Fepal - XXIV Congreso Latinoamericano de Psicoanálisis - Montevideo, Uruguay
“Permanencias y cambios en la experiencia psicoanalítica" – Setiembre 2002
Motivações para a mulher HIV positivo gestar
Maria Regina Limeira Ortiz*
Tania Mara Andreoli Gomes**
Resumo
Trabalhar com mulheres portadoras do vírus da Imuno Deficiência adquirida(HIV) é algo
extremamente desafiador. O fato destas mulheres, sabedoras de sua enfermidade,
continuarem gerando bebês mesmo “conscientes” do desenvolvimento de sua doença é
algo a ser investigado, e que vem desafiando os meios científicos. A partir disto surgiu o
propósito do presente trabalho: investigar quais as motivações que levam estas
mulheres a gestar. Para tanto, foram entrevistadas vinte e nove (29) gestantes
portadoras do HIV, que realizaram as consultas de pré-natal no Ambulatório de
Ginecologia DST-HIV do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Em todas as pacientes
foi aplicado, através de entrevistas semi—estruturadas um protocolo previamente
validado.
Foram
consideradas
variáveis
como
relacionamento
familiar,
desenvolvimento sexual e relações sociais.
* Psicanalista, Membro Associado da SPPA: Psicóloga do HCPA
** Psicóloga do HCPA
Este trabalho foi desenvolvido juntamente ao ambulatório de Doenças Sexualmente
Transmissíveis e HIV, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, coordenado pelo Dr.
Paulo Naud.
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“Permanencias y cambios en la experiencia psicoanalítica" – Setiembre 2002
Introdução
Trabalhar com mulheres portadoras de HIV+ é algo extremamente instigante; nos
deparamos com a questão da feminilidade, sexualidade e finitude. O fato dessas
mulheres terem conhecimento de sua enfermidade, de suas condições orgânicas e do
perigo que uma gestação acarretaria à sua vida pela diminuição de suas defesas, é
algo a ser investigado e que vem desafiando os meios científicos.
Ao trabalhamos com essas pacientes chamou-nos a atenção de que mesmo com
todas
as
orientações
realizadas
pela
equipe
interdisciplinar,
elas
seguiam
engravidando, arriscando suas condições de saúde. Passamos a nos questionar quais
seriam as motivações que as levavam a desafiar seu organismo e, ignorando todas as
evidências, a engravidar.
Muitas hipóteses nos ocorreram, pensamos na gestação como uma forma de
manutenção de vida, busca de um ideal de ego, a preservação da espécie, o desafio
frente à ameaça da morte, a busca pela descendência que imprimiria o sentido da
imortalidade.
Freud em o “Ego e o Id” afirma que: “o surgimento da vida seria, então, a causa
da continuação da vida e também, ao mesmo tempo, do esforço no sentido da morte. E
a própria vida seria um conflito e uma conciliação entre essas duas tendências”
(1923,p.56). Se considerarmos o conflito a que estas mulheres encontram-se expostas
podemos supor a existência de uma luta contínua entre as pulsões.
Deutsch refere que na maternidade a mulher encontra a oportunidade de
experimentar diretamente o sentido da imortalidade. A função reprodutora como
acontecimento biológico pode ser concebida como manifestação individual da flutuação
humana universal entre dois pólos de criação e destruição, é como a vitória da vida
sobre a morte. Em tal sentido, essas manifestações biológicas são expressadas em
sentimentos primitivos, em cultos religiosos e no mais avançado pensamento filosófico.
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A maternidade representa “um ideal moral, religioso e também artístico da
civilização. Uma mulher grávida está protegida pela lei e pelo costume, e será
considerada um objeto sagrado, muitas se sentem orgulhosas e felizes nesse estado”
(Deutsch, 1947, p.29).
Podemos pensar que ao gestar estas mulheres estariam, inconscientemente
buscando a imortalidade, bem como o reconhecimento social, que muitas vezes
encontra-se seguido de preconceitos devido à doença. A gravidez, traduziria a sua
própria fertilidade, a vida que encontra-se dentro dela, a confirmação de que mesmo
doente, ainda podem gerar vida. O bebê pode representar para a mulher o desejo
narcísico de ser completa e onipotente, mantendo assim, uma imagem idealizada de si
mesma, podendo negar a necessidade de dependência de outras pessoas.
