UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS MARIA REGINA FILGUEIRAS ANTONIAZZI O PLANO DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL DO TRABALHADOR: POLÍTICA PÚBLICA DE EMPREGO? SALVADOR 2005 MARIA REGINA FILGUEIRAS ANTONIAZZI O PLANO DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL DO TRABALHADOR: POLÍTICA PÚBLICA DE EMPREGO? Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Doutora em Ciências Sociais. Orientadora: Profa. Dra. MARIA DA GRAÇA DRUCK SALVADOR 2005 A635 Antoniazzi, Maria Regina F. O Plano de Qualificação Profissional do Trabalhador – Planfor/Ba – política pública de emprego? / Maria Regina Filgueiras Antoniazzi. - 2005. 214 p. Orientadora: Profa. Dra. Maria da Graça Druck. Tese (doutorado) - Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Salvador. 1. Qualificação 2. Emprego. 3. Desemprego. 4. Plano Estadual de Qualificação Profissional – Bahia. I. Druck, Maria da Graça. II. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título. CDD 331.0981 MARIA REGINA FILGUEIRAS ANTONIAZZI O PLANO DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL DO TRABALHADOR: POLÍTICA PÚBLICA DE EMPREGO? Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutora, Universidade Federal da Bahia pela seguinte banca examinadora: Ângela Maria Carvalho Borges Doutora pela Universidade Federal da Bahia, UFBA, Brasil Universidade Católica do Salvador, Escola de Serviço Social, UCSAL Gaudêncio Frigotto Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP, Brasil. Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Educação Inaiá Maria Moreira Carvalho Doutora pela Universidade de São Paulo, USP, Brasil Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Maria da Graça Druck – Orientadora Doutora pela Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, Brasil Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Vera Lúcia Bueno Fartes Doutora pela Universidade Federal da Bahia, UFBA, Brasil Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Eduação Salvador, 20 de maio de 2005 Aos meus alunos dos cursos de Teatro, Ciências Sociais, História, Música, Dança, Desenho e Artes Plásticas, Geografia, Física, Química, Biologia, Matemática, Pedagogia, Letras e Educação Física com os quais aprendo no cotidiano do meu fazer pedagógico. AGRADECIMENTOS S ão muitas as pessoas que contribuíram nessa minha trajetória de realização do doutorado, que culmina com a produção desta tese, às quais agradeço de coração. Dentre elas, destaco Graça Druck, minha orientadora, amiga irmã de todas as horas, pela orientação firme, apoio, ensinamentos e sobretudo paciência com minha pouca experiência na arte do tratamento dos dados empíricos; muito apreendi com sua competência, seu compromisso profissional, seu rigor como pesquisadora e sua solidariedade humana e intelectual. A Luiz Antônio, amigo irmão, pela orientação rigorosa e cuidadosa na elaboração do projeto inicial. Aos colegas – Luiz Paulo, Théo, Selma, Serra Neves, Denise, Márcia, Pablo – da Disciplina Leituras Dirigidas em Sociologia do Trabalho, pelas discussões e contribuições. Aos meus professores da Pós-Graduação, especialmente, Inaiá Carvalho, Severo Sales e Graça Druck, pelos ensinamentos e pela postura crítica em relação ao saber. Ao saudoso mestre Felippe Serpa, pela sabedoria em lidar com as diferenças, com quem muito aprendi. Ao profº Gilberto pela competência e presteza na tradução do resumo. Aos profissionais Álvaro, pela revisão de português, Sônia, pela normatização e Dadá, pela editoração desta tese. A amiga Eliana, pela sensibilidade e rigor na revisão final do texto. A minha mãe dinda Dedete, pelo apoio afetivo e incentivo constante. A Ana Helena, amiga sempre presente, pela solidariedade nos momentos mais difíceis. A Marcelo/Juju e Dani/Xico, filhos amados, pelo apoio, incentivo e por terem acreditado nesse meu projeto acadêmico, cheio de ondas revoltas. A turma de Itacimirim – Lola,Tereza, Lena, Loia, Maria Thereza, Dilza e Miriam – por ter compreendido as minhas ausências e pelo apoio e incentivo constante. A minha doce netinha Júlia, por ter acelerado a conclusão desta tese e mudado meu estado de espírito. Ao netinho Vito, ainda por chegar, por ter provocado, sem saber, uma alegria enorme no meu coração; por ambos, Júlia e Vito, a vontade de viver muito e melhor. O PLANO DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL DO TRABALHADOR: POLÍTICA PÚBLICA DE EMPREGO? RESUMO Este estudo tem como objeto de investigação o Plano Estadual de Qualificação Profissional – PLANFOR/BA, implementado no período do governo Fernando Henrique Cardoso e inserido no quadro das chamadas políticas ativas do Sistema Público de Emprego. O objetivo geral deste estudo é analisar, à luz da Economia, da Sociologia do Trabalho e dos dados empíricos produzidos pela avaliação externa do Programa, sua trajetória enquanto “proposta de política pública ativa de emprego”, como denominou o governo Fernando Henrique Cardoso, desde suas origens, suas principais contradições internas, intrínsecas ao próprio (PLANFOR) e a sua execução, através dos cursos de qualificação e requalificação profissional. A análise concentra-se na discussão dos conceitos de emprego e de políticas públicas de emprego no Brasil dos anos de 1990, demonstrando duas questões fundamentais: 1) como a adoção da política macroeconômica do governo Cardoso implicou no deslocamento de ações de combate ao desemprego para uma questão técnica – a qualificação, que passa a ser o eixo central do PLANFOR. Nesse sentido, o desemprego é visto pelo governo como uma questão de desqualificação do trabalhador para enfrentar um mercado com “novas formas” de trabalho; 2) as limitações da qualificação proposta pelo Ministério do Trabalho e Emprego, a partir do banco de dados produzido pela FACED/UFBA. O PLANFOR/BA, portanto, é estudado a partir da reconstituição de seus antecedentes históricos internos e externos, as circunstâncias políticas, econômicas e sociais e os fundamentos teóricos que permitiram a sua implementação. PALAVRAS-CHAVE: Trabalho; Qualificação; Emprego; Empregabilidade; Plano Estadual de Qualificação Profissional – Bahia. THE PLAN OF PROFESSIONAL QUALIFICATION OF WORKERS: PUBLIC POLICY ON EMPLOYMENT? ABSTRACT This study aims to investigate the statewide plan of professional qualification – PLANFOR/BA implemented during Fernando Henrique Cardoso’s government, inserted in the set of actions that were called active policy of the public system of employment. The general aim of this study is to analyze, through the eyes of economics and sociology of work and the empirical data produced in the external evaluation of the program and its development as proposition of public policy on employment as it was called by the government of Fernando Henrique Cardoso, from its origin, its main internal contradictions, intrinsically part of PLANFOR, to its execution, through the professional qualification and requalification courses. The analysis focus on the discussion of the concepts of employment and public policy of employment in Brazil since the 1990s, demonstrating two fundamental questions: 1) how the implementation of the macro economic policy of the government of Fernando Henrique Cardoso drove the actions against unemployment towards a technical issue – the qualification, that becomes the basis of PLANFOR. This way, unemployment is seen by the government as a question of workers that lack qualifications to join a market with new kinds of work; 2) the limitations of the qualification proposed by the “Ministério do Trabalho e Emprego” (ministry of work and employment), based on the data bank produced by FACED/ UFBA. So PLANFOR/BA is studied from the reconstitution of its internal and external historic antecedents, the political, economic and social circumstances and the theoretical background that allowed its implementation. KEY WORDS: Work; Qualification; Employment; Employability; Statewide Plan of Professional Qualification. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 1.1 - Metodologia do Estudo 1.1.1 - Procedimentos 2. ESTUDO DA QUALIFICAÇÃO, COMPETÊNCIA E FORMAÇÃO PROFISSIONAL 2.1 - Principais Abordagens da Qualificação e da Competência na Formação Profissional 2.2 - Formação Profissional no Brasil 2.3 - Política Nacional de Educação Profissional (PNEP) 2.4 - A Formação Profissional na Perspectiva das Centrais Sindicais 3. POLÍTICAS PÚBLICAS DE EMPREGO E RENDA 3.1 - Nos Países Desenvolvidos 3.2 - A Experiência Brasileira 3.3 - O PLANFOR no Contexto das Políticas Públicas de Emprego e Renda 3.4 - Alternativas de Políticas de Emprego 4. O QUADRO DO TRABALHO NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO 4.1 - A Crise do Fordismo 4.2 - O Fordismo no Brasil 4.3 - O Mercado de Trabalho na Década de 1990 4.4 - Mercado de Trabalho no Brasil 4.5 - Mercado de Trabalho na Bahia 5. O PLANFOR: POLÍTICA DE EMPREGO E RENDA? 5.1 – PLANFOR Nacional 5.1.1 – Guia do PLANFOR 5.1.2 – Guia de avaliação do PLANFOR 5.1.3 – Avaliações do PLANFOR pelo Ministério do Trabalho e Emprego 5.2 – PLANFOR Estadual 5.2.1 – Plano Estadual de Qualificação Profissional – PLANFOR-BA 5.2.2 – Avaliação externa – 1996/2002 6. O PLANFOR/BA NÃO É UMA POLÍTICA DE EMPREGO E RENDA REFERÊNCIAS 12 17 19 21 23 38 46 50 56 56 64 79 83 87 93 96 99 102 110 120 120 120 144 150 169 169 171 193 199 LISTA DE TABELAS Tabela 1 Número de municípios, treinandos e investimentos do PLANFOR/BA – 1996/2001 173 Tabela 2 Executoras, números de treinandos e recursos do PLANFOR/BA – 1996/2001 174 Tabela 3 Número de matrículas e carga horária por habilidades - PLANFOR/BA 1996/2001 176 Tabela 4 177 Tabela 5 Trabalhadores desocupados e encaminhados ao mercado de trabalho PLANFOR/BA - 1996/2001 Habilidades desenvolvidas pelo programa Tabela 6 Habilidades desenvolvidas pelo programa 187 Tabela 7 Opinião dos egressos sobre os cursos do PLANFOR/BA – 1996/2000 187 Tabela 8 Número de treinandos e investimentos por setor econômico -Salvador – 2001 190 Tabela 9 Número de treinandos e investimentos por “Grupos Vulneráveis - Salvador - 2001 191 184 LISTA DE SIGLAS APADA APAE ASCETEB BIRD BNB CAGED CEE CGT CNM CMB CME CODEFAT CUT CNTA DDT DNOCS EBDA EFSCUT EP FACED FAPES FAPEX FAT FEBEE FETAG FGTS FS IDORT IBGE IPEA LDB OCDE PAT PARCs PCDA PEA PED PEQ PLANFOR PNEP PNAD PPI PPTR PROGER PRONAF REP SEBRAE/BA SEFOR SEI SENAC Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos Associação de Pais e Amigos de Excepcionais Associação Centro de Educação Tecnologica do Estado da Bahia. Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento Banco do Nordeste do Brasil Cadastro Geral de Empregados e Desempregados. Comissão Estadual de Emprego Central Geral dos Trabalhadores Confederação Nacional dos Metalúrgicos Confederação das Mulheres do Brasil Conselho/Comissão Municipal de Emprego Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador Central Única dos Trabalhadores Comissão Nacional de Tecnologia e Automação Departamento de Desenvolvimento do Trabalho Departamento Nacional de Obras Contra a Seca Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola Escola de Formação Sindical da CUT no Nordeste Educação Profissional Faculdade de Educação Fundação de Administração e Pesquisa Econômico-Social Fundação de Apoio à Pesquisa e à Extensão Fundo de Amparo ao Trabalhador Fundação Escola Baiana de Engenharia Eletromecânica Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado da Bahia Fundo de Garantia por Tempo de Serviço Força Sindical Instituto de Organização Racional do Trabalho Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico Posto de Apoio ao Trabalhador Parcerias Nacionais e Regionais Programa de Capacitação de Dirigentes e Assessores Fiscais População Economicamente Ativa Pesquisa de Emprego e Desemprego Plano Estadual de Qualificação Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador Política Nacional de Educação Profissional Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Plano Plurianual de Investimentos Políticas Públicas de Trabalho e Renda Programa de Geração de Emprego e Renda Programa Nacional de Agricultura Familiar Rede de Educação Profissional Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Estado da Bahia Secretaria de Formação e Desenvolvimento Profissional Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial SENAI SENAR SENAT SESC SESI SEST SETRAS SIGAE SIGEP SINE SPPE STb UFBA UNITRABALHO Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial Serviço Nacional de Aprendizagem Rural Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte Serviço Social do Comércio Serviço Social da Indústria Serviço Social do Transporte Secretaria do Trabalho e Ação Social Sistema de Informações Gerenciais de Ações de Emprego Sistema de Informações Gerenciais da Educação Profissional Sistema Nacional de Emprego Secretaria de Políticas Públicas de Emprego Secretaria Estadual de Trabalho Universidade Federal da Bahia Fundação Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho 1. INTRODUÇÃO Considerando-se o debate teórico-contemporâneo sobre a qualificação profissional, as políticas de emprego e o mercado de trabalho na fase atual do capitalismo – “acumulação flexível” (HARVEY, 1998) e, ainda, as repercussões do ajuste da economia brasileira aos processos de globalização, reestruturação produtiva e neoliberalismo, o objetivo geral deste estudo é analisar o Plano Estadual de Qualificação Profissional – PLANFOR/BA, implementado no período 1996/2002 do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso e que tinha, segundo aquele governo, o material de enfrentamento do desemprego e do desenvolvimento da qualificação profissional do trabalhador, baseada numa “nova institucionalidade” no campo da Educação Profissional. O estudo, portanto, procura compreender o PLANFOR/BA a partir do seu contexto histórico. E é esse contexto que se passa a discutir a seguir. A crise do capitalismo, com o esgotamento do fordismo no início dos anos 1970, criou as condições objetivas para que a doutrina neoliberal se expandisse e assumisse importância política cada vez maior, chegando ao poder no final daquela década, com Margareth Thatcher na Inglaterra e Ronald Regan nos Estados Unidos. Assim, a crise econômica internacional, conjugada à onda de transformações tecnológicas, organizacionais, produtivas (terceira revolução industrial), financeiras e sociais, trouxe repercussões imediatas sobre o nível de emprego e o funcionamento do mercado de trabalho. As raízes da crise do capitalismo, segundo a doutrina neoliberal, estariam no poder excessivo e nefasto dos sindicatos e do movimento operário, que pressionavam pelo aumento dos salários e dos gastos sociais do Estado, inviabilizando os lucros, corroendo as bases de acumulação das empresas e acelerando a inflação. Assim, as propostas e ações políticas neoliberais vão todas na direção de desmontar o “pacto social-democrata” e construir um outro tipo de Estado (DEDECA, 1999; FILGUEIRAS, 2000; POCHMANN, 2001). Para viabilizar essa proposta, era necessário, antes de tudo, romper o poder dos sindicatos, desqualificá-los enquanto representação dos trabalhadores, restaurando-se a taxa “natural de desemprego” que, por sua vez, disciplinaria os movimentos dos trabalhadores e arrefeceria suas reivindicações salariais. No que diz respeito ao Estado, dever-se-ia reduzir os gastos sociais do governo e realizar uma reforma fiscal, cuja meta principal deveria ser a diminuição dos impostos sobre as rendas e os rendimentos mais altos, fornecendo maiores incentivos ao capital no sentido de poder realizar novos investimentos. 12 Portanto, a meta fundamental de todos os governos deveria ser a estabilidade monetária, adotando-se uma rígida disciplina orçamentária e buscando-se um permanente equilíbrio fiscal. Assim, o objetivo a ser alcançado era a desregulação, isto é, a substituição do Estado pela “livre concorrência” no que se refere ao funcionamento dos diversos mercados, em particular aos mercados financeiros e ao mercado de trabalho. As políticas econômicas fundamentadas nas doutrinas monetaristas neoliberais procuram desvencilhar o Estado dos compromissos sociais, papel que lhe cabia no modo de regulação fordista. Para os que sobrevivem da venda de sua força de trabalho o contexto é de extrema insegurança e inquietude. Esse novo regime de “acumulação flexível” veio aprofundar as contradições sociais ao incidir sobre os processos de reprodução da força de trabalho, a estrutura das oportunidades de venda dessa mercadoria especial, os critérios de sua remuneração e valorização, a relação entre seu valor de uso e seu valor de troca, o poder de negociação sindical e as relações entre o capital e o trabalho. Como explica Harvey (1998, p. 140-141), a "acumulação flexível" [...] se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. [...] envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado “setor de serviços”, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas [...] parece implicar níveis relativamente altos de desemprego “estrutural”, rápida destruição e reconstrução de habilidades, ganhos modestos (quando há) de salários reais e o retrocesso do poder sindical – uma das colunas políticas do regime fordista. Assim, as transformações pelas quais vem passando o sistema capitalista mundial com o processo de transnacionalização do capital, vêm representando maiores adversidades para os trabalhadores, atingindo fortemente as suas condições de trabalho, de vida e sua subjetividade; assiste-se a mais grave crise do trabalho do mundo, marcada pelo aumento do desemprego e da desregulamentação das relações de trabalho (DRUCK, 1999, 2001; POCHMANN, 1999a, 1999b; DIEESE, 1994). Os resultados da aplicação dessas políticas neoliberais nos países avançados foram: queda da inflação; recuperação dos lucros, com o enfraquecimento do movimento sindical, expressa na queda do número de greves e na contenção dos salários; crescimento das taxas de desemprego com aumento da desigualdade; alta especulação financeira e taxas de crescimento inexpressivas, pelo baixo investimento produtivo. Paradoxalmente, o peso do Estado do BemEstar não diminuiu em virtude dos gastos com desempregados e aposentados, e a dívida 13 pública cresceu em quase todos os países durante os anos 1990, com o advento de uma nova recessão (DEDECA, 1999). Em relação aos países subdesenvolvidos, Filgueiras (2000, p. 58) explica: [...] as políticas neoliberais foram consolidadas pelo Consenso de Washington,1 cuja agenda pode ser resumida pelos seguintes pontos: combate à inflação através de planos de estabilização alicerçados na valorização das moedas nacionais frente ao dólar e na entrada de capitais especulativos; abertura da economia, com desregulamentação dos mercados de produtos e financeiros; e, adicionalmente, as chamadas reformas estruturais do Estado – com destaque para a privatização – e da economia, com a quebra dos monopólios estatais. No Brasil, durante toda a década de 1980, a força dos movimentos sociais e dos trabalhadores impediu a implantação da agenda neoliberal, que só começou a ser efetivada a partir do governo Collor. Com o impeachment de Collor foi momentaneamente paralisada, retomada lentamente durante o frágil governo Itamar Franco, consolidando-se a partir do governo Fernando Henrique Cardoso. Foi, portanto no governo Cardoso que ocorreu a abertura comercial e financeira da economia, as privatizações e o propósito de deslegitimação dos sindicatos e da desmoralização dos movimentos sociais (DEDECA, 1999; FILGUEIRAS, 2000). Os resultados da implementação do ideário neoliberal no Brasil, caracterizado pela mais absoluta hegemonia do capital financeiro, representaram elevadas taxas de desemprego e uma ampla disseminação de um processo de precarização do trabalho, criando-se uma massa de indivíduos dispensáveis, não exploráveis pelo capital (DRUCK, 1999; DEDECA, 1999; ANTUNES, 2002). As persistentes taxas elevadas de desemprego e a ampliação do tempo médio no qual os indivíduos ficam sem ocupação, indicam que este é estrutural, apesar da existência de algum crescimento econômico. O desemprego atinge os diversos grupos sociais e étnicos de forma diferenciada, alcançando mais os jovens, as mulheres, os negros e os imigrantes, o mesmo ocorrendo em relação ao subemprego (POCHMANN, 1999a). Em relação à precarização do trabalho, também ocorreu com os ocupados e se expressou na maior intensificação da jornada de trabalho, traduzida no aumento das horas extras e no crescimento do estresse, e em uma menor remuneração. Formas pretéritas de trabalho do início da produção capitalista retornam como o “trabalho a domicílio” e o “trabalho Infantil” (POCHMANN, 1999a). 1 O Consenso de Washington é hoje um conjunto, abrangente, de regras de condicionalidade aplicadas de forma cada vez mais padronizada aos diversos países e regiões do mundo, para obter o apoio político e econômico dos governos centrais e dos organismos internacionais. Trata-se também de políticas macroeconômicas de estabilização acompanhadas de reformas estruturais liberalizantes. 14 Como afirma Druck (1994), essas formas de precarização do trabalho atingem a própria identidade dos trabalhadores, através do processo de destruição, desfiguração e segmentação dos “coletivos de trabalho” promovido pelas práticas de subcontratação e de terceirização que desvinculam parcelas crescentes dos operários das grandes empresas, agravando a crise dos sindicatos. Em suma, o desemprego se revela, mais uma vez, como instrumento fundamental da disciplina do capital sobre o trabalho tanto em relação aos níveis de remuneração quanto no que concerne às condições de trabalho. Em escala mundial, num momento de hegemonia, das relações e dos valores capitalistas, em sua forma mais acabada, assiste-se a um processo de homogeneização e diferenciação das sociedades também em âmbito planetário (BORGES; DRUCK, 1993). Filgueiras (2000, p.67) corrobora na compreensão do mundo contemporâneo quando afirma que: [...] homogeneíza-se econômica, política e socialmente parte significativa do planeta, mas, ao mesmo tempo, aprofunda-se a diferenciação no interior de cada espaço nacional, mesmo nos países mais desenvolvidos. Nessa medida, globaliza-se o desemprego e a exclusão social, a instabilidade e as incertezas, enfim, globaliza-se o “mal-estar”, inclusive entre as parcelas privilegiadas das sociedades, de se estar destruindo um “modo de vida” sem, contudo, se ter ainda a clareza do que se está colocando em seu lugar. Pochmann (2002) complementa, indicando que nos últimos vinte anos a globalização resultou em uma desigualdade no plano mundial, ampliando-se as diferenças entre as nações, especialmente com a concentração dos frutos da expansão econômica em poucos países, mas, que o trabalho não foi globalizado, permanecendo como uma questão de dimensão nacional, seja pelas inúmeras restrições à livre circulação da mão-de-obra, principalmente entre países pobres e ricos, seja pela referência à concentração dos empregos de qualidade nos países avançados e a maior manifestação do desemprego aberto e dos postos de trabalho precários nos países subdesenvolvidos. Segundo este autor, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) indicava, em 1979, que havia cerca de 45 milhões de trabalhadores na situação de desemprego aberto (procurando trabalho), sendo que 1/3 encontrava-se nos países do G7 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Itália, Inglaterra e Canadá). Vinte anos depois o desemprego aberto mundial havia alcançado 150 milhões de trabalhadores, sendo que 16% encontravam-se nos países do G7 (POCHMANN, 2002). O governo Cardoso, por aceitar gratuita e passivamente a doutrina neoliberal, colheu durante os últimos anos do seu segundo mandato o que andou semeando, com a 15 abrupta e desorganizada abertura comercial, financeira, produtiva e tecnológica. Assim, a ausência de crescimento econômico sustentado, a menor participação no comércio mundial, a expansão do desemprego aberto, a redução do emprego formal e da proliferação da ocupação informal e precária não são meras coincidências, mas conseqüências diretas da opção neoliberal que os governos brasileiros escolheram para o país na década de noventa. Os indicadores do desemprego aberto no Brasil, ainda segundo Pochmann (2002), demonstram os efeitos dessa política: em 1989, o Brasil possuía um milhão e novecentos mil desempregados, já em 1999, havia sete milhões e seiscentos mil trabalhadores desempregados. Outro dado importante é que a “nova economia” assumida pelo Brasil registrou sinal de regressão na sua participação relativa no Produto Interno Bruto (PIB), que caiu de 2,7%, em 1989, para 2,1%, em 1999. O desemprego se constitui em um dos principais problemas para a maior parte da população brasileira, conforme apontam as pesquisas de opinião pública. Contudo, para os governos brasileiros da década de 1990, o desemprego não representava um problema, mas resultado de uma opção política que produziu a mais grave crise do emprego na história nacional. Tanto foi assim, que somente no segundo mandato do presidente Cardoso é que o governo federal, com a justificativa maior que o problema não era a falta e/ou geração de empregos, mas a qualificação, se preocupou com os trabalhadores desempregados e passou a implementar, de forma focalizada, políticas sociais, dentre elas, o PLANFOR, objeto de estudo da presente tese. Este estudo pretende evidenciar as contradições internas e externas do PLANFOR, isto é, procura indicar a coerência ou não de seus supostos e diretrizes em relação ao planejamento e a gestão do PLANFOR/BA, no que diz respeito ao atendimento das demandas do mercado de trabalho e da população-alvo regional e/ou local. Enfim, procura-se identificar através da literatura sobre o tema, da análise dos documentos oficiais do PLANFOR e dos dados empíricos produzidos pela avaliação externa do Programa, realizada pela Faculdade de Educação (FACED) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), se este se constitui, de fato, em uma alternativa de combate ao desemprego. Para a consecução desse objetivo foi necessário apontar as características principais da nova fase do capitalismo contemporâneo, sua forma político-ideológica de implementação e suas implicações no mundo do trabalho, em particular no que se refere à sociedade brasileira. Entendeu-se que, a partir dessa contextualização foi possível problematizar essa política, caracterizada pelo governo como de emprego e renda, desenvolvida pelo governo federal no período de 1996-2002. 16 O problema desta tese é o seguinte: A qualificação profissional do trabalhador – PLANFOR - foi uma política de emprego e renda no Brasil dos anos 1990? Assim, para estudar esse problema procura-se compreender as seguintes questões: a) Quais as características fundamentais do PLANFOR enquanto política de qualificação? b) Que características deve ter o “novo trabalhador” para um mercado de trabalho “flexível” como indicam as pesquisas de mercado de trabalho regionais e locais; c) Para um mercado de trabalho “flexível” a qualificação profissional do trabalhador proposta pelo PLANFOR pode ser vista como uma estratégia de combate ao desemprego? d) Em que medida os cursos de qualificação profissional oferecidos pelo PLANFOR/BA podem ser caracterizados como de formação profissional? 1.1 - Metodologia do Estudo A tradição brasileira em avaliação de políticas públicas é bastante pobre em termos de estudos da efetividade dessas políticas. É certo que o critério de efetividade tem estado presente em boa parte das análises, na medida em que este critério está fortemente relacionado a determinados ideais de igualdade e justiça social e, por esta razão, à expectativa de que as políticas implementadas reduzam os brutais índices de pobreza, desigualdade e exclusão social existentes no Brasil. Portanto, a correlação entre políticas e seus parcos resultados tem estado presente no discurso analítico das políticas públicas (ARRETCHE, 2001). No debate sobre políticas sociais, reconhece-se, hoje, que mudaram o tom do discurso e o conteúdo das mesmas, embora não se possa falar de transformações radicais nos sistemas de proteção social. As causas dessas mudanças podem ser localizadas no final dos anos de 1970, quando ocorreram modificações na economia mundial, produzidas pela reviravolta das políticas monetária e cambial norte-americana. Posteriormente, com os processos de industrialização bem-sucedidos dos países competidores dos Estados Unidos e o retorno do crescimento da economia norte-americana, houve uma aceleração sem precedentes da globalização financeira e da mudança do paradigma tecnológico. Esses processos foram acompanhados, em escala planetária, da concentração de renda e da riqueza e de sua contraface, a exclusão social (AZEREDO, 1998). Assim, em face dos problemas de natureza fiscal e financeira que se defrontaram os setores públicos dos diversos países, o discurso neoliberal identificou nos sistemas de proteção social seu alvo preferencial para o corte de despesas e o equilíbrio das contas públicas. A resistência à tentativa de desmonte dos sistemas de proteção social e seu enfrentamento está na 17 origem do que se convencionou chamar de políticas sociais de última geração. Esta denominação é encontrada em autores das mais variadas procedências teóricas e corresponde às mais diversas experiências, que, em alguns casos, destaca seu lado perverso, isto é, absoluto conformismo com o pensamento neoliberal e total leniência com a “inevitabilidade” e a “irreversibilidade” à submissão da vida social às leis do mercado – redução dos gastos e sua focalização nos grupos mais pobres e vulneráveis, abandonando o caráter universal dos programas sociais vigentes até então (AZEREDO, 1998). A avaliação de programas sociais ainda tem um longo caminho a percorrer, principalmente na América Latina, dada a inexperiência nessa área. Mas, hoje, o centro da avaliação desses programas está na medição da eficiência e eficácia, através de metodologias de análise de custo-benefício e custo–efetividade (COHEN; FRANCO, 1993). Belloni et. al. (2000) acham que as metodologias de avaliação, em geral, aferem os impactos quantitativos, objetivos e imediatos dessas políticas, oferecendo poucos subsídios para a apreciação de resultados ou conseqüências das políticas e ações institucionais mais complexas. De qualquer forma, afirmam Cohen e Franco (1993), a avaliação contribui para aumentar a racionalidade na tomada de decisões, identificando problemas, selecionando alternativas de solução, prevendo suas conseqüências e otimizando a utilização dos recursos disponíveis. Portanto, a avaliação dos custos e da eficácia das ações é fundamental na época atual onde aumentam as necessidades e os recursos escasseiam. Se realmente se quer erradicar a pobreza, redistribuir a renda, aumentar a esperança e a qualidade de vida da população, reduzir a mortalidade infantil etc é necessário incorporar os avanços da pesquisa científica ao seu planejamento tanto em seus aspectos puros como aplicados. Portanto, hoje, a pesquisa avaliativa de políticas públicas assemelha-se ao tipo de pesquisa desenvolvida na área das Ciências Humanas, pois atende a dois de seus princípios básicos: contribuir para o avanço do conhecimento em relação ao objeto de estudo e submeterse ao rigor conceitual e metodológico típicos do método científico atendendo aos critérios de validade e confiabilidade. As diferenças entre elas derivam dos objetivos visados e das características do próprio objeto de análise. O objeto de investigação do presente estudo – O Plano Estadual de Qualificação Profissional – PLANFOR/BA, implementado no período 1996/2002, é considerado pelo governo federal como uma política pública, portanto uma ação intencional do Estado junto aos trabalhadores. Assim, por estar voltada para a sociedade e envolver recursos sociais, deve ser analisada do ponto de vista de sua relevância e adequação às necessidades sociais dos trabalhadores e se é coerente em termos de pressupostos e objetivos. 18 Essa política contém uma dimensão claramente objetiva, que se apreende através da análise dos resultados da avaliação externa, produzidos pela Faculdade de Educação da UFBA. E uma outra subjetiva, que se configura no plano das representações que os sujeitos elaboram a respeito da qualificação profissional. Assim, a metodologia de investigação que se utilizou deu conta do caráter bidimensional do objeto, permitindo que fossem captados tantos os dados cuja referência empírica tem uma materialidade facilmente observável, como por exemplo, número de cursos, investimentos aplicados e número de treinandos etc. Também foi estudado o discurso produzido pelos sujeitos através das entrevistas realizadas pela equipe de avaliação da FACED e nos documentos oficiais produzidos pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pela própria Secretaria do Trabalho do Estado. Tal abordagem procurou superar a oposição que, em geral, se estabelece entre as “estruturas” e as “representações”. 1.1.1 - Procedimentos Para este estudo do PLANFOR/BA, utilizaram-se duas estratégias analíticas e complementares: análise quantitativa e qualitativa, e, neste particular, principalmente a análise do conteúdo dos documentos, que teve como objetivo contribuir para a explicitação do texto escrito e do seu discurso ideológico, buscando esclarecer os significados e implicações das proposições consubstanciadas nas diretrizes, estratégias e linhas de ação dessa política. Além do que, possibilitou a identificação das concepções orientadoras dessa política e suas prioridades, expressas tanto nos documentos de sua formulação como nas ações e prioridades concretizadas, o que remeteu à integração da análise documental, com a análise de resultados, inclusive quantitativos. Portanto, foram tratados dois aspectos: 1) a coerência interna do PLANFOR, isto é, a consistência de seus pressupostos e diretrizes com relação ao que a literatura aponta como requisitos, hoje, exigidos pela sociedade contemporânea, para formação profissional do trabalhador; 2) a coerência externa, isto é, em que medida o PLANFOR, através da implantação dos cursos de qualificação profissional, foi uma alternativa de combate ao desemprego. Evidente que essas duas questões foram tratadas à luz dos estudos sobre a crise da sociedade capitalista atual e do próprio diagnóstico do governo federal sobre desemprego e alternativas para combatê-lo, assim como, dos dados empíricos coletados pela equipe de pesquisadores da Faculdade de Educação da UFBA, através da avaliação externa do PLANFOR/BA – 1996/2001. 19 Assim, percorreu-se a seguinte trajetória no sentido de analisar o arcabouço teórico do Programa: a) levantamento e problematização dos conceitos presentes nos documentos oficiais sobre o PLANFOR, tais como: trabalho, empregabilidade, qualificação profissional, educação profissional, desemprego, público, parceria etc.; b) levantamento e problematização dos diagnósticos sobre o desemprego e propostas de soluções alternativas ao seu combate nos países periféricos, realizados pelos estudiosos da Economia e Sociologia do Trabalho; c) levantamento e problematização do diagnóstico sobre desemprego realizado pelo governo Fernando Henrique Cardoso e suas propostas para combatê-lo; d) elaboração de uma síntese analítica em relação aos conceitos e diagnósticos trabalhados, aplicando-a na análise do Guia do PLANFOR, documento oficial síntese dessa política considerada de emprego e renda; e) elaboração de uma síntese final problematizando os pressupostos e diretrizes do PLANFOR em confronto com as formulações sobre participação social e participação no emprego. Essa trajetória permitiu avaliar: 1) em que medida a concepção de educação ou formação profissional do PLANFOR era coerente com seus supostos e diretrizes e com o planejamento e gestão do PLANFOR/BA em relação às demandas do mercado de trabalho e da população-alvo regional/local; 2) a atuação das comissões municipais e estadual de emprego no planejamento, gestão e avaliação do PLANFOR/BA. Portanto, pretendeu-se responder ao problema central da tese: O PLANFOR/BA é uma política de emprego e renda no Brasil dos anos 1990? Assim, buscou-se identificar e compreender as seguintes questões: 1) Quais as características fundamentais do mercado de trabalho nacional e local? 2) Quais características deveriam ter o “novo trabalhador” para um mercado de trabalho “flexível” como o baiano? 3) Para um mercado de trabalho “flexível” a qualificação do trabalhador poderia ser vista como uma estratégia de combate ao desemprego? 4) Em que medida os cursos de qualificação profissional oferecidos pelo PLANFOR/BA poderiam ser caracterizados como de formação profissional e representaram, de fato, alternativas de emprego ao trabalhador? Além de responder a essas questões fundamentais, procurou-se entender também a participação dos diferentes atores sociais (patronato, trabalhadores e governo) através da atuação das Comissões Municipais de Emprego (CMEs) e Comissão Estadual (CEE), enquanto instâncias decisórias no planejamento, no acompanhamento e na avaliação do PLANFOR/BA. 20 A pesquisa avaliativa do PLANFOR/BA, já realizada pela Faculdade de Educação2 da UFBA, no período entre 1996/2001, dispõe de dados que envolvem informações quantitativas e qualitativas, de cada ano de execução do Programa na Bahia, que foram utilizados neste estudo. Assim, nesta tese, utilizaram-se dados primários e secundários oriundos de diversas fontes: a) textos, resoluções, planos, programas e relatórios formulados pelo PLANFOR/MTE; b) planos, programas, projetos e relatórios apresentados pela SETRAS; c) relatórios de avaliação e outros estudos produzidos na academia, ou pelas equipes de avaliação externa e pelo próprio PLANFOR; banco de dados produzidos pela FACED/UFBA. Utilizaram-se, também, dados das entrevistas semi-estruturadas e questionários que foram aplicados aos membros das comissões tripartites para obter informações dos formuladores, executores e beneficiários do PLANFOR/BA. 2. ESTUDO DA QUALIFICAÇÃO, COMPETÊNCIA E FORMAÇÃO PROFISSIONAL As noções de “qualificação”, “competência” e “formação profissional” e suas respectivas interfaces, envolvem conceitos polissêmicos, que variam de acordo com os parâmetros teórico–metodológicos utilizados para investigá-los. Essa divergência conceitual entre as noções e no interior de cada uma delas deve-se à forma de compreendê-las, privilegiando-se, ora a dimensão objetiva do fenômeno, ora tomando-se o conceito no seu sentido amplo ou restrito (POSTHUMA; LEITE, 1995). Na verdade, essas noções (mesmo comportando reatualizações e ressignificações) expressam e respondem a um conjunto de interesses, desejos e aspirações diferenciados dentro da sociedade e que as diversas formas de apropriação remetem a projetos e estratégias políticas que estão sendo adotadas pelos diferentes sujeitos sociais (MANFREDI, 1998). Assim, é importante visualizar limites e possibilidades, demarcar as diferenças e peculiaridades dessas noções, para que se possa identificar os diferentes projetos sociais e de educação que foram e estão sendo disputados pelas diversas forças sociais. A dificuldade de unificar esses conceitos, segundo Laranjeira (apud DULTRA, 2001), advém tanto da ausência de consenso quanto dos próprios critérios considerados na definição e na medição da qualificação. Devem-se considerar as qualidades e habilidades do trabalhador ou os requisitos/propriedades do posto de trabalho? Devem-se utilizar critérios estritamente técnicos ou, ao contrário, de ordem ideológico-social? Devem-se considerar 2 Participei como membro da equipe de pesquisadores da Avaliação Externa do PLANFOR/BA durante três anos, no período de 1999 a 2001. 21 aspectos políticos, relacionados a normas e valores responsáveis pela definição de autonomia, status e salário do trabalhador? Ou, seria mais adequado basear-se na percepção do trabalhador quanto à natureza de seu trabalho? Enfim, a problemática no debate sobre o fenômeno da qualificação reside nas divergências tanto no que se considera como qualificação quanto aos critérios a serem utilizados para medi-la. Ainda, segundo Laranjeira (apud DULTRA, 2001), há dois caminhos diferentes para aferir o grau de qualificação de uma ocupação: a objetiva e a construtivista. A objetiva considera critérios como: tempo necessário para o aprendizado da função, tipo de conhecimento exigido e grau de autonomia no seu desempenho. Na construtivista, a qualificação seria histórica (reprodução das relações sociais), ao invés de tecnicamente construída. Machado (1996) afirma que em Marx, o conceito de qualificação é tomado como um conjunto de condições físicas e mentais que compõe a capacidade de trabalho (força de trabalho) despendida em atividades voltadas à produção de valores de uso, estando em jogo a capacidade de trabalho da mão-de-obra como condição fundamental da produção capitalista, vez que cria a possibilidade de agregar um valor adicional ao seu próprio valor através da maisvalia. Assim, compreender as condições físicas e mentais da força de trabalho de uma determinada sociedade implica em considerar a forma como a produção é socialmente organizada, os recursos mobilizados e a destreza dos trabalhadores envolvidos naquele processo. Nessa perspectiva, a qualidade do trabalho humano está vinculada a uma qualificação coletiva, criada pelas próprias condições da organização da produção social, sendo que a qualificação individual do trabalhador funciona tanto como pressuposto quanto como resultado que se expressa em um maior ou menor grau de complexidade dos vários tipos de trabalho simples, conhecidos por aquela sociedade. Como o homem se educa e se faz homem no processo produtivo, nas relações de produção enfrenta um processo contraditório onde estão presentes momentos de educação e de deseducação, de qualificação e de desqualificação, portanto de humanização e de desumanização (MARX; ENGELS apud KUENZER, 1998). Kuenzer (1998) ainda lembra que o processo de produção do saber é social e historicamente determinado, resultado de relações sociais que os homens estabelecem entre si. Assim, não se pode confundir a relação entre educação e trabalho com a relação escola e trabalho como se o processo de produção e reprodução do conhecimento ocorresse apenas no interior desta. A produção do conhecimento ocorre na atividade concreta desenvolvida pelo homem, isto é, no seu trabalho, entendido como todas as formas de atividade humana através 22 das quais ele aprende, compreende e transforma as circunstâncias, ao tempo em que é transformado por essas atividades. Portanto, a discussão sobre o fenômeno da qualificação só pode ser compreendida na sua articulação com a categoria trabalho. Dessa forma, conhecer e entender as transformações ocorridas no mundo do trabalho, ao longo dos anos, ocasionadas pela introdução de métodos de gestão e organização do trabalho, como o taylorismo, o fordismo e o modelo japonês, é fundamental para poder se compreender o quanto esses mecanismos (modelos) de coerção sobre o trabalho interferem na qualificação da força de trabalho. Recorre-se à literatura mais significativa no campo da educação, da economia da educação e da sociologia do trabalho para se concretizar essa análise. Dividiu-se esta exposição em três momentos. No primeiro, apresenta-se um resumo das diferentes noções de qualificação e de competência na formação profissional do ponto de vista da produção acadêmica. No segundo, discute-se a questão da educação profissional no Brasil. No terceiro, apresenta-se a concepção de qualificação profissional do ponto de vista das centrais sindicais porque tem sido um debate que envolve os sindicatos de trabalhadores. Estas, inclusive, vêm utilizando recursos do FAT para programas de qualificação geridos pelos sindicatos, dadas as características do PLANFOR serem tripartites e paritárias, permitindo a participação de trabalhadores, empresários e governo na sua gestão. 2.1 - Principais Abordagens da Qualificação e Competência na Formação Profissional As expressões qualificação e competência, segundo Manfredi (1998), parecem ter matrizes distintas. A noção de qualificação está associada ao repertório teórico das Ciências Sociais, ao passo que a de competência está historicamente ancorada nos conceitos de capacidades e habilidades, construtos herdados das ciências humanas – da psicologia, educação e lingüística. As noções de qualificação no plano macro, a partir dos referenciais da Economia da Educação podem ser resumidas da seguinte forma: a) como sinônimo de preparação de “capital humano”, nascendo associada à concepção de desenvolvimento socioeconômico dos anos e 1950 e 1960, portanto, da necessidade de planejar e racionalizar os investimentos do Estado no que diz respeito à educação escolar, visando, no nível macro, garantir uma maior adequação entre as demandas dos sistemas ocupacionais e do sistema educacional. Os principais teóricos da Teoria do Capital 23 Humano, Schultz e Harbison defendem a importância da instrução e do progresso do conhecimento como ingredientes fundamentais para a formação do chamado capital humano, de recursos humanos - solução para a escassez de pessoas possuidoras de habilidadeschave para atuarem nos setores em processo de modernização. É importante explicitar o que se entendia por modernização naquele contexto histórico. Significava eleição e adoção do modelo industrial capitalista adotado nos países desenvolvidos do ocidente, como modo de produção, consumo, estilo de vida, e integração (MANFREDI, 1998). A teoria do capital humano buscava apagar a diferença entre capital e trabalho mascarando as contradições de classe, igualando “a categoria de capital à capacidade dos indivíduos ‘potenciada’ com educação ou treinamento” No entanto, no processo de produção, capital e trabalho não estão em posição de igualdade, pois o trabalho assalariado gera um valor excedente que é apropriado pelo capital. Essa concepção de qualificação – preparar mão-de-obra especializada (ou semiespecializada) – no plano macrossocietário, gerou uma série de políticas educacionais voltadas para a criação de sistemas de formação profissional estreitamente vinculadas às demandas dos setores mais organizados do capital e de suas necessidades técnicoorganizativas. A história dos sistemas de formação profissional no Brasil enquadra-se dentro dessa lógica de qualificação para fazer frente às demandas do mercado de trabalho formal, como será mostrado posteriormente. b) “qualificação formal” – gestada e referenciada pela capacidade de cada Estado Nacional expandir quantitativa e qualitativamente seus sistemas escolares, restringindo-se ao binômio emprego/educação escolar. Calculava-se a taxa de retorno através de diferenciais de rendimentos (salários) em função dos anos de escolaridade ou, de posse de um diploma. Durante muitas décadas a economia e o planejamento da educação basearam-se nessa concepção de “qualificação” (PAIVA, 1995). A idéia de que a educação é um elemento fundamental para explicar o crescimento econômico e o avanço da industrialização, circulou intensamente, desde a difusão da Economia da Educação nos anos de 1950, forçando os países ocidentais a pensarem nas vantagens de certo planejamento de seus sistemas educacionais. Portanto, é possível afirmar que a discussão que predominou em toda a Europa Central e se difundiu praticamente por todo o mundo, centrava-se, pelo menos até os anos 1980, na adequação da força de trabalho à reestruturação da indústria, tanto do ponto de vista da tecnologia quanto da organização do trabalho (PAIVA, 1999b). 24 Como foram expostas, essas concepções de “qualificação” – teoria do capital humano e do planejamento macrossocial – qualificação formal – estão ancoradas em enfoques macroeconômicos que privilegiam o desenvolvimento econômico, crescimento e diversificação do mercado formal de trabalho e suas relações com os sistemas de educação escolar. Outras acepções têm sido privilegiadas pela Sociologia do Trabalho, que toma por base outros recortes analíticos como, por exemplo, a organização da produção e do trabalho. As transformações que ocorrem na esfera produtiva, bem como aquelas que dizem respeito à qualificação profissional da força de trabalho, vêm sendo tratadas a partir da indústria desde o final do século XIX e, em especial, a partir dos anos 30 do século XX, quando os estudos sobre o processo de trabalho encontram nas fábricas de Detroit o seu startpoint específico, desenvolvendo-se posteriormente na França, especialmente, através de Georges Friedmann e Pierre Naville. Embora a qualificação profissional estivesse presente nas pesquisas da Sociologia do Trabalho e na Economia da Educação, foi somente nos anos subseqüentes ao movimento estudantil de 1968 que se multiplicaram estudos ligando educação e trabalho do ponto de vista das Ciências Sociais, estabelecendo-se um entrelaçamento mais claro entre Sociologia do Trabalho e Sociologia da Educação (PAIVA, 1999a). A abordagem sociológica da qualificação lembra Leite E. (1994), em grande parte, restringia-se às linhas de pesquisa ligadas à formação profissional marcantes na sociologia do trabalho francesa nos anos 1940/50, sendo Friedmann um dos seus principais elaboradores. Prevalece muito mais que a elaboração teórica, a preocupação com a solução das questões práticas, relativas às mudanças no trabalho, associadas ao progresso técnico e às demandas do pós-guerra. Dubar (1998) explicita melhor esse momento da qualificação destacando as duas concepções existentes nessa época: 1) a do Friedmann, denominada substancialista, que defende a qualificação no sentido do taylorismo (fragmentação das tarefas, desenvolvimento das habilidades centradas no posto de trabalho), portanto, atrelada às características objetivas das rotinas de trabalho e conhecimentos que estão na base da ocupação e não em um aprendizado metódico completo, centrado nos saberes e know-how dos operários de carreira; 2) a atribuída a Pierre Navile, denominada de relativista, definindo a qualificação como relação social complexa entre as operações técnicas e a estimativa de seu valor social. Essa noção levava em conta a relação entre capital e trabalho, distinguindo a qualificação exigida pelo posto de trabalho e os requerimentos previstos para a realização de tarefas, reconhecendo um espaço de negociação entre essas duas instâncias. 25 Embora haja divergências entre os autores dessas duas tendências, ambos compreendem a qualificação como algo que se adquire através de instituições de formação profissional e também através da experiência e do treinamento nas empresas. Contudo, esses autores minimizam a contribuição de outras instituições e espaços de aprendizagem como a família e o trabalho doméstico, importante no caso do trabalho da mulher (HIRATA, 1994). Ao longo dos anos 19603 e, posteriormente, nos anos 70, a análise da educação (política educacional, funções sociais da educação, conexão da educação com a produção) passou a ser objeto de interesse de intelectuais de variados campos do saber, inclusive os marxistas ortodoxos, que passaram a apresentar suas análises, antes delegadas aos estudiosos sobre mobilidade social. Multiplicaram-se também os textos que buscaram compreender as complexas mediações entre a democratização do ensino em geral e as escolas profissionais em particular, e o comportamento, as necessidades e as demandas do capital. Foi Paiva (1999a), ainda nos anos de 1970, que trouxe para o Brasil a discussão da relação entre trabalho e educação, tematizando esse vínculo de maneira explícita e referindo-se às pesquisas empíricas produzidas na antiga República Federal da Alemanha. Mas o impulso significativo foi dado ao tema da qualificação profissional na Sociologia do Trabalho, a partir do campo educacional, em meados dos anos 90 do século passado. Resumindo, a concepção de qualificação, que toma como parâmetros a produção e a organização do trabalho, tem como matriz o modelo job/skills definido a partir da posição a ser ocupada no processo de trabalho e previamente estabelecida nas normas organizacionais da empresa, de acordo com a lógica do modelo taylorista/fordista de organização do trabalho. A qualificação é concebida como sendo “adstrita” ao posto de trabalho e não como um conjunto de atributos inerentes ao trabalhador. Paiva (1999a) ainda destaca que essa concepção de qualificação foi bem absorvida pela Alemanha, campeã da profissionalização de nível médio, onde todos os cidadãos precisavam de uma profissão que os capacitasse a entrarem diretamente na indústria ou nos serviços, num período em que o desenvolvimento industrial ainda absorvia grande contingente de trabalhadores e o emprego público se multiplicava graças à construção e ao desdobramento do Estado do Bem Estar que possibilitava a vigência do pleno emprego em uma economia apoiada sobre a demanda. Nessa concepção, a qualificação reduz-se, no que concerne à construção de representações, a responsabilidade individual e de natureza meritocrática, privatiza-se a noção 3 Período em que as universidades estavam permeadas pela efervescência que desembocou no movimento estudantil e sob profunda influência do marxismo heterodoxo e de correntes anarquistas. 26 de competência, restrita ao ofício/função que cada trabalhador desempenha no mercado de trabalho formal. Além do que, desenvolve-se a crença político-ideológica do “poder da educação escolar” como mecanismo de acesso às posições mais qualificadas, mascarando os demais mecanismos sociais e organizacionais que condicionam o acesso e a manutenção dos trabalhadores no mercado formal de trabalho. Constrói-se e sustenta-se a representação social de que os níveis hierárquicos de qualificação legitimam e justificam a separação entre o trabalho manual e o trabalho intelectual, e que os níveis de escolaridade estão social e historicamente associados a essa separação. O grau de escolaridade formal, portanto, constitui um dos ingredientes do processo, mudando a valorização de acordo com o setor econômico e a história particular de cada sociedade. Portanto, é a representação da neutralidade da educação, da ciência e da tecnologia (MANFREDI, 1998). Não se pode deixar de mencionar, também, o estudo sobre produção e qualificação realizado por Paiva (1999a) quando, através de uma revisão da bibliografia internacional, conclui que a polêmica sobre a relação entre a produção e a qualificação se apóia em análises que seguem um esquema trifásico – qualificação-desqualificação-requalificação – correspondente às três fases do capitalismo: 1) período do artesanato, o qual pressupunha longos anos de aprendizagem e extrema habilidade do trabalhador para executar todas as fases de elaboração do produto; 2) fase da manufatura, período que tem início no século XVI e se consolida com a revolução industrial e produção em massa. Os autores costumam relacioná-la à desqualificação; 3) fase de implantação da automação, que, pelas próprias características de versatilidade com que a empresa moderna conduz o trabalho industrial, abre caminho à educação politécnica e, conseqüentemente, à requalificação do trabalhador. Assim, Paiva identifica quatro teses referentes à qualificação média do trabalhador no capitalismo moderno: desqualificação – o capitalismo não estaria conduzindo para a passagem à terceira fase, mas se reproduzindo, mantendo as características da transição do artesanato à manufatura; requalificação – defendida pelos adeptos do capitalismo monopolista de Estado que vêem com otimismo o desenvolvimento tecnológico. Automação e consumo de massa exigiriam a elevação da qualificação média da força de trabalho; polarização das qualificações – combinação das teses anteriores. Sustenta que o capitalismo moderno necessita somente de um pequeno número de profissionais altamente qualificados, enquanto a grande maioria dos trabalhadores estaria frente a um processo de desqualificação; 27 qualificação absoluta e desqualificação relativa – o capitalismo precisaria de trabalhadores mais qualificados em termos absolutos, elevando a qualificação média, enquanto que a qualificação relativa se reduziria. A noção de qualificação, como se constata, é polissêmica, podendo ser assumida com várias acepções e tomada, para efeitos de pesquisa, sob ângulos e enfoques distintos. A qualificação para alguns é considerada na perspectiva da preparação para o mercado de trabalho, que envolve um processo de formação profissional adquirido por um percurso escolar e através da experiência profissional. Outros entendem a qualificação como um processo de qualificação/desqualificação, próprio da organização capitalista do trabalho. Uma terceira visão aborda e define a qualificação a partir da investigação de situações concretas de trabalho, chamada de qualificação real e operacional. É uma visão mais recente e se origina na sociologia do trabalho francesa. Sintetizando, nos anos 1950/60, admitia-se a hipótese de que a crescente introdução da automação aumentaria proporcionalmente a qualificação dos trabalhadores. Nos anos 70, as análises estiveram ligadas aos efeitos da divisão do trabalho e do taylorismo/fordismo sobre a qualificação, apontando para uma desqualificação do trabalhador. Nos anos 80, com fundamento na nova dinâmica técnico-organizacional das empresas, o fenômeno da qualificação passa a ser compreendido para além dos limites do interior das empresas. Os estudos sobre o tema consideram a relevância dos aspectos sociais e políticos resultantes das relações objetivas e subjetivas entre o capital e o trabalho. No âmbito desse debate, surgem posições que defendem a noção de qualificação como multidimensional e constituída do social, que deve ser analisada não só como um processo de formação profissional, mas também como um fenômeno que ultrapassa o espaço fabril e que abrange as relações de força que se estabelecem entre o capital e o trabalho e os diferentes contextos de trabalho. A concepção de qualificação restrita ao ofício/função, hegemônica há mais de três décadas, entra em crise com a reorganização do sistema capitalista em sistemas de produção flexíveis e da criação de novas formas de organização do trabalho. É no contexto da “acumulação flexível” cujas características fundamentais estão assentadas na hegemonia do capital financeiro, na flexibilização do trabalho e do trabalhador e na desregulamentação e liberalização, sustentadas pelas políticas neoliberais, que se pretende discutir as principais implicações objetivas e subjetivas das mudanças nas políticas de gestão e organização do trabalho, na década de 1990, em especial sobre a possível existência de uma “nova” forma de ser e 28 um “novo” perfil do trabalhador, as conseqüentes exigências profissionais e as políticas públicas de qualificação do trabalhador. Para que se possa entender essa “nova” forma de ser e o “novo” perfil do trabalhador, é importante considerar o que as pesquisas (DRUCK, 2001) constatam: a) mudanças nos conteúdos do trabalho, novas exigências de perfis profissionais e novas qualificações, motivadas pelas inovações tecnológicas e organizacionais; b) crescimento do número de desempregados qualificados; c) flexibilização da organização e gestão do trabalho, elemento-chave da reestruturação, que tem provocado: - precarização do trabalho (insegurança, piores condições de saúde e riscos, alta competitividade, desmotivação); - precarização do emprego (instabilidade, falta de vínculo, subcontratação, temporários); - crescimento galopante da informalidade do mercado de trabalho, exigindo: adaptabilidade, flexibilidade, criatividade, sob o rótulo da “empregabilidade”; - desemprego crescente. É nesse cenário que se situa o debate sobre qualificação e os “novos” perfis do trabalhador. A década de 1990, como afirma Druck (2001), primou pela epidemia da qualificação. Governo, ONG’s, sindicatos, empresas estatais, Sistema “S”, universidades, fundações, todos se envolveram com a qualificação do trabalhador, que passou a ser a grande mágica para a solução do desemprego e do subemprego, agora com uma nova roupagem. Assim, a discussão hoje se concentra sobre a polêmica substituição da noção de qualificação pela de competência, que trata das habilidades que o trabalhador deve adquirir, como capacidade de agir, decidir em diferentes situações, intervir, saber fazer, tendo como referência sempre o indivíduo e não mais o posto de trabalho. As competências exigidas do trabalhador pelo modelo de “acumulação flexível” baseiam-se na capacidade de pensar, de decidir, de ter iniciativa e responsabilidade, de fabricar e consertar, de administrar a produção e a qualidade. O trabalhador é ao mesmo tempo operário de produção e de manutenção, inspetor de qualidade e engenheiro. Na “acumulação flexível” a qualificação, correspondência entre um saber, uma responsabilidade, uma carreira, um salário, tende a se desfazer na medida em que a divisão social do trabalho se modifica. Às exigências do posto de trabalho se sucede “um estado instável da distribuição de tarefas” onde a colaboração, o engajamento e a mobilidade passam a ser as qualidades dominantes. A imprecisão marca, assim, a noção de competência (HIRATA, 1998). Embora seja um conceito impreciso, a noção de “competência” ganhou, gradualmente, ascendência no mundo produtivo porque conta com a vantagem de ter nascido no âmbito da empresa e de estar centrada nos novos atributos pessoais e profissionais do 29 trabalhador. Além disso, recupera uma dimensão pouco estudada dos processos de qualificação – a dimensão subjetiva do trabalho, isto é, remete, sem mediações, a um sujeito e a uma subjetividade (HIRATA, 1998). Druck (2001), retomando as teses de Braverman, mostra sua atualidade no mundo contemporâneo, quando estudos e pesquisas no Brasil dos anos 1990, apresentam argumentos semelhantes àqueles das décadas de 1950/60 nos EUA, quando defendem que as mudanças no mundo do trabalho, hoje, demandam “competências” especiais e um “novo” perfil do trabalhador, o que a autora chama de meias verdades, mostrando o outro lado da questão. A sociedade contemporânea, ou melhor, a “acumulação flexível” exige, constata a autora: maior qualificação, novos conteúdos do trabalho, novas profissões e um novo trabalhador. Contudo, também cria desqualificação mantendo o trabalho rotinizado, fragmentado, com velhos conteúdos e o velho trabalhador; maior autonomia, maior controle sobre o processo de trabalho, maior utilização do capital intelectual, motivando mais o trabalhador para o trabalho. Contudo, esse “novo” trabalhador, além de constituir um contingente diminuto, está submetido a uma relação de poder que mantém a separação entre concepção e execução, e a motivação esbarra na insegurança e na instabilidade no emprego; qualificação da mão-de-obra como solução para o desemprego. Contudo, as pesquisas demonstram que o desemprego atinge trabalhadores qualificados e desqualificados e que parcelas pequenas de trabalhadores qualificados nos programas do governo conseguem se inserir no mercado de trabalho; que a responsabilidade para obter emprego ou se manter nele – “empregabilidade” é do trabalhador. Contudo, embora as empresas já venham desenvolvendo programas de qualificação/requalificação e realizando treinamento de mão-de-obra e os trabalhadores tenham aproveitado todas as oportunidades dessa formação gratuita ou paga, os índices de desemprego não têm diminuído. Pode-se concluir, a partir da análise realizada até o momento, que durante o governo Cardoso, dada a ausência de uma política industrial, demonstrada pelo processo de desnacionalização de todos os setores da economia, privatização das empresas estatais e política econômica sustentada por altas taxas de juros para atrair capital especulativo, comprometeram o desenvolvimento do país e com isso, a impossibilidade de criação de novos postos de trabalho, tendendo a crescer os índices de desemprego como demonstram as pesquisas nacionais e locais. Portanto, no contexto da acumulação flexível, qualquer programa de qualificação que tente inserir ou reinserir o trabalhador no mercado de trabalho não tem 30 sustentabilidade nem garantia, na medida em que qualquer turbulência no mercado financeiro internacional leva por água abaixo e destrói em menos de 24 horas o que havia sido conseguido pelo programa (SALM apud DRUCK, 2001). O debate sobre qualificação profissional, afirma Paiva (1999b), está longe de chegar ao fim. Estudiosa das relações trabalho e educação, indica que algumas convicções sobre essa questão já não podem ser mais consideradas, dadas as transformações econômico-sociais que vêm marcando a sociedade contemporânea nos últimos anos. Embora admita que não existe consenso a esse respeito, indica dois aspectos que considera superados: a) a relação sempre positiva entre escolaridade, renda e status que caracterizou o período de acumulação fordista, pois novos mixes combinam hoje com elevada escolaridade, sofisticação e complexificação da formação com baixos salários e status declinante. As mudanças na configuração do mercado de trabalho foram provocando não apenas um profundo reordenamento social das profissões, mas destruindo as relações tradicionais entre escolaridade, renda e status, repetindo nos países periféricos, fenômeno que já se observava, há décadas, nos países centrais, pela destruição de postos de trabalho qualificados em decorrência não só da tecnologia, mas da retração da proteção social. Evidentemente que a tese mais ampla da importância da educação da população para assegurar o crescimento econômico permanece, dadas as demais condições necessárias; b) a negação da tese da polarização, pois, embora se eleve à qualificação média da população e a sofisticação da formação venha se difundindo, observa-se a inclusão de renovadas formas de polarização que se dão, em especial, no interior do mercado de trabalho, mas que não se restringem a ele. Nos anos 1960, a polarização como tendência no interior do mercado de trabalho formal havia sido identificada e amplamente discutida na pesquisa sobre Qualificação e Produção encomendada ao grupo de Göttingen. Nos anos 1980, Kern e Schumann defenderam a idéia de que a polarização perpassava a questão da inclusão/exclusão do mercado de trabalho. Hoje, frente aos elevados níveis de exclusão e de escolaridade, a polarização não está necessariamente ligada apenas ao binômio inclusão/exclusão do mercado formal de trabalho, mas se mostra fora dele, mesmo que se possa constatar que suas formas mais extremas ocorrem no segmento que logrou inserir-se formalmente. Paiva (1999b) destaca também que, ainda que na década de 1980 existisse uma marcada tendência a opor a “tese das polarizações das qualificações” a um “modelo de competência”, que ressaltava a importância das qualificações tácitas e de virtudes e conhecimentos característicos de um período “pós-taylorista” e associado à crise da noção de 31 postos de trabalho; esse modelo impreciso apresentava, na verdade, muitas das características que aparecem como exigências do mundo “pós-fordista”, sem que, no entanto, se possa afirmar que ele exclua a polarização das qualificações em um espaço de inserção formal sempre mais estreito e elitista. Exatamente porque o quadro produtivo empurra para a busca de alternativas heterodoxas, se considerada a tradicional divisão e formalização dos setores econômicos, aquelas qualidades ganham realce em conexão com as mais variadas atividades. Paiva (1999b) ainda acrescenta que ao reintroduzir o modelo taylorista-fordista em função da pressão por curto prazo do capital mundializado, o trinômio baixos salários, baixa qualificação e concorrência de preços, tendências apontadas por Kern e Schumann, na década de 90 do século passado, a polarização não teria lugar apenas nos segmentos formais e informais da economia, mas também mostraria seu componente geográfico, ao colocar o peso deste trinômio nos países periféricos, onde a informalização tradicional sempre demandou competências várias, tácitas ou não, e qualificação real sem que assegurasse ou demandasse níveis elevados de educação nem formação geral abstrata. As novas estratégias de acumulação, afirma Paiva (1999b), a produção enxuta, por exemplo, tem conduzido a uma mais clara valorização política da ampliação da qualificação média da população. Porém, outras estratégias de acumulação tendem a levar menos em conta a qualificação da força de trabalho tanto nos países centrais quanto nos periféricos, entre outros, pelos seguintes motivos: 1) a abundância de qualificação gerada mundialmente pela grande revolução educacional experimentada na segunda metade do século XX e, 2) a decrescente importância da indústria como fonte de emprego e atividade humana, permitindo que as grandes empresas que utilizam tecnologia de ponta acionem mecanismos de recrutamento e seleção de mão-de-obra internacional sem maiores problemas. E acrescenta, é preciso atentar para duas questões: a oferta de qualificação ser cada vez mais elevada e esta ser um fenômeno mundial de importância crescente, não apenas ligado à produção de bens e serviços, mas à difusão política das oportunidades de educação e, as demandas provenientes das características do consumo e de outros fenômenos que marcam o mundo contemporâneo. Outras duas questões têm contribuído para que a educação geral seja vista nos países centrais (e, como idéia difundida para os periféricos) como investimento necessário à reestruturação produtiva e como recurso estratégico num mundo complexo: de um lado, a abundância de qualificação e informação e de outro, o refluxo dos ideais de eqüidade e proteção. Mas, diante do desencantamento da atividade industrial, o debate sobre a qualificação tornou-se para além da indústria, isto é, num contexto mais amplo de alteração da diferenciação do emprego e do status que se vincula a situações combinadas de desqualificação, 32 elevação da qualificação e retreinamento em competências múltiplas e mais amplas que o nível historicamente conhecido (CASEY, 1995 apud PAIVA, 1999b). Paiva (1999b) ainda adverte que se o conceito de atividade de André Gorz substitui o de trabalho, num certo tipo de literatura européia continental, o de ocupação tende a tomar aquele lugar no mundo anglo-saxão e a ele se liga tanto a idéia de desespecialização, quanto à de ampliação dos serviços pessoais de todo tipo, exigindo qualificação mais elevada, mas oferecendo remuneração decrescente. A discussão sobre qualificação, diz Paiva (1999b), não pode hoje, deixar de considerar dois aspectos: o que ocorre fora da área industrial, e nem abdicar do conceito de racionalização sistêmica como instrumento de análise já que a racionalidade contemporânea está ela toda apoiada na microeletrônica de modo geral. Os escritórios podem mostrar com mais clareza o caráter da racionalização sistêmica, pois a administração informatizada tomou o lugar do chão da fábrica. Significa dizer que a racionalidade sistêmica parte de uma visão de conjunto possibilitada pelo computador e não da própria inovação específica e pontual ou, dos novos padrões gerenciais e organizacionais, atingindo toda a atividade produtiva e uma boa parte das demais atividades. Nessa identificação de tendências, esclarece a mesma autora, importa pouco que restem produções fordistas ou mesmo tayloristas nesta ou em qualquer parte do mundo, até porque não existe homogeneização possível. Importa sim identificar o rumo dominante da racionalização dos nossos dias, analisar o regresso a padrões “pré-fordistas” ou “prémeritocráticos” de seleção da força de trabalho em condições de ampla disponibilidade de qualificação em um mercado cuja crescente excludência induz a busca de formas alternativas de inserção, lançada no início dos anos 1980 sobre os “novos pobres”. Se o “excluído” pouco qualificado tem como primeira opção o comércio informal, que também exige conhecimentos e virtudes específicas, o espectro de opções se amplia entre os que possuem qualificação elevada. Do ponto de vista das indicações relativas às características da qualificação requerida pela produção de bens e serviços reestruturados, e ainda pela busca de inserção alternativa ou pelas novas características do consumo, Paiva (1999b) aponta a qualidade da educação, em todos os níveis, como condição fundamental. Assim, a busca da efetividade dos conhecimentos transmitidos, deslocando o eixo da discussão educacional da democratização quantitativa de oportunidades para a eficiência do sistema, em especial nos níveis iniciais, anteriores a profissionalização, nos quais ocorre a aquisição de habilidades instrumentais e conhecimentos básicos efetivos, é elemento condicional de adaptação à nova realidade social e 33 do trabalho. E mais, condição que deve ser efetivada a toda a população e não apenas para a parcela considerada economicamente ativa. A mesma autora afirma ainda que a demanda por qualificação formal (os diplomas) cede lugar à qualificação real passível de ser demonstrada na prática profissional e na vida diária, dentro de um quadro de elevação tendencial da qualificação média (habilidades, conhecimentos e informações) impulsionadas pelas demandas da produção, do consumo e de mudanças introduzidas na organização do trabalho cotidiano. Dado o privilégio que a qualificação intelectual ocupa nos dias de hoje, as virtudes intelectuais esperadas são: uma elevada capacidade de abstração, de concentração e de exatidão, que não dependem apenas da educação geral, mas estão também ligadas a aspectos psicológicos da formação. Assim, o pensamento conceptual abstrato é enfatizado como elemento fundamental na ampliação das seguintes possibilidades: percepção e de raciocínio, de manipulação mental de modelos, de compreensão de tendências e de processos globais e da aquisição de competências em longo prazo, que supõem uma educação de natureza geral apoiada sobre uma sólida qualificação básica – formar para o bem pensar uma massa crescente de informações de todo tipo e para o bem falar em múltiplas linguagens. A comunicação (verbal e visual) tornou-se tão central quanto a possibilidade de captar rapidamente as conexões entre conhecimento, configuração de situações interativas e processos mercadológicos. Da qualificação intelectual de natureza geral e abstrata espera-se que ela seja a base para os conhecimentos específicos, mas que constitua a principal fonte de competência que se prova na interação e em atividades concretas crescentemente complexas. Com essa compreensão será talvez possível difundir a polivalência e novas habilidades cognitivas, necessárias à reintegração de tarefas em novo patamar (PAIVA, 1999b). Ainda em relação ao pensamento abstrato, é ele que pode assegurar um raciocínio voltado para dimensões estratégicas, organizadoras e planejadoras da sociedade e da produção. A formação geral, portanto, seria a base sobre a qual conhecimentos diferenciados seriam apropriados e utilizados, porque possibilitariam: a compreensão do processo de produção, a utilização exata de procedimentos e símbolos matemáticos, o manejo da linguagem de forma adequada à situação, a capacidade de lidar com regras e normas em situações diferenciadas, o armazenamento, atualização e capacidade analítica para interpretação de informações, a apreciação de tendências, limites e significado dos dados estatísticos, a capacidade de preencher múltiplos papéis na produção e rápida adaptação a novas gerações de ferramentas e maquinárias. Fala-se de um profissional cuja posição estaria oscilando entre um “subordinado autônomo” e um “independente associado” (PAIVA, 1999b). 