada). Desses problemas a dor foi a mais expressada. Após a histerectomia, sentem dor, entretanto não referem a essa dor como sendo a mesma anterior à cirurgia. Expressam a dor como uma possibilidade decorrente de terem feito uma intervenção cirúrgica, como se a dor fosse inerente ao pós-operatório, por ter feito uma cirurgia. Todos os problemas que as forçaram a retornar ao hospital foram relacionados à cirurgia. Dentre esses, o que mais se evidenciou foi a dor como um desconforto na incisão cirúrgica. Procuram o médico mostrando a possibilidade de que a cirurgia que era para solucionar um grande problema, ainda assim, está apresentando probleminhas. Então, aqueles que determinaram idas e vindas ao hospital, são aceitos, pois têm implicação com a cirurgia e não com a retirada do útero. Portanto eles são reconhecidos como algo que possibilitou a redução do problema anterior que era ligado ao útero. Ocorreram, também, outros problemas que as fizeram procurar ajuda, tiveram que voltar ao médico, retornar à instituição de saúde, foram procurar quem poderia ajudá-las, confiando que lá encontrariam a solução para as situações vivenciadas. Após a histerectomia, aconteceram problemas não esperados, principalmente a dor, que era contínua, e que não aconteceu num tempo determinado. Mas, também, ocorreu o sangramento. Algumas tiveram problemas com a cicatrização que, de início foi “um negócio na barriga” e que começou a sangrar. Para outras, foi um problema com os pontos: abriu um buraco. Também teve o problema de febre. Há relatos de idas e vindas ao ambulatório do hospital ou outro serviço de saúde, para serem examinadas com a finalidade de saber se o que estão sentindo é normal. Algumas mulheres, mesmo após meses da operação, queixam-se de problemas que ainda não foram sanados. Explicitam terem sido orientadas quanto ao espaço de tempo determinado para o controle pós cirurgia, mas em alguns casos tornou-se necessário o retorno, antes do tempo previsto, para atendimento a necessidades imediatas. Entendeu-se que a cirurgia resolveu o problema, mas persistem probleminhas. As mulheres evidenciam a condição de que estão bem, que está tudo normal, em seus depoimentos, expressam o estado atual com a fala de que, embora ainda existam incômodos e dores, está tudo normal: “num tem poblema nenhum; a operação não atrapalhou em nada, foi muito bom e digo até que foi ótimo; eu to bem; não senti mais nada; a vida continua sem nada diferente; uma coisa muito boa; eu não sinto diferença de nada; tá tudo normal; tudo tranqüilo”. Detalham alguns cuidados ligados à incisão cirúrgica que tiveram que tomar. Consideram que a cirurgia não atrapalhou em nada, foi tudo bem, não sentem diferença nenhuma e concluem que foi uma beleza quando comparam com o período que antecedeu à cirurgia. Expressam que, após a intervenção, é possível dizer que as coisas melhoraram, que estão confortáveis, tranqüilas e bem, mas ainda têm algumas queixas: me incomoda essa coisa da incisão; mas aí continuo sentindo dor; foi um ano horrível. Para outras, a condição de se sentirem normais após a cirurgia é enfatizada, sentem que estão bem e algumas reforçam que estão melhores que antes da operação. As mulheres consideraram a atividade sexual expressando-se acerca do sexo, da relação sexual: sexo tranqüilo, com conforto, antes era só dor; para outras mulheres de modo normal: não tive problema nenhum; nada diferente, tranqüilo; algumas outras expressam que não foi possível esta retomada em decorrência de problemas após a cirurgia como: “aí não deu, incomoda a incisão; aí entrei em depressão... a gente fica meio esquisita”. Após a histerectomia, a atividade sexual se mostrou como inerente ao dia-adia dessas mulheres sendo praticada ou não, portanto, foi considerada. Existe, então, a possibilidade de acontecer ou não acontecer. Neste cotidiano ela vai desde não retornar por: não ter apetite, não praticá-la antes, não conseguir ter relações, medo da AIDS, estar viúva ou dor. A retomada também ocorre porque é normal ter sexo. Assim, a relação sexual após a histerectomia, pode ser melhor do que antes, pode ser como antes e ser uma obrigação da mulher. Elas expressaram uma avaliação de bom, ruim, ou melhor, considerando a relação sexual como sendo possível no dia-a-dia. Cada uma dessas mulheres tem uma expressão própria e particular, envolvendo o parceiro ou não para à situação que se refere à atividade sexual. 5.2.3 Fio condutor da interpretação: o conceito de ser mulher após a histerectomia Assim sendo, após a compreensão vaga e mediana foi possível elaborar o conceito de ser, sendo esse conceito o fio condutor para a hermenêutica por que Heidegger diz que: “É a partir da claridade do conceito e dos modos de compreensão explícita nela inerentes que se deverá decidir o que significa essa compreensão do ser obscura e ainda não esclarecida” (1999, p. 31). Acredito que as Unidades de Significação, a compreensão Vaga e Mediana das mulheres e o conceito de ser, possibilitaram compreender o sentido do ser-mulher após a histerectomia em seu cotidiano. No primeiro fio condutor, foram aparecendo os significados atribuídos pela mulher ao seu cotidiano, que se ampliou para o segundo, ratificando estes significados e ajudando a desvelar o sentido, que numa síntese, foi possível elaborar o terceiro fio condutor. Foi, então, um movimento de ir e vir que permitiu captar o que é essencial (ontológico) e excluir o ocasional (ôntico). Portanto, foi possível compreender, após concluir o primeiro momento metódico de análise, que no cotidiano da mulher após à histerectomia o fio condutor expressa que: - os problemas que determinam a cirurgia são relembrados; - a decisão do tratamento é/foi do médico; - a rotina do acompanhamento de saúde é obedecida; - houve necessidade de ajuda no domicílio; - o retorno às atividades do lar e de trabalho foi gradativo; - ocorreram probleminhas que determinaram idas e vindas ao hospital; - houve melhoras mas ainda há queixas; - a atividade sexual foi considerada. Acredito que este, em Heidegger, é o conceito do vivido da mulher no cotidiano após a histerectomia, que sustentará a hermenêutica, que é a interpretação – segundo momento metódico de análise. 5.3 Compreensão interpretativa - 2º momento metódico Após o primeiro momento metódico que é a compreensão vaga e mediana, foi possível apreender, na expressão das mulheres, o significado do cotidiano delas após a realização da histerectomia. Então, passo ao segundo momento metódico que é a hermenêutica, que consiste na compreensão interpretativa para o desvelar do sentido velado na compreensão dessas mulheres. Heidegger (1999, p. 208), considera que é a partir da expressão das mulheres (das vivências e do vivido) que “algo se torna compreensível”. E, ainda que (1999, p.31), a “compreensão do ser vaga e mediana é um fato”, construída pelas unidades de significação, e a interpretação dessa compreensão é obtida a partir “de um fio condutor com a elaboração do conceito de ser. Só após a compreensão vaga e mediana é então possível a hermenêutica, visto que, a partir da compreensão de quem vivenciou/experienciou o fenômeno é possível elaborar o conceito de ser para então interpretá-lo. Então, o conceito de ser, que emerge do vivido da mulher após a histerectomia, indica um cotidiano no qual os problemas que determinam a cirurgia são relembrados; a decisão do tratamento é/foi do médico; a rotina do acompanhamento de saúde é obedecida; houve necessidade de ajuda no domicílio; o retorno às atividades do lar e de trabalho foi gradativo; ocorreram probleminhas que determinaram idas e vindas ao hospital; houve melhoras mas ainda há queixas; a atividade sexual foi considerada. Pode-se compreender que o clareamento do ser para a interpretação surgiu nas Unidades de Significados e na compreensão vaga e mediana. Nessas o conceito