UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
MARIA REGINA FILGUEIRAS ANTONIAZZI
O PLANO DE QUALIFICAÇÃO
PROFISSIONAL DO TRABALHADOR:
POLÍTICA PÚBLICA DE EMPREGO?
SALVADOR
2005
MARIA REGINA FILGUEIRAS ANTONIAZZI
O PLANO DE QUALIFICAÇÃO
PROFISSIONAL DO TRABALHADOR:
POLÍTICA PÚBLICA DE EMPREGO?
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Ciências Sociais, Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Federal da
Bahia, como requisito parcial para obtenção do
grau de Doutora em Ciências Sociais.
Orientadora:
Profa. Dra. MARIA DA GRAÇA DRUCK
SALVADOR
2005
A635 Antoniazzi, Maria Regina F.
O Plano de Qualificação Profissional do Trabalhador – Planfor/Ba –
política pública de emprego? / Maria Regina Filgueiras Antoniazzi. - 2005.
214 p.
Orientadora: Profa. Dra. Maria da Graça Druck.
Tese (doutorado) - Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia
e Ciências Humanas, Salvador.
1. Qualificação 2. Emprego. 3. Desemprego. 4. Plano Estadual de Qualificação
Profissional – Bahia. I. Druck, Maria da Graça. II. Universidade Federal da
Bahia. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.
CDD 331.0981
MARIA REGINA FILGUEIRAS ANTONIAZZI
O PLANO DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL DO TRABALHADOR:
POLÍTICA PÚBLICA DE EMPREGO?
Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutora,
Universidade Federal da Bahia pela seguinte banca examinadora:
Ângela Maria Carvalho Borges
Doutora pela Universidade Federal da Bahia, UFBA, Brasil
Universidade Católica do Salvador, Escola de Serviço Social, UCSAL
Gaudêncio Frigotto
Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP, Brasil.
Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Educação
Inaiá Maria Moreira Carvalho
Doutora pela Universidade de São Paulo, USP, Brasil
Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Maria da Graça Druck – Orientadora
Doutora pela Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, Brasil
Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Vera Lúcia Bueno Fartes
Doutora pela Universidade Federal da Bahia, UFBA, Brasil
Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Eduação
Salvador, 20 de maio de 2005
Aos meus alunos dos cursos de
Teatro, Ciências Sociais, História, Música, Dança,
Desenho e Artes Plásticas, Geografia, Física,
Química, Biologia, Matemática, Pedagogia,
Letras e Educação Física com os quais aprendo
no cotidiano do meu fazer pedagógico.
AGRADECIMENTOS
S
ão muitas as pessoas que contribuíram nessa minha trajetória de realização do
doutorado, que culmina com a produção desta tese, às quais agradeço de coração.
Dentre elas, destaco Graça Druck, minha orientadora, amiga irmã de todas as
horas, pela orientação firme, apoio, ensinamentos e sobretudo paciência com
minha pouca experiência na arte do tratamento dos dados empíricos; muito
apreendi com sua competência, seu compromisso profissional, seu rigor como pesquisadora e
sua solidariedade humana e intelectual. A Luiz Antônio, amigo irmão, pela orientação rigorosa
e cuidadosa na elaboração do projeto inicial. Aos colegas – Luiz Paulo, Théo, Selma, Serra
Neves, Denise, Márcia, Pablo – da Disciplina Leituras Dirigidas em Sociologia do Trabalho,
pelas discussões e contribuições. Aos meus professores da Pós-Graduação, especialmente, Inaiá
Carvalho, Severo Sales e Graça Druck, pelos ensinamentos e pela postura crítica em relação ao
saber. Ao saudoso mestre Felippe Serpa, pela sabedoria em lidar com as diferenças, com quem
muito aprendi. Ao profº Gilberto pela competência e presteza na tradução do resumo. Aos
profissionais Álvaro, pela revisão de português, Sônia, pela normatização e Dadá, pela
editoração desta tese. A amiga Eliana, pela sensibilidade e rigor na revisão final do texto. A
minha mãe dinda Dedete, pelo apoio afetivo e incentivo constante. A Ana Helena, amiga
sempre presente, pela solidariedade nos momentos mais difíceis. A Marcelo/Juju e Dani/Xico,
filhos amados, pelo apoio, incentivo e por terem acreditado nesse meu projeto acadêmico,
cheio de ondas revoltas. A turma de Itacimirim – Lola,Tereza, Lena, Loia, Maria Thereza,
Dilza e Miriam – por ter compreendido as minhas ausências e pelo apoio e incentivo
constante. A minha doce netinha Júlia, por ter acelerado a conclusão desta tese e mudado meu
estado de espírito. Ao netinho Vito, ainda por chegar, por ter provocado, sem saber, uma
alegria enorme no meu coração; por ambos, Júlia e Vito, a vontade de viver muito e melhor.
O PLANO DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL DO TRABALHADOR:
POLÍTICA PÚBLICA DE EMPREGO?
RESUMO
Este estudo tem como objeto de investigação o Plano Estadual de Qualificação Profissional –
PLANFOR/BA, implementado no período do governo Fernando Henrique Cardoso e inserido
no quadro das chamadas políticas ativas do Sistema Público de Emprego. O objetivo geral deste
estudo é analisar, à luz da Economia, da Sociologia do Trabalho e dos dados empíricos produzidos
pela avaliação externa do Programa, sua trajetória enquanto “proposta de política pública ativa de
emprego”, como denominou o governo Fernando Henrique Cardoso, desde suas origens, suas
principais contradições internas, intrínsecas ao próprio (PLANFOR) e a sua execução, através dos
cursos de qualificação e requalificação profissional. A análise concentra-se na discussão dos
conceitos de emprego e de políticas públicas de emprego no Brasil dos anos de 1990,
demonstrando duas questões fundamentais: 1) como a adoção da política macroeconômica do
governo Cardoso implicou no deslocamento de ações de combate ao desemprego para uma
questão técnica – a qualificação, que passa a ser o eixo central do PLANFOR. Nesse sentido, o
desemprego é visto pelo governo como uma questão de desqualificação do trabalhador para
enfrentar um mercado com “novas formas” de trabalho; 2) as limitações da qualificação proposta
pelo Ministério do Trabalho e Emprego, a partir do banco de dados produzido pela
FACED/UFBA. O PLANFOR/BA, portanto, é estudado a partir da reconstituição de seus
antecedentes históricos internos e externos, as circunstâncias políticas, econômicas e sociais e os
fundamentos teóricos que permitiram a sua implementação.
PALAVRAS-CHAVE: Trabalho; Qualificação; Emprego; Empregabilidade; Plano Estadual de
Qualificação Profissional – Bahia.
THE PLAN OF PROFESSIONAL QUALIFICATION OF WORKERS:
PUBLIC POLICY ON EMPLOYMENT?