34 Essas redefinições no campo da qualificação profissional são acompanhadas de níveis inéditos de desemprego qualificado, descompasso entre a qualificação efetivamente necessária ao desempenho profissional e o status social e nível salarial do emprego, mais a desvalorização dos níveis de formação e dos diplomas frente à disponibilidade de superqualificação formal (PAIVA, 1999b). Baethgue e Oberbek (1986 apud PAIVA, 1999b) defendem a tese das mudanças de habitus e dos estilos de comportamento no trabalho como novas exigências de qualificação. Para melhor compreensão dessa tese, mostram como a introdução do computador no cotidiano das pessoas demanda um estilo de trabalho caracterizado por um mix de velocidade de reação, capacidade de abstração e de concentração e exatidão, por isso a importância da formação inicial na socialização primária capaz de garantir virtudes pessoais e disposições sociomotivacionais que se combinam com qualificações formalmente adquiridas. Enquanto a formação inicial deverá ter um caráter geral, a formação específica precisará ser cíclica com um approach multidisciplinar. Reconhecer e aceitar a absolescência dos conhecimentos específicos, como da informática, é fundamental, pois obriga a uma atualização contínua. A aquisição de novos conhecimentos durante toda a vida profissional acompanha a constatação de que junto com o fordismo também se esvaíram as biografias profissionais lineares e ascendentes. Hoje, as sucessivas mudanças de profissão ao longo da vida, a alternância entre o mercado formal e atividades alternativas, bem como períodos de trabalho e estudo devem estar previstos, via estratégias de reprofissionalização. Assim, as dificuldades, hoje, de inserção no mercado de trabalho ou na sua permanência colocam o indivíduo frente a fenômenos sociais diversos. Os sofrimentos ligados às dificuldades de conquistar (ou à perda de) status socioprofissional, as mudanças na vida diária, os riscos associados ao desemprego e ao subemprego estão demandando novas e maiores forças psíquicas e virtudes pessoais, atributos que transcendem as possibilidades do sistema educacional. Nessa disputa, os segmentos mais preparados, intelectual e pessoalmente, são mais capazes, possivelmente, de sair ganhando financeiramente ou em outros aspectos da vida. E para aqueles que ficaram fora do mercado formal de trabalho e se transformaram em pequenos produtores independentes (de produtos ou de serviços), o conhecimento e a qualificação tornaram-se fundamentais. À medida que uma parcela substantiva das ocupações escapa dos ditames “sistêmico-organizacionais” e à lógica estrita e direta da maquinaria industrial, parece haver maior espaço para que a “qualificação real” se molde às formas sociais de inserção. O nível de qualificação e de conhecimentos da população tenderá, possivelmente, a influir na organização das políticas sociais e trabalhistas que virão. Disposições e virtudes adquirem mais 35 peso que a proficiência específica nesse cenário nebuloso em relação às profissões, não basta conhecimento, mas interesse, motivação, criatividade. Não se trata apenas de qualificar para o trabalho em si, mas para a vida na qual se insere o trabalho flexível com alcance suficiente para enfrentar o emprego, o desemprego e o auto-emprego e com desenvoltura para circular em meio a muitas “idades de tecnologia” (PAIVA, 1999b). Essas disposições e virtudes exigidas hoje do trabalhador dizem respeito à “empregabilidade”, conceito utilizado pelo PLANFOR para indicar que a qualificação proposta no seu programa não irá assegurar posto de trabalho ao trabalhador, mas apenas fornecer elementos para que o trabalhador se auto-empregue, portanto, seja responsável pelo seu emprego. A partir do exposto, pode-se concluir que o mundo contemporâneo está impondo maiores e diferentes exigências educacionais, portanto, as clássicas funções dos sistemas educacionais estão em questão. O papel das chances educacionais como elemento de redução das desigualdades sociais e como fator capaz de propiciar mobilidade horizontal e vertical está descartado. Hoje, a tendência é se reconhecer que é cada vez mais difícil quebrar a desigualdade cumulativa ao longo da biografia individual. Se a educação se tornou um programa para toda a vida, conclui-se que os problemas clássicos do que se considerava como educação permanente (reabilitação, requalificação, ressocialização, compensação de déficits) já não constitui o cerne da questão. Observa-se, portanto, um crescente processo de degradação/precarização do trabalho e a “epidemia da qualificação”, como denomina Druck (2001) cria um mito, uma panacéia para resolver todos os problemas dos trabalhadores, inclusive o desemprego. É evidente que os empresários querem maior número de trabalhadores qualificados ou com escolaridade superior disponíveis no mercado, porque poderão aproveitálos em funções/postos de trabalho com salários mais baixos já que para aquele posto não há necessidade de qualificação superior. Isso evidencia um outro lado da desqualificação – a não correspondência entre a formação, escolaridade, conhecimento e a atividade a ser desempenhada, o que leva os indivíduos a um processo de sofrimento e frustração. 4 No quadro do mercado de trabalho brasileiro, caracterizado pelo crescimento do desemprego estrutural e pelo aumento das relações de trabalho mais instáveis (na primeira metade dos anos de 1990 mais de 50% da força de trabalho estava ocupada nos segmentos informais, ou seja, como empregado sem carteira de trabalho assinada ou como trabalhador por conta própria) tornou-se extremamente importante para o governo estudar os mecanismos 4 O mercado de trabalho brasileiro será tratado, especifica e aprofundadamente, no capítulo 4. 36 possíveis para aumentar a “empregabilidade” dos trabalhadores, entendida como a capacidade dos mesmos se atualizarem para manter sua ocupação, ou, quando demitidos, terem a capacidade de ocupar e desenvolver um novo trabalho. Pode-se também ampliar o conceito de “empregabilidade”, entendendo-o como uma construção social decorrente da interação de estratégias de diferentes atores sociais que contribuem para que o trabalhador mantenha-se na situação de empregado, ou saia da condição de desempregado. Sendo assim, tem-se que considerar a demanda por trabalho, as informações profissionais e, em casos de políticas de deslocamento, na assistência técnica e financeira. Na lógica da ideologia empresarial e do governo, qualificação, empregabilidade e competência são instrumentos de desenvolvimento dos indivíduos para inserção no mercado de trabalho. Assim, o Estado e os patrões se desresponsabilizam pelas políticas adotadas e transferem aos trabalhadores a “culpa” pelo desemprego, justificados pela modernização tecnológica e organizacional, das exigências do mercado de trabalho, da competitividade e da globalização. Os conteúdos da “empregabilidade” e da “competência” associados ao “novo” trabalhador e às novas formas de organização do trabalho valorizam, exatamente, qualificações individuais tais como: iniciativa, criatividade, capacidade de adaptação, flexibilidade, capacidade de solucionar problemas e lidar com o inesperado, dentre outras. Mas é importante analisar com cuidado o significado dessas qualificações. Druck (2001, p. 88) diz o seguinte: [...] se examinarmos com atenção é possível perceber que essas qualidades são típicas dos trabalhadores que vivem na informalidade ou na “solidão do mercado”, que sempre constituíram a grande parte - hoje a maioria - dos trabalhadores brasileiros. Isto significa dizer que na história do trabalho no Brasil, empregabilidade e competência são dois velhos “modelos”, associados muito mais à precarização do trabalho e do emprego, típicos de países subdesenvolvidos do que à revolução tecnológica e de novos padrões de organização do trabalho. ... o núcleo da flexibilização do trabalho é exatamente a perda de uma condição estável com direitos e garantias sociais, é a perda de vínculos, onde o indivíduo é tudo e o coletivo perde sentido. Daí a valorização dos traços de personalidade e de caráter... onde a qualificação maior está na capacidade de enfrentar desafios e incertezas e não mais no conhecimento do ofício e na socialização do trabalho. [...] Reina a descartabilidade, já que o mercado exige flexibilidade, agilidade e racionalidade e se os homens de hoje já não respondem mais, terão de mudar... ou serão descartados. Essas “competências” exigidas do trabalhador estão associadas aos requisitos da “empregabilidade”, quando se trata das políticas públicas de qualificação profissional, implementadas no governo Fernando Henrique Cardoso, no período 1996/2002, expressas nos documentos oficiais, sobretudo do PLANFOR. 37 Num mundo onde domina a incerteza e em que o “futuro em aberto” não vem acompanhado de esperanças e projetos que ofereçam direção aos passos dados na vida pessoal e profissional, a vida do trabalho, da atividade alternativa, do lazer e demais aspectos familiares assumem um caráter de curto prazo, desfavorável não apenas ao indivíduo, mas também às práticas e estruturas políticas democráticas. 2.2 - Formação Profissional no Brasil O debate sobre qualificação profissional no Continente Americano muda a partir do documento da CEPAL, publicado em 1992, Educación y Conicimento: eje de la transformación prudutiva com equidad, quando a universalização do ensino básico e melhoria de sua qualidade passaram a ser consideradas condições à inserção dos países da região no contexto competitivo do mundo “pós-fordista”. Esse novo enfoque na área educacional contrastou com o que dominou no imediato pós-1968 quando, em todo o mundo, iniciaram reformas visando democratizar, principalmente, o acesso e a vida interna nas universidades não apenas por motivos políticos, mas, sobretudo, pelos argumentos ancorados em uma economia da educação dedicada a medir diferenciais de renda em função da escolaridade das pessoas. Essa reviravolta correspondia a uma mudança no modelo econômico-social em nível mundial e estava acompanhada da chamada “economia burguesa da educação” voltada para o impacto global de níveis socialmente mais elevados de qualificação da população (PAIVA, 1997b). Esse refluxo para a base do sistema educacional veio acompanhado de violenta crise universitária, variando de país para país, que assolou quase todo o mundo e se assentou em um processo de profundo reordenamento social das profissões, revisão de valores e da estrutura de emprego que tiveram vigência na era fordista. À tendência mundial de enxugar basicamente o emprego industrial e secundariamente, embora de forma crescente, o emprego nos serviços em geral, setor também atingido pelas conseqüências da microeletrônica e dos parâmetros de administração nascidos das formas de racionalização, acrescentam-se os efeitos sobre o emprego e o trabalho concreto, provocados pelas mutações nas estruturas de bem-estar da crise fiscal dos estados e, em especial da ideologia do Estado mínimo que os tem acompanhado. A diminuição de profissionais nas escolas brasileiras (supervisores educacionais, inspetores, orientadores educacionais) que intermediavam a relação entre alunado, professores e direção da escola, é um exemplo dessa nova forma de organização do trabalho (PAIVA, 1997b). 38 No Brasil, cuja formação social se deu a partir da casa grande e da senzala, fundada nos latifúndios e no trabalho escravo, a questão educacional é muito mais complexa. Enquanto países da América Latina, como Paraguai e Uruguai, universalizaram o ensino fundamental (1a a à 8 série) desde final do século XIX, o Brasil só conseguiu universalizá-lo em 1998, final do século passado, quando o governo federal implementou uma política pública5 de âmbito nacional. Assim, o país convive no início do século XXI, com altos índices de analfabetismo (cerca de 15 milhões de pessoas) e de analfabetismo funcional (35 milhões) e com uma população com baixa escolaridade. Mesmo comparado a países sabidamente menos desenvolvidos, o desempenho educacional brasileiro se mostra precário, não chegando a se igualar, hoje, ao da Bolívia e do Paraguai, sendo superior apenas ao do Suriname. O Mapa do Analfabetismo no Brasil, publicado recentemente pelo Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), órgão vinculado ao MEC, indica que vem decrescendo o número de analfabetos no país. Em 2001, o índice era de 12,4%, contra 13,6% em 2000. Contudo, essa taxa ainda é muito superior à de muitos países da América Latina: Argentina (3,2%), Costa Rica (4,4%), Equador (8,4%) e Peru (10,1%). No início da década de 1990, dos 73 milhões de brasileiros que compunham a a população efetivamente ocupada, 38% possuíam no máximo a 4 série do ensino fundamental e apenas 15,4 % possuíam o ensino médio completo. Na faixa etária de 15 a 29 anos, de um total de 37,6 milhões de pessoas, 4,8 milhões eram analfabetas, e cerca de 19 milhões não chegaram a completar quatro anos de escola. Resumindo, a grande maioria possuía conhecimentos que equivaliam, no máximo, às quatro séries do ensino fundamental, além da existência, ainda, de cerca de 15 milhões de analfabetos adultos. Portanto, a discussão da qualificação profissional da classe trabalhadora brasileira deve levar em consideração essa realidade educacional (FOGAÇA, 1995, p. 27). O debate sobre formação técnico-profissional, no Brasil, tem sido intenso e controverso, desde a década de 30 do século passado. A criação dos Sistemas Nacionais de Formação Profissional e do Sistema de Escolas Técnicas Federais, nos anos 40 daquele século, é de certa forma, resultado daquele debate. A experiência brasileira de educação e formação profissional, introduzida na década de 1940, permitiu consolidar um modelo de “qualificação” dos trabalhadores durante um longo período. Além dos cursos de formação de curta e média duração desenvolvidos por instituições de direito privado, mas com aportes do fundo público, como o Serviço de 5 Em 1996, foi aprovada pelo Congresso Nacional a Lei nº 9.424 ,de 24 de dezembro, que dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) que assegura suporte financeiro federal a todos os municípios brasileiros. 39 Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Serviço de Aprendizagem Comercial (SENAC), que tinham como objetivo oferecer formação profissional em grande escala, coube ao governo a difusão de cursos técnicos de longa duração (escolas técnicas federais e estaduais e universidades). No final dos anos 1970, consolidou-se no Brasil o modelo de industrialização, segundo os princípios do taylorismo/fordismo, ao tempo em que entrou em crise o regime militar, abrindo espaço para os protestos sindicais em relação “as características autoritárias, concentradoras e excludentes do padrão de desenvolvimento brasileiro” (ALVES, 2002). A difusão do taylorismo6 no Brasil foi orientada por empresários paulistas na década de 1930, influenciando intelectuais, tornando-se parte integrante da administração pública. A consolidação das idéias tayloristas firmou-se nos princípios do Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT), criado em junho de 1931 por lideranças empresariais do Estado de São Paulo, com o objetivo de atender às necessidades de organizar o trabalho frente à expansão industrial. Essa instituição se encarregou de difundir o espírito taylorista de racionalização do trabalho para a sociedade em geral e a aplicação dos conhecimentos para o ensino industrial, com base em dois objetivos: 1) realizar atividades de racionalização do trabalho em empresas associadas àquela instituição, como também redirecionar as atividades administrativas do Estado; 2) promover a seleção e formação profissional, higiene e segurança no trabalho. Em sua primeira ação foram aplicados princípios da psicotécnica em cursos de preparação de pessoal para as companhias ferroviárias do Estado de São Paulo. A experiência levou o IDORT a criar o Centro Ferroviário de Ensino e Seleção Profissional, reunindo várias empresas ferroviárias preocupadas em aplicar as técnicas tayloristas. Esse procedimento impulsionou os industriais a criar o ensino industrial com o objetivo de preencher a lacuna da falta de operários qualificados, preenchida por estrangeiros residentes no país. As escolas do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e do Serviço Social da Indústria (SESI) surgiram em conformidade com as teorias veiculadas pelo IDORT (VARGAS, 1985). Surgem também alguns setores da administração pública e empresas privadas adotando as formas tayloristas de produção. Houve a ampliação das escolas de engenharia para suprir o mercado de trabalho de profissionais capacitados para intervir entre a tecnologia, o capital e o trabalho (KAWAMURA, apud DRUCK, 1999), cuja principal preocupação era a 6 O taylorismo será melhor discutido no Capítulo 3. O Quadro do Trabalho no Capitalismo Contemporâneo, quando se analisa a crise do fordismo. 40 de qualificar os engenheiros para que assumissem a concepção e o planejamento da produção e a de reproduzir uma classe operária educada de acordo com as normas de disciplina da produção industrial. Esse cuidado com a qualificação da mão-de-obra vai determinar mudanças substanciais na política educacional do país, sendo introduzido o ensino profissionalizante para os filhos dos trabalhadores, medida essa discriminatória, ligada aos interesses da burguesia industrial. Transformou-se também a mentalidade da população, direcionando-a para uma nova temporalidade de acordo com os requisitos da produção moderna, fundamentada nos princípios de que “tempo é dinheiro”. A prática de gestão do controle dos tempos e dos movimentos dos operários representou condição primordial para a consecução das técnicas tayloristas. Os trabalhadores, por sua vez, usaram diferentes formas de resistência como baixa produtividade e faltas ao trabalho, expressando, assim, descontentamento com a nova forma de trabalho (VARGAS, 1985). A partir de 1946, no governo Getúlio Vargas, abriu-se espaço efetivo para a consolidação das práticas tayloristas, com a afirmação de uma política industrial no país. O Estado desempenhou um papel legitimador desse projeto, investindo um grande volume de recursos para impulsionar setores estratégicos, a exemplo da construção de estradas, portos, energia elétrica, para atender às necessidades do processo de industrialização. Desempenhou, também, um papel de regulador do mercado de trabalho por meio da criação de uma legislação trabalhista necessária para garantir a socialização da força de trabalho (VARGAS, 1985). Assim, a introdução do padrão fordista de gestão do trabalho e da vida dos trabalhadores aconteceu a partir da abertura do país ao capital estrangeiro, em meados da década de 1950, com o oferecimento de estímulos às empresas multinacionais, ampliando-se o processo de industrialização favorecido pela política do Estado populista-desenvolvimentista. A política de desenvolvimento industrial capitalista do país refletiu-se na política educacional desse período, dada pelas relações produtivas que se estabeleceram entre o capital e o trabalho. A alternativa educacional para os jovens oriundos das classes populares foi a formação profissional técnica, voltada para o atendimento às necessidades produtivas, sem nenhuma preocupação teórica, diferentemente da educação dada à classe dos engenheiros que se apropria de um saber que lhe permite exercer funções intelectuais (KUENZER, 1998). No Brasil, na década de 1980, aproximadamente 40 anos depois de iniciada a experiência de educação e formação profissional, no período constituinte e posteriormente, na elaboração da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), o tema da formação técnicoprofissional foi debatido intensamente. A aprovação da LDB, em 1996, foi resultado de um 41 projeto que se desenvolveu paralelamente a um processo de negociação balizado por mais de 30 instituições da sociedade civil. Esse projeto expressa, na sua essência, a subordinação do ensino fundamental, médio e superior e da formação técnico-profissional ao ajuste mais amplo da sociedade brasileira à nova (des)ordem mundial (FRIGOTTO, 1999). Ainda conforme Frigotto (1999, p. 1): Por se tratar de uma prática social constituída e constituinte de relações sociais, a formação técnico-profissional está, na sua organização, financiamento e concepção político-pedagógica, imbricada na crise societária deste final de século. Esta crise é, ao mesmo tempo, sócio-econômica, teórica e ético-política. No âmbito sócio-econômico a crise se explica pela desordem dos mercados mundiais, hegemonia do capital especulativo, monopólio da ciência e da técnica, desemprego estrutural e maximização da exclusão. No plano teórico, a crise se revela na incapacidade de referências de análise darem conta dos desafios do presente. Por fim, a crise ético-política, que se manifesta pela naturalização da exclusão, da violência e da miséria. Frigotto (1999, p. 1) complementa: Nessas circunstâncias, tanto no plano societário mais amplo quanto em políticas específicas como é o caso da formação técnico-profissional, o risco é o surgimento de atitudes e medidas oportunistas, simplificadoras, ou de soluções mórbidas. A todo instante ouvimos falar que estamos em tempo de reestruturação produtiva de economia competitiva e de globalização. E, em face dessa realidade posta como “irreversível”, a escola e as instituições de formação técnico-profissional necessitam ajustar-se. Esse ajuste postula uma educação e formação profissional que gere um “novo trabalhador” – flexível, polivalente e moldado para a competitividade. Cabe à escola e aos centros de formação profissional, nessa perspectiva, desenvolver um “banco” variado de competências e de habilidades gerais, específicas e de gestão. Diante das mudanças no mundo do trabalho, mormente da crise estrutural do emprego, já não se pensa em formar para o posto de trabalho, mas formar para a “empregabilidade”. (Grifos do autor). Assim, as reformas que ocorreram no campo educativo e, especificamente na formação técnico-profissional, eram parte da estratégia do ajuste estrutural que levou as reformas do Estado nos planos político-institucional e econômico-administrativo. Dessa forma, explica Frigotto (1999, p. 9): O caráter minimalista e desregulamentador da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9.394 de 20.12.96) se coaduna tanto à estratégia de impor pelo alto um projeto preconcebido, quanto com a tese do Estado “mínimo” com a tríade do ajuste estrutural: desregulamentação, descentralização e privatização. A nova conformação que assumiu o ensino técnico-profissional no final do século XX é resultado desse caráter minimalista da LDB/96. A primeira regulamentação veio através do Projeto de Lei nº 1.603/96, que com a aprovação da LDB, automaticamente se transforma em Decreto nº 2.208/97, impondo a reforma, que, segundo Frigotto (1999, p. 10) 42 [...] representa uma regressão ao dualismo e exacerbação da fragmentação. O dualismo se cristaliza pela separação das dimensões técnicas e políticas, específicas e gerais, particulares e universais e pela separação do nível médio regular de ensino da rede não regular de ensino técnico-profissional com organização curricular específica e modular. Frigotto (1999, p. 10-11) explica como a rede não regular de formação técnicoprofissional está estruturada, a partir da Reforma: a) Nível básico – para a massa de trabalhadores jovens e adultos, independentemente da escolarização anterior, mas certamente igual ou inferior ao ensino fundamental, que tem o objetivo de “qualificar, requalificar e reprofissionalizar”. Este nível abre espaço para a intensa atuação do atual Sistema “S” e define um novo papel das Escolas Técnicas Federais, o que caracteriza aquilo que Cunha (1997, apud FRIGOTTO, 1999) denominou de senaização das Escolas Técnicas Federais. Além disso, é um terreno aberto para quem queira disputar os recursos públicos do FAT (Fundo de Assistência do Trabalhador) Trata-se de cursos que não estão sujeitos a regulamentação curricular; b) Nível técnico, com uma organização curricular independente destinado a matriculados ou egressos do ensino médio. Aqui situa-se a pressão e direção para onde quer se encurralar o Sistema de Escolas Técnicas Federais. Trata-se de “flexibilizar seus currículos” adaptando-os às “competências” demandadas pelo mercado. Trata-se de um currículo modular, fundado na perspectiva das habilidades básicas e polivalentes e, supostamente, geradoras de empregabilidade. Módulos que podem ser compostos em diferentes instituições públicas ou privadas. Subjacente a essa mudança e em consonância com as diretrizes do Banco Mundial, situa-se a estratégia de transformar esse tipo de ensino num serviço a ser oferecido para o financiamento tanto do setor privado empresarial quanto do setor público. Vale dizer, um mecanismo claro de privatização. Os Centros de Educação Profissional (CREPs) de modalidades diversas conforme a especificidade econômica regional, criados pelo governo do Estado de Minas Gerais, no período 1995/1998, financiados e orientados político-pedagogicamente pelo Banco Mundial, foram construídos com fundo público e entregues para a gestão da iniciativa privada. Essa política de governo, além de antecipar uma possível tendência à privatização, é antidemocrática por engendrar um pressuposto de educação e formação profissional restrita. (FRIGOTTO, 1999). Por fim, o nível tecnológico, destinado a egressos do ensino médio e técnico, para a formação de tecnólogos em nível superior em diferentes especialidades (FRIGOTTO, 1999 p. 10). Pode-se depreender, a partir dessas reformas, que a educação regular e, particularmente, a formação técnico-profissional passam a ser, como bem denomina Frigotto (1999) “a galinha dos ovos de ouro” que pode levar o Brasil a ajustar-se a nova ordem mundial – de exclusão – quando preconiza uma educação desintegradora, isto é, só para aqueles que consigam desenvolver “competências” reconhecidas pelo mercado. Nesse ideário a educação 43 deixa de ser um direito subjetivo de todos, transformando-se em serviços, portanto em mercadoria. Constatando-se que a questão do sistema educacional brasileiro é singular e reconhecendo-se, hoje, a partir de dados de pesquisa, que a grande lacuna é de “basic-skills”, isto é, de competências básicas e não de habilidades passíveis de serem adquiridas em treinamentos operacionais, os problemas educacionais, hoje identificados, dizem respeito às habilidades e competências que decorrem da escolaridade básica de educação geral, ao contrário do que ocorria há vinte anos atrás. A origem desse consenso está no fato do perfil de escolaridade da população brasileira estar muito aquém do que se aponta como necessário ao sucesso da reestruturação produtiva – ensino médio com qualidade, e com uma formação específica que explora as habilidades intelectuais desenvolvidas na educação escolar, que significa, no âmbito da educação geral, necessidade de se elevar a qualidade do ensino oferecido à população, recuperando os sistemas públicos de educação básica nos já suficientes diagnosticados aspectos que vêm concorrendo para sua progressiva deterioração (FOGAÇA, 1995). Os indicadores educacionais, da década de noventa, indicam que os problemas ainda perdurarão por algum tempo. Ainda que se deixe de lado a população de 7 a 14 que não estava na escola (cerca de quatro milhões de crianças) das quase vinte e seis milhões de crianças que freqüentam hoje o ensino fundamental (1a à 8a série), cerca de quinze milhões estão fadadas a ao fracasso, e dez milhões delas sequer concluirão a 4 série desse nível de ensino. Ora, o que o mercado requer hoje é uma força de trabalho com escolaridade ao nível do ensino médio, com qualidade, e com uma formação específica que explora as habilidades intelectuais desenvolvidas na educação básica (FOGAÇA, 1995). Portanto, a exigência, hoje, em relação ao sistema educacional é elevar a qualidade do ensino oferecido à população, recuperando os sistemas públicos de educação básica (ensinos fundamental e médio). Ao tempo em que se reconhece a revalorização da educação básica como prérequisito para melhor inserção no mercado de trabalho, buscam-se adaptações de práticas antigas, estruturadas a partir do conceito tradicional de formação profissional, justificando-se, de um lado, de que os efeitos positivos da modernização tecnológica recairão sobre uma pequena parcela de trabalhadores localizados nas áreas informatizadas da produção; de outro, acredita-se que a modernização não significará o fim da heterogeneidade que se verifica hoje na indústria brasileira – coexistência de processos onde a economia de escala e a padronização com estruturas ocupacionais polarizadas e, o trabalho fragmentado, com tarefas rigidamente 44 definidas e realizadas sob estreita supervisão. Assim, as instituições de formação profissional seriam capazes de se encarregar, autonomamente, das velhas e novas demandas (FOGAÇA, 1995). Os que defendem essa posição desconhecem três aspectos importantes: 1) que o novo conceito de formação profissional não exclui as empresas que permanecerem com processos tradicionais; 2) que a própria emergência de uma nova base técnica não está restrita ao contingente de pessoas direta e imediatamente envolvidas com os novos equipamentos e formas de organização; ao contrário, ela se torna dominante na medida em que atinge toda a sociedade; 3) não se pode imaginar que a necessidade de elevação da escolaridade da força de trabalho não seja desejável, a pretexto de que os novos requisitos seriam uma necessidade exclusiva da automação flexível (FOGAÇA, 1995). É importante esclarecer que a expressão “Educação Tecnológica” surge em substituição à “Educação Técnica”, na passagem da “sociedade industrial” para a “sociedade industrial tecnológica”, promovendo segmentações indevidas no sistema educacional, dificultando uma necessária reorientação das instituições de formação profissional. O principal problema da aplicação do conceito restrito de “Educação Tecnológica” é a desvalorização da educação básica de conteúdo geral, que servirá de apoio tanto àqueles que procuram a formação profissional quanto aos que atinjam o nível médio, como aos que se dirijam ao ensino superior, enfraquecendo a idéia-força de superação da crise educacional do país (FOGAÇA, 1995). Entretanto, no Brasil, difundiu-se inicialmente uma concepção de “Educação Tecnológica” que restringe a discussão sobre as tecnologias e seus impactos sobre a qualificação profissional apenas aos cursos técnicos de nível médio e cursos superiores da área tecnológica, notadamente as engenharias. Posição que está explicitada no documento Adequação da Educação Tecnológica ao Processo de Modernização do País: Plano de Ação, redigido pela Comissão Internacional Interministerial (MEC, SCT, MIC), que contém a idéia de que a escola básica de educação geral constitui um universo estranho à qualificação profissional e que os conteúdos da educação geral nada têm a ver com a “educação tecnológica”. Mostrar como os conceitos e as teorias se manifestam, seja quando queima a resistência de um chuveiro, seja quando se calculam juros, deve estar no horizonte natural da escola básica regular, independentemente de um maior ou menor compromisso com a preparação para uma determinada atividade produtiva (FOGAÇA, 1995). É evidente que a difusão de uma “cultura tecnológica” também exigirá profundas transformações da escola regular, tais como: revisão de currículo, programas e metodologias; 45 melhor preparo de seus professores; melhoria dos recursos pedagógicos etc, de modo a transformar em efetiva realidade as funções e objetivos da Educação Geral. É necessário reconhecer-se que, no caso brasileiro, o discurso que destaca a relevância da escola de educação geral nesta “era tecnológica” fica extremamente fragilizado tanto diante da profundidade da atual crise do sistema educacional quanto ao fato de nossa escola regular de educação geral não apresentar uma conexão explícita ou concreta com o mundo do trabalho em relação ao universo das chamadas profissões subalternas, porque não trata os conteúdos numa perspectiva que permita aos alunos deles se apropriarem nas suas atividades cotidianas, incluindo aí o trabalho. Resumindo, a Educação Tecnológica deve ser entendida como algo que começa na escola básica regular e se completa na qualificação profissional, e isto, desde a formação do trabalhador qualificado até à do engenheiro. Portanto, é um conceito de educação que abrange, igualmente, os fins da educação geral: domínio do conhecimento científico – conceitos básicos das ciências exatas e das humanas – para melhor compreensão dos fenômenos naturais e dos processos sociais; e, os fins da formação especial, o domínio e aplicação dos conteúdos técnico-científicos, de modo a desenvolver habilidades, atitudes e comportamentos adequados e inerentes à determinada ocupação. Não é um processo característico e exclusivo das Instituições de Formação Profissional ou da chamada “área tecnológica”, e nem se confunde com um conjunto de aplicações práticas do conhecimento científico. Educação Tecnológica diz respeito a um conceito mais amplo que envolve a educação geral (do ensino fundamental à universidade), a Formação Profissional, as atividades educativas não-formais, os cursos de treinamento, de atualização etc. Não se trata, portanto, de desenvolver apenas a capacidade de usar informações e de com elas produzir melhor. Trata-se de desenvolver a capacidade de inovar, de produzir novos conhecimentos e soluções tecnológicas adequadas às necessidades sociais, o que exige o desenvolvimento de habilidades intelectuais gerais e fundamentais ao emprego de estruturas lógicas e inerentes a métodos e teorias (FOGAÇA, 1995). 2.3 - Política Nacional de Educação Profissional (PNEP) No Brasil, nos anos 1990, uma série de rupturas muda radicalmente a percepção do contexto educacional e tem desdobramentos concretos. Dentre outros, a crise de legitimidade do Estado, o questionamento de sua responsabilidade direta em relação à educação e o seu redirecionamento no contexto globalizado, abalam as antigas referências para 46 a ação governamental e o desenho de políticas educacionais. Em relação ao ensino médio e educação profissional (o que mais interessa nesta tese), e as possibilidades de sua articulação/desarticulação, não parecem ter sido ainda eficientes e suficientes para superar incoerências, divergências e contradições no campo conceitual e oferecer às escolas um referencial objetivo e seguro que oriente suas ações. As diferentes formas de tratamento dadas ao estudo e às proposições relativas à educação tecnológica e ao sentido de habilidades e competências nos textos do Ministério da Educação, do Ministério do Trabalho e do Conselho Nacional de Educação, ilustram a referida indefinição (BUENO, 2000). Essa década foi marcada pela aparência de um certo “consenso” em torno da necessidade de políticas de atendimento e universalização da educação básica. Organismos internacionais pertencentes à ONU, Estado, empresários e sindicalistas foram unânimes em afirmar a centralidade da educação básica como condição necessária para o ingresso das populações no terceiro milênio, a partir do domínio dos códigos da modernidade. Variaram os argumentos que vão desde a afirmação de que este grau de instrução seria o mínimo exigido à inserção dos trabalhadores no processo produtivo, até a justificativa de sua necessidade para a real participação cidadã na sociedade. Em todos os casos, sempre esteve presente a preocupação com a educação como mecanismo que propiciaria melhor distribuição de renda, expresso no Relatório UNESCO e Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) (OLIVEIRA, 2001). A influência dos organismos internacionais pode ser identificada em diversos momentos e situações onde o Brasil esteve presente. A Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em Jomtien, em 1990, e a Declaração de Nova Delhi constituíram um compromisso internacional em que os países presentes deveriam oferecer às suas populações “sem discriminação e com ética e eqüidade, uma educação básica de qualidade”. Em 2000, em Dacar, na Conferência Mundial, esses compromissos foram reafirmados (OLIVEIRA, 2001). Os organismos internacionais (criados a partir da Conferência de Bretton Woods), principalmente o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), promotores desses eventos, tomam como princípio orientador das políticas educacionais para os países pobres a eqüidade social, entendida como necessária à justiça social e à educação como direito humano. Lauglo (1997, apud OLIVEIRA, 2001), que analisou o relatório do BIRD, de 1995, denominado Prioridades e Estratégias para a Educação, fez as seguintes constatações: 1) a educação básica deve ser prioridade, contudo, a educação profissional deve ser deixada para provedores privados e para treinamento em serviço; 2) a educação básica deve ser gratuita, enquanto que o ensino médio e a educação superior devem estar sujeitos a 47 pagamentos de taxas. Além disso, o autor interpreta o conceito de eqüidade do BIRD, expresso a seguir: Economistas reconhecem a importância da justiça distributiva e, tipicamente, juntam todos os seus aspectos sob o termo eqüidade. No entanto, a preocupação nuclear será o quão eficiente a educação fará uso dos escassos recursos, de forma a produzir resultados cognitivos, os quais, por sua vez, melhorarão a produtividade do trabalho (LAUGLO, apud OLIVEIRA, 2001, p.52). Enfim, a prioridade dada pelos organismos internacionais à educação básica está na relação desta com o desenvolvimento econômico, dentro dos atuais padrões de qualificação profissional. É bom esclarecer, educação básica para esses organismos é entendida como capacidade de leitura e escrita e domínio de cálculos matemáticos elementares, indispensáveis aos processos de formação em serviço. Os argumentos da educação, como alavanca do desenvolvimento econômico, ressuscitam a teoria do capital humano. Adquiridas essas habilidades (ler, escrever, contar), os indivíduos estão desenvolvendo capacidades de se adaptarem às mudanças, às novas maneiras de produzir, e, principalmente, de tomarem decisões (OLIVEIRA, 2001). Para os empresários, o predomínio das altas tecnologias de produção e informação exige que o sistema educacional deve garantir, pelo menos, de 8 a 10 séries de ensino de qualidade à população. Os documentos produzidos, inclusive pelo PNBE, na década de 1990, são unânimes em afirmar que não é papel da empresa substituir o Estado na gestão da educação; contudo, os autores acham que a participação dos empresários é crucial, principalmente, na escola pública de ensino fundamental (1a à 8a). Os argumentos, expressos nos documentos, para que os empresários se envolvam com as questões educacionais são: 1) familiarização e amadurecimento do empresariado; 2) complementação da ação do governo criando formas alternativas de solução e experimentação de novas idéias; 3) a empresa é quem mais ganha. Eles acreditam que a qualificação deve ter como referência o novo paradigma produtivo que exige um trabalhador mais adaptável, com maiores conhecimentos gerais, menos especialização e habilidades específicas, com maior atenção às atitudes e às capacidades de iniciativa e decisão (OLIVEIRA, 2001). Contudo, esse perfil de trabalhador não condiz com a realidade brasileira, que não pode ser caracterizada pelo predomínio de indústrias de ponta, altamente competitivas e de grande desenvolvimento tecnológico. Ao contrário, as indústrias brasileiras são bastante desiguais em termos de desenvolvimento de tecnologias. Por outro lado, as relações de trabalho e emprego muitas vezes não condizem com o discurso e a propaganda, assim como o mercado 48 de trabalho não tem absorvido de maneira satisfatória nem mesmo os trabalhadores mais escolarizados e experimentados. Embora não haja uma proposta única dos representantes dos trabalhadores, parece ser consenso entre as Centrais Sindicais a necessidade da educação profissional de qualidade, considerada como meio de possibilitar aos trabalhadores inserção no mercado de trabalho. O governo brasileiro, tomando como pressuposto que a educação profissional é estratégica para o desenvolvimento sustentado do país, na conjuntura globalizada e tecnológica, encarregou a antiga SEFOR/MTb, nos anos 1990, de articular grupos diversificados de estudo, reflexão e debate, no intuito de construir a base de sustentação teórica de programas amplos e integrados na direção da “humanização capitalista”. Assim, desde 1995, 7 produziu um conjunto apreciável de textos que consolidou essa discussão e constituiu fundamento do Plano Nacional de Formação Profissional – PLANFOR (OLIVEIRA, 2001). Como já foi explicitado anteriormente, no Decreto nº 2.208, de 17 de abril de 1997, a educação profissional passa a ser complementar à educação básica, passando à condição de complemento, constituindo-se em um sistema paralelo ao sistema escolar, devendo se organizar em três tipos de formação: básica, não exigindo escolaridade prévia e podendo ter duração variável; técnica, educação profissional de nível médio que exige a conclusão da educação básica regular, ou deve ser feita em concomitância com o ensino médio; e tecnológica formação profissional de nível superior. A estratégia de separar a educação profissional da educação geral pode estar sendo orientada pela busca de barateamento da educação básica, obrigatória e mais ampla. Com o dever de garantir a gradativa universalização do ensino médio, o poder público encontra-se pressionado a atender essa demanda, à medida que aumentam os concluintes do ensino fundamental (1a à 8a série). Entre 1990/98, o número de concluintes deste nível de ensino cresce 124,3%, gerando uma forte demanda para o ensino médio. É importante ressaltar que a cobertura da educação básica tem sido sustentada, majoritariamente, pelo setor público – 87,8% dos estudantes, totalizando 45,7 milhões de alunos (OLIVEIRA, 2001). Além disso, essa estratégia traz uma outra vantagem para o MEC, que é a possibilidade de estabelecer parcerias para a oferta de educação profissional, apelando para 7 Merecem destaque os textos de Elenice Leite: Questões Críticas da Educação Brasileira e Educação Profissional: um projeto para o desenvolvimento sustentado, 1995; PLANFOR: trabalho e empregabilidade; PLANFOR: formando o cidadão produtivo; Sistema Público de Emprego e Educação Profissional: implementação de uma política integrada; Educação Profissional no Brasil: construindo uma nova institucionalidade. E também os do Ministério do Trabalho: PLANFOR: termos de referência dos projetos especiais e PLANFOR: termos de referência dos programas de educação profissional, de 1996. PLANFOR: avanço conceitual/termos de referência, 1996; PALNFOR 1996/99: avanço gerencial, 1997. 49 acordos com a iniciativa privada, através de programas desenvolvidos em conjunto com empresas, ou ainda com o Sistema “S”. Possibilita também articulações com outros ministérios, por exemplo, o Ministério do Trabalho e Emprego, possibilitando a utilização de outros recursos, tais como os do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), responsabilizando os próprios trabalhadores pelo financiamento de sua capacitação para o trabalho. Por tais razões, a reforma da educação profissional só pode ser analisada no conjunto de reformas educacionais que o Brasil viveu na década de 1990. 2.4 - A Formação Profissional na Perspectiva das Centrais Sindicais É importante também mencionar que o debate e as propostas de ação no campo da educação e da formação profissional, ainda que de forma incipiente, têm estado presentes na agenda do sindicalismo desde o início do século XX. Uma das primeiras proposições foi a idéia de criação de uma universidade operária, aprovada no II Congresso Operário do Estado de São Paulo em 1908, seguindo as tradições do sindicalismo britânico e alemão. Em 1912, a União Gráfica de São Paulo já previa em seus estatutos a criação de um Centro Técnico e Instrutivo das Artes Gráficas visando a qualificação profissional dos trabalhadores daquele setor industrial. Do início do século até a criação dos sindicatos oficiais, ao final da década de 30, as experiências educacionais do movimento sindical traduziram-se na promoção de cursos de curta duração, com caráter profissionalizante (SOUZA; SANTANA; DELUIZ, 1999). Nos anos de 1940, as ações sindicais na área da educação estiveram concentradas em cursos de alfabetização, ensino fundamental regular e de experiências de escolas técnicoprofissionalizantes. Nos anos 50, houve mobilização em defesa da escola pública. Na década de 1960, as resoluções do II Congresso Sindical do Estado de São Paulo apontaram para a necessidade de requalificação dos trabalhadores deslocados de seus postos de trabalho pelo processo de automatização adotado pelas empresas. Nos anos 1960/70, houve experiências de educação popular que envolvia formação geral e política, além da formação profissional, como ações de resistência ao período autoritário (SOUZA; SANTANA; DELUIZ, 1999). No período 1983-1991 foram criadas quatro Centrais Sindicais: em 1983, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 1986, a Central Geral dos Trabalhadores (CGT), em 1989, a Confederação Geral dos Trabalhadores (subdivisão da CGT) e em 1991, a Força Sindical (FS). Em 1985, a CUT cria a Comissão Nacional de Tecnologia e Automação (CNTA) com o objetivo de realizar seminários, produzir teses para os congressos e documentos visando 50 intensificar nas bases do movimento sindical o debate sobre a tecnologia no interesse dos trabalhadores. Foi a partir dos anos de 1990, que começaram a ganhar amplitude as discussões nas Centrais Sindicais sobre o processo de reorganização industrial e as novas concepções de produção e suas implicações sobre as qualificações e a educação. No estudo desenvolvido por Souza, Santana e Deluiz (1999, p. 157-169), com o objetivo de apreender o entendimento das Centrais Sindicais (CUT, CGT e FS) sobre o processo de reestruturação produtiva, seus novos conceitos e implicações para a educação geral e formação profissional dos trabalhadores, os autores identificaram um duplo movimento: De um lado, a separação estrutural, onde as Centrais expressam as distinções e cisões que vêm existindo no movimento sindical brasileiro, pois se há consenso em relação à análise das transformações radicais que vêm passando o mundo do trabalho e em particular a sociedade, fica evidente a distinção quanto à qualificação dessas mudanças. Enquanto a CUT sinaliza com a perspectiva de que o novo quadro pode trazer e tem trazido sérios riscos aos trabalhadores, a CGT, embora parta de uma análise semelhante, tem uma visão mais favorável acerca das possibilidades que os trabalhadores teriam para obter novos espaços no novo quadro. Já a FS, ainda que assinale timidamente alguns problemas, parece ver nele a possibilidade de espaços a serem construídos pelos trabalhadores na busca de melhoria de vida e trabalho. Enquanto a CUT centra sua análise e proposições na lógica do sistema, as outras se concentram na perspectiva individual. Assim, enquanto a CUT combate a visão de uma adequação dos trabalhadores às novas exigências do mundo do trabalho, buscando mesmo disputar as idéias-chave do processo, as outras duas, principalmente a FS, indicam a necessidade de o trabalhador se potencializar no sentido de ocupar seus espaços no novo modelo. Por essa razão, os documentos da CUT só tratam da empregabilidade de forma crítica. Outra questão identificada nos documentos das Centrais foi a incorporação dos estudos acadêmicos, embora que de fontes diferentes: a literatura que subsidia a FS e CGC não é a mesma que subsidia a CUT, como identificado no tema da empregabilidade (SOUZA, SANTANA e DELUIZ,1999 p. 157-160); De outro, há aproximação conjuntural quando as Centrais exprimem consenso quanto ao fato de estar em curso profundas transformações nos cenários internacional e nacional e que essas transformações impactavam no processo de trabalho, na qualificação do trabalhador e no mercado de trabalho. A participação em diversos fóruns institucionais leva as Centrais a uma série de ações conjuntas que incluem seminários e encontros onde se discutem temas relativos à educação e à formação profissional e capacitação de dirigentes, 51 como o Programa de Capacitação de Dirigentes e Assessores Fiscais (PCDA), entre outras. Mas, embora haja um ponto de partida consensual entre as Centrais – a educação não ser tarefa exclusiva do Estado – diferenciam-se justamente quanto às formas e propostas de atuação na área (SOUZA, SANTANA e DELUIZ,1999 p. 160-161). A CUT, por tomar como princípio a crítica ao neoliberalismo, refuta o ajuste da educação aos interesses empresariais, prevalecendo o discernimento crítico sobre os vínculos da educação com o mercado, manifesto pelo caráter ideológico que serve à noção corrente de empregabilidade. Portanto, trata o desemprego como possível de ser combatido pela via de seus aspectos estruturais e não por intermédio de propostas que reduzem o ensino profissional ao adestramento de mão-de-obra, segundo requisitos específicos do mercado de trabalho. Coerente com sua visão de uma educação voltada para a transformação da realidade, a CUT defende que os trabalhadores devem ser preparados técnica e politicamente para a intervenção nos rumos da reestruturação produtiva; lutar contra o desemprego e a favor da abertura de novos postos de trabalho; afirmar o direito do jovem ao conhecimento, à profissionalização e ao trabalho. Para questões imediatas do desemprego, defende ações no campo da reprofissionalização e políticas públicas de geração de emprego e renda (SOUZA; SANTANA; DELUZ, 1999). Já a CGT afirma buscar através da empregabilidade o “desenvolvimento integral do indivíduo”, tanto particular quanto coletivo, enquanto a FS chega a afirmar que a precariedade das possibilidades de trabalho se deve ao não preparo do trabalhador, segundo os novos requisitos postos pelo processo de reestruturação produtiva. Portanto, ambas não colocam em questão os aspectos político-ideológicos da empregabilidade, tampouco as determinações estruturais do desemprego atual. Ao contrário, assumem que, em função dos seus projetos educacionais, compartilhados com diferentes segmentos da sociedade, e com a comunhão de políticas públicas de geração de empregos, a empregabilidade do trabalhador estaria assegurada (SOUZA; SANTANA; DELUIZ , 1999). Quanto à relação entre educação geral e formação profissional, CUT e CGT coincidem na defesa de um desenvolvimento integrado, criando espaços para a realização de um uma nova educação profissional para o trabalhador; entretanto, divergem quanto às justificativas e especificidade da integração em questão. Para a CUT, a integração deve contribuir para a formação de um trabalhador tecnicamente competente e politicamente comprometido com a luta pela transformação da sociedade, resultando, a um só tempo, em uma educação profissional e política. Já a CGT localiza a necessidade de integração no âmbito das novas exigências do mercado de trabalho, onde a educação média vem sendo considerada 52 patamar desejável de escolaridade. Para a FS não se trata de integrar e sim de estabelecer uma relação de complementação entre ambas (SOUZA; SANTANA; DELUIZ, 1999). O estudo ainda revela que as três Centrais defendem a universalização de uma escola pública, gratuita e de qualidade, sendo que a CUT vai mais além, reivindicando também uma escola laica e unitária, assumindo a proposta politécnica de educação no âmbito da estrutura escolar. Essas Centrais defendem também políticas públicas para a educação, em especial de cunho profissionalizante e maior participação na gestão dessas políticas. Diferem, mais uma vez, quanto à natureza e os objetivos das transformações pretendidas, assim como o papel que viriam a desempenhar. A CUT defende transformações político-estruturais como fortalecimento da esfera pública, de maneira que permita o fortalecimento do controle social dos fundos públicos, que promova o crescimento de vagas na rede pública e, em particular, que corrobore para a democratização e revitalização das Escolas Técnicas e para a ampliação das oportunidades de educação da mulher trabalhadora urbana e rural. A CGT defende políticas educacionais tripartites, compartilhadas entre ela e os diferentes segmentos da sociedade, em convênios com entidades públicas e privadas. Dispõe-se a elaborar diretrizes e linhas de ação destinadas ao redirecionamento dos recursos do FAT e ao custeio, pelas empresas, de uma educação contínua do trabalhador. A FS, crítica em relação à qualidade da escola pública, estabelece como meta a elevação do nível médio de escolaridade e de qualificação profissional dos trabalhadores, envolvendo o empresariado, o governo e a sociedade civil organizada no sentido de garantir o ingresso, a permanência e a reintegração dos trabalhadores no mercado de trabalho (SOUZA; SANTANA; DELUIZ , 1999 p. 164-165). Com a liberação de recursos do FAT, via PLANFOR, a partir de 1996, novas experiências de formação profissional foram desenvolvidas. O aspecto novo foi a possibilidade de gerenciamento dos recursos públicos que se constituem como elemento deflagrador do conjunto das ações de formação profissional desenvolvidas pelas Centrais Sindicais, assim como a integração da formação profissional a outras ações como pesquisa, educação de jovens e adultos, educação sindical, e formação de formadores. Quanto à avaliação que as Centrais fazem do PLANFOR, há consenso no que diz respeito a sua operacionalização, afirmando que as Instituições Executoras oferecem cursos que, na sua maioria, têm carga horária pequena e estão desvinculados das tendências do mercado de trabalho local. Assinalam ainda que a formatação dos cursos é rígida e as exigências burocrático-administrativas são excessivas. Do ponto de vista metodológico, ressaltam que nem sempre há articulação entre as habilidades (básicas, específicas e de gestão), o que acarreta a fragmentação dos conteúdos. Apesar das críticas, são unânimes em apontar a validade do 53 PLANFOR no sentido de que ele possibilitou o acesso do movimento sindical à verba pública, na consecução de programas de formação profissional. Como já explicitado anteriormente, a participação dos trabalhadores só foi possível graças às características de gestão do PLANFOR – tripartite e paritária. Fazem também autocrítica afirmando que, muitas vezes, o movimento sindical perde o controle sobre a execução dos cursos e programas e a disputa pela verba passa a ser mais importante do que a discussão dos pressupostos teórico-metodológicos dos projetos (SOUZA; SANTANA; DELUIZ, 1999, p. 168). A FS, por exemplo, afirma que o PLANFOR configura-se como um programa emergencial no interior de uma política de emprego, e não como um plano de Formação Profissional, portanto sem articulação com a educação geral, fato que, segundo esta Central, deve-se à desarticulação dos próprios organismos públicos em nível nacional – MEC e MTE, que não conseguem, a partir de uma ação conjunta, estruturar uma política integrada de formação. “Enquanto o MEC e o MTE não sentarem para discutir isso, enquanto for feudo, enquanto der cacife na OIT e na UNESCO, não tem diálogo” (FERREIRA, apud SOUZA SANTANA; DELUIZ , 1999 p. 155-156). A CUT, por sua vez, também aponta várias críticas: 1) ser muito pouco o volume de recursos envolvidos para as demais executoras, inclusive as Centrais Sindicais, quando comparado com o que recebe o Sistema “S”; 2) a desvinculação do PLANFOR do sistema público de ensino profissional prejudica os trabalhadores que ficam à mercê de cursos de curta duração e não focados na realidade do mercado de trabalho; 3) os cursos oferecidos pelo PLANFOR têm se mostrado ineficazes para o enfrentamento do desemprego. A CUT vê a possibilidade do movimento sindical redirecioná-los, recuperando inclusive a escolaridade do trabalhador; 4) o alto grau de autonomia da SPPE/MTE no gerenciamento da verba pública, já que os recursos são do FAT, e são administrados pelo Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (CODEFAT), organismo paritário e tripartite. Apesar das críticas, reconhece a relevância do Programa no momento atual de reestruturação produtiva, desemprego e deterioração dos níveis de vida dos trabalhadores (SOUZA SANTANA; DELUIZ, 1999 p. 132-134). A CGT envolve-se com a Formação Profissional a partir de 1996, quando a Secretaria de Formação Profissional do MTE passa a liberar recursos do FAT para implementar o PLANFOR no contexto da reestruturação produtiva, das necessidades dos trabalhadores organizados e das limitações do ensino técnico-profissional do país. Um problema que a CGT enfrenta desde o início é a baixa escolaridade do trabalhador e por conta 54 disso descrê da eficácia do Programa pelo mesmo se pautar em cursos rápidos e de curta duração (SOUZA SANTANA; DELUIZ, 1999). A principal crítica da CGT ao PLANFOR diz respeito a seu público-alvo: excluídos, desempregados, beneficiários do seguro-desemprego, mulheres chefes de família, jovens em situação de risco e até a população favelada. A Central não acredita que o Programa esteja conseguindo realmente qualificar este trabalhador e que o esteja inserindo no mercado de trabalho. Acha que o movimento sindical tem a responsabilidade de avaliar sua atuação no Programa, sob o risco de ser responsabilizado pelos resultados das suas ações e pelo uso dos recursos do FAT, isto é, ser cobrado no futuro pela ineficácia na aplicação dos recursos do próprio trabalhador (CERUTTI, 1998 apud SOUZA SANTANA; DELUIZ , 1999 p. 144145). Como as demais Centrais, a CGT considera positivo o fato do movimento sindical ter acesso às verbas do FAT e poder participar da Formação Profissional dando-lhe consciência da questão da baixa escolaridade da força de trabalho e da dissociação da formação profissional das mudanças que estão ocorrendo no mundo do trabalho (SOUZA SANTANA; DELUIZ , 1999 p. 145). 