passa a expressar o movimento que é o movimento do cotidiano do ser-aímulher após a histerectomia. Desse vivido, já se anunciam as possibilidades inerentes aos modos próprio de ser no cotidiano. Portanto, a hermenêutica desse estudo está fundamentada no referencial teórico-filosófico de Martin Heidegger (1999), conforme proposto no objeto e objetivo dessa pesquisa. Captando a singularidade do ser dessas mulheres, compreendi que o seu modo de ser corresponde àquele de ser dos entes no cotidiano, partindo do ente que se expressou num movimento que é ôntico/ontológico. Tal ente, que segundo Heidegger (1999, p. 32), “é tudo que falamos, tudo que entendemos, com que nos comportamos dessa ou daquela maneira, ente é também o que e como nós mesmos somos. Ser está naquilo que é e como é”. Então, interpretei a compreensão vaga e mediana, na fala/linguagem e expressões considerando as mulheres, como entes, dotados do ser da pré-sença que expressaram o cotidiano do seu vivido após a histerectomia. Os problemas que determinaram a cirurgia foram relembrados como um vivido acerca das condições de sangramento e dor relativas ao período préoperatório. Essas condições determinaram a necessidade da histerectomia, como forma de redução do adoecimento, do risco de ter um problema mais sério, ou seja, uma complicação maior ou um agravamento. Emerge a ameaça que acompanha a perda sanguínea. Se já está sangrando, pode sangrar mais e o que mais pode acontecer com ela é sempre uma interrogação. Dominada por este temor, por esta ameaça de um agravamento da sua condição, ela aceita a solução cirúrgica como a melhor, a que vai resolver o seu problema. No pensar de Heidegger (1999, p. 227), essa aceitação é um modo de ser do falatório e ao aceitar a cirurgia ela evidencia o modo de ser do falatório que é “um fenômeno positivo que constitui o modo de ser da compreensão e interpretação da presença cotidiana”. No cotidiano está-se dominado pelo falatório, pelo que se diz sobre. No cotidiano, segundo Heidegger (p. 227), “dentro de certos limites e imediatamente, a pre-sença está entregue à interpretação, na medida em que essa regula e distribui as possibilidades da compreensão mediana e de sua disposição”. Por isso está na compreensão mediana, que dominada pelo falatório, que não é dela, repete o que se falou sobre, reproduzindo a fala dos médicos. Nesta repetição, entendeu que a cirurgia era uma necessidade. O médico disse para ela, que era importante fazer a cirurgia e que, esta podia melhorar a situação dela. A mulher então, repete isso porque a compreensão que assim já se acha inserida no pronunciamento refere-se tanto à descoberta dos entes já estabelecida e herdada (que é a herança da fala autoritária do domínio do conhecimento da medicina, dos médicos) como a cada compreensão do ser e as possibilidades de horizontes disponíveis para novas interpretações e novas articulações conceituais“ (HEIDEGGER,1999, p. 227). A mulher não evidenciou novas interpretações e novas articulações conceituais. Ela está no modo de ser próprio do cotidiano expresso pelo falatório de uma autoridade que ela procurou, já considerando esta pessoa, com autoridade para cuidar dela. Segundo Hühne: “a tagarelice, que é falatório, mostra o homem como ser falante, aberto ao diálogo, todavia, indica que no seu modo de se referir às coisas de modo superficial – sem se apropriar devidamente da linguagem reveladora do sentido das coisas – se dá uma inadequada compreensão” (2006, p. 105). Elas todas disseram que necessitavam da cirurgia não aparecendo uma fala que, pelo menos, coloque em dúvida essa necessidade, todas as falas dizem dessa necessidade. Como a mulher compreende de maneira inadequada, ela compreende junto com a necessidade, a ameaça de, se não operar, pode acontecer o pior. Por isso que ela mergulha na ameaça e no medo. Torna-se temerosa. O que acontece no cotidiano, a tagarelice, o falar por falar, tem o poder de encobrir o sentido das coisas e esconder significados. Essa necessidade é uma mensagem que não é clara na fala dos médicos, que esconde o significado, não fica claro, e na fala autoritária deles, se não operar o que pode acontecer. Isso é o que fica escondido, e como não está claro, é o que é, uma ameaça. A mensagem aponta: tem que operar, e a mensagem vela, esconde: o que acontece se não operar? Aí essa mulher interroga, responde e conversa consigo mesma: se eu não operar pode acontecer o pior. E o pior é uma ameaça, algo desconhecido. A linguagem é reveladora no sentido das coisas e a língua solta palavras solenes, expressas em: “tem que operá, a única solução para o seu caso é uma cirurgia, o seu útero já está para fora agora tem que tirar ele”. Hühne (2006, p. 106), ainda coloca que estamos no mundo e participamos de muitas representações “entramos numa roda viva...ficamos presentes a tantos atos, espetáculos e falas ambíguas”. E nos perguntamos: para que serve a linguagem? Para revelar sentidos ou se perder no falatório, ou até mesmo no mundo da burocracia. Para as mulheres houve burocracia expressa em: a vaga, o dia da semana, os exames prontos, uma consulta. Então, Hühne (2006, p. 106), coloca que na tagarelice ocorre “uma enxurrada de opiniões de quem nem se importa se as proposições ditas são falsas ou verdadeiras”. Temos que: “a linguagem como fonte inesgotável de significações é a grande desconhecida”. E, ainda, a autora esclarece que o falatório fecha o discurso, [bem como] impede as descobertas do pensar que surge nas relações de intimidade do homem com as coisas e com o outro... A palavra se tranca e não passa a clareza das idéias (2006, p. 107), e que: para sair desta situação que se limita a brincar com as aparências e rege os caminhos da vã curiosidade, seria necessário penetrar fundo no enigma da linguagem e compreender os limites da existencialidade (2006, p. 107). Então tornou-se necessária a histerectomia como forma de manutenção da vida. E, como ser-no-mundo, sabe-se que a pré-sença é temerosa e que o temor ocorre frente a uma ameaça. Heidegger (1999, p.197), menciona: “todas as modificações do temor, enquanto possibilidades da disposição apontam para o fato de que a pré-sença, como ser-no-mundo, é temerosa”. Assim, entendi que esta ameaça, que se mostra inicialmente por sintomas de dor e sinal de sangramento, é que leva a mulher a procurar a instituição de saúde, procurar atendimento, procurar o médico e acreditar que, através do procedimento cirúrgico, vai estar curada. Então, a cura está na potencialidade do outro, prometida pelo médico. Ela está temerosa. Ela se sente ameaçada também pelo sangramento. Heidegger coloca que: na medida em que uma ameaça, em seu “na verdade ainda não, mas a qualquer momento sim”, subitamente se abate sobre o ser-nomundo da ocupação, o temor se transforma em pavor. Desse modo, deve-se distinguir na ameaça: a aproximação mais próxima do que ameaça e o modo de encontro com a aproximação, o súbito” (1999, p. 197). Isso posto, para as mulheres o que ameaça é uma coisa conhecida. Porque dor para uma mulher adulta, que já teve filhos, que menstrua, que já teve relação sexual e tem vida sexualmente ativa, é algo conhecido. Ela conhece dor e sangramento, portanto, está na modalidade do temor, chamada pavor. Heidegger (1999, p. 197), expõe que “o referente do pavor é, de início, algo conhecido e familiar” e que quando “ameaça possuir caráter não familiar, este temor transformase em horror”. Ele também esclarece que quando o horror e o pavor surgem de modo súbito, tornam-se terror. Estar com o útero exteriorizado não é familiar, é algo totalmente desconhecido e súbito, logo este temor passa a ser horror. Então, essas mulheres vivenciaram no temor o pavor (dor e sangramento), horror (útero para fora) e o terror (não sabe quando vai sangrar, que é o súbito). As mulheres, após a histerectomia, fazem um