ABSTRACT
This study aims to investigate the statewide plan of professional qualification –
PLANFOR/BA implemented during Fernando Henrique Cardoso’s government, inserted in
the set of actions that were called active policy of the public system of employment. The
general aim of this study is to analyze, through the eyes of economics and sociology of work
and the empirical data produced in the external evaluation of the program and its
development as proposition of public policy on employment as it was called by the
government of Fernando Henrique Cardoso, from its origin, its main internal contradictions,
intrinsically part of PLANFOR, to its execution, through the professional qualification and requalification courses. The analysis focus on the discussion of the concepts of employment and
public policy of employment in Brazil since the 1990s, demonstrating two fundamental
questions: 1) how the implementation of the macro economic policy of the government of
Fernando Henrique Cardoso drove the actions against unemployment towards a technical
issue – the qualification, that becomes the basis of PLANFOR. This way, unemployment is
seen by the government as a question of workers that lack qualifications to join a market with
new kinds of work; 2) the limitations of the qualification proposed by the “Ministério do
Trabalho e Emprego” (ministry of work and employment), based on the data bank produced
by FACED/ UFBA. So PLANFOR/BA is studied from the reconstitution of its internal and
external historic antecedents, the political, economic and social circumstances and the
theoretical background that allowed its implementation.
KEY WORDS: Work; Qualification; Employment; Employability; Statewide Plan of
Professional Qualification.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO
1.1 - Metodologia do Estudo
1.1.1 - Procedimentos
2. ESTUDO DA QUALIFICAÇÃO, COMPETÊNCIA E FORMAÇÃO PROFISSIONAL
2.1 - Principais Abordagens da Qualificação e da Competência na Formação Profissional
2.2 - Formação Profissional no Brasil
2.3 - Política Nacional de Educação Profissional (PNEP)
2.4 - A Formação Profissional na Perspectiva das Centrais Sindicais
3. POLÍTICAS PÚBLICAS DE EMPREGO E RENDA
3.1 - Nos Países Desenvolvidos
3.2 - A Experiência Brasileira
3.3 - O PLANFOR no Contexto das Políticas Públicas de Emprego e Renda
3.4 - Alternativas de Políticas de Emprego
4. O QUADRO DO TRABALHO NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO
4.1 - A Crise do Fordismo
4.2 - O Fordismo no Brasil
4.3 - O Mercado de Trabalho na Década de 1990
4.4 - Mercado de Trabalho no Brasil
4.5 - Mercado de Trabalho na Bahia
5. O PLANFOR: POLÍTICA DE EMPREGO E RENDA?
5.1 – PLANFOR Nacional
5.1.1 – Guia do PLANFOR
5.1.2 – Guia de avaliação do PLANFOR
5.1.3 – Avaliações do PLANFOR pelo Ministério do Trabalho e Emprego
5.2 – PLANFOR Estadual
5.2.1 – Plano Estadual de Qualificação Profissional – PLANFOR-BA
5.2.2 – Avaliação externa – 1996/2002
6. O PLANFOR/BA NÃO É UMA POLÍTICA DE EMPREGO E RENDA
REFERÊNCIAS
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150
169
169
171
193
199
LISTA DE TABELAS
Tabela 1
Número de municípios, treinandos e investimentos do PLANFOR/BA – 1996/2001
173
Tabela 2
Executoras, números de treinandos e recursos do PLANFOR/BA – 1996/2001
174
Tabela 3
Número de matrículas e carga horária por habilidades - PLANFOR/BA 1996/2001
176
Tabela 4
177
Tabela 5
Trabalhadores desocupados e encaminhados ao mercado de trabalho PLANFOR/BA - 1996/2001
Habilidades desenvolvidas pelo programa
Tabela 6
Habilidades desenvolvidas pelo programa
187
Tabela 7
Opinião dos egressos sobre os cursos do PLANFOR/BA – 1996/2000
187
Tabela 8
Número de treinandos e investimentos por setor econômico -Salvador – 2001
190
Tabela 9
Número de treinandos e investimentos por “Grupos Vulneráveis - Salvador - 2001
191
184
LISTA DE SIGLAS
APADA
APAE
ASCETEB
BIRD
BNB
CAGED
CEE
CGT
CNM
CMB
CME
CODEFAT
CUT
CNTA
DDT
DNOCS
EBDA
EFSCUT
EP
FACED
FAPES
FAPEX
FAT
FEBEE
FETAG
FGTS
FS
IDORT
IBGE
IPEA
LDB
OCDE
PAT
PARCs
PCDA
PEA
PED
PEQ
PLANFOR
PNEP
PNAD
PPI
PPTR
PROGER
PRONAF
REP
SEBRAE/BA
SEFOR
SEI
SENAC
Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos
Associação de Pais e Amigos de Excepcionais
Associação Centro de Educação Tecnologica do Estado da Bahia.
Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento
Banco do Nordeste do Brasil
Cadastro Geral de Empregados e Desempregados.
Comissão Estadual de Emprego
Central Geral dos Trabalhadores
Confederação Nacional dos Metalúrgicos
Confederação das Mulheres do Brasil
Conselho/Comissão Municipal de Emprego
Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador
Central Única dos Trabalhadores
Comissão Nacional de Tecnologia e Automação
Departamento de Desenvolvimento do Trabalho
Departamento Nacional de Obras Contra a Seca
Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola
Escola de Formação Sindical da CUT no Nordeste
Educação Profissional
Faculdade de Educação
Fundação de Administração e Pesquisa Econômico-Social
Fundação de Apoio à Pesquisa e à Extensão
Fundo de Amparo ao Trabalhador
Fundação Escola Baiana de Engenharia Eletromecânica
Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado da Bahia
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
Força Sindical
Instituto de Organização Racional do Trabalho
Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
Posto de Apoio ao Trabalhador
Parcerias Nacionais e Regionais
Programa de Capacitação de Dirigentes e Assessores Fiscais
População Economicamente Ativa
Pesquisa de Emprego e Desemprego
Plano Estadual de Qualificação
Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador
Política Nacional de Educação Profissional
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
Plano Plurianual de Investimentos
Políticas Públicas de Trabalho e Renda
Programa de Geração de Emprego e Renda
Programa Nacional de Agricultura Familiar
Rede de Educação Profissional
Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Estado da Bahia
Secretaria de Formação e Desenvolvimento Profissional
Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia
Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SENAI
SENAR
SENAT
SESC
SESI
SEST
SETRAS
SIGAE
SIGEP
SINE
SPPE
STb
UFBA
UNITRABALHO
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte
Serviço Social do Comércio
Serviço Social da Indústria
Serviço Social do Transporte
Secretaria do Trabalho e Ação Social
Sistema de Informações Gerenciais de Ações de Emprego
Sistema de Informações Gerenciais da Educação Profissional
Sistema Nacional de Emprego
Secretaria de Políticas Públicas de Emprego
Secretaria Estadual de Trabalho
Universidade Federal da Bahia
Fundação Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho
1. INTRODUÇÃO
Considerando-se
o
debate
teórico-contemporâneo
sobre
a
qualificação
profissional, as políticas de emprego e o mercado de trabalho na fase atual do capitalismo –
“acumulação flexível” (HARVEY, 1998) e, ainda, as repercussões do ajuste da economia
brasileira aos processos de globalização, reestruturação produtiva e neoliberalismo, o objetivo
geral deste estudo é analisar o Plano Estadual de Qualificação Profissional – PLANFOR/BA,
implementado no período 1996/2002 do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso
e que tinha, segundo aquele governo, o material de enfrentamento do desemprego e do
desenvolvimento da qualificação profissional do trabalhador, baseada numa “nova institucionalidade”
no campo da Educação Profissional. O estudo, portanto, procura compreender o PLANFOR/BA a
partir do seu contexto histórico. E é esse contexto que se passa a discutir a seguir.