55 3. POLÍTICAS PÚBLICAS DE EMPREGO E RENDA 3.1 - Nos Países Desenvolvidos No período de ouro do capitalismo (1945/1973), quando houve forte expansão dos chamados empregos regulares, caracterizados pela jornada plena e pela existência de proteção social e sindical, resultando na homogeneização do mercado de trabalho e na ocorrência de baixas taxas de desemprego aberto, os países desenvolvidos não sentiram os efeitos desfavoráveis do livre funcionamento do mercado de trabalho sobre as classes trabalhadoras. Isso significou que mesmo diante das fortes mudanças demográficas, intensos processos migratórios e de profundas alterações nas taxas de participação da População Economicamente Ativa (PEA) dos jovens e mulheres, esses países mantiveram uma economia de pleno emprego, porque adotaram algumas medidas de caráter extra mercado tais como: contrato coletivo de trabalho regulamentando a demissão de trabalhadores; atuação do Estado do Bem-Estar Social com previdência e assistência social, seguro-desemprego, renda-mínima, idade mínima para ingresso no mercado de trabalho, dentre outras e aplicação de uma política econômica associada ao compromisso com a geração de empregos (DIEESE, 1994; DEDECCA, 1999). Esse conjunto de políticas visava reduzir a oferta de mão-de-obra e de ampliar o número de postos de trabalho. Assim, as políticas de emprego e garantia de renda, que segundo o DIEESE (1994, p. 18), têm como objetivo básico a redução da pobreza, das desigualdades e da exclusão social, tiveram importância decisiva para amenizar os efeitos perversos do livre funcionamento do mercado de trabalho, pois faziam parte de um conjunto mais amplo das políticas adotadas nas esferas social e econômica, modificando as relações entre o Estado, a economia e os atores sociais.8 Com o término da Segunda Grande Guerra, países como Inglaterra, Suécia e Suíça construíram coalizões políticas a favor de medidas distributivas, permitindo a generalização das políticas de pleno emprego e de garantia de renda (GOLDTHORPE, 1984 apud DIEESE, 1994, p. 10). Evidentemente que as políticas de emprego e garantia de renda foram implementadas conforme as especificidades nacionais, ao tipo de desemprego e ao nível de pobreza da população de cada país. Quando se tratava de desemprego sazonal as políticas de garantia de renda (seguro-desemprego e auxílio de remuneração) visavam impedir a queda no padrão de vida do trabalhador que, momentânea e involuntariamente, encontrava-se 8 Kalechi e Keynes, segundo o DIEESE (1994); POCHMANN, (1999a, 1999b); DEDECCA, (1999), se destacaram entre os economistas que defendiam a introdução de medidas voltadas para plena ocupação nas economias de mercado. 56 desocupado. Em relação ao desemprego friccional, aquele em que o trabalhador não encontrava, no curto prazo, emprego ou a empresa a mão-de-obra disponível, a instalação de agências públicas de cadastramento, de treinamento, de intermediação do emprego e de benefícios sociais visavam, freqüentemente, ajudar na solução desse problema. Quanto ao desemprego cíclico, que ocorre nas fases de recessão devido à instabilidade da economia capitalista, as políticas de estímulo ao emprego e de garantia de renda visavam compensar o aumento das taxas de subutilização da força de trabalho, procurando evitar a queda no padrão de vida dos desempregados. Já quando aumentava o número de desempregados e subempregados, mesmo havendo crescimento da renda per capita, o chamado desemprego estrutural, os países desenvolvidos aplicavam políticas de emprego e renda. Essas medidas evitavam que os desempregados recorressem às ocupações irregulares, com baixa produtividade e baixa remuneração (DIEESE, 1994; DEDECCA, 1999; POCHMANN, 1999a). Ainda segundo esses autores, o registro de taxas de desemprego aberto9 relativamente baixas a partir da segunda metade dos anos de 1940 deveu-se, sobretudo, ao conjunto de medidas voltadas ao enfrentamento dos diferentes tipos de desemprego, introduzindo importantes modificações nas estruturas e formas de funcionamento dos mercados de trabalho dos países desenvolvidos. Assim, a expansão do emprego regular e regulamentado, isto é, socialmente protegido, aliado à estruturação do mercado de trabalho contribuíram para que as ocupações marginais e de baixa produtividade fossem sensivelmente restritas, permitindo que o capitalismo e suas políticas de trabalho estivessem voltadas, principalmente, para: limitar a oferta de mão-de-obra no mercado de trabalho, através da proibição do trabalho infantil, do estabelecimento de jornada máxima de trabalho e idade de aposentadoria; oferecer meios de subsistência externos ao mercado como a concessão do segurodesemprego e a definição de sistemas públicos de aposentadorias; estimular a demanda por trabalho através de investimentos nos setores de alta elasticidade e abertura de novas vagas propiciadas pelo Estado do bem-estar social. Segundo Offe (1989), as políticas públicas de emprego, daquele momento histórico do capitalismo nos países desenvolvidos, modificaram e regularam o mercado de trabalho sem alterar as regras básicas de funcionamento do trabalho assalariado, conseguindo manter taxas reduzidas de desemprego e possibilitando o fortalecimento dos sindicatos e dos 9 Segundo o DIEESE (1994), desemprego aberto diz respeito a pessoas que procuraram trabalho nos trinta dias anteriores ao da entrevista e não exerceram nenhum trabalho nos sete últimos dias. 57 partidos políticos representativos de seus interesses e na seqüência, conseguiram também influenciar no processo de repartição dos frutos do desenvolvimento econômico. Mas, após 1973, as experiências do pleno emprego e da estruturação do mercado de trabalho nos mais importantes países desenvolvidos sofreram uma ruptura. A crise econômica internacional, aliada à onda de transformações tecnológicas, organizacionais, produtivas (terceira revolução industrial), financeiras e sociais provocaram repercussões imediatas tanto sobre o nível de emprego quanto ao funcionamento do mercado de trabalho. Com a desestruturação do sistema financeiro internacional – fim do câmbio fixo e da conversibilidade do dólar ao ouro – e da alteração brusca nos preços do petróleo, houve um rompimento dos compromissos sociais sobre a manutenção do pleno emprego em vários países desenvolvidos. A adoção de políticas recessivas provocando quedas no nível de emprego e do salário trouxe reflexos imediatos sobre o mercado de trabalho, que se agravou com a emergência das políticas neoliberais, enfraquecendo os laços de solidariedade estabelecidos no final da Segunda Guerra, debilitando as forças sociais e políticas que representavam os interesses dos trabalhadores (DIEESE, 1994). Assim, após 1973, com a adoção de medidas conservadoras na condução das políticas social e econômica, o compromisso com o pleno emprego tornou-se coisa do passado. Nos Estados Unidos e Inglaterra onde os programas neoliberais foram aplicados com maior intensidade, a degradação nas condições de vida dos desempregados foi muito significativa, devido ao corte nos planos sociais e ao estímulo à flexibilização do mercado de trabalho. Já na Suécia e na Alemanha, onde foram mantidos programas de atenção às medidas de proteção e à garantia de renda aos desempregados, a queda no padrão de vida dos trabalhadores foi atenuada (POCHMANN, 1995). Os dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE 1992) sobre o perfil dos desempregados em seis países desenvolvidos (Alemanha, Estados Unidos, França, Inglaterra, Itália e Japão) indicam que os trabalhadores mais idosos, os jovens e as mulheres foram os mais atingidos pelo movimento de desestruturação do mercado de trabalho no início da década de 90 do século XX (POCHMANN, 2001). O desemprego de longa duração nos países capitalistas centrais passou, então, a chamar a atenção das autoridades governamentais, uma vez que começaram a proliferar formas de subemprego e de ocupações por tempo parcial, sem registro e por tempo determinado. Nesse contexto, foi necessário adotar novas medidas para os novos tipos de desemprego: 58 recorrente, 10 de reestruturação11 e de exclusão, 12 já que as políticas anteriormente adotadas mostraram-se insuficientes para reduzir as taxas de desemprego aberto, por exemplo, no período entre 1984 e 1989, quando as economias industrializadas registraram forte crescimento econômico (DIEESE, 1994). Podem-se distinguir duas linhas básicas de atuação das políticas de emprego e garantia de renda nos países desenvolvidos (DIEESE, 1994; DEDECCA, 1999; POCHMANN, 2001): 1. políticas ativas de emprego – ações que buscam atuar no sentido de manutenção dos empregos existentes e da ampliação da oferta de novos postos de trabalho. São ações extramercado que têm como pressuposto a expansão das atividades econômicas, sem deixar de estimular o aumento da produtividade do trabalho. Podem-se destacar as seguintes ações: estímulo ao crescimento de diferentes setores da economia (agronomia, indústria e serviços), utilizando os seguintes mecanismos: redução das taxas de juros, elevação do crédito, redução da carga tributária e elevação do déficit público; estímulo ao emprego nos setores que mais utilizam força de trabalho e nos segmentos que promovem o auto-emprego (serviços autônomos e por conta própria), utilizando verba do orçamento público; subvenção aos novos empregos reduzindo tanto o custo do trabalho (supressão dos direitos sociais, criação de estágios e utilidade coletiva etc) quanto o custo de produção (tarifas públicas subsidiadas, por exemplo). implementação de programas sociais tipo treinamento e requalificação da força de trabalho e ocupação do tempo livre dos desempregados em atividades sociais e culturais; redução da jornada semanal de trabalho; complementação dos salários, através de fundos públicos criados especialmente com esse objetivo, dos idosos (pré-aposentadoria) e dos trabalhadores atingidos pela reestruturação produtiva. 2. políticas passivas de emprego – ações que objetivam conter o desemprego sem necessariamente aumentar o emprego, atuando preferencialmente sobre as formas de subutilização da força 10 Desemprego decorrente diz respeito ao segmento da população mais vulnerável como o jovem, trabalhador menos qualificado e o empregado próximo da idade de aposentadoria, que retornam com mais freqüência à situação de desempregado. 11 Desemprego de reestruturação atinge principalmente o segmento da força de trabalho que anteriormente era titular dos empregos estáveis, que tornam-se desnecessários frente às necessidades da nova organização do sistema produtivo. 12 Desemprego de exclusão atinge os trabalhadores sem emprego por longo tempo dificultando o reingresso nos empregos regulares por conta da crise econômica e da elevada seletividade nas novas ocupações. 59 de trabalho, melhorando os empregos existentes e garantindo renda para os que permanecem desempregados involuntariamente. Podem-se citar as seguintes políticas: maior controle social sobre as demissões dos trabalhadores através de dois mecanismos: a) medidas impeditivas de rompimento do contrato de trabalho; b) participação dos sindicatos nos conselhos de créditos e de ajuda às empresas; manter as agências públicas de emprego e de intermediação de mão-de-obra atualizadas quanto: a) as informações sobre a situação do mercado de trabalho; b) as exigências dos novos postos de trabalho; c) as necessidades de treinamento e qualificação da mão-deobra; ampliação da idade mínima para o jovem ingressar no mercado de trabalho, aumentando a escolaridade e os estágios remunerados, assim como reduzindo a idade de aposentaria como mecanismos de pré-aposentadoria; restrições à mobilidade da mão-de-obra, principalmente dos imigrantes. Além das políticas de emprego ativas e passivas foram utilizadas medidas compensatórias, basicamente por transferências sociais, no sentido de garantir o padrão de vida do desempregado, evitando dois problemas: aumentar a desigualdade social e promover a queda no nível de consumo (DIEESE, 1994; DEDECCA, 1999). Comparando-se os gastos públicos, na França, nas décadas de 70 e 90 do século passado, pode-se perceber como o fenômeno do desemprego passou a ser visto por aquele país. Até início dos anos 70, por exemplo, eram gastos 63,3% em políticas ativas de emprego (manutenção e promoção do emprego, estímulo às atividades e formação profissional) e nos anos 90 foram gastos 41,5% nas políticas passivas (indenização ao desempregado e estímulo a aposentadoria) que consomem a maior parte dos recursos, cerca de 56,6% (DIEESE, 1994). Azeredo (1998) diz que a aceleração da globalização financeira, a partir de meados da década de 1980, e a mudança no paradigma tecnológico fazem-se acompanhar de um aumento, em escala planetária, da concentração de renda e da riqueza e de sua contraface à exclusão social, colocando no centro da preocupação dos governos a questão do emprego e do desemprego. O ônus desse ajuste, do ponto de vista global, recai pesadamente sobre os países periféricos endividados e do antigo mundo socialista. Do ponto de vista social, sobre os setores públicos e os trabalhadores de cada país. Assim, os problemas de natureza fiscal e financeira com que se defrontam os setores públicos dos diversos países, bem como o discurso neoliberal identificam nos sistemas de proteção social seus alvos preferidos no intuito de reduzir despesas e restabelecer o equilíbrio das contas públicas. Essas políticas, denominadas de políticas sociais de última 60 geração, 13 aparecem enfocando dois lados: 1) um perverso, com absoluto conformismo com o pensamento neoliberal e uma total leniência com a “inevitabilidade” e a “irreversibilidade” da submissão da vida social às leis do mercado, imperando a redução de gastos e sua focalização nos grupos pobres e vulneráveis, abandonando o caráter universal dos programas sociais até então vigentes; 2) outro, que investe em novas formas de encaminhamento da questão social, procurando não só preservar o caráter universal e solidário dos programas tradicionais, mas acrescentando novos elementos tais como: descentralização na prestação de serviços, ampliação na participação da sociedade e novas formas de articulação entre os setores público e privado. Portanto, nas duas últimas décadas do século XX, as políticas públicas de emprego e renda sofrem alterações nos seus objetivos e conteúdos. Pochmann explica: (1998c, p. 123): De políticas de emprego transformaram-se em políticas para o mercado de trabalho, com ações descentralizadas e recursos cada vez mais focalizados, para parcelas cada vez mais específicas da população desempregada ou pertencente ao chamado setor informal, no caso dos países subdesenvolvidos. Anteriormente, os programas públicos de geração de emprego e renda eram concebidos de maneira sistêmica, com o conjunto da política macroeconômica comprometida com o pleno emprego. Agora, contudo, o abandono do compromisso das políticas macroeconômicas com a manutenção do pleno emprego, salvo algumas exceções nacionais, tem reduzido as políticas de emprego a ações sobre funcionamento do mercado de trabalho. Assim, o predomínio das políticas neoliberais de combate à inflação a qualquer custo e a presença de uma ordem econômica que promove mais a valorização financeira do que produtiva do capital, retira das políticas de emprego o objetivo e o conteúdo sistêmico da plena incorporação social. As políticas públicas de emprego, segundo a tradição social-democrata e keynesiana, estão articuladas às políticas macroeconômicas comprometidas com o maior estímulo possível das forças produtivas. Ao contrário, as políticas neoliberais ou políticas de inserção são quase exclusivas para o mercado de trabalho, isto é, têm atuação focalizada (e provisória) para segmentos específicos da oferta ou da demanda de mão-de-obra, destituídas do uso mais geral dos instrumentos macroeconômicos (POCHMANN, 1998a, 1998b e 1998c). Essas políticas passam a cumprir um outro papel, isto é, contrapor-se à crise do mercado de trabalho, compondo em vários países experiências das mais diversas, dadas as características locais de cada sociedade, do próprio mercado de trabalho e do impacto verificado nas estruturas produtivas. Como já foi dito, muita dessas políticas são totalmente conformistas em relação ao discurso neoliberal, dando por inevitável a supremacia da ordem econômica sobre a social, cabendo, portanto, compensar os excluídos do novo modelo, 13 Segundo Azeredo, essa expressão é encontrada em autores das mais variadas procedências teóricas e corresponde as mais diversas experiências que vêm sendo tentadas nos últimos anos. 61 enquanto que para os demais cidadãos as regras do mercado são suficientes. Há, portanto, uma ruptura nesse tipo de ação em relação ao modelo do welfare state, no qual os direitos sociais são considerados universais (GUIMARÃES, 1998). Draibe (1996, apud AZEREDO, 1998) aponta três planos onde ocorrem essas rupturas: 1) no plano dos gastos, com a queda sistemática do percentual de investimento público destinado aos programas sociais; 2) no plano dos valores, com a substituição da ética da solidariedade pela ética da eficiência e o abandono concreto da política social em que se funda o welfare state com a supressão dos seguintes programas: redistributivos de renda, proteção efetiva aos grupos pobres, desassistidos e marginalizados, correções de desequilíbrios regionais etc; 3) e no plano que a autora considera o fundamental que é a força de desestruturação dos Estados de bem-estar social que tem ocorrido através das mudanças do mundo do trabalho, isto é, a desorganização do processo de trabalho, com a reestruturação produtiva ainda em curso. Portanto, é o sistema de proteção social, mais que seus programas específicos, que se vê abalado pela nova economia do trabalho e suas manifestações: desemprego estrutural, subemprego, emprego precário e de baixa qualidade, informalização das relações de trabalho, dentre outras. A adoção dos processos de automação flexível, a introdução de inovações nos padrões de gestão e de organização empresarial, a busca de novas formas de concorrência e de estratégias de competitividade, a forma de uma brutal economia do trabalho, têm trazido seqüelas conhecidas: substituição de empregos qualificados na indústria por empregos pouco exigentes em qualificação, e por isso pior remunerados; trabalho por tempo parcial e temporário; precarização dos empregos de forma geral; aumento da informalização no mercado de trabalho; subemprego e desemprego estrutural (AZEREDO, 1998). Resumindo, com o aprofundamento da crise, principalmente a partir do segundo choque do petróleo em 1979, muitas das condições que sustentavam a expansão dos sistemas de seguridade social no mundo capitalista deixaram de existir. Mas, ao mesmo tempo, dada a evolução dos sistemas de seguridade social e a consagração de direitos a eles associados – comprometimento da receita pública com a produção de serviços: benefícios previdenciários, seguro-desemprego e saúde pública – houve aumento de gastos públicos decorrentes das demandas crescentes por aqueles serviços. Assim, com as pressões resultantes dos desequilíbrios macroeconômico, o Estado de bem-estar passou a ser visto como um problema (AZEREDO, 1998). Esping-Andersen (1995, apud AZEREDO, 1998) identifica três grandes grupos de países que adotaram estratégias diferentes, no âmbito das políticas sociais do welfare state, 62 em relação às transformações econômicas e sociais ocorridas a partir da década de 70 do século XX. No primeiro deles estão os países escandinavos que adotam a linha de expansão de empregos no setor público, particularmente direcionado aos serviços sociais, como estratégia de manutenção da política de pleno emprego. Além disso, os países escandinavos assumem outras políticas ativas voltadas para o mercado de trabalho tais como: treinamento, subsídios para contratação no setor privado e auxílio para os que se estabelecem por conta própria. Há também um deslocamento mais geral de prioridades em favor de jovens e adultos, grupos que, sob as condições tradicionais de pleno emprego, eram tidos como aqueles que requerem intervenções apenas marginais do welfare state. Ainda segundo o mesmo autor, as elevadas taxas de desemprego na Suécia, por exemplo, estão desgastando a credibilidade básica do antes celebrado modelo social-democrata e seu estilo militante de investimento social, devido ao conflito entre o princípio igualitário e universalista e a crescente heterogeneidade da estrutura ocupacional do país. O segundo grupo de países (Estados Unidos, Inglaterra e Nova Zelândia) é o que adota, nos anos de 1980, a chamada “rota neoliberal”, com uma estratégia deliberada de desregulamentação orientada para o mercado de trabalho com uma certa erosão do welfare state. A estratégia básica adotada para o enfrentamento do baixo dinamismo da economia, em particular o mercado de trabalho, é a chamada flexibilização deste mercado e flexibilização dos salários, a partir da redução dos encargos sociais e dos impostos e da depreciação do salário mínimo legal ou de fato. Quanto aos sistemas de proteção social, a estratégia neoliberal é na direção da focalização da clientela e uma “incapacidade de aprimorar os benefícios e a cobertura conforme as mudanças econômicas”. Os dados indicam que houve uma queda significativa do salário mínimo e no valor dos benefícios de assistência social, bem como a redução do contingente de desempregados recebendo benefícios. Há também redução da proteção complementar oferecida pelas empresas, em função dos cortes nos encargos trabalhistas e na cobertura precária oferecida nos empregos de baixa qualidade. A Nova Zelândia constitui-se em exceção com total desmantelamento dos programas sociais (ESPINGANDERSEN, 1995, apud AZEREDO, 1998). Considerando-se as diferenças em termos de sistemas de proteção social desses países e das condições de seus mercados de trabalho, o resultado comum a todos que adotaram a estratégia neoliberal foi de aprofundamento das desigualdades e crescimento da pobreza. O terceiro grupo de países, ainda na tipologia de Esping-Andersen (1995 apud AZEREDO, 1998), é o da Comunidade Européia, exemplo típico, segundo este autor, dos “incluídos” e “excluídos”, isto é, onde o mercado de trabalho é caracterizado pela rigidez das 63 relações trabalhistas, com elevados custos de contratação da mão-de-obra, associados a amplos benefícios e altos salários. Ao lado da população masculina protegida, cresce o número de desempregados, particularmente entre jovens, mulheres e homens mais velhos. Os sistemas de proteção social são caracterizados pela ênfase na previdência social, em especial nas aposentadorias, cujos critérios de concessão estão diretamente atrelados ao emprego e às contribuições individuais. O resultado das políticas adotadas nesses países é o aprofundamento da distância entre os “incluídos” no mercado de trabalho, com empregos socialmente protegidos (direitos sociais garantidos) e os “excluídos”, que constituem um número crescente de trabalhadores com relações precárias de emprego. A partir da literatura analisada, pode-se concluir que a experiência dos países desenvolvidos, a partir do final da década de 1970, mostra como o Estado tem desempenhado um papel estratégico na busca de mecanismos compensatórios e, principalmente, na construção de instrumentos para equacionamento do problema do desemprego. Guardadas as diferenças de estratégias políticas adotadas nos diversos países e os discursos liberalizantes em defesa da redução do papel do Estado, o resultado hoje, é que esses países apresentam gastos públicos significativos com o que se convencionou chamar de políticas públicas de emprego. Mas é importante ressaltar que não se pode esperar uma reversão do quadro do mercado de trabalho sem uma retomada do desenvolvimento econômico em padrões que permitam a inclusão social e a ampliação da demanda por mão-de-obra. Portanto, o requisito básico e indispensável para a busca de uma solução definitiva para o agudo problema do desemprego consiste no redirecionamento das políticas macroeconômicas que, hoje, são semelhantes (com pequenas variações) em quase todos os países. 3.2 - A Experiência Brasileira A análise da questão do desemprego no Brasil é bastante complexa por diversas razões. A primeira delas é histórico-estrutural e diz respeito à dualidade e heterogeneidade do mercado de trabalho, existentes mesmo antes de eclodir a crise econômica mundial no final da década de 1970. Portanto, os problemas da modernidade, decorrentes do novo paradigma tecnológico, da abertura dos mercados e da globalização financeira se superpõem aos problemas do atraso brasileiro: alto grau de informalização e de precariedade das relações de trabalho, desigualdade social, deficiências no sistema de proteção social e o baixíssimo nível de escolaridade da força de trabalho (AZEREDO, 1998; POCHMANN, 2001). 64 Um segundo ponto a ser destacado é que o Brasil conta com um sistema educacional com profundas deficiências e sempre foi desarticulado do sistema produtivo, a não ser na medida em que este apresenta reduzidos requerimentos educacionais de mão-de-obra. Essas duas questões – dualidade e heterogeneidade do mercado de trabalho e precariedade do sistema educacional ajudam a compreender porque o Brasil nunca teve, no passado, políticas públicas de emprego. A experiência brasileira no campo das políticas públicas de emprego (PPEs) é bastante recente. O seguro-desemprego, por exemplo, que representa um dos eixos básicos dos sistemas de proteção social, consolidados nos países desenvolvidos após a Segunda Guerra Mundial, só foi instituído no Brasil na segunda metade da década de 80, do século passado, e organizado na forma abrangente como se conhece hoje. Os serviços de intermediação de mãode-obra, apesar da criação do Sistema Nacional de Emprego (SINE) na década de 1970, permanecem até hoje bastante precários, mesmo quando se levam em conta as tentativas de mudanças lideradas pelo Ministério do Trabalho, a partir de 1993 (AZEREDO, 1998). O problema do emprego, quando tratado pelas autoridades brasileiras, é visto, de um lado, sempre como insuficiência de postos de trabalho. As ocupações com baixos níveis de rendimento, praticamente, não são alvos de medidas direcionadas ao combate do desemprego e à subutilização da força de trabalho. Por outro lado, há uma escassez de medidas voltadas ao enfrentamento das seguintes questões: pressões originárias dos fluxos migratórios (campocidade e inter-regionais); alto índice do crescimento demográfico e elevado ingresso da mãode-obra feminina e jovem no mercado de trabalho. Possivelmente, estas são algumas das razões porque a População Economicamente Ativa (PEA) teve que buscar nas atividades precárias alternativas de sobrevivência, já que não encontram empregos regulares (DIEESE, 1994; DEDECCA, 1999; POCHMANN, 2001 e 2002). Mas não basta garantir crescimento econômico do país para se resolver a questão do emprego/desemprego. É fundamental que os governantes brasileiros entendam que a solução dessa questão depende do tipo de desenvolvimento que se quer. Duas questões devem nortear esse desenvolvimento para que se vislumbre uma solução ao desemprego: a divisão da propriedade da terra e a forma de acesso ao estatuto do trabalho (sindicato, educação, saúde pública, previdência social entre outras), pois o Brasil se industrializa com a ausência quase que completa de políticas específicas de emprego e renda. Quando há, são esparsas, insignificantes e com grau de eficácia limitado, conforme apontam os documentos dos diferentes governos (DIEESE, 1994; POCHMANN, 2001). 65 Em 1945, com a criação do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS), o problema do emprego é tratado de forma ocasional, assim como, quando da criação do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) em 1952. Em 1959, com a implantação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), o desemprego localizado é tratado de forma mais ampla, a partir da regionalização dos planos de desenvolvimento (DIEESE, 1994). No governo JK (1956/60) identifica-se apenas a qualificação da mão-de-obra como uma das medidas de planejamento da economia. Ainda no mesmo governo, no Plano Trienal (1963/65), há referência ao problema da ocupação no Nordeste, enquanto definição do Estatuto do Trabalhador Rural de 1963, com o compromisso governamental de garantir renda aos aposentados do campo. No Plano de Ação Econômica do regime militar (1964/67), a responsabilidade pela expansão do nível de ocupação fica com a iniciativa privada. Para os demitidos, o governo anuncia que o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), criado em 1966, serviria como programa nacional de seguro-desemprego. Nos períodos seguintes (1968/73 e 1970/73) a responsabilidade pela geração de empregos esteve a cargo do Estado, através de repasse de recursos públicos a setores intensivos de mão-de-obra: construção civil e serviços. Há ainda uma contenção dos movimentos migratórios através dos programas oficiais de estímulo às fronteiras agrícolas, principalmente na Região Amazônica (DIEESE, 1994). Durante o regime militar ainda há ações de caráter pontual como a multiplicação dos projetos de colonização e de interiorização dos pólos industriais, objetivando amenizar o problema fundiário no país e, ao mesmo tempo, reorientar o fluxo migratório decorrente do êxodo rural para as novas regiões (DIEESE, 1994; POCHMANN, 2001). A criação do Sistema Nacional de Emprego (SINE), assim como do Programa Intensivo de Preparação de Mão-de-Obra (Pipmo) e do Serviço Nacional de Formação Profissional Rural (SENAR), articulado ao SENAI e SENAC, durante o II PND (1974/79), com o objetivo de treinar e qualificar trabalhadores indica alguma preocupação do governo frente às dificuldades da força de trabalho. Com essas políticas, o Ministério do Trabalho passa a ser incluído nas ações mais gerais do Estado, consolidando o mercado de trabalho nacional assalariado, enquanto o Ministério da Previdência e Assistência Social, criado em 1974, passa a agir garantindo renda específica ao segmento de trabalhadores regulamentados (AZEREDO, 1998). Na segunda metade dos anos de 1970, assim como nos anos de 1980, as frentes de trabalho na Região Nordeste são implementadas para dar conta do desemprego generalizado pela seca, mas, apesar da descentralização regional, mantinham o viés de garantia de renda 66 ocasional. Também uma outra questão permanece, mesmo com o processo de democratização do país, o caráter clientelista das frentes de trabalho, realizado pelas oligarquias regionais. É importante ressaltar que, com a criação da SUDENE, há uma ênfase em experiências inovadoras, tipo o Programa de Apoio ao Pequeno Produtor, que privilegiam a assistência técnica, a infra-estrutura hídrica, o saneamento e o apoio às pequenas comunidades (DIEESE, 1994; DEDECCA, 1999). No início dos anos de 1980, as autoridades governamentais federais também demonstram insensibilidade em relação ao desemprego, extremamente agravado pelo programa recessivo de combate à inflação. Como demonstra o DIEESE (1994, p. 20-21): Na época (1981/83), a equipe do Ministério do Trabalho avaliava, por exemplo, que a intervenção do Estado poderia implicar em maior desequilíbrio do mercado de trabalho, piorando ainda mais a situação existente. Além disso, predominou, naquela oportunidade, a premissa de que as raízes do problema do emprego eram de natureza conjuntural. Medidas direcionadas ao atendimento assistencial e emergencial dos desempregados ocorreram apenas em alguns estados onde houve vitória da oposição ao regime militar (São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo). Com a retomada do regime democrático em 1985, acenou-se com a possibilidade da inclusão do tema do desemprego na agenda governamental. No início da década de 1990, precisamente durante o governo Collor (1990/92), o país entra definitivamente na “onda neoliberal” já presente nos países desenvolvidos desde o final da década de 1970. É o momento em que o governo brasileiro passa a adotar as políticas de cunho neoliberal aplicando uma abrupta e desorganizada abertura comercial, financeira, produtiva e tecnológica. Assim, a ausência de crescimento econômico sustentado, a menor participação no comércio mundial, a expansão do desemprego aberto, a redução do emprego formal e da proliferação da ocupação informal e precária são conseqüências diretas do caminho escolhido pelos governos brasileiros durante a década de 1990. Os efeitos dos direitos sociais (seguro-desemprego, atendimento universal à saúde, extensão dos direitos sociais aos empregados domésticos) adquiridos pela Constituição de 1988, pouco contribuem para amenizar os efeitos negativos do desemprego aberto crescente (POCHMANN, 2001). A experiência brasileira no desenvolvimento das políticas públicas de emprego como o seguro-desemprego (a mais antiga), a intermediação de mão-de-obra, a qualificação profissional e os chamados programas de geração de emprego e renda apresentam algumas iniciativas novas tanto pelas características dos programas como pelo volume de recursos envolvidos. E a partir de meados de 1996 que o governo implementa um programa nacional de formação profissional o PLANFOR, coordenado pelo MTE e executado de forma 67 descentralizada pelos estados, fato inédito no Brasil, marcado pela desarticulação entre as instituições públicas e privadas envolvidas com essa questão. (AZEREDO, 1998). As políticas de emprego e renda do governo Cardoso são implementadas numa conjuntura social extremamente grave, assim para Carvalho (2001a, p. 136): [...] Barros, Henriques e Mendonça (1999) calculam que 50 milhões de pessoas estariam abaixo da linha da pobreza e 21 milhões em condições de indigência em 1998 [...] Estudo recentemente divulgado pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas estima que haveria, atualmente, 50 milhões de indigentes, representando 29,3% da população total. Contestando a metodologia e os resultados desse estudo, a Secretaria de Assistência Social do Governo Federal considera que os pobres somariam 53 milhões e aqueles em condições de indigência 23 milhões de brasileiros (Folha de São Paulo, 11 de julho de 2001). Sem entrar nessa polêmica, o que é indiscutível é o reconhecimento da extrema gravidade da situação social do Brasil, da qual os números mencionados ilustram a principal dimensão. Um exame do cronograma dos programas e políticas sociais no Brasil, no período 1994/2002, indica um avanço em termos formais quanto ao seu número e seu leque de atuação, o que faz com que o governo brasileiro venha, por exemplo, cumprindo os compromissos assumidos junto à agenda da ONU. Contudo, a ausência de inovação e a timidez no modo de enfrentar a questão social continuam sendo determinadas pela política econômica do governo FHC, onde prevalecem as políticas neoliberais como formas de gerir a questão da pobreza e das desigualdades sociais. Tanto isso é verdade, que no último Relatório a a de Desenvolvimento Humano do PNUD, o Brasil é rebaixado da posição 68 para a 79 , provocando um amplo debate sobre mudanças no cálculo do IDH (COHN, 1999). O governo Cardoso opta pela política de ajuste e de estabilização da economia o que representa a impossibilidade objetiva de se promover políticas sociais com impacto efetivo sobre o desenvolvimento social do país, significando dizer que as políticas públicas implementadas são de inserção, com público-alvo e duração definidos. Assim, a política econômica desse governo rebate sobre a questão social de modo dramático, haja vista o aumento da taxa de desemprego em todo o país. Esse modelo não só gera desemprego como reduz o impacto dos programas de criação de oportunidades de emprego e renda do tipo: Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), Programa de Geração de Emprego e Renda (PROGER) e o Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador (PLANFOR). Além disso, esse modelo econômico, que na década de 1990 adquire suas características mais perversas, vem promovendo a desarticulação de importantes ramos industriais, associada a mudanças na organização do trabalho e no processo produtivo por parte das empresas privadas, visando a diminuição do “custo Brasil”. Concretamente, isso é 68 traduzido pela flexibilização das relações de trabalho e deterioração dos postos de trabalho. Assiste-se, portanto, à crise mais aguda do mundo do trabalho, marcada pelo aumento do desemprego e da desregulamentação das relações de trabalho. As políticas econômicas, fundamentadas nas doutrinas monetaristas de corte neoliberal, buscam desvencilhar o Estado dos compromissos sociais que asseguravam a coesão social, papel que lhe cabia no modo de regulação fordista (DEDECCA, 1999; DRUCK, 2001; BORGES, 2003). O aumento do desemprego, a disseminação e a banalização do trabalho precarizado, na sua forma temporária, parcial, terceirizada e desregulamentada, evidenciam a revalorização pelo capital de estratégias de extração de mais-valia absoluta, arrefecidas pelas conquistas trabalhistas e pelo desenvolvimento das forças produtivas. As formas de subsunção formal do trabalho voltam a ser bastante apropriadas ao processo de acumulação atual. Nessa conjuntura, a formação profissional do trabalhador tem se apresentado como um dos elementos estratégicos da reconversão do processo produtivo, pois incide sobre um fator, a força de trabalho, fundamental à dinâmica competitiva. Até mesmo os países desenvolvidos estão sendo desafiados a repensar suas políticas de formação profissional, no sentido de readequar seus sistemas educativos às configurações do atual mercado de trabalho. Os organismos multilaterais, sobretudo o Banco Mundial, vêm dando ênfase à necessidade de se eleger a educação básica e a formação de novas competências, em adequação ao novo paradigma de produção, tendo em vista a melhoria dos padrões de produtividade e competitividade dos países, especialmente os que não superaram os desafios educacionais postos pela modernidade, como o Brasil, que possui cerca de 16 milhões de analfabetos e 35 milhões de analfabetos funcionais. 14 Dada a instabilidade que vem passando o mercado de trabalho brasileiro, políticas públicas se tornam fundamentais. Porém, é necessário destacar que a revisão do atual modelo econômico se coloca como condição indispensável para que as questões do desemprego possam ser efetivamente enfrentadas e superadas. Caso isso ocorra, as ações devem se pautar na formulação e implementação de políticas de emprego que visem, a um só tempo, estimular aqueles setores mais absorvedores de força de trabalho e possibilitar aos trabalhadores o acesso e a manutenção de empregos, portanto, devem ser políticas públicas de integração (POCHMANN, 1999b). 14 É considerado analfabeto funcional a pessoa que, apesar de conhecer as letras e saber escrever o próprio nome, é incapaz de redigir um bilhete simples ou compreender um texto. 69 No Brasil, segundo Pochmann (1998c, p. 109), é comum o uso da expressão políticas de geração de emprego e renda, porém essa não tem sido a abordagem conceitual difundida pela literatura que trata especificamente do tema, que afirma o seguinte: Pela abordagem neoclássica, ressalta-se o conjunto de intervenções necessárias no mercado e nas relações de trabalho que podem gerar emprego e renda adicionais. Quanto mais livre o funcionamento do mercado de trabalho e mais focalizadas as intervenções sobre grupos específicos de mãode-obra, melhores os resultados. Para a abordagem keynesiana, a responsabilidade pela geração de emprego e renda adicionais não diz respeito diretamente ao mercado de trabalho, mas à condução de emprego das políticas macroeconômicas e ao comportamento do nível geral de atividade. Como é o investimento que possui papel principal na ampliação do nível ocupacional, as políticas de emprego funcionam de forma sistêmica dentro do compromisso do pleno emprego e de incorporação social. As políticas sociais do governo Cardoso (BRASIL...., 1996, 1997b) são pautadas em programas massivos de qualificação de mão-de-obra e de crédito e geração de renda destinada a grupos de trabalhadores pobres, portanto, políticas de inserção, focalizadas e dirigidas a uma determinada clientela. Ou, como diz Pochmann (1998c), políticas de abordagem neoclássicas, para o mercado de trabalho e não para o emprego. Essas políticas assentam-se em duas frentes: uma programática e a outra normativa. Na programática compete ao Estado executar políticas de fomento ao emprego e à educação, qualificação e requalificação profissional, bem como desenvolver programas de proteção ao trabalhador. A normativa diz respeito à modernização das instituições que regem as relações entre capital e trabalho no país. Essas políticas de emprego desdobram-se em políticas ativas e passivas. As políticas ativas – constantes dos documentos oficiais – (macroeconômica, valorização da força de trabalho através dos investimentos em educação fundamental e de qualificação e requalificação profissional e a modernização da legislação trabalhista e microcrédito) destinam-se, segundo o governo, à promoção do emprego, ao aumento da chamada “empregabilidade” da força de trabalho, e à reforma do marco legal, visando facilitar e estimular a criação de empregos. As políticas ativas de maior relevância, no Brasil, na década de 1990, são: programas de microcrédito e qualificação profissional. Como o Plano Nacional de Qualificação Profissional – PLANFOR – é objeto de estudo desta tese, foi reservado um item específico para discuti-lo. Vários estudos apontam para a existência de algumas redes de instituições voltadas para a implementação de programas de geração de emprego e renda. As mais antigas estruturam-se em torno do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e compõe-se quase que exclusivamente de ONGs. Podem-se destacar as seguintes: Banco da Mulher na Bahia, Viva Créd (criado pela Viva Rio), Centros de Apoio aos Pequenos Empreendedores 70 (Rede Ceape). Outras recebem apoio de entidades alemãs e são: Portosol (GTZ) e de novo a rede Ceape (GTZ e Friegrich Naumann). Em nível de governo federal, destacam-se o Programa de Geração de Emprego e Renda (PROGER), PROGER Rural, Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), Programa Especial de Crédito para a Reforma Agrária (PROCERA) e o Programa de Crédito Popular, promovido pelo BNDES (AZEREDO, 1998). Os estudiosos apontam alguns problemas nesses programas: mercado, organização jurídica, gerenciamento, investimento, marketing, assim como o do relacionamento entre os interesses públicos e privados, identificados como parte do vasto sistema de mediações. No âmbito das ONGs, são apontados problemas com relação às cooperativas e outros tipos de grupos de produtores associados em face do mercado e das lógicas capitalistas. Além disso, são identificadas contradições nas relações entre os métodos de formação de empresas e empresários, de corte liberal, em face dos questionamentos dos movimentos sociais que detêm lógicas organizativas de caráter solidário e coletivista (AZEREDO, 1998). Resumindo, os programas de geração de emprego e renda via crédito, enfrentam três tipos de problemas: 1) inexistência de abrangência, faltando-lhes alcance para dar conta do desemprego, do subemprego e do emprego desqualificado. Para atingir um objetivo global relevante, o volume de recursos e a estrutura institucional teriam que ser muito maior do que dispõem; 2) completa desarticulação entre os programas, mesmo em uma mesma região ou entre programas da mesma rede; 3) necessidade de definição de prioridades por parte do Estado para que possa haver articulação entre as políticas públicas e a política econômica stricto sensu. Sem isso, todo o esforço de reforçar o tecido social será inútil (AZEREDO, 1998). As políticas passivas visam a proteção do trabalhador desempregado e atualmente são: seguro-desemprego (a mais antiga) e trata-se de um benefício já consolidado, oferecendo proteção ampla à grande maioria dos trabalhadores do mercado formal (que representa hoje cerca da metade dos trabalhadores ocupados no país), ou seja, aqueles que recebem salários mais baixos. Sua cobertura alcançava, em 1999, cerca de 66,2% dos trabalhadores demitidos sem justa causa, ampliando o grau de abrangência do programa. A outra, é a intermediação de mão-de-obra, que como já foi dito anteriormente, é um programa ainda bastante precário. A ajuda à busca de nova ocupação deve estar associada à concessão do seguro-desemprego, mas deve, também, ser oferecida a todo cidadão, independente de sua condição de segurado ou não (AZEREDO, 1998). Além dessas, o governo brasileiro inicia a implementação de políticas de formação profissional. E a mais importante delas diz respeito ao Fundo de Amparo ao Trabalhador 71 (FAT), seja pela dimensão dos recursos envolvidos (R$ 31 bilhões de patrimônio), seja, principalmente, pela natureza do Fundo, que permite conjugar múltiplas possibilidades de aplicações e, portanto, de manejo das políticas públicas voltadas para o mercado de trabalho. Dentre as políticas ativas de emprego, o Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador – PLANFOR destaca-se como um dos programas prioritários do governo federal. O PLANFOR anuncia uma “nova institucionalidade” na área da Educação Profissional (EP), tendo como princípio básico promover ações de qualificação/requalificação profissional para segmentos da população, de forma que se chegue a qualificar, anualmente, 20% da PEA. A “nova institucionalidade” proposta pelo PLANFOR diz respeito à utilização de diferentes instituições (não apenas as com tradição na formação profissional tipo SENAC, SENAI e Escolas Técnicas) bem como: sindicatos, ONGs, Fundações, Universidades, Empresas Públicas etc., formando uma rede nacional15 de instituições capazes de assumir a EP no país. O que propõe o governo federal em relação à educação e às políticas de formação técnico-profissional em face da crise estrutural do desemprego e desenvolvimento desigual? Mais uma vez reafirma-se que a inserção e o ajuste dos países “não desenvolvidos” ou “em desenvolvimento” ao processo de globalização e reestruturação produtiva, sob uma nova base científica e tecnológica, dependem da educação básica, da formação profissional, qualificação e requalificação. Todavia, não é de qualquer educação e formação. Trata-se de uma educação e de uma formação que desenvolvam habilidades básicas no plano do conhecimento, das atitudes e dos valores, produzindo competências para a gestão da qualidade, para a produtividade e competitividade e, conseqüentemente, para a empregabilidade. Orientação, diga-se, monitorada pelos organismos internacionais (Banco Mundial, BIRD, OIT etc) e os organismos vinculados ao mundo do trabalho produtivo de cada país. Assim, a “chave de ouro” para que os países historicamente desiguais se ajustem ao mundo globalizado, já que não há tantos empregos, é a promessa da empregabilidade, que se revela como um parente muito próximo da flexibilidade. Mas o que vem a ser essa promessa? Forrester (1997, p. 118) explica: Trata-se, para o assalariado, de estar disponível para todas as mudanças, todos os caprichos do destino, no caso, dos empregadores. Ele deverá estar pronto para trocar constantemente de trabalho (como se troca de camisa, diria a ama Beppa). Mas, contra a certeza de ser jogado “de um emprego a outro”, ele terá uma “garantia razoável” – quer dizer, nenhuma garantia – 15 Rede Nacional de Educação Profissional é uma formulação presente no próprio PLANFOR para designar o conjunto das entidades que promovem a qualificação do trabalhador no Brasil, em substituição à idéia de Sistema de Educação Profissional. 72 “de encontrar um emprego diferente do anterior que foi perdido, mas que paga igual. Frigotto (1999, p. 11) mostra como o senso comum compreende a noção de empregabilidade, evidenciando o seu elevado grau de mistificação: A empregabilidade é um conceito mais rico do que a simples busca ou mesmo a certeza do emprego. Ela é o conjunto de competências que você comprovadamente possui ou pode desenvolver – dentro ou fora da empresa. É a condição de se sentir vivo, capaz, produtivo. Ela diz respeito a você como indivíduo e não mais à situação, boa ou ruim da empresa – ou do país. É o oposto ao antigo sonho da relação vitalícia com a empresa. Hoje, a única relação vitalícia deve ser com o conteúdo do que você sabe e pode fazer. O melhor que uma empresa pode propor é o seguinte: vamos fazer este trabalho juntos e que ele seja bom para os dois enquanto dure; o rompimento pode se dar por motivos alheios à nossa vontade. (...) (empregabilidade) é como a segurança agora se chama (MORAES, 1998 apud GRIGOTTO, 1999). Frigotto (1999, p. 11) complementa: As noções de empregabilidade, trababilidade ou laborabilidade, que buscam positivar a situação de desmonte da sociedade salarial, quando confrontadas com a realidade não apenas evidenciam seu caráter mistificador mas, sobretudo, revelam também um elevado grau de cinismo. Com efeito, para o contingente de pessoas – mais de 1 bilhão no mundo – que, como nos lembra Forrester (1996), tem como emprego ou ocupação, de todos os dias da semana, todas as semanas do mês e de todos os meses do ano, a procura de um emprego, essas noções não evidenciam uma realidade humanamente promissora. Ainda analisando a questão da formação técnico-profissional dos trabalhadores, especialmente a oferecida pelo SENAC e SENAI, que se estruturaram na perspectiva fordista de construção da sociedade do trabalho-emprego, portanto numa dimensão societária integradora, Frigotto (1999, p. 13), explica que: Sua efetividade social integradora, todavia, está condicionada fundamentalmente a dois pré-requisitos. Primeiramente, a existência de uma escolaridade básica de qualidade, entendida aqui numa dimensão não mercadológica, mas social. A segunda condição fundamental para não mistificar o papel da formação profissional é, inequivocamente, a existência de uma política econômica centrada na geração de emprego e com mecanismos de distribuição justa da renda nacional. Contudo, adverte Frigotto (1999, p. 13), a formação técnico-profissional, hoje, adaptada ao projeto de ajuste da economia brasileira à (des)ordem mundial apóia-se em bases não democráticas porque elitiza-se na direção de uma sociedade desintegrada, hipertrofiando as dimensões individuais e particulares e intervindo de forma focalizada. O PLANFOR, diz o autor, é um bom exemplo disso, pois corre o risco de se tornar um “novo” Programa Intensivo de Preparação de Mão-de-Obra (PIPMO), que de programa emergencial, na época, durou 20 anos. E complementa: 73 As iniciativas de cursos do PLANFOR são tão diversas que intervenções focalizadas se materializam por uma dispersão sem limites. Os cursos podem ser para emitir passagens, fazer velas ou aquilo que uma revista de uma seita religiosa indica como solução para o desemprego – treinar desempregados para oferecer serviços de catar piolho, cuidar de cachorros, catar minhocas – cursos que se centram em tecnologias de última geração ou a perspectivas mais amplas vinculadas aos interesses dos trabalhadores, como é o caso do projeto INTEGRAR. Mesmo neste último caso seus dirigentes sabem que, por si mesmos, esses cursos não têm a capacidade de criar empregos. Se o governo desejasse, de fato, atender as necessidades da população brasileira a política de formação técnico-profissional seria outra. Ao invés de transformar as instituições de formação profissional em unidades privadas de negócio, estaria aumentando sua dimensão pública. O “horror econômico” que ronda o mundo nesse início de século é pensado e explicitado por Forrester (1997, p. 14): Não se sabe se é cômico ou sinistro, por ocasião de uma perpétua, irremovível e crescente penúria de empregos, impor a cada um dos milhões de desempregados – e isso a cada dia útil de cada semana, de cada mês, de cada ano – a procura “efetiva e permanente” deste trabalho que não existe. Obrigá-lo a passar horas, durante dias, semanas, meses, todo o ano, em vão barrado previamente pelas estatísticas. Pois, afinal, ser recusado cada dia útil, de cada semana, de cada mês, de cada ano, será que isso constituiria um emprego, um ofício, uma profissão? Seria isso uma colocação, um job, ou mesmo uma aprendizagem? Seria um destino plausível? Uma forma realmente recomendável de emprego do tempo? Frigotto (2001) afirma que é falso, ou uma ilusão, e igualmente uma desonestidade, atribuírem-se à educação básica, formação técnico-profissional e aos processos de qualificação e requalificação orientados pelo Banco Mundial, um peso unilateral da inserção de nossa sociedade no processo de globalização e reestruturação produtiva e, sobretudo, como tábua de salvação para os que “correm risco de desemprego” ou para os que estão desempregados. O papel desses processos de formação é produzir cidadãos que não lutem por seus direitos e pela desalienação do e no trabalho, cidadãos participativos e não mais trabalhadores, mas colaboradores e adeptos ao consenso passivo e, na expressão de Antunes (1996), a tornarem-se déspotas de si mesmos. Mas o documento do PLANFOR (BRASIL..., 1999a) que trata da “nova” institucionalidade da formação profissional insiste em recuperar e consolidar a função e a natureza pública da educação profissional (EP). O discurso é o seguinte: contrária à educação básica, direito universal e inalienável do cidadão, a EP é uma questão a ser negociada no e pelo setor produtivo – trabalhadores e empresários. Cabe ao Estado exercer papel de articulador e fomentador de políticas globais, saindo, cada vez mais, da esfera da execução de ações diretas, 74 centralizadas. Ainda segundo aquele documento, a educação profissional deve assumir caráter complementar, nunca substitutivo à educação básica. O campo da negociação aparece como recurso a ser privilegiado, aceitando-se compartilhar compromissos e deixando à margem o incentivo à mobilização social. Fidalgo (1999) diz que, na França e no Brasil, as dificuldades na promoção do embate entre capital e trabalho conduzem o sindicalismo ao paritarismo, que significa negociação institucionalizada, baseada em representação igualitária dos interlocutores políticos, como forma de manter-se na cena política e de intervir, mesmo que de maneira periférica, no debate a respeito dos rumos da regulação do trabalho e da formação profissional. Assim, ressurge, nos anos 1990, o paritarismo como a mediação adequada à nova engenharia do consenso, capaz de restabelecer o pacto entre o Estado, o Capital e o Trabalho em parâmetros adequados ao novo regime de acumulação capitalista e à sua expressão concreta em cada realidade nacional. Busca-se a construção de um novo pacto, um “novo” consenso. As políticas paritárias aparecem como uma mediação importante para a construção desse novo modelo de regulação, legitimando a lógica mercantil inerente às políticas implementadas e à desresponsabilização do Estado frente aos problemas sociais, além de arrefecer os conflitos entre capital e trabalho (FIDALGO, 1999). Portanto, o paritarismo tem sido apresentado no campo das políticas de emprego e renda e de qualificação profissional como elemento central na regulação do sistema das relações de trabalho. É importante ressaltar que ele aparece quase que exclusivamente nas ditas políticas sociais do governo Cardoso. No caso do Plano Nacional de Educação Profissional (PLANFOR), esse processo tem como base as instâncias do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (CODEFAT) e das Comissões Estaduais (CEEs) e Municipais de Emprego (CMEs). O CODEFAT é o órgão que define a política global a ser implementada, e tem a responsabilidade de fomentar, induzir, orientar, assessorar e aprovar os planos para qualificação dos trabalhadores, executados com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Cabe também ao CODEFAT a deliberação de prioridades para a destinação dos recursos do FAT e a análise das prestações de contas dos convênios. É composto pela representação paritária do Estado, dos empresários e dos trabalhadores. A bancada do governo é formada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A bancada dos empresários, pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), Confederação Nacional do Comércio e Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF). E a bancada dos 75 trabalhadores é composta da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical (FS) e da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) (FIDALGO, 1999). Esse Conselho vem assumindo funções legislativas e executivas, mas sua legitimidade e representatividade têm limitações, pois outros setores sociais interessados não se fazem representar. Essa representação está restrita ao campo das relações contratuais de trabalho e, mesmo neste campo, restringe-se a parcelas dos interlocutores políticos. Na bancada do Estado estão ausentes, por exemplo, o Ministério da Educação e parlamentares. No caso da bancada dos empresários, um importante segmento empresarial – Pensamento Nacional de Bases Empresariais (PNBE) – está ausente. Em relação aos trabalhadores, estão ausentes Centrais Sindicais menos expressivas e não há representação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (FIDALGO, 1999). Além dessas lacunas, que limitam a representatividade das próprias bancadas, existem problemas decorrentes da própria estrutura do mercado de trabalho. Os trabalhadores do setor informal, volumoso contingente populacional, não encontra guarida no quadro do paritarismo. Assim, os limites do paritarismo precisam ser mais bem configurados e analisados, pois as partes incluídas apostam na construção do consenso através desse caminho (FIDALGO, 1999). Ainda segundo Fidalgo (1999), o paritarismo cresce na medida que o Estado busca diminuir sua responsabilidade na execução das políticas sociais, pois acaba delegando ao neocorporativismo, implícito nestas políticas paritárias, uma parcela importante da regulação social, ao conferir a estas organizações um papel institucionalizado e um estatuto público na elaboração e execução das suas políticas. Ao analisar a construção do sistema público de emprego no Brasil, Draibe (1996 apud FIDALGO, 1999) constatou que a nova institucionalidade, tanto para a questão do emprego como para a qualificação, não está assentada na ação estatal. A lógica que permeia o desenvolvimento destas políticas assenta-se: [...] na parceria, na articulação dos esforços e na conjugação das energias do estado e da sociedade; dos trabalhadores e dos empresários; dos empregados e dos desempregados; dos jovens e dos adultos. Por isso mesmo, a sua natureza é a de um sistema público, porém não estatal (DRAIBE, 1996, apud FIDALGO, 1999, p. 165). Fidalgo (1999, p. 165) complementa, afirmando que: O conceito de sistema público não-estatal produz um encobrimento do real sentido destas políticas, sobretudo, no que se refere à sua faceta favorável à privatização. Sob o rótulo das parcerias, o Estado compõe uma rede de interesses, constituindo um poderoso mercado. 76 A ausência de explicitação de conflitos, no âmbito do paritarismo, é parte integrante de sua lógica de funcionamento. O objetivo é o da concertação social. Fidalgo (1999), analisando Atas das Reuniões do CODEFAT, no período 1995-1998, confirma sua tese de que o paritarismo amaina o debate político ao eleger como objetivo principal a busca da construção do consenso. Posições políticas ou ideológicas conflitantes não aparecem no rol das questões discutidas pelos representantes deste Conselho. A análise dos registros das reuniões revela que o centro das atenções tem sido os trâmites processuais para distribuição de recursos. O paritarismo serve, assim, de mediação política para que o mercado regule o sistema, seja pela transferência de recursos públicos para as empresas e instituições privadas, constituindo a rede de oferta e demanda da formação profissional, seja pelo atendimento de interesses e necessidades particulares. A criação dos Centros Públicos de Educação Profissional, proposta da Secretaria de Formação Profissional (SEFOR) em 1995, seria a expressão mais acabada da nova institucionalidade em construção. Aqueles Centros teriam, de um lado, seu funcionamento garantido por parcerias entre os diferentes agentes sociais públicos e privados e, de outro, sua gestão se daria através de conselhos e comissões multipartites e paritárias. Portanto, deveriam ser auto-sustentáveis através da venda de serviços às empresas ou aos consumidores individuais. Esta proposta diferia da apresentada pela CUT, que defendia que os Centros fossem financiados pelo Estado (FIDALGO, 1999). Ao Estado, no Brasil, cabe participar dos conselhos e comissões tripartites e executar e coordenar os planos ou programas de formação profissional, negociados nessas instâncias. A execução, a coordenação programática e a supervisão das ações de qualificação profissional são delegadas pelo CODEFAT à antiga SEFOR, hoje Secretaria de Políticas Públicas de Emprego (SPPE) do MTE. Na França, país onde é forte a tradição de organização dos trabalhadores e no qual o modo de regulação fordista desenvolveu-se muito, as proposições de formação profissional indicam, ainda, um processo de individualização crescente como norma de regulação. Os trabalhadores franceses vêem-se diante de uma situação complexa, pois, se de um lado, estão acostumados a saídas coletivas, de outro, precisavam levar em conta as necessidades individuais dos seus representados, submetidos à constante ameaça do desemprego e da exclusão (FIDALGO, 1999). A classe trabalhadora ou as organizações dos trabalhadores, no Brasil, vivem um processo similar carregado de contradições: de um lado, denunciam o aumento da exploração, mas de outro, legitimam o desenvolvimento dessas políticas, ao participarem do paritarismo, 77 por não verem, fora dele, alternativas. É preciso entender que essas políticas estão num contexto de extrema fragilização dos trabalhadores e seus representantes, e o consenso por eles construídos corre o risco de atender principalmente aos interesses dos empresários e do Estado, dada a correlação de forças desigual entre os interlocutores. Nesse sentido, tem se tornado hegemônica a proposição economicista de subordinação da formação profissional ao mercado de trabalho, tornando-se princípio de regulação da formação profissional verificar se esta está centrada no setor produtivo e orientada por este, e ainda, se é adequada às suas necessidades. No fundo, o paritarismo acaba favorecendo o Capital e o Estado porque conforma as negociações ao âmbito das relações de trabalho, espaço no qual os trabalhadores se encontram em clara desvantagem, graças à sua fragilização e suas pequenas possibilidades de enfrentamento. Mas representa um espaço político do qual os trabalhadores não podem prescindir, pois o que está em jogo são as estratégias de desvalorização da força de trabalho. O paritarismo, nesse modelo de políticas públicas reguladas pelo mercado, é visto pelos atores (Estado, empresários e trabalhadores) de formas diferentes. Para o Estado, o paritarismo é o meio adequado para construir o consenso sobre a necessidade de desregulação das relações de trabalho. Aos empresários interessa, sobretudo, garantir a sedimentação de sua hegemonia no campo social e político – a reprodução da força de trabalho. Contudo, seu consentimento no estabelecimento de negociações é seletivo, pois se voltam para os pontos que são dos seus interesses, não aceitando negociar, por exemplo, os rumos e as características das formações a serem ofertadas, sejam as projetadas no local de trabalho ou as implementadas pelas instituições educativas. Os trabalhadores, fragilizados pela reestruturação do capital e da mundialização da economia, se vêem compelidos a aceitar as regras do paritarismo e até buscálas como forma de garantir a mobilização dos trabalhadores, única forma que os legitima a desenvolver proposições radicais de alteração das relações sociais de produção e de formação (FIDALGO, 1999). O paritarismo, ainda, tem contribuído para o fortalecimento do processo de transferência de recursos públicos para a iniciativa privada, contando com o incentivo de organismos financiadores internacionais que nele vêem um ajuste aos novos padrões de gestão das políticas sociais – as de corte neoliberal – que pretendem fazer da gestão dos recursos destinados às políticas sociais um elemento de fortalecimento do mercado, argumentando que este, através da livre concorrência, garante mais racionalidade econômica aos investimentos nesse setor. 78 Concluindo, na constituição do novo modelo de regulação da formação profissional, portanto, um dos eixos centrais é o ajustamento da política de formação aos novos padrões de produtividade e competitividade, não se questionando as distorções distributivas. A seguir, passa-se a discutir o PLANFOR, considerado pelo governo como política pública de emprego e renda, a partir dos documentos oficiais produzidos pelo Ministério do Trabalho e Emprego. 