retorno ao cotidiano anterior à cirurgia, em que descrevem os problemas que as fizeram procurar o médico e, então, foi possível desvelar o falatório e o temor pelo seu estado de saúde, que não se caracteriza por um estado agudo, mas que surgiu a partir da ameaça de que ela tem medo da morte, pois corria até risco de vida, que não mesmo foi bem explicitado, mas que está no cotidiano. Isso não ocorre num tempo gradativo, foi-se agravando. Um sangramento que acarretou uma anemia, uma dor que chegou até a exteriorização do útero. Considera-se também que todos nós temos medo da morte. Dominada pelo temor a decisão do tratamento é/ou foi do médico. Assim, na cotidianidade ela não é ela mesma, ela não se assume mesmo. Está lançada na facticidade, na de-cadência que segundo Heidegger (1999, p. 237), “constitui justamente um modo especial de ser-no-mundo em que é totalmente absorvido pelo “mundo” e pela co-pre-sença dos outros no impessoal”. Então ela não chega a compreender quem ela é, mostra-se na inautenticidade, na impessoalidade. Nesta impessoalidade ela não assume o cuidar da sua própria saúde, ou até mesmo, a decisão da cirurgia. Decidem por ela. Hühne (2006, p. 103), expõe que nessa “situação não se pode deixar de sentir que está diante de uma realidade que... assombra, sem saber das razões de estar jogado aqui, sem nem poder enxergar com clareza os acontecimentos do dia-a-dia”. E, Heidegger (1999, p. 179), coloca que “o impessoal, que não é nada determinado mas que todos são, embora não como soma, prescreve o modo de ser da cotidianidade” . A mulher acata a decisão do cirurgião quanto à cirurgia e dia de internamento. Esta decisão não é a partir de suas queixas, mas sim da vaga, do cronograma hospitalar, da seriedade do caso. O ser dela não é considerado. A decisão da cirurgia não implica previamente saber quando ela pode ser operada, como ela se organiza para a cirurgia, com quem ela conta depois da cirurgia, para onde irá após, o tipo de trabalho que ela exerce. O que conta para a indicação da cirurgia é a disponibilidade institucional. E a mulher nem discute, obedece. Torna-se um objeto, apenas um ente e não é vista e não se vê como ente dotado do ser da pré-sença. Fica no modo de ser da submissão, acatando a decisão do cirurgião, se submete ao domínio do manual, como se fosse um instrumento, à disposição da equipe médica de fazer cirurgia, pois o dia do internamento, dia da cirurgia, a cirurgia e nem o pós-operatório dependem dela. Heidegger (1999, p. 237), explicita que “deve-se conceber esse não-ser como o modo mais próximo de ser da pré-sença em que, na maioria das vezes, ela se mantém”. O cotidiano nos permite interpretar que ela não é ela própria, dominada pelo outro, fazendo o que os outros determinam, sendo o que os outros querem. Ela não discute, não reage, não pensa e não pondera, fica nervosa então obedece, aceita e cumpre. Na expressão de Heidegger (1999, p. 179), ”o decisivo é apenas o domínio dos outros que, sem surpresa, é assumido sem que a pré-sença, enquanto ser-com, disso se dê conta”. Então, Heidegger (1999, p. 179), coloca ainda que “O impessoal pertence aos outros e consolida seu poder”. Penso que a mulher nesse momento se mostra no modo próprio da cotidianidade, ela é ninguém, é todos, ela expressa a impessoalidade e a inautenticidade. E, como Heidegger (1999, p. 181), explicita que na cotidianidade “todo mundo é outro e ninguém é si próprio”, essa mulher é outro para a equipe médica e não ela própria. Assim, é objeto do cuidado médico e de toda a equipe de saúde. Não é sujeito. Portanto, ela aguarda quando terá uma vaga e quando a equipe pode. E se chegar o dia e não tiver a vaga ou a cirurgia for suspensa, ela aceita. Em sua cotidianidade, a mulher não assume para si o cuidar da própria saúde, como uma decisão. Ela só procura o socorro porque tem problemas, tem dor, tem sangramento, o colo uterino e até mesmo o útero está saindo pela vagina e o sangramento pode ocorrer. Essa mulher, “de início e na maioria da vezes”, após a histerectomia, ela não se abre para o modo de ser do ente dotado do ser da pré-sença, ela se mantém no modo do ente fechando-se para as suas possibilidades, pois ela está na facticidade, na impessoalidade, na inautenticidade, no falatório, na ambigüidade e na curiosidade. Isso tudo acontece um pouco antes e no cotidiano após a histerectomia. Ela se acomoda sob a dependência de outros, não sendo ela própria, porque na realidade o cotidiano não se inicia após a histerectomia, ele já se expressa num movimento existencial do antes, durante e após a cirurgia. O cotidiano da mulher, após histerectomia, se impõe, de modo que a rotina do acompanhamento de saúde é obedecida. Compreende-se que nessa inautenticidade (modo próprio se ser do cotidiano), ela é ser-aí-com-os-outros, que vem ao seu encontro para dela cuidar e assumir os afazeres domésticos. Assim, o cotidiano após a histerectomia determina à mulher ficar de repouso, descansar, não fazer esforço físico, precisando de ajuda de outras pessoas para as atividades que ela mesma fazia anteriormente. Heidegger (1999, p.164), esclarece o cotidiano na expressão: “modo de ser em que a pré-sença se mantém, na maioria das vezes e antes de tudo, a pré-sença é absorvida por seu mundo”. É aqui que nos encontramos, num mundo público, do lugar de todos e de ninguém, onde está o espaço do “agente”, dos gestos e das falas. Sendo então, um espaço de todos e de ninguém, onde o cotidiano nos é familiar e estamos nele, repetindo sempre as mesmas coisas. Enfim, sendo a maneira de todos, é sendo ninguém, é mostrar-se na impessoalidade, na inautenticidade. Estamos numa cotidianidade sem nos percebermos dela. Não percebemos que o cotidiano nos domina, pensamos que a gente é que organiza o nosso dia-a-dia, mas é o cotidiano que se impõe. Tanto assim que, pelo fio condutor desse estudo, as mulheres estão no cotidiano, sendono-mundo, são ser-aí dominadas pela cotidianidade. É ser-aí, dominadas pela cotidianidade. Heidegger (1999, p. 87), expressa o conceito de cotidianidade colocando que “cotidianidade é, antes, um modo de ser da pré-sença, justamente e sobretudo, quando a pré-sença se move numa cultura altamente desenvolvida e diferenciada” Coloca, também que, “este estar não possui o caráter ontológico de um ser simplesmente dado em conjunto dentro de um mundo” e que “no encontro com os outros a pré-sença se mantém empenhada em ocupações guiadas por uma circunvisão” (1999, p. 170). É a questão do ser e do estar. Elas falam das coisas de sua casa, da volta à instituição hospitalar ou de saúde para a revisão. Então, elas estão sendo-com-os-outros no modo em que a pré-sença se mostra inautêntica, impessoal, num mundo ôntico, em que estamos na maioria das vezes e quase sempre, e, que mostra o caráter ôntico, não expressa o mundo próprio – mostrando então, o mundo público e doméstico. No sendo-com-os-outros houve necessidade de ajuda no domicilio. No cotidiano, o ente dotado de ser da pré-sença é ser-aí, no modo positivo do cuidado, sendo ser-aí-com, sendo essa uma possibilidade do ser-aí-com-os-outros, sendo aquilo que querem que a gente seja, sendo a maneira de todos. A mulher após a histerectomia é um ser-aí-com, que está precisando de ajuda, compreende-se com necessidade de ajuda. Ela não consegue se cuidar e nem fazer coisas em sua própria casa, não consegue fazer nada e nem de se cuidar, depende de outra pessoa para cozinhar e até se alimentar. Esse ser-aí-com ainda não é um caráter ontológico, é ôntico. Entretanto, o caráter relacional mostra o ser-aí em suas possibilidades de ser-aí-com-os-outros. No encontro com os outros, a pré-sença se mantém empenhada em ocupações, de um modo próprio do cotidiano. Está no mundo próprio, nas coisas da casa dela. Segundo Heidegger (1999, p.105), “mundo ora indica o mundo “público” do nós, ora o mundo