A crise do capitalismo, com o esgotamento do fordismo no início dos anos 1970,
criou as condições objetivas para que a doutrina neoliberal se expandisse e assumisse
importância política cada vez maior, chegando ao poder no final daquela década, com
Margareth Thatcher na Inglaterra e Ronald Regan nos Estados Unidos. Assim, a crise econômica
internacional, conjugada à onda de transformações tecnológicas, organizacionais, produtivas
(terceira revolução industrial), financeiras e sociais, trouxe repercussões imediatas sobre o nível
de emprego e o funcionamento do mercado de trabalho.
As raízes da crise do capitalismo, segundo a doutrina neoliberal, estariam no poder
excessivo e nefasto dos sindicatos e do movimento operário, que pressionavam pelo aumento
dos salários e dos gastos sociais do Estado, inviabilizando os lucros, corroendo as bases de
acumulação das empresas e acelerando a inflação. Assim, as propostas e ações políticas
neoliberais vão todas na direção de desmontar o “pacto social-democrata” e construir um outro
tipo de Estado (DEDECA, 1999; FILGUEIRAS, 2000; POCHMANN, 2001).
Para viabilizar essa proposta, era necessário, antes de tudo, romper o poder dos
sindicatos, desqualificá-los enquanto representação dos trabalhadores, restaurando-se a taxa
“natural de desemprego” que, por sua vez, disciplinaria os movimentos dos trabalhadores e
arrefeceria suas reivindicações salariais.
No que diz respeito ao Estado, dever-se-ia reduzir os gastos sociais do governo e
realizar uma reforma fiscal, cuja meta principal deveria ser a diminuição dos impostos sobre as
rendas e os rendimentos mais altos, fornecendo maiores incentivos ao capital no sentido de
poder realizar novos investimentos.
12
Portanto, a meta fundamental de todos os governos deveria ser a estabilidade
monetária, adotando-se uma rígida disciplina orçamentária e buscando-se um permanente
equilíbrio fiscal. Assim, o objetivo a ser alcançado era a desregulação, isto é, a substituição do
Estado pela “livre concorrência” no que se refere ao funcionamento dos diversos mercados, em
particular aos mercados financeiros e ao mercado de trabalho.
As políticas econômicas fundamentadas nas doutrinas monetaristas neoliberais
procuram desvencilhar o Estado dos compromissos sociais, papel que lhe cabia no modo de
regulação fordista. Para os que sobrevivem da venda de sua força de trabalho o contexto é de
extrema insegurança e inquietude. Esse novo regime de “acumulação flexível” veio aprofundar
as contradições sociais ao incidir sobre os processos de reprodução da força de trabalho, a
estrutura das oportunidades de venda dessa mercadoria especial, os critérios de sua
remuneração e valorização, a relação entre seu valor de uso e seu valor de troca, o poder de
negociação sindical e as relações entre o capital e o trabalho. Como explica Harvey (1998, p.
140-141), a "acumulação flexível"
[...] se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de
trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo
surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de
fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas
altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional.
[...] envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual,
tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um
vasto movimento no emprego no chamado “setor de serviços”, bem como
conjuntos industriais completamente novos em regiões até então
subdesenvolvidas [...] parece implicar níveis relativamente altos de
desemprego “estrutural”, rápida destruição e reconstrução de habilidades,
ganhos modestos (quando há) de salários reais e o retrocesso do poder
sindical – uma das colunas políticas do regime fordista.
Assim, as transformações pelas quais vem passando o sistema capitalista mundial
com o processo de transnacionalização do capital, vêm representando maiores adversidades
para os trabalhadores, atingindo fortemente as suas condições de trabalho, de vida e sua
subjetividade; assiste-se a mais grave crise do trabalho do mundo, marcada pelo aumento do
desemprego e da desregulamentação das relações de trabalho (DRUCK, 1999, 2001;
POCHMANN, 1999a, 1999b; DIEESE, 1994).
Os resultados da aplicação dessas políticas neoliberais nos países avançados foram:
queda da inflação; recuperação dos lucros, com o enfraquecimento do movimento sindical,
expressa na queda do número de greves e na contenção dos salários; crescimento das taxas de
desemprego com aumento da desigualdade; alta especulação financeira e taxas de crescimento
inexpressivas, pelo baixo investimento produtivo. Paradoxalmente, o peso do Estado do BemEstar não diminuiu em virtude dos gastos com desempregados e aposentados, e a dívida
13
pública cresceu em quase todos os países durante os anos 1990, com o advento de uma nova
recessão (DEDECA, 1999).
Em relação aos países subdesenvolvidos, Filgueiras (2000, p. 58) explica:
[...] as políticas neoliberais foram consolidadas pelo Consenso de
Washington,1 cuja agenda pode ser resumida pelos seguintes pontos:
combate à inflação através de planos de estabilização alicerçados na
valorização das moedas nacionais frente ao dólar e na entrada de capitais
especulativos; abertura da economia, com desregulamentação dos mercados
de produtos e financeiros; e, adicionalmente, as chamadas reformas
estruturais do Estado – com destaque para a privatização – e da economia,
com a quebra dos monopólios estatais.
No Brasil, durante toda a década de 1980, a força dos movimentos sociais e dos
trabalhadores impediu a implantação da agenda neoliberal, que só começou a ser efetivada a
partir do governo Collor. Com o impeachment de Collor foi momentaneamente paralisada,
retomada lentamente durante o frágil governo Itamar Franco, consolidando-se a partir do
governo Fernando Henrique Cardoso. Foi, portanto no governo Cardoso que ocorreu a
abertura comercial e financeira da economia, as privatizações e o propósito de deslegitimação
dos sindicatos e da desmoralização dos movimentos sociais (DEDECA, 1999; FILGUEIRAS,
2000).
Os resultados da implementação do ideário neoliberal no Brasil, caracterizado pela
mais absoluta hegemonia do capital financeiro, representaram elevadas taxas de desemprego e
uma ampla disseminação de um processo de precarização do trabalho, criando-se uma massa
de indivíduos dispensáveis, não exploráveis pelo capital (DRUCK, 1999; DEDECA, 1999;
ANTUNES, 2002).
As persistentes taxas elevadas de desemprego e a ampliação do tempo médio no
qual os indivíduos ficam sem ocupação, indicam que este é estrutural, apesar da existência de
algum crescimento econômico. O desemprego atinge os diversos grupos sociais e étnicos de
forma diferenciada, alcançando mais os jovens, as mulheres, os negros e os imigrantes, o
mesmo ocorrendo em relação ao subemprego (POCHMANN, 1999a).
Em relação à precarização do trabalho, também ocorreu com os ocupados e se
expressou na maior intensificação da jornada de trabalho, traduzida no aumento das horas
extras e no crescimento do estresse, e em uma menor remuneração. Formas pretéritas de
trabalho do início da produção capitalista retornam como o “trabalho a domicílio” e o
“trabalho Infantil” (POCHMANN, 1999a).