3.3 - O PLANFOR no Contexto das Políticas Públicas de Emprego e Renda Implantado em 1996, pela resolução 126/96 do CODEFAT, o PLANFOR propõe ser não apenas um programa de treinamento em massa, mas uma estratégia de inclusão da educação profissional (EP) na pauta da política pública de emprego e renda. Para isso, apresenta objetivos de médio e longo prazos, estruturados em três eixos: 1) avanço conceitual; 2) articulação tripartite e paritária; 3) apoio à sociedade civil. O PLANFOR (BRASIL..., 1997b) propõe construir e disseminar um conceito renovado e ampliado de EP, com foco na demanda do mercado de trabalho e no perfil da população-alvo, capaz de atender à diversidade social, econômica e regional da PEA, superando o viés branco, masculino, urbano industrial presente na oferta tradicional de formação; garantindo a preferência de acesso a pessoas mais vulneráveis econômica e socialmente em programas financiados pelo FAT, levando em conta a situação de pobreza, baixa escolaridade, raça/cor, sexo, necessidades especiais e outros fatores de discriminação no mercado de trabalho. Assim, o PLANFOR leva em consideração os seguintes critérios de atendimento preferencial, combinados segundo as características e demandas regionais, bem como especificidades dos projetos a serem desenvolvidos: 1) pobreza – pessoas situadas no primeiro terço da distribuição da renda familiar per capita; 2) escolaridade – pessoas com instrução inferior ao 1º grau, em especial até quatro anos de estudo (analfabetos absolutos ou funcionais); 3) sexo – mulheres chefes de família; 4) idade – jovens entre 14-24 anos, em especial candidatos ao primeiro emprego e em risco social; 5) raça/cor – em especial pessoas de etnia afro-brasileira e indígena, além de outras minorias étnicas que possam existir nas diferentes regiões; 6) localização – moradores de periferia das áreas metropolitanas, de municípios selecionados pelo Programa Comunidade Solidária e outras áreas urbanas e rurais; 7) pessoas com necessidades especiais de visão audição ou mentais (MTE, Guia do PLANFOR - 2000, 1999). A proposta do PLANFOR determina que seja dada prioridade ao atendimento de trabalhadores que apresentem maiores desvantagens sociais e que não tenham acesso às formas 79 tradicionais de educação profissional. Essa política tem como escopo promover estratégias compensatórias, atuando sobre as distorções provocadas pelo processo de diferenciação e exclusão social. Contudo, os cursos de formação profissional que são oferecidos não permitem concluir sobre a possibilidade desses trabalhadores saírem do espaço da informalidade, isto é, das relações de trabalho sem amparo e proteção do Estado, representando uma reafirmação da forma de inserção desses grupos na estrutura segmentada do mercado de trabalho brasileiro. Os critérios estabelecidos pelo PLANFOR, para atendimento aos trabalhadores, indicam claramente não se tratar de uma política pública, de caráter universal, mas ser explicitamente uma política de caráter focal, isto é, é dirigida para uma determinada clientela e com objetivo, também explícito, de tentar dar alguma resposta aos índices alarmantes de desemprego, propondo a empregabilidade – o auto-emprego ao trabalhador desempregado. Quando o PLANFOR toma a noção de empregabilidade como fundamento, tal política pretende orientar o financiamento da formação profissional para ações que atendam a uma grande parcela da população que sobrevive no campo da informalidade e que possui um baixo nível de escolarização, buscando a adaptação e a qualificação de trabalhadores para sua inserção periférica no mercado de trabalho. Enfim, o desenvolvimento da formação profissional para a empregabilidade tem como objetivo o ajuste dos perfis profissionais dos excluídos, dos menos qualificados, dos que têm menos poder de competição por empregos, devido aos requerimentos do mercado de trabalho informal e às possibilidades de geração autônoma de renda. A empregabilidade é associada pelos interlocutores políticos ao desenvolvimento do auto-emprego (autotrabalho), pois ao transferir para o trabalhador a responsabilidade pelas suas condições de empregabilidade, o setor produtivo e o Estado são poupados, quanto à sua responsabilidade, na destruição, ou não criação de postos de trabalho. “Ser competitivo”, que antes dizia respeito, fundamentalmente, às relações entre empresas, é transferido para os trabalhadores. Esse conceito contribui para fazer o rompimento com o sentido universalista das políticas públicas sociais, sobretudo as relativas às relações de trabalho e formação profissional. Mas na proposta formal do PLANFOR (1996-2002), constam os seguintes objetivos: a) contribuir para o aumento da probabilidade de obtenção de trabalho e de geração de renda, reduzindo os níveis de desemprego e subemprego; b) contribuir para o aumento da probabilidade de permanência no mercado de trabalho, reduzindo os riscos de demissão e as taxas de rotatividade; c) contribuir para a elevação da produtividade, da competitividade e da renda. Enquanto estratégia de articulação de uma política nacional de educação profissional, pensada pelo governo federal, e integrada ao sistema público de trabalho e geração de renda do país, o PLANFOR tem dois eixos de implantação: a) PEQs – Planos Estaduais de Qualificação, 80 posteriormente denominados de PLANFORs, sob gestão das Secretarias de Trabalho e Comissões Estaduais de Emprego (CEE); b) parcerias nacionais e regionais com organizações governamentais e não-governamentais para ações complementares aos PEQs e para a consolidação das bases metodológicas do Programa (BRASIL..., 1999). Resumindo, o PLANFOR, segundo os documentos oficiais, tem como alvo o binômio trabalho e renda, e indica como premissa básica que o planejamento dos Planos Estaduais (PEQs, posteriormente PLANFORs) tomem como base a demanda local e previsível do mercado de trabalho e as necessidades da população-alvo a ser atingida. Essas dimensões devem orientar o planejamento da qualificação profissional em cada Estado. Além disso, o planejamento deve prever a articulação e integração entre os diversos programas desenvolvidos no Estado, alvo do Programa. Por planejamento, o PLANFOR entende o processo contínuo de mobilização, articulação e negociação entre os atores (poder público, empregador e trabalhadores), representados nas Comissões Estadual e Municipais de Emprego e na Secretaria do Trabalho. Assim, utiliza-se do paritarismo para definição de objetivos, metas e meios de atingi-los em um dado tempo e espaço. Portanto, a finalidade do planejamento não é simplesmente elaborar planos, mas definir estratégias de curto, médio e longo prazos, a começar pelo estratégico, isto é, pela percepção global das demandas do mercado de trabalho, da população a ser atendida e das alternativas de atendimento – perceber a dimensão da “guerra”. Em seguida o esquema tático, isto é, a fixação de prioridades, a formatação dos programas para seu atendimento – definindo as “batalhas” a serem travadas. E por fim, operacionalização dos cursos/programas de qualificação profissional (FAUSTO, GARCIA, ACKERMAN, 2001). A forma de definir a demanda do mercado de trabalho deve ocorrer através de respostas objetivas às seguintes questões: onde, em que tipo de atividade e ocupações haveria oportunidade de trabalho e renda em curto, médio e longo prazos? Para determinar a demanda, é preciso identificar e quantificar, com dados e fatos – em cada Município – setores, atividades, ocupações, em processos de expansão, reestruturação e/ou modernização e estagnação ou retração (FAUSTO, GARCIA, ACKERMAN, 2001). A outra dimensão da demanda é identificar a população a ser atendida através da caracterização e quantificação da PEA, por Município, segundo variáveis de sexo, idade, raça/cor, escolaridade, posição na ocupação/situação no mercado, localização. As possíveis fontes de informação, além das convencionais, são os representantes do governo, empresários e trabalhadores através das CEEs e CMEs. Estas últimas devem, segundo o PLANFOR, funcionar como “antenas locais” na identificação das demandas. 81 Identificadas as demandas de mercado e da população-alvo a ser qualificada, os Planos Estaduais (PEQs, atualmente, PLANFORs) devem selecionar os cursos/programas mais adequados a essa clientela. Portanto, o entendimento do PLANFOR sobre educação profissional do trabalhador é o de estar instrumentalizando-o para melhorar suas chances de entrar/permanecer no mercado de trabalho, melhorar sua produtividade, qualidade e condições de vida. Assim, esse “novo” conceito de EP parte da premissa de que a qualificação profissional do trabalhador deve estar focada na demanda do mercado de trabalho e no perfil da PEA. Definidas essas duas dimensões da demanda: oportunidade no mercado de trabalho e população a ser qualificada, é necessário que os PEQs identifiquem e quantifiquem a oferta de EP relevante para tais oportunidades e população. Em suma, devem responder à questão: quem oferece ou pode oferecer qualificação profissional para as oportunidades e populações identificadas? Essa etapa do planejamento caracteriza e quantifica as possibilidades de atendimento da demanda, a partir da oferta existente ou potencial de instituições da rede de EP pública e privada do Estado/Município. Essa “política pública de emprego e renda” – PLANFOR – como define o Ministério do Trabalho e Emprego, evidencia como o capital pretende resolver suas crises de maximização das taxas de lucro, utilizando o ideário do capital humano como estratégia para diminuição das desigualdades, apreendendo as relações sociais de forma enviesada e falseando as razões estruturais da exclusão ao trabalho. Em contraponto a essa concepção do PLANFOR, estudos sobre o mundo do trabalho (metamorfoses, desestruturação, emprego, desemprego, empregabilidade, qualificação e desqualificação) e políticas de geração de renda de diferentes autores (MATTOSO, 1995, 1999; FILGUEIRAS, 1997, 1998; AZEREDO, 1998; FRIGOTTO, 1998, 1999; DEDECCA, 1999; POCHMANN, 1998a, b e c, 1999a e 1999b; ANTUNES, 1999; DRUCK, 2001; LIMA, 2002) apontam em direção a um consenso: não basta haver crescimento do investimento e da produção no setor privado, é indispensável assegurar a ampliação do investimento público em infra-estrutura econômica e social e um amplo acesso à propriedade, à renda, às políticas públicas para os milhões de despossuídos do país. Portanto, indicam não para políticas sociais focalizadas e por tempo determinado, tipo o PLANFOR, mas sim para políticas públicas universais tendo como suporte uma política econômica que combine estabilização monetária, crescimento da economia e a busca de uma sociedade mais justa, sustentada por políticas industriais, agrícolas, de comércio exterior, de geração de emprego e renda, potencializadas por investimentos em infra-estrutura produtiva 82 (abastecimento, transportes, energia, telecomunicações) e em infra-estrutura social (habitação popular, saneamento básico, saúde, educação). 3.4 – Alternativas de Políticas de Emprego Pochmann (1998a), afirma que há outras formas mais efetivas de se implementar políticas de emprego que constituem alternativas que não podem ser desprezadas, pois cumprem um papel fundamental no enfrentamento, em novas bases, dos velhos e novos problemas do mercado de trabalho. De acordo com esse autor (1998a), as políticas públicas com o objetivo, de fato, de combater os velhos problemas do mercado de trabalho (baixo assalariamento, informalidade da mão-de-obra, subemprego e salários reduzidos), têm que estar na direção das cinco alternativas de políticas ativas de trabalho, enumeradas a seguir: a) a reforma agrária, pois sua realização permite a difusão de efeitos muito positivos na geração de emprego e renda no campo, uma vez que grande parcela da mão-de-obra da população brasileira vive na zona rural. Nesse caso, a reestruturação fundiária pode contribuir para evitar o êxodo rural e a implementação de uma política agrícola adequada para gerar emprego e renda no setor primário e de agroindústrias em várias regiões do país; b) a desconcentração de renda, realizável através da reforma tributária, pois não só permite o surgimento de novos consumidores, como estimula também a geração de empregos nos setores secundário e terciário da economia; c) a retomada dos investimentos em infra-estrutura material, pois além de gerarem muitos empregos, são portadores de efeitos multiplicadores sobre o nível de atividade em vários setores econômicos, tipo: estradas, saneamento básico, habitação popular, hospitais, escolas, creches, portos, viadutos, telecomunicações etc., que trazem, por conseqüência, impactos diretos e imediatos na geração de emprego e renda; d) o serviço social – programas de trabalho de utilidade coletiva (frentes de trabalho urbana e rural), programas de estágios, programas de garantia de renda, de educação, saúde e previdência. Essa alternativa de combate aos velhos problemas – efetiva melhora do serviço social – envolve a ampliação dos recursos, por meio da reforma tributária e da redução sensível da evasão fiscal, a racionalização e a moralização dos gastos, a universalidades das atividades e serviços de boa qualidade para todos e a promoção de novos mecanismos de garantia de renda; 83 e) a introdução de um sistema democrático de relações de trabalho, evitando a precarização ainda maior dos empregos e condições de trabalho, a rotatividade e os escassos compromissos na ocupação com metas de produção e venda. O contrato coletivo de trabalho mais centralizado tende a impor mais responsabilidade ao patronato e sindicatos, sobretudo no que se refere à qualificação profissional, à ampliação do tempo de serviço na mesma empresa e à redução da informalidade. Em relação aos novos problemas de desestruturação do mercado de trabalho (alto desemprego aberto, desassalariamento, geração insuficiente e na maioria dos casos de ocupações precárias, e a nova onda de desemprego estrutural), Pochmann (1998a), propõe algumas alternativas de políticas de emprego e renda. Contudo, faz questão de destacar a necessidade do país retomar os rumos do crescimento econômico sustentado para poder conter o fenômeno de desestruturação do mercado de trabalho, revendo o atual modelo econômico. Portanto, defende a construção de um projeto nacional capaz de definir as linhas gerais do crescimento com justiça social, posição compartilhada por vários outros autores tais como: Furtado, (1983), Mattoso (1996), Fiori (1997), Oliveira (1998), Dedecca (1999), Filgueiras (2000) e Cano (2000). As duas diretrizes gerais propostas por Pochmann (1998a), que podem conduzir a uma estratégia de combate aos novos problemas do desemprego são: políticas de integração de cidadania e de integração do trabalho. Em relação à primeira, são ações direcionadas para a retirada do mercado de trabalho das pessoas que não devem estar pressionando esse mercado como: crianças e velhos, assim como aqueles que, sem terem direito ao trabalho, não dispõem de renda garantida e, por isso se submetem a formas socialmente inadequadas. Como essas ações referem-se a mecanismos de garantia de renda, deve-se dispor de um conjunto de recursos previamente estabelecidos. Uma dessas medidas refere-se a contenção dos cerca de três milhões de crianças com até quatorze anos que estão no mercado de trabalho, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), através de programas de renda mínima, tipo bolsa escola (que vem sendo desenvolvido de forma parcial pelo governo federal). Uma outra medida refere-se à elevação das pensões e aposentadorias das pessoas com mais de 60 anos que continuam no mercado de trabalho. Ambas – erradicação do trabalho infantil e renda mínima – são exemplos de programas de integração à cidadania. Com relação a políticas de integração ao trabalho, estas atuam sobre os novos tipos de desemprego: recorrente, de reestruturação e de exclusão e, requerem, para sua melhor eficácia e efetividade, a instalação de um sistema público de emprego com capacidade para integrar as atividades de intermediação de mão-de-obra, de treinamento e formação profissional e de 84 mecanismos de garantia de renda e micro-créditos. A seguir, apresentam-se as alternativas propostas por Pochmann (1998 a) para esses três tipos de desemprego: para combater o desemprego recorrente, que freqüentemente atinge o jovem e a mulher, há algumas possibilidades: flexibilização inclusiva do mercado, por intermédio de contratos de trabalho de tempo parcial (3 a 5 horas por dia) para segmentos específicos da PEA, sem deixar de estar incorporado ao sistema de proteção social e trabalhista; reformulação do ensino básico; programas de estágio para os jovens estudantes. Um outro aspecto diz respeito à formação profissional, que, no Brasil, precisa urgentemente racionalizar suas atividades por meio de uma coordenação única de programas, tendo em vista a desarticulação entre os cursos de longa duração, coordenados pelo MEC e secretarias estaduais, os cursos de média duração sob a responsabilidade do Sistema “S” e, por fim, os cursos de curta duração sob coordenação do MTE e secretarias estaduais de trabalho; em relação ao desemprego por reestruturação, um conjunto de ações é sugerido: redução ampla da jornada de trabalho, criação de uma rede de garantia de renda ao desempregado, programas de geração de emprego e renda, alteração dos atuais mecanismos de qualificação e formação profissional. Para a rede de garantia de renda ao desempregado, o autor destaca três medidas: o reformulação do atual seguro-desemprego, adequando-o ao perfil do desempregado; o criação de um seguro-desemprego especial para jovens à procura do 1º emprego, mulheres e homens sujeitos à constante rotatividade no trabalho e, até, em casos especiais, as vítimas da seca ou outro fenômeno climático; o programa de integração salarial para as vítimas diretas do processo de reestruturação produtiva, formado com recursos do fundo de contribuição sindical e, posteriormente, com recursos a serem obtidos por intermédio da criação de um imposto direto sobre o patrimônio direto das empresas privatizadas. Esse programa pode evitar o rompimento do contrato de trabalho, em caso de reestruturação, permitindo que a empresa passe a arcar somente com os custos do emprego com horário reduzido, ao mesmo tempo em que o empregado, com menor jornada, não tenha seu salário reduzido, pois seu rendimento seria complementado pelo programa. em relação ao desemprego por exclusão, que resulta da marginalização dos trabalhadores com faixa etária mais avançada, pode ser combatido através de duas alternativas: 1) com programas de pré-aposentadorias, com subsídios à empresa que faz esse tipo de contratação ou com uma pensão específica até completar o período pleno para recorrer à aposentadoria 85 normal; 2) com programas de micro-créditos específicos para pessoas que queiram investir em pequenos negócios e atividades autônomas. Finalizando a discussão sobre políticas públicas de emprego e renda, pode-se dizer que no governo Cardoso elas obedecem à mesma lógica da política econômica, aprofundando a concepção da existência de um alto grau de autonomia entre as dimensões sociais e políticas no país, isto é, concebem a vida social como uma série de problemas sociais a serem enfrentados de forma isolada e desarticulados entre si. Assim, reproduz-se a concepção segmentada da questão social e, em decorrência, a formulação e implementação de políticas sociais setorizadas, sem um projeto para a sociedade que as articule e imprima um sentido público ao seu conjunto. Ao invés de se enfrentar a pobreza de uma ótica estrutural e através de políticas de integração (sua superação), a concepção oficial é de aliviar a pobreza dos “grupos socialmente mais vulneráveis”, desenvolvendo políticas de integração. Portanto, o governo federal fez uma opção por essa política de ajuste (neoliberal) que não tem por objetivo o desenvolvimento de políticas sociais de inserção como define Castel (1998). Nessa medida, as propostas de Pochmann aqui reproduzidas indicam um caminho alternativo e efetivo de políticas de emprego, no interior das quais, a formação profissional (onde estaria inserido um programa tipo PLANFOR) se constitui em apenas uma das ações a ser utilizada para combater o que o autor denomina de desemprego recorrente. 86 4. O QUADRO DO TRABALHO NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO A partir do início dos anos 70 do século XX, o capitalismo, após um longo período de crescimento econômico, no chamado apogeu do fordismo, começou a dar sinais de um quadro crítico. São vários os autores: Furtado (1983), Harvey (1992), Antunes, (1993, 1999), Ianni (1995), Frigotto (1999; 2001), Druck (1995, 1999), Chesnais (1996), Fiori (1997), Hirst e Thompson (1998), Castel (1998), Bihr (1998), Dedecca (1999), Oliveira (1999), Salama (1999), Filgueiras (2000) que tratam da crise do capitalismo do final do século XX. Embora cada um deles focalize um aspecto particular, isto é, analise a crise de um determinado ponto de vista, todos discutem essa nova fase flexível do capitalismo. E é inegável, independente do conceito empregado (globalização, mundialização, internacionalização das economias), que se vive um período de aprofundamento de uma das características mais marcantes do desenvolvimento econômico daquele século que é o movimento de centralização de capitais. Chesnais (1996, p. 239) explica, por exemplo, que a mundialização do capital financeiro, de fato, representa o posto mais avançado, onde as operações atingem o mais alto grau de mobilidade afirmando que: A capacidade intrínseca do capital monetário de delinear um movimento de valorização “autônomo”, com características muito específicas, foi alcançada pela globalização financeira a um grau sem precedentes na história do capitalismo. As instituições financeiras bem como os “mercados financeiros” (cujos operadores são mais fáceis de identificar do que faz supor essa expressão tão vaga), erguem-se hoje como força independente todo-poderosa diante dos Estados (que os deixaram adquirir essa posição, quando não os ajudaram) perante as classes e grupos sociais despossuídos, que arcam com o peso das “exigências dos mercados”. Essa desregulamentação financeira decorre do surgimento da concepção das finanças como “indústria” (RÉGNIER apud CHESNAIS, 1996), significando que o comércio de dinheiro e valores é encarado como atividade transnacional, objeto de competição, no plano mundial, entre agentes que procuram explorar da melhor forma suas próprias vantagens comparativas. Enfim, a esfera financeira é um dos campos de valorização do capital, que deve gerar lucros como em qualquer outro setor. O problema, de ordem macroeconômica e éticosocial, diz Chesnais (1996, p. 241): [...] é que, devido às características próprias da moeda, tais lucros formam-se sucessivamente a transferências provenientes da esfera da produção, onde são criados o valor e os rendimentos fundamentais (salários e lucros). A autonomia do setor financeiro nunca pode ser senão uma autonomia relativa. 87 Os capitais que se valorizam na esfera financeira nasceram – e continua nascendo – no setor produtivo. [...] O sistema financeiro alimenta-se da riqueza criada pelo investimento e pela mobilização de uma força de trabalho com múltiplos níveis de qualificação. É constitutiva da “acumulação flexível” (HARVEY, 1998) essa nova forma de materialização do capitalismo, além da globalização, o neoliberalismo e a reestruturação produtiva. Juntos, esses fenômenos imprimem uma nova “cara” à reprodução do capital. A seguir, explicita-se o que se está entendendo por cada um desses fenômenos. Embora alguns autores, tais como: Ianni (1995), Druck (2001), Dedecca (1999), Filgueiras (2000) reconheçam que a globalização, o neoliberalismo e a reestruturação produtiva sejam fenômenos distintos, concordam que estão profundamente articulados entre si e dão conteúdo às transformações por que vem passando o capitalismo desde as décadas finais do século XX. Mas, embora distintos, esses fenômenos têm um denominador comum que pode ser sintetizado no ideal da “acumulação flexível” que significa que o capital, em seu movimento de valorização, está livre de empecilhos e restrições de qualquer natureza. A globalização pode ser entendida como o processo de aprofundamento, nos anos 80 do século passado, da internacionalização das relações capitalistas de produção e distribuição, impulsionada pelo processo de reestruturação produtiva iniciada na década anterior nos países centrais. Movimento econômico, social e político de “desmonte/diluição dos espaços nacionais”, que tem levado, entre outras conseqüências, à constituição de três grandes áreas de influência, com as respectivas hegemonias dos Estados Unidos (NAFTA), Alemanha (CEE) e Japão (sudeste asiático) e de outras áreas de menor porte, como é o caso do Mercosul (FILGUEIRAS, 2000). Esse processo de globalização é interpretado, por alguns, como processo de continuidade e por outros, como processo de ruptura. Para os primeiros, esse processo não apresenta nada de novo, sendo apenas a continuidade de um movimento que já estava presente desde os primórdios do modo de produção capitalista, com tendência à expansão, portanto, a mundialização; para os segundos, seria algo totalmente novo de tal forma que estaria se constituindo uma nova sociedade “global”, pós-capitalista, superando as relações sociais capitalistas de propriedade, produção e distribuição fundadas no trabalho assalariado. No entanto, do ponto de vista mais concreto, a forma e a amplitude como o processo de globalização vem se realizando, evidencia a existência de novos elementos e novas circunstâncias tanto no plano das relações de concorrência intercapitalistas quanto na própria relação capital/trabalho que funda e define esse modo de produção. Um desses elementos é que a concorrência centra-se, hoje, cada vez mais, no domínio do conhecimento e da informação, 88 permitindo que: 1) a relação centro/periferia torne-se mais complexa e mais instável; 2) ocorram transferências de capitais especulativos e atividades produtivas, às vezes com alto conteúdo tecnológico, de países centrais para os periféricos, crescendo a subordinação desses últimos; 3) o poder da maioria dos Estados Nacionais fragiliza-se e estreita-se a capacidade de se fazer políticas macroeconômicas, à medida que se fortalece o poderio das maiores potências, instrumentalizadas pelas instituições multilaterais como o FMI, o BIRD, o BID etc (FILGUEIRAS, 2000). Filgueiras (2000) acredita que o que se evidencia, de fato, é um movimento de continuação e expansão do modo de produção capitalista naquilo que ele tem de essencial, podendo ser identificados a radicalização e o aprofundamento de todas as suas características constitutivas, a começar pelo direito de propriedade. Portanto, observa-se: [...] que a competição intercapitalista, tendo por arma as inovações de todos os tipos, torna-se cada vez mais feroz e de fato mundializa-se, quase que sem limites impostos pelas barreiras nacionais; que se acelera fantasticamente o desenvolvimento das forças produtivas e cresce o volume e o valor dos meios de produção por trabalhador; que se intensifica a concentração e a centralização de capitais com o domínio mundial de poucas empresas gigantes em cada ramo de produção; que a esfera financeira assume um papel preponderante no conjunto do funcionamento do sistema, com um superdimensionamento da acumulação “fictícia”, num ambiente cada vez mais instável e com crescimento da incerteza e do risco; e, por fim, que se potencializa a possibilidade da crise e os seus efeitos destrutivos em escala planetária (FILGUEIRAS, 2000, p. 60). A conseqüência da globalização da produção e dos mercados de produtos, bem como da formação do mercado financeiro mundial é a desterritorialização da grande burguesia dos países mais poderosos. O mundo vem se tornando cada vez mais semelhante tanto no uso de altas tecnologias e nos padrões de consumo quanto nas desigualdades econômicas e na exclusão social, apesar das barreiras nacionais e culturais, quase intransponíveis, para a globalização dos mercados de trabalho. A globalização também redefine as relações entre capital/trabalho com o reaparecimento de velhas formas de consumo da força de trabalho e o surgimento de novas formas de exploração que vêm afetando o modo de vida da classe trabalhadora ou daqueles que vivem do trabalho. Sem dúvida, o principal aspecto do processo de globalização é sua dimensão financeira, que decorreu de três processos estreitamente relacionados entre si, quais sejam: a desregulamentação ou liberação monetária e financeira, a desintermediação e a abertura dos mercados financeiros nacionais, extinguindo dois tipos de fronteiras: primeiro, aqueles que separam os diversos segmentos dos mercados financeiros nacionais, conforme o exercício de 89 distintas funções financeiras; segundo, as que delimitam os mercados monetários e financeiros nacionais, bem como os aparta dos mercados mundializados. Cria-se, assim, uma grande interdependência entre todos os segmentos dos mercados e entre as esferas nacional e internacional (CHENAIS, 1996). O desmonte do Sistema Monetário Internacional ocorreu no início dos anos 70 do século passado, contribuindo, de forma decisiva, para a globalização financeira. O término da conversibilidade entre o dólar e o ouro implica na inexistência de qualquer tipo de âncora internacional para as moedas e também no entrelaçamento dos mercados de câmbio e financeiro. A partir daí, decorre uma crescente instabilidade nas transações econômicas internacionais, afetando tanto as relações produtivas e comerciais quanto as monetárias e financeiras, determinando em todo mundo uma crescente volatilidade das taxas de juros e de câmbio, abrindo espaço para uma crescente desintermediação financeira (FILGUEIRAS, 2000). A desregulação dos mercados financeiros nos Estados Unidos e na Inglaterra ocorre na década seguinte, impulsionada, sobretudo, pela necessidade dos Estados Unidos financiarem seu enorme déficit comercial. Por fim, a queda das barreiras que separavam os mercados nacionais dos internacionais, com a incorporação dos “mercados emergentes” a partir da década de 90 do século passado, completa o processo de globalização financeira, mundializando os circuitos financeiros da acumulação. Esse novo quadro da acumulação capitalista, se de um lado permite aos países periféricos montarem suas estratégias de estabilização, apoiadas, precariamente, nos fluxos internacionais de capitais de curto prazo, de outro lado, enfraquece a capacidade de seus governos fazerem políticas macroeconômicas, evidentes no caso da Argentina com a adoção do sistema cambial de currency board, e no Brasil, com a manutenção de elevadíssimas taxas de juros (FILGUEIRAS, 2000). Embora os oligopólios, os bancos, a formação do capital financeiro, a liderança dos países desenvolvidos sobre os periféricos e o conteúdo “imperial” desta dominação já estivessem presentes desde o século XIX, como analisa Druck (1999), é no século XX que os elementos constitutivos do processo de globalização chegam a situações-limite. Sem dúvida, esses elementos vêm determinando mudanças quantitativas e qualitativas na economia de mercado, mas é o superdimensionamento do mercado financeiro, através do volume de aplicações de capitais que se reproduzem pela especulação de curto prazo, explicitando o conteúdo essencialmente fictício e improdutivo desses capitais, que primeiro expressa essa situaçãolimite. Esse crescimento contínuo ocorre em prejuízo do capital produtivo à medida que o retorno proveniente da especulação é maior e mais rápido, implicando uma redução dos investimentos na produção, portanto, sobrepondo-se a lógica financeira à lógica produtiva. 90 Também na última metade do século passado as novas tecnologias e os novos padrões de gestão e organização do trabalho (“pós-fordismo’ ou “neofordismo”) produzem o desemprego estrutural nos países centrais do capitalismo, constituindo-se numa das grandes novidades da sociedade global. Naqueles países, precarizam-se as condições e as relações de trabalho (tempo de trabalho parcial, contratos por tempo determinado, trabalho temporário e em domicílio, subcontratação e outros), transformando quantitativa e qualitativamente a exclusão social no Primeiro Mundo. No caso dos países periféricos, tem-se o aprofundamento da exclusão, caracterizada agora como regressão, isto é, aqueles trabalhadores que já foram incluídos perdem o emprego ou deixam de ter-lhe acesso. Na América Latina, vários países têm sofrido crescente desindustrialização com destruição de milhares de postos de trabalho, que não se reproduzem na mesma proporção em outros setores da economia, nem mesmo na área de serviços, apesar da crescente terciarização (DRUCK, 1999). Assim, a globalização pode ser resumidamente apresentada como constituída dos seguintes elementos: 1) acentua-se e consolida-se a liderança econômica de empresas oligopólicas e de grandes bancos, que se tornam os principais atores no mercado, em particular no mercado financeiro internacional; 2) a revolução tecnológica e as novas políticas de gestão e organização do trabalho determinam uma nova estrutura dos mercados de trabalho, sendo o desemprego estrutural um dos principais resultados; 3) as grandes nações capitalistas reafirmam sua liderança política e econômica, subordinando e intensificando a dependência das nações periféricas; 4) o ideário neoliberal se torna dominante mundialmente (DRUCK, 1999). Ao conjunto de condições materiais da “acumulação flexível” corresponde um imaginário social que busca justificá-las (como racionais), legitimá-las (como corretas) e dissimulá-las enquanto formas contemporâneas de exploração e dominação. Esse imaginário social é o neoliberalismo como ideologia que toma como o ser da realidade a fragmentação econômico-social e a compressão espaço-temporal gerada pelas novas tecnologias e pelo percurso do capital financeiro. Essa ideologia corresponde a uma forma de vida determinada pela insegurança e violência institucionalizada pelo mercado. O paradigma do consumo tornou-se o mercado da moda, veloz, efêmero e descartável. Ideologia que relega à condição de mitos eurocêntricos totalitários os conceitos que fundaram e orientam a modernidade: as idéias de racionalidade, universalidade, o contraponto entre necessidade e contingência, os problemas da relação subjetividade e objetividade, a história como dotada de sentido imanente, a diferença entre natureza e cultura. A lógica da “acumulação flexível” realiza três grandes inversões ideológicas: substitui a lógica da produção pela da circulação; substitui a lógica do 91 trabalho pela lógica da comunicação; e substitui a lógica da luta de classes pela lógica da satisfação-insatisfação dos indivíduos no consumo (CHAUI, 1999). Na compreensão de Ianni (1995), a fase atual de acumulação do capitalismo termina um ciclo importante de lutas de classes em escala nacional e mundial, mas não terminaram as desigualdades, tensões e contradições que continuam a estar na base da vida das nações. Assim, esse momento pode ser um ponto de inflexão na História, assinalando apenas o fim de um ciclo e o começo de outro, pois é no ciclo que termina que se formam alguns dos traços mais característicos da sociedade global que surge, com suas tensões, contradições e perspectivas. Para Frigotto (1999, p. 3-4), a globalização assume uma especificidade [...] que é, em essência, o desbloqueio dos limites sociais impostos ao capital pelas políticas do Estado de bem-estar social. É, também, nesse sentido, uma revanche contra as conquistas sociais da classe trabalhadora. O ideário da globalização, em sua aparente neutralidade, cumpre um papel ideológico de encobrir os processos de dominação e de desregulamentação do capital e, como conseqüência, a extraordinária ampliação do desemprego estrutural, trabalho precário e aumento da exclusão social. [...] processo de globalização com uma velocidade sem precedentes, viabilizada por novas tecnologias microeletrônicas, informacionais e energéticas e com formas de exclusão, também sem precedentes, sustentadas pela ideologia e políticas neoliberais. Trata-se de políticas fundamentalmente orientadas para garantir os lucros do capital financeiro, em sua maior parte especulativo. Mas, em sentido contrário a ideologia da globalização, amplia e aprofunda, diz Frigotto (1999, p. 4) a contradição entre as possibilidades tecnológicas de satisfazer necessidades básicas e as relações sociais de exclusão. E complementa: As novas tecnologias aplicadas à produção agrícola, por exemplo, permitem a organismos como a FAO afirmar que há hoje a capacidade de produzir alimentos em abundância para 12 bilhões de pessoas. Isso choca-se brutalmente com uma realidade em que mais de três bilhões, dos seis bilhões de habitantes do planeta, vivem em níveis lamentáveis de subnutrição (DEBRAY; ZIEGLER, 1995 apud FRIGOTTO, 1999). Os escritores Hans Peter Martin e Harald Schumann (1996) caracterizam essa sociedade de final de século com o neologismo – “sociedade 20 por 80”. Uma realidade que estende 20% aos direitos sociais e individuais e exclui deles 80% É nesse contexto que se discutem os novos conteúdos do trabalho, a redefinição dos sujeitos sociais e a nova forma de organização social e política; enfim, o futuro da sociedade do trabalho. O debate que se trava hoje entre os estudiosos tanto dos países desenvolvidos como dos subdesenvolvidos tem como eixo central o desemprego estrutural e a exclusão social. Assim, a globalização da exclusão, a globalização da miséria e a globalização do desemprego, levando-se em consideração os diferentes processos históricos regionais e nacionais, assumem 92 um conteúdo global, indicando que é, ainda, a partir da categoria trabalho que se trava o debate acerca das bases de convivência social que sustentam a sociedade nesse novo contexto mundial (DRUCK, 1999). Pode-se concluir, a partir dos autores analisados, que a clara incapacidade orgânica do capital democratizar o imenso avanço das forças produtivas, deve levar a humanidade a mudar, se quiser evitar a barbárie e a destruição das condições materiais da vida humana. O último parágrafo da Era dos Extremos, de Hobsbawm (1995, p.562) sintetiza a análise que se realiza até esse momento. Não sabemos para onde estamos indo. Só sabemos que a história nos trouxe até esse ponto e – se os leitores partilham da tese deste livro – porquê. Contudo, uma coisa é clara. Se a humanidade quer ter um futuro reconhecível, não pode ser pelo prolongamento do passado ou do presente. Se tentarmos construir o terceiro milênio nessa base, vamos fracassar. E o preço do fracasso, ou seja, a alternativa para uma mudança da sociedade, é a escuridão. Finalmente, a “acumulação flexível” veio substituir o regime fordista ou, a “era de ouro” (HOBSBAWM, 1995) do capitalismo. Assim, para se problematizar os novos padrões de relações entre capital e trabalho, privilegiando-se seus conteúdos políticos, pretende-se retomar, resumidamente, os elementos constitutivos do fordismo e as razões que provocaram sua crise no início dos anos de 1970, e como este se expressou no Brasil. 4.1 - A Crise do Fordismo O modelo fordista pode ser compreendido a partir de duas formulações desenvolvidas pelos autores da Escola da Regulação Francesa.16 Uma delas compreende esse modelo enquanto 17 a aplicação e aperfeiçoamento das práticas constituidoras do taylorismo, possuindo as seguintes características: aprofundamento da separação entre planejamento e execução do trabalho; fragmentação e especialização das tarefas; aumento da subordinação do trabalhador ao ritmo da produção, introduzindo a mecanização ao processo de produção em série de bens padronizados; rígida divisão do trabalho e consumo de massa. Portanto, o taylorismo, enquanto prática gerencial do capital, desempenha, no plano da subjetividade, o papel de consolidar a subsunção real do trabalho ao capital. Assim, o objetivo central da “gerência científica” é: 16 Seus autores, tais como: M. Anglietta, Boyer e Lipietz estudaram as transformações da economia capitalista sob o enfoque da acumulação do capital. Sobre o assunto ver Druck (1999). 17 Frederick W. Taylor foi fundador da “gerência científica do trabalho” ou “administração científica do trabalho” – daí “taylorismo”, cujas formulações resultaram em um novo padrão de gestão e organização do trabalho, realizado a partir de suas experiências e práticas de trabalho em uma fábrica, observando e estudando os tempos e movimentos realizados, em cada operação, no processo de trabalho. 93 [...] assegurar o máximo de prosperidade ao patrão e, ao mesmo tempo, o máximo de prosperidade ao empregado. Para o empregador, isto significa obter grandes dividendos, desenvolvimento de sues negócios. Para o empregado, além dos salários mais altos, há um fato de maior importância: [...] o aproveitamento dos homens de modo mais eficiente [...] (TAYLOR, 1987, p. 31). Outra formulação da Escola da Regulação entende o fordismo como um padrão de acumulação que transcende o chão da fábrica, enquanto um padrão de regulação de toda a sociedade, implementando um novo modo de vida, um novo tipo de homem, portanto um novo tipo de trabalhador, através da combinação da força e persuasão utilizadas pelo capital. Nesse sentido, o fordismo estabelece um novo comportamento cultural fundamentado na disciplina e racionalidade capitalista. É identificado como um regime hegemônico, no qual o consenso predomina sobre o uso da força (buscando a adesão dos trabalhadores) e o capital busca um maior controle sobre toda a sociedade, consolidando sua dominação sobre o processo de trabalho que resulta na intensificação da exploração da força de trabalho (JESUS, 2003). Do ponto de vista de Bihr (1998), o fordismo é um “regime de acumulação intensiva do capital”, baseado na extração da mais valia relativa, isto é, “no aumento do trabalho excedente pela diminuição do tempo de trabalho necessário à reprodução da força de trabalho do proletariado, graças ao aumento contínuo da produtividade média do trabalhador”. A implantação do fordismo representou para o proletariado: a) aceitação da dominação do capital sobre o processo de trabalho; b) satisfação dos desejos mais imediatos da classe operária – sua seguridade social, entendida como garantia de maior estabilidade no emprego e satisfação de necessidades básicas como: educação, saúde, habitação, lazer etc. Nessa perspectiva, a implantação do fordismo baseou-se em um compromisso entre o proletariado e a burguesia, que possibilitou um pacto social entre capital e trabalho, mediado pelos órgãos representativos das classes burguesa e trabalhadora e o Estado. Este assume o papel de co-gestor do processo de acumulação do capital, responsabilizando-se por criar as condições de infra-estrutura (geração de energia para as indústrias, por exemplo), definindo os direitos trabalhistas e as normas de consumo e regulando o processo de acumulação do capital por meio das políticas monetárias e orçamentárias (FERREIRA et al, 1991 apud JESUS, 2003). A imagem do Estado, como órgão responsável pelo “bem coletivo”, é reforçada com a criação do Estado do bem-estar social, que garante a manutenção do padrão de consumo e a reprodução da força de trabalho, na medida em que protege o trabalhador dos 94 acasos sociais e naturais: doença, desemprego, velhice, despesas com educação dos filhos etc. O Estado institui o salário social através de recolhimentos de impostos ou cotizações sociais obrigatórias. Enfim, o período fordista significou um aumento da dependência dos trabalhadores tanto prática quanto ideológica, em relação ao Estado do bem-estar. Assiste-se no fordismo a uma massificação do processo de consumo impulsionada pelo crescimento do salário, pela instituição do salário indireto e pela implementação do crédito para o consumo (BIHR, 1998). A consolidação do regime fordista possibilita, segundo Castel (1998), a constituição da sociedade salarial, onde os trabalhadores podem receber não apenas a renda, mas o reconhecimento e proteção social, possibilitando a formação de um novo tipo de segurança relacionada ao trabalho e não apenas à propriedade. Foi também no fordismo que se acelerou o processo de urbanização no conjunto das formações ocidentais, reconfigurando-se não apenas os espaços geográficos, como os profissionais, sociais e culturais do trabalhador. Nesse sentido, ao tempo em que provoca uma perda de identidade e um desenraizamento em relação ao trabalhador de ofício, cria as condições favoráveis para o agrupamento dos trabalhadores fordistas, dentro e fora da fábrica, possibilitando às futuras gerações a organização em torno de seus interesses de classe, dada a constituição de uma nova mentalidade, um novo tipo de racionalidade instituída na fábrica, e disseminada para outras instituições: escola, família, religião. Assim, “Os homens que vivem do trabalho não podem ser domesticados e adestrados através exclusivamente da coerção. É indispensável educá-los para persuadi-los e obter seu consentimento para esse novo modo de trabalho e de vida” (GRAMSCI, 1984 apud JESUS, 2003, p. 36). Esse novo estilo de vida é denominado por Jesus como habitus fordista, que se refere ao movimento de internalização das estruturas exteriores e da externalização dos sistemas de disposições incorporados através das práticas dos agentes sociais, tendo como referência o compromisso estabelecido entre burguesia e proletariado. O habitus fordista é marcado, tanto pelo processo de trabalho, como também pelas relações entre os agentes sociais (ou classes), dos padrões culturais e de consumo, que confere ao mundo social um ritmo de continuidade, estabilidade e regularidade. Jesus (2003, p. 38) afirma que: a experiência do tempo pode ser definida através do lema “longo prazo”, isto é, as formas de sociabilidade são baseadas em relações sociais definidas e duradouras, instituições políticas fortes e legitimidade dos órgãos representativos das classes. Pode-se ainda dizer, continua a autora: 95 [...] que no regime fordista as disposições passadas, ou o habitus herdado, sobrevivem no presente e tendem a continuar existindo no futuro. [...] Esse novo modo de vida foi denominado por Gramsci de americanismo, isto é, jeito americano de viver (JESUS, 2003, p. 38-39). O período do fordismo, denominado por Hobsbawm (1995) de “era de ouro do capitalismo”, não se apresentou de maneira uniforme nas diferentes conjunturas nacionais. Ao contrário, foi adaptado às condições históricas dos diversos países. A partir das configurações históricas de cada nação, Boyer constroi uma tipologia sobre o fordismo, que é interpretada por Druck (1999, p.52) da seguinte forma: [...] o caso japonês configuraria o que ele chama de “fordismo híbrido”, na ex-Alemanha Ocidental teríamos um “fordismo flexível” ou “flex-fordismo”, na Suécia um “fordismo democrático”, na Itália um fordismo retardatário e imperfeitamente institucionalizado”, na França um “fordismo impulsionado pelo Estado”, na Grã-Bretanha um “fordismo falho ou defeituoso”, enquanto nos Estados Unidos seria o país do “fordismo genuíno”. Também se formula, a partir das diferenças históricas de cada nação, a noção de “fordismo periférico” (LIPIETZ apud DRUCK, 1999) para designar sua aplicação nos países considerados como semi-industrializados, dentre os quais se inclui o Brasil. Contudo, alerta o autor, há uma heterogeneidade tanto em termos de período histórico quanto ao próprio conteúdo da industrialização em cada país. Assim, o fordismo enquanto regime de acumulação não se apossa de toda periferia e, enquanto forma de industrialização não resume toda a industrialização, na periferia. Esse cuidado, ao se discutir o fordismo, é fundamental para que se possa analisar o caso do “fordismo periférico” no Brasil, demonstrando quais são suas principais características e analisando a forma “nacional” por ele assumida. 4.2 - O Fordismo no Brasil Embora a adesão ao taylorismo (VARGAS, 1985) tenha se anunciado no Brasil a partir da década de 1920, foi após a crise de 1929, precisamente com a Revolução de 30, que é apresentado como forma de “racionalização do trabalho”, e que tem sua expressão mais organizada com a formação do Instituto de Organização Racional do Trabalho (Idort) em 1931, por lideranças do empresariado paulista. Sua difusão é indicada como forma de fazer frente à “agitação reivindicatória” trazida pela revolução, assim como para responder ao recrudescimento das lutas de classes tão “prejudiciais” ao desenvolvimento do país (DRUCK, 1999). É na administração pública, principalmente no Estado de São Paulo, e em suas ferrovias, que se propagam as práticas tayloristas. Assim, a criação do Departamento 96 Administrativo do Serviço Público (Dasp) representa um reforço ao trabalho do Idort na medida em que se torna propagador das idéias tayloristas. Numa primeira fase de difusão do taylorismo, a preocupação do empresariado brasileiro é de incentivar o ensino industrial – daí a criação do Serviço de Aprendizagem Industrial (SENAI) e do Serviço Nacional da Indústria (SESI) – no sentido de qualificar a mão-de-obra nacional para que pudesse substituir os operários estrangeiros, fonte de lutas sindicais. O objetivo desse ensino é, justamente, “educar” e disciplinar os trabalhadores, no trabalho e fora dele, como forma de adequar seu comportamento social às novas exigências do processo de industrialização. Nesse sentido, a qualificação dos trabalhadores é marcada, desde o início, pela ideologia da racionalização (DRUCK, 1999). Em nome da conciliação de interesses e da cooperação entre empresários e trabalhadores, impunha-se o controle sobre o movimento sindical através da nova legislação trabalhista e do sindicato coorporativo, criados no governo Vargas e controlados pelo Estado. Do mesmo modo, os usos da força e da repressão policial visam adequar politicamente a classe trabalhadora ao desenvolvimento industrial. Portanto, a implantação das práticas tayloristas no Brasil conta com a intervenção direta do Estado, de um lado, no controle dos sindicatos tendo em vista sua estrutura verticalizada e coorporativa; de outro, através da legislação trabalhista que regulamenta o mercado de trabalho. Mas os trabalhadores não deixam de se revoltar contra as práticas racionais do trabalho, manifestando-se, já que são impedidos de realizar movimentos coletivos mais amplos, através da baixa produtividade e do absenteísmo, o que se torna um problema grave para os empresários. É no governo Kubitschek, com a implantação da indústria automobilística, que incentiva a internacionalização da indústria brasileira, que a “gerência científica do trabalho” pode ser aplicada com maior segurança, pois as multinacionais trazem o padrão fordista de gestão do trabalho e as lutas dos operários ficam limitadas pelo tipo de estrutura sindical atrelada ao Estado. Assim, o fordismo que é implantado no Brasil se constitui em um modelo de acumulação excludente e concentrador de renda, diferente do desenvolvido nos países centrais onde são criados mercados de consumo em massa, assim como o chamado compromisso fordista, já tratado anteriormente. Também não existe um Estado de bem-estar social, a exemplo dos países desenvolvidos. No Brasil, as classes subalternas não conseguem atingir nem 97 mesmo a “cidadania do fordismo”, que fica restrita a alguns poucos segmentos de trabalhadores. No Brasil, instala-se o “fordismo periférico”, como denominam os regulacionistas, no qual o uso da mão-de-obra assume um caráter predatório, marcado pela alta rotatividade da força de trabalho, em que a maioria dos trabalhadores recebe baixos índices de remuneração, exceto os trabalhadores das estatais os quais passam a ser os representantes da relação de trabalho fordista. Nessa perspectiva, o processo de assalariamento no Brasil se diferencia dos países capitalistas desenvolvidos, assumindo o emprego um conteúdo particular e, como resultado, produz um mercado de trabalho também singular (DRUCK, 1999). Druck (1999) justifica a permanência dessa lógica mais geral no processo histórico de desenvolvimento do capitalismo no Brasil, a partir das seguintes justificativas: a) ocorreu ao mesmo tempo o desenvolvimento da fase mais moderna da industrialização com outras modalidades de produção e de trabalho, sendo que estas são reproduzidas e realimentadas pelo próprio desenvolvimento capitalista; b) essas outras modalidades influenciam a formação do mercado de trabalho, que convive com um desemprego estrutural crônico. Contingentes de trabalhadores são autônomos, temporários, provisórios, portanto, excluídos das relações de trabalho tipicamente fordistas, o emprego socialmente protegido. São esses trabalhadores que dão o “tom” ao mercado de trabalho brasileiro; c) a atividade de trabalho, apesar do desemprego estrutural crônico, é regida pela racionalidade taylorista-fordista e o “novo homem adaptado à nova forma de produzir” se impõe como hegemônico; d) o assalariamento, diferentemente das normas fordistas dos países desenvolvidos, não inclui ganhos de produtividade aos salários; e) por fim, um Estado forte e autoritário, controlador e interventor dos instrumentos de organização sindical se impõe e contribui, decisivamente, para fortalecer uma racionalidade sustentada em um padrão de uso predatório da força de trabalho. É na década de 1980, quando se aprofunda a crise de esgotamento do modelo de substituição de importações, ou da forma que o Brasil assumiu o fordismo, que esse cenário modifica-se, refletindo, em grande medida, a crise do fordismo no plano mundial. No âmbito do mundo do trabalho, ao mesmo tempo em que se aprofundam e se agravam as características permanentes do mercado de trabalho, da gestão e organização do trabalho e de suas relações, surgem, de forma pontual, em alguns setores da atividade produtiva, iniciativas que procuram dar conta daquela nova situação. Assim, por um lado, 98 procuram responder às exigências da nova redefinição da ordem econômica, da divisão internacional do trabalho – novas bases da competitividade internacional. De outro, buscam se adaptar ao quadro de crise nacional, inclusive no âmbito fabril, com mobilizações dos trabalhadores por maior participação e controle sobre o processo de trabalho. A alternativa encontrada pelo empresariado brasileiro para enfrentar a crise interna e o novo quadro de competitividade internacional é utilizar estratégias centradas, essencialmente, em práticas de gestão do trabalho que mobilizam os trabalhadores, ganhandoos enquanto “parceiros”. Segundo Antunes (1999), a crise do fordismo exprime, em seu significado mais profundo, a crise estrutural do capital, vez que aparece como crise econômica, que se expressa na queda da taxa de lucro, mas seu núcleo é marcado pelo fracasso do padrão de produção (e de dominação) estabelecido. Como resposta a essa crise, inicia-se um processo de reorganização deste e do seu sistema ideológico e político de dominação, cujos contornos mais evidentes são o advento do neoliberalismo, com a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal, da qual a era Thatcher-Reagan é a expressão mais forte. Segue-se também um intenso processo de reestruturação da produção e do trabalho, com vistas a dotar o capital do instrumental necessário para repor os patamares de expansão anteriores. Portanto, entender essa crise, seus elementos constitutivos, é de grande complexidade, dado que ocorrem mutações intensas: econômicas, sociais, políticas e ideológicas, com fortes repercussões no ideário, na subjetividade e nos valores da classe-quevive-do-trabalho. Os estudos produzidos por Pochmann (1998, 1999, 2000, e 2001), Dedecca (1998, 1999), Mattoso (1998), Druck (1999), Filgueiras (2000), Borges e Druck (2002) e Borges (2003) demonstram que a crise vivida pelo capitalismo contemporâneo, com dominância de uma nova orientação política, em um contexto de crescente instabilidade econômica, pelo menos nesses últimos vinte anos, se traduz em mudanças nos mercados e nos sistemas nacionais de relações de trabalho, promovendo maior desigualdade social nos países desenvolvidos e agravando, mais ainda, a situação dos países periféricos. 4.3 - O Mercado de Trabalho na Década de 1990 As mudanças que ocorrem nas estruturas do emprego e no perfil do desempregado dos países capitalistas avançados, nas últimas décadas do século passado, assumem um caráter complexo, transformando o mercado de trabalho em uma estrutura que se assemelha a um 99 caleidoscópio de formas de inserção na atividade produtiva, emergindo um novo processo de exclusão social, bastante diferenciado de épocas passadas do capitalismo (DEDECCA, 1999). Apesar da crise econômica ter afetado as economias nacionais como um todo, gera conseqüências sociais diferenciadas em cada país. Além disso, a reestruturação produtiva e a do emprego e o elevado grau de terciarização dessas economias, com a incorporação de novas tecnologias e métodos organizacionais, limitam em muito as perspectivas de recomposição do nível de emprego, gerando uma progressiva heterogeneidade ocupacional, assim como das próprias situações de desemprego. Por fim, a crise se manifesta em estruturas produtivas desenvolvidas, caracterizadas pelo avançado grau de industrialização e de consumo (DEDECCA, 1999). Essa crescente heterogeneidade das relações de trabalho, afirma Dedecca (1999), se manifesta tanto pela perda de importância do standard employment relationship, acompanhada dos empregos precários, quanto pela fragmentação das relações no núcleo dos empregos estáveis socialmente protegidos. Atualmente, há um amplo reconhecimento da forte tendência à terciarização da atividade econômica, e também se tem produzido consenso a respeito da tendência mundial ao crescimento do desemprego e à precarização do emprego assalariado, traduzida em piores condições de trabalho; rebaixamento dos níveis salariais; “flexibilização” das relações de trabalho; maior facilidade de rompimento de contratos etc. Esses processos afetam profundamente o mundo do trabalho, trazendo para o centro da agenda pública, inclusive nos países centrais, a questão do desemprego, invertendo, com isso, a perspectiva de análise que, até aquele momento, discutia as formas de uso produtivo do trabalho. Esses processos levam a uma certa “desnaturalização” dos modos instituídos de organização da produção nos países centrais, que passam a se dar conta de sua própria “informalidade” e a duvidar do “paradigma do mercado” como referência analítica. A informalidade se universaliza, mas agora se torna sinônimo de “flexibilização” ou “desregulação”, quando não simplesmente de “clandestinidade” (MACHADO da SILVA, 2002). Na verdade, houve um duplo deslocamento na noção de informalidade: 1) da análise dos processos econômicos para a esfera política, enfatizando a (des)regulação estatal das relações de trabalho; 2) da compreensão de um “setor” ou “economia” informal para “processos”, “práticas” ou “atividades” informais diferenciadas. É nesse momento que a noção de informalidade começa a perder força, pois, pouco a pouco, vai se tornando sinônimo de “flexibilização” das relações de trabalho, deslocando o foco das questões substantivas do processo produtivo para sua regulação político-institucional (MACHADO da SILVA, 2002). 100 Para se ter uma dimensão da situação do mercado de trabalho em países desenvolvidos, cita-se dois fatos: 1) o presidente da central DGB, da Alemanha, Dieter Shulte, afirma que no final da década de 1990, eram cerca de 4,4 milhões de desempregados, situação só comparável a que precedeu ao nazismo; 2) o presidente da AFL americana, com 13 milhões de sindicalizados, afirma que nos EUA, com o sucesso do mundo globalizado, os empregados estavam trabalhando mais, ganhando menos e sem proteção social, pois 40 milhões de americanos trabalhavam sem seguro-saúde (FRIGOTTO, 2001). Para sintetizar a discussão dos efeitos da globalização sobre o mercado de trabalho e a sociedade contemporânea apropria-se do pensamento de Singer (1996 apud FRIGOTTO, 2001, p. 43) que afirma: [...] no Primeiro Mundo, a globalização inverteu o sentido da evolução: o desemprego é alto e persistente, a renda se concentra, a pobreza volta a crescer depois de ter quase desaparecido, a exclusão social torna-se cada vez maior, trazendo em sua esteira a xenofobia, racismo e neofascismo. O Estado de Bem –Estar Social vai sendo corroído, através de corte do gasto social do governo, que resulta da redução ampla dos impostos diretos que recaem sobre as camadas privilegiadas. Nos EUA, o emprego diminuiu menos, mas perde em qualidade: cada vez mais trabalhadores são privados dos direitos legais e contratuais atribuídos aos assalariados formais; na Europa, o poder remanescente dos sindicatos e partidos trabalhistas, social-democratas ou socialistas preserva a qualidade do emprego em maior grau, mas em compensação o grande capital investe menos e o desemprego é mais alto. Para os governos dos países desenvolvidos, a globalização econômico-financeira que ocorre nos últimos vinte e cinco anos explicita as implicações desses desequilíbrios, na medida em que, em uma situação de exposição maior do setor produtivo nacional à concorrência internacional, amplia a vulnerabilidade dos mercados financeiros nacionais aos movimentos especulativos presente nos principais centros financeiros mundiais. A superação desses problemas, segundo esse diagnóstico, depende de um processo de requalificação da mão-de-obra, da reforma dos sistemas do Welfare State, da mudança dos mecanismos públicos regulatórios de contratação e uso do trabalho e dos sistemas de negociações coletivas, que possibilitam criar uma nova dinâmica dos mercados de trabalho nacionais, adequada a uma economia mais globalizada, competitiva e flexível (DEDECCA, 1999). Embora os problemas relacionados ao mercado de trabalho estejam ocupando espaço cada vez mais importante na agenda dos debates nacionais, a questão do emprego tem sido tratada, na maioria das vezes, restrita a variáveis endógenas do mercado de trabalho – funcionamento do mercado e a situação entre a oferta e a demanda de mão-de-obra. Se se pretende aprofundar a discussão sobre o trabalho, as causas centrais do desemprego são exógenas, condicionadas por 101 variáveis estruturais, como, dentre outras, as mudanças tecnológicas, a menor capacidade dos Estados realizarem políticas nacionais, as políticas econômicas conservadoras, o descompromisso com as metas de pleno emprego e de distribuição da renda, a intensificação da internacionalização das economias que se dá em ambiente de desregulamentação e de aprofundamento da concorrência. Portanto, é necessário discutir qual é o formato e o padrão de desenvolvimento econômico e social que são conformados no final de século passado (MATTOSO, 1999; POCHMANN, 1999b). O fato de se identificar, hoje, o desemprego como fenômeno estrutural mundial não significa a negação de suas especificidades nacionais e das distintas formas de seu enfrentamento. Nos próximos dois itens, problematiza-se a questão do emprego e do desemprego no Brasil e na Bahia, especialmente, na década de 1990. 4.4 - Mercado de Trabalho no Brasil O Brasil vive uma crise sem precedentes na história republicana. Não se trata de uma crise de desajustamentos criados por uma conjuntura internacional adversa, circunscrita a certos setores; trata-se do sistema econômico como um todo. As atividades especulativas são as que mais prosperam. O parque industrial está sendo desestruturado e não se descortina novos investimentos produtivos. Milhões de pessoas se incorporam ao exército de desempregados. O país caminha para abrigar a maior mancha de pobreza do hemisfério ocidental. E tudo isso depois que o país manteve, durante um terço do século XX, uma das taxas mais altas de crescimento econômico da história de todos os povos; e de ser um dos países que indicava maior potencial de desenvolvimento. O país dispõe de enormes quantidades de terra por ocupar, de fontes energéticas abundantes por explorar, de um mercado interno que se coloca entre os dez maiores do mundo, de uma considerável capacidade de produção de bens de capital e de um potencial de criatividade tecnológica só igualado à Índia no Terceiro Mundo. Esse diagnóstico, realizado há cerca de vinte anos por Celso Furtado (1993), não varia muito dos diagnósticos realizados hoje por economistas, sociólogos, cientistas políticos e historiadores. A presente complexidade da fase histórica resulta de um tríplice processo de crise. Em primeiro lugar, o país sofre as conseqüências de um desajuste estrutural global do sistema capitalista, decorrente da rápida integração dos mercados nacionais registrada no período de intenso crescimento compreendido entre o fim da Segunda Guerra Mundial e a primeira metade dos anos 70 do século passado. Em segundo, o país enfrenta uma crise financeira 102 internacional, mais precisamente uma crise do sistema bancário privado internacional, que se expande de forma inusitada e fora de qualquer disciplina e controle, a partir de fins dos anos 60. Em terceiro, o Terceiro Mundo vive (não só ele) um descomunal processo de endividamento externo que veio aprofundar a sua situação de dependência (DEDECCA, 1999; FILGUEIRAS, 2001). Mas é com a desaceleração econômica pós-1997 que o Brasil passa a viver a sua mais grave crise de desemprego, cujas taxas passam a assumir proporções sem paralelo na história do país, atacando o tecido social brasileiro tal como epidemia, cuja complexidade da manifestação somente pode ser entendida a partir do período de duas décadas de estagnação econômica e pela ação, desde 1990, de um novo modelo econômico de inserção internacional desfavorável ao país. Praticamente em todos os anos da década de 1980 a crise econômica é a tônica, cujos reflexos são percebidos pela ocorrência do aumento do desemprego e a alteração da População Economicamente Ativa18 (PEA), com as pessoas se deslocando do setor industrial para o setor informal. Na década de 90 do mesmo século, o comportamento da atividade econômica é muito semelhante à anterior, verificando-se forte contração na taxa de crescimento do produto, só que desta vez, motivada pela implantação de um programa econômico cujos principais objetivos são: estabilizar o nível de preços e iniciar um conjunto de mudanças de natureza estrutural, com conteúdo fortemente liberal, redefinindo a forma como o país se insere no plano internacional, assim como o modo de relacionamento do Estado brasileiro com a sociedade (CACCIAMALI, 1999a). O Plano Brasil Novo da era Fernando Collor, início dos anos de 1990, engendra um redirecionamento da economia brasileira através da promoção de uma política de abertura do mercado nacional aos produtos do exterior, que implicam na intensificação de mudanças tecnológicas e organizacionais, principalmente no setor industrial, as quais têm como objetivo a elevação dos níveis de produtividade e qualidade dos produtos nacionais, com o intuito de concorrer com os internacionais. Essa política faz cair o nível de emprego no setor industrial e, em cascata, nos demais setores da atividade econômica. Somente em 1993, a atividade econômica se recupera após o impeachment de Collor e a instalação do governo Itamar Franco, período onde há pequena recuperação dos postos de trabalho na indústria, mas ainda com a inflação em alta. É em 1994, com a implantação do Plano Real pelo governo Fernando Henrique Cardoso, que 18 Por PEA entende-se as pessoas com mais de 10 anos de idade que ativamente encontram-se trabalhando ou à procura de ocupação no mercado de trabalho. 