circundante mais próximo (doméstico) e “próprio”. É oportuno dizer que a mulher expressou que a possibilidade do retorno às atividades do lar e do trabalho foi gradativo. Dessa forma, estas mulheres estão na impessoalidade, confirmando o caráter da inautenticidade. Heidegger (1999, p. 182), menciona que “o impessoal é um existencial e, enquanto fenômeno originário, pertence à constituição positiva da pré-sença”. Mostrou-se a propriedade de voltar a fazer suas atividades domésticas e de trabalho anteriores à cirurgia, de forma adequada, ou seja, gradativamente, aos poucos e não de imediato. No cotidiano, após a histerectomia, ocorreram probleminhas que determinaram idas e vindas ao hospital. Se não fosse esse fato, não estariam se cuidando, tendo em vista que retornaram à instituição para saná-los e que, algumas, mesmo após meses, ainda estão com complicações ou situações não resolvidas. As mulheres iniciam um movimento de propriedade e impropriedade ao voltarem à instituição, procurando soluções para os problemas que surgiram em decorrência da cirurgia e até mesmo, anteriores a ela. Iniciam, então, uma abertura de seu ser-próprio e Heidegger (1999, p. 255), se refere à que “só na angústia subsiste a possibilidade de uma abertura privilegiada na medida em que ela singulariza, retira a pré-sença da decadência e lhe revela a propriedade e impropriedade como possibilidades de seu ser”. As mulheres se anunciaram, mostrando-se como ser de possibilidades, revelando propriedades e impropriedades como possibilidades de seu ser. Ocorreu, assim, a propriedade de melhorar, mas a impropriedade de ter problemas em decorrência da cirurgia. Também houve melhoras mas ainda há queixas, ou seja, a propriedade de melhorar e a impropriedade de ter queixas. As mulheres não desenvolveram o movimento da angústia, mas anunciaram tal movimento, mostrando-se, revelando-se através da propriedade e da impropriedade que elas são ser-aí, seres de possibilidades. Elas não mostraram só as propriedades, apareceram impropriedades, o não esperado. Houve melhora mas ainda há queixas, a intervenção cirúrgica não resolveu todos os problemas, deixou algumas seqüelas, que são as impropriedades. Mas todo sim contém a possibilidade do não. Ser de possibilidades é se compreender sendo, é estar aberto às possibilidades que não são aquelas que se quer ou que se precisa, é o que vem ao encontro. Portanto, houve mulheres que não tinham queixas e outras que as apresentaram, informando que ainda não estão bem e que tiveram que voltar ao hospital. Percebe-se a propriedade, a possibilidade de que a cirurgia não resolveu todos os problemas e a impropriedade é de que se limita com a cirurgia porque ela decai para o médico. Houve uma abertura para expor a propriedade e a impropriedade. E a atividade sexual foi considerada, revelando propriedade de considerar a relação sexual, a vida sexual e o sexo, embora algumas tenham expressado a possibilidade de não retomar essa relação após a cirurgia, revelando a impropriedade. Quando as mulheres expressam sobre a atividade sexual, apreende-se que ela está na cotidianidade, é dizer da convivência com outro ser, ou seja, um relacionamento com o marido, ou companheiro, ou parceiro, alguém com quem ela se relaciona intimamente. Então, dessa forma a mulher é ser-aí-com num modo de estar-no-mundo. Heidegger (1999) coloca que somos seres relacionais e estamos sempre em interação com outros seres e conosco mesmo. Manifestam algumas que estão tendo relações sexuais com maior intensidade e prazer do que antes da histerectomia e que, na cotidianidade estão se realizando como mulher. Estão sendo ser de possibilidades, estão falando de si próprias. E, considerando os dizeres de Heidegger (1999, p. 178), “o ser-com é um constitutivo existencial do ser-no-mundo. A co-pre-sença se comprova como modo de ser próprio dos entes que vêm ao encontro dentro do mundo”. Elas são ser-aí e ser-aícom, sendo então no cotidiano ser de possibilidades. Ele mesmo prossegue colocando (1999, p. 178), “a própria pré-sença, bem como a co-pre-sença dos outros, vem ao encontro, antes de tudo e na maioria das vezes, a partir do mundo compartilhado nas ocupações”. Mas, algumas mulheres expressaram que não estão tendo relações sexuais, o que leva a pensar que não está sendo-com-o-outro. Mas, é ser de possibilidades. Expressa que não está tendo atividade sexual porque não quer, porque está viúva ou porque nunca teve relação sexual. Ela assume a decisão em relação à atividade sexual. A mulher não desenvolveu o movimento da angústia, anunciando esse movimento, mediante a possibilidade da decisão em relação à atividade sexual. Mostrando, revelando através da propriedade e da impropriedade que é ser-aí ou ser de possibilidades. Ser de possibilidades é se compreender sendo, é estar aberto às possibilidades que não são aquelas que se quer ou que se precisa, é o que vem ao encontro. Assim, houve mulheres que não tinham queixas, outras as apresentaram, informaramm que ainda não estão bem e que tiveram, por conta de probleminhas, que voltar ao hospital. Outras que tinham dificuldade na relação sexual, agora já não tem. Percebe-se a possibilidade da cirurgia não resolver todos os problemas. Houve uma abertura para expor a propriedade e a impropriedade. “Se não puder fazer tudo, faça tudo que puder”. CNBB CONSIDERAÇÔES FINAIS Partindo de inquietações, surgidas no meu cotidiano de docente em atividade em centro cirúrgico, ao receber mulheres para serem submetidas à cirurgia ginecológica, especialmente a histerectomia, desenvolvi esta pesquisa para desvelar o cotidiano da mulher após este procedimento cirúrgico. Compreendi que para responder às minhas questões de estudo deveria “ir às coisas nelas mesmas”, pois só a mulher que vivenciou a intervenção cirúrgica de retirada do útero poderia clarear esse fenômeno do vivido. Então, para apreender o significado do cotidiano da mulher após a histerectomia à luz do referencial teórico metodológico e fenomenológico de Martin Heidegger, realizei análises acerca das expressões do cotidiano das próprias mulheres que tinham sido submetidas, num intervalo de quatro a dezenove meses antes, a este procedimento. Nessa trajetória, fui em busca do quem eu investigaria para captar o sentido do cotidiano após a histerectomia. Interroguei o ente, a mulher que na sua dimensão ôntica respondeu, estabelecendo a questão do ser-aí-mulher, sendo à maneira de todas, na maioria das vezes e quase sempre. Esta expressão é a referência direta de Heidegger para o fenômeno do cotidiano. De início tive que reduzir meus preconceitos e meus julgamentos prévios sobre o assunto, pois muitos deles estavam embasados nas minhas percepções de mulher, bem como em minha formação técnica e científica. Tais conceitos prévios foram sendo adquiridos ao longo da trajetória acadêmica e profissional, na experiência do dia-a-dia de sala de cirurgia e nos contatos com as mulheres internadas em pré e pós-operatório imediato. Considerando que, em minhas preocupações e ocupações profissionais em relação à assistência à mulher, o foco da subjetividade foi sendo fortalecido busquei o suporte teórico metodológico da abordagem fenomenológica de pesquisa. Esta posição investigativa valoriza a mulher como um ser único e singular, portanto é um dos caminhos possíveis para contemplá-la em suas necessidades individuais. Para desenvolver este estudo, precisei realizar leituras sobre o tema e refletir sobre o cotidiano de quem já se submeteu a uma cirurgia. Tinha em mente que esta cliente do serviço de saúde é mulher, esposa, mãe, filha, tem atividades domésticas e, por vezes, é uma profissional inserida no mundo do trabalho. Tudo que é inerente e próprio ao ex-sistir dos entes dotados do ser da pré-sença. Assim, a fenomenologia de Martin Heidegger possibilitou o caminho para a aproximação