O desejo de ter filhos pode ser considerado como parte integrante da
sexualidade feminina, pois é uma tentativa de recuperar a própria mãe buscando uma
identificação com a mesma, além de poder comprovar sua própria fertilidade. Um filho
pode corresponder ao desejo infantil de ter uma criança com o pai, fazendo do feto um
representante inconsciente do pênis desejado. “Em seu desejo de maternidade influem
também causas mais conscientes ou mais racionais. Pode desejar um filho para reviver
sua própria infância nele ou dar-lhe precisamente o que não teve” (Langer,1978, p.198).
Na gestação, a mulher vive a união mais íntima que possa existir entre dois
seres. Desde que nasceu, pela primeira vez não está só. É um momento também
durante o qual ela tenta resgatar a sua história e relação com a mãe.
A motivação para a maternidade pode ser influenciada por diversos fatores como
os já citados acima. Atualmente, diversos estudos comprovam o aumento de mulheres
contaminadas pelo vírus HIV através de relações sexuais. Freqüentemente mulheres
infectadas engravidam preocupando os técnicos envolvidos em seus atendimentos.
Esse fato sugere que apesar dos esclarecimentos acerca do risco de transmissões
verticais seguem desafiando suas condições clínicas.
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Assim, este é um primeiro estudo de busca de conhecimento a respeito das
motivações que levariam estas mulheres infectadas pelo vírus a seguir gerando; inédito
na medida em que na literatura não encontramos qualquer menção a essas
motivações.
Material e Métodos
A População do presente estudo foi constituída por vinte e nove pacientes
gestantes e soropositivas, pertencentes ao acompanhamento de pré-natal no
ambulatório de Ginecologia e Doenças Sexualmente Transmissíveis do Hospital de
Clínicas de Porto Alegre. Todas elas eram sabedoras de sua condição física antes de
engravidar.
Os atendimentos foram efetuados no mesmo dia das consultas médicas, sendo
que cada um deles tinha cerca de quarenta e cinco minutos de duração. O número
máximo de atendimentos não foi estipulado, porém quando necessário, as pacientes
permaneceram em acompanhamento psicológico no ambulatório.
Através das entrevistas semi-estruturadas buscou-se proporcionar as pacientes
um momento, no qual elas expressassem os sentimentos frente a maternidade e ao
diagnóstico de HIV, uma vez que na gestação a mulher geralmente encontra-se sujeita
a crises devido às mudanças que passa, tanto intra-psiquicamente quanto socialmente
e no contexto familiar
As entrevistas foram realizadas pela psicologia, sendo que após a assinatura de
um termo de consentimento, as pacientes responderam a um protocolo, devidamente
aprovado pela Comissão de Ética do HCPA, que abordava três variáveis:
relacionamento familiar, desenvolvimento sexual e relações sociais.
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Resultados e Discussão
A faixa etária das mulheres encontrava-se entre 20 – 30 anos (66%).
O uso de drogas é negado em 55% delas. Informam que a maioria de seus
relacionamentos sociais são pobres (59%) quase não possuem amigos.
Quanto ao relacionamento familiar, 55% afirmam que foram criadas pelos pais
(casal). O relacionamento com a mãe foi considerado conturbado em 62%, com muitas
brigas e desentendimentos . Em relação ao pai, 55% referem um bom relacionamento,
embora esse fosse ausente estando grande parte do dia fora de casa. Todas as
mulheres (100%) relatam que sofreram algum tipo de maltrato infantil.
A reação familiar, frente o diagnostico de HIV+, foi de apoio com 48% dos casos;
indiferença em 52%, pois não configurou surpresa.
Iniciaram a vida sexual precocemente entre os 9 e 15 anos (76%). O número de
parceiros sexuais é superior a 5 em 62% das mulheres. 86% delas afirmam que a
relação sexual é vaginal. Revelam que possuíam uma vida sexual bastante ativa antes
da descoberta do HIV+ (76%). Após a descoberta, as relações são esporádicas (52%)
e algumas negam que mantenham relações sexuais (45%).
Após o diagnóstico de HIV+, 24% delas tem parceiro fixo, e 76% não tem
parceiro fixo. A respeito da contaminação, 55% sabem que a contaminação se deu
através do parceiro, enquanto 45% não sabem a origem da contaminação.