1
O Consenso de Washington é hoje um conjunto, abrangente, de regras de condicionalidade aplicadas de forma
cada vez mais padronizada aos diversos países e regiões do mundo, para obter o apoio político e econômico dos
governos centrais e dos organismos internacionais. Trata-se também de políticas macroeconômicas de
estabilização acompanhadas de reformas estruturais liberalizantes.
14
Como afirma Druck (1994), essas formas de precarização do trabalho atingem a
própria identidade dos trabalhadores, através do processo de destruição, desfiguração e
segmentação dos “coletivos de trabalho” promovido pelas práticas de subcontratação e de
terceirização que desvinculam parcelas crescentes dos operários das grandes empresas,
agravando a crise dos sindicatos.
Em suma, o desemprego se revela, mais uma vez, como instrumento fundamental
da disciplina do capital sobre o trabalho tanto em relação aos níveis de remuneração quanto no
que concerne às condições de trabalho. Em escala mundial, num momento de hegemonia, das
relações e dos valores capitalistas, em sua forma mais acabada, assiste-se a um processo de
homogeneização e diferenciação das sociedades também em âmbito planetário (BORGES;
DRUCK, 1993).
Filgueiras (2000, p.67) corrobora na compreensão do mundo contemporâneo
quando afirma que:
[...] homogeneíza-se econômica, política e socialmente parte significativa do
planeta, mas, ao mesmo tempo, aprofunda-se a diferenciação no interior de
cada espaço nacional, mesmo nos países mais desenvolvidos. Nessa medida,
globaliza-se o desemprego e a exclusão social, a instabilidade e as incertezas,
enfim, globaliza-se o “mal-estar”, inclusive entre as parcelas privilegiadas das
sociedades, de se estar destruindo um “modo de vida” sem, contudo, se ter
ainda a clareza do que se está colocando em seu lugar.
Pochmann (2002) complementa, indicando que nos últimos vinte anos a
globalização resultou em uma desigualdade no plano mundial, ampliando-se as diferenças
entre as nações, especialmente com a concentração dos frutos da expansão econômica em
poucos países, mas, que o trabalho não foi globalizado, permanecendo como uma questão de
dimensão nacional, seja pelas inúmeras restrições à livre circulação da mão-de-obra,
principalmente entre países pobres e ricos, seja pela referência à concentração dos empregos de
qualidade nos países avançados e a maior manifestação do desemprego aberto e dos postos de
trabalho precários nos países subdesenvolvidos.
Segundo este autor, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) indicava, em
1979, que havia cerca de 45 milhões de trabalhadores na situação de desemprego aberto
(procurando trabalho), sendo que 1/3 encontrava-se nos países do G7 (Estados Unidos, Japão,
Alemanha, França, Itália, Inglaterra e Canadá). Vinte anos depois o desemprego aberto
mundial havia alcançado 150 milhões de trabalhadores, sendo que 16% encontravam-se nos
países do G7 (POCHMANN, 2002).
O governo Cardoso, por aceitar gratuita e passivamente a doutrina neoliberal,
colheu durante os últimos anos do seu segundo mandato o que andou semeando, com a
15
abrupta e desorganizada abertura comercial, financeira, produtiva e tecnológica. Assim, a
ausência de crescimento econômico sustentado, a menor participação no comércio mundial, a
expansão do desemprego aberto, a redução do emprego formal e da proliferação da ocupação
informal e precária não são meras coincidências, mas conseqüências diretas da opção neoliberal
que os governos brasileiros escolheram para o país na década de noventa.
Os indicadores do desemprego aberto no Brasil, ainda segundo Pochmann (2002),
demonstram os efeitos dessa política: em 1989, o Brasil possuía um milhão e novecentos mil
desempregados, já em 1999, havia sete milhões e seiscentos mil trabalhadores desempregados.
Outro dado importante é que a “nova economia” assumida pelo Brasil registrou sinal de
regressão na sua participação relativa no Produto Interno Bruto (PIB), que caiu de 2,7%, em
1989, para 2,1%, em 1999.
O desemprego se constitui em um dos principais problemas para a maior parte da
população brasileira, conforme apontam as pesquisas de opinião pública. Contudo, para os
governos brasileiros da década de 1990, o desemprego não representava um problema, mas
resultado de uma opção política que produziu a mais grave crise do emprego na história
nacional. Tanto foi assim, que somente no segundo mandato do presidente Cardoso é que o
governo federal, com a justificativa maior que o problema não era a falta e/ou geração de
empregos, mas a qualificação, se preocupou com os trabalhadores desempregados e passou a
implementar, de forma focalizada, políticas sociais, dentre elas, o PLANFOR, objeto de estudo
da presente tese.
Este estudo pretende evidenciar as contradições internas e externas do PLANFOR,
isto é, procura indicar a coerência ou não de seus supostos e diretrizes em relação ao planejamento
e a gestão do PLANFOR/BA, no que diz respeito ao atendimento das demandas do mercado de
trabalho e da população-alvo regional e/ou local. Enfim, procura-se identificar através da literatura
sobre o tema, da análise dos documentos oficiais do PLANFOR e dos dados empíricos produzidos
pela avaliação externa do Programa, realizada pela Faculdade de Educação (FACED) da
Universidade Federal da Bahia (UFBA), se este se constitui, de fato, em uma alternativa de
combate ao desemprego.
Para a consecução desse objetivo foi necessário apontar as características principais
da nova fase do capitalismo contemporâneo, sua forma político-ideológica de implementação e
suas implicações no mundo do trabalho, em particular no que se refere à sociedade brasileira.
Entendeu-se que, a partir dessa contextualização foi possível problematizar essa política,
caracterizada pelo governo como de emprego e renda, desenvolvida pelo governo federal no
período de 1996-2002.
16
O problema desta tese é o seguinte: A qualificação profissional do trabalhador –
PLANFOR - foi uma política de emprego e renda no Brasil dos anos 1990?
Assim, para estudar esse problema procura-se compreender as seguintes questões:
a) Quais as características fundamentais do PLANFOR enquanto política de qualificação?
b) Que características deve ter o “novo trabalhador” para um mercado de trabalho “flexível” como
indicam as pesquisas de mercado de trabalho regionais e locais;
c) Para um mercado de trabalho “flexível” a qualificação profissional do trabalhador proposta pelo
PLANFOR pode ser vista como uma estratégia de combate ao desemprego?
d) Em que medida os cursos de qualificação profissional oferecidos pelo PLANFOR/BA podem ser
caracterizados como de formação profissional?
1.1 - Metodologia do Estudo
A tradição brasileira em avaliação de políticas públicas é bastante pobre em termos
de estudos da efetividade dessas políticas. É certo que o critério de efetividade tem estado
presente em boa parte das análises, na medida em que este critério está fortemente relacionado
a determinados ideais de igualdade e justiça social e, por esta razão, à expectativa de que as
políticas implementadas reduzam os brutais índices de pobreza, desigualdade e exclusão social
existentes no Brasil. Portanto, a correlação entre políticas e seus parcos resultados tem estado
presente no discurso analítico das políticas públicas (ARRETCHE, 2001).