compreensiva ao cotidiano da mulher após a histerectomia. E, nesse olhar à luz do pensamento heideggeriano, pude penetrar na singularidade de cada mulher e perceber que cada uma e todas, no movimento desvelado neste estudo, vivem um dia-a-dia determinado pela inautenticidade, que é o modo próprio de ser dos entes no cotidiano, sendo ser-aí com possibilidades para a autenticidade. Assim fui movida não apenas pelo desejo de prestar uma assistência de saúde de qualidade ou de contribuir no cenário dos serviços de saúde com uma atenção efetiva de enfermagem. Recorri aos depoimentos de quem vivenciou esta situação, de quem teve a experiência do cotidiano após a histerectomia, a instância fundante que permite ultrapassar explicações que culpabilizam a mulher por seus problemas de saúde para alcançar a compreensão de suas possibilidades e responsabilidades. Então, a partir dos depoimentos de mulheres, acerca da sua condição no cotidiano após a histerectomia, foi que realizei a análise compreensiva. E a interpretação foi possível acontecer depois que compreendi o significado expresso pelas mulheres, pois como coloca Heidegger (1999), só é possível interpretar o já compreendido que se mostra na medianidade da presença indicada como compreensão vaga e mediana. A metodologia do estudo e o Filósofo que fundamentaram a etapa de interpretação não são prescritivos. Assim, nesta etapa final, à guisa de conclusão, procuro considerar as implicações da compreensão interpretativa não apenas para o cotidiano da mulher após a histerectomia, mas para as questões de saúde da mulher de modo abrangente e geral. Compreendo que o estudo focou o “após a histerectomia”, porém a mulher descreveu o cotidiano do pré, do trans e do pósoperatório desta cirurgia. Entendi que esta descrição feita pela mulher parece necessária para que se compreenda que para ela, existencialmente, é um processo. Há uma interligação mediante a qual seu movimento e seus modos de ser, no cotidiano, puderam ser captados porque ela os significou. A partir destes significados, foi possível desvelar sentidos por eles, (os significados), encobertos no dia-a-dia assistencial pela rotina dos serviços e pela atitude dos profissionais de saúde. Conforme explicitado que: “o modelo predominante de assistência médica se fundamenta na pauta cultural das desigualdades entre homens e mulheres. Isto aparece claramente tanto nas pessoas que trabalham na área da saúde quanto nas formas em que os serviços são organizados e oferecidos” (REDE NACIONAL FEMINISTA DE SAÚDE E DIREITOS REPRODUTIVOS, s/d, pág 37). Há, dentre os sentidos desvelados na análise hermenêutica, pelo menos três que considero devam ser abordados porque revelam um conhecimento novo. Com isso estou me referindo a que não são conhecimentos prévios a este estudo. Nesta ótica, não representam pressupostos e apontam para alguns descompassos do atual modelo assistencial, cuja correção este estudo pretende contribuir. Este modelo, a partir da Constituição Federal de 1988, da implantação do Sistema Único de Saúde e das políticas públicas de saúde em prol da mulher, explicita que: “a mudança do modelo médico e da concepção de saúde exige, portanto, que a comunidade se envolva com o cuidado de sua saúde, exige também que o conhecimento e as práticas populares sejam reconhecidos e que as decisões sejam tomadas a partir dos desejos e das necessidades da coletividade, fazendo da saúde um bem social e uma produção coletiva” (REDE NACIONAL FEMINISTA DE SAÚDE E DIREITOS REPRODUTIVOS, s/d, pág 13). Esse conhecimento novo revelou-se em três momentos da dinâmica assistencial: nas condições de busca da mulher pelo serviço de saúde, no preparo para a alta hospitalar e na alta propriamente dita, e ainda, nas rotineiras orientações de abstinência sexual determinada pelo pós-operatório. As políticas públicas, Programa de Assistência Integral em Saúde da Mulher, (PAISM, 1984) e a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher 20042007 tratam, inicialmente, de um clínico-ginecológico e revelam, na atualidade, que: “Os indicadores epidemiológicos do Brasil mostram uma realidade na qual convivem doenças dos países desenvolvidos (cardiovasculares e crônico-degenerativas) com aquelas típicas do mundo subdesenvolvido (mortalidade materna e desnutrição). Os padrões de morbimortalidade encontrados nas mulheres revelam também essa mistura de doenças, que seguem as diferenças de desenvolvimento regional e de classe social”. (BRASIL,2004, p.37 ) Então a esta densidade de informações e complexidade da atenção de saúde, a mulher no cotidiano após a histerectomia indica que, dentre os sinais e sintomas clínicos a serem considerados quando ela procura o serviço, há o sentimento de medo e não o de descuido e negligência. Ela mostra-se sofrida, sente-se insegura e ameaçada por aquilo que pode vir a ser mais grave do que a dor e o sangramento que a trouxe à procura de um médico. É assim que esta mulher que tomou a iniciativa ou aceitou o conselho de outras mulheres e até de outros profissionais da área da saúde, procura os serviços ambulatoriais ou hospitalares. Dominada pelo medo, sob a ótica do pensamento heideggeriano temor em suas três modalidades, a mulher com queixas ginecológicas torna-se submissa, passiva e objeto do cuidar que será decidido pelos médicos, prioritariamente no caso de indicação cirúrgica, e seguido pelos demais profissionais, na maioria das vezes e quase sempre. Confirma-se assim a fragmentação do modelo curativo, ainda uma herança danosa do nosso sistema de saúde no qual os profissionais, geralmente, decidem por intervenções, sejam medicamentosas ou cirúrgicas, ou por especialidades cujas ações assistenciais não levam em conta a pessoa. Isso determina um distanciamento de práticas de prevenção de doença e de promoção da saúde. Nesse sentido, a Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos (s/d, p.13), defende que “por esta razão é importante que as mulheres... possam tomar decisões e influenciar as tomadas de decisões que lhes sejam mais benéficas” Este é um caminho para a necessária construção da cidadania das mulheres. Ao compreender, na dinâmica assistencial, aquilo que denomino de segundo momento de contribuição da hermenêutica para um conhecimento novo, desvelo o preparo para a alta e a alta propriamente dita. Portanto, o que se mostrou é a mulher (no cotidiano após a histerectomia) necessitando de ajuda. E, essa ajuda pode ser de qualquer pessoa. Ao sair do hospital, ou seja, após a alta, ela irá para sua casa ou para uma outra casa, que pode ser de um familiar ou amigo, e ela necessitará ou terá que contar com ajuda para se cuidar e/ou para cuidar dos afazeres domésticos. Ela ficará de repouso, cumprindo as orientações médicas. E, não poderá nem cozinhar para se alimentar. Por isso, contam com a mãe, filhos, marido, irmã, nora, vizinha, amiga, vizinhos ou contratam alguém para ajudá-las. Nesse estudo, evidenciou-se que a mulher, talvez por não saber ou não se lembrar mais de suas outras cirurgias, não se preocupou com esta situação, visto que não expressou tal preocupação antes da cirurgia. Por isso, também não expressou um planejamento para esse aspecto do cotidiano. Precisar de ajuda da maneira como elas descreveram evidenciou que de início e na maior parte das vezes e quase sempre não contavam com tal situação que se mostra como possibilidade. Foi necessário, mas também foi possível contar com a ajuda das pessoas, de diferentes formas e, a partir de pessoas próximas ou não, se revelou como possibilidade do ser-aí-mulher que se mostrou como ser-aí-com-os-outros. Desta análise, emergem duas considerações importantes. Uma centrada na assistência de saúde na qual os profissionais de saúde pouco valorizam conhecer o dia-a-dia da cliente que será submetida à histerectomia e que, por um curto espaço de tempo, vive a