103 há estabilização do nível dos preços, contudo, gerando como conseqüência um inexpressivo crescimento econômico propiciado pela dependência do Plano Real para com os capitais especulativos internacionais. Essa dependência explica as diferentes conjunturas vividas a partir de sua implantação, até os dias atuais, e refletem o impacto da ocorrência de crises cambiais em outras partes do mundo, especialmente no México, na Ásia, na Rússia, no próprio Brasil, e, mais recentemente na Argentina. Essa política econômica implica em taxas de crescimento medíocres, com a agravante de que, no mercado de trabalho brasileiro, a cada novo ano, cerca de 1,5 milhão de pessoas são incorporadas (FILGUEIRAS, 2000). A epidemia do desemprego nacional decorre da menor evolução dos postos de trabalho diante da expansão da PEA. A população ocupada, por exemplo, cresce 14,6%, no período entre 1989 e 1998, enquanto a PEA total aumenta 22,6%, o que influencia diretamente no aumento do desemprego no conjunto do país. Nos anos noventa, dos 13,6 milhões de pessoas que ingressam no mercado de trabalho, somente 8,5 milhões obtêm acesso a algum posto de trabalho, gerando um excedente de mão-de-obra de 5,1 milhões de desempregados. A cada ano, na média, 1,5 milhão de pessoas ingressam no mercado de trabalho; porém, apenas 943 mil pessoas têm acesso à ocupação (POCHMANN, 2001). Diferentemente do período entre 1932 e 1980, quando o Brasil leva avante um dos mais bem-sucedidos modelos de crescimento econômico, fundado na ampla difusão do emprego assalariado com registro formal (a cada dez postos de trabalho criados, sete eram com registro formal) através do projeto de industrialização nacional, durante a década de 1990 a cada 10 empregos criados somente 2 eram assalariados, porém sem registro formal, configurando ocupações precárias, com baixos rendimentos, instabilidade contratual, o que pode ser caracterizado como expansão do desemprego disfarçado (POCHMANN, 2001). Reconhecendo-se que o emprego assalariado representa o que de melhor o capitalismo brasileiro ofereceu para sua classe trabalhadora, pois estava acompanhado de um conjunto de normas de proteção social trabalhista, pode-se concluir que sua redução absoluta e relativa, nos anos de 1990, vem acompanhada de aumento de vagas sem registro e de ocupações não-assalariadas, implicando no aumento considerável da precarização das condições e relações de trabalho. No ranking mundial do desemprego, em 1999, o Brasil aparece em 3º lugar, possuindo, segundo dados da PNAD e do IBGE, 7,6 milhões de desempregados, perdendo apenas para a Índia, Indonésia e Rússia. Apesar de representar 3,1% da força de trabalho de todos os países, o Brasil possui, nesse ano, 6,6% do desemprego mundial. Mesmo tendo 104 menos população que a China e os Estados Unidos, a quantidade de desempregados é maior (POCHMANN, 2001). Conforme dados da Fundação Seade/Dieese, publicados na Folha Dinheiro em maio de 2002, que faz esse levantamento desde 1985, a situação piorou. São Paulo, por exemplo, bateu recorde histórico em abril de 2002 com 20,4% da PEA desempregada. O desemprego reflete o péssimo desempenho da economia brasileira, diz o professor Anselmo Luís dos Santos, do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho – Cesit, da Unicamp. Em abril de 2002, estimava-se que existiam 1,904 milhão pessoas desempregadas na região, significando 66 mil pessoas a mais do que no mês anterior (março). O desemprego aumenta porque o nível de ocupação não cresce na mesma velocidade que a PEA, diz o professor Sérgio Mendonça, Diretor do DIEESE. A expectativa de economistas que acompanham o mercado de trabalho é que a taxa de desemprego deve continuar subindo no país porque, mesmo que o governo Lula venha a dar sinais de que pretende alterar a política monetária, baixando os juros, por exemplo, a economia demoraria meses para reagir. Esse debate ainda é difuso e tem confundido, mais do que esclarecido as questõeschave do desemprego no Brasil. Verifica-se, ao mesmo tempo, a ausência de convergência tanto no diagnóstico sobre o desemprego quanto na proposição de alternativas de políticas de emprego. São três os componentes básicos do movimento de desestruturação do mercado de trabalho nacional: 1) o desemprego envolve, genericamente, praticamente todos os segmentos sociais, inclusive as camadas com maior escolaridade, profissionais com experiências em níveis hierárquicos superiores e altos escalões de remuneração. Portanto, o desemprego muda de perfil deixando de atingir apenas segmentos específicos do mercado de trabalho como jovens, mulheres, negros e pessoas sem qualificação profissional; 2) a regressão dos postos de trabalho formais, o que contribui para a perda de participação do emprego assalariado – desassalariamento; 3) a destruição dos postos de trabalho de melhor qualidade, sem a contrapartida nos empregos criados. No Brasil, o trabalho por conta própria, que tem realmente se expandido, tem sido o tradicional, o chamado autônomo para o público, nos quais as condições de trabalho e de remuneração são precárias. Por conta disso, o grau de subtilização da força de trabalho volta a aumentar a partir dos anos 90 (DEDECCA, 1999; DRUCK 1999; MATTOSO 1999; FILGUEIRAS, 2001; POCHMANN, 1999a). Dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD/IBGE), analisados por Carvalho, Almeida e Azevedo (2001, p. 100) revelam mudanças fundamentais na distribuição da ocupação nas principais regiões metropolitanas brasileiras entre 1993-1999. 105 Os resultados obtidos desse estudo foram os seguintes: 1) houve desindustrialização absoluta e/ou relativa da ocupação na maior parte das regiões, especialmente naquelas que concentram o grosso da indústria brasileira: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre; 2) a ocupação na indústria de transformação cai em todas as regiões, com exceção de Belo Horizonte, ainda que tenha sido um crescimento medíocre; 3) em Curitiba, Salvador e em menor grau em Fortaleza, houve crescimento da ocupação nessa atividade, pois a desindustrialização é apenas relativa. Contudo, embora a ocupação industrial cresça nessas três cidades, avança menos que a ocupação nos serviços. Os autores explicam essa situação da seguinte forma: [...] se fatores como a acelerada inovação tecnológica destroem empregos na indústria, ocorre, também, uma migração do capital, que abandona os grandes centros saturados, atraído pela combinação de incentivos fiscais, ausência de sindicatos fortes e outras condições da periferia. Este é o caso, fundamentalmente, da região metropolitana de Curitiba, que tem abrigado parcela considerável dos novos investimentos automobilísticos no país (p. 100). Uma outra constatação dos autores diz respeito à expansão da ocupação em novos serviços, sobretudo nos “serviços auxiliares” (aqueles que apóiam outras atividades econômicas – empresariais de consumo intermediário) e nos “serviços sociais” (saúde e educação). Discordando das análises que justificam a expansão dos serviços “produtivos”, “complementares”, “modernos” a partir da nova dinâmica da indústria, os autores justificam essa expansão da seguinte forma: A questão é ir além desse tipo de visão e reconhecer que muitos segmentos dos serviços têm hoje uma dinâmica própria no plano regional, crescendo independentemente da performance imediata da indústria, como ocorre, por exemplo, com o turismo, a educação e a saúde. Entre outros fatores porque grandes metrópoles constituem grandes mercados, oferecendo condições para o crescimento da chamada “economia da urbanização”: pequenas indústrias de alimentos e confecções, comércio varejista, prestação de serviços etc. Além disso, elas podem oferecer maiores externalidades – economias de aglomeração – às empresas que se expandem em escala nacional ou internacional, na medida em que concentram os segmentos produtivos destinados ao atendimento ao setor empresarial (CARVALHO; ALMEIDA; AZEVEDO, 2001, p. 102). Segundo, ainda, esses mesmos autores, os dados da PNAD, que ajudam a perceber o grau de especialização de uma determinada região em um determinado ramo de atividade indicam que quatro regiões são consideradas “especializadas” em atividades industriais: São Paulo, Porto Alegre (com grande peso na indústria de transformação), Curitiba e Belo Horizonte (construção civil). Em relação aos serviços, confirma-se o caráter de global city de São Paulo – peso dos serviços financeiros e do desenvolvimento de seus serviços empresariais. 106 Rio de Janeiro configura-se com terciarização acelerada, marcada com “especialização” em serviços de utilidade pública, prestação de serviços, transporte e comunicação, serviços sociais e, particularmente, administração pública. Indicam também o caráter não-industrial das regiões metropolitanas de Salvador, Recife e Belém, com peso na administração pública e no comércio. Fortaleza combina com alguma presença de ocupação industrial, importância ainda grande no comércio, pouco desenvolvimento dos serviços de consumo intermediário e um menor peso na administração pública. Os autores concluem a análise comparativa das principais economias metropolitanas brasileiras afirmando que: a “guerra fiscal”, associada à migração espontânea do capital industrial footloose, tem levado ao incremento da participação de algumas metrópoles periféricas no conjunto da ocupação industrial (indústria de transformação). Nessa guerra, São Paulo e Rio de Janeiro vêm perdendo. Ganham Curitiba, Belo Horizonte e umas poucas capitais nordestinas. [...] As regiões mais dinâmicas estão na periferia próxima do pólo dominante nacional: Curitiba e Belo Horizonte (CARVALHO; ALMEIDA; AZEVEDO, 2001, p. 102103). A partir da análise dos estudos de Filgueiras (2001), Mattoso (1999), Pochmann (1999, 2001), Dedecca (1999), Borges e Druck (2002) e Borges (2003), pode-se afirmar que o volume e a rapidez da queda no número de postos de trabalho originam-se de dois processos: a) na abertura comercial, que substitui o antigo modelo de industrialização protegida, característico do desenvolvimento brasileiro até o final dos anos 80; b) nas transformações ocorridas na organização e gestão do trabalho no país, nessa mesma década. Os impactos da reestruturação produtiva das empresas e suas implicações para as relações de trabalho e sobre o próprio mercado de trabalho, no Brasil, são tratados nos estudos mais recentes de Antunes (1993, 1999), Franco e outros (1994), DIEESE, (1994, 1997), Borges e Filgueiras (1995), Castro e Deddeca (1998), Dedecca (1999), Druck (1999), Pochamnn (1999, 2001, 2002), e Borges (2003), que concluem: 1) o fenômeno do desemprego ressurge em grandes proporções, atingindo trabalhadores qualificados e semiqualificados; 2) há forte redução do emprego industrial; 3) a heterogeneidade do mercado de trabalho, com quase a metade dos trabalhadores ocupados no chamado mercado informal, caracterizado pela precariedade do vínculo empregatício, duração irregular da jornada de trabalho, falta de acesso ao sistema de proteção social e pela baixa qualidade e remuneração do trabalho; 4) diminuição do poder dos sindicatos, sobretudo dos mais organizados. Mattoso (1995) e Pochmann (1999a) explicam a queda no emprego industrial em virtude dos seguintes elementos: 1º) a substituição da produção doméstica de bens comercializáveis internacionalmente por importados; 2º) é endógeno ao processo de abertura 107 comercial, repousando nos ganhos de produtividade (derivam, essencialmente, da adoção de novas tecnologias, de inovações nos processos de organização social da produção e da adoção de novas formas de gestão do trabalho) que a indústria de transformação, ao se expor à competição internacional, teve de obter para fazer frente aos concorrentes externos e internos; 3º) o processo de terceirização dos serviços pela indústria que, no contexto de ampla reestruturação, conduz à transferência de postos de trabalho formais, desse setor para o terciário, formal e informal. Pochmann (1997), comparando os indicadores econômicos do Brasil das décadas de 1980 e 1990, observa que, nos anos 90, não há sincronia entre o nível de emprego regular (socialmente protegido) e a evolução do PIB per capita, como havia ocorrido nos anos 80. Esse deslocamento entre a evolução do nível de emprego formal e o comportamento do PIB parece derivar de duas fontes: uma que diz respeito à inexistência de crescimento econômico sustentado e a outra, aos efeitos perversos do Plano Real e das iniciativas de liberação econômica ocorridas no governo Cardoso. Por fim, o mercado de trabalho no Brasil, no período 1993/2001, encolhe e piora de qualidade. Levantamento realizado pelo IBGE, publicado na Folha de São Paulo no Caderno Dinheiro de 13 de Janeiro de 2001, por Chico Santos, mostra que a parcela inativa da força de trabalho19 cresce 11,8%, passando de 39% em 1991 para 43,6% em novembro de 2001. Como conseqüência, a população ativa (ocupada ou procurando trabalho) cai 7,5%, passando de 61%, do contingente com 15 anos ou mais, para 56,4%. Há menos pessoas trabalhando com carteira assinada e a renda média do assalariado cai. Além disso, aumenta o tempo de procura por emprego. Em 1991, o tempo médio de procura por emprego é de 13,31 semanas, cerca de três meses. Em novembro de 2001, passa a ser de 20,55 semanas, quase cinco meses. A Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE indica que em novembro de 2001, em números absolutos, havia 14.265 milhões de pessoas inativas nas regiões metropolitanas de Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. E da população ocupada (17.302 milhões), apenas 7.768 milhões tinham carteira assinada. Os desempregados somavam 1.182 milhão. Para finalizar a discussão sobre o mercado de trabalho no Brasil, estudo recente produzido pelo Secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo, professor Márcio Pochmann (2003), publicado na Folha de S. P., Caderno Dinheiro, 19 Pessoas com 15 anos ou mais que não trabalham nem procuram emprego. Desempregada é a pessoa que está procurando emprego sem achá-lo. 108 em maio de 2003, indica que o trabalho sem renda regular ou empregador definido (consultores, autônomos e cooperados, cuja situação não é prevista na CLT) é o que mais aumenta nos anos 1990. Utilizando dados do IBGE de 1989 a 2001, Pochmann, que classifica essas atividades desenvolvidas por essa categoria de trabalhadores, como “trabalho alegal”, informa que as vagas sobem de 22,8 milhões em 1989 para 31,5 milhões em 2001, portanto há um aumento de 38,16%. Enquanto isso, nesse mesmo período, o número total de trabalhadores assalariados com carteira assinada – trabalho “legal” – cresce apenas 14,35%. E aqueles considerados trabalhadores “ilegais”, que têm renda regular e empregador definido, mas sem carteira assinada, caem 2,13%. O caso da indústria é emblemático, diz o professor Pochmann. O número de trabalhadores assalariados (com ou sem carteira assinada) cai 802,4 mil ao longo da década de 1990. Os não assalariados ou “alegais” sobem para 1,352 milhão. Uma das conseqüências dessa “alegalidade” é que apenas 26,2% do total dos empregados, entre 1998 e 2001, contribuem para a Previdência. Nos mesmos dados publicados pela Folha, Pochmann também informa que quanto maior a escolaridade maior é o desemprego. O saldo de pessoas desempregadas, que têm nove ou mais anos de estudo é de 3,125 milhões nos anos 1990. No caso de quem não tem instrução o número cai para 312,2 mil. Outro aspecto identificado pela Pesquisa Anual de Serviços, divulgada recentemente pelo IBGE, indica que o setor de serviços é o que sustentou o nível de emprego em 2001, gerando 382 mil novos postos de trabalho, significando uma expansão de 6,5% em relação ao ano anterior. Foi também esse setor que pagou melhor, R$ 602,40 em 2001, contra a média nacional de R$ 595,00, de acordo com a PNAD. Dos subsetores, os que mais cresceram, em nível de empregos, foram: correio, transportes e outros serviços (representações comerciais e limpeza urbana). Contudo, os que mais empregam são os serviços prestados às empresas (auditores, segurança e limpeza) e de prestadores de serviço às famílias (restaurantes, hotéis e cabeleireiros). As posições do governo federal, no período 1994/2002, em relação ao desemprego, estão explicitadas nos documentos oficiais e expressas nas políticas neoliberais que estavam sendo implementadas. Dizia o governo, em 1998, que o mercado de trabalho brasileiro passava por grandes transformações nessa década, originárias, de um lado, da reorientação do modelo brasileiro de desenvolvimento que transitou da industrialização protegida para uma economia aberta e competitiva, e de outro, do sucesso, ainda em consolidação, da estabilidade da moeda. A inserção da economia brasileira no processo de 109 globalização trazia substancial impacto sobre os fluxos de comércio e de capitais, sobre a base tecnológica, gerencial e organizacional das empresas brasileiras e sobre o mercado de produção e de trabalho. Portanto, os requisitos para enfrentar a questão do emprego em uma economia aberta e competitiva residiam em: 1) assegurar a estabilidade pelo equacionamento definitivo do déficit público; 2) dar continuidade às mudanças institucionais que deverão gerar poupança e atrair novos investimentos, nacionais e estrangeiros, ao criarem um ambiente e expectativas favoráveis a um ciclo sustentado de crescimento; 3) investir em capital humano, especialmente na educação básica das crianças e dos jovens, e na formação profissional da força de trabalho; 4) reformar as instituições que regulam o funcionamento do mercado de trabalho e os conflitos de natureza econômica entre empregadores e trabalhadores (BRASIL..., 1998). Tudo indica que a situação está se agravando nesse início do novo milênio. Os dados da pesquisa realizada pelo DIEESE e Fundação SEADE, publicados pela Folha de São Paulo em maio de 2003, por Cláudia Rolli, indicam que o desemprego bate recorde na Região Metropolitana de São Paulo, chegando ao maior nível desde 1985, atingindo, no mês de abril de 2003, 20,6% da PEA. Baixo crescimento econômico, juros altos, aumento do superávit para 4,25% e aperto nas contas do governo Luiz Inácio Lula da Silva, com redução de gastos e de investimentos, explicam a piora no emprego, na avaliação de economistas e especialistas em mercado de trabalho. Na avaliação desses especialistas, o ano 2003 está sendo considerado “perdido” para o emprego. Nos anos 90, portanto, o Brasil apresenta sinais de transformações econômicas rápidas e profundas, responsáveis, em grande medida, pelo aparecimento de novos problemas no mercado de trabalho – elevadíssimo desemprego aberto, desassalariamento e geração de postos de trabalho precários, que passam a conviver com os velhos problemas – alta informalidade da mão-de-obra, baixos salários e subemprego, não resolvidos adequadamente. A seguir, passa-se a discutir a questão do emprego e desemprego em nível regional, isto é, na Bahia e, especificamente, na Região Metropolitana de Salvador (RMS). 4. 5 - Mercado de Trabalho na Bahia Borges e Figueiras (1995), Azevedo (1999), Couto e Couto Filho (1999), Borges (1999, 2003), Borges e Druck (2002) indicam que as questões do trabalho e emprego na Bahia refletem, como não poderia deixar de ser, as mudanças em curso na economia mundial e brasileira. Contudo, são marcadas por características estruturais da economia e da população regional que moldam, ao longo das últimas décadas, um mercado de trabalho com as seguintes 110 características: 1) a oferta de mão-de-obra, além de numerosa (a quarta maior do país), é composta por trabalhadores com baixos níveis de escolaridade e insuficiente qualificação profissional; 2) as oportunidades de trabalho e, sobretudo de emprego, são bastante reduzidas frente à magnitude da oferta, além de serem de baixa qualidade; 3) na década de 90 há elevação exponencial das taxas de desemprego de todos os grupos etários e de ambos os sexos. A RMS foi a campeã do desemprego atingindo em 1999, segundo a PNAD, a taxa de 19,2% da PEA, quase 1/5 dos trabalhadores disponíveis; 4) apesar do indicativo de queda, as atividades agrícolas ainda têm grande importância na ocupação de mão-de-obra rural baiana. Contudo, em relação à média da região Nordeste, a desocupação da mão-de-obra agrícola é mais lenta na Bahia em virtude das características do agro baiano que ajudam a manter a produção no campo, apesar do atrasado processo de urbanização estar mais intenso. Azevedo (1999), analisando as mudanças no padrão de ocupação na RMS, chega às seguintes conclusões: 1) a década de 90 se caracteriza por maiores dificuldades na ocupação e menores rendimentos para vários tipos de ocupação; 2) não são significativas as diferenciações entre características do posto de trabalho: tipo, tamanho da empresa e setor de atividades para explicar os movimentos declinantes dos rendimentos médios dos trabalhadores; 3) o grau de escolaridade, tempo de serviço e jornada de trabalho não servem para explicar as diferenças de ganhos; 4) há também uma queda mais do que proporcional dos salários mais altos que dos mais baixos; 5) a redução da concentração de renda deve-se, portanto, mais ao empobrecimento dos que ganham relativamente mais, que à melhoria de renda dos que ganham menos; 6) do ponto de vista social, há pouca alteração das condições de discriminação previamente estabelecidas no mercado de trabalho da RMS – negros e não-negros ocupados. O estudo de Azevedo (1999) também revela o aumento da precariedade nas relações de trabalho em geral, com a expansão dos postos ocupados por assalariados sem carteira assinada, ao tempo em que declina a participação dos assalariados com carteira e os por conta-própria. A ampliação da participação dos microempresários na ocupação total da RMS é outra constatação do estudo. Do ponto de vista da composição do mercado de trabalho por tipo de ocupação, Azevedo (1999) conclui que houve aumento das ocupações hierarquicamente superiores, uma redução das ocupações diretamente ligadas à produção, especialmente à transformação industrial e à expansão das atividades de serviços em todos os grupos ocupacionais estudados. Evidencia também o aumento no grau de escolaridade dos ocupados e o crescimento da parcela com mais de dez anos de serviço, indicando que os processos de ajuste recaíram de forma distinta sobre os trabalhadores que possuem diferentes níveis de conhecimento. 111 Borges e Filgueiras (1995), analisando os dados referentes ao mercado de trabalho da Região Metropolitana de Salvador, nos anos 80, do século passado, informam que esse período se caracteriza pela expansão desse mercado, quando há ampliação de vagas de postos de trabalho na indústria, no comércio e, principalmente, nos serviços. Tudo indica que isso só foi possível pela implantação do Pólo Petroquímico, que movimentou um expressivo volume de investimentos e pelo expressivo número de contratações realizadas pela administração pública, particularmente na primeira metade da década. Contudo, alguns problemas que já se faziam sentir no mercado de trabalho de outras regiões começam a aparecer na RMS: a oferta de força de trabalho é superior a essa expansão, o que acaba implicando em aumento do desemprego. Segundo Borges (2003), as transformações ocorridas no mercado de trabalho na RMS, na década de 1990, atingem desigualmente os diversos segmentos de trabalhadores: tanto os segmentos mais situados (homens, adultos e os de elevada escolaridade) quanto os segmentos historicamente em situação de desvantagem (mulheres, jovens e os menos escolarizados) como originou novos tipos de pobreza. Com base em informações da Pesquisa Emprego e Desemprego (PED),20 Carvalho, Almeida e Azevedo (2001a) indicam que há redução de postos de trabalho na Região Metropolitana de Salvador nos seguintes setores: a) naqueles que experimentam uma intensa renovação tecnológica e organizacional ou são objetos de privatizações, como a indústria petroquímica e outros ramos da indústria de transformação; b) nos serviços creditícios e financeiros; e c) nos serviços de utilidade pública. A construção civil também reduz postos de trabalho pelas dificuldades de financiamento e a restrição dos investimentos em obras públicas. Surpreendentemente, há também redução nos postos de trabalho no setor de serviços pessoais. Não se sabe até que ponto esse fenômeno, que contraria as expectativas e formulações de vários outros autores, representa ou não uma especificidade da RMS. Como explicação, os autores levantam a hipótese da aceleração do progresso técnico e da concentração em estabelecimentos modernos de alguns desses serviços, com a expansão da rede de franquias, paralelamente ao auto-serviço na área de higiene pessoal (principal segundo setor), tanto em decorrência de seu encarecimento, após Plano Real, como da mudança de certos hábitos entre a população. 20 Efetuada em cinco metrópoles brasileiras, que na Região Metropolitana de Salvador é realizada pela Faculdade de Ciências Econômicas/UFBA em convênio com o Governo do Estado através da SEPLANTEC, o DIEESE e a Fundação SEAD de São Paulo. As informações da PED utilizadas nesse trabalho referem-se as amostras agregadas de 1986/87 e 1996/91. 112 Concomitante à redução da ocupação nos setores acima indicados, há expansão em outros segmentos dos serviços: administração de imóveis (incremento das ocupações em condomínio e necessidade de maior segurança em habitações coletivas), serviços especializados (com o crescimento da terceirização e da demanda de novos serviços qualificados como: consultoria, contabilidade, informática etc), serviços auxiliares (relacionados ao trabalho de escritórios e de firmas comerciais), atividades de vigilância, limpeza e reparação ou manutenção mecânicas (objeto de intensa terceirização), serviços de comunicação e diversão e, nas áreas sociais de educação, saúde, e serviços comunitários. Essa terciarização nova na economia da RMS se faz num contexto de “reengenharia”, “downsizing” e “flexibilização” crescente do trabalho (CARVALHO; ALMEIDA; AZEVEDO, 2001a, p. 105). Como já indicavam Borges e Filgueiras (1995), a redução do quadro de pessoal atinge todos os setores de atividade, com o avanço do processo de terceirização, precarização dos vínculos empregatícios, queda dos rendimentos e uma deterioração das condições de trabalho. Apenas na administração pública, em que os empregados estão protegidos pelo estatuto da estabilidade, o ajuste vem se dando por uma drástica redução dos salários reais e pelo uso crescente de estagiários. Registra-se também, em Salvador, uma prática comum em outras regiões do país e do mundo, qual seja a substituição de trabalhadores de mais baixa escolarização por outros mais escolarizados para ocupar o mesmo posto de trabalho. Outro aspecto relevante, constatado por Carvalho, Almeida e Azevedo (2001a) é que uma parcela importante da expansão da ocupação na RMS se deve ao crescimento do trabalho precário e por conta própria, denominado pelos autores de “informais incluídos”, que acabam por se constituir em características estruturantes desse mercado de trabalho. Já naquela época, a RMS era detentora dos piores indicadores de desemprego do país. As informações sobre o mercado de trabalho na RMS, nos anos 1990, apresentam algumas características particulares. Borges e Guimarães (1997), informam que foi registrado o maior incremento relativo do número de ocupados, dentre as demais regiões metropolitanas do país, com crescimento de 18,5% do estoque de ocupados e uma taxa de crescimento de 5,8% ªª entre 1992 e 1995. Constatam também uma redução na taxa de desocupados, mas ainda é a mais elevada dentre todas as regiões metropolitanas onde há Pesquisa Nacional por Amostras Domicílios (PNAD). As autoras concluem o estudo afirmando que: a) os excedentes estruturais de força de trabalho insistem em manter um comportamento de ampliação, apesar da significativa redução da taxa de crescimento da população da RMS (de 3,19% ª ª na década de 80, passa para 1,68% no período entre 1991 e 1996); b) o comportamento da PEA também evidencia um movimento de expansão da oferta de força de trabalho. De 1992 a 1995 113 a PEA cresce 5% ªª, o que significa mais 176 mil trabalhadores no mercado de trabalho da região, explicado, tanto pelas mudanças na estrutura etária quanto pelo aumento das taxas de participação das mulheres adultas, crianças, adolescente e jovens dos dois sexos. As autoras chamam atenção para o fato de que essa expansão da oferta de força de trabalho defronta-se com uma economia que a muito se mostra incapaz de responder aos sinais emitidos por essa oferta, na direção de garantir baixas taxas de desemprego/desocupação. Os números produzidos pela PED, a partir de 1996, evidenciam que a taxa de desemprego/desocupação na RMS é a mais elevada dentre as demais regiões metropolitanas. Os fatores que contribuem para determinar essa característica do mercado de trabalho, afirmam Borges e Guimarães (1997), são vários, dentre os quais se destacam: 1) a posição periférica da economia baiana 2) o perfil da indústria instalada, altamente centrada em ramos de capital intensivo, e a forte concentração de renda existente na região. Acrescentam ainda, que em função da reestruturação produtiva e a abertura econômica desde o início dos anos 90, tornou-se ainda mais débil a capacidade da economia da RMS gerar empregos, principalmente empregos de qualidade. Estudo comparativo entre os períodos 1987/89 e de outubro de 1996 a março de 1999, com informações também produzidas pela PED, conclui que a ampla incorporação de força de trabalho pelo setor de Prestação de Serviços (67,3% da ocupação), com prevalência das relações de trabalho caracterizadas como informais, e a relevância dos trabalhadores autônomos (23,7%), são indicadores da precariedade do emprego na Região (BRAGA; FERNANDES, 1999 apud SOUZA; RODARTE; FILGUEIRAS, 2002). Estudo realizado por Borges e Druck (2002) sobre o processo de terceirização na Bahia, nos últimos dez anos, que analisa dados globais do mercado de trabalho da Região Metropolitana de Salvador (RMS), mostra que durante os anos de 1990, se reproduziram, nessa região os mesmos processos observados no conjunto do país e em quase todos os mercados de trabalho regionais, ou seja: [...] elevação exponencial do desemprego aberto, aumento do contingente de ocupados com vínculos empregatícios precários e o correspondente aumento da desproteção social. Simultaneamente, e como parte dessas transformações, identificaram o aumento da parcela de ocupados nas atividades de Serviços – terciarização da economia. [...] a taxa de desemprego aberto21 (a mais elevada dentre todas as taxas metropolitanas) dispara de 11,8% para 19,2%, segundo a PNAD, ultrapassando a marca dos 40% entre jovens de 15 a 19 anos e de 27,1% no grupo etário seguinte (20 a 24 anos) (BORGES; DRUCK, 2002, p. 126). 21 Situação das pessoas de 10 anos ou mais que não estão alocadas no mercado de trabalho e apresentaram, efetivamente, procura de emprego ou trabalho nos 30 dias anteriores ao da entrevista. 114 Esse processo de “exclusão” do mercado de trabalho, explicitado nas taxas de desemprego, foi acompanhado pela precarização dos vínculos e dos postos de trabalho dos “incluídos” por esse mercado – os ocupados. Dessa forma, explicam as mesmas autoras: [...] entre 1992 e 1999, segundo ainda dados da PNAD, a proporção de ocupados na posição de “empregado” caiu de 61,4% para 58,3%, sendo que, nas atividades do setor secundário (Indústria de Transformação, Construção Civil e outras Atividades Industriais), o contingente de “empregados” sofreu redução absoluta. Em contrapartida, aumentaram as ocupações nas atividades de: “trabalhadores domésticos” (9,1% para 10,1%), “empreendedores” (de 2,8% para 4%) e de “não remunerados” (de 2,8% para 3,4%). Curiosamente – e diferentemente de outras regiões metropolitanas, a categoria dos trabalhadores por “Conta Própria” mantevese estável no conjunto dos ocupados, o que revela a existência de limites à expansão de atividades organizadas sob a forma de trabalho autônomo ou de pequenos negócios familiares na RMS (BORGES; DRUCK, 2002, p. 126127). Portanto, o estudo revela que o processo de precarização das condições de inserção no mercado de trabalho na RMS vai se dar, majoritariamente, através da precarização do emprego, que ocorre de diversas formas. A desproteção social do vínculo empregatício, representada nas estatísticas do mercado de trabalho pela categoria “Empregado sem carteira assinada” (ESC), torna-se a principal forma dessa precarização. Borges e Druck (2002) informam ainda que: Nos anos 1990, essa categoria passou de 12,4% para 16,4% e, aparentemente, respondeu por todo o aumento do número de postos de trabalho assalariados no setor privado da economia regional, uma vez que o número de empregados, com vínculo protegido pela CLT, caiu em termos absolutos. Entre 1992 e 1999 o único tipo de vínculo protegido que se expandiu foi o de “Funcionário Público”, que compensou parte das perdas de vínculos pela CLT. Em síntese, no período considerado, nada menos que 87,5% do total de empregos gerados foram “Sem Carteira” e 38,1% correspondeu a vínculos estruturais no serviço público. As perdas da categoria “Empregados com carteira assinada” (ECC) equivaleram a cerca de 25% do incremento do emprego no período e a 4,9% do estoque dessa categoria em 1992 (BORGES; DRUCK, 2002, p. 127). As atividades mais fortemente afetadas pelo processo de terceirização na região são as seguintes: “Serviços Auxiliares de Atividades Econômicas”, “Indústria de Transformação”, “Construção Civil” e “Atividades Sociais”. Além do desassalariamento, todos os setores de atividade (com exceção da Prestação de Serviços) sofrem uma redução acentuada dos contingentes de trabalhadores com emprego com carteira assinada (ECC) (BORGES; DRUCK, 2002). As informações da RAIS, coletadas e sistematizadas pelo Ministério do Trabalho, entre 1989 e 1999, mostram que: 115 [...] a Indústria de Transformação da RMS reduziu em 28 mil o seu número de postos de trabalho, equivalentes a cerca de 40% do estoque existente no início do período. Tamanha destruição de postos de trabalho, obviamente, não pode ser creditada, toda ela, ao processo de terceirização: é o resultado final de uma reestruturação produtiva que, tendo na terceirização o seu eixo, constituiu-se em um ajuste das empresas ao contexto macroeconômico revolucionado pela abertura da economia e marcado, pela incerteza e por taxas de crescimento muito baixas (BORGES; DRUCK, 2002, p. 129-130). As mesmas autoras, ainda, informam: [...] nos anos 90, o mercado de trabalho da RMS foi negativamente afetado pelo processo de terceirização, e que esse impacto aparece em dois movimentos: um que transfere trabalhadores das grandes para as pequenas empresas ou para a informalidade, e que é acompanhado de uma elevação do desemprego; outro, que leva à deterioração dos postos de trabalho restantes nas grandes empresas. [...] A perda do emprego, ou a perda de uma inserção estável no emprego, cria uma condição de insegurança e um modo de vida e de trabalho precários, nos planos objetivo e subjetivo, levando à ruptura dos laços e dos vínculos, tornando os trabalhadores vulneráveis e colocando-os numa condição social fragilizada, mais expostos à “desfiliação” social (BORGES; DRUCK, 2002, p. 135-138). Nesse balanço da terceirização na Bahia, na última década do século XX, as autoras concluem que a terceirização: [...] é uma das expressões mais significativas do processo de flexibilização do trabalho e de sua conseqüência principal: a precarização. São homens e mulheres “que-vivem-do-trabalho” e que se tornaram cada vez mais descartáveis, flexíveis (adaptáveis) ou jogados a uma condição de “subemprego”. A terceirização se generalizou, difundindo-se para todo o tipo de atividade, e levou consigo – como marca fundamental – a perda de direitos, a instabilidade e a insegurança dos trabalhadores. De acordo com Bourdieu (1998): A precariedade está hoje por toda parte e a flexibilidade é uma “estratégia de precarização” inspirada por razões econômicas e políticas e produto de uma “vontade política” e não de uma “fatalidade econômica”, que seria dada pela mundialização (BORGES; DRUCK, 2002, p. 136). Quanto à participação das mulheres no mercado de trabalho, existe um certo consenso entre os estudiosos: o aumento dessa participação ocorreu em todas as regiões do mundo de forma intensa e diversificada nos últimos anos, constituindo-se em um dos mais importantes acontecimentos do século XX, na medida em que redesenhou completamente os contornos desses mercados. Estudo sobre a ocupação das mulheres no mercado de trabalho na RMS, na segunda metade dos anos de 1990, conclui que as mudanças ocorridas na economia brasileira, a partir dos anos 80 e início dos anos 90, impactam, de forma diferenciada, o modo e as características da inserção de homens e mulheres no mercado de trabalho, implicando uma redução das assimetrias estruturais entre gêneros, previamente existentes. Essa diminuição das desigualdades se faz tanto em virtude da precarização da inserção masculina no mercado quanto de uma melhoria geral da inserção feminina, proporcionada, por exemplo, pela 116 elevação da sua escolaridade média. O estudo evidencia uma tendência de aproximação das condições que homens e mulheres enfrentam no mercado de trabalho, que não resulta da melhora dessas condições, ao contrário, deriva de uma piora generalizada de tais condições, as quais se expressam numa crescente flexibilização dos vínculos empregatícios e formais, bem como na elevação das taxas de desemprego (SOUZA; RODARTE; FILGUEIRAS, 2002). Entre os anos de 1997 e 2001, a PEA da RMS cresce cerca de 15,8% e o desemprego salta, nesse mesmo período, de 21,6% para 27,5%, sendo que a forma de desemprego que mais se manifesta é o desemprego aberto que atinge 172 mil pessoas em 1997, e em 2001 aumenta para 262 mil desempregados. O desemprego oculto22 também assume dimensões significativas, sendo que a parcela que mais cresce é a de indivíduos classificados como desempregados ocultos por trabalho precário (54,2%), saltando de 83 mil pessoas para 128 mil, menos expressivo que o verificado para a parcela dos desalentados23 que salta de 44 mil para 50 mil, implicando uma variação percentual de 13,6% (SOUZA, 2003). Borges (2003), em estudo recente, mostra a radicalidade do processo de desestruturação do mercado de trabalho da RMS, evidenciando suas conseqüências sociais mais danosas e não tão visíveis, quanto à ampliação do contingente de desempregados, segmentos de trabalhadores mais desprotegidos e socialmente vulneráveis. A autora informa que, no início de 1990, quando o governo brasileiro muda seu modelo de desenvolvimento, [...] a maioria (77,3%) dos trabalhadores da RMS já dependia de um emprego – qualquer um – para ter acesso aos meios de subsistência. [...] a quase estagnação dos estoques de vagas no núcleo do mercado de trabalho e a precarização de boa parte dos empregos existentes não foram compensados por uma expansão virtuosa do trabalho autônomo e dos pequenos negócios mostrando os estreitos limites do empreendedorismo -, nem mesmo tiveram seus efeitos muito atenuados pelo crescimento de postos de trabalho precários e mal remunerados fora do núcleo - mostrando os limites do “informal”. Em conseqüência, explodiram as taxas de desemprego e aumentou, ao invés de diminuir, a proporção da PEA - 78,2% - cuja sobrevivência depende de um emprego. Isto significa que, na RMS, o movimento de desconstrução do assalariamento – através da precarização e descaracterização do vínculo empregatício - também resultou incompleto, revelando que mesmo em uma economia periférica, relativamente pouco estruturada e com parcelas ainda significativas das suas atividades organizadas fora do padrão capitalista, a própria dinâmica da acumulação de capital já não permite um recuo em massa às formas não assalariadas do passado (BORGES, 2003, p. 337-338). 22 Diz respeito ao conjunto dos indivíduos de 10 anos ou mais que, simultaneamente à procura por um posto de trabalho, realizam trabalhos remunerados descontínuos e irregulares ou trabalhos não-remunerados na ajuda a negócios de parentes. 23 Contingente de pessoas de 10 anos ou mais, sem trabalho e com disposição e disponibilidade para trabalhar. Não procuraram colocação no mercado de trabalho nos últimos 30 dias, devido às dificuldades em conseguir emprego ou por motivos pessoais – doença, problemas familiares ou falta de dinheiro – mas o fizeram nos últimos 12 meses. 117 A autora conclui seu estudo sobre a desestruturação do “núcleo duro” do mercado de trabalho na RMS, na década de 1990, revelando que: a) o desemprego atinge os diversos segmentos que compõem o mercado de trabalho “amplo” tornando mais difícil a delimitação desse núcleo, pois na análise do segmento não estruturado, constatou a expansão do emprego precário em estabelecimentos de maior porte e observou também o desassalariamento de segmentos qualificados da força de trabalho regional. Essas transformações reforçaram e redefiniram, de um lado, o papel desempenhado pelas atividades organizadas de forma não especificamente capitalistas de acumulação, que passaram a abarcar novos espaços e segmentos de trabalhadores até então situados no núcleo do mercado de trabalho regional; de outro, não identificou a possibilidade da experiência bem-sucedida de trabalhadores que compõem o “novo informal” se alargar a ponto de reconfigurá-lo completamente; b) as transformações foram socialmente construídas e evidenciaram duas questões: a) o papel desempenhado pelas políticas públicas no processo de desestruturação do núcleo duro desse mercado foi decisivo; b) a distribuição desigual do ônus dessa desestruturação. Portanto, negam o economicismo estreito que explica a existência do mercado de trabalho, assim como seu funcionamento por variáveis unicamente econômicas, cujos desequilíbrios resultariam de variáveis exógenas ao mercado de trabalho; c) as transformações atingiram também segmentos antes protegidos dos riscos desse mercado, redefinindo o perfil dos contingentes em condição de vulnerabilidade social e estabelecendo novas clivagens entre os trabalhadores; d) é impossível sustentar a tese de que a escolaridade constitui-se em um divisor de águas entre excluídos e incluídos no mercado de trabalho, embora exista uma correlação positiva entre as chances de inserção no núcleo duro e os níveis de escolaridade. A Bahia, assim como outros estados do Brasil, têm que enfrentar alguns desafios nesse novo milênio. Borges (1999), indica quatro grandes desafios: 1) assegurar oportunidades de acesso ao trabalho ao contingente de trabalhadores urbanos historicamente excluídos; 2) reincorporar os segmentos de trabalhadores expulsos das atividades empresariais afetadas pela reestruturação produtiva; 3) encontrar alternativas de trabalho e renda para os trabalhadores autônomos e proprietários de pequenos negócios, atingidos pelos ajustes macroeconômicos; e 4) garantir condições de inserção às gerações de trabalhadores que compõem a “onda jovem” que estão chegando ao mercado de trabalho. Trata-se de desafios de grandes proporções, ampliados pela baixa escolaridade e desqualificação desses trabalhadores. À Bahia, particularmente, acrescenta-se a decadência das 118 atividades agrícolas tradicionais em todo o Estado, responsáveis pela sobrevivência de largos contingentes de sua numerosa população rural. A partir dos estudos analisados e apresentados, pode-se constatar que existe um quadro de agravamento no mercado de trabalho no país e na Bahia, na década de 1990, impondo uma cruel conclusão: interrompe-se o débil processo de estruturação do mercado de trabalho e de crescimento do número de pessoas ocupadas. Interrupção esta que se processa por conta do processo de mudança por que passa a economia brasileira na última década do século XX, considerando-se tanto aquelas que surgem a partir das próprias transformações do capital em escala mundial (globalização, reestruturação produtiva e neoliberalismo) quanto aquelas associadas ao comportamento da economia brasileira, caracterizado por oscilações muito expressivas no nível da atividade econômica. Simultaneamente, e como contraponto desse processo, intensificam-se, no mercado de trabalho da RMS, os movimentos que se processam no mercado de trabalho brasileiro de uma forma geral, os quais revelam o atraso da sociedade e expõem os elementos negativos do modelo de desenvolvimento do Brasil, dentre os quais se pode destacar: o desemprego disfarçado, o emprego precário, a desproteção social, a insegurança e a exclusão de extensa parcela de trabalhadores. Portanto, nos anos 90 do século passado, o Brasil apresenta sinais de transformações econômicas rápidas e profundas, responsáveis, em grande medida, pelo aparecimento de novos problemas no mercado de trabalho, que passam a conviver com os velhos problemas existentes. Assim, em decorrência dos processos de globalização, reestruturação produtiva, terceirização etc, expressos através das políticas neoliberais, a economia brasileira e baiana perdem dinamismo na geração de empregos, e uma parte substancial dos empregos criados é de baixa qualidade. A crise do emprego no final do século XX e início do atual não é irreversível nem inevitável. Ela tem implicações diretas que decorrem do processo dominante de globalização financeira e da adoção generalizada das políticas neoliberais. A instabilidade no mundo do trabalho, a precarização das condições e relações de trabalho e a permanência de elevadas taxas de desemprego devem ser referidas ao movimento do capitalismo contemporâneo, que ocorre desprovido de uma coordenação favorável à produção e ao emprego para todos os principais países avançados e, especialmente, para os países considerados subdesenvolvidos, como é o caso do Brasil. 119 5. PLANFOR: POLÍTICA DE EMPREGO E RENDA? Neste capítulo faz-se uma análise do conteúdo dos documentos oficiais, nacionais e estaduais do PLANFOR, evidenciando as contradições internas e externas do Programa, isto é, indicam-se os significados e implicações dos seus supostos e diretrizes em relação às estratégias de qualificação profissional do trabalhador, assim como, aponta-se a coerência ou não de seus supostos e diretrizes em relação ao planejamento e a gestão do PLANFOR/BA. Além disso, analisam-se os dados empíricos coletados através da Avaliação Externa, realizada pela Faculdade de Educação da UFBA, no período 1996/2001, relativa a quatro dimensões: 1) focalização no mercado de trabalho; 2) focalização no público-alvo; 3) avaliação realizada pelos egressos dos cursos de qualificação; e 4) efetividade do PLANFOR/BA, isto é, resultados da qualificação em relação ao público-alvo do Programa, no sentido de subsidiar a resposta à pergunta formulada neste estudo: O Plano Estadual de Qualificação Profissional do Trabalhador – PLANFOR/BA – é uma política de emprego e renda no Brasil dos anos 90? 5.1 – PLANFOR Nacional Neste item, analisam-se os documentos oficiais nacionais, os produzidos pela Secretaria do Trabalho do Estado da Bahia, assim como os Relatórios da Avaliação Externa do PLANFOR elaborados pela Faculdade de Educação da UFBA. Neste estudo foram analisados os dois Guias do PLANFOR: o de diretrizes e o de orientação à avaliação externa; as publicações tanto de teor mais conceitual quanto as de análise e avaliação do próprio Programa. 5.1.1 - Guia do PLANFOR Analisa-se inicialmente o Guia do PLANFOR24 por ser o documento que contém a parte conceitual do Programa. Divide-se a análise do Guia em duas partes: na primeira, trata-se dos seguintes aspectos: a) Informações Gerais; b) Objetivos e Diretrizes; c) Distribuição dos Recursos Financeiros e Cálculo dos Custos de Qualificação; d) Estratégias de Ação e PúblicoAlvo do Programa; e) Entidades Executoras dos Cursos de Qualificação; f) Acompanhamento e Supervisão. Na segunda, comenta-se a Política de Trabalho e Renda do Ministério. O Guia 24 Trabalha-se com as duas versões do Guia: uma publicada em março de 1999 e a outra em abril de 2000; por isso, ora indica-se o Guia de 1999, ora o de 2000. 120 ainda contém uma série de anexos, mas não justifica nenhuma análise, pois são orientações às Secretarias do Trabalho. PARTE I A) Informações Gerais O Guia do PLANFOR é um documento da Secretaria de Políticas Públicas de Emprego (SPPE) do Ministério do Trabalho que reúne, revê e atualiza o conjunto de diretrizes, orientações e conceitos disseminados e aprimorados desde 1995, abrangendo os dois mecanismos de implementação do PLANFOR: os Planos Estaduais de Qualificação25 (PEQs) e as Parcerias Nacionais e Regionais26 (PARCs). O PLANFOR é um dos mecanismos da Política Pública de Trabalho e Renda (PPTR)27 do governo Cardoso, financiado pelo FAT, que investe em políticas “ativas” e “passivas” de trabalho, isto é, em ações destinadas a gerar trabalho e renda, melhorar as condições de acesso ou permanência no mercado de trabalho e proteger a pessoa desempregada. Assim, o FAT financia mecanismos como o seguro-desemprego, a intermediação de mão-de-obra, o pagamento de abonos salariais, os investimentos produtivos, o crédito popular, as informações sobre o mercado de trabalho e a qualificação profissional. Considerado pelo governo como um mecanismo de política pública, o PLANFOR é também orientado pelas diretrizes do governo federal que, no período 1995/98, prioriza o Programa Mãos à Obra e nos anos 1999/2002, o Avança Brasil. Por isso, o PLANFOR é projeto prioritário do governo, inserido no Plano Plurianual de Investimentos (PPI) 2000/2003. O referido documento retoma as determinações do CODEFAT e as orientações técnicas do Ministério do Trabalho e Emprego através da Secretaria de Políticas Públicas de 25 Contemplam projetos e ações de EP circunscritos a uma unidade federativa, executados sob gestão da Secretaria Estadual de Trabalho ou sua equivalente, com aprovação e homologação obrigatórias da Comissão Estadual de Emprego. Resolução 194/98 – CODEFAT, set/1998, Art. 3º § 1º. 26 As Parcerias contemplam projetos e ações de EP, em especial nas seguintes dimensões: formação de formadores, gestores e avaliadores em EP, capacitação de membros das CMEs e CEEs, desenvolvimento, produção, experimentação e avaliação de metodologias etc. em caráter complementar aos Planos de Qualificação Profissional. Resolução 194/98 – CODEFAT, set/1998, Art. 3º § 3. A relação é direta com o MTE e foram avaliadas pela UNITRABALHO. Para efeito dos objetivos desta Tese, não foram analisadas as Parcerias Nacionais e Regionais, assim como os programas de intermediação da mão-de-obra, a não ser quando a intermediação foi realizada pelas entidades que executaram o PLANFOR. 27 A discussão sobre políticas públicas de trabalho e renda (PPTR) foi realizada no capítulo 3 - Políticas Públicas. 121 Emprego (SPPE), em especial as Resoluções 194/98 e 223/98 do CODEFAT, que estabelecem definições, normas e parâmetros para ações de qualificação profissional com recursos do FAT. O objeto do PLANFOR é a educação profissional com foco na demanda do mercado de trabalho e no perfil da população-alvo, orientada pela efetiva demanda do setor produtivo, reunindo interesses dos trabalhadores, empresários e comunidades. É considerada uma política complementar à educação básica (ensino fundamental e médio), devendo contemplar o desenvolvimento integrado das habilidades básicas, específicas e de gestão do trabalhador por meio de cursos, treinamentos, assessorias, assistência técnica, extensão e outras ações presenciais ou a distância. Deve também ser capaz de atender à diversidade social, econômica e regional da PEA, promovendo a igualdade de oportunidades nos programas de qualificação profissional e no acesso ao mercado de trabalho. Por fim, deve evitar duas questões: 1) o viés da oferta, isto é, ter como ponto de partida o estoque de cursos disponíveis nas instituições; 2) e o viés assistencialista. B) Objetivos e Diretrizes O objetivo do PLANFOR é: Construir, gradativamente, oferta de EP (Educação Profissional) permanente, com foco na demanda do mercado de trabalho, de modo a qualificar ou requalificar, a cada ano, articulado à capacidade e competência nessa área, pelo menos 20% da PEA (População Economicamente Ativa) que soma hoje, no Brasil, 71 milhões de trabalhadores do setor formal e informal (BRASIL..., 1999, p.6). Segundo o Guia, o PLANFOR visa contribuir para: 1) reduzir o desemprego e o subemprego da PEA; 2) combater a pobreza e a desigualdade social; 3) elevar a produtividade, a qualidade e a competitividade do setor produtivo. Contudo, o Guia de 2000 diz que: Qualificação profissional, em si e por si mesma, não gera trabalho, não eleva a renda, não faz justiça social e nem eleva a produtividade. Mas é ferramenta indispensável nesse processo, integrada a outros mecanismos da PPTR, em especial o seguro-desemprego, intermediação de mão-de-obra, crédito popular e demais programas de geração de trabalho e renda financiados pelo FAT ou outros fundos públicos (BRASIL..., 2000, p. 7). Além disso, o Ministério considera o encaminhamento e colocação28 no mercado de trabalho como etapa final e necessária das ações de qualificação profissional. 28 A colocação que o Ministério se refere é para trabalho temporário, associativo, cooperado, autônomo, autogerido etc. 122 O conteúdo desse discurso do Ministério traz, em si, uma primeira tensão na medida em que o PLANFOR é proposto como uma política de combate ao desemprego e ao subemprego, mas a qualificação em si não gera emprego nem renda. O próprio governo federal, analisando a questão do emprego no Brasil, afirma que: A melhor política de emprego é o crescimento econômico sustentado. Para tal, é essencial a conquista definitiva da estabilidade. Com inflação, o crescimento tem fôlego curto. As reformas administrativa, previdenciária e tributária visam a erradicar as causas primárias da inflação que estão associadas ao equacionamento do déficit público. É essencial, portanto manter a orientação atual da política macroeconômica, pois ela constitui o pilar sobre o qual se assentam as possibilidades de um crescimento econômico sustentável (BRASIL..., 1998, p.34). Essa primeira tensão no discurso do governo constitui-se em um dos elementoschave desta tese, a partir do qual se analisa se o PLANFOR se constitui em uma política de emprego e renda e se há compatibilidade entre a política macroeconômica do governo federal e as diretrizes e objetivos do PLANFOR. Quando o governo federal expressa sua política de desenvolvimento, reafirma sua política macroeconômica, dizendo o seguinte: A geração de empregos depende do crescimento econômico sustentado, que por sua vez, só pode ocorrer com a estabilidade da moeda. A melhor política de emprego é, por conseguinte, o desenvolvimento econômico em um ambiente não inflacionário e institucionalmente favorável à expansão dos investimentos públicos e privados. O mercado, porém, não tem condições de fazer tudo sozinho. A prosperidade econômica é condição essencial, mas não suficiente para promover o emprego. Governo e sociedade, em parceria, podem conceber e implementar políticas que gerem estímulos à criação de empregos e permitam aos empregados manterem-se em seus postos de trabalho (BRASIL..., 1998, p.36). O reconhecimento por parte do governo de que a geração de empregos depende do crescimento econômico, ou seja, esta é a condição fundamental para a criação e/ou crescimento dos empregos, expresso no discurso oficial, indica a compreensão do próprio governo das parcas possibilidades de uma prática de qualificação, a exemplo do PLANFOR, criar empregos ou se constituir numa política pública de emprego. Mesmo que se considere que o governo e a sociedade possam implementar políticas que estimulem a criação de emprego, a questão permanece: a qualificação profissional proposta no PLANFOR consegue cumprir esse papel? Tomando-se como base o quadro do emprego no final do período analisado, os dados indicam o fracasso do “estímulo” que o PLANFOR poderia realizar. Assim, os dados da CAGED29 de dezembro de 2000 indicam que em nível de Brasil são admitidos 631.029 29 Cf. www.mtb.gov.br/sppe/caged/esta/2000/est1200/tab1.htm 123 trabalhadores e desligados de seus empregos 856.818, produzindo um saldo negativo de 225.789 desempregados. No Nordeste, o saldo negativo é de 16.335 e, na Bahia, é de 6.479. No Sudeste é de 122.926 e, em São Paulo de 76.132. Os setores que mais demitem e têm saldo negativo nesse mesmo período são: indústria (68.179), serviços (39.925), construção civil (35.199) e comércio (6.221). Outros elementos são identificados no discurso do Ministério, como, por exemplo, quando ele se pergunta: Adianta qualificar se não existe emprego? A resposta do Ministério é a seguinte: O trabalho vem mudando tanto que alguns tendem a achar que “desapareceu”. Entretanto, tem ressurgido sob diferentes formas: temporário, associativo, cooperado, autônomo, autogerido. A maioria dessas novas formas é erroneamente rotulada de “informal”, precária, de baixa qualidade Mas, já se começa a reconhecer que há dinamismo, geração de renda e melhoria de qualidade de vida associada a essas novas formas de inserção no mercado de trabalho. O PLANFOR trabalha com uma visão ampliada de “trabalho”, que abrange muito mais que empregos assalariados, com carteira assinada, do setor formal, urbano, industrial. Qualificação e intermediação profissional têm que estar pensadas também para essas novas formas de trabalho. Dessa perspectiva, encaminhamento ao mercado de trabalho deve ser entendido não apenas como colocação em empregos formais, mas encaminhamento para todas as formas de trabalho e geração de renda existentes na comunidade: estágios, associações, cooperativas, formação de micro empreendimentos (BRASIL..., 2000, p. 8). Sobre essa “nova informalidade”, pesquisas de vários autores (ANTUNES, 1999, 2002; BORGES, 1999, 2003; BORGES; DRUCK, 1993, 2002; DEDECCA, 1996, 1998, DIEESE, 1994; DRUCK, 1994, 1999, 2000, 2001; FILGUEIRAS, 1997, 1998; CARVALHO et al, 2001; FILGUEIRAS et al, 2003, 2004; FRIGOTTO, 1999), invariavelmente, demonstram o grau de precarização do trabalho nessas atividades. Essa precarização se expressa nos rendimentos irregulares, na total desproteção social e trabalhista. É nesta questão que se identifica a segunda tensão na concepção do PLANFOR, pois o Programa é produzido e implementado para combater o desemprego e o subemprego. Contudo, a qualificação e a intermediação propostas devem ser pensadas para as “novas formas” de trabalho. Com relação às “novas formas de trabalho”, mostra-se que quase a metade dos trabalhadores brasileiros está trabalhando no chamado mercado informal, caracterizado pela precariedade do vínculo empregatício, duração irregular da jornada de trabalho, falta de acesso ao sistema de proteção social e pela baixa qualidade e remuneração do trabalho. Portanto, quando o PLANFOR se propõe qualificar os trabalhadores para as “novas formas” de trabalho está indicando como opções a ocupação no mercado informal, isto é, trabalho de tempo parcial, contratos por tempo determinado, trabalho temporário e em domicílio, subcontratação e outros. Essa é a qualificação profissional para a empregabilidade proposta pelo Ministério. 124 A meta global do PLANFOR é construir, a médio e longo prazos, oferta de educação profissional suficiente para qualificar, a cada ano, pelo menos 20% da PEA,30 que significava, em números de 2000, 15 milhões de pessoas. O Ministério entende essa meta como o piso mínimo para garantir, de cinco em cinco anos, uma chance de atualização profissional para cada trabalhador. A estratégia de implantação do PLANFOR, desde 1995, é estruturada em três linhas de atuação: 1) avanço conceitual; 2) articulação institucional; 3) apoio à sociedade civil. Assim, para qualificar 20% da PEA é necessário articular a capacidade e competência da Rede de Educação Profissional (REP) do país, pois os recursos do FAT não são suficientes para financiar essa meta. O FAT prioriza a qualificação profissional em dois focos prioritários: 1) grupos vulneráveis com dificuldades de acesso a alternativas de qualificação; 2) “alavancar” ou “catalisar” recursos de parcerias com o setor público e/ou privado, para ampliar o raio de cobertura do PLANFOR. Para se ter uma idéia da dimensão do crescimento da Rede de Educação Profissional (REP), em 1995 eram 500 entidades, em 1999 chega a 1.600 e em 2000 já estão cadastradas 15 mil entidades em todo o país. Além disso, o Ministério propõe a realização de Fóruns Estaduais, Regionais e Municipais de Políticas Públicas, com o objetivo de discutir e pensar a qualificação, assim como outros mecanismos do FAT, especialmente intermediação de mão-de-obra e crédito popular, integrados a políticas de saúde, educação, assistência social, meio ambiente e direitos humanos. As Secretarias do Trabalho devem ser as articuladoras e animadoras desses fóruns. Na Bahia foram realizados fóruns nos dois níveis: estadual e regional. Quanto à integração com outros programas financiados pelo FAT, os dados que se obtém, através das Comissões Tripartites, é que praticamente não ocorreu. De acordo com o Guia (BRASIL..., 2000), o PLANFOR deve ser implementado e desenvolvido através de ações participativas e descentralizadas, fortalecendo a capacidade de execução local e envolvendo uma cadeia estratégica e operacional, articulando o CODEFAT,31 o MTE, a SPPE, as STbs, as Comissões Estaduais e Municipais de Emprego e a Rede de Educação Profissional (REP) consideradas entidades parceiras. Os dois mecanismos da cadeia estratégica e operacional devem ser: 1) Os Planos Estaduais de Qualificação, circunscritos a uma unidade federativa, sob a responsabilidade das Secretarias Estaduais de Trabalho (STbs), sujeitas à aprovação das Comissões Estaduais de Emprego (CEEs) e negociadas com as 30 A estimativa era que a PEA maior de 16 anos – idade mínima admitida para o trabalho – estivesse em torno de 70 milhões de pessoas, ocupadas ou desocupadas. 