No debate sobre políticas sociais, reconhece-se, hoje, que mudaram o tom do
discurso e o conteúdo das mesmas, embora não se possa falar de transformações radicais nos
sistemas de proteção social. As causas dessas mudanças podem ser localizadas no final dos anos
de 1970, quando ocorreram modificações na economia mundial, produzidas pela reviravolta
das políticas monetária e cambial norte-americana. Posteriormente, com os processos de
industrialização bem-sucedidos dos países competidores dos Estados Unidos e o retorno do
crescimento da economia norte-americana, houve uma aceleração sem precedentes da
globalização financeira e da mudança do paradigma tecnológico. Esses processos foram
acompanhados, em escala planetária, da concentração de renda e da riqueza e de sua
contraface, a exclusão social (AZEREDO, 1998).
Assim, em face dos problemas de natureza fiscal e financeira que se defrontaram os
setores públicos dos diversos países, o discurso neoliberal identificou nos sistemas de proteção
social seu alvo preferencial para o corte de despesas e o equilíbrio das contas públicas. A
resistência à tentativa de desmonte dos sistemas de proteção social e seu enfrentamento está na
17
origem do que se convencionou chamar de políticas sociais de última geração. Esta denominação
é encontrada em autores das mais variadas procedências teóricas e corresponde às mais diversas
experiências, que, em alguns casos, destaca seu lado perverso, isto é, absoluto conformismo
com o pensamento neoliberal e total leniência com a “inevitabilidade” e a “irreversibilidade” à
submissão da vida social às leis do mercado – redução dos gastos e sua focalização nos grupos
mais pobres e vulneráveis, abandonando o caráter universal dos programas sociais vigentes até
então (AZEREDO, 1998).
A avaliação de programas sociais ainda tem um longo caminho a percorrer,
principalmente na América Latina, dada a inexperiência nessa área. Mas, hoje, o centro da
avaliação desses programas está na medição da eficiência e eficácia, através de metodologias de
análise de custo-benefício e custo–efetividade (COHEN; FRANCO, 1993).
Belloni et. al. (2000) acham que as metodologias de avaliação, em geral, aferem os
impactos quantitativos, objetivos e imediatos dessas políticas, oferecendo poucos subsídios para
a apreciação de resultados ou conseqüências das políticas e ações institucionais mais complexas.
De qualquer forma, afirmam Cohen e Franco (1993), a avaliação contribui para
aumentar a racionalidade na tomada de decisões, identificando problemas, selecionando
alternativas de solução, prevendo suas conseqüências e otimizando a utilização dos recursos
disponíveis. Portanto, a avaliação dos custos e da eficácia das ações é fundamental na época
atual onde aumentam as necessidades e os recursos escasseiam. Se realmente se quer erradicar a
pobreza, redistribuir a renda, aumentar a esperança e a qualidade de vida da população, reduzir
a mortalidade infantil etc é necessário incorporar os avanços da pesquisa científica ao seu
planejamento tanto em seus aspectos puros como aplicados.
Portanto, hoje, a pesquisa avaliativa de políticas públicas assemelha-se ao tipo de
pesquisa desenvolvida na área das Ciências Humanas, pois atende a dois de seus princípios
básicos: contribuir para o avanço do conhecimento em relação ao objeto de estudo e submeterse ao rigor conceitual e metodológico típicos do método científico atendendo aos critérios de
validade e confiabilidade. As diferenças entre elas derivam dos objetivos visados e das
características do próprio objeto de análise.
O objeto de investigação do presente estudo – O Plano Estadual de Qualificação
Profissional – PLANFOR/BA, implementado no período 1996/2002, é considerado pelo
governo federal como uma política pública, portanto uma ação intencional do Estado junto
aos trabalhadores. Assim, por estar voltada para a sociedade e envolver recursos sociais, deve ser
analisada do ponto de vista de sua relevância e adequação às necessidades sociais dos
trabalhadores e se é coerente em termos de pressupostos e objetivos.
18
Essa política contém uma dimensão claramente objetiva, que se apreende através
da análise dos resultados da avaliação externa, produzidos pela Faculdade de Educação da
UFBA. E uma outra subjetiva, que se configura no plano das representações que os sujeitos
elaboram a respeito da qualificação profissional. Assim, a metodologia de investigação que se
utilizou deu conta do caráter bidimensional do objeto, permitindo que fossem captados tantos
os dados cuja referência empírica tem uma materialidade facilmente observável, como por
exemplo, número de cursos, investimentos aplicados e número de treinandos etc. Também foi
estudado o discurso produzido pelos sujeitos através das entrevistas realizadas pela equipe de
avaliação da FACED e nos documentos oficiais produzidos pelo Ministério do Trabalho e
Emprego e pela própria Secretaria do Trabalho do Estado. Tal abordagem procurou superar a
oposição que, em geral, se estabelece entre as “estruturas” e as “representações”.
1.1.1 - Procedimentos
Para este estudo do PLANFOR/BA, utilizaram-se duas estratégias analíticas e
complementares: análise quantitativa e qualitativa, e, neste particular, principalmente a análise
do conteúdo dos documentos, que teve como objetivo contribuir para a explicitação do texto
escrito e do seu discurso ideológico, buscando esclarecer os significados e implicações das
proposições consubstanciadas nas diretrizes, estratégias e linhas de ação dessa política. Além do
que, possibilitou a identificação das concepções orientadoras dessa política e suas prioridades,
expressas tanto nos documentos de sua formulação como nas ações e prioridades concretizadas,
o que remeteu à integração da análise documental, com a análise de resultados, inclusive
quantitativos.
Portanto, foram tratados dois aspectos: 1) a coerência interna do PLANFOR, isto
é, a consistência de seus pressupostos e diretrizes com relação ao que a literatura aponta como
requisitos, hoje, exigidos pela sociedade contemporânea, para formação profissional do
trabalhador; 2) a coerência externa, isto é, em que medida o PLANFOR, através da
implantação dos cursos de qualificação profissional, foi uma alternativa de combate ao
desemprego. Evidente que essas duas questões foram tratadas à luz dos estudos sobre a crise da
sociedade capitalista atual e do próprio diagnóstico do governo federal sobre desemprego e
alternativas para combatê-lo, assim como, dos dados empíricos coletados pela equipe de
pesquisadores da Faculdade de Educação da UFBA, através da avaliação externa do
PLANFOR/BA – 1996/2001.
19
Assim, percorreu-se a seguinte trajetória no sentido de analisar o arcabouço teórico do
Programa:
a) levantamento e problematização dos conceitos presentes nos documentos oficiais sobre o
PLANFOR, tais como: trabalho, empregabilidade, qualificação profissional, educação
profissional, desemprego, público, parceria etc.;
b) levantamento e problematização dos diagnósticos sobre o desemprego e propostas de soluções
alternativas ao seu combate nos países periféricos, realizados pelos estudiosos da Economia e
Sociologia do Trabalho;
c) levantamento e problematização do diagnóstico sobre desemprego realizado pelo governo
Fernando Henrique Cardoso e suas propostas para combatê-lo;
d) elaboração de uma síntese analítica em relação aos conceitos e diagnósticos trabalhados,
aplicando-a na análise do Guia do PLANFOR, documento oficial síntese dessa política
considerada de emprego e renda;
e) elaboração de uma síntese final problematizando os pressupostos e diretrizes do PLANFOR em
confronto com as formulações sobre participação social e participação no emprego.