Em relação aos sentimentos frente à gestação, a maior expectativa (86%) é a de
gerar um bebê sadio, seguido de medo de morte e confusão (38%).
Em 93% dos casos o bebê imaginário é visto como sadio.
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O número de gestações destas mulheres, antes do diagnóstico de HIV +,
oscilava entre 2 e 4 (79%), e após a descoberta do diagnóstico, oscila entre 2 e 3
(90%), sugerindo que a revelação do diagnóstico não influencia na decisão de seguir
engravidando.
Considerações Finais
A partir dos dados obtidos através do preenchimento do protocolo muitas
questões foram pensadas em relação as motivações para a maternidade nestas
mulheres.
O sentimento de experiência de imortalidade encontra-se muito presente, assim
como a revivência do passado, o desejo de restauração interna e uma tentativa de
negação de sentimentos relacionados a solidão.
Muitas dessas mulheres possuem uma vida desregrada, promíscua, indiferentes
à sua condição física. O que podemos relacionar com os achados referentes as
dificuldades de relacionamento com as figuras maternas e histórias de maltrato, que
podem levar a alterações na personalidade que devem ser minuciosamente
investigadas. O fato de sabedoras do diagnóstico do HIV, parece não influenciar no
sentido de prover um aumento de cuidados com seus próprios corpos. Isto nos reporta
a Melanie Klein (1975) que afirma que devido aos ataques fantasiosos que a menina
fez à mãe durante a primeira infância, ela tem medo de que também possa ter sido
atacada e como castigo teria a sua integridade física e seu bom conteúdo (os bebês
saudáveis) destruídos também.
Durante a gravidez ela pode vir a comprovar estas fantasias ou não. Ou seja,
gerando filhos saudáveis a mulher passa a acreditar que não foi castigada e que seu
conteúdo interno continua ileso. Ela alivia seus sentimentos de culpa frente aos ataques
que direcionou em fantasia à mãe, e ao pênis do pai.
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Por outro lado, negando suas condições físicas e o prejuízo que uma gestação
pode acarretar a sua saúde, pela diminuição de defesas, poderíamos considerar que
trata-se de um desafio que é lançado, um desafio a própria morte.
Portanto, através da maternidade as mulheres soropositivas encontram a
oportunidade de experimentar o sentido de imortalidade através do bebê. A função
reprodutora como acontecimento biológico, pode ser concebida como manifestação
individual da flutuação humana universal entre dois pólos de criação e destruição: a
mulher como renovadora da espécie.
Estes achados iniciais levantam outras questões a serem pesquisadas e melhor
detalhadas. Interessante salientar a dificuldade de manutenção de vínculo dessas
mulheres. Durante a gestação, em função do uso da medicação, elas se mantém
freqüentando os grupos e as consultas. As pacientes que conseguem vincular-se a
equipe e manter o atendimento psicológico não engravidam novamente.
Mas, após o nascimento do bebê, algumas “desaparecem”, abandonando o
tratamento, voltando novamente quando do surgimento de nova gestação. Dizemos
desaparecem, pois apesar dos chamados constantes pela equipe, não comparecem ao
hospital, mudam de endereço, tornando inviável sua localização.
Comprova-se também que as mulheres que aderem ao tratamento psicológico e
médico cuidam melhor de sua saúde, fazendo uso de preservativos e diminuindo o
número de parceiros. Em função desses cuidados todos, os últimos bebês nascidos
têm apresentado um resultado negativo para o vírus.
Essas mulheres verbalizam que só se mantêm com cuidados em função do bebê
e pelo bebê. O que pode significar o desejo de através do filho manter a vida, como se
ele fosse um estímulo , um objetivo para viver.
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Este estudo é apenas inicial e deverá ser aprofundado pois, o aumento de
mulheres que seguem engravidando nessas condições, traduz-se em um considerável
crescimento de transmissões verticais.
Bibliografia
DEUTSCH, H. (1947) La psicología de la mujer. Losada: Buenos Aires, v. II,
1960. 5ed.
FREUD, S. (1923). O Ego e o id. E.S.B. v. XIV, Imago: Rio de Janeiro,
1997.
LANGER, M.(1978) Maternidade e Sexo. Artes Médicas: Porto Alegre, 1986,
2ed.
KLEIN, M. (1975) Psicanálise de Crianças. Rio de Janeiro: Imago,1997.
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