oportunidade de consulta médica ou de enfermagem. Este é um tempo cronológico curto e quase nada explorado no contexto das possibilidades de com-viver para melhor ajudar a mulher a planejar a sua cirurgia em função apenas do seu retorno para casa, mas, principalmente face ao fenômeno do ser-aí-com, pois observei que a mulher, mesmo morando sozinha, não esteve só e desamparada após a cirurgia. Esteve com alguém que a ajudou. Neste sentido, em relação ao tempo da consulta médica, analisa-se que “é geralmente tão rápida que nem dá tempo para a mulher colocar tudo o que está sentindo. O profissional, por sua vez, não procura investigar para obter uma visão mais abrangente de sua saúde, limitando-se quase sempre a realizar uma rotina mecânica” ( REDE NACIONAL FEMINISTA DE SAÚDE E DIREITOS REPRODUTIVOS, s/d, p. 37) Esta ajuda não foi discutida no preparo para a intervenção, nem durante a internação hospitalar e, menos ainda, após a histerectomia, entretanto a equipe de saúde tem conhecimento dessa necessidade. Conhece as limitações inerentes ao pós-operatório e as divulga no momento da alta como recomendações a serem obrigatoriamente seguidas. Fazem parte do pós-operatório mediato, incluindo-se nele o retorno para a retirada dos pontos. A outra consideração importante está relacionada com a mulher que, ao receber ajuda, sendo-aí-com-os-outros após a histerectomia, compreendeu-se como ser de possibilidades e anunciou um movimento em direção à autenticidade, que permite a tomada de decisão. A partir daí foram identificando suas possibilidades de, aos poucos, irem retornando para as suas atividades e suas tarefas domésticas. Não foi apontado em seus depoimentos e nem em nossas conversas, uma organização prévia ou um planejamento para atender no domicílio às suas necessidades após a histerectomia. Assim, previamente isso não era certo e determinado por ela, mas a equipe de saúde tinha conhecimento do que se mostrou para ela possibilidade. O terceiro sentido que, de certo modo, desvela um descompasso assistencial refere-se às rotineiras orientações de abstinência sexual determinada pelo médico e ratificada por outros membros da equipe de saúde no período pós-operatório. Assim sendo,, a atividade sexual própria ao humano e inerente ao ser do humano, mostrou-se como possibilidade e não como certeza. Algumas mulheres retomaram e outras não, sendo que o conhecimento biológico do modelo biomédico de assistência de saúde às mulheres, que estabelece um prazo de retomada, não foi explicitada pelas mulheres após a intervenção cirúrgica. Para aquelas que retomaram a atividade sexual houve a possibilidade de até avaliarem que podia ser melhor do que antes, quando ocorria muito desconforto ou normal. Tal compreensão é imanente, da própria mulher que se revela não apenas como ser de possibilidades, mas como alguém que, com ajuda de outros, decide acerca da satisfação de sua sexualidade, tratando a atividade sexual como relação sexual, sexo e vida sexual. Parece que a orientação para a relação sexual e a recomendação para o retorno deve ser dada de modo a não inibir a atividade sexual, pois a retomada ocorre por decisão delas mesmas. A determinação médica a partir de quando pode inibir as mulheres, porém pode ser também uma ajuda considerando que detalhes da cirurgia como amputação de colo que pode trazer implicações para o contato sexual, pode e deve ser discutido. Então, as informações, as orientações e sugestões devem ser a partir da mulher, de sua singularidade e não a partir das rotinas biológicas. Abordar as questões voltadas para a sexualidade antes da cirurgia faz com que já se saiba de algumas de suas situações em relação à sexualidade como uma que não pretende retomar mesmo ou até uma outra mulher que quer retomar após sanados os problemas pela cirurgia e que pode não conseguir retomar de maneira melhor ou do modo que gostaria. Essas são as possibilidades. Acredito que as mulheres precisam ser vistas como ser de possibilidades e não só como problemas no útero; com características singulares e não de modo geral. Portanto, entendo que este estudo traz uma contribuição especial e primeiramente para a enfermagem ginecológica, que é dominada pela ginecologia e pelas ginecopatias mais prevalentes. A ginecologia preventiva não existe como política pública, o que existe é doença ginecológica que faz a mulher procurar tratamento e, então, ela é tratada como doença ginecológica e não como mulher. Hoje, no Brasil, o modelo para cuidar da saúde, colocado pelo Ministério da Saúde, é o Programa de Saúde da Família, visando o olhar para a saúde e para a doença a partir de uma base epidemiológica. Assim, busca-se contabilizar cesarianas, laqueaduras e abortos, mas não se controla o quantitativo de histerectomia nem mesmo são analisados seus determinantes. E, menos ainda no cotidiano das mulheres, após a histerectomia há significação de seguimento ambulatorial ou de outras ações que reflitam acompanhamento e cuidado de prevenção de saúde. Neste estudo, tais mulheres evidenciaram o quanto o cuidar da saúde é pontual e não integral. É um cuidar a partir dos sintomas que é a pressão, o preventivo, o controle e também o medo de dar problemas mais tarde, de dar complicações. Essa clientela revelou, entretanto, o quanto as mulheres podem ainda estar distantes ou já próximas de se compreenderem como ser de possibilidades. Ora elas ainda se vêm como objeto para a equipe de saúde, ora acreditam nas possibilidades de serem sujeitos do cuidado da sua saúde. Para exigirem uma assistência integral, elas precisam de ajuda para decidirem e não apenas que se trate ou se extirpe a parte do seu corpo que está com problemas. Evidenciou-se que a equipe assistencial se pre-ocupa com as orientações para alta mas não se ocupa em considerar o ser existencial da mulher. O estudo nos instiga à reflexão do quanto necessitamos rever nossa forma de cuidar, ampliando as reflexões e fomentando discussões interdisciplinares, despertando nos profissionais de saúde a sensibilidade para valorizar a fala e a escuta da mulher. E, que o relacionamento com a mulher seja de forma empática a partir do momento que ela procura o serviço de saúde. E, acredito que as universidades, através de suas funções pautadas no tripé ensino/pesquisa/extensão possam oportunizar intervenções capazes de mobilizar os futuros profissionais em sua formação considerando o ser-com-os-outros, a intersubjetividade, a autenticidade, a solicitude e o desvelo, para que as decisões sejam tomadas com a mulher e por ela. REFERÊNCIAS ABRÃO, F. S. Câncer do ovário. São Paulo: Roca,1997. BERRY, E. C.; KOHN, M. L.. A técnica na sala de operações. Rio de Janeiro: Interamericana Ltda, Quarta Edição. 1997. BICUDO, M. A. V. Prefácio. In: Martins, J.; BICUDO, M. A.V. Estudos sobre existencialismo, fenomenologia e educação. São Paulo: Moraes, 1983. BICUDO, M. A. V. Sobre a fenomenologia. Mini-curso: Pesquisa qualitativa em educação: um enfoque fenomenológico. In: II Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores. Outono, 1992. BICUDO, M. A. V. ; ESPOSITO, V.H.C. Pesquisa qualitativa em educação: um enfoque fenomenológico. Piracicaba: UNIMEP, 1997. BOEMER, M. R. A condução de estudos segundo a metodologia de investigação fenomenológica. Revista Latino-Americana de Enfermagem. Ribeirão Preto, v: 2, n 1, p. 83-94, jan.1994. BOFF, L.; Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis, RJ: vozes,1999. BOLTANSKI, l. As classes sociais e o corpo. São Paulo: Paz e Terra, 2004. BRASIL. Ministério da Saúde. Resolução n. 196/96, sobre pesquisa envolvendo seres humanos. Conselho Nacional de Saúde. Brasília, 1996. ______. Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Programas Especiais. Centro de Documentação. Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher: bases programáticas. Brasília, DF, 1984. ______Ministério da Saúde. Programa de Assistência Integral à Saúde da Criança: ações bases. Brasília, DF, 1984. ______Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Controle do Câncer, uma proposta de integração ensino-serviço. 3º ed. Rio de Janeiro: INCA, 1999. ______Ministério da Saúde. Falando sobre o Câncer do Colo do Útero. Secretaria de Assistência à Saúde. Instituto Nacional do Câncer, 2002. ______, Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Coordenação de Prevenção e VigilCâncer no Brasil: dados dos registros de base populacional, volume 3. Rio de janeiro: INCA, 2003. ______Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher. Princípios e Diretrizes. Brasília: 2004. ______, Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Coordenação de Prevenção e Vigilância. Estimativa 2006: Incidência de câncer no Brasil Rio de janeiro: INCA, 2005. ______, Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos. Controle Social uma questão de cidadania. Saúde é assunto para as mulheres. Ed. Hamburg Gráfica e Editora. ( s/d). ______, Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos. Saúde Materna componente essencial dos direitos reprodutivos. Ed. Hamburg Gráfica e Editora. ( s/d). BRANDÃO, E. R. Gênero, sexualidade e saúde reprodutiva. Disciplina do Curso de Especialização em Enfermagem Obstétrica da UFJF. Juiz de Fora, 2000. (Mimeo.) CADETE, M. M. M. Da adolescência ao processo de adolescer. 1994. Tese (Doutorado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo. CALIRI, M. H. L. Tentando resolver as incertezas: trajetória das mulheres ao enfrentarem o processo da histerectomia. 1994.Tese (Doutorado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de são Paulo, Ribeirão Preto. CAMANO, L.; SOUZA, E.; SASS, N.; MATTAR, R. – Obstetrícia Guias de Medicina Ambulatorial e Hospitalar – UNIFESP / Escola Paulista de Medicina – Editora Manole Ltda, 2003. CAMARGO, T. C. O ex-sistir feminino num rosto sem moldura: uma análise compreensiva. 1997. Dissertação ( Mestrado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. CAMARGO, T. C. O ex-sistir feminino enfrentando a quimioterapia para o câncer de mama: um estudo de enfermagem na ótica de Martin Heidegger. 2000. Tese ( Doutorado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. CAMARGO, T. C. O, SOUZA, I.E. O Ex-sistir Feminino Enfrentando a Quimioterapia para o Câncer de Mama: Um Estudo de Enfermagem na Ótica de Martin Heidegger. Revista de Enfermagem UERJ, Rio de Janeiro: v.10, n. 2, maio/ago, p.104-108, Rio de Janeiro, 2002. CANGUILHEM, G. O normal e o patológico. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. CARVALHO, A. de S. Metodologia da fenomenológica. Rio de Janeiro: Agir, 1991. entrevista: uma abordagem CASTELLANOS, B. E. P.; JOUCLAS, V. M. G. Assistência de enfermagem perioperatória: um modelo conceitual. Revista da Escola de Enfermagem USP, 1990, dezembro; v.3, p. 359-70. COELHO J. et al. Merleau-Ponty: filosofia como corpo e existência. São Paulo: Escuta, 1991. DAVIM, R. M. B. et all. Percepção de mulheres quanto a Histerectomia. Revista Nursing, v. 89, n 8, p. 484 – 490, Outubro 2005. DAVIS-FLOYD, R. The technocratic, humanistic, and holistic paradigms of childbirth. International Journal of Gynecology & Obstrics. N 75, 2001, p. S5-S23. Disponível em: WWW.elsevier.com. Acesso em : 25 de março 2007. DIÓGENES, M. A. R.; REZENDE, M. D. S.; PASSOS, N. M. G. Prevenção do câncer: atuação do enfermeiro na consulta ginecológica: aspectos éticos e legais da profissão. Fortaleza: Pouchain Ramos, 2001. DONZELLI, T. A. Método fenomenológico e ciências humanas. In: Teorização do serviço social. Doc. Alto da Boa Vista. Rio de Janeiro: Agir,1988. DUBOIS, C. Heidegger: introdução a uma leitura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. FERRAZ, É. R.; SALZANO, S. D. TORRES. O paciente cirúrgico: suas expectativas e opiniões quanto ao cuidado de enfermagem no período transoperatório. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília: v.35, p. 48-59, 1982. FREIRE, P.; HORTON, M. O caminho se faz caminhando: conversas sobre educação e. mudança social. Petrópolis: Vozes, 2003. GALVÃO, M. C.; SAWADA, N. O.; ROSI, L. A. A prática baseada em evidências: considerações teóricas para sua implementação na enfermagem perioperatória. Revista Latino-americana de Enfermagem, set/out, p. 690-695, 2002. GALVÃO, L: Dias, J. ( Orgs) Saúde sexual e reprodutiva no Brasil. São Paulo, Hucitec: População Council, 1999. GAMBONE, J. C, REITER, R. C., LENCH, J. B. Quality assurance Indicators and short-term. Outcome of hysterectomy. Obstet Gynecol .76(841).1990. GARCIA, F. H. Compreendendo a necessidade do paciente com câncer de receber orientações para a cirurgia implicações da visita Pré-operatória pelo enfermeiro. Revista Brasileira de Cancerologia - v. 45, n. 2, Abr/Mai/Jun , p.15-26, 1999. GIOVANINI, T. et al. História da Enfermagem: versões e interpretações. Rio de Janeiro: RevinteR, 1995. GHELMAN, L. B.. O cotidiano de crianças diabéticas: vivido de mães e assistência da enfermeira. 2000. Dissertação ( Mestrado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. HEIDEGGER, M.. Ser e tempo; Parte I. Trad. Márcia de Sá Cavalcante. Petrópolis: Vozes, 1999. HEILBORN, M. L. Sexualidade: o olhar das Ciências Sociais. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1999. HORTA, W. de A. Processo de Enfermagem - São Paulo: EPU/Ed. Universidade de São Paulo, 1979. HÜHNE, L.M. Introdução ao pensar. Rio de janeiro: Uapê, 2006. JEFFCOATE, S. N.. Princípios de ginecologia – São Paulo: Editora Manole LTDA. São Paulo, 1983. JESUS, L. L. C. de. O cotidiano de mulheres mastectomizadas: do diagnóstico à quimioterapia. 2002. Dissertação ( Mestrado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem. Universidade Federal da Bahia, Salvador. KHASTGIR, G,; STUDD, J. W.W.; CATALAN,J. The psychological outcome of hysterectomy. Gynecol Endocrinol; 14: 132-41. 2000. LEÃO, E.C.; Introdução. In: Heidegger, M. Ser e Tempo – Parte Ipetrópolis: Vozes, 1999, p.11-22. LEBLANC, J. ; L’archéologie du savoir de Michel Foucault pour penser lê corpes sexué autrement. Ed. L’Harttan. Collection Ouverture Phailocophique. 2004. LINDE, R. W., MATTINGLY, R. F. Ginecologia Operatória. Quarta Edição. Editora Bernardes, S. A – Buenos Aires, 1971. LIPPI, U. G.; LOPES, R. G. C.; BARACAT, F. F. Ginecologia: manual de normas e condutas. São Paulo: EPUB, 2002. LOPES, M. J. M.; Meyer, D. E.; WALDOW, V. R. Gênero e saúde. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. LOPES, R. L. M. et al. A fenomenologia e a pesquisa em enfermagem. Revista de Enfermagem UERJ, Rio de Janeiro: v.3, n. 1, maio, p.49-52, 1995. LOPES, R. L. M. O Avesso da Prevenção do Câncer Cérvico-Uterino – O Exsistir Feminino sob a Ótica da Enfermagem. 1996. Tese (Doutorado em Enfermagem). Escola Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro. LUZ, M. H. B. A. A Dimensão cotidiana da pessoa ostomizada: um estudo de enfermagem no referencial de Martin Heidegger. 2001. Tese (Doutorado em Enfermagem) Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio Janeiro. Rio de Janeiro. MALVEIRA, E. A. P. A enfermagem no cuidado de saúde à criança em unidades básicas: uma abordagem fenomenológica. 1998. Tese (Doutorado em Enfermagem) Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio Janeiro. Rio de Janeiro. MALUHY, M. de A. A percepção da mulher frente ao exame ginecológico: um olhar a partir da profissional da equipe de enfermagem. 2001. Dissertação ( Mestrado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. MARTINS, J.; BICUDO, M. A. V. A pesquisa qualitativa em psicologia: fundamentos e recursos básicos. São Paulo: Morais, 1989. MARTINS, J.; BOEMER, M. R.; FERRAZ, C. A. A fenomenologia como alternativa metodológica para a pesquisa; algumas considerações. Revista Escola de Enfermagem USP. São Paulo: v.24, n.2, p. 139-147, ago. 1990. MEEKER, M. H. ; ROTHROCK, J. C. ALEXANDER Cuidados de Enfermagem ao Paciente Cirúrgico. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S. A, Décima Edição.1997. MELO, M. C. S. C. de. Refletindo em um contexto: a mulher e o auto-exame da mama. 1992. Dissertação ( Mestrado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1992. MINAYO, M. C. de S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: HUCITEC, 2006. MINAYO, M. C. de S. Pesquisa social: teoria, método e criatividade Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. NASCIMENTO, E. R. . Gênero e enfermagem. Salvador, Bahia, 1996. OHNUMA, M. H. P. de C., BRENNA, S. M. F. Qualidade de vida afetada pelas complicações do tratamento em mulheres com câncer do colo do útero localmente avançado. Revista Nursing, v. 80, n. 8, p. 23 – 29, janeiro 2005. OLIVEIRA, S. M. O sentido de ser-mãe diante do choro do filho recém nascido: uma análise compreensiva sob a ótica da enfermagem. 1999. Dissertação ( Mestrado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. OSIS, M.J. D. PAISM: um marco na abordagem da saúde reprodutiva no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, V. 14 (supl. 1), p. 25-32, 1998. PARRA, O. M; SAAD, W. A. Noções básicas das técnicas operatórias. Rio de Janeiro: Atheneu, 2001. PARRA, O. M.; SAAD, W. A. Instrumentação cirúrgica. Rio de Janeiro: Atheneu, 2000. PASSOS, E. S. De anjos a mulheres: Ideologias e valores na formação de Enfermeiras. Salvador: EDUFBA, 1996. PAZ, E. A. O significado do Ser-Mãe cuidando da saúde do filho lactente. 1994. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio Janeiro. Rio de Janeiro. PINHEIRO, M.C. D. O diagnóstico de enfermagem: uma hermenêutica do conceito à luz de Martin Heidegger. 2003. Tese (Doutorado em Enfermagem) Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio Janeiro. Rio de Janeiro. POMPA, C. A. T. O cotidiano de vida e saúde de mulheres peruanas em uma comunidade rural. 2003. Tese (Doutorado em Enfermagem) Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio Janeiro. Rio de Janeiro. REZENDE J, Montenegro CAB. Obstetrícia Fundamental. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1999. RUSSO, M. et al. Manual para elaboração e normalização de dissertações e teses. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. 1997. SALIMENA, A. M. de O. Buscando compreender os sentimentos da mãe ao deixar o filho à porta da sala de cirurgia. 2000. Dissertação ( Mestrado em Enfermagem) Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais. SALIMENA, A. M. de O.; CADETE, M.M.M. Sentimentos da mãe ao deixar o filho à porta da sala de cirurgia. Revista SOBECC, Ano 7, n. 3, p. 24 – 30, jul./set. 2002. SALIMENA, A. M. de O.; CADETE, M.M.M. Desvelando os sentimentos da mãe ao deixar o filho à porta da sala de cirurgia. Revista Enfermagem Atual, Ano 2, n. 24, p. 33 – 38, novembro/Dezembro. 2002. SALIMENA, A. M. de O.; CADETE, M.M.M. Os sentimentos expressos pela mãe à porta do centro cirúrgico: abordagem fenomenológica. Revista Nursing, Ano 6, n. 56, p. 32 – 34, janeiro. 2003. SALIMENA, A. M. de O.; CADETE, M.M.M. O medo como ameaça de perda: o vivido pela mãe diante da cirurgia do filho. Revista RECENF , V.1, nº 2, mar./abr. ,p. 135 – 138, 2003. SALIMENA, A. M. de O.; FERNANDES, M. B.; BITTENCOURT, J. F. V. Programas nacionais de saúde materno-infantil no Brasil: uma retrospectiva histórica – texto apresentado no Seminário Institucionalização da proteção Materno Infantil, como atividade da Disciplina do Curso de Pós-graduação da EEAN/UFRJ: Políticas de Saúde da Mulher na Perspectiva Latinoamericana. 2001. ( mimeog.) SALIMENA, A. M. de O.; BARA, V. M. F. Enfermagem: uma retrospectiva refletida. Texto apresentado em Seminário como requisito da Disciplina Metodologia da Assistência de Enfermagem do Curso de Mestrado em Enfermagem da UFMG, março de 1998. ( mimeo.) SBROGGIO, A. M. R. Mitos em relação à retirada do útero em mulheres hospitalizadas no período pré-operatório. 2004. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, São Paulo. SILVA, M. D’A. A. Enfermagem na Unidade de Centro Cirúrgico. São Paulo: EPU, 1997. SILVA, R. M. da. Orientação para alta de pacientes submetidas a cirurgia ginecológica: um estudo exploratório. 1980. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio Janeiro. Rio de Janeiro. SILVEIRA, A. C.F; PROGIANTI, J. M. ; VARGENS, O. M. C. Optando pelo modelo desmedicalizado de cuidado à mulher: um caminho de Enfermeiras obstétricas. Anais do 14º SENP-Seminário Nacional de Pesquisa em Enfermagem – Florianópolis - : CD rom, 2007. SIMÕES, S. M. F. O ser parturiente: um enfoque vivencial. 1995. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio Janeiro. Rio de Janeiro. SIMÕES, S.M. F. Mulher: a de-cisão no cuidar da própria saúde: um olhar compreensivo na ótica da enfermagem. 1998. Tese (Doutorado em Enfermagem) Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio Janeiro. Rio de Janeiro. SIMÕES, S. M. F., SOUZA, I. E. de O. Mulher: a de-cisão no cuidar da própria saúde. Niterói: Intertexto, 2002. SMELTZER, S. C.; BARE, B. G. Tratado de Enfermagem Médico-Cirúrgica – Guanabara Koogan. Rio de Janeiro. 2002. SOUEN, J.; CARVALHO, J. P.; PINOTTI, J. A. Oncologia genital feminina. São Paulo: Roca,2001. SOUTO, M. D. Sexualidade da mulher após a mastectomia. 2003. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio Janeiro. Rio de Janeiro. SOUZA, I. E. de O. O desvelar do ser-gestante diante da possibilidade de amamentação. 1993. Tese (Doutorado em Enfermagem) Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio Janeiro. SPINDOLA, T. Trabalho feminino: muitos papeis...uma só mulher! Ambivalência do cotidiano. 2002. Tese (Doutorado em Enfermagem) Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio Janeiro, Rio de Janeiro. TYRRELL, M. A. R. , CARVALHO, V.. Programas nacionais de saúde maternoinfantil, impacto político social e inserção da enfermagem. Rio de Janeiro: UFRJ, 1993. VERAS, K. J. P. et al. O enfermeiro na Detecção Precoce do Câncer de Mama. Revista Nursing, v.83, nº 8, p. 167 – 172, abril. 2005. ANEXOS Declaração chefe de Departamento de Ginecologia Declaração Diretor Geral HU/UFJF Sisnep 0024.0.180.000-6 Parecer Comitê de Ética Ficha de atendimento ambulatorial TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Livros Grátis ( http://www.livrosgratis.com.br ) Milhares de Livros para Download: Baixar livros de Administração Baixar livros de Agronomia Baixar livros de Arquitetura Baixar livros de Artes Baixar livros de Astronomia Baixar livros de Biologia Geral Baixar livros de Ciência da Computação Baixar livros de Ciência da Informação Baixar livros de Ciência Política Baixar livros de Ciências da Saúde Baixar livros de Comunicação Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE Baixar livros de Defesa civil Baixar livros de Direito Baixar livros de Direitos humanos Baixar livros de Economia Baixar livros de Economia Doméstica Baixar livros de Educação Baixar livros de Educação - Trânsito Baixar livros de Educação Física Baixar livros de Engenharia Aeroespacial Baixar livros de Farmácia Baixar livros de Filosofia Baixar livros de Física Baixar livros de Geociências Baixar livros de Geografia Baixar livros de História Baixar livros de Línguas Baixar livros de Literatura Baixar livros de Literatura de Cordel Baixar livros de Literatura Infantil Baixar livros de Matemática Baixar livros de Medicina Baixar livros de Medicina Veterinária Baixar livros de Meio Ambiente Baixar livros de Meteorologia Baixar Monografias e TCC Baixar livros Multidisciplinar Baixar livros de Música Baixar livros de Psicologia Baixar livros de Química Baixar livros de Saúde Coletiva Baixar livros de Serviço Social Baixar livros de Sociologia Baixar livros de Teologia Baixar livros de Trabalho Baixar livros de Turismo