Essa trajetória permitiu avaliar: 1) em que medida a concepção de educação ou
formação profissional do PLANFOR era coerente com seus supostos e diretrizes e com o
planejamento e gestão do PLANFOR/BA em relação às demandas do mercado de trabalho e
da população-alvo regional/local; 2) a atuação das comissões municipais e estadual de emprego
no planejamento, gestão e avaliação do PLANFOR/BA. Portanto, pretendeu-se responder ao
problema central da tese: O PLANFOR/BA é uma política de emprego e renda no Brasil dos
anos 1990?
Assim, buscou-se identificar e compreender as seguintes questões: 1) Quais as
características fundamentais do mercado de trabalho nacional e local? 2) Quais características
deveriam ter o “novo trabalhador” para um mercado de trabalho “flexível” como o baiano? 3)
Para um mercado de trabalho “flexível” a qualificação do trabalhador poderia ser vista como
uma estratégia de combate ao desemprego? 4) Em que medida os cursos de qualificação
profissional oferecidos pelo PLANFOR/BA poderiam ser caracterizados como de formação
profissional e representaram, de fato, alternativas de emprego ao trabalhador?
Além de responder a essas questões fundamentais, procurou-se entender também a
participação dos diferentes atores sociais (patronato, trabalhadores e governo) através da
atuação das Comissões Municipais de Emprego (CMEs) e Comissão Estadual (CEE),
enquanto instâncias decisórias no planejamento, no acompanhamento e na avaliação do
PLANFOR/BA.
20
A pesquisa avaliativa do PLANFOR/BA, já realizada pela Faculdade de Educação2 da
UFBA, no período entre 1996/2001, dispõe de dados que envolvem informações quantitativas e
qualitativas, de cada ano de execução do Programa na Bahia, que foram utilizados neste estudo.
Assim, nesta tese, utilizaram-se dados primários e secundários oriundos de diversas fontes: a) textos,
resoluções, planos, programas e relatórios formulados pelo PLANFOR/MTE; b) planos,
programas, projetos e relatórios apresentados pela SETRAS; c) relatórios de avaliação e outros
estudos produzidos na academia, ou pelas equipes de avaliação externa e pelo próprio
PLANFOR; banco de dados produzidos pela FACED/UFBA. Utilizaram-se, também, dados
das entrevistas semi-estruturadas e questionários que foram aplicados aos membros das
comissões tripartites para obter informações dos formuladores, executores e beneficiários do
PLANFOR/BA.
2. ESTUDO DA QUALIFICAÇÃO, COMPETÊNCIA E FORMAÇÃO PROFISSIONAL
As noções de “qualificação”, “competência” e “formação profissional” e suas
respectivas interfaces, envolvem conceitos polissêmicos, que variam de acordo com os
parâmetros teórico–metodológicos utilizados para investigá-los. Essa divergência conceitual
entre as noções e no interior de cada uma delas deve-se à forma de compreendê-las,
privilegiando-se, ora a dimensão objetiva do fenômeno, ora tomando-se o conceito no seu
sentido amplo ou restrito (POSTHUMA; LEITE, 1995).
Na verdade, essas noções (mesmo comportando reatualizações e ressignificações)
expressam e respondem a um conjunto de interesses, desejos e aspirações diferenciados dentro
da sociedade e que as diversas formas de apropriação remetem a projetos e estratégias políticas
que estão sendo adotadas pelos diferentes sujeitos sociais (MANFREDI, 1998).
Assim, é importante visualizar limites e possibilidades, demarcar as diferenças e
peculiaridades dessas noções, para que se possa identificar os diferentes projetos sociais e de
educação que foram e estão sendo disputados pelas diversas forças sociais.
A dificuldade de unificar esses conceitos, segundo Laranjeira (apud DULTRA,
2001), advém tanto da ausência de consenso quanto dos próprios critérios considerados na
definição e na medição da qualificação. Devem-se considerar as qualidades e habilidades do
trabalhador ou os requisitos/propriedades do posto de trabalho? Devem-se utilizar critérios
estritamente técnicos ou, ao contrário, de ordem ideológico-social? Devem-se considerar
2
Participei como membro da equipe de pesquisadores da Avaliação Externa do PLANFOR/BA durante três anos,
no período de 1999 a 2001.
21
aspectos políticos, relacionados a normas e valores responsáveis pela definição de autonomia,
status e salário do trabalhador? Ou, seria mais adequado basear-se na percepção do trabalhador
quanto à natureza de seu trabalho? Enfim, a problemática no debate sobre o fenômeno da
qualificação reside nas divergências tanto no que se considera como qualificação quanto aos
critérios a serem utilizados para medi-la.
Ainda, segundo Laranjeira (apud DULTRA, 2001), há dois caminhos diferentes
para aferir o grau de qualificação de uma ocupação: a objetiva e a construtivista. A objetiva
considera critérios como: tempo necessário para o aprendizado da função, tipo de
conhecimento exigido e grau de autonomia no seu desempenho. Na construtivista, a
qualificação seria histórica (reprodução das relações sociais), ao invés de tecnicamente
construída.
Machado (1996) afirma que em Marx, o conceito de qualificação é tomado como
um conjunto de condições físicas e mentais que compõe a capacidade de trabalho (força de
trabalho) despendida em atividades voltadas à produção de valores de uso, estando em jogo a
capacidade de trabalho da mão-de-obra como condição fundamental da produção capitalista,
vez que cria a possibilidade de agregar um valor adicional ao seu próprio valor através da maisvalia. Assim, compreender as condições físicas e mentais da força de trabalho de uma
determinada sociedade implica em considerar a forma como a produção é socialmente
organizada, os recursos mobilizados e a destreza dos trabalhadores envolvidos naquele processo.
Nessa perspectiva, a qualidade do trabalho humano está vinculada a uma
qualificação coletiva, criada pelas próprias condições da organização da produção social, sendo
que a qualificação individual do trabalhador funciona tanto como pressuposto quanto como
resultado que se expressa em um maior ou menor grau de complexidade dos vários tipos de
trabalho simples, conhecidos por aquela sociedade. Como o homem se educa e se faz homem
no processo produtivo, nas relações de produção enfrenta um processo contraditório onde
estão presentes momentos de educação e de deseducação, de qualificação e de desqualificação,
portanto de humanização e de desumanização (MARX; ENGELS apud KUENZER, 1998).
Kuenzer (1998) ainda lembra que o processo de produção do saber é social e
historicamente determinado, resultado de relações sociais que os homens estabelecem entre si.
Assim, não se pode confundir a relação entre educação e trabalho com a relação escola e
trabalho como se o processo de produção e reprodução do conhecimento ocorresse apenas no
interior desta. A produção do conhecimento ocorre na atividade concreta desenvolvida pelo
homem, isto é, no seu trabalho, entendido como todas as formas de atividade humana através
22
das quais ele aprende, compreende e transforma as circunstâncias, ao tempo em que é
transformado por essas atividades.