31 As atribuições de cada órgão encontram-se no ANEXO A. 125 Comissões Municipais de Emprego (CMEs); 2) As Parcerias Nacionais e Regionais (PARCs) do Ministério do Trabalho com órgãos públicos e privados, para programas e projetos de alcance regional ou nacional, sujeitos à aprovação do CODEFAT. C) Distribuição dos Recursos Financeiros e Cálculo dos Custos de Qualificação Para distribuição dos recursos do PLANFOR, segundo determinação do CODEFAT, devem ser adotadas duas formas: 1) diretamente do MTE para os Planos de Qualificação espalhados pelas unidades federativas; 2) diretamente das STbs para os programas ou projetos prioritários elaborados pelas entidades executoras dos projetos. Os critérios para distribuição dos recursos são: tamanho da PEA, pobreza e baixa escolaridade, que juntos corrigem o viés de uma distribuição baseada só no tamanho da PEA, favorecendo os Estados mais populosos e propiciando mais eqüidade na distribuição dos recursos. Para os PLANFORs, devem ser alocados 70% dos recursos. A distribuição dos recursos e vagas nos Programas de cada PLANFOR estadual deve seguir os seguintes critérios: 1) Público-alvo prioritário (pessoas desocupadas, em risco de desocupação, empreendedores e autônomos, associados e cooperados) 90% das vagas e 80% dos recursos; 2) Outros públicos – 10% das vagas e 16% dos recursos, devendo incluir os membros das CEEs e CMEs; 3) Projetos Especiais – 4% dos recursos destinados ao acompanhamento, supervisão geral, avaliação externa e cadastro de entidades de Educação Profissional (EP). Cada PLANFOR em nível estadual pode aplicar 70% dos recursos na focalização definida pelas diretrizes do PLANFOR nacional e 30% para a “demanda fechada”, isto é, prioridades que cada Estado define no seu Plano. Portanto, o público-alvo do PLANFOR deve ser a grande maioria da PEA que não tem acesso a alternativas de qualificação: pessoas pobres, menos escolarizadas e sujeitas à discriminação no mercado. O Ministério do Trabalho também indica dois parâmetros para cálculo dos custos dos projetos de qualificação profissional: aluno-hora que significa o valor de custo de cada treinando em cursos, treinamentos ou outras formas de ensino. Os custos são balizados pelos preços de mercado, sendo que, dentre dois, o de menor valor, e de horas técnicas que se refere ao salário-hora ou hora-aula, incluindo os encargos sociais, pagos aos profissionais da mesma área e nível pelas universidades federais e estaduais da localidade. As Diretrizes da Secretaria de Políticas Públicas de Emprego (SPPE) do MTE em relação à elaboração do orçamento dos PLANFORs, indicam que as Secretarias do Trabalho 126 podem combinar os dois parâmetros: alunos-hora e horas técnicas, e devem abranger remuneração dos docentes, instrutores, supervisores, orientadores, consultores, encargos trabalhistas e fiscais, materiais didáticos, auxílios ou bolsas de alimentação e transporte para os treinandos, passagens e diárias, divulgação dos programas (cursos/treinamentos), material de consumo. Ficam vetadas despesas de capital tais como: compras de equipamentos, material permanente etc. Não é necessário especificar os itens de custeio do PLANFOR, mas é preciso guardar sua memória de cálculo para fins de documentação e negociação. D) Estratégias de Ação e Público-Alvo Para atingir o público-alvo explicitado anteriormente, as STbs devem utilizar as seguintes estratégias: a) mobilizar as entidades representativas dos segmentos vulneráveis ou que atuam junto a eles; b) sensibilizar as entidades executoras dos programas para o cumprimento dessa diretriz; c) incluir metas de atendimento dessa população nos contratos com as entidades executoras; d) aproveitar o fortalecimento de experiências inovadoras de atendimento a grupos vulneráveis (detentos, e egressos, jovens em situação de risco social, mulheres chefes de família, portadores de deficiências, indígenas, afro-brasileiros, trabalhadores do setor informal etc.); e) manter informados os Postos de Atendimento do Trabalhador (PAT) mantidos pelos Estados, Distrito Federal e Parceiros Nacionais/Regionais. Para trabalhar com esse público, o PLANFOR possibilita medidas de apoio aos treinandos, financiados com recursos da qualificação, tais como: transporte, lanche, auxílioalimentação, bolsas, kits didáticos e profissionais. Quando houver maior demanda que oferta de vagas, os participantes devem ser selecionados, respeitando-se as diretrizes da promoção e igualdade de oportunidades no trabalho, nos termos do Programa Nacional de Direitos Humanos, do Ministério da Justiça e da Convenção 111 da OIT, com base no critério de discriminação positiva, a saber: quanto mais vulneráveis, mais sujeitas à exclusão e à discriminação, maior a preferência de acesso das pessoas aos programas de qualificação. Para formatar os Programas de Qualificação há duas possibilidades: segundo grupos de público-alvo ou segundo setores de atividades econômicas ou ocupações para os quais esses grupos serão qualificados. As diretrizes básicas para qualquer um dos focos são: a) Educação Profissional (EP), entendida como um conjunto de ações, reuniões, encontros, seminários, extensão, assistência técnica, assessoria, cursos e treinamentos com foco em necessidades claramente detectadas no mercado de trabalho, para uma dada população; b) 127 superação da EP como sinônimo apenas de cursos em sala de aula, com carga horária e currículos pré-definidos, sujeitos a mecanismos tradicionais de avaliação escolar (freqüência, provas, testes etc.); c) a fixação da carga horária – não há limites mínimos nem máximos – só deve ocorrer depois de identificados os conteúdos demandados pela população-alvo e as oportunidades de trabalho existentes. A média observada entre 1995/1999 foi de 100 h por pessoa, mostrando composições variáveis de 20-40h para habilidades básicas, 40-60h para específicas e 20-40h para gestão. Contudo, essas médias comportam grandes variações que são de 20 a 100h, justamente para atender especificidades da população e das ocupações; d) os conteúdos ou currículos só devem ser definidos depois de identificadas as demandas do mercado de trabalho e da população a ser qualificada. A única exigência do PLANFOR é que sejam desenvolvidas as habilidades básicas – comunicação verbal e escrita, leitura e compreensão de textos, raciocínio, saúde e segurança no trabalho, direitos humanos, orientação profissional etc; específicas – processos, técnicas, normas, regulamentações, materiais, equipamentos próprios da ocupação e/ou de gestão – competências, atitudes e conhecimentos para formar, manter e melhorar o desempenho de micro e pequenos empreendedores rurais ou urbanos, assim como gerenciar o próprio trabalho autônomo, cooperado, associado, autogerido. Essa estratégia do PLANFOR está diretamente relacionada à concepção do Ministério sobre a questão do emprego para as “novas formas” de trabalho: autônomo, cooperado, associado, autogerido. Por isso deve desenvolver habilidades ou competências. Para essa qualificação profissional não basta conhecimento, mas interesse, motivação, criatividade. Não se trata apenas de qualificar para o trabalho em si, mas para a vida na qual se insere o trabalho flexível. Assim, na lógica da ideologia do governo, qualificação para a empregabilidade é um instrumento de desenvolvimento dos indivíduos para inserção no mercado de trabalho. Os conteúdos da “empregabilidade” e da “competência” associados ao “novo” trabalhador e às “novas formas” de trabalho valorizam, exatamente, qualificações individuais tais como: iniciativa, criatividade, capacidade de adaptação, flexibilidade, capacidade de solucionar problemas e lidar com o inesperado, dentre outras. Como afirma Druck (2001), essas qualidades são típicas dos trabalhadores que vivem na informalidade ou na “solidão do mercado”, que hoje constituem a maioria dos trabalhadores brasileiros. Empregabilidade e competência são dois velhos “modelos”, associados muito mais à precarização do trabalho e do emprego, típicos de países subdesenvolvidos. 128 O objetivo da qualificação para a empregabilidade não é integrar a todos, mas apenas aqueles que adquirirem “habilidades básicas” que geram “competências” reconhecidas pelo mercado e não mais para garantir um posto de trabalho e ascensão em uma determinada carreira, mas à empregabilidade. Esse ideário (novas habilidades de conhecimentos, de valores e de gestão), apaga do horizonte da educação e formação profissional o direito subjetivo de todos. A educação transforma-se em serviços ou bens a serem adquiridos para competir no mercado produtivo. As diretrizes do PLANFOR para as possíveis estratégias de qualificação são, resumidamente, as seguintes: a) Em relação ao público-alvo: pessoas desocupadas – elaborar projetos na área da construção civil direcionados para construção e reforma de moradia e/ou obras comunitárias; pessoas desocupadas com risco de desocupação – aumentar a escolaridade e as habilidades específicas e gerenciais, comportamentais e atitudinais, já que são essas as novas exigências do mundo do trabalho. Além disso, formar o trabalhador para alternativas como empreendedores, autônomos, autogeridos. Ou ainda, oferecer alternativas complementares como pesca e agricultura; empreendedores – munir o trabalhador de requisitos legais e técnicos para assegurar a permanência e competitividade do empreendimento, evitar “pacotes técnicos”, preferindo assistência técnica e apoio para solução de dificuldades específicas dos beneficiários; pessoas autônomas, autogeridas, associadas e cooperadas – fornecer formação e orientação na organização de cooperativas e associações de produtores. Fornecer também instrumental básico (kits) para o exercício da ocupação. (Ex: artesanato regional, higiene e beleza, confeitaria e panificação, costura e modelagem, reparação mecânica e eletroeletrônica, manutenção predial, cultivos etc) Agora com mais especificidade identifica-se a relação entre o público-alvo (empreendedores, autônomos, associados, cooperados etc.) do PLANFOR e as “novas formas” de trabalho. Para precisar um pouco melhor essas “novas formas” de trabalho, ou do trabalho informal, apropria-se da discussão realizada por Filgueiras e outros (2004) sobre o conceito de informalidade. Para se distinguir o espaço econômico-social das atividades econômicas informais pode-se utilizar três conceitos de informalidade, a partir de dois critérios distintos, isto é, se são atividades tipicamente capitalistas ou não, ou, se são atividades legais ou ilegais. Da combinação desses critérios é que surgem os conceitos de informalidade. Como não é propósito deste estudo aprofundar a discussão sobre o trabalho informal, mas sim esclarecer as 129 “novas formas” de trabalho indicadas pelo Ministério, trata-se apenas do conceito que junta os dois critérios – ilegalidade e atividades e formas de produção não tipicamente capitalistas. Nesse conceito a informalidade abarcaria tanto as atividades e formas de produção não tipicamente capitalistas, quanto as relações de trabalho não registradas, mesmo que tipicamente capitalistas (assalariado sem carteira de trabalho assinada). Portanto, nesse conceito a informalidade se identifica com todas as formas de trabalho não-fordistas, também identificadas como precárias. A denominação não-fordista, explica Filgueiras et. al .(2004, p.215). [...] busca sintetizar e reunir os trabalhadores que têm uma inserção precária no mercado de trabalho e que, portanto, não estão sob proteção das leis sociais e trabalhistas reguladas pelo Estado, conforme estabelecido nos países centrais pós II Guerra Mundial, com a implementação do Estado de bemestar social e, no Brasil, com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Portanto, o setor informal representado por atividades cuja organização não condiz com a de uma atividade tipicamente capitalista, mas dentro de um modelo capitalista, tem uma relação intersticial e subordinada ao setor formal. São atividades, por exemplo, desenvolvidas por trabalhadores autônomos (excluídos os profissionais liberais), pequenos produtores e trabalhadores por conta própria, empregados domésticos e trabalhadores familiares e donos de negócio familiar. Assim, a qualificação profissional dos trabalhadores proposta pelo PLANFOR, baseada no desenvolvimento de habilidades/competências e para um público-alvo definido, é para a empregabilidade, ou seja, para aqueles que estão inseridos num trabalho precário e sem proteção social. b) Em relação aos setores econômicos estratégicos: indústria da construção – reforma e construção de moradia própria (mutirões) e equipamentos comunitários (escola, postos de saúde, praças públicas, espaços de lazer); turismo – toda a cadeia de atividades do setor: alimentação, hospedagem, transporte, lazer, compras; serviços – atividades pessoais como higiene, beleza, saúde, alimentação, serviços domésticos, atividades culturais e educacionais como teatro, lazer, esportes, artes, música e todo o serviço de manutenção de prédios, mecânica e eletromecânica; artesanato – associado ao complexo turístico de exportação e associado a questões étnicas, preservação ambiental e ecologia em geral; pequena produção rural familiar e/ou cooperada – piscicultura e hidrocultura, fruticultura, horticultura, criação de animais de pequeno porte, pecuária de leite e processamentos de derivados. 130 E) Entidades Executoras Quanto às instituições executoras dos programas de qualificação, também denominadas de entidades, as Secretarias do Trabalho devem se valer do cadastro, isto é, do mapa da Rede de Educação Profissional (REP) que detalha as linhas de atuação, populaçãoalvo e fontes de manutenção destas. Portanto, a REP deve ser utilizada pelas Secretarias como ferramenta de planejamento, gestão e avaliação do PLANFOR. Além disso, deve também ser instrumento de avanço conceitual e articulação institucional e não instrumento de préqualificação ou de fiscalização e controle das entidades executoras dos cursos de qualificação profissional financiados pelo FAT. Somente as entidades cadastradas podem executar o PLANFOR; portanto, a referência é sempre a Rede de Educação Profissional (REP), formada por organismos públicos e privados, federais, estaduais ou municipais, governamentais ou não, com ou sem fins lucrativos, abrangendo: universidades, faculdades, centros tecnológicos e institutos de ensino superior, escolas técnicas de nível médio, Sistema “S” (Senai, Senac, Sesi, Senat, Sesc, Senar, Sest, Sebrae), OGNs, associações leigas, religiosas ou comunitárias, fundações, sindicados e centrais sindicais, confederações e federações de empresários, escolas profissionais livres (cursos privados, presenciais ou a distância). As entidades executoras devem ter um determinado perfil para poder executar ações de qualificação financiadas pelo FAT: a) competência acumulada e comprovada pelo menos por dois anos, incluindo conhecimento da população-alvo e do mercado de trabalho; b) infra-estrutura de instalações, equipamentos e recursos humanos adequados à execução do projeto; c) capacidade de desenvolver a ação formativa na sua totalidade, isto é, não apenas em sala de aula; d) realizar antes o planejamento, produção/seleção de material didático, divulgação dos cursos, seleção/orientação dos treinandos; durante ações de qualificação dar apoio aos alunos, incluindo transporte, material escolar/didático, alimentação e fornecimento de informações gerenciais; depois propiciando orientação profissional e inserção32 no mercado de trabalho; e) competência técnica e administrativa para gestão do projeto, assegurando mecanismos de controle de custos, acompanhamento gerencial e prestação de contas; e) capacidade de criar formas de maximizar a ampliação de recursos do FAT, propiciando abertura a parcerias de recursos humanos, materiais e tecnológicos. 32 O Ministério entendia a inserção como incentivo a outras modalidades como cooperativas, associações, trabalho autônomo, assalariado, contratos por tempo determinado, pequenos negócios, estágios e monitorias remuneradas, além dos empregos formais assalariados. 131 Cada entidade executora de cursos deve elaborar um Projeto contendo como itens obrigatórios: 1) a explicitação da metodologia, atividades e produtos para cada um dos aspectos básicos do projeto, definidos em termos de referência do PLANFOR e propostos pelas STbs; 2) forma, padrão, qualidade técnica e quantidade dos produtos em forma de relatórios, fichas, fotos, vídeos etc; 3) prazos de entrega dos produtos/resultados; 4) credenciais da entidade executora na área de atuação, número e qualificação dos profissionais envolvidos; 5) formas de discussão dos resultados com as CEEs/CMEs, equipes técnicas da STb e outras entidades, visando o aprimoramento das ações de qualificação. O Ministério sugere seminários, fóruns, congressos estaduais etc; 6) crédito para o FAT/PLANFOR, com destaque, em todos os produtos e documentos. Uma outra orientação é quanto à seleção, que deve contar com a participação de especialistas das STbs e representantes das CEEs e atender a três tipos de adequação técnica: as Diretrizes do PLANFOR, perfil estabelecido pelo Programa e parâmetros de custos estabelecidos pelo PLANFOR. A contratação das executoras deve ser feita por projetos, segundo grupos de população-alvo e setores econômicos. Para aprovação do PLANFOR, local e celebração do convênio com o MTE ,os projetos passam por uma tramitação burocrática comum aos órgãos públicos. Quanto à prestação de contas dos convênios (parcial e final), regulamentada pela Instrução Normativa 01/97, deve ser encaminhada diretamente ao MTE através da SPPE. F) Acompanhamento e Supervisão O acompanhamento e a supervisão do PLANFOR deve ocorrer em dois níveis: em cada Estado, pela Secretaria do Trabalho segundo termo de referência do MTE/SPPE e, em nível nacional, pelo MTE/SPPE por meio de guias e termos de referência, promoção de reuniões e oficinas de trabalho, visitas técnicas, apreciação técnica de projetos/contratos, processamento de convênios, monitoramento de resultados, repasse de recursos e das prestações de contas. A avaliação externa também deve se processar em dois níveis: a) local, incluindo acompanhamento de egressos, por instituição independente de sua execução, contratada pela STb, segundo termo de referência definido pelo MTE/SPPE; b) nacional, realizada pela SPPE/MTE ou por órgão por ela delegado. O Ministério dispõe de dois instrumentos de acompanhamento dos PLANFORs: o Sistema de Informações Gerenciais sobre Educação 132 Profissional (SIGEP33) que fornece dados por ação, em cada município e o Sistema de Informações Gerenciais sobre Ações de Emprego (SIGAE34) que gerencia e monitora os vários mecanismos do FAT (seguro-desemprego, intermediação de mão-de-obra, qualificação, crédito popular). PARTE II Essa segunda parte do Guia do PLANFOR (BRASIL..., 2000) trata, especificamente, da Política de Trabalho e Renda: intermediação & qualificação e discute o avanço conceitual e metodológico da educação profissional. Para definir políticas públicas de trabalho, a Secretaria de Políticas Públicas de Emprego do Ministério baseia-se na literatura especializada35 que comporta, pelo menos, duas linhas de políticas: 1) programática, que envolve medidas de fomento ao trabalho, à educação, à qualificação profissional e proteção do trabalhador e 2) normativa, que indica a modernização das instituições que regem as relações capital – trabalho. Essas duas linhas, por sua vez, desdobram-se em políticas ativas e passivas que são implantadas a partir da Constituição de 1988, contemplado pelo FAT e regulamentadas pelo artigo 10 da Lei 7.998 de 1990, que dispõe a vinculação do FAT ao MTE e a destinação de seus recursos para custeio dessas políticas. O ponto estratégico das Políticas Públicas de Trabalho e Renda, especialmente a qualificação profissional, segundo o Guia (BRASIL..., 2000, p.20), é o encaminhamento do trabalhador ao mercado de trabalho, nas diversas formas de inserção. Essa integração é dada 33 O SIGEP era acessado via Internet no endereço extranet.mte.gov.br, por meio de senha disponibilizada pela SPPE.Continha dados por ação dos cursos , projetos, programas de cada município e entidades executoras. O Sistema acumulava informações e permitia modificações e atualizações de acordo com os prazos dados pela SPPE. Quem alimentava o Sistema eram as STbs e entidades executoras. Em 2000, o Sistema recebeu uma nova versão. 34 O SIGAE foi criado em uma primeira versão em 1999 e instalado em 21 unidades da Federação e nas Centrais Sindicais. A segunda versão ficou pronta no início de 2000 e contou com a colaboração de alguns Estados e outras Secretarias do próprio MTE. O Sistema fornecia dados (planejamento, das ações, execução, acompanhamento dos contratos e prestação de contas) às STbs e ao MTE nas diferentes etapas que envolviam o PLANFOR local. O Sistema era alimentado pelas STbs e executoras. 35 O Ministério toma como referência básica as obras da autora Beatriz Azeredo: Brasil: os desafios para a implementação de uma política pública de emprego, 1995 e Políticas Públicas de Emprego e Renda: a experiência brasileira, São Paulo: ABET, 1998 e as produzidas pelo próprio governo: Emprego no Brasil: diagnósticos e políticas de 1998 e Brasil, abertura e ajuste do mercado de trabalho: políticas para conciliar os desafios de emprego e competitividade. MTE/OIT. Brasília: São Paulo: Editora 34, 1999. 133 pela Resolução 194/98, do CODEFAT, que rege o PLANFOR 1999/2002, cujo artigo 4º inclui pessoas desocupadas, beneficiárias ou não do seguro-desemprego e do crédito popular, como população-alvo prioritária da qualificação e confere prioridade a projetos que integrem ações de qualificação com encaminhamento ao mercado de trabalho. Portanto, o encaminhamento do trabalhador qualificado ao mercado de trabalho é entendido pelo Ministério como etapa final e necessária das ações de qualificação. O Guia (BRASIL..., 2000, p. 47) informa que, no período 1995-1998, o FAT atendeu 26 milhões de desempregados, pagando em média, benefício equivalente a 1,5 SM de referência; entre mar/96 e dez/98, R$ 3 bilhões foram desembolsados do BNDES para empreendimentos geradores de cerca de 400 mil empregos diretos e indiretos; entre jan/95 e mar/99 o crédito popular, através do PROGER e do PRONAF, realizou quase 1,5 milhão de operações e aplicou perto de R$ 7,5 milhões, financiando agricultores familiares, microempresários e autônomos; o SINE registrou, entre 1995/99, 10,9 milhões de pessoas inscritas, 4,8 milhões encaminhadas e 1,1 milhão colocadas no mercado de trabalho, para 2,9 milhões de vagas captadas, com investimento de R$ 141,8 milhões. Além disso, mantém rede de 965 postos/agências em todo o país, sob gestão das Secretarias do Trabalho e das Centrais Sindicais. Segundo o Ministério, não é fácil implantar a integração, uma vez que esta exige reafirmação de algumas idéias, redefinição de outras e até mesmo a construção de novos conceitos e novas práticas, pois isso implica em mudar padrões e comportamentos enraizados na cultura nacional por quase 500 anos. O Brasil, diz o Ministério: [...] vive uma democracia muito “verdinha”, ainda em construção [...] E não se consegue participação, responsabilidade e compromisso democrático por decreto... Na área de trabalho, em especial, qualquer mudança tem que lidar com o modelo de relações de trabalho tuteladas pelo governo, via CLT, que não criou hábito nem necessidade de diálogo entre capital-trabalho (a lei prevê e garante tudo, não deixa margem para negociar; só que com as mudanças no mundo do trabalho, essa garantia passa a valer apenas para uma parcela dos trabalhadores – os que têm registro em carteira) (BRASIL..., 2000, p. 48). Localiza-se nessa concepção do Ministério, a terceira tensão quando o mesmo explicita, claramente, a opção pela política neoliberal, concordando com a flexibilização das relações de trabalho e com a retirada do Estado dessa negociação. O texto citado não deixa dúvidas sobre a posição do governo Cardoso, quando critica a “rigidez” da CLT em relação às mudanças ocorridas no mundo do trabalho. Entende-se que o Ministério está propondo a flexibilização da Lei, uma vez que esta só atende uma parcela de trabalhadores. Essa concepção 134 está diretamente relacionada à proposta do PLANFOR de qualificar para as “novas formas” de trabalho. O Ministério considera como premissas fundamentais para a integração do PLANFOR nacional/estadual as noções de: sistema como organização sinérgica, voltada para a geração de trabalho e renda, que promova a sintonia entre o Ministério/SPPE e o CODEFAT, as Secretarias do Trabalho, CEEs, CMEs, prefeituras e a rede de Educação Profissional (REP) e as agências e postos de trabalho; público entendido como parceria entre o governo e a sociedade, e não como simplesmente estatal, pois as Políticas Públicas de Trabalho e Renda (PPTR) exigem espaços, canais de participação e diálogo permanente com os principais interessados na questão: governo, empresários e trabalhadores. Assim, trabalho, renda e qualificação profissional são questões a serem resolvidas com e pelo setor produtivo (que não deve ser confundido com mercado formal de trabalho), que por sua vez reúna interesses de trabalhadores e empresários, sendo que o governo entra como articulador e fomentador dessa articulação. Trabalho e qualificação profissional são um dos pilares do desenvolvimento sustentado, com eqüidade social (BRASIL..., 2000, p. 48). Ainda como premissas fundamentais para essa integração estão presentes os conceitos de: parceria que está vinculada à possibilidade de planejamento e desenvolvimento de projetos integrados pelos setores governamentais e não-governamentais, públicos e privados. Parceiro para o PLANFOR é quem oferece efetivo aporte de recursos humanos, financeiros, de tecnologia e conhecimentos. Para o Ministério, portanto, a parceria é fundamental para a implementação de toda PPTR, inclusive no que se refere aos objetivos do PLANFOR de qualificar anualmente 20% da PEA; e trabalho, que não é visto como sinônimo de emprego associado ao setor industrial, urbano, com carteira assinada, direitos sociais garantidos e estáveis, cujo perfil é do trabalhador masculino. Na conceituação de trabalho o documento complementa: Os últimos 20 anos vêm assistindo ao declínio desse tipo de trabalhado/trabalhador. Diminui o emprego formal, assalariado, urbano, industrial. Mas há diversificação e expansão de oportunidades de trabalho no chamado setor “informal”, que inclui trabalho autônomo, associativo, microempreendimentos urbanos e rurais. O dito “informal é ainda pouco explorado em suas novas características. Já se questiona sua identificação simplista com trabalho “precário, ilegal, desqualificado” – características que, sem dúvida, subsistem em muitas atividades, inclusive altamente formalizadas (BRASIL...., 2000, p. 49). Não é verdade que o trabalho informal ainda é pouco explorado em suas novas características. O estudo de Oliveira (2004, p. 62) mostra que: 135 [...] o debate da informalidade não diz respeito às formas de integração da população trabalhadora à estrutura produtiva e ao mercado de trabalho, mas as dimensões dos conflitos de legitimidade e o quadro político institucional que prescreve as condições de uso social do trabalho pelos diversos agentes econômicos. O conceito de informalidade passa a expressar o conjunto de atividades e formas de produção, bem como as relações de trabalho que fogem ao marco regulatório do Estado. Assim, o critério delimitador da informalidade é a ilegalidade, de modo que, a noção de “informal” passa a contemplar: [...] as atividades e práticas econômicas ilegais e/ou ilícitas, com relação às normas e regras instituídas pela sociedade. Com isso, a informalidade identifica-se com a chamada economia subterrânea, ou ainda com a economia submersa, sendo redefinida, portanto, por um critério jurídico; e não mais pelo uso de um critério econômico” (FILGUEIRAS e outros, 2004, p. 214). Como diz Machado Silva (1996), a noção de informalidade se define como a iniciativa econômica que escapa à regulação social. Nesse sentido, no debate sobre a economia submersa/ilegal, a questão fundamental a ser enfrentada é o papel do Estado e sua capacidade de intervenção na economia. Oliveira (2004, p. 63) explica que: Entre os vários argumentos que tentam justificar porque a informalidade escapa à regulação do Estado, destaca-se o argumento bastante difundido pelo discurso liberal que afirma que a informalidade é uma resposta ao peso excessivo do Estado, não apenas em termos fiscais, mas, sobretudo às regulamentações burocráticas. No entanto, a relação da informalidadeEstado não se restringe apenas à questão de excesso de normatividade jurídica ou da carga tributária, envolve também variantes políticas que são fundamentais para entender as mediações entre trabalho e direitos. Assim, complementa o mesmo autor: [...] podemos afirmar que a problemática da informalidade está associada ao conjunto de transformações que ocorrem no mundo do trabalho no contexto de globalização, de reestruturação produtiva e de neoliberalismo. Se no primeiro momento, a noção de informalidade tinha como parâmetro de referência a generalização do pleno emprego e da proteção social, a partir dos anos 80 a própria noção de informalidade passa a ser um parâmetro de referência para explicar o processo de flexibilização e precarização do trabalho, um espelho da crise da sociedade salarial e da relação Estadoeconomia em tempos de hegemonia do projeto político neoliberal (OLIVEIRA, 2004 p. 64). Além dos conceitos de parceria e trabalho, o Ministério define também os conceitos de qualificação, encaminhamento ao mercado de trabalho e de participação e 36 descentralização. Em relação à qualificação, a noção defendida pelo Ministério é a seguinte: 36 Essa questão da qualificação profissional foi longamente discutida no capítulo 2 – Estudo da Qualificação, Competência e Formação Profissional. 136 Para empregos estáveis, formação única, para toda a vida, centrada em habilidades específicas, para um posto ou ocupação. Para a nova dinâmica do mercado, formação continuada, flexível, polivalente, incluindo habilidades básicas, específicas e de gestão. Em lugar de simplesmente “saber fazer”, torna-se necessário “aprender a aprender” – e ser capaz até de ensinar. (BRASIL..., 2000, p. 49). Duarte (2001a), analisando o processo de apropriação da psicologia vygotskiana ao universo ideológico do neoliberalismo, defende a tese de que a chamada pedagogia das competências é integrante de uma ampla corrente educacional contemporânea, a qual chama de pedagogias do “aprender a aprender”. Esse aprender a aprender é também um aprender fazendo, isto é, learning by doing na clássica formulação da pedagogia John Dewey. O mesmo autor afirma que o “aprender a aprender” tem quatro posicionamentos valorativos: 1) aquilo que o indivíduo aprende por si mesmo é superior, em termos educativos e sociais, àquilo que ele aprende através da transmissão por outras pessoas; 2) o método de construção do conhecimento é mais importante do que o conhecimento já produzido socialmente; 3) a atividade do indivíduo, para ser verdadeiramente educativa, deve ser impulsionada e dirigida pelos interesses do próprio aluno; 4) a educação deve preparar os indivíduos para acompanharem a sociedade em acelerado processo de mudança. Para exemplificar esse quarto posicionamento, Duarte (2001a) apropria-se do autor português Vitor Fonseca para mostrar uma versão contemporânea do que está falando: A miopia gerencial e arrogante e a resistência à mudança, que paira em grande parte no sistema produtivo, devem dar lugar à aprendizagem, ao conhecimento, ao pensar, ao refletir e ao resolver novos desafios da atividade dinâmica que caracteriza a economia global dos tempos modernos. Tal mundialização da economia só se identifica com uma gestão do imprevisível e da excelência, gestão essa contra a rotina, a mera redução de custos e contra a simples manutenção. Em vez de se situarem numa perspectiva de trabalho seguro e estático, durante toda a vida, os empresários e os trabalhadores devem cada vez mais investir no seu potencial de adaptabilidade e de empregabilidade, o que é algo substancialmente diferente do que se tem praticado. O êxito do empresário e do trabalhador no século XXI terá muito que ver com a maximização das suas competências cognitivas. Cada um deles produzirá mais na razão direta de sua maior capacidade de aprender a aprender [...] A capacidade de adaptação e de aprender a aprender e a reaprender, tão necessária para milhares de trabalhadores que terão que ser convertidos em vez de despedidos, a flexibilidade e modificabilidade para novos postos de trabalho vão surgir cada vez com mais veemência. Com redução dos trabalhadores agrícolas e dos operários industriais, os postos de emprego que restam vão ser mais disputados, e tais postos de trabalho terão que ser conquistados pelos trabalhadores preparados e diferenciados em termos cognitivos (FONSECA, 1998, p. 307, apud DUARTE, 2001a, p. 37-38). Nessa passagem, diz Duarte, o “aprender a aprender” aparece na sua forma mais crua, mostra seu verdadeiro núcleo fundamental – concepção educacional voltada para a formação da capacidade adaptativa dos indivíduos. Trata-se de preparar os indivíduos para as 137 competências necessárias à condição de desempregado. Caberia aos educadores conhecer a realidade social para escolher melhor as competências que devem desenvolver nos indivíduos. Quando o “aprender a aprender” defende o desenvolvimento da criatividade, é no sentido de encontrar novas formas de ação que permitam melhor adaptação aos ditames da sociedade capitalista. E é exatamente nesta perspectiva que se insere a concepção de qualificação profissional do PLANFOR. Por fim, as duas últimas concepções do PLANFOR: encaminhamento ao mercado 37 38 de trabalho e participação e descentralização. Quanto à primeira, a intermediação é para vagas ofertadas por empresas, organizações de formas associativas de produção, apoio para atividades autônomas e alternativas (não especifica quais) de trabalho e renda. Cursos, treinamentos e assessoria a desempregados devem ser computados como formação básica e gerencial. Quanto à participação e descentralização, o governo defende, para dar conta de um Programa de qualificação nacional, dadas as dimensões continentais do país, um sistema de gestão/execução descentralizada e flexível, articulando e fortalecendo toda a capacidade efetiva ou potencial de qualificação-intermediação existente no país por meio dos mais variados tipos de instituições – Rede de Educação Profissional (REP) – e que deve contar com o apoio do CODEFAT e das Comissões Tripartites estaduais e municipais. Embora o PLANFOR tenha cadastrado 14 mil entidades executoras em todo o país, não possui o número exato das que oferecem intermediação e qualificação, mas é possível prever, segundo o Guia (BRASIL..., 2000), que cerca de 10% podem se engajar na intermediação proposta. Com isso, o MTE imagina contar com uma rede inicial de três mil postos ou agências de intermediação em todo o país e a meta, a médio e longo prazos, é contar com 5,5 mil. A meta do PLANFOR é atender um milhão de pessoas/mês, priorizando os grupos mais vulneráveis econômica e socialmente. Significa que essa meta, num cálculo ilustrativo, supõe que cada posto/agência possa atender cerca de 333 pessoas/mês ou média de 11/dia. O Ministério ressalta que “atendimento” significa todo o processo de colocação no mercado de trabalho e não apenas cadastramento de vagas-canditados. Assim, os PLANFORs estaduais devem tomar como referência o atendimento de trabalhadores em três níveis: 1) cadastramento da clientela – definição de perfil, necessidades e aspirações individuais dos candidatos; 2) encaminhamento direto ao mercado ou a programas 37 38 Para o PLANFOR, significa colocar o trabalhador qualificado em uma ocupação. No PLANFOR, a intermediação deve ser realizada pelas entidades executoras dos cursos de qualificação. 138 de qualificação/suplência; 3) fixação – um mínimo desejável para permanência do trabalhador na colocação efetuada. Segundo dados do MTE, em 1999, o custo médio do treinamento no PLANFOR era de R$ 135,00 (foram treinados 2,6 milhões de trabalhadores para um investimento de R$ 355 milhões com recursos do FAT). No Sistema Nacional de Emprego (SINE), o trabalhador colocado custava, em média, R$ 77,00 (foram colocados 423 mil trabalhadores para um investimento de R$ 32,4 milhões). Contudo, são custos de ações isoladas. Os novos parâmetros devem calcular o custo para ações integradas. Ainda segundo o Ministério, pode-se calcular, como estimativa, o custo médio do trabalhador qualificado/colocado em torno de R$ 200,00, ou seja, para colocar 1 milhão de trabalhadores no mercado de trabalho é necessário gastar 200 milhões. Em 2000, o FAT pretendia investir 497 milhões de reais na qualificação e 40,6 milhões na intermediação. O Ministério ressalta que, embora esses serviços sejam gratuitos para o trabalhador de baixa escolaridade e em situação de pobreza, não se pode descartar a possibilidade de algum retorno dos beneficiários colocados, como por exemplo, percentuais sobre salários, rendimentos etc. A premissa básica para a construção desse objetivo é que seja participativa, negociada e gradual, com representação paritária do governo, de empresários e dos trabalhadores, envolvendo as STbs, CEEs, CMEs e a REP. Um outro aspecto constante da concepção do PLANFOR é que os Planos Estaduais sejam planejados com foco nas demandas sociais e de mercado, considerando os interesses dos setores produtivos, entendidos como o conjunto formado por trabalhadores, empresários e consumidores em geral, com estratégias de curto, médio e longo prazos. Em relação à demanda social, as ações devem focalizar os grupos socioeconomicamente vulneráveis. Para que isso ocorra, as Secretarias do Trabalho devem mobilizar entidades representativas dos segmentos vulneráveis, sensibilizar as entidades executoras e fortalecer experiências inovadoras voltadas para esses grupos. Essa etapa do planejamento, portanto, deve caracterizar e quantificar em cada município, o perfil dos trabalhadores e as necessidades do mercado de trabalho. Por isso, não basta utilizar só dados secundários e pesquisa de campo, embora fundamentais para compor o cenário do mercado de trabalho, é necessário mobilizar entidades representativas da comunidade através das Comissões Municipais de Emprego, prefeitura, sindicatos etc. Outro conceito assumido e valorizado pelo PLANFOR é o da diversidade, isto é, as diferenças pessoais em matéria de gênero, raça, aptidão física, idade, dentre outros. Considerada não como uma ação humanitária, mas sim porque as empresas descobriram que a 139 diversidade é vantajosa, criativa, melhora a imagem, promove a qualidade, eleva a produtividade e, portanto, o lucro. Assim, o reconhecimento e valorização da diversidade da PEA é condição importante para o sucesso das empresas e o desenvolvimento do país. Nas políticas públicas, a assunção da diversidade significa combater a discriminação, ação que viola os direitos39 das pessoas com base em critérios injustificados e injustos, que se traduzem na materialização do racismo, do preconceito e do estereótipo. Segundo o Guia do PLANFOR (BRASIL..., 2000), o combate à discriminação, no Brasil, está na pauta das políticas públicas desde 1995, quando é ratificada a Convenção 111 da OIT, que data de 1965, tratando justamente da discriminação no trabalho e na ocupação. Mas, só com o lançamento do Programa Nacional de Direitos Humanos, pelo Ministério da Justiça, em 1996, é que o governo brasileiro começa a atuar mais decididamente para formatar e implementar políticas públicas orientadas por essa premissa. Ainda, segundo o mesmo documento, essa demora ocorre por se acreditar que o país viva uma “democracia racial”, tendo um “povo cordial”, sem preconceitos, estereótipos nem discriminação. Foi preciso a militância de mulheres, negros, deficientes e a retomada da democracia, pós-regime militar, para desmistificar esse quadro. Portanto, é a partir de 1995 que o MTE passa a apoiar ações efetivas baseadas nos princípios da OIT. Nesse sentido, são criados em 1996, vários grupos técnicos: Grupo de Trabalho Multidisciplinar (GTM) para a promoção de igualdade de oportunidades no trabalho e na ocupação, formado por representantes das diversas Secretarias do MTE; Grupo de Trabalho para a Discriminação no Emprego e na Ocupação (GTEO), criado pela Presidência da República, formado por representantes dos vários ministérios e secretarias de governo, sob orientação do MTE; Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) para Valorização da População Negra, coordenado pelo Ministério da Justiça e Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Implantado em 1996, o PLANFOR, desde o início, é pensado pelo Ministério como uma estratégia de articulação de uma política pública de Educação Profissional (EP), integrada à política pública de trabalho e renda, promovendo a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho e consolidando um novo modelo e um novo conceito de EP. Portanto, de forma explícita, incorpora a dimensão da diversidade, assumindo que essa é uma categoria fundamental de um novo modelo de EP – focada na dinâmica do mundo do trabalho, para se 39 O PLANFOR cita como referência o documento Brasil, gênero e raça; todos unidos pela igualdade de oportunidades. O documento se vale de definições internacionais das Nações Unidas e da OIT. 140 enfrentar a exclusão social e construção da cidadania. Assim, diversidade, exclusão e cidadania são as três preocupações-chave do PLANFOR. Embora o PLANFOR explicite, claramente, os três focos de seletividade ou discriminação – gênero, raça/cor e portadores de deficiências – reconhece que essas três dimensões não esgotam a questão da diversidade, mas é a fonte das maiores desigualdades no mercado de trabalho e na EP, especialmente quando as populações são compostas de pessoas mais pobres e menos escolarizadas. Assim, o novo modelo de EP do Ministério do Trabalho procura superar o paradigma masculino, branco, urbano, industrial, que historicamente orientou os modelos e os sistemas de EP no Brasil, e foi amplamente debatido em seminários, oficinas e congressos promovidos ou apoiados pelo PLANFOR, em todo o país. O conceito de gênero,40 no entendimento do MTE, pode ser definido como “sexo socialmente construído”, isto é, um sistema de papéis e de relações entre mulheres e homens, determinados não pela biologia, mas formado segundo o contexto social, político e econômico. O sexo, que é um indicador do gênero, é biológico, o gênero é construído na vida em sociedade. Assim, o gênero funciona como uma “relação estruturante”, articulada com outras relações sociais, situando o indivíduo no mundo e traçando seu destino: oportunidades, escolhas, trajetórias, vivências, lugares e interesses. Portanto, gênero é uma categoria fundamental para a compreensão do mundo do trabalho e a formulação de políticas públicas. Levar em conta a diversidade de gênero no mercado de trabalho e na educação profissional (EP) implica reconhecer e incorporar aos programas e projetos algumas dimensões fundamentais, quais sejam: a PEA é formada por trabalhadores e trabalhadoras com necessidades e demandas específicas; o trabalho tem sido orientado por uma divisão de gênero que acaba definindo atividades e ocupações mais “tipicamente masculinas” e outras “tipicamente femininas”; a sexualização imposta pelas características biológicas, ou aproveitando “pendores e habilidades” femininos ou masculinos, reflete relações de poder que discriminam as mulheres no mercado de trabalho, reservando-lhes ocupações menos qualificadas, salários mais baixos e carreiras sem perspectivas de promoção; todas as questões 40 O MTE toma como referência para subsidiar a discussão sobre gênero os seguintes autores e obras: 1) Helena HIRATA, 1998. Reestruturação produtiva trabalho e relações de gênero. Revista Latino Americana de Estudos Del Trabajo, ano 4, n. 7, p 5-27, 1998; ABRAMO, L.; ABREU, Alice R. de Paiva Abreu (Org.). Gênero e trabalho na sociologia Latino Americana. São Paulo, 1998 (Série II Congresso Latino Americano de Sociologia do Trabalho); BRUSCHINI, C. Trabalho feminino no Brasil: avaliação dos anos oitenta e perspectivas para o futuro, 1995, apresentado no Seminário “A Mulher no Mundo do Trabalho”; LEITE, E. Educação profissional na perspectiva de gênero: a experiência do PLANFOR e LAVINAS, 1997. Gênero, cidadania e adolescência. In: Madeira, F. R. (Org.). Quem mandou nascer mulher? Estudos sobre crianças e adolescentes no Brasil. Rio de Janeiro: Record/Rosa dos Tempos, UNICEF, 1997. 141 citadas geram um ciclo vicioso e perverso no qual as mulheres têm dificuldade de acesso à qualificação porque fazem trabalhos menos qualificados, e fazem trabalhos menos qualificados porque não têm acesso à qualificação. A apropriação pelo Ministério da produção acadêmica sobre gênero, raça/cor e portadores de necessidades especiais qualifica seu discurso, pois lhe dá conteúdo científico. Falar da diversidade da PEA e assumi-la na qualificação profissional do trabalhador é socialmente importante para dar maior credibilidade ao Programa. O PLANFOR incorpora a dimensão de gênero, desencadeando ações de articulação e de avanço conceitual, sensibilizando e preparando as Secretarias do Trabalho e demais parceiros para sua implementação através de: apoio e orientação a Fóruns e Conselhos de Mulheres nos Estados e Municípios, mobilizando suas representações nas CEEs/CMEs; organizando ou patrocinando seminários, congressos, oficinas de trabalho de entidades governamentais, ou não, ligadas a assuntos da mulher; apoiando e distribuindo textos conceituais e assinando o Protocolo Mulher, Educação e Trabalho juntamente com o Ministério da Justiça/Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), em 1996, que estabelece metas e condições para programas de qualificação no âmbito do PLANFOR. Todas essas medidas contribuem para a ampla participação de mulheres nos programas do PLANFOR. Os dados coletados pelo MTE corroboram: a participação das mulheres cresceu de 41% em 1996 para 49% em 1999, significando que, das 8,3 milhões de pessoas qualificadas no período 1995/99, 48% foram mulheres. Apesar de reconhecer que foram experiências focalizadas, em pequena escala, o Ministério admite que há avanços importantes na medida em que: exploram novos nichos de trabalho e geração de renda locais/regionais, levando em consideração a condição de mulheres trabalhadoras, sendo muitas delas chefes de família; beneficiam populações usualmente não atendidas pela oferta tradicional de EP; incorporam, além das habilidades específicas, conhecimentos e atitudes voltadas à saúde e sexualidade da mulher, assim como melhoria da qualidade de vida familiar e comunitária e estabelecem inusitadas e criativas parcerias, juntando diferentes atores e entidades de EP. Sobre a diversidade raça/cor, 41 o Ministério também entende que é uma construção social, associada a esteriótipos positivos ou negativos, mas também ao preconceito, 41 O MTE toma como referência as seguintes obras: BRASI. Ministério do Trabalho. Assessoria Internacional. Brasil, gênero e raça: todos unidos pela igualdade de oportunidades. Brasília, 1998; BRASIL. Ministério do Trabalho. PLANFOR: a experiência dos afro-brasileiros. Brasília, 1999. Termo de referência para programas e projetos de qualificação profissional; INSTITUTO SINDICAL INTERAMERICANO PELA IGUALDADE 142 racismo e discriminação. O preconceito de cor é amplamente disseminado, notadamente entre as pessoas negras e pardas. O MTE distingue o “racismo individual” do “racismo institucional”, sendo este último mais importante do ponto de vista das políticas públicas. A situação que a população negra enfrenta no mercado de trabalho é similar a das mulheres: ocupação menos qualificada, baixos salários, entraves à promoção. Essa questão torna-se mais acentuada quando se juntam as duas características; gênero e raça/cor e tornando-se extremada quando, além de mulher e negra, ela for pobre e analfabeta, quase sinônimo de absoluta exclusão social. Para incorporação da dimensão raça/cor em seus programas de qualificação, o PLANFOR precisou de demoradas negociações e discussões com representantes do Ministério da Justiça, OIT e organizações de negros em todo o país. Portanto, a ampla sensibilização, não raro apoiada por medidas de sanção (condicionando o repasse de recursos), foi uma outra estratégia utilizada pelo Ministério. Assim, desde 1996, o PLANFOR tinha conhecimento da raça/cor das pessoas qualificadas em seus cursos, sendo o único programa de qualificação do país e da América Latina que dispunha de estatísticas precisas sobre a população negra. Em 1998, foi firmado o Protocolo de Igualdade Racial e Étnica no Trabalho, entre Ministério da Justiça e do Trabalho, sedimentando essa política de inserção e propondo uma política de qualificação profissional, trabalho e renda para o segmento de trabalhadores afro-brasileiros. O PLANFOR, no período 1995/99, pôde dimensionar que a participação de negros e pardos foi de cerca de 45% do total de treinandos, significando 3,7 milhões de pessoas qualificadas, o equivalente à sua participação na PEA. Além disso, foram desenvolvidos projetos e programas para trabalhadores afro-brasileiros, visando o resgate da cultura e da autoestima dessas populações. Por fim, o PLANFOR determina em suas Diretrizes que sejam realizados cursos de qualificação profissional para pessoas portadoras de deficiência,42 entendida como aquelas que apresentam, em caráter permanente, perdas ou reduções de sua estrutura ou função psicológica, mental ou anatômica, que as impedem de exercer determinadas atividades. Embora não se disponha de estatísticas dessa população, os organismos especializados adotam como parâmetro uma participação de cerca de 10% desses grupos na PEA. RACIAL (INSPIR). Mapa da população negra no mercado de trabalho. São Paulo, 1999; GUIMARÃES, A. S. A. Racismo e anti-racismo no Brasil. São Paulo: Editora 34, 1999. 42 O MTE utilizou a seguinte referência: Projeto de Integração Normalizada de Pessoas Portadoras de Deficiência nas Instituições de Formação Profissional da América Latina: diagnóstico e programa piloto (síntese). Rio de Janeiro, CNI/SENAI, CIET/UNESCO, CINTERFOR, 1997. 143 O acesso dos portadores de deficiência ao mercado de trabalho é dificultado por questões, desde a locomoção e transporte, até as alternativas e metodologias adotadas usualmente para sua qualificação. Além disso, a maioria dos programas/projetos não tem tido êxito, dado seu viés assistencialista, que busca “proteger” em vez de estimular sua integração ao mercado. Os portadores de deficiência contam com a legislação indicada abaixo, que preconiza a ação conjunta do Estado e da Sociedade Civil, de modo a assegurar a plena integração socioeconômica e cultural, sem privilégios nem paternalismo, mas com reconhecimento de suas características e necessidades: Convenção 111 da OIT e do Programa Nacional de Direitos Humanos; Lei 7.853/89, que estabelece apoio às pessoas portadoras de deficiência e sua integração social; Decreto 914/93, que institui a Política Nacional para a Integração da pessoa portadora de deficiência; Convenção 159 da OIT, ratificada através do Decreto 129/91, que trata da readaptação profissional e o trabalho da pessoa portadora de deficiência. A incorporação dos “portadores de deficiências” ao PLANFOR se dá através da implementação, em 1996, de um Programa Nacional para Portadores de Deficiências que conta com especialistas da área. Em 1998, consolida a diretriz e a prática de atendimento a essa população, não criando programas focados, mas assegurando prioridade de acesso aos portadores de deficiências nos programas de qualificação, recomendável para se construir políticas igualitárias e combater a discriminação. No período 1995/98, como resultado do Programa Nacional para Portadores de Deficiência, foram qualificados um total de 62 mil pessoas. Em 1999, sem este Programa, mas com a diretriz de incorporação e registro, foram 159 mil trabalhadores deficientes qualificados, correspondendo a 6% do total do PLANFOR (próximo da estimativa de sua participação na PEA). O Ministério informa que dos programas não focalizados, mas que favorece a participação de deficientes, o PLANFOR financiou a adaptação do Telecurso 2000 – Supletivo e Profissionalizante para o alfabeto de surdos, passo fundamental na elevação da escolaridade dessa população. 5.1.2 - Guia de Avaliação do PLANFOR O Guia de Avaliação do PLANFOR consiste em um documento da Secretaria de Políticas Públicas de Emprego (SPPE) do Ministério do Trabalho, datado de 2000, elaborado para atender à decisão tomada por especialistas, coordenadores de qualificação dos Estados e 144 demais parceiros, em oficina nacional realizada em dezembro de 1999, para orientar as instituições contratadas a realizarem a avaliação do Programa. Este documento é composto de uma apresentação e dez itens: 1) especificações das necessidades da avaliação; 2) como foi realizada a avaliação em 1999; 3) como deveriam ser as próximas; 4) o que deveria ser avaliado; 5) avaliar para quê; 6) como avaliar; 7) pesquisa com egressos; 8) custos da avaliação; 9) produtos da avaliação; 10) perfil dos avaliadores. Além desse corpo de orientação, o Guia contém quatro anexos: no primeiro, constam todas as informações sobre o SIGAE e SIGEP; no segundo, um modelo de formulário para a pesquisa de egressos; no terceiro, a ficha do trabalhador – que deve ser preenchida pela executora no momento da inscrição no curso e que posteriormente comporá as informações do SIGAE e SIGEP; no quarto anexo consta um roteiro para elaboração dos projetos de avaliação externa. Além desses itens, há uma listagem identificando todas as siglas utilizadas no Guia. Assim, partindo dos resultados apresentados e debatidos naquela oficina, por diferentes projetos de avaliação nacional do PLANFOR, implementados entre 1996/1999, os participantes, tendo na coordenação a SPPE/MTE, decidem dar um salto qualitativo na base conceitual e metodológica da avaliação, definindo um conjunto mínimo de “respostas” que todos os Planos Estaduais de Qualificação (PLANFORs) e Parceiros Nacionais e Regionais (PARCs) se obrigam a fornecer e que podem servir de base para a avaliação global do PLANFOR. O Guia de Avaliação do PLANFOR é estruturado em torno de questões práticas, de quem precisa contratar e executar os projetos. Segundo este documento, trata-se de uma nova etapa na avaliação do PLANFOR, que é acompanhada e monitorada por uma Comissão Nacional de Avaliação, integrada por representantes dos Estados, dos Parceiros Nacionais/Regionais, das instituições avaliadoras e especialistas na área, sob a coordenação da SPPE do Ministério do Trabalho. Avaliar o PLANFOR, afirma o documento, é um compromisso com a sociedade, uma fonte de informação e orientação para aplicação de recursos públicos, um retorno aos cidadãos e contribuintes. O Ministério adota, inspirado em diretrizes de metodologias de construção de políticas públicas, as seguintes diretrizes básicas: a) participação dos interessados no processo, dialogando desde a elaboração do projeto até a apresentação e aplicação de seus resultados; b) transparência em todas as fases do processo e c) preocupação não só com os aspectos quantitativos, mas, sobretudo qualitativos, cobrindo dimensões de eficiência, eficácia e efetividade social das ações. 145 Esse processo de avaliação do PLANFOR é orientado para construir e analisar indicadores sobre eficiência, eficácia e efetividade social dos Planos Estaduais, definidos nos seguintes termos: eficiência – entendida como o grau de aproximação da relação entre o previsto e o realizado (treinandos, carga horária, abrangência espacial e setorial, aplicação dos recursos, entre outras variáveis) no sentido de combinar os insumos e implementos necessários à consecução dos resultados visados. Refere-se, portanto, à otimização dos recursos utilizados, sendo um indicador de produtividade das ações desenvolvidas. Assim, de um lado, envolve a comparação das necessidades de atuação sobre o fenômeno e, de outro, as diretrizes e os objetivos propostos e o instrumental disponibilizado para nele intervir; eficácia – expressa pelo benefício das ações de educação profissional (EP) para os treinandos, traduzido em melhoria de chances de obtenção ou manutenção do trabalho, geração ou aumento de renda, elevação de produtividade e melhoria da qualidade de produtos e serviços, integração ou reintegração social; efetividade social – entendida não somente como benefícios individuais obtidos pelos treinandos, mas sobretudo como processo de desenvolvimento regional/local, isto é, verificação dos impactos do PLANFOR do ponto de vista das populações, comunidades ou setores focalizados. Outros indicadores também devem ser considerados, tais como: localização espacial, tamanho das localidades, capacidade institucional de resposta dos agentes executores do programa, o ambiente político no qual se desenrolam as atividades, sobretudo porque se trata de uma ação de âmbito nacional. Dois mecanismos são adotados para realização do acompanhamento e avaliação do PLANFOR: a supervisão gerencial e a avaliação externa em dois níveis – local e nacional. A supervisão foi implementada em 1996, em âmbito estadual e nacional, garantindo relatórios trimestrais ao CODEFAT, bem como informações para outros órgãos de governo (Secretaria de Planejamento, Casa Civil, Comunidade Solidária). A avaliação externa também foi implementada no mesmo ano da supervisão, incluindo, a partir de 1999, pesquisa de acompanhamento de egressos. 43 Em nível nacional, a avaliação externa foi realizada pela UNITRABALHO entre 1996/1999, produzindo sínteses dos resultados das avaliações estaduais. Construiu também 43 Rede Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho. Nasceu em 1995 por iniciativa de 32 Instituições de Ensino Superior (IES) públicas e privadas, federais e estaduais, com o objetivo de maior aproximação com o mundo do trabalho, em particular os segmentos organizados dos trabalhadores, associações de bairro, ONGs etc. 146 um processo de metodologia da avaliação destinado a melhorar e homogeneizar os projetos, sobretudo os PLANFORs. Em 1997, fica a cargo da UNIEMP, 44 que no período 1998/99 produz duas pesquisas nacionais, abrangendo projetos de “emprego garantido”. Em 1999, o IPEA assume o processo de avaliação externa propondo medidas de aprimoramento. As medidas propostas pelo IPEA têm como subsídio as avaliações implementadas até 1998, que indicam vários problemas: amplitude do PLANFOR, aliada às diferentes metodologias utilizadas pelas instituições estaduais (na sua grande maioria universidades públicas), dificultando sínteses em nível nacional; definição de um elenco mínimo de indicadores de eficiência, eficácia e efetividade social; freqüente confusão entre supervisão e avaliação e, enfim, conclusões e recomendações de baixa aplicabilidade. O IPEA reconhece que 45 o desenho do PLANFOR – flexível, descentralizado e com foco de política pública universal – torna mais complexa sua avaliação. Na ótica da Oficina Nacional, com a presença da UNITRABALHO e do UNIEMP, em 2000, são aprovadas as seguintes propostas básicas, que passam a ser a referência para a avaliação externa: 1) manter o PLANFOR como política pública e não apenas como programa de treinamento. Essa recomendação foi justificada pelo fato que não era suficiente avaliá-lo apenas pelas taxas de colocação de treinandos no mercado de trabalho – ótica do custo-benefício, pois o próprio Ministério reconhece que a qualificação por si só não gera ou garante emprego; 2) padronizar e simplificar a avaliação externa dos PLANFORs, definindo um conteúdo mínimo de questões que todas as instituições envolvidas devem cobrir, permitindo a comparação dos resultados em escala nacional; 3) constituir uma Comissão Nacional de Avaliação do PLANFOR, coordenada pela Secretaria de Políticas Públicas de Emprego do Ministério, reunindo representantes dos Estados, parceiros e as entidades avaliadoras, junto com especialistas da área e do IPEA com o objetivo de melhorar o processo. Observa-se na primeira recomendação, que se transforma em referência para a avaliação do PLANFOR, a explicitação de uma concepção de política pública sem definir o seu objeto ou conteúdo. Isto é, reafirmar “por princípio” que o PLANFOR é uma política pública e ao mesmo tempo reconhecer que não se pode avaliá-lo pela “taxa de colocação de treinandos no mercado de trabalho”, indica, no mínimo, uma declaração de que a criação de emprego não é objetivo do PLANFOR. E se esse não é seu objetivo, conforme declarado nos documentos oficiais, quando afirma que é uma política de emprego e renda, só resta mesmo o treinamento 44 Fórum Permanente das Relações Universidade Empresa. Iniciou suas atividades em 1997 e até 1999 realizou uma síntese dos resultados das avaliações estaduais, conduzindo o processo de avaliação do PLANFOR. 45 O Guia de Avaliação refere-se ao PLANFOR como uma política pública universal; contudo, o Guia do PLANFOR especifica sua ação focalizada como foi explicitado no item 5.1.1. 147 e a qualificação como única meta: dar empregabilidade, ou seja, treinar para as “novas” e precárias formas de trabalho. O Guia de Avaliação do PLANFOR apresenta uma distinção bastante clara entre a supervisão e a avaliação externa, estabelecendo: foco, objetivo, época da realização, atividades, execução, recursos, custos e produtos de cada uma. O Ministério estabelece um núcleo básico de questões a serem respondidas pelos projetos de avaliação externa dos Estados que podem ser sintetizados em nove itens ou dimensões da avaliação: 1) foco na demanda do mercado de trabalho; 2) atendimento da população-alvo; 3) adequação dos programas ofertados; 4) adequação das entidades executoras; 5) otimização de investimentos; 6) gestões dos PLANFORs; 7) gestão do PLANFOR; 8) impactos para os treinandos; 9) impactos como Política Pública. Assim, a avaliação externa de cada PLANFOR deve responder as seguintes questões: 1) como, quando, e por quem é elaborado o PLANFOR; 2) como a Secretaria do Trabalho (STb) identifica e define a demanda dos trabalhadores e as necessidades do mercado de trabalho incorporando-as ao planejamento e execução de suas ações; 3) como e que orientação técnica a STb fornece às instituições que desenvolvem cursos de educação profissional; 4) como e por quem são analisadas as propostas das instituições executoras de cursos/programas a serem ofertados; 5) como, quando e por quem são contratadas as entidades executoras do PLANFOR local; 6) como e por quem é definida a distribuição dos recursos do FAT para execução do PLANFOR local; 7) que critérios são utilizados pela STb para aprovação dos projetos/cursos de qualificação profissional e posterior contratação das entidades executoras; 8) como a STb gerencia a aplicação dos recursos do PLANFOR local; 9) como é realizada a supervisão gerencial do PLANFOR local; 10) se as entidades executoras desenvolvem nos cursos, de forma integrada, as habilidades básicas, específicas e de gestão como proposto nas diretrizes do PLANFOR. Desconhecem-se resultados integrais da avaliação externa de outros estados, por isso não é possível dizer se as instituições avaliadoras cumpriram as determinações do Ministério e deram as respostas solicitadas. No caso da Bahia, pode-se afirmar que a avaliação externa investiu junto à Secretaria do Trabalho e às entidades executoras, no sentido de buscar as respostas às dez questões propostas pelo Ministério. Contudo, as informações prestadas foram, em alguns casos, dúbias ou insuficientes, como por exemplo, a identificação das demandas do mercado de trabalho e da população-alvo dos diferentes municípios. A Secretaria informava que havia realizado através dos membros das CMEs, da prefeitura local ou entidades civis representativas do município, contudo os dados colhidos nas entrevistas realizadas com os 148 representantes das referidas comissões revelam duas situações: 1) a CME não participou em nenhum momento do planejamento dos cursos desenvolvidos pelo PLANFOR; 2) a prefeitura havia definido as demandas. 46 Está expresso no Guia de Avaliação que o foco da avaliação externa deve ser dirigido para os objetivos globais do PLANFOR, definidos e homologados pelo CODEFAT, nos seguintes termos: construir, gradativamente, oferta de EP permanente que contribua para reduzir o desemprego e o subemprego da PEA, combater a pobreza e a desigualdade social e elevar a produtividade do setor produtivo. Portanto, a avaliação externa deve aferir o cumprimento desses objetivos, incluindo acompanhamento de egressos. Além disso, deve exercer o direito de criticar a proposta do PLANFOR, formulando alternativas que possam contribuir para elevar sua eficiência, eficácia e efetividade social. Portanto, mais do que a reprodução dos termos de referência do Ministério e das Resoluções do CODEFAT, o “tom” da avaliação externa deve ser sempre analítico e propositivo. As possíveis modalidades de pesquisa indicadas no Guia de Avaliação são: análise documental (Resoluções do CODEFAT, Guia do PLANFOR, documentos do PLANFOR local, contratos, editais, prestação de contas, relatórios da supervisão, material didático); análise de dados secundários (PNAD, CAGED, SIGAE, SIGEP, PED, cadastros de educação profissional (EP); discussões em grupo; entrevistas abertas, semi-estruturadas, estruturadas; formulários e questionários. Para seleção dos informantes, o Ministério indica como referências as seguintes fontes: CEE, CMEs, STb, Parceiros nacionais e regionais, executoras e egressos. A apropriação técnica, pelo Ministério, de pesquisa acadêmica na avaliação dos PLANFORs é uma forma de dar credibilidade aos resultados encontrados. Contudo, a diretividade das questões abordadas limita a investigação/avaliação, respondendo apenas ao que interessa ao Ministério do Trabalho saber. Com relação aos egressos, a pesquisa deve ser item obrigatório da avaliação 47 externa, tanto que recebe termo de referência específico, com participação de técnicos das 46 Em relação ao atendimento ou não das orientações propostas pelo Ministério, pela avaliação externa, na Bahia vai-se analisá-las quando se apresentar os resultados dessa avaliação e dos demais PLANFORs quando se comentar os documentos de avaliação do próprio Ministério. 47 O termo de referência citado acima especifica os seguintes itens que devem ser observados na pesquisa: a) amostra aleatória com 95% de grau de confiança, margem de erro máximo de 5%, estratificada, segundo grupos de população-alvo do PLANFOR local, representando pelo menos por 80% dos concluintes e do investimento e extraída sobre os concluintes do ano anterior, respeitados os prazos para inserção no mercado de trabalho (90 a 180 dias após conclusão do curso); b) ser realizada logo no início do exercício, considerando egressos de ano/período anterior e fixada data-limite para o corte do universo a ser pesquisado e data de referência da pesquisa para homogeneizar as informações; c) os resultados devem ser apresentados segundo grupos de população-alvo e/ou programas, detalhados segundo sexo, raça/cor, escolaridade e outras variáveis, fazendo comparações, sempre que possível, com anos anteriores; d) adotar as classificações/codificações da Ficha do Trabalhador (SIGAE-SIGEP) para as variáveis idade, escolaridade, raça/cor, situação de trabalho, setor de 149 Secretarias de Trabalho, avaliadores dos PLANFORs estaduais e especialistas em avaliação. A metodologia sugerida propõe basicamente a comparação entre três momentos da trajetória do treinando: ao iniciar o programa de qualificação (matrícula), ao concluir o programa e, depois de concluído o programa, em prazo variável, mas considerando o tempo médio esperado para sua inserção no mercado de trabalho. Cada PLANFOR estadual deve aplicar até 4% dos recursos do convênio firmado na avaliação externa, sendo que a metade deve ser utilizada para a pesquisa com egressos e deve ser detalhada a partir das necessidades/especificidades do PLANFOR estadual. O item nove do Guia de Avaliação indica um “pacote mínimo” de produtos de avaliação, com sugestão de prazos de entrega e percentuais de pagamento sobre o orçamento total do projeto, visando garantir um mínimo de padronização que permita comparações e sínteses nacionais. Esse mesmo documento também determina as especificações técnicas dos relatórios, entendido como um documento técnico-gerencial para subsidiar tomada de decisões, que deve conter em termos de conteúdo uma análise dos resultados, restringindo reprodução de documentos, termos e referência ou extensa bibliografia. Em relação à estrutura, deve conter os itens básicos da avaliação (as nove dimensões citadas anteriormente), síntese e conclusões, recomendações e anexos. Também estabelece o perfil da equipe de avaliação do PLANFOR e os itens básicos do contrato com a instituição avaliadora. 5.1.3 - Avaliações do PLANFOR pelo Ministério do Trabalho e Emprego A seguir, comentam-se os resultados das três avaliações do PLANFOR, realizadas em 2000 e 2001 pelo Ministério do Trabalho, resultando em três publicações em 2002. A primeira – Avaliação do PLANFOR 2000 Trabalhadores qualificados pelo PLANFOR. Quem são e o que estão fazendo – sintetiza os resultados das avaliações externas com os egressos de 1999 dos 26 Planos Estaduais 48 de Qualificação denominados à época PEQs, posteriormente PLANFORs, e das 11 Parcerias – PARCs, totalizando 37 projetos concluídos. Essa síntese focaliza as nove dimensões49 básicas da avaliação adotadas para aferir a eficiência, a atividade econômica, município. Para ocupação, deve ser utilizado o SIGAE ou a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) onde o SIGAE não tiver sido implementado; e) as técnicas de pesquisa (entrevistas pessoais ou por telefone, encontros, reuniões) devem ser adaptadas às condições locais e características da clientela, localização, nível de escolaridade etc. O uso da mala direta está limitado pelo baixo índice de escolaridade dos treinandos; f) os instrumentos indicados pelo Guia são exatamente os anexos I (indicadores constantes do SIGAE e do SIGEP) e o anexo II – ficha do trabalhador. 