Portanto, a discussão sobre o fenômeno da qualificação só pode ser compreendida
na sua articulação com a categoria trabalho. Dessa forma, conhecer e entender as
transformações ocorridas no mundo do trabalho, ao longo dos anos, ocasionadas pela
introdução de métodos de gestão e organização do trabalho, como o taylorismo, o fordismo e o
modelo japonês, é fundamental para poder se compreender o quanto esses mecanismos
(modelos) de coerção sobre o trabalho interferem na qualificação da força de trabalho.
Recorre-se à literatura mais significativa no campo da educação, da economia da educação e da
sociologia do trabalho para se concretizar essa análise.
Dividiu-se esta exposição em três momentos. No primeiro, apresenta-se um
resumo das diferentes noções de qualificação e de competência na formação profissional do
ponto de vista da produção acadêmica. No segundo, discute-se a questão da educação
profissional no Brasil. No terceiro, apresenta-se a concepção de qualificação profissional do
ponto de vista das centrais sindicais porque tem sido um debate que envolve os sindicatos de
trabalhadores. Estas, inclusive, vêm utilizando recursos do FAT para programas de qualificação
geridos pelos sindicatos, dadas as características do PLANFOR serem tripartites e paritárias,
permitindo a participação de trabalhadores, empresários e governo na sua gestão.
2.1 - Principais Abordagens da Qualificação e Competência na Formação
Profissional
As expressões qualificação e competência, segundo Manfredi (1998), parecem ter
matrizes distintas. A noção de qualificação está associada ao repertório teórico das Ciências
Sociais, ao passo que a de competência está historicamente ancorada nos conceitos de
capacidades e habilidades, construtos herdados das ciências humanas – da psicologia, educação
e lingüística.
As noções de qualificação no plano macro, a partir dos referenciais da Economia
da Educação podem ser resumidas da seguinte forma:
a) como sinônimo de preparação de “capital humano”, nascendo associada à concepção de
desenvolvimento socioeconômico dos anos e 1950 e 1960, portanto, da necessidade de
planejar e racionalizar os investimentos do Estado no que diz respeito à educação escolar,
visando, no nível macro, garantir uma maior adequação entre as demandas dos sistemas
ocupacionais e do sistema educacional. Os principais teóricos da Teoria do Capital
23
Humano, Schultz e Harbison defendem a importância da instrução e do progresso do
conhecimento como ingredientes fundamentais para a formação do chamado capital
humano, de recursos humanos - solução para a escassez de pessoas possuidoras de habilidadeschave para atuarem nos setores em processo de modernização. É importante explicitar o que
se entendia por modernização naquele contexto histórico. Significava eleição e adoção do
modelo industrial capitalista adotado nos países desenvolvidos do ocidente, como modo de
produção, consumo, estilo de vida, e integração (MANFREDI, 1998).
A teoria do capital humano buscava apagar a diferença entre capital e trabalho mascarando
as contradições de classe, igualando “a categoria de capital à capacidade dos indivíduos
‘potenciada’ com educação ou treinamento” No entanto, no processo de produção, capital e
trabalho não estão em posição de igualdade, pois o trabalho assalariado gera um valor
excedente que é apropriado pelo capital.
Essa concepção de qualificação – preparar mão-de-obra especializada (ou semiespecializada) – no plano macrossocietário, gerou uma série de políticas educacionais
voltadas para a criação de sistemas de formação profissional estreitamente vinculadas às
demandas dos setores mais organizados do capital e de suas necessidades técnicoorganizativas. A história dos sistemas de formação profissional no Brasil enquadra-se dentro
dessa lógica de qualificação para fazer frente às demandas do mercado de trabalho formal,
como será mostrado posteriormente.
b) “qualificação formal” – gestada e referenciada pela capacidade de cada Estado Nacional
expandir quantitativa e qualitativamente seus sistemas escolares, restringindo-se ao binômio
emprego/educação escolar. Calculava-se a taxa de retorno através de diferenciais de
rendimentos (salários) em função dos anos de escolaridade ou, de posse de um diploma.
Durante muitas décadas a economia e o planejamento da educação basearam-se nessa
concepção de “qualificação” (PAIVA, 1995).
A idéia de que a educação é um elemento fundamental para explicar o crescimento
econômico e o avanço da industrialização, circulou intensamente, desde a difusão da
Economia da Educação nos anos de 1950, forçando os países ocidentais a pensarem nas
vantagens de certo planejamento de seus sistemas educacionais. Portanto, é possível afirmar
que a discussão que predominou em toda a Europa Central e se difundiu praticamente por
todo o mundo, centrava-se, pelo menos até os anos 1980, na adequação da força de trabalho à
reestruturação da indústria, tanto do ponto de vista da tecnologia quanto da organização do
trabalho (PAIVA, 1999b).
24
Como foram expostas, essas concepções de “qualificação” – teoria do capital
humano e do planejamento macrossocial – qualificação formal – estão ancoradas em enfoques
macroeconômicos que privilegiam o desenvolvimento econômico, crescimento e diversificação
do mercado formal de trabalho e suas relações com os sistemas de educação escolar.
Outras acepções têm sido privilegiadas pela Sociologia do Trabalho, que toma por
base outros recortes analíticos como, por exemplo, a organização da produção e do trabalho.
As transformações que ocorrem na esfera produtiva, bem como aquelas que dizem
respeito à qualificação profissional da força de trabalho, vêm sendo tratadas a partir da
indústria desde o final do século XIX e, em especial, a partir dos anos 30 do século XX,
quando os estudos sobre o processo de trabalho encontram nas fábricas de Detroit o seu
startpoint específico, desenvolvendo-se posteriormente na França, especialmente, através de
Georges Friedmann e Pierre Naville.
Embora a qualificação profissional estivesse presente nas pesquisas da Sociologia
do Trabalho e na Economia da Educação, foi somente nos anos subseqüentes ao movimento
estudantil de 1968 que se multiplicaram estudos ligando educação e trabalho do ponto de vista
das Ciências Sociais, estabelecendo-se um entrelaçamento mais claro entre Sociologia do
Trabalho e Sociologia da Educação (PAIVA, 1999a).
A abordagem sociológica da qualificação lembra Leite E. (1994), em grande parte,
restringia-se às linhas de pesquisa ligadas à formação profissional marcantes na sociologia do
trabalho francesa nos anos 1940/50, sendo Friedmann um dos seus principais elaboradores.
Prevalece muito mais que a elaboração teórica, a preocupação com a solução das questões
práticas, relativas às mudanças no trabalho, associadas ao progresso técnico e às demandas do
pós-guerra.
Dubar (1998) explicita melhor esse momento da qualificação destacando as duas
concepções existentes nessa época: 1) a do Friedmann, denominada substancialista, que
defende a qualificação no sentido do taylorismo (fragmentação das tarefas, desenvolvimento
das habilidades centradas no posto de trabalho), portanto, atrelada às características objetivas
das rotinas de trabalho e conhecimentos que estão na base da ocupação e não em um
aprendizado metódico completo, centrado nos saberes e know-how dos operários de carreira; 2)
a atribuída a Pierre Navile, denominada de relativista, definindo a qualificação como relação
social complexa entre as operações técnicas e a estimativa de seu valor social. Essa noção levava
em conta a relação entre capital e trabalho, distinguindo a qualificação exigida pelo posto de
trabalho e os requerimentos previstos para a realização de tarefas, reconhecendo um espaço de
negociação entre essas duas instâncias.