48 O PLANFOR de Mato Grosso não realizou a pesquisa. 49 I) focalização da demanda; II) focalização do público-alvo; III) programas de qualificação; IV) entidades executoras; V) otimização de investimentos; VI) gestão dos PLANFORs e PARCs; VII) gestão do PLANFOR; VIII) efeitos da qualificação para os treinandos e IX) desempenho do PLANFOR como Política Pública. 150 eficácia e a efetividade social das ações de qualificação. A segunda publicação – Avaliação do PLANFOR 2000 – faz uma breve retrospectiva da avaliação do PLANFOR, indicando e comentando as três fases do processo de avaliação: construção (1995/1999), sistematização (1999/2001) e consolidação (2001/2002), apresentando os resultados a partir das nove dimensões já explicitadas anteriormente. A terceira – Avaliação do PLANFOR 2001 – sintetiza os resultados das avaliações de 26 Planos Estaduais de Qualificação – PLANFORs e de 15 Parcerias Nacionais e Regionais – PARCs, realizadas em 2001, por 37 instituições, em sua maioria vinculadas a universidades públicas federais. As nove dimensões básicas da avaliação do PLANFOR são desdobradas em 77 questões, que correspondem ao núcleo mínimo de critérios e indicadores definidos pelo Ministério. a) Avaliação dos Egressos do PLANFOR – 1999 Na primeira avaliação, que trata dos egressos de 1999 (BRASIL..., 2002b), o Ministério do Trabalho admite que, embora essa pesquisa sinalize aspectos positivos, é difícil tirar conclusões mais amplas, por falta de parâmetros de outras pesquisas com os quais pudessem ser comparados os resultados encontrados na pesquisa de egressos do PLANFOR. Assim, o desafio da Avaliação é, além de construir sua própria metodologia, definir referências para “medir” eficiência, eficácia e efetividade social. O objetivo, portanto, da Secretaria de Políticas Públicas de Emprego do MTE é de poder contribuir, a partir da publicação dos resultados da avaliação, no aprimoramento metodológico e na focalização das ações elevando a eficácia do PLANFOR em todo o país. No documento50 ora analisado, o Ministério informa que os PLANFORs adotaram procedimentos metodológicos complementares, contudo, a quase totalidade dos programas estaduais cobriram o núcleo central da pesquisa – avaliar os benefícios da qualificação para os treinandos – expresso no conjunto de questões básicas.51 Portanto, são dados essencialmente quantitativos, baseados em questionário estruturado, aplicado à amostra aleatória simples. Considera também que, apesar das lacunas de informações e variações 50 É importante esclarecer que essa publicação, assim como as outras duas, apresenta os dados agregados de PLANFORs e PARCs. 51 As questões foram as seguintes: 1) Os desocupados obtiveram trabalho/renda após os cursos? 2) Os ocupados mantiveram seu trabalho ou melhoraram suas condições? 3) Os ocupados elevaram sua renda? 4) melhoraram seu desempenho no trabalho? 5) Elevaram nível de informação sobre o mercado de trabalho? 6) Buscaram mais qualificação (ensino regular, cursos profissionais)? 7) Participaram e/ou se integraram mais na comunidade? 8) Melhoraram as relações pessoais e familiares? 9) Elevaram a auto-estima? Essas mesmas questões foram utilizadas nas avaliações de 2000 e 2001. 151 metodológicas, os resultados estaduais foram suficientes para estruturar a síntese dessa publicação. O documento registra um total de 2,6 milhões de treinandos (2 milhões nos PLANFORs e 600 mil nas PARCs), em 1999, sendo que 72% dos treinandos dos PLANFORs e 82% das PARCs tiveram ações presenciais (BRASIL..., 2002b, p.17). Os PLANFORs – 1999 cumprem as metas de atendimento aos trabalhadores rurais, mulheres, mulheres chefes de família, pessoas negras e pardas, jovens, em especial os que buscam o primeiro emprego e pessoas de baixa renda. Mas alguns segmentos de trabalhadores têm inclusão deficitária: os de baixa escolaridade (até fundamental incompleto) e com mais de quarenta anos de idade. A superação dessas duas dificuldades representa desafios para o PLANFOR e para as entidades e programas de qualificação em geral (BRASIL..., 2002b, p. 18). Os registros da sistematização da SPPE/MTE também indicam que 79% dos treinandos residem em área urbana e 21% na rural, reproduzindo o perfil da população residente, embora haja Planos Estaduais (23%) que atendem mais pessoas da área rural (BRASIL..., 2002b, p. 18). Em relação a gênero, em 1999, a PEA tinha 42% de mulheres e 50% dos treinandos do PLANFOR foram de mulheres, o que é coerente com as diretrizes do Programa – priorizar trabalhadoras. Além disso, 35% dessas mulheres são chefes de família, superior aos dados encontrados pela PNAD – 26%. Segundo a PNAD, 55% da PEA se declaram de cor branca e 44% preta/parda; no PLANFOR, essas proporções foram de 51% e 46%, respectivamente, portanto, próximas ao perfil da PEA. A diversidade de raça/cor só muito recentemente vem sendo considerada nas políticas públicas brasileiras. O PLANFOR, afirma o Ministério, faz um grande esforço para incluir no registro dos treinandos essa variável. Contudo, os dados indicam que ainda existe muito preconceito, pois em 14% das respostas há “cor não declarada”. Em relação à faixa etária, 39% dos treinandos têm entre 16-24 anos de idade, bem acima dos 26% registrado na PEA, o que está também coerente com as diretrizes do Programa. O atendimento de pessoas entre 25-39 anos também excedeu sua participação na PEA. Contudo, houve perdas na cobertura de pessoas com mais de quarenta anos (19%), ficando muito aquém ao registrado na PEA (35%). Esse dado reflete, segundo o MTE, as dificuldades de inserção dessas pessoas no mercado de trabalho, um círculo vicioso que só se quebra com ações afirmativas e integradas (BRASIL..., 2002b, p. 19). Atender, prioritariamente, trabalhadores com baixa escolaridade, isto é, com ensino fundamental incompleto, não é uma meta alcançada pelos PLANFORs em 1999. 152 Enquanto a PEA registra 52% de pessoas com ensino fundamental incompleto, no PLANFOR - 1999 há 45% de treinandos nessa situação. A sobre representação dos mais escolarizados (ensino fundamental completo ou mais), segundo o MTE, é decorrente de três fatores: 1) alta participação de jovens no Programa, segmento que tende a ter maior escolaridade, dada a universalização da escola pública; 2) despreparo (metodológico e experiêncial) das instituições executoras para qualificar pessoas com baixa escolaridade; 3) e a própria seletividade do mercado de trabalho, que se fecha para aqueles sem instrução básica. (BRASIL..., 2002b, p. 19). Acompanhando as diretrizes do PLANFOR, a qualificação profissional nacional atende, prioritariamente, os desocupados (48%), muito superior ao índice da PEA (10%). Nesse segmento (desocupados) há uma parcela significativa de pessoas que nunca trabalhou, decorrente, possivelmente, da alta participação de jovens no Programa. Entre os treinandos ocupados, o PLANFOR beneficia, relativamente mais, os trabalhadores “informais”, sem proteção social, isto é, sem registro em carteira nem contrato de trabalho. No caso dos assalariados, além dos autônomos e microempreendedores, sem qualquer tipo de regulação de suas atividades (BRASIL..., 2002b, p.19). Esses dados estão coerentes com a concepção de qualificação proposta pelo Ministério qualificar para a empregabilidade ou para as “novas formas de trabalho”. Os registros indicam também que foram treinadas 30% de pessoas sem nenhuma renda, bem acima dos 2% na PEA, mais um reflexo da participação dos jovens. E, 27% dos treinandos auferem até um salário mínimo, contra 18% na PEA. Em relação ao rendimento familiar, 6% estão em famílias sem rendimento e 60% na faixa entre um a três salários mínimos; na PEA essas proporções são de 2% e 36%, respectivamente (BRASIL..., 2002b, p. 20). A comparação realizada pelo Ministério do Trabalho entre o perfil dos egressos de 1999, pesquisados em 2000, com o perfil dos treinandos, detalhado anteriormente, revela que há sobre-representação, nas amostras de egressos, em algumas variáveis: a) residentes em áreas urbanas; b) gênero feminino; c) jovens de 16-24 anos; d) pessoas com escolaridade acima do ensino fundamental completo. Esses dados refletem tendências esperadas, segundo o MTE, em função da maior facilidade de localização de alguns segmentos: residentes em área urbana em geral; mulheres e jovens, mais restritos ao espaço doméstico e pessoas com maior escolaridade e ocupados, cujas vidas são mais estáveis e organizadas. Foram pesquisados no país 46,5 mil egressos dos PLANFORs (BRASIL..., 2002b, p. 22). 153 Do ponto de vista dos próprios egressos, os dados da pesquisa52 indicam que há alguns benefícios advindos da realização dos cursos, tais como: a) 15%, na média dos PLANFORs, dos desocupados obtêm trabalho/renda, chegando a 40% nos PLANFORs do Espírito Santo e Rio Grande do Sul; b) 47% dos ocupados mantêm-se no trabalho e melhoram suas condições de vida, chegando a 51% no RS, SC, PI; c) na média dos PLANFORs, 14% dos ocupados elevam a renda, chegando a 40% em MT e RS; d) 39% dos ocupados e 59% dos desocupados melhoram o desempenho no trabalho. Nos Estados do PR, RS, SC e MT, ultrapassam 75%; e) na média dos PLANFORs, 30% dos egressos, no geral, melhoram o nível de informação sobre mercado de trabalho, tendo atingido 71% em SC; f) na média dos PLANFORs, 42% dos egressos sentem-se estimulados a buscar mais qualificação, chegando a mais de 80% no DF e PA; g) 35% dos egressos sentem-se estimulados a participar e/ou se integrar mais na comunidade, passando de 75% na PB e PR; h) 28% dos egressos dizem ter melhorado sua relações pessoais e familiares; i) 57% dos egressos informam que elevaram a auto-estima, chegando a mais de 80% em PR, RS, SC, BA, e PA. Por fim, na média dos PLANFORs, 37% dos egressos informam que melhoraram suas condições de vida, aplicando em casa ou em outras esferas, o que aprenderam nos cursos, chegando a mais de 80% no DF, RS e MG (BRASIL..., 2002b, p. 25-26). Os dados acima merecem alguns comentários: 1) é preciso relativizá-los já que representam a média dos PLANFORs; 2) considerado-se que se trata de média, os percentuais de 15% dos desocupados obterem renda, 47% dos ocupados permanecerem no trabalho, 14% dos ocupados elevarem a renda etc, são muito baixos para um Programa em nível nacional; 3) os indicadores avaliados (ocupados, desocupados, aumento da auto-estima, aumento de renda, busca por qualificação etc) dizem muito pouco da situação real do trabalhador, por exemplo, que tipo de ocupação conseguiram e quanto houve de aumento da renda. No caso do PLANFOR/BA os egressos informam que: 86% melhoraram o nível de informação sobre o mercado de trabalho; 84% elevaram a auto-estima; 76% melhoraram o desempenho na ocupação e 50% mantiveram a ocupação. Contudo, apenas 18% dos desocupados obtiveram trabalho/renda, 3% dos ocupados elevaram a renda e só 10% melhoram suas condições de vida. 52 A pesquisa de egressos é essencialmente quantitativa, baseada em questionário estruturado, aplicado a amostra aleatória simples, com 95% de grau de confiança, margem de erro máximo de 5%, representando pelo menos 80% dos concluintes e do investimento do PEC/PARC. A amostra é extraída sobre os concluintes do ano anterior, respeitados os prazos para inserção no mercado de trabalho, melhorias profissionais, pessoais e sociais. A amostragem tem por base a Ficha do Trabalhador [...] (BRASIL..., 2002b, p. 12). 154 Os dados grifados indicam que o PLANFOR/BA, após quatro anos de implementação, não havia conseguido qualificar o trabalhador para a empregabilidade, inserindo-o nas “novas formas de trabalho”, portanto, melhorar suas condições de vida. O quadro do mercado de trabalho na Bahia, apresentado anteriormente, ajuda a compreender os limites da qualificação enquanto estratégia de inserção do trabalhador no mercado de trabalho. Com relação às estratégias e dificuldades na busca de trabalho, os resultados indicam que os egressos, em geral, procuram trabalho através de indicações de amigos, colegas e familiares, além de anúncios na mídia, agências e portas de empresas. As dificuldades apontadas pelos egressos para conseguir trabalho são: falta de experiência prévia, baixa escolaridade e falta de qualificação profissional, além da escassez de vagas (BRASIL..., 2002b, p. 26). Essas informações, dadas pelos próprios egressos, são muito curiosas em dois sentidos: primeiro, a intermediação de mão-de-obra, que deve ser realizada pelas executoras dos cursos de qualificação, não ocorreu; segundo, a qualificação também não, pois os entrevistados alegam sua falta para inserção no mercado de trabalho. Pergunta-se: para que serve a qualificação dada pelos PLANFORs? As conclusões com relação aos benefícios da qualificação para os egressos do PLANFOR, consideradas positivas pelo Ministério, dos 26 Relatórios estaduais avaliados são as seguintes: a) 50,59% das respostas indicam que houve obtenção de trabalho/renda para os desocupados, manutenção do emprego/melhoria de condições de trabalho/elevação de renda para os ocupados e melhoria no desempenho para ocupados e desocupados; b) 36,54% respondem que há maior nível de informação sobre o mercado de trabalho; e c) 30,21% que há maior estímulo à busca de qualificação/escolaridade. O documento ora analisado também indica que várias questões não foram avaliadas, pois ficaram sem respostas, que representa a necessidade de aprimoramento metodológico da pesquisa (BRASIL..., 2002b, p. 28). Essas conclusões podem ser questionadas nos seguintes aspectos: o dado de 50,5% diz respeito a três indicadores diferentes – obtenção de emprego/renda para os desocupados, manutenção do emprego/melhoria de condições de trabalho/elevação de renda para os ocupados e melhoria no desempenho para ocupados e desocupados. É necessário desagregar esses dados para que se possa chegar a alguma conclusão mais consistente. Quantos egressos, de fato, conseguiram emprego? Quantos conseguiram manter-se no emprego? Além disso, é necessário ter a informação sobre que tipo de emprego o desempregado e o empregado tiveram acesso. Da forma como os dados são apresentados não se pode chegar às conclusões que o Ministério chegou. 155 O documento referido arrola, ainda, dois conjuntos de recomendações: uma para aprimoramento das ações de qualificação e outra para avanço metodológico na própria pesquisa de egressos. Em relação às ações de qualificação, foram indicadas: 1) intensificar orientação às executoras dos cursos para reforçar os objetivos e diretrizes do PLANFOR, em especial à focalização e seleção do público-alvo, pois houve déficit no atendimento de pessoas com baixa escolaridade e com mais de 40 anos de idade; 2) manter o processo de monitoramento contínuo das ações através da gestão dos PLANFORs; 3) fortalecer a articulação entre as Secretarias de Trabalho com as CMEs e CEE e as entidades executoras para maximizar os investimentos, articular ações e evitar ao máximo a sobreposição de públicos, cursos e/ou recursos; 4) mobilizar continuamente os atores sociais envolvidos na implementação das ações para aperfeiçoar o planejamento com foco nas demandas de mercado e do público-alvo; 5) dar maior ênfase à integração do PLANFOR com outros mecanismos do FAT – intermediação, crédito e seguro-desemprego; 6) aperfeiçoar mecanismos de encaminhamento ao mercado de trabalho, articulando a qualificação com intermediação e crédito popular e mobilizando as empresas e organismos públicos para absorção dos egressos (BRASIL..., 2002b, p. 30). Em relação à metodologia, o Ministério recomenda: a) investir na qualidade e cobertura do SIGAE como base para avaliação em geral e para a amostragem da pesquisa com egressos; b) abranger todas as questões do núcleo básico da pesquisa, de acordo com o formulário e demais orientações do Guia de Avaliação; c) garantir padrão amostral indicado (95% de confiança e erro máximo de 5%) de modo que a pesquisa seja representativa e seus resultados possam ser comparados e generalizados; d) disponibilizar os resultados das pesquisas com egressos para as Comissões de Emprego, instituições avaliadoras, executoras e demais atores sociais (BRASIL..., 2002b, p. 31). As recomendações do Ministério reafirmam, de um lado, o que se disse anteriormente, falta de consistência dos dados para que se possa chegar a conclusões sólidas. Portanto, a metodologia utilizada na avaliação externa precisa ser melhorada para que se possa avaliar consistentemente as ações dos PLANFOR.s. De outro lado, a qualificação oferecida pelo PLANFOR ainda carece de muito aperfeiçoamento para poder atender as próprias diretrizes nacionais do Programa, talvez até ser repensada, pois os treinados se sentem despreparados para inserção no mercado de trabalho. 156 b) Avaliação do PLANFOR – 2000 Na publicação, Avaliação do PLANFOR, 2000, que trata da segunda avaliação realizada nesse ano, o Ministério faz uma retrospectiva dos três momentos da avaliação. No período (1995/1999) de construção de uma metodologia de avaliação são pensadas e definidas algumas premissas gerais: a) independência entre a avaliação e a gestão/execução dos PLANFORs; b) descentralização dos projetos avaliativos, coerente com a diretriz de execução do Programa; c) busca da universidade pública como referência para aportes críticos no plano metodológico conceitual; d) distinção entre avaliação e processos de fiscalização, de supervisão e mesmo da avaliação da aprendizagem em termos convencionais; e) o imperativo de avaliar o PLANFOR como uma política pública e não apenas como um programa de treinamento em massa. Destaca-se o último item porque o Ministério considera o PLANFOR como uma política pública e o objetivo desta tese é estudar dois aspectos do PLANFOR: 1) sua coerência interna que abrange dois pontos: a) a consistência de seus pressupostos e diretrizes com relação ao que a literatura aponta como requisitos, hoje exigidos pela sociedade contemporânea, para formação profissional do trabalhador; b) a coerência ou não de seus supostos e diretrizes em relação ao planejamento e à gestão do PLANFOR/BA, no que diz respeito ao atendimento das demandas do mercado de trabalho e da população- alvo regional e/ou local. 2) a coerência externa, isto é, em que medida o PLANFOR, através da implantação dos cursos de qualificação profissional, é uma alternativa de combate ao desemprego. O processo de construção, afirma o Ministério, implicou em uma complexa engenharia, envolvendo múltiplos arranjos: metodológica – definição de parâmetros, critérios, indicadores, instrumentos adequados à avaliação de políticas públicas em geral e em particular de EP; operacional – avaliação de/em processo de um Programa em fase inicial de implantação, com seu desenho e estratégias em contínua revisão, sem resultados imediatos; institucional – relação dos próprios atores envolvidos no PLANFOR em todas as esferas do governo e sociedade civil; profissional – formação de equipes, tanto nos PLANFORs (Secretarias de Trabalho) como nas universidades; relacional – estabelecimento do necessário diálogo entre “avaliados” e “avaliadores”, superando a natural rejeição e desconfiança entre as partes (BRASIL..., 2002a, p. 14). Esse processo enfrentou também uma série de dificuldades: a) a escassa experiência, inclusive no plano internacional, em avaliação de políticas públicas do ponto de vista mais amplo, indo além da análise “custo X benefício”; b) o desenho do PLANFOR 157 descentralizado nas 27 Unidades Federativas, cada uma com especificidades que implicavam em um desenho peculiar da qualificação profissional; c) o desafio de avaliar um processo, acompanhando e incorporando sucessivas e necessárias revisões; d) o risco de avaliar o Programa desde o início de sua implementação, sem aguardar resultados mais consolidados, esperados para médio e longo prazos. Foram dificuldades recorrentes e não de todo superadas, mas gradativamente equacionadas com a cooperação de um grande número de parceiros: equipes técnicas dos PLANFORs e das universidades, os subsídios fornecidos pela UNITRABALHO (1997/1998) e pelo UNIEMP (1998/1999), que trataram de organizar fóruns de debates em torno das questões metodológicas cruciais da avaliação, buscando construir referências nacionais para os projetos (BRASIL..., 2002a, p. 15). O Ministério aponta também alguns avanços no processo de construção: em 1996, a maioria dos estados contrata e executa a avaliação e alguns iniciam a pesquisa com egressos; em 1997, todos os PLANFORs passam por avaliação externa e a maioria implanta a pesquisa com egressos; em 1998, a avaliação externa e a pesquisa de egressos estão em andamento em todos os PLANFORs; em 2000, todos os PLANFORs implantam processos de avaliação e acompanhamento de egressos (BRASIL..., 2002a, p. 22). No período (1999/2001) de sistematização, segundo o documento ora analisado, o Programa cresce e se consolida, tornando-se mais conhecido, mais visível e mais questionado. Os dados apresentados são os seguintes: a) entre 1995 e 1998, mais de 1 bilhão de reais do FAT são investidos na qualificação de 8 milhões de pessoas em todo o Brasil, cobrindo 2/3 dos municípios do país, inclusive os piores focos de pobreza e miséria; b) quase 2 mil instituições se envolvem na execução descentralizada das ações, trazendo ao cenário novos e importantes atores no campo da qualificação – sindicatos, ONGs e a própria universidade; c) o perfil dos treinandos passa a incorporar variáveis de gênero e etnia, um registro pioneiro em programas da escala e natureza do PLANFOR; d) os cursos multiplicam-se por todo o país, testando metodologias, parcerias, abordagens e públicos; e) o PLANFOR ganha status de programa estratégico do governo federal, acompanhado de perto por organismos da Casa Civil, do Planejamento, da Fazenda e dos Poderes Legislativo e Judiciário; f) as CMEs e CEE, débeis em 1995, vão se estruturando em torno do eixo “qualificação profissional” e em 1999, todas as UFs possuem Comissão Estadual de Emprego e cerca de 2 mil municípios contam com as Comissões Municipais. Esse universo incluía cerca de cinqüenta mil pessoas (BRASIL..., 2002a, p. 16). 158 Observa-se, desta forma, que o grau de envolvimento de instituições e agremiações da sociedade civil, em 2000, expresso no universo de cerca de 50 mil pessoas envolvidas, é uma clara evidência de como a “epidemia da qualificação” se espalha no país. Com a incorporação do IPEA, em 1999, suas críticas e propostas são levadas à discussão nacional, envolvendo coordenadores e avaliadores do PLANFOR, especialistas e equipes técnicas do MTE e IPEA, que chegam a dois consensos: 1) necessidade de manter e aprimorar avanços e conquistas, como o enfoque de avaliação do PLANFOR como política pública descentralizada, e a participação das universidades nesse processo; 2) o imperativo de padronizar e simplificar os projetos de avaliação externa, definindo um conteúdo mínimo a ser garantido para todos, para permitir a síntese e comparação dos resultados estaduais da avaliação do PLANFOR. As conclusões desse fórum de discussão, somadas aos três anos de experiência na avaliação do Programa, são sistematizados no Guia de Avaliação do PLANFOR, editado em 2000 (BRASIL..., 2002, p. 17). O período (2001/2002) denominado pela SPPE/MTE de consolidação, tem dois níveis: metodológico e de resultados. Nos meses de fevereiro e março de 2001 foram realizadas oficinas regionais de planejamento nos quais são apresentados resultados preliminares da avaliação de 2000. As sínteses preliminares mostram a cobertura de quase todas as dimensões propostas no Guia, contudo, indicam, ainda, variação expressiva no desenvolvimento de cada dimensão avaliada, levando o Ministério a recorrer a um comitê técnico-consultivo, que recomenda um exaustivo detalhamento dos critérios e indicadores, acompanhado da indicação de técnicas e fontes de informação para cada dimensão da avaliação. A última versão do Guia de Avaliação 2001 foi editada, como capítulo do Guia do PLANFOR 2001, e disponibilizada em junho do mesmo ano para todas as equipes dos PLANFORs e respectivos avaliadores (BRASIL..., 2002a, p.18-19). 53 Para avaliar os resultados encontrados nos Planos Estaduais, o Ministério levou em consideração as seguintes dimensões: 1) focalização na demanda de mercado; 2) focalização do público-alvo; 3) programas de qualificação; 4) entidades executoras; 5) otimização de investimentos; 6) gestão dos PLANFORs; 7) gestão do PLANFOR, isso em relação à eficiência. A eficácia é avaliada pela dimensão 8 – efeitos da qualificação para os treinandos. E a efetividade social pela dimensão 9 – desempenho como política pública. Essas nove 53 A classificação adotada foi a seguinte: (+S) sim, plenamente = resposta positiva à questão, sem restrições; (-S) sim, com reservas = resposta positiva, com restrições; (-N) não, com atenuantes = respostas negativas, admitindo esforço na direção esperada; (+N) não, sem dúvida = resposta totalmente negativa; (NA) (não avaliado = questão não abordada pela avaliação; (SI) sem informação = sem informação suficiente para enquadramento nas demais alternativas e (NSA) não se aplica = admitida em alguns casos de PARCs, em função da especificidade de seus públicos/programas. Essa classificação é adotada também na avaliação de 20001. 159 dimensões desdobram-se em 78 questões que devem ser respondidas pelas equipes de avaliação externa de cada Estado (BRASIL..., 2002a, p. 23). As conclusões do Ministério sobre cada dimensão são apresentadas no documento ora analisado, de forma agregada, isto é, os dados dos PLANFORs e das PARCs juntos, sendo impossível se identificar o que diz respeito a um ou outro. Contudo, mesmo tratando-se de dados agregados, apresenta-se as conclusões de apenas quatro dimensões: 1) focalização na demanda de mercado; 2) focalização do público-alvo; 3) efeitos da qualificação para os treinandos e 4) desempenho como política pública, exatamente, porque representam o eixo desta tese, que é responder se o PLANFOR/BA pode ser considerado uma política pública de emprego e renda. O atendimento ou não pelos PLANFORs estaduais da focalização dos cursos nas demandas do mercado de trabalho e nas necessidades do público-alvo dos cursos de qualificação, diretrizes do Programa nacional, significa para o Ministério estar qualificando para as “novas formas de trabalho”, isto é, para a empregabilidade. Por outro lado, identificar quais foram os resultados da qualificação para os trabalhadores, através do próprio treinando e seus empregadores, vai corroborar para a elucidação do problema apresentado neste estudo. Quanto à focalização dos cursos nas demandas do mercado de trabalho, 54 dos 40 casos analisados (27 PLANFORs e 13 PARCs), as conclusões foram: 1) 27 casos ofereceram cursos a partir de demandas identificadas, sendo que a maioria (17), sem restrições. Segundo o documento referido, esses dados são respaldados pelo confronto das informações obtidas sobre o mercado de trabalho local/regional e as áreas de atividades profissionais dos programas executados (BRASIL..., 2002a, p. 25). Quanto à utilização pelos PLANFORs/PARCs de estudos/pesquisas e outras referências para identificar oportunidades de trabalho/renda e/ou aplicação dos conhecimentos para os treinandos, dos 40 casos analisados, em 18 (menos que a metade) as respostas foram positivas. Os Programas estaduais tomaram como evidência a utilização de dados estatísticos oficiais e de outras fontes, a realização de fóruns, estudos e pesquisas produzidos pelos avaliadores externos em anos anteriores, outros programas estaduais e estudos de institutos de pesquisa como o IPEA. (BRASIL..., 2002a, p. 25). No caso do PLANFOR/BA foi alocado algum recurso da UF, segundo a participação dos municípios na PEA. Contudo, os cursos não foram planejados/executados 54 Foram utilizadas as seguintes questões: 1) Mobilizou, articulou CEE/CMEs para identificar/negociar oportunidades de trabalho/renda? 2) Realizou estudos, pesquisas e outras referências para identificar oportunidades de trabalho/renda? 3) Alocou recursos na UF, segundo a participação dos municípios na PEA? 4) Planejou/executou a maioria dos cursos/programas com base nas demandas identificadas? 5) Planejou/executou ações de encaminhamento dos treinandos desocupados ao mercado, após conclusão dos cursos? 160 com foco na demanda de mercado porque não houve mobilização articulação das CMEs/CEE e nem foram realizados estudos, pesquisas e outras referências para identificá-las e tão pouco foram planejadas e executadas ações de encaminhamento dos treinandos desocupados ao mercado de trabalho (BRASIL..., 2002a, p. 62-63). Ao se considerar a própria lógica do PLANFOR e suas metas para avaliação, quando o foco na demanda do mercado de trabalho é questão fundamental, fica difícil dar credibilidade a uma avaliação do próprio Ministério que, insistentemente em suas documentos, a apresenta como positiva, conforme descrito anteriormente. Exemplo disso está nos seguintes dados: na questão sobre a mobilização das Comissões Tripartites para identificar oportunidades de trabalho e renda para os treinandos, em 28 casos analisados, 15 respostas foram positivas, mas destas, 11 foram sem restrições (BRASIL..., 2002a, p. 25). A conclusão do Ministério é que quase metade dos PLANFORs/PARCs operou com relativa eficiência na focalização da demanda do mercado de trabalho, buscando dados, estudos, pesquisas e referências para orientar o planejamento dos cursos; mobilizou as Comissões nesse processo e planejou e executou suas ações a partir das referências encontradas (BRASIL..., 2002a, p. 49-53). Cabem algumas observações em relação às conclusões do Ministério: 1) considerase muito baixo (menos de 50%) o percentual de Programas que planejaram suas ações com foco na demanda do mercado, pois esse é o critério fundamental do PLANFOR para que os trabalhadores qualificados nos cursos possam ter “alguma chance” de inserção às “novas formas de trabalho”; 2) no caso específico do PLANFOR/BA, os estudos e pesquisas sobre mercado de trabalho se concentram na RMS, ficando a grande maioria dos municípios do Estado sem informações sobre essa questão. Por outro lado, os resultados da avaliação externa no período 1996/2001 indicam que a participação das CMEs no planejamento, execução e avaliação do PLANFOR/BA foi insignificante; 3) não houve nenhum tipo de avaliação sobre o encaminhamento dos trabalhadores ao mercado de trabalho. Quanto à focalização dos PLANFORs no público-alvo prioritário55 nos cursos desenvolvidos, o Ministério conclui que: 1) quase 50% dos PLANFORs/PARCs estaduais 55 Foram utilizadas pelas equipes de Avaliação Externa dos estados treze questões (indicadas pelo Ministério) para avaliar essa dimensão: 1) Assegurou 90% de vagas e 80% dos investimentos para os grupos prioritários? 2) As pessoas desocupadas representam pelo menos 50% dos treinandos? 3) O restante das vagas foi e investimentos foi direcionado para grupos relevantes para o desenvolvimento local/regional? 4) Membros das CMEs/CEE foram contemplados nesses grupos? 5) promoveu ações de divulgação, informação e/ou mobilização dirigidas à inclusão de grupos vulneráveis nas ações de qualificação? 6) Garantiu a participação de mulheres igual a sua participação na PEA? 7) Garantiu a participação de mulheres chefes de família igual a sua participação na PEA? 8) Garantiu participação de pessoas negras/pardas igual a sua participação na PEA? 9) Garantiu a participação de pessoas com até sete anos de escolaridade igual a sua participação na PEA? 10) Garantiu a participação de 161 ofereceram cursos de qualificação com focalização no público-alvo definido pelo CODEFAT, pelo menos no que diz respeito ao número de vagas; 2) os outros 50%, na sua maior parte, não respondeu as questões e poucos programas estaduais não cumpriram as diretrizes de focalização; 3) o maior número de respostas negativas incidiu sobre dois aspectos: inclusão de pessoas de baixa escolaridade e portadoras de deficiência. Por fim, o Ministério informa que, apesar de se tratar de aspectos cruciais da proposta do PLANFOR, a maioria dos indicadores não foi contemplada na avaliação de 2000 (BRASIL..., 2002a, p. 29). Os dados apresentados são inconsistentes e muito imprecisos, pois menos que a metade dos PLANFORs/PARCs estaduais ofereceu cursos focalizados no público-alvo, assim mesmo, apenas em relação às vagas. Dos outros, a maior parte não respondeu as questões formuladas e poucos não ofereceram cursos com foco no público-alvo. Afinal, quantos PLANFORs/PARCs estaduais, por exemplo, deixaram de atender pessoas com baixa escolaridade e portadoras de deficiências? Por fim, o Ministério diz que a maioria dos indicadores (quais? quantos?) não foi avaliado. Com esses dados nada se pode concluir, a não ser dizer que a avaliação não atingiu seus objetivos. Recorrendo ao Relatório Gerencial56 2000 para complementar os dados das avaliações estaduais, o Ministério obtém as seguintes informações: 1) 97% das vagas e dos investimentos são direcionados aos quatro grupos prioritários definidos pelo CODEFAT; 2) são atingidas as metas de atendimento a pessoas desocupadas, populações rurais, de baixa renda, jovens, mulheres em geral e mulheres negras/pardas em particular. Adverte que fica aquém do mínimo esperado a participação de negros/pardos, pessoas de baixa escolaridade, trabalhadores acima de 40 anos e pessoas portadoras de deficiência (BRASIL..., 2002a, p. 29). Quanto aos benefícios da qualificação 57 oferecida pelo PLANFOR para os treinandos, especialmente em relação ao mercado de trabalho, mas também para a vida pessoal e familiar, o Ministério chega às seguintes conclusões: a) de 40 casos analisados, em 28 há respostas positivas quanto à melhoria no desempenho dos egressos no trabalho, sendo que, em 2 casos com restrições; b) de 38 casos analisados, em 27 as respostas são positivas em relação à obtenção de emprego e renda pelos desocupados, com restrições em 7 casos; c) de 38 casos analisados quanto à elevação da renda dos ocupados, em 24 as respostas são positivas, sendo pessoas sem renda ou com renda até meio SM igual a sua participação na PEA? 11) Garantiu a participação de pessoas de 16-21 igual a sua participação na PEA? 12) Garantiu a participação de pessoas de com mais de 40 anos igual a sua participação na PEA? 13) Garantiu a participação de pessoas portadoras de deficiência? 56 O Relatório Gerencial 2000 foi produzido a partir das informações prestadas pelos PLANFORs e PARCs através do SIGAE. 57 Para avaliar essa dimensão, o Ministério utilizou como base analítica a pesquisa realizada pelas equipes de Avaliação Externa com os egressos de 1999, que abrangeu 70 mil trabalhadores qualificados , sendo que 45,5 mil nos PLANFORs e 22,1 mil nas PARCs. 162 que, com restrições em 6; d) em 23 casos há respostas positivas quanto à melhoria das relações familiares; e) dos 38 casos analisados sobre manutenção ou melhoria das condições no trabalho, 22 dão respostas positivas; f) dos 40 casos analisados sobre estímulo a prosseguir na busca de educação e qualificação, 19 respondem positivamente (BRASIL..., 2002a, p. 42). Esses dados também apresentam problemas porque as nove questões58 indicadas pelo Ministério para avaliação dessa dimensão – benéficos da qualificação para os treinandos – não permitem conclusões consistentes, porque envolvem um grau de subjetividade muito grande. Por exemplo, quando se pergunta se o desocupado obteve trabalho/renda não se especifica que tipo de trabalho ele conseguiu e quanto passou a ganhar, o mesmo ocorrendo em relação aos ocupados. O que significa, exatamente, melhorar o desempenho no trabalho? Ou se integrar mais na comunidade? No caso específico do PLANFOR/BA, nas questões sobre manutenção do trabalho, elevação de renda, melhor nível de informação sobre o mercado de trabalho, mais participação na comunidade, melhoria de relações pessoais/familiares, e melhoria da autoestima as respostas foram positivas, mas com restrições, segundo os critérios utilizados pelo Ministério. Apenas duas questões (obtenção de trabalho/renda e melhor desempenho no trabalho) tiveram respostas totalmente positivas (BRASIL..., 2002a, p. 8587). Cabe aqui o mesmo questionamento feito em relação aos dados da avaliação de 1999: quantos trabalhadores se inseriram no mercado e em que tipo de ocupação? Sem essas informações fica difícil compreender, de fato, os benefícios da qualificação para os treinandos do PLANFOR. Quanto à avaliação da efetividade social59 dos PLANFORs/PARCs, o Ministério chega às seguintes conclusões: 1) perto de 60% dos Programas são efetivos em promover o avanço conceitual da EP em seu modelo e conteúdo, bem como em mobilizar e articular novos atores nesse campo, contribuindo para a construção da nova institucionalidade da Educação Profissional; 2) 30% a 40% são efetivos em matéria de integração entre qualificação profissional e outros programas do FAT e outras políticas públicas. A incidência de respostas negativas é pouco expressiva. Os limites à análise são, mais uma vez, a falta de respostas da avaliação externa estadual a todas as questões, na maioria ou em parte expressiva dos 58 59 Foram utilizadas as mesmas da avaliação de 1999 já indicadas anteriormente. A efetividade social do PLANFOR, para o MTE, é expressa pelos efeitos mais amplos e duradouros da qualificação, além dos benefícios individuais para os treinandos. Para avaliá-la foram definidas 5 questões, aplicáveis ao conjunto dos PLANFORs/PARCs: avanço conceitual da EP, articulação e fortalecimento de novos atores na EP, integração com outras políticas públicas, integração da qualificação com outros programas do FAT e fortalecimento na gestão tripartite da EP. 163 PLANFORs/PARCs. O Ministério admite a falta de aprofundamento qualitativo desses indicadores e tendências (BRASIL..., 2002a, p. 42). O PLANFOR/BA contribuiu para articular e fortalecer novos atores na EP, contudo não houve contribuição para o avanço conceitual no modelo e conteúdo da EP e no fortalecimento e avanço da gestão tripartite (BRASIL..., 2002a, p. 88-89). O avanço conceitual no modelo e conteúdo da EP e o fortalecimento e engajamento das CMEs são duas questões fundamentais na implementação do PLANFOR, pois a proposta do Programa é para superar a qualificação centrada apenas em cursos e habilidades específicas para preparar o trabalhador para as “novas formas de trabalho”. Por outro lado, a participação efetiva das CMEs pode, de alguma forma, viabilizar a focalização desses cursos nas demandas do mercado de trabalho local/regional. Pelos dados apresentados pelo Ministério o PLANFOR/BA não realizou nem uma coisa nem outra. Os dados do Relatório Gerencial 2000, já referido, corroboram com as conclusões positivas, destacando um rol de projetos inovadores que reafirmam o avanço conceitual, a mobilização e articulação desejadas. Indicam, também, que há uma crescente articulação do PLANFOR com outros mecanismos do FAT (seguro-desemprego, crédito popular, intermediação), além de ocupar papel estratégico em programas da área social e de direitos humanos priorizados pelo Plano Plurianual de Investimentos (PPA) do governo federal (BRASIL..., 2002a, p. 42). Com base na avaliação dos PLANFORs de 2000, o Ministério faz uma série de recomendações às Secretarias do Trabalho. Dada a pertinência de algumas delas com os objetivos desta tese, destacam-se as seguintes: 1) promover maior envolvimento das CEEs no processo de planejamento dos PLANFORs, no sentido de ajustar o foco na demanda, identificar e viabilizar oportunidades de trabalho e renda para treinandos, fortalecendo novos atores e avançando na gestão tripartite da EP; 2) ajustar os cursos com os processos de divulgação e seleção, de modo a incluir, efetivamente, segmentos mais vulneráveis, em especial pessoas negras/pardas, de baixa escolaridade e portadoras de deficiência, grupos em que o atendimento ficou aquém do desejado; 3) empenhar-se em parcerias e ações efetivas para colocação de desocupados no mercado de trabalho após qualificação; 4) continuar a integração com os demais programas do FAT para garantir saídas para os treinandos após cursos, explorando os serviços de intermediação, agências do trabalhador e linhas de microcrédito (BRASIL..., 2002, p. 52). Como ocorreu na avaliação de 1999 dos PLANFORs estaduais, o Ministério, em 2000, insiste nas mesmas recomendações, indicando que os cursos desenvolvidos pelas 164 executoras ainda não estavam sendo planejados, integralmente, com foco nas demandas de mercado e na população-alvo definidas pelo CODEFAT, assim como faltou participação efetiva das Comissões Tripartites. O encaminhamento dos trabalhadores qualificados ao mercado de trabalho, entendido como colocação em uma ocupação, também ficou pendente. A falta de ajuste dos cursos a esses critérios/indicadores é grave, pois são considerados estratégicos para o PLANFOR. c) Avaliação do PLANFOR – 2001 A avaliação de 2001 (BRASIL..., 2002c), segundo documento referido, manteve e aprimorou a análise das nove dimensões básicas estruturadas a partir de 2000, como aspectos essenciais da avaliação do PLANFOR. Seu objetivo, portanto, foi aprimorar as ações de qualificação como componentes da política pública de emprego e renda, como define o Ministério. Para elaboração dessa síntese, as respostas da avaliação de 2001 às 77 questões são classificadas60 segundo as mesmas alternativas adotadas em 2000, que parecem ter abrangido satisfatoriamente as diversas possibilidades de análise. (BRASIL..., 2002c, p. 5). Nesse documento, como no anterior, os resultados são apresentados agregados – PLANFORs e PARCs. Assim, a avaliação de 2001 contou com resultados das avaliações externas de 26 PLANFORs e 15 PARCs, realizadas por 37 instituições, em sua maioria vinculadas a universidades públicas. A seguir, passa-se a comentar os resultados apresentados pelo Ministério. Quanto à focalização na demanda do mercado de trabalho, em média, 82% dos PLANFORs/PARCs são considerados ótimos/bons. Esse índice alcança 90% em dois indicadores: planejamento/execução dos cursos com base em oportunidades do mercado e alocação de recursos dos municípios, segundo tamanho da PEA ou da população. Contudo, o indicador – encaminhamento de treinandos desocupados ao mercado de trabalho após a conclusão do curso – obtém o menor índice de respostas positivas (62%). É também nesse item que a avaliação encontra maior incidência de conceito negativo, assim como no que se refere à realização ou utilização de estudos, pesquisas e outras referências para identificar a demanda (BRASIL..., 2002c, p. 10). Estes dados apresentados pelo Ministério se contradizem, pois ao tempo em que a focalização dos cursos no mercado de trabalho é considerada ótima/boa, a incidência de respostas negativas na realização de estudos e pesquisas para identificar essas demandas é grande. Em que referências os PLANFORs se basearam para identificar as demandas? Por 60 É a mesma utilizada em 2000 e já referida. 165 outro lado, o encaminhamento do trabalhador qualificado ao mercado de trabalho, considerada etapa final da qualificação, ainda continuou pendente. Afinal, para quê os PLANFORs estão qualificando? Vale aqui o mesmo questionamento realizado em relação aos dados da avaliação de 2000: participação efetiva das CMEs, realização de estudos e pesquisas no sentido de identificar as demandas do mercado de trabalho local/regional e encaminhamento dos egressos ao mercado de trabalho constituem questões-chave para o PLANFOR, para que o trabalhador qualificado tenha alguma possibilidade de obter uma ocupação. Como os dados indicam que essas questões foram “parcialmente” atendidas, fica-se sem saber, objetivamente, quantas executoras e quantos municípios desenvolveram cursos no PLANFOR/BA – 2001 com foco nas demandas identificas. Quanto a focalização no público-alvo,61 em média, 83% dos PLANFORs/PARCs são considerados ótimos/bons, chegando a 90% quando se trata dos quatro grupos da população prioritária (desocupados, em risco de desocupação, autônomos e pequenos e microempreendedores) e na inclusão de alguns segmentos preferenciais (mulheres, jovens, pessoas de baixa renda, pessoas portadoras de deficiência e pessoas negras/pardas). O desempenho cai a níveis mais baixos (60%) no atendimento de trabalhadores com mais de quarenta anos e pessoas com baixa escolaridade, dificuldades não superadas desde a implantação do PLANFOR em 1996. Esses dois itens, mais a qualificação dos membros das Comissões e inclusão de mulheres chefes de família foram os que acusaram maior incidência de respostas totalmente negativas. No que se refere às executoras, os dois pontos mais fracos continuam sendo as parcerias para colocação dos egressos desocupados no mercado de trabalho e para elevação da escolaridade das pessoas que não completaram o ensino fundamental, também persistentes desde 1996. A eficácia dos PLANFORs em 2001, isto é, o que mudou na vida dos trabalhadores após qualificação, foi avaliada através de nove questões62 e os resultados encontrados foram os seguintes: a) em média, 95% dos PLANFORs são eficazes na promoção do desenvolvimento profissional, familiar e social dos treinandos. Índices acima dessa média são encontrados em relação ao aumento do nível de informações sobre o mercado de trabalho, elevação da auto-estima, estímulo na busca de mais qualificação e melhoria do desempenho 61 Para avaliação dessa dimensão, houve 13 questões básicas, as mesmas da avaliação de 2000 e 2/3 dos PLANFORs/PARCs responderam todas. 62 Foram as mesmas utilizadas em 2000. 166 profissional. O menor percentual (85%) refere-se à elevação de renda. Benefício desejado admite o Ministério, mas difícil no contexto econômico atual (BRASIL..., 2002c, p. 20-21). Do ponto de vista dos egressos dos PLANFORs – 2001, para cerca de 90%, a qualificação obtida ajudou a melhorar a vida em vários aspectos, dentre as quais se destacam: aumento de auto-estima, manutenção do trabalho, e/ou de melhoria de suas condições, melhor desempenho na ocupação. Os efeitos menos apontados, citados por 20% – 30% dos egressos, em média, referem-se à obtenção de trabalho pelos desocupados e à elevação da renda dos ocupados. O Ministério considera que essas médias superam as expectativas para programas com populações vulneráveis, que raramente passam dos 20% na colocação no mercado de trabalho. Assim, o foco em alternativas de trabalho e renda para egressos permanece como principal desafio para os PLANFORs, ainda que se trate de metas difíceis de viabilizar, dependentes, sobretudo da dinâmica do mercado de trabalho e da política econômica do país (BRASIL..., 2002c, p. 19). No caso do PLANFOR/BA, a focalização no público-alvo prioritário ocorreu porque houve respostas positivas, segundo os critérios do Ministério, para as seguintes questões: pelo menos 90% das vagas e 80% dos investimentos foram para o público-alvo do programa; atendeu pelo menos 50% de desocupados; o restante das vagas e dos investimentos foram dirigidos para grupos relevantes para o desenvolvimento local/regional; houve participação de mulheres no mínimo igual à sua participação na PEA, assim como mulheres chefes de família, pessoas negras/pardas entre 16-21 anos. Contudo, não foram qualificados membros das CMEs e não houve ações de divulgação e mobilização para a inclusão de pessoas vulneráveis. Foi parcialmente atendida a participação de pessoas sem renda, ou com renda até ½ S,M, e com mais de 40 anos (BRASIL..., 2002c, p. 53-57). Mais uma vez os dados da avaliação dos PLANFORs estaduais de 2001 indicam dificuldades para o trabalhador qualificado conseguir ocupação, constatação esta que persiste desde a avaliação de 1999. Ora, em 2001 completou seis anos de implantação do PLANFOR/BA e a questão da inserção do trabalhador qualificado no mercado de trabalho continuou pendente, indicando que a tese dos estudiosos da Economia e Sociologia do Trabalho de que não adianta qualificar se o país não mudar sua política macroeconômica, provendo o crescimento e a geração de empregos está correta. Contudo, o Ministério reafirma a qualificação como política de emprego, embora reconheça que a política econômica tenha interferência nessa questão. As conclusões finais do Ministério com relação à eficácia e efetividade social dos PLANFORs podem ser resumidas nos seguintes aspectos: a) há eficácia em proporcionar 167 benefícios e melhorias concretas para os egressos, mas há necessidade de elevar sua taxa de inserção no mercado de trabalho, indicando que a focalização na demanda de mercado e na negociação de parcerias com as executoras para inserção dos trabalhadores no mercado precisam melhorar; b) promover a nova institucionalidade da EP, fortalecendo novos atores em bases tripartites, mas têm muito a fazer para melhor articular a qualificação com outros programas do FAT e outras políticas públicas (BRASIL..., 2002c, p. 31). Para melhorar o desempenho dos PLANFORs, o MTE formulou várias recomendações, dentre as quais destaca-se: a) qualificar os membros das CMEs e CEEs para avançar na gestão tripartite; b) investir na divulgação das ações de qualificação para a sociedade em geral e ONGs, e implementar amplo projeto de divulgação do PLANFOR quanto às suas diretrizes, fontes de financiamento e entidades envolvidas; c) melhorar o procedimento para encaminhamento dos trabalhadores qualificados ao mercado de trabalho; d) atualizar dados do mercado de forma sistemática e intensificar as questões de teoria versus prática para facilitar a inserção dos egressos; e) aprimorar o processo de identificação das demandas e melhorar a pontaria do foco na clientela preferencial, assegurando sua participação nos cursos; f) integrar e articular os eixos da Política Pública de Trabalho e Renda, elevando a integração intragovernamental entre Secretarias do Trabalho para fortalecer o PLANFOR e integrá-lo com outras políticas orientadas ao combate à pobreza (BRASIL..., 2002c, p. 33-36). Analisando as três avaliações dos PLANFORs estaduais (1999, 2000 e 2001) realizadas pelo MTE, pode-se dizer que a questão da inserção do trabalhador no mercado de trabalho se constituiu um problema que persistiu, mesmo depois de seis anos de cursos de qualificação profissional. A razão principal atribuída pelo MTE a esse desempenho insatisfatório dos PLANFORs residiu na desarticulação entre as Secretarias Estaduais de Trabalho, que coordenam o Programa regional e as CMEs/CEEs, que deveriam ser as “antenas” na identificação das demandas de mercado e do público-alvo do PLANFOR, condição fundamental para que os cursos tivessem um “alvo certeiro” – as “novas forma de trabalho”. Essa é uma meia verdade. De fato, não houve uma articulação efetiva dessas Comissões, contudo, admitindo-se que elas tivessem atuado, a situação não se modificaria na sua essência, porque o problema da inserção do trabalhador no mercado de trabalho independe de qualificação. Estão aí as pesquisas e estudos que mostram que o desemprego atinge a todos, inclusive os qualificados; mas depende sim de mudanças na política macroeconômica do governo, como afirmam vários estudiosos do mundo do trabalho, dentre outros, Dedecca (1999), Antunes (1999), Pochmann (1998a, b e c, 1999a), Druck (2001), Borges (2003), no sentido de promover o desenvolvimento do país na 168 direção de ampliação do investimento público em infra-estrutura econômica e social e amplo acesso à propriedade e à renda. Outros aspectos podem ser arrolados em relação às avaliações produzidas pelo MTE, tais como: inconsistência dos dados, superficialidade na análise, indicadores subjetivos. 5.2 – PLANFOR Estadual 5.2.1 - Plano Estadual de Qualificação Profissional – PLANFOR/BA Toma-se como referência para análise do Plano Estadual o documento da Secretaria do Trabalho e Bem-Estar Social (SETRAS/Ba) de 1999/2002, porque consolida e aperfeiçoa a concepção e o desenho do triênio anterior (1996/98) e traça as diretrizes e ações do quatriênio seguinte. Esse documento reafirma a possibilidade de oportunidade de melhoria da qualidade e competição no setor produtivo, ampliando as condições de empregabilidade do trabalhador baiano e preparando-o para o novo perfil de trabalho e qualificação exigidos pelo mercado de trabalho, coerente, portanto, com as concepções do Programa nacional; e apresenta um Plano de Trabalho onde estão especificados o objeto do PLANFOR/BA, a justificativa, o cronograma de execução com as especificações das metas; o plano de aplicação com as especificações da natureza das despesas e os quantitativos de investimentos do FAT com cronograma de desembolso e uma declaração junto ao Ministério enquanto representante legal. O Diagnóstico (BAHIA..., 2000) elaborado pela SETRAS identifica um mercado de trabalho com as seguintes características: subsetores da economia com tendências a expansão, subsetores que apontam a reestruturação/organização e outros com tendência à modernização. Outras demandas são identificadas através de organizações, prefeituras, o perfil de ocupações da PED, CEE, CMEs, segmentos empresariais consultados, desempregados cadastrados no SINE/BA e os beneficiários do seguro-desemprego Quanto à identificação da demanda da PEA, os dados constantes do documento referido não são atualizados, pois referem-se, a 1996, sendo portanto dispensável apresentá-los. No que se refere às instituições de EP, o cadastro do PLANFOR/BA indica, em 1998, 416 instituições de EP no Estado, sendo que 163 localizam-se na Capital/RMS e 253 no interior. Quarenta e oito instituições são contratadas para execução do PLANFOR/BA (1996/1998) em razão de apresentarem infra-estrutura adequada ao desenvolvimento das ações e atender aos programas demandados. 169 A SETRAS parte de dois supostos para justificar a situação do desemprego no Estado: 1) trata-se de conseqüência das transformações tecnológicas, sociais, econômicas e políticas; 2) o trabalhador não apresenta condições de enfrentar com versatilidade o novo modelo de mercado, principalmente pela baixa escolaridade. Assim, a alternativa do governo foi implementar a política de Trabalho e Qualificação Profissional para proporcionar ao trabalhador baiano melhores condições para enfrentar as novas exigências do mercado. O objetivo do PLANFOR/BA é, portanto, qualificar o trabalhador visando à aquisição de novos conhecimentos para sua manutenção/inserção no mercado de trabalho, ampliando seu nível de empregabilidade. Em relação à demanda do mercado de trabalho na Bahia, a SETRAS indica as principais ocupações em expansão (alojamento e alimentação, transporte armazenamento e comunicações, atividades imobiliárias, educação, saúde e serviços sociais, outros serviços coletivos, sociais e pessoais e turismo;) em retração (atividades financeiras e administração pública, defesa e seguridade social); em estagnação (indústria extrativista, produção e distribuição de eletricidade, gás e água e serviços domésticos); e em modernização e reestruturação (agropecuária, silvicultura, exploração florestal, pesca, indústria da transformação, construção, comércio, reparo de veículos, objetos pessoais e domésticos, cultura e artesanato) (BAHIA..., 2000, p.9) A clientela prioritária definida pelo PLANFOR/BA é a seguinte: pessoas desocupadas, pessoas sob risco de desocupação, pequenos e microprodutores e pessoas que trabalham por “conta própria”. E os setores econômicos são os descritos acima. A preferência de acesso à qualificação é para uma clientela com o ensino fundamental incompleto, de etnia afro-brasileira e indígena, chefes de família, mulheres e jovens, com idade entre 16 e 24 anos de ambos os sexos, residentes em área metropolitana e pessoas com necessidades especiais. As metas de encaminhamento ao mercado de trabalho são as seguintes: para aqueles beneficiários do seguro-desemprego 86%, para pessoas a procura do 1º emprego 54%, e para os demais desocupados 32%. O FAT, através do PLANFOR/BA, investe, no período 1996/1999, em quatro projetos especiais: em 1996/1997/1998, na Avaliação Externa; em 1998 e 1999, no Acompanhamento e Supervisão; em 1997/98/99 no Cadastro de Entidades – e em 1998 e 1999, em Pesquisas e Estudos. Para esse último item não se encontrou dados comprobatórios. No PLANFOR/BA 1999, a RMS e a Região do Paraguaçu são as que mais recebem recursos do FAT, já que a divisão foi feita de acordo com o tamanho da PEA de cada município, respectivamente, R$ 2.006.000,00 e R$ 1.280.000,00. A menor região do Estado 170 – Médio São Francisco – recebe R$ 171.000,00. E a média geral do custo/aluno foi de R$ 119,40 na zona urbana e R$ 55,05 na rural. Contudo, no setor da indústria, tendo em vista a “demanda fechada” do Estado (Pólo Calçadista), esse custo sobe para R$ 530,47 por conta da carga horária exigida para os cursos nessa área. 5.2.2 - Avaliação Externa - 1996/2002 O Relatório Final de Avaliação Externa do PLANFOR/BA63 – 2002 é constituído pelos indicadores de avaliação, constantes no Guia do PLANFOR que são: 1) eficiência na focalização da demanda de mercado; 2) eficiência na focalização do público-alvo; 3) síntese metodológica da dimensão eficiência/qualidade dos cursos programas; 4) síntese dos resultados da eficiência/qualidade dos cursos/programas; 5) síntese metodológica da dimensão eficiência das executoras; 6) síntese dos resultados da eficiência das executoras; 7) gestão técnicofinanceira; 8) síntese metodológica adotada na avaliação da eficácia do PLANFOR/BA; 9) síntese dos resultados da dimensão eficácia; e 10) efetividade social. 64 Na introdução, o PLANFOR/BA é analisado no contexto da globalização econômica, indicando alguns desafios que o Brasil vem enfrentando como, por exemplo, o desnível entre o crescimento do emprego socialmente protegido e a expansão do emprego dos “sem carteira” e dos “por conta própria”; a desigualdade entre os níveis de demanda e oferta de mão-de-obra qualificada e a legislação que protege o trabalhador individualmente, assim como, o conjunto de normas que regulam a organização sindical e negociação coletiva. Na Bahia essas questões tornam-se mais complexas, dado que a dinâmica do mercado de trabalho não tem se mostrado capaz de absorver nem mesmo o crescimento vegetativo da força de trabalho. Portanto, segundo o Relatório, é necessário definir estratégias visando à formação desse novo trabalhador, já que os modelos de EP ou de capacitação para um posto de trabalho não estão dando conta dessa nova realidade. Assim, a partir de 1996, o Programa Mãos à Obra, do Departamento de Desenvolvimento do Trabalho da SETRAS, aderiu à política da SPPE/MTE, implantando na Bahia o Plano de Qualificação Profissional, conforme as diretrizes do CODEFAT. 63 Este Relatório é uma síntese da avaliação do PLANFOR/BA no período 1996/2001. Foram analisados sete relatórios finais (1996 a 2002) e mais os relatórios correspondentes à avaliação dos egressos do PLANFOR/BA. Portanto, os dados apresentados e analisados neste capítulo referem-se a esses relatórios de avaliação. Quando se utiliza dados de outras fontes elas são indicadas. 64 Duas dificuldades se apresentaram na análise dos relatórios: 1) as mudanças ocorridas na metodologia durante todo o processo da avaliação externa, expressas nos relatórios anuais e também no de 2002, dificultando uma síntese geral dos seis anos; 2) os próprios indicadores de avaliação que vão se complexificando durante o processo de avaliação e mesmo a falta de determinadas informações ou a dificuldade em obtê-las. Procura-se, na medida do possível, não repetir informações, mas admite-se que em alguns momentos ela acaba ocorrendo. 171 A Avaliação Externa65 na Bahia considera como parâmetros da avaliação a eficiência, a eficácia e a efetividade social com seus respectivos indicadores, como propõe o Guia de Avaliação. A seguir, passa-se a apresentar e comentar os resultados66 encontrados pela avaliação do PLANFOR/BA em quatro dimensões: focalização na demanda de mercado, público-alvo prioritário, efeito da qualificação para os trabalhadores treinados e efetividade do PLANFOR/BA enquanto política pública, como denomina a SPPE/MTE, pois são as que interessam para os objetivos desta tese. Antes, porém, apresenta-se e comenta-se os dados gerais do PLANFOR/BA – 1996-2001. A) Informações Gerais A Tabela 1 mostra a abrangência do PLANFOR/BA, no período avaliado, em relação às metas previstas. Foram investidos, nesse período, R$ 99.255.704,00 na qualificação de 923.631 trabalhadores, atingindo 347 municípios dos 417 existentes em todo o Estado. As metas de treinandos em todos os anos, com exceção de 2000, foram ultrapassadas, assim como as de investimentos em 1997/98/99. Em 1996 ocorre o inverso, são qualificados, a mais, 33.826 trabalhadores e os investimentos diminuem em R$ 605.089,00. 65 Os pesquisadores utilizaram, além da pesquisa empírica (entrevistas realizadas com técnicos e coordenadores do Departamento do Trabalho, representantes da CEE, posteriormente com membros das CMEs, questionários aplicados aos treinandos e egressos dos cursos, instrutores e coordenadores de cursos) informações contidas nos Planos de Trabalho elaborados pela SETRAS, os contratos e aditivos firmados com as entidades executoras dos cursos de qualificação, os projetos vinculados ao PLANFOR, termos de referência produzidos pela SPPE/MTE, legislação sobre EP e do próprio PLANFOR. É importante ressaltar as dificuldades enfrentadas pelos pesquisadores no que diz respeito à documentação da SETRAS e das próprias executoras: acesso a documentos imprescindíveis; informações incongruentes ou incompletas, obrigando a redução do tipo de categorias e indicadores selecionados. Também houve impossibilidade de se extrair informações de natureza qualitativa, pois, quase sempre, o que estava disponível nas executoras era uma planilha com dados físico-financeiros. 66 A referência para a equipe da Avaliação Externa do PLANFOR/BA, no período 1996/2001, para coleta dos dados sobre os cursos de qualificação foram os Contratos estabelecidos entre as executoras e a SETRAS. Era também estabelecido um momento específico para o corte nessa coleta, na maioria dos anos, na 1ª quinzena do mês de dezembro do ano da avaliação. Portanto, os dados dos contratos assinados com a SETRAS depois desse limite não eram considerados. Essa informação é fundamental porque os dados da avaliação externa e os do MTE não coincidem, por exemplo, em números de treinandos inscritos e qualificados, ocupados, desocupados, encaminhados, investimentos, etc. Isso ocorre porque o MTE utiliza como referência, além dos Relatórios de Avaliação Externa dos estados o SIGAE, cujo sistema é on-line. Portanto, o MTE mantém um “banco de dados” mais atualizado do que o “banco” das avaliações externas. 172 TABELA 1 Número de municípios, treinandos e investimentos do PLANFOR/BA – 1996/2001 Metas de Treinandos Metas de Investimentos R$ (mil) Ano nº Municípios Previstas Realizadas Previstas Realizadas 1996 1997 1998 1999 2000 2001 TOTAL 210 342 344 296 317 347 50.380 117.000 117.000 91.000 184.000 236.000 795.380 84.206 150.909 145.607 93.000 183.909 266.000 923.631 9.270 15.900 15.200 11.800 19.260 27.341 98.770,8 8. 664.7 16.406.7 15.783.3 12.100 19.260 27.341 99.255.7 FONTE: UFBA.FACED. Relatórios Avaliação Externa - 1996/2001 A abrangência espacial do PLANFOR/BA – 1996/2001 é progressivamente crescente, atingindo 347 municípios em 2001, significando 80,6% de um universo de 417, chegando a cobrir todas as 15 regiões econômicas do Estado. No que diz respeito a treinandos e investimentos, com exceção de 1999, por conta dos contingenciamentos de recursos impostos pelo governo federal, o PLANFOR/BA também cresce significativamente: em 1996, qualificando 84.206 trabalhadores e investindo R$ 8.664.745,00, chegando em 2001, com 266 mil trabalhadores qualificados e R$ 27.341.000,00 de investimentos. Quanto à abrangência dos setores econômicos em expansão e em modernização, indicados como prioritários pelo MTE, pelos dados de 2001 foram promissores, pois 91,8% dos treinandos foram qualificados para atividades nesses setores e investidos 94,8% dos recursos. Esses dados mostram que a SETRAS, a partir dos dados das avaliações anteriores realizou correções no PLANFOR/BA. A avaliação67 das entidades executoras só começou a partir de 2000, quando foi introduzida uma dimensão previamente estabelecida pela SPPE/MTE. No documento Plano de Trabalho PLANFOR/BA-2000 consta um total de 498 instituições que podiam ofertar EP no Estado. Porém, consultado o Cadastro de Educação Profissional, foram identificadas 550 instituições. O relatório 2000 ressalta que as instituições relacionadas no Cadastro estão localizadas em apenas 71 municípios, dos 417 do Estado da Bahia, sendo registrado em Salvador o maior número (126) de instituições de EP. Essas instituições utilizaram, predominantemente, a modalidade curso na qualificação profissional, embora todas apresentem um perfil que abrange mais de uma linha 67 Para avaliar as executoras, além das fontes documentais (Planos de Trabalho da SETRAS e contratos com as executoras), foi realizada pesquisa de campo na qual se inclui uma entrevista estruturada com um coordenador técnico (1996-1999) ou dirigente (2000-2001) para levantar dados e informações. 173 de ação em educação profissional. A seguir, apresenta-se uma Tabela com a descriminação dessas entidades, por ano e números de trabalhadores qualificados e investimentos. TABELA 2 Executoras, números de treinandos e recursos do PLANFOR/BA – 1996/2001 Ano nº Categorias Treinandos Recursos 1996 12 Sistema “S”, ONGs, IES públicas e privadas e Entidades sindicais 84.206 8.664.7 1997 26 Sistema “S” e o SEBRAE, ONGs, IES públicas estaduais, Entidades sindicais, Fundações públicas e privadas Empresas públicas e Liceu de Artes e Ofícios 150.909 16.406.7 1998 38 Sistema “S” e o SEBRAE, ONGs, IES públicas estaduais e federais, Entidades sindicais, Fundações públicas e privadas, Empresas públicas, Liceu de Artes e Ofícios, Instituições de Educação Especial, Entidades filantrópicas 145.607 15.783.3 1999 28 Sistema S e o SEBRAE, ONGs, IES públicas estaduais e federais, Entidades sindicais, Fundações públicas e Privadas, Empresas públicas, Instituições de Educação Especial e Entidades filantrópicas 93.000 12.100 2000 30 Sistema “S” e o SEBRAE, ONGs, IES públicas, estaduais e federais, Entidades sindicais. Fundações públicas e privadas, Empresas públicas, Instituições de Educação Especial Entidades filantrópicas 183.909 19.260 2001 35 Sistema “S”, ONGs, IES públicas estaduais e federais, Entidades sindicais, Fundações públicas e privadas, Empresas públicas, Instituições de Educação Especial 266.000 27.341 FONTE: UFBA.FACED. Relatórios Avaliação Externa - 1996/2002 Em seis anos (1996-2001) de implantação do PLANFOR/BA houve uma evolução bastante significativa em termos de executoras envolvidas (192%) e número de treinandos e investimentos (216%). Esses dados indicam a proliferação da qualificação profissional no Estado, ou como diz Druck (2001) a “epidemia” da qualificação como redentora do desemprego. De um modo geral, desde o início do PLANFOR/BA, um dos maiores problemas na atuação das executoras foi a falta de iniciativa no sentido de buscar divulgar suas ações junto aos grupos mais vulneráveis da população, incluindo-se aí os portadores de deficiências. Embora os seus dirigentes se declarem receptivos a qualquer tipo de clientela, a executora não desenvolveu ações afirmativas que permitissem uma maior inclusão desses grupos. O atendimento aos grupos mais vulneráveis ocorreu por iniciativa dos interessados e foi realizado, em grande parte, por executoras que tinham esses grupos como público-alvo, a exemplo das instituições de educação especial, as entidades filantrópicas e aquelas voltadas para grupos específicos como menores de rua, empregados domésticos etc. 174 Um outro problema identificado foi o não cumprimento dos cronogramas estabelecidos nos contratos para realização dos cursos, por uma grande maioria das executoras. Apesar das muitas explicações apresentadas os entrevistados não justificaram o não cumprimento da exigência da legislação vigente, de que nesses casos, os registros devem ser feitos no SIGAE até cinco dias antes da nova data. Na atuação das executoras ao longo do período 1996/2001 são identificados, além dos já indicados, os seguintes problemas: 1) subcontratação, embora seja proibida pelas diretrizes do CODEFAT. Há executoras que não têm um único instrutor no seu quadro permanente mesmo atuando nos mais diversificados setores econômicos, com um número bastante elevado de treinandos; 2) de modo geral, as executoras não têm se empenhado em divulgar junto ao seu quadro de funcionários princípios, normas e documentos do PLANFOR; 3) não absorção dos avanços conceituais da EP. Embora no discurso escrito e falado dos dirigentes, coordenadores e instrutores essa nova institucionalidade tenha sido incorporada, o planejamento e a execução das ações de qualificação, ainda se mantêm excessivamente atrelados à habilidade específica, sem dar às outras habilidades o espaço, a importância e o reconhecimento devidos. O conceito de aprender a aprender ainda não foi utilizado no cotidiano das ações das executoras como propõe o Ministério. Quanto ao número de cursos, há uma grande variação desde aquela que realiza apenas um curso, até outras que ultrapassam cem cursos. No primeiro ano do PLANFOR/BA foram as universidades que mais atuaram, e durante os cinco anos posteriores passaram a ser as ONGs. O envolvimento das universidades no Plano de Qualificação do Estado iniciou-se em 1996 com a participação também de universidades da rede privada que permaneceram até 1998, e a partir de 1999 só permaneceram as Universidades Públicas. Com relação ao desenvolvimento integrado das três habilidades (básica, específica e de gestão) nos cursos de qualificação profissional, considerado como elemento fundamental na qualificação para as “novas formas” de trabalho, a avaliação externa constata que nesse período (1996/2001), a predominância, na maioria dos cursos observados, foi do desenvolvimento, apenas, da habilidade específica. Além disso, os dados revelam também que os envolvidos com a execução dos cursos não têm clareza sobre o significado de integração das habilidades e que muitos o desconhecem. É bom ressaltar que houve uma queda no desenvolvimento da habilidade específica, de 1996 (77,9%), para 1998 (40%) e em 2001, diminui mais ainda (26,5%). Esse dado passa a representar um avanço, já que o desenvolvimento apenas da habilidade específica corresponde a uma concepção mais tradicional de EP, o que o Ministério quer superar. 175 A Tabela 3 abaixo, constituída a partir dos dados coletados pelo Ministério através do SIGEP, informa sobre a carga horária média dos cursos do PLANFOR/BA por ano e o número de matrículas por habilidades. Esses dados são relevantes na medida em que colocam em cheque a concepção de educação profissional para a empregabilidade conforme proposta pelo Ministério e a qualificação desenvolvida pelas entidades executoras dos cursos do PLANFOR/BA. TABELA 3 Número de matrículas e carga horária por habilidades - PLANFOR/BA 1996/2001 Matrículas nas Habilidades (mil) C/H Ano Básicas Específicas Média Nº % Nº % 1996 65h 2,4 2,9 74,5 13,4 1997 75h 8,8 10,5 97,3 17,5 1998 85h 16,0 19,2 105,0 18,9 1999 100h 18,8 22,5 74,8 13,5 2000 46h 28,8 34,5 155,4 27,9 2001 70h 8,7 10,4 48,8 8,8 Total 83,5 100,0 555,8 100,0 Gestão Nº 9,3 4,8 18,0 19,9 36,5 18,7 107,2 % 8,7 4,4 16,8 18,6 34,0 17,4 100,0 Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego. Secretaria de Políticas Públicas de Emprego. Como se pode observar, os cursos desenvolvidos pelo PLANFOR/BA têm em torno de 68 horas, considerando a média dos cinco anos (1996,1997,1998, 2000 e 2001). A média de 100h apuradas em 1999 é uma exceção e está diretamente relacionada à “demanda fechada”, pois esse foi o ano onde as fábricas de calçados foram instaladas no interior do Estado e os cursos desenvolvidos, especificamente para os trabalhadores dessas fábricas, tinham carga horária extremamente alta em relação aos demais cursos. Por outro lado, a concentração das matrículas em cursos que desenvolvem habilidades específicas foi outro indicador do não cumprimento das diretrizes do CODEFAT. As medidas de apoio aos treinandos, como: auxílio-alimentação, transporte e o material didático distribuído para cada treinando, foram condições fundamentais na qualificação no sentido de garantir a permanência dos grupos vulneráveis, tanto que se transformaram em cláusula contratual.68 No entanto, a operacionalização dessas medidas, em alguns casos, tornou-se problemática devido ao atraso, por parte do governo federal, na liberação das verbas, ou por negligência da própria executora. Quanto ao encaminhamento, pelas executoras, dos trabalhadores qualificados ao mercado de trabalho, o resultado encontrado é o seguinte: 46,9% encaminharam, 37,5% não 68 Contrato SETRAS/Executora. Cláusula Quarta – Das obrigações, item II, letra g. 176 encaminharam e 15,6% não informaram. Todas as universidades participantes do PLANFOR/BA – 2000, por exemplo, informaram que esses serviços foram oferecidos por agências privadas, sindicatos, federações, associações ou pelo SINE. Em relação às ações para elevação da escolaridade, apenas nove executoras afirmaram realizá-las; portanto, 71,8% não desenvolveram ações nesse sentido. As entidades sindicais não desenvolveram nenhuma ação nesse sentido, a não ser o encaminhamento para o SINE. É importante ressaltar que uma instituição do Sistema “S” realizou o encaminhamento do trabalhador qualificado ao mercado de trabalho, pois a qualificação oferecida foi planejada a partir das demandas encaminhadas pelas fábricas que se instalavam no Estado, conseqüência de um trabalho de parceria com a SETRAS. A Tabela 4 abaixo também é constituída a partir dos dados do Ministério, coletados através do SIGEP, e demonstra a atuação do PLANFOR/BA quanto ao encaminhamento dos trabalhadores desocupados e qualificados ao mercado de trabalho. TABELA 4 Trabalhadores desocupados e encaminhados ao mercado de trabalho - PLANFOR/BA - 1996/2001 Ano Desocupados (mil) Encaminhados (mil) % Desocupados Encaminhados 1996 21,9 2,6 11,8 1997 95,3 28,3 29,7 1999 42,6 16,9 39,7 2000 100,0 1,0 1,0 2001 117,0 0,8 0,7 Total 376,8 49,6 13,1 Fonte: Ministério do Trabalho. Secretaria de Políticas Públicas de Emprego. Obs. Os dados de 1998 não foram considerados por serem discrepantes. Como se pode observar, do total de trabalhadores qualificados e desocupados, após cinco anos de implantação do Programa no Estado, apenas 13% foram encaminhados ao mercado de trabalho. O melhor desempenho do PLANFOR/BA foi em 1999 (cerca de 40%) e isso não foi por acaso, pois esteve diretamente vinculado à instalação das fábricas de calçados no interior do Estado, portanto, atendimento à “demanda fechada”, e o pior desempenho ocorreu nos dois últimos anos (1% e 0,7% respectivamente) quando a situação do mercado de trabalho tornou-se mais crítica na Bahia, especialmente, na RMS. O encaminhamento dos trabalhadores qualificados ao mercado de trabalho é de competência (não exclusivamente) das executoras, até porque o Ministério compreende o encaminhamento como etapa final da qualificação. Contudo, tanto os dados nacionais quanto os do Estado apontam que a maioria dessas instituições, desde o início da implementação do PLANFOR, não realizaram esse encaminhamento. Já é mais do que necessário buscar as causas 177 desse descumprimento, a não ser que o Ministério, ciente das dificuldades de inserção do trabalhador no mercado, tendo em vista o pouco desenvolvimento econômico do país e do Estado, esteja fazendo “vistas grossas” ao problema. No que diz respeito à articulação institucional, definida como a mobilização, integração e fortalecimento de uma Rede de Educação Profissional (REP) no Estado, a avaliação externa atesta que o Plano abrangeu diferentes tipos de instituições, públicas, privadas, governamentais e não-governamentais. Contudo, isto não significou ainda um indicador de efetiva articulação institucional no sentido posto pelo PLANFOR – “crescente integração com outros programas e projetos financiados pelo FAT, em especial os do segurodesemprego, intermediação de desempregados, crédito popular (PROGER, PRONAF) e outros programas de geração de trabalho e renda”. Em relação a investimentos adicionais aos do FAT, dos 57 contratos analisados, em 2001, por exemplo, apenas 13 executoras explicitaram a contrapartida de investimentos num total de R$ 1.423.814, ficando, portanto, muito aquém daquele previsto no Plano de Trabalho da SETRAS que era de R$ 2.734.100,00, constatação também presente nos anos anteriores. B) Focalização na Demanda de Mercado de Trabalho O critério de focalização no mercado de trabalho local para oferta de cursos de qualificação profissional se constituiu, durante o período (1996/2001) de implantação do PLANFOR/BA, em um constante desafio para a SETRAS e entidades executoras dos cursos. Três fatos estiveram presentes durante toda a implantação do PLANFOR/BA: 1) a falta de caracterização da PEA por município, alvo da qualificação de trabalhadores; 2) despreparo e não envolvimento efetivo das CMEs que têm também a competência de identificar as demandas locais. 3) inexistência de estudos sobre mercado de trabalho nos municípios baianos, com exceção da RMS. Essas três condições, essenciais para uma oferta de cursos com focalização na demanda de mercado, foram parcialmente garantidas. Mesmo na Região Metropolitana de Salvador, onde há vários estudos sobre mercado de trabalho, o foco na demanda de mercado não foi totalmente atendido. No que se refere ao quadro geral dos treinandos e investimentos do PLANFOR/BA por setor econômico, a metodologia utilizada pela avaliação externa não permite uma análise detalhada que especifique cada setor, mas algumas considerações são apresentadas nos respectivos relatórios. 178 Em 1996, a maioria das ações do PLANFOR/BA foi dirigida ao setor agropecuário, em regiões em situação de crise no mercado de trabalho e para pessoas envolvidas com atividades na economia informal. Os projetos beneficiados com ações foram os seguintes: Capacitação Profissional e Ampliação do Programa de Municipalização do Turismo na Bahia, Setor Informal, Capacitação para Trabalhadores Rurais das Áreas da Reforma Agrária e Treinamento de Mão-de-Obra Rural. Também foram desenvolvidos cursos de alfabetização, pós-alfabetização e educação básica para crianças, jovens e adultos dos assentamentos rurais. Em 1997, foi dada prioridade ao Sub–Programa Nacional Assentamentos e Comunidades Rurais (34% dos treinandos), bem como para os Sub-Programas Estaduais voltados para os Beneficiários do Seguro-Desemprego (14%) e Autogestores e Empreendedores (11%). Não se obteve informação sobre os 41% dos outros treinandos. Foi constatado um avanço em relação ao processo de planejamento envolvendo estudos de demandas, elaboração de um manual para orientar as atividades de planejamento das executoras e realização de reuniões preliminares com a Comissão Estadual de Emprego e com as entidades proponentes dos cursos. Em alguns projetos houve, inclusive, a participação de membros das comunidades, definindo necessidades de qualificação. Contudo, não se encontrou dados mais consistentes sobre a focalização dos cursos desses diferentes Projetos nas demandas de mercado de trabalho identificadas. Em 1998, nas linhas/programas de Educação Profissional oferecidos pelas executoras, identifica-se a expressiva presença de atividades de educação voltadas para o setor de serviços, incluindo-se aí os serviços pessoais, coletivos, sociais e de educação, seguidas das atividades voltadas para a indústria de transformação. Em 1999, o maior número de ações esteve voltada para as áreas de saúde, educação, agropecuária e serviços, consideradas em expansão no mercado de trabalho local/regional e o setor da indústria da transformação, considerado em modernização. Na RMS, os cursos foram dirigidos aos setores econômicos de saúde e serviços, concentrando-se nas áreas de informática, eletromecânica, mecânica automotiva e serviços administrativos. Nas demais regiões do Estado, a maioria dos cursos foi para o setor agropecuário. Houve ações, também, em determinadas regiões, dirigidas ao turismo. São identificados alguns cursos inadequados ao perfil e necessidades da população local, bem como outros inadequados ao nível de escolaridade da população, como por exemplo, curso de espanhol e inglês para pessoas sem domínio da língua materna. 179 Em 2000,69 permanece o atendimento a “demanda fechada” (previsto nas Diretrizes do CODEFAT), dada a instalação de novas empresas no Estado, treinando trabalhadores para o setor da indústria de transformação (5,03%): Pólo Calçadista e Indústria Automotiva FORD, e para o setor de turismo, Complexo Turístico de Sauípe (3,20%), investindo, respectivamente, 18% e 3,52% do total dos recursos do FAT. Portanto, a “demanda fechada” do Estado consumiu 21,52% dos recursos para qualificar 8,23% do total de treinandos do Programa em 2000. Os 78,48% do restante dos recursos, foram dirigidos às demandas de mercado de trabalho identificadas pela SETRAS e parceiras e aplicados nos seguintes setores: agropecuária (10,70%), outros serviços coletivos, sociais e pessoais (16,29%), comércio, reparo de veículos, objetos pessoais etc. (5,03), transporte armazenamento e comunicações (4,91%), construção (4,07%), administração pública, defesa e seguridade social (3,66%), atividades financeiras (1,3%), saúde e serviços sociais (0,9%), educação (0,7%), artesanato (0,4%), serviços domésticos (0,4), alojamento e alimentação (0,33%) e atividades imobiliárias, aluguéis e serviços (0,02%). Os setores que mais qualificam trabalhadores foram: agropecuária (32,14%) e outros serviços coletivos, sociais e pessoais (24,1%). Os dados também indicam que no setor agropecuário, por exemplo, uma única executora recebeu 42,9% dos recursos desse setor, enquanto duas outras ficaram, respectivamente, com 16,62% e 6,4% dos investimentos. No setor indústria de transformação também uma única executora recebeu 98,1% dos recursos daquele setor, enquanto que uma outra recebeu apenas 1,4% dos investimentos. No setor econômico outros serviços, embora os recursos tenham sido melhor distribuídos e 21 entidades executoras tenham participado dos cursos de qualificação profissional, apenas uma executora recebeu 26,40% dos recursos, o restante foi distribuído entre as demais. No setor de turismo, 76,82% dos recursos concentraram-se no Sistema “S”. No caso da indústria de transformação e turismo, o fato da concentração de recursos recair em uma única executora esteve relacionada à “demanda fechada” direcionada ao Pólo Calçadista, a instalação da FORD no Estado e ao Pólo Turístico. Essa informação foi confirmada pela SETRAS nas entrevistas realizadas. Quando se cruzam os dados das executoras com os recursos distribuídos, identifica-se que o Sistema “S” recebeu 45,47% do total de R$ 19.438.712,00 investidos no Estado naquele ano. O restante dos recursos foram distribuídos da seguinte forma: Universidades 19,41%, Fundações 13,96%, ONGs 12,16%, Entidades Sindicais 4,47, SEBRAE 3,05% e Empresas públicas, 1,45%. A concentração dos recursos do FAT no Sistema “S” é uma prática que ocorreu desde o início da implantação do PLANFOR/BA em 1996. 69 Nesse ano foram analisados 99 Contratos de cursos de qualificação. 180 Foi apurado também que o Plano de Trabalho da SETRAS, em 2000, foi elaborado, basicamente, no âmbito técnico da Superintendência de Desenvolvimento do Trabalho (SUDET). A Comissão Estadual de Emprego apenas aprovou a distribuição dos recursos por setor econômico e município, não tendo avaliado as propostas dos projetos/cursos de qualificação profissional, tão pouco decidiu sobre aprovação/desaprovação dos mesmos e conseqüentemente contratação das executoras. Assim, a aprovação das propostas e contratação das entidades executoras foi de competência exclusiva da Secretaria. Portanto, é possível concluir que o planejamento do PLANFOR/BA – 2000 evidencia traços de uma prática centralizadora o que, a rigor, contraria as diretrizes do CODEFAT. Não se consegue identificar no Relatório como foram identificadas as demandas por setor econômico. Por outro lado, as dificuldades apontadas pela avaliação externa corroboram para que se possa afirmar que os cursos planejados pelo PLANFOR/BA – 2000 são, parcialmente, focalizados nas demandas do mercado de trabalho dos municípios. Em 2001, a SETRAS realizou fóruns regionais com a participação de membros das CMEs constituindo-se em um espaço significativo para a discussão sobre a identificação das reais demandas de mercado e sua incorporação no planejamento dos cursos. Contudo, a avaliação externa, após cinco anos de implantação do PLANFOR na Bahia, afirma ser ainda limitada a construção do novo conceito de EP proposto pela SPPE/MTE – foco nas demandas de mercado e população-alvo local/regional. Neste ano, os setores econômicos em modernização e em expansão foram os priorizados, treinando 91,75% dos trabalhadores inscritos e recebendo 94,80% dos investimentos, perfeitamente coerente com as diretrizes nacionais. Contudo, ao se analisar cada atividade de per si, os dados revelam que a indústria de transformação recebeu 23,60% do total dos investimentos, embora tenha qualificado apenas 5,41% dos trabalhadores inscritos nos cursos do Programa. Os dados destoam mais ainda quando se compara com o setor da agropecuária, silvicultura, exploração florestal que qualificou 35,17% dos trabalhadores, recebendo 17,94% dos recursos. Até mesmo o setor outros serviços coletivos, sociais e pessoais que qualificou 33,95% de trabalhadores recebeu, proporcionalmente, 33,76% dos investimentos totais. Os dados também revelam que três setores considerados em expansão pela SETRAS: saúde e serviços sociais, educação e turismo receberam, juntos, 1,42% dos investimentos, muito menos que as duas atividades em retração e estagnação: administração pública e serviço doméstico (4,05%). Em relação à concentração de recursos na indústria de transformação foram duas as explicações colhidas nas entrevistas com técnicos e 181 Superintendente do Trabalho da SETRAS para essa situação: ter um custo/aluno altíssimo e estar na “demanda fechada” priorizada pelo governo estadual. Na execução do PLANFOR/BA, no período analisado, foram muitas as dificuldades identificas pela equipe de avaliação, contudo, como muitas permaneceram nos anos de 1999, 2000 e 2001, destacam-se as seguintes: desarticulação entre a SETRAS e as CMEs/CEE no planejamento, na execução e no acompanhamento do Programa; falta de estudos sobre o mercado de trabalho dos municípios envolvidos nas ações de qualificação; pouca inserção dos egressos no mercado de trabalho; atraso na contratação das executoras por conta dos contingenciamentos impostos pelo governo federal; problemas na operacionalização de medidas de apoio aos treinandos (auxílio-transporte e alimentação e distribuição de material didático. Foram considerados avanços: a integração entre o Programa Intermediação de Mão-deObra e o PLANFOR/BA; o treinamento de membros de onze CMEs e a criação do Fórum Permanente da RMS. As recomendações da avaliação externa à SETRAS, no sentido de aprimorar o planejamento com foco na demanda do mercado de trabalho baiano foram as seguintes para cada ano de execução do PLANFOR/BA: em 1996 – (1) criação das CMEs visando atender a Resolução nº 80/95 do CODEFAT para dotar o município de uma instância política que atuasse na definição das prioridades de qualificação profissional dos trabalhadores locais e pudesse acompanhar e avaliar essas ações; 2) realizar uma maior articulação com as entidades executoras no sentido de garantir um planejamento participativo de co-gestão. Em 1997, melhorar a distribuição dos recursos entre as regiões para evitar o fluxo migratório para a RMS e sensibilizar as executoras no sentido de aderirem ao novo modelo de EP. Em 1998, capacitar os membros das CMEs para propiciar uma participação mais efetiva no planejamento do PLANFOR/BA. Em 1999, investir em estudos sobre mercado de trabalho para subsidiar a oferta dos cursos com foco na demanda, especialmente aos serviços denominados de “auxiliares” constantes na RMS e instrumentalizar as CMEs, a fim de se tornarem um “observatório” das demandas de qualificação dos trabalhadores. Em 2000/2001, apresentar dados mais consistentes sobre as demandas de qualificação municipais; investir em estudos sobre o mercado de trabalho regional; envolver efetivamente as CMEs no planejamento do PLANFOR/BA e investir mais na divulgação dos cursos de qualificação junto à população mais vulnerável do ponto de vista socioeconômico. Como se pode observar, existe uma relação entre as dificuldades encontradas e as recomendações da equipe de avaliação do PLANFOR/BA – 1996/2001. Praticamente, giram 182 em torno da identificação das demandas do mercado de trabalho, indicando que essa questão se tornou crucial na execução dos cursos de qualificação e não resolvida até 2001. A partir da análise dos resultados da focalização dos cursos do PLANFOR/BA, no período 1996-2001, nas demandas do mercado de trabalho, pode-se afirmar que quando se tratou da “demanda fechada”, isto é, aquela definida pelo governo do Estado junto à SETRAS, ela foi totalmente atendida pelas executoras, principalmente pelo Sistema “S”, maior responsável pela implementação dos cursos para o Pólo Calçadista, FORD, e Pólo Turístico. Durante os seis anos de implementação do PLANFOR/BA, o Sistema “S” manteve a hegemonia na gestão dos recursos públicos. Deluiz (1999) já havia identificado esta questão no PLANFOR – 1997, indicando que o Sistema ‘S’ ficou com 18% do total nacional de investimentos, cerca de 58,6 milhões, embora tivesse participado com número menor de entidades e capacitado menos trabalhadores que as fundações e instituições públicas e governamentais. Quanto às demandas reais do mercado de trabalho dos municípios onde os cursos do PLANFOR/BA foram desenvolvidos, ao contrário, são pouco identificadas, e conseqüentemente, pouco atendidas. As limitações para a identificação dessas demandas vão desde a falta de articulação da SETRAS com as Comissões Municipais de Emprego (CMEs), despreparo dessas Comissões, inexistência das mesmas em vários municípios, desinformação das executoras sobre a questão, até a inexistência de estudos sobre o mercado de trabalho do Estado como um todo. Portanto, a oferta da maioria dos cursos de qualificação profissional ocorreu na direção oposta às diretrizes do CODEFAT. Concretamente, a grande maioria dos cursos disponíveis nas executoras foi o ofertado à clientela do PLANFOR/BA, conclusão encontrada, inclusive, em vários Relatórios de Avaliação Externa. Portanto, os dados analisados corroboram na identificação da falta de coerência interna do PLANFOR/BA na medida em que existe uma distância muito grande entre o proposto pela SPPE/MTE e o efetivamente realizado. Isto é, o governo propõe essa política de qualificação como um mecanismo de inserção do trabalhador nas “novas formas de trabalho”, uma vez que os cursos de qualificação devem ser planejados e executados a partir das demandas reais identificadas. Contudo, o que se verificou foi o não atendimento dessa diretriz, até porque não existem dados sobre o mercado de trabalho na maioria dos municípios baianos (que deve ocorrer também em vários estados brasileiros). 183 C) População-Alvo do PLANFOR/BA - 1996/2001 O Ministério determina que a população-alvo dos cursos de qualificação 70 profissional sejam os quatro grupos prioritários definidos pelo CODEFAT. Perfil dos Treinandos A seguir, apresenta-se o perfil dos treinados, no período estudado, com exceção de 1996 cujos dados não foram encontrados. Tabela 5 - Perfil dos treinados do PLANFOR/BA 1997-2001 Características 1997 Nº % Zona de Moradia Rural 105.666 70 Urbano 45.243 30 Total 150.909 Sexo Masculino 86.139 57 Feminino Total Raça/Cor Preta/Parda 64.770 43 150.909 1998 Nº % 1999 Nº % 2000 Nº % 2001 Nº % 78.664 54 66.944 46 145.608 17.125 23 58.179 77 75.304 37.407 22 129.752 78 167.159 24.647 22 85.743 78 110.390 88.345 61 37.733 50 81.914 49 51.427 47 345.558 53 39 37.571 50 85.245 51 58.963 53 303.811 47 145.608 76 127.365 Branca 34.513 23 Outras 1.434 1 Total Escolaridade Sem instrução 0 150.909 263.509 41 385.861 59 649.370 57.262 114.962 S/ Declaração Total Nº % 75.304 167.159 110.390 649.370 88 51.847 69 101.956 58 69.022 58 465.152 70 16.502 11 17.113 23 29.491 17 21.293 18 118.912 17 1.032 0,7 1.811 2 3.936 2 3.402 3 11.615 2 708 0,3 4.533 6 41.518 23 24.899 21 71.658 11 145.607 75.304 176.901 118.616 667.337 14.896 10 25.034 17 3.626 5 6.499 4 2.775 2 52.830 8 Ensino Fund. Incompleto 53.753 36 53.621 37 29.957 40 61.939 35 44.254 37 243.164 36 Ensino Fund. Completo 30.408 20 36.495 25 20.228 27 43.359 25 27.654 24 158.144 24 Ensino Médio Completo Superior 44.156 29 27.543 19 19.071 25 60.747 34 41.113 35 192.630 29 7.696 5 2.915 2 2.350 3 4.357 2 2.820 2 20.138 3 Total 150.909 145.608 75.232 176.901 118.616 667.266 Situação Ocupacional Desocupado 95.269 63 58.527 40 37.518 51 92.458 54 58.557 51 342.329 52 Ocupado 37 87.080 60 36.619 49 77.617 46 55.183 49 312.139 48 Total 55.640 150.909 145.607 74.137 170.075 113.740 654.468 Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego, Secretaria de Políticas Públicas de Emprego. * OBS: Para esses anos - 2000 e 2001 – os totais de treinandos de acordo com as características – raça/cor, escolaridade e situação ocupacional, apresentam diferenças. Resultados que, possivelmente não foram consolidados pelo MTE. No entanto, decidiu-se utilizá-los porque não alteram as informações sobre o perfil dos treinandos. 70 Os grupos prioritários do PLANFOR são: pessoas desocupadas, principalmente os beneficiários do segurodesemprego e candidatas a primeiro emprego; pessoas sob risco de desocupação em decorrência de processos de modernização tecnológica, privatização, redefinições de política econômica e outras forma de reestruturação produtiva; pequenos e microprodutores, principalmente pessoas beneficiárias de alternativas de crédito financiadas pelo FAT (PROGER, PRONAF e outros) e pessoas que trabalham em condição autônoma, por conta própria ou autogestionadas e em atividades sujeitas a sazonalidades por motivos de restrição legal, clima, ciclo econômico e outros fatores que possam gerar instabilidade na ocupação e fluxo de renda (BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Comunicação Social. Guia do PLANFOR – 1999-2002. Brasília, 1999, p. 9). 184 Como se pode constatar, o PLANFOR/BA priorizou, em 1997/98, o atendimento a trabalhadores residentes na zona rural (70% e 54% respectivamente) e nos três últimos anos os trabalhadores da zona urbana, cerca de 77% dos treinandos. Em relação ao sexo, nos dois primeiros anos de implantação – 1997/98 – foi priorizada a qualificação para homens (57% e 60,6% respectivamente), em 1999/2000 a distribuição de treinandos é equilibrada entre homens e mulheres, e em 2001, o número de mulheres inscritas no Programa ultrapassa o de homens. Esse dado reflete, de alguma forma, uma correção do PLANFOR/BA dadas as críticas em relação à qualificação no Estado ter priorizado os homens. No que concerne à raça/cor, a qualificação priorizou, durante todo o período, as pessoas pretas e pardas, sendo que em 1998 atinge seu maior índice, cerca de 87% e em 2001 o menor, cerca de 62%, acompanhando, em linhas gerais, a distribuição da população por cor, principalmente, nas regiões urbanas da Bahia. Quanto à escolaridade dos trabalhadores, em 1997, o PLANFOR/BA atende, prioritariamente, as pessoas sem instrução e com ensino fundamental incompleto (respectivamente, cerca de 45,4% e 54%). Em 1999, 2000 e 2001, foram priorizadas as pessoas com ensino fundamental e ensino médio completos. Esses dados refletem, de um lado, a prioridade estabelecida pelo Estado para a “demanda fechada” quando o PLANFOR/BA dedica parte de suas vagas e investimentos à qualificação de trabalhadores para os Pólos Calçadista/Turístico e para a FORD cujos cursos exigiam, na inscrição, pessoas com, pelo menos, ensino fundamental completo; de outro, a dificuldade de muitas executoras em oferecerem cursos para pessoas com baixa escolaridade. Em relação à situação ocupacional dos treinandos, com exceção de 1998 quando os ocupados (59,8%) foram priorizados, nos demais anos a maioria dos trabalhadores dos cursos do PLANFOR/BA era de desocupados. Nos dados agregados do período (5 anos), pode-se observar o perfil do treinado pelo Programa na Bahia: são majoritariamente da zona urbana (59%); do sexo masculino (53%), pretos e pardos (70%), com escolaridade de ensino fundamental incompleto e completo (60%) e desocupados (52%). Outras Características dos Treinados Foram qualificados trabalhadores desempregados beneficiários do segurodesemprego e intermediação de mão-de-obra, autônomos, cooperados, assentados, trabalhadores rurais, empresários de pequena e microempresas. Também foram atendidos 185 adolescentes e jovens (14-21 anos) em situação de risco social, moradores das periferias dos centros urbanos, comunidades extrativas, portadores de necessidades especiais, bancários, trabalhadores do sistema financeiro, detentos e egressos do sistema penitenciário e grupos étnicos/raciais. A seguir, passa-se a apresentar e comentar os resultados da avaliação externa em relação aos efeitos da qualificação na vida dos trabalhadores treinados pelo PLANFOR/BA, no período 1996-2001. Nesta dimensão, o Ministério determina que seja identificada a situação ocupacional dos trabalhadores antes e depois da qualificação, no sentido de avaliar o impacto e o benefício desta em matéria de geração de renda, além de outros benefícios individuais e sociais. D) Resultados da Avaliação dos Egressos - 1996/2001 Segundo determinação do Ministério, os efeitos da qualificação para os egressos dos cursos devem ser medidos/avaliados através dos benefícios gerados em termos de: ocupação no mercado de trabalho, reintegração em uma ocupação, melhoria de rendimentos, melhoria do desempenho no trabalho etc através das seguintes questões-chave: a) avaliação do Programa pelos sujeitos da qualificação; b) impacto do Programa sobre a vida pessoal e profissional do trabalhador; c) percepção dos empregadores sobre a melhoria da qualidade do trabalho dos sujeitos egressos do Programa. Portanto, os benefícios sociais do PLANFOR/BA 1996-2000 foram analisados a partir do que os egressos e os empregadores acharam do Programa.71 As avaliações da eficácia do PLANFOR/BA foram realizadas com os egressos de 1998, 1999 e 2000, tendo por objetivo verificar o impacto da qualificação sobre os treinandos. O impacto esperado pelo Ministério é o de que os trabalhadores desocupados obtenham a sua inserção no mercado de trabalho e de que os ocupados permaneçam em suas ocupações. A inserção que o MTE se refere é para as “novas formas” de trabalho já discutidas anteriormente. Portanto, a perspectiva é identificar o trabalhador qualificado inserido no mercado em ocupações tais como: estágios, associações, cooperativas, micro empreendimentos, empregos autogeridos etc., aplicando os novos conhecimentos e melhorando os ganhos de produtividade, qualidade e renda. A Tabela a seguir especifica as respostas dos egressos em relação às habilidades desenvolvidas nos cursos de qualificação. Como se pode observar, são habilidades constitutivas 71 Como as categorias de análise da avaliação de egressos mudaram, por determinação do próprio Ministério, no período avaliado, não foi possível realizar uma síntese dos três anos; por isso, os dados são apresentados por ano. Mas sempre que possível apresenta-se dados gerais. Assim, as informações relativas aos egressos, analisadas neste item, se referem às amostras definidas pela avaliação externa em cada ano. 186 da chamada teoria da aprendizagem do “aprender a aprender”, propostas pelo Programa, com o intuito de qualificar o trabalhador à adaptabilidade e à estrutura do mercado de trabalho em crise de emprego. TABELA 6 Habilidades desenvolvidas pelo programa Habilidades Expressar o que pensa Trabalhar em grupo Iniciativa Assumir responsabilidade Buscar informações Resolver problemas Propor soluções Realizar cálculos mais rapidamente 1996 74,8 84,8 77,8 76,2 78,5 76,4 71,6 42,1 Percentual de Egressos72 1997 1998 1999 75,0 75,7 83,9 82,1 81,1 91,6 76,6 70,3 81,5 74,5 67,6 82,5 81,8 78,4 88,7 74,0 67,6 84,4 72,4 75,7 81,7 44,2 39,9 26,5 2000 79,0 87,4 83,5 82,7 88,4 74,0 74,5 39,0 Fonte: Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Educação (2002). Relatórios de Acompanhamento de Egressos do PLANFOR/Ba - 1996 a 2000. Como se pode observar, as respostas, de modo geral, são positivas, com exceção do desenvolvimento da habilidade específica de resolver cálculos. Já em relação à utilidade dos conteúdos dos cursos, demonstrada na Tabela a seguir, as respostas dos egressos, de modo geral, são negativas, indicando, portanto, que o PLANFOR/BA representou um programa de treinamento para os trabalhadores e não uma política de inserção ao mercado de trabalho. TABELA 7 Opinião dos egressos sobre os cursos do PLANFOR/BA – 1996/2000 1996 1997 Os conteúdos são aplicados no trabalho principal 36,8 32,8 na vida familiar 26,3 27,2 O curso trouxe mudança na vida profissional 33,0 34,2 sentimento de maior preparo p/ o mercado 78,8 79,1 O curso contribuiu p/ aumento salarial p/ permanência no emprego p/ obtenção de ocupação p/ a montagem de negócio próprio 0,9 0,9 3,6 0,3 1,7 2,5 3,1 1,9 (%) 1998 1999 2000 35,1 20,0 67,3 26,2 60,8 54,5 43,9 83,8 30,7 85,6 14,9 86,0 2,0 1,5 3,9 1,5 18,9 59,3 14,5 1,7 13,3 24,0 24,4 SI Fonte: Universidade Federal da Bahia, Faculdade s de Educação (2002). Relatórios de Acompanhamento de Egressos do PEQ/Ba - 1996 a 2000. Nota: SI – Sem informação 72 O número de trabalhadores entrevistados foram os seguintes: 1.359 para 1996/97/98; 1.341 (Pólo Calçadista) e 570 para os outros cursos em 1999. Neste ano também foram entrevistados 91 empregadores; 508 em 2000. Também foram entrevistados 94 empregadores. 187 A aquisição de conhecimentos através dos cursos de qualificação profissional, segundo os próprios trabalhadores, não tem significado mudanças de ordem salarial, nem mesmo influenciado para a assunção de melhores posições ou funções para os já empregados e nem para a conquista de uma colocação para aqueles desempregados, com exceção de 1999. Esses dados são elucidativos, agora na opinião dos próprios trabalhadores egressos, do processo das metas definidas pelo programa, já que nem para a permanência no emprego o curso contribuiu, pois na média dos 5 anos, apenas 18% responde positivamente. Na mesma direção, 10%, na média do período, afirmaram que o curso contribuiu para obter ocupação. No que se refere à contribuição para “montar um negócio próprio”, ocupação que melhor expressa a empregabilidade e o empreendedorismo que o Programa afirma perseguir, os resultados são mais pífios ainda, pois em média, apenas 1,4% dos egressos entrevistados afirmaram positivamente sobre essa questão O caso da “Demanda Fechada” no ano de 1999: um exemplo do emprego garantido pelas empresas e não pelo PLANFOR/BA As informações obtidas no Relatório de Avaliação Externa do PLANFOR/BA – 1999 são especialmente ilustrativas de um caso – exemplar – que demonstra o que se está afirmando sobre o PLANFOR não ser uma política pública de emprego. Isto porque, neste ano, diferente dos demais, o Programa atendeu a uma demanda do Pólo Calçadista, executando o treinamento, através do SENAI, como única executora, de 4.708 trabalhadores, representando 5% do total de treinandos e R$ 3.716.583, 00, correspondendo a 31% do total de recursos investidos pelo FAT no Estado, oferecendo 115 turmas de variados cursos: corte de calçados, corte e montagem de calçados, montagem de calçados, pré-fabricação de calçados, preparação e costura de calçados. Os cursos de qualificação para o Pólo Calçadista ocorreram nos municípios onde havia fábricas de calçados instaladas ou em municípios vizinhos a estes. O resultado disso foi que 40% dos treinados, o maior índice do período, foram encaminhados ao mercado de trabalho. Na realidade, a situação ocupacional dos egressos, conforme Relatório referido, era que os trabalhadores já se encontravam em fase de experiência nas fábricas ou tinham fortes possibilidades de serem contratados após os cursos. Os resultados encontrados são os seguintes: o número de trabalhadores que se encontravam ocupados no ato da inscrição, se quadruplicou no ato da entrevista (17,9% para 78,6%) e os desempregados diminuíram (de 56,0% para 17,8%). Além disso, o conjunto de trabalhadores do Pólo Calçadista apresentava uma particularidade em relação aos demais egressos do PLANFOR/Ba, a maioria absoluta 188 trabalhava na mesma área em que fez o curso que freqüentou. Este fato decorre dos mecanismos de seleção dos trabalhadores para os cursos, que passavam, necessariamente, pelo crivo do Setor de Recursos Humanos das empresas envolvidas no projeto. Os egressos ocupados representavam 78,6% da amostra de egressos dos cursos do Pólo Calçadista e na sua maioria trabalhavam na indústria (97,9%) e um pequeno percentual no comércio (2,1%). Prioritariamente, eram empregados do setor privado com carteira assinada (87,5%), embora tenham sido encontrados trabalhadores do setor privado sem carteira e cooperativados (ambos com 6,3%). Destes trabalhadores, 89,6% tinham uma jornada de trabalho de mais de 40 horas semanais, enquanto que 10,4% trabalhavam entre 31 e 40 horas por semana. Os cursos do Pólo Calçadista se caracterizavam por cursos de longa duração, na sua maioria com carga horária superior a 240 horas (61,9%). Mesmo entre os cursos com duração menor (23,8% da amostra) a carga horária nunca foi inferior a 60 horas, o que representa uma real possibilidade de se trabalhar os conteúdos referentes às habilidades específicas propostas por estes cursos. Os dados coletados permitem concluir que há inegável impacto nos treinandos, do ponto de vista da ocupação, dos cursos oferecidos ao Pólo Calçadista. Contudo, do ponto de vista da remuneração por este trabalho, não parece ter havido mudanças significativas nos rendimentos dos egressos, exceto para aqueles que não tinham renda e passaram a ganhar até um S. M. Identifica-se, inclusive, um decréscimo na renda pessoal de 85,7% dos egressos que, antes do curso recebiam entre um e três S. M. e na época da entrevista estavam recebendo até um S.M. Só foi possível perceber um aumento de maior monta para um percentual de 7,1% dos trabalhadores que, antes do curso, recebiam menos de um S. M. e no momento da entrevista estavam recebendo de três a cinco Ss. Ms. O perfil dos egressos dos cursos oferecidos para o Pólo Calçadista é o seguinte: 54,4% são homens e 47,6%, mulheres, predominam os jovens (66,5%) entre 18 e 25 anos, com 75,0% de pardos/negros, a grande maioria com ensino médio incompleto ou completo, morando com os pais (57,1%) e poucos (19,0%) chefes de família. A maioria é solteira (67,9%), com famílias compostas por dois a cinco membros (70,3%). Ainda que quase metade dos egressos (49,4%) não perceba nenhum efeito dos cursos sobre sua vida familiar, há um percentual de 36,4% que atribuem “melhoria nas condições de renda” após os cursos. Este percentual provavelmente se relaciona com os ocupados em primeiro emprego que, a partir dos cursos, começaram a trabalhar. 189 E – Avaliação da Qualificação no Município de Salvador Em 2001, também foram analisadas as execuções dos cursos em 41 municípios, distribuídos nas 15 regiões econômicas do Estado. No sentido de fornecer mais elementos no alcance dos objetivos desta tese, apresenta-se e comenta-se os resultados da avaliação nas quatro dimensões (como realizada com os dados gerais), no Município de Salvador por ser o mais representativo. Neste ano foram aplicados em SALVADOR 16,74% do total de investimentos do FAT no Estado, qualificando 28,25% dos inscritos através de 341 cursos de qualificação, nos seguintes setores econômicos: administração pública, defesa e seguridade social, alojamento e administração, artesanato, atividades financeiras, comércio, reparo de veículos, objetos pessoais e domésticos, construção, educação, indústria de transformação, outros serviços sociais, coletivos e pessoais, pesca, saúde e serviços sociais; serviços domésticos e transporte, armazenamento e comunicações. Como se pode observar na Tabela 6, cerca de 63% dos investimentos do FAT no município foram para qualificar 23.623 trabalhadores (cerca de 56%) para o setor econômico outros serviços coletivos, sociais e pessoais, coerente com os estudos sobre mercado de trabalho que indicam ser este o setor que mais cresce em Salvador e foram envolvidas 18 instituições na execução de 135 cursos. Desses cursos, 31 foram na área da informática, representando 63,17% do total de treinandos nesse setor econômico. A qualificação de 14.923 trabalhadores na área de informática significou 54,16% dos investimentos nesse setor econômico e 34,47% do total de investimentos na qualificação dos trabalhadores no Município de Salvador. A Tabela 8 a seguir demonstra a distribuição de treinandos e investimentos por setor econômico. TABELA 8 Número de treinandos e investimentos por setor econômico – Salvador – 2001 Treinandos Setor Econômico Nº % Saúde e serviços sociais 113 0,3 Alojamento e alimentação 275 0,6 Artesanato 1.600 3,8 Serviços domésticos 290 0,7 Comércio, reparo veículos, objetos pessoais e domésticos 2.131 5,1 Construção 1.258 3,0 Educação 150 0,3 Outros serviços coletivos, sociais e pessoais 23.623 56,6 Transporte, armazenamento e comunicações 1.565 3,7 Administração pública, defesa e seguridade social 8.516 20,4 Atividades financeiras 1.080 2,0 Indústria de transformação 101 0,2 Pesca 30 0,07 Total 41.732 100,00 Fonte: Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Educação, 2001. 190 Investimentos (mil R$) R$ % 36,6 0,8 20,6 0,5 217,4 4,8 40.4 0,9 297.8 6,7 255.7 5,7 14.1 0,3 2.832.5 63,5 100.3 2,2 524.8 11,8 77.0 1,7 41.6 0,9 1.8 1,8 4.460.8 100,0 Ainda em relação aos cursos oferecidos para o setor de serviços coletivos, sociais e pessoais, os dados revelam que somente uma única executora qualificou, através de três cursos de informática, 11.550 trabalhadores que representaram 28,36% do total de treinandos do município. Em seguida vem o setor de administração pública, defesa e seguridade social com cerca de 11% dos investimentos, qualificando cerca de 20% do total de inscritos nos cursos oferecidos no município. Contudo, é estranho que os setores saúde e serviços sociais e educação, juntos, tenham recebimento cerca de 1% dos investimentos do município, quando se sabe da carência de serviços, especialmente, da saúde. Uma possibilidade, a ser investigada, é o despreparo das executoras em ofertar cursos com conteúdos específicos e mais aprofundados dessas áreas. Esses dados merecem alguns comentários: 1) as executoras não realizaram estudos para identificar as reais demandas do mercado de trabalho e a qualificação do trabalhador se deu exatamente no sentido inverso às diretrizes do CODEFAT, conforme disponibilidades de cursos nessas instituições; 2) a SETRAS também não identificou as demandas do mercado de trabalho e as reais necessidades de qualificação do trabalhador, pois é um exagero, que Salvador demande tantos trabalhadores qualificados em informática, ainda mais sabendo-se que a maioria desses cursos foi de curta duração e com grande número de alunos por turma, dificultando a aprendizagem, principalmente, por ser uma clientela com baixa escolaridade. Por fim, trabalhadores com baixo poder aquisitivo, dificilmente, poderiam adquirir computador e, portanto, aplicar/treinar o “aprendido”. A Tabela abaixo especifica a distribuição de treinandos e recursos financeiros em atendimento às pessoas vulneráveis. TABELA 9 Número de treinandos e investimentos por “Grupos Vulneráveis - Salvador - 2001 Treinandos Investimentos (mil R$) Grupos Vulneráveis Nº % Nº % Desocupados 13.461 32,2 1.307.5 29,3 À procura de 1º emprego 14.733 35,3 2.077.3 46,6 Autônomos 1.350 3,2 106.2 2,4 Cooperados 200 0,5 31.0 0,7 Empregados assalariados 2.401 5.8 286.6 6,4 Peq./microprodutores 281 0,7 3.3 Seguro-desemprego 790 1,9 124.2 2,8 Servidor público 8.516 21,4 524.8 11,8 Total 41.732 100,00 4.460.8 100,0 Fonte: Relatório de Avaliação Externa 2001 191 Como se pode observar na Tabela acima, 67,5% dos treinandos eram desocupados e estavam a procura do 1º do emprego, onde foram investidos cerca de 76% dos recursos do FAT no município. O grupo servidor público representou 20% dos treinandos, sendo investidos cerca de 11% dos recursos. Os autônomos, cooperados e pequenos e microprodutores representaram apenas 4,4% dos inscritos e são os segmentos mais típicos das chamadas “novas formas de trabalho” para quem o Programa pretende qualificar. Além disso, dos 341 cursos desenvolvidos em Salvador, nos diferentes setores econômicos já citados, apenas 71 trabalharam as três habilidades como propõe o CODEFAT em suas diretrizes, cerca de 70% dos trabalhadores só desenvolveram, nos cursos de qualificação de 2001, a habilidade específica. Considerando que, para o Ministério, o desenvolvimento das três habilidades de aprendizagem está vinculado à compreensão de que os cursos de qualificação não garantem emprego ao trabalhador, mas criam condições de empregabilidade, mais uma vez pode-se concluir que nem mesmo esse objetivo foi cumprido. 192 6. O PLANFOR/BA NÃO É UMA POLÍTICA DE EMPREGO E RENDA Neste item, toma-se como referência o que se propõe na metodologia deste estudo, isto é, verificar a coerência interna e externa do PLANFOR, consistência de seus pressupostos e diretrizes em relação a duas questões, quais sejam, os dados empíricos produzidos pela avaliação externa e a produção acadêmica sobre o tema para responder a pergunta formulada nesta tese: O Plano Estadual de Qualificação do Trabalhador – PLANFOR/BA é uma política de emprego e renda nos anos 90? Inicia-se analisando a coerência interna do PLANFOR a partir de suas três linhas de atuação: 1) avanço conceitual; 2) articulação institucional e 3) apoio à sociedade civil no sentido de demonstrar a articulação, ou não, entre as diretrizes do Programa e os achados empíricos. Em seguida, discute-se a sua concepção e seus conceitos de qualificação, trabalho, empregabilidade etc, à luz da Economia e da Sociologia do Trabalho. Por fim, com base nessa discussão anterior, responde-se se o PLANFOR/BA é uma política de emprego e renda. O avanço conceitual na qualificação profissional do trabalhador, proposto pela SPPE/MTE, explicitado anteriormente, é parcialmente atendido pelo PLANFOR/BA – 19962001 porquê: A grande maioria dos cursos oferecidos não atendeu as demandas reais do mercado de trabalho e das necessidades da população-alvo do Programa, dada a inexistência de estudos de mercado nos diferentes municípios, com exceção da RMS, onde o PLANFOR/BA atuou, da inoperância das CMEs e da própria Comissão Estadual. Portanto, foram pouquíssimos os cursos planejados a partir das demandas de mercado e social identificadas. A grande maioria dos cursos também não desenvolveu de forma integrada as três habilidades (básicas, específicas e de gestão) como determina o Ministério; ao contrário, priorizou apenas a habilidade específica. O PLANFOR/BA – 2001 é um bom exemplo para ilustrar essa questão. Dos 78.178 trabalhadores qualificados, cerca de 66% só desenvolveram a habilidade específica nos cursos, apesar das características de parte dos trabalhadores atendidos (autônomos e candidatos ao 1º emprego). Era de se esperar, que fossem também desenvolvidas as habilidades básicas e de gestão como propõe o Ministério, coerente com sua proposta de qualificação para a empregabilidade; O único meio de qualificação do PLANFOR/BA foram os cursos, não concretizando a proposta do Ministério que apresenta outras ações, como: treinamentos, assessoria, extensão, pesquisas e estudos. 193 O PLANFOR/BA não atendeu de forma efetiva as diversidades sociais, econômicas e regionais da PEA subvalorizando as pessoas com baixa escolaridade e maiores de 40 anos de idade. O próprio MTE reconhece em seus documentos que há, em nível de Brasil, sobre valorização de atendimento a pessoas entre 25-39 anos de idade, excedendo inclusive sua participação na PEA, com perdas também na cobertura de pessoas com baixa escolaridade. Em relação à articulação institucional, o PLANFOR para qualificar 20% da PEA ao ano precisa articular a capacidade e a competência de EP do país, envolvendo serviços de entidades públicas ou privadas, nacionais ou internacionais, governamentais, nãogovernamentais e intergovernamentais. No caso da Bahia, os dados mostram que essa articulação ocorreu de forma bastante significativa, pois houve uma diversidade de instituições envolvidas (privadas, públicas, ONGs, entidades sindicais, Sistema “S”, universidades, fundações etc), além do número crescente de executoras, a cada ano, de implantação do Programa no Estado, construindo o que o MTE chama de “nova institucionalidade” da EP. Contudo, as ações “casadas” (qualificação e intermediação, qualificação e crédito popular, qualificação e comunidade solidária) com outros programas do governo ocorreram pontualmente. Quanto ao apoio à sociedade civil, terceira linha de ação do PLANFOR, expressa através de: a) qualificação profissional para grupos prioritários da população-alvo, levando em conta a situação de pobreza, baixa escolaridade, idade, raça/cor, sexo, deficiências físicas e outros fatores de discriminação no mercado de trabalho; b) programação e execução de ações de sensibilização e formação específica para os membros das CMEs/CEE, gestores, executores e avaliadores do PLANFOR local, de modo que o combate à discriminação seja realizado de maneira competente e coerente, desde a concepção até a execução dos projetos de qualificação e c) garantia, através das CMEs/CEE, de que as demandas da sociedade civil organizada sejam levadas em consideração no planejamento dos projetos de qualificação. Pode-se afirmar, pelos dados analisados no período, que há uma realização parcial dessas ações, pois: 1) as pessoas com baixa escolaridade, as maiores de 40 anos de idade e as com necessidades especiais tiveram atendimento com limitações, na própria seleção e na oferta dos cursos; 2) a SETRAS não promoveu de forma sistemática formas de sensibilização das CMEs/CEE, dos gestores e das executoras no sentido de uma participação efetiva nos projetos de qualificação desde seu planejamento até sua avaliação; 3) poucas demandas de qualificação da sociedade civil organizada foram incorporadas ao PLANFOR/BA, dada a desarticulação entre a SETRAS e as Comissões Tripartites. 194 Na análise da concepção do PLANFOR sobre qualificação profissional, trabalho, empregabilidade e da produção acadêmica que trata dessas questões, encontram-se muitas divergências. Sabe-se que as variações semânticas de designação dos processos de formação do trabalhador não são neutras. O MTE a partir de 1995, através do Plano Nacional de Educação Profissional (PLANFOR), passa a utilizar a expressão “educação profissional”, consolidada pela Lei nº 9.394/96. Como já discutido no Capítulo 2 desta tese, essas noções expressam e respondem a um conjunto de interesses diferenciados dentro da sociedade, que dependendo da forma de apropriação e remetem a projetos e estratégias políticas adotadas pelos diferentes sujeitos sociais. As ações de formação profissional do PLANFOR, de acordo com o Ministério, devem estar voltadas para as “novas formas” de trabalho, presentes na sociedade contemporânea – trabalho temporário, associativo, cooperado, autônomo, autogerido. Portanto, o MTE tem uma concepção de treinar e/ou qualificar os trabalhadores para essas ocupações, isto é, as chamadas “novas formas de trabalho” e não para o emprego. Os conteúdos da empregabilidade associados ao “novo trabalhador” e às “novas formas” de trabalho valorizam, exatamente, as qualificações individuais tais como: iniciativa, criatividade, capacidade de adaptação, flexibilidade, capacidade de solucionar problemas e de lidar com o inesperado, dentre outras. Como alerta Druck (2001), essas qualidades exigidas do “novo trabalhador” são típicas dos trabalhadores que vivem na informalidade ou na “solidão do mercado”, onde a qualificação maior está na capacidade de enfrentar desafios e incertezas e não mais no conhecimento do ofício e na sociabilidade do trabalho. Para o governo, a qualificação para a empregabilidade é um instrumento de desenvolvimento individual do trabalhador para sua inserção no mercado de trabalho. Neste caso, Estado e patrões se desresponsabilizam por essas políticas, transferindo aos trabalhadores a “culpa” pelo desemprego ou pela não inserção no mercado de trabalho. Como afirma Druck (2001), a qualificação para a empregabilidade encontrou nessa concepção um sentido mais perverso ainda, pois responsabiliza o indivíduo pelo seu desemprego. No que se refere à análise da coerência externa do PLANFOR, pode-se constatar uma incoerência nos pressupostos, diretrizes e ções. O PLANFOR toma como referência para a qualificação do trabalhador as “novas formas” de trabalho existentes, hoje, na sociedade. Portanto, embora o governo declare que é uma política de emprego, as diretrizes para a qualificação estão dirigidas ao mercado de trabalho informal, ao trabalho sem proteção social. Políticas de emprego, segundo vários estudiosos do tema (DEDECCA, 1999; POCHMANN, 1998, 1999, 2001; MATTOSO, 1995; FILGUEIRAS, 1997, 1998; DIEESE, 1994, 1997) 195 com objetivo de combater os velhos e novos problemas, do mercado de trabalho, seguem em outra direção, pois exigem ações políticas que respondam aos velhos problemas como a reforma agrária, desconcentração de renda e investimentos em infra-estrutura, o que, necessariamente, demanda um outro modelo de política econômica para o país. E, reconhecendo os novos tipos de desemprego, decorrentes da reestruturação produtiva e da globalização, esses estudiosos apresentam alternativas, tais como: a flexibilização inclusiva do mercado por intermédio de contratos de trabalho por tempo parcial, a reformulação do ensino básico, a redução ampla da jornada de trabalho, programas de pré-aposentadoria etc, as quais se inscrevem num marco de políticas públicas de alcance universal, pois objetivam a inclusão do trabalhador no mercado de trabalho formal com direitos e proteção social. As políticas sociais do governo Cardoso foram em direção oposta ao exposto acima, pautadas em programas de qualificação de mão-de-obra e de crédito e geração de renda destinadas a grupos de trabalhadores pobres, portanto focalizadas e dirigidas a uma determinada “clientela”, ou como diz Pochmann (1998), políticas para o mercado de trabalho e não para o emprego. Na ideologia empresarial e do governo, a qualificação, a empregabilidade e a competência são formas de inserção de homens e mulheres que são responsabilizados por sua precarização e pela falta de oportunidades de emprego. Assim, em nome das exigências do mercado e da competitividade, da globalização, da modernização tecnológica e organizacional, a classe dominante brasileira desenvolve uma política em relação ao trabalho e ao emprego que é marcada pela perversidade e por uma relação de forças desfavorável aos trabalhadores que, fragilizados pelo desemprego e pela informalidade e precarização, não conseguem romper com esse quadro (DRUCK, 2001). Em última análise, essas concepções e políticas de qualificação escondem uma profunda violência ideológica que passa a idéia de que o Estado burguês, os “homens de negócio” e os seus intelectuais coletivos cumpriram seu dever oferecendo escola de qualidade total. Aqueles que não encontram emprego ou são expulsos do mercado, o são por incompetência ou por não terem acertado as escolhas, ou seja, as vítimas do sistema excludente viram os algozes de si mesmos (FRIGOTTO, 2001). Nos seis anos de implementação no Estado, no qual foram investidos cerca de 99 milhões de reais para qualificar, aproximadamente, 920 mil trabalhadores, os resultados foram pífios. É o que se pode afirmar ao confrontar esses investimentos com as taxas de desemprego na RMS, no período analisado, cuja evolução foi: em 1996, 20,3%, em 1997, 21,7%, em 196 1998, 24,9%, em 1999, 27,7%, em 2000, 26,6% e em 2001 27,5%, consideradas as mais altas na história da RMS e as mais altas do Brasil. Assim, levando-se em consideração os resultados da avaliação externa e os do próprio Ministério, bem como o quadro do mercado de trabalho na RMS, especialmente as taxas de desemprego, conclui-se que o PLANFOR/BA não foi uma política pública de emprego. Com limitações, pode ser considerada uma política de qualificação. Também não se pode afirmar que seja uma política de qualificação para o mercado de trabalho, como define o TEM, porque os cursos não foram planejados conforme as demandas do mercado de trabalho e às necessidades da população. Além disso, não desenvolveram as três habilidades integradas. Portanto, o PLANFOR/BA não pode ser considerado um programa de qualificação para o mercado. As políticas econômicas monetaristas, fundamentadas no ideário neoliberal, buscam desvencilhar o Estado dos compromissos que asseguram a coesão social, papel que lhe coube no modo de regulação fordista. Assim, o contexto tem sido de extrema insegurança e inquietação, particularmente para aqueles que sobrevivem da venda de sua força de trabalho. O aumento indiscriminado do desemprego, atingindo trabalhadores qualificados e sem qualificação, com alta e baixa escolaridade, homens, mulheres e jovens, e a banalização do trabalho precarizado, na sua forma temporária, parcial, terceirizada e desregulamentada, evidenciam a revalorização pelo capital de estratégias de extração de mais-valia absoluta, arrefecidas pelas conquistas trabalhistas e pelo movimento das forças produtivas. Os novos critérios e as normas de qualidade, produtividade competitividade, têm sido o principal argumento do discurso dominante, que ressalta a necessidade de integração dos trabalhadores ao esforço de obtenção de sucesso das empresas em que trabalham. Assim, os trabalhadores e suas organizações são empurrados ao defensismo, pois são envolvidos com problemas que exigem soluções imediatas. Essa atitude reativa impede-os de compreender o quadro atual e de propor alternativas coerentes e viáveis a esse processo de crise, resultando na consolidação e no fortalecimento do sindicalismo funcional à ordem capitalista, em detrimento de proposições classistas, apontando para a perspectiva de superação do sistema dominante. No contexto da globalização, da reestruturação produtiva e do neoliberalismo, o Brasil, com a política de estabilização associada ao Plano Real, acompanhada das mudanças na forma de atuação do Estado na economia, nas relações econômicas internacionais, na estrutura dos setores industrial e financeiro e do mercado de trabalho, cria uma barreira intransponível entre estabilidade monetária e desenvolvimento, agravando o desemprego, aprofundando a 197 dependência externa do país e fragilizando financeiramente o Estado. Portanto, enfraquecendo sua capacidade de adotar políticas públicas universais. No âmbito dessa nova regulação social a ação do Estado tem um caráter pontual e focalizado. No fordismo, a intervenção do Estado na regulação dos fatores de produção tinha como base a teoria keynesiana, na “acumulação flexível” as bases são as políticas econômicas neoliberais, portanto, a lógica é outra. O Ministério do Trabalho ao tomar a noção de empregabilidade como fundamento, faz do mercado a focalização dos processos regulatórios da formação profissional, reduzindo o processo educativo a forma instrumental para obtenção de emprego e renda. Essa noção colabora para romper com o sentido universalista das políticas públicas universais, sobretudo as concernentes às relações de trabalho e de formação. Os dois conceitos constitutivos do PLANFOR – formação de competências para possibilitar ao trabalhador a empregabilidade são incompatíveis com políticas de emprego, pois seus conteúdos valorizam qualificações individuais para inserção no mercado de trabalho informal. Como já foram explicitadas, essas qualidades são típicas dos trabalhadores que vivem na informalidade ou na “solidão do mercado”, hoje, a grande maioria dos trabalhadores brasileiros. Na verdade, competências e empregabilidade são velhos “modelos”, como identifica Druck (2001), associados à precarização do trabalho e do emprego, típicos de países subdesenvolvidos, mais do que da revolução tecnológica e de novos padrões de organização do trabalho. A flexibilização do trabalho significa mais que a perda dos direitos e garantias sociais, significa a perda de vínculos, onde o indivíduo é tudo e o coletivo perde sentido. Portanto, esse Programa tem como objetivo, possibilitar ao trabalhador auferir alguma renda através de sua inserção no mercado informal de trabalho, precarizado e desregulamentado. Assim, a política de qualificação, cujos supostos são competências e empregabilidade, pode ser caracterizada como uma política de “inserção” como define Castel (1998), pois elege os “inadaptados sociais”, os “incapazes” de acompanhar a dinâmica da sociedade salarial como população-alvo do Programa. Portanto, é uma política focalizada, como afirma Pochmann (1998), e não uma política de emprego e renda, pois não é sistêmica e não está associada com a política macroeconômica, comprometida com o pleno emprego. 198 REFERÊNCIAS ALVES, Ana Elizabeth Santos. A qualificação como estratégia pedagógica no contexto da reestruturação produtiva: um estudo do trabalho bancário. 2002. Tese (Doutorado) – Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador. ANTUNES, Ricardo Luis Coltro. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 1993. ______. 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Relatório de avaliação externa do Plano Estadual de Qualificação Profissional – 212 PLANFOR/BA – 2001. Salvador, 2002. ______. Relatório de avaliação externa do Plano Estadual de Qualificação Profissional – PLANFOR/BA – 2002. Salvador, 2002. URANI, André. Elementos para uma política de emprego no Brasil. In: BÓGUS, Lúcia; PAULINO, Ana Yara (Org.). Políticas de emprego, políticas de população e direitos sociais. São Paulo: EDUC, 1997. p. 47-68. VARGAS, Nilton. Gênese e difusão do taylorismo no Brasil. Ciências Sociais Hoje. São Paulo: Anpocs, p.155-189, jan. 1985. ZARIFIAN, Philippe. A gestão da e pela competência. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, TRABALHO E COMPETÊNCIAS, 1998. Anais... Rio de Janeiro: SENAI/DN/CIET, 1998. 213 ANEXO I ATRIBUIÇÕES DOS ÓRGÃOS FEDERAL, ESTADUAL E MUNICIPAL CODEFAT - deliberar sobre objetivos, metas, alocação de recursos e diretrizes estratégicas; fixar o orçamento anual e distribuição de recursos para os PEQs; acompanhar e avaliar a execução global do PLANFOR e articular parcerias para obtenção de recursos adicionais; SPPE/MTE – elaborar diretrizes e termos de referência em sintonia com o CODEFAT; acompanhar e supervisionar os PLANFORs; gerenciar convênios e processos de prestação de contas e negociar para obtenção de recursos adicionais; STbs – elaborar o Plano Estadual de Qualificação em sintonia com o FAT/MTE e CEEs/CMEs; firmar convênio com o MTE para execução dos Planos esdaduais; contratar, acompanhar e supervisionar a execução e a avaliação das ações dos PLANFORs; gerenciar convênios/contratos e processos de prestação de contas; mobilizar e selecionar os participantes dos programas e negociar parcerias para obtenção de recursos adicionais; Comissões Estaduais de Emprego (CEEs) – monitorar e coordenar as demandas da UF/Municípios; negociar prioridades de atendimento; homologar os PLANFORs (programas, metas e recursos); monitorar a execução global do PLANFOR e articular para obtenção de recursos adicionais; Comissões Municipais de Emprego (CMEs) – monitorar e coordenar as demandas locais, atuando como “antenas” ou “observatório” das tendências da economia e do mercado de trabalho; fixar prioridades de atendimento; monitorar a execução das ações de qualificação no município e articular parceiras para obtenção de recursos adicionais; Entidade Executoras dos cursos (REP) – detalhar o conteúdo técnico-programático das ações de qualificação e projetos especiais de acordo com as diretrizes do PLANFOR/FAT; mobilizar e selecionar os participante, sob orientação da STb; desenvolver as ações previstas, prestando informações solicitadas; prestar contas, na forma da legislação vigente e negociar parceiras para ampliação dos recursos. 214