25
Embora haja divergências entre os autores dessas duas tendências, ambos
compreendem a qualificação como algo que se adquire através de instituições de formação
profissional e também através da experiência e do treinamento nas empresas. Contudo, esses
autores minimizam a contribuição de outras instituições e espaços de aprendizagem como a
família e o trabalho doméstico, importante no caso do trabalho da mulher (HIRATA, 1994).
Ao longo dos anos 19603 e, posteriormente, nos anos 70, a análise da educação
(política educacional, funções sociais da educação, conexão da educação com a produção)
passou a ser objeto de interesse de intelectuais de variados campos do saber, inclusive os
marxistas ortodoxos, que passaram a apresentar suas análises, antes delegadas aos estudiosos
sobre mobilidade social. Multiplicaram-se também os textos que buscaram compreender as
complexas mediações entre a democratização do ensino em geral e as escolas profissionais em
particular, e o comportamento, as necessidades e as demandas do capital.
Foi Paiva (1999a), ainda nos anos de 1970, que trouxe para o Brasil a discussão da
relação entre trabalho e educação, tematizando esse vínculo de maneira explícita e referindo-se
às pesquisas empíricas produzidas na antiga República Federal da Alemanha. Mas o impulso
significativo foi dado ao tema da qualificação profissional na Sociologia do Trabalho, a partir
do campo educacional, em meados dos anos 90 do século passado.
Resumindo, a concepção de qualificação, que toma como parâmetros a produção e
a organização do trabalho, tem como matriz o modelo job/skills definido a partir da posição a
ser ocupada no processo de trabalho e previamente estabelecida nas normas organizacionais da
empresa, de acordo com a lógica do modelo taylorista/fordista de organização do trabalho. A
qualificação é concebida como sendo “adstrita” ao posto de trabalho e não como um conjunto
de atributos inerentes ao trabalhador.
Paiva (1999a) ainda destaca que essa concepção de qualificação foi bem absorvida
pela Alemanha, campeã da profissionalização de nível médio, onde todos os cidadãos
precisavam de uma profissão que os capacitasse a entrarem diretamente na indústria ou nos
serviços, num período em que o desenvolvimento industrial ainda absorvia grande contingente
de trabalhadores e o emprego público se multiplicava graças à construção e ao desdobramento
do Estado do Bem Estar que possibilitava a vigência do pleno emprego em uma economia
apoiada sobre a demanda.
Nessa concepção, a qualificação reduz-se, no que concerne à construção de
representações, a responsabilidade individual e de natureza meritocrática, privatiza-se a noção
3
Período em que as universidades estavam permeadas pela efervescência que desembocou no movimento
estudantil e sob profunda influência do marxismo heterodoxo e de correntes anarquistas.
26
de competência, restrita ao ofício/função que cada trabalhador desempenha no mercado de
trabalho formal. Além do que, desenvolve-se a crença político-ideológica do “poder da
educação escolar” como mecanismo de acesso às posições mais qualificadas, mascarando os
demais mecanismos sociais e organizacionais que condicionam o acesso e a manutenção dos
trabalhadores no mercado formal de trabalho. Constrói-se e sustenta-se a representação social
de que os níveis hierárquicos de qualificação legitimam e justificam a separação entre o
trabalho manual e o trabalho intelectual, e que os níveis de escolaridade estão social e
historicamente associados a essa separação. O grau de escolaridade formal, portanto, constitui
um dos ingredientes do processo, mudando a valorização de acordo com o setor econômico e a
história particular de cada sociedade. Portanto, é a representação da neutralidade da educação,
da ciência e da tecnologia (MANFREDI, 1998).
Não se pode deixar de mencionar, também, o estudo sobre produção e
qualificação realizado por Paiva (1999a) quando, através de uma revisão da bibliografia
internacional, conclui que a polêmica sobre a relação entre a produção e a qualificação se apóia
em análises que seguem um esquema trifásico – qualificação-desqualificação-requalificação –
correspondente às três fases do capitalismo: 1) período do artesanato, o qual pressupunha
longos anos de aprendizagem e extrema habilidade do trabalhador para executar todas as fases
de elaboração do produto; 2) fase da manufatura, período que tem início no século XVI e se
consolida com a revolução industrial e produção em massa. Os autores costumam relacioná-la
à desqualificação; 3) fase de implantação da automação, que, pelas próprias características de
versatilidade com que a empresa moderna conduz o trabalho industrial, abre caminho à
educação politécnica e, conseqüentemente, à requalificação do trabalhador.
Assim, Paiva identifica quatro teses referentes à qualificação média do trabalhador
no capitalismo moderno:
desqualificação – o capitalismo não estaria conduzindo para a passagem à terceira fase, mas
se reproduzindo, mantendo as características da transição do artesanato à manufatura;
requalificação – defendida pelos adeptos do capitalismo monopolista de Estado que vêem
com otimismo o desenvolvimento tecnológico. Automação e consumo de massa exigiriam
a elevação da qualificação média da força de trabalho;
polarização das qualificações – combinação das teses anteriores. Sustenta que o capitalismo
moderno necessita somente de um pequeno número de profissionais altamente
qualificados, enquanto a grande maioria dos trabalhadores estaria frente a um processo de
desqualificação;
27
qualificação absoluta e desqualificação relativa – o capitalismo precisaria de trabalhadores
mais qualificados em termos absolutos, elevando a qualificação média, enquanto que a
qualificação relativa se reduziria.
A noção de qualificação, como se constata, é polissêmica, podendo ser assumida
com várias acepções e tomada, para efeitos de pesquisa, sob ângulos e enfoques distintos. A
qualificação para alguns é considerada na perspectiva da preparação para o mercado de
trabalho, que envolve um processo de formação profissional adquirido por um percurso escolar
e através da experiência profissional. Outros entendem a qualificação como um processo de
qualificação/desqualificação, próprio da organização capitalista do trabalho. Uma terceira visão
aborda e define a qualificação a partir da investigação de situações concretas de trabalho,
chamada de qualificação real e operacional. É uma visão mais recente e se origina na sociologia
do trabalho francesa.
Sintetizando, nos anos 1950/60, admitia-se a hipótese de que a crescente
introdução da automação aumentaria proporcionalmente a qualificação dos trabalhadores. Nos
anos 70, as análises estiveram ligadas aos efeitos da divisão do trabalho e do
taylorismo/fordismo sobre a qualificação, apontando para uma desqualificação do trabalhador.
Nos anos 80, com fundamento na nova dinâmica técnico-organizacional das empresas, o
fenômeno da qualificação passa a ser compreendido para além dos limites do interior das
empresas. Os estudos sobre o tema consideram a relevância dos aspectos sociais e políticos
resultantes das relações objetivas e subjetivas entre o capital e o trabalho. No âmbito desse
debate, surgem posições que defendem a noção de qualificação como multidimensional e
constituída do social, que deve ser analisada não só como um processo de formação
profissional, mas também como um fenômeno que ultrapassa o espaço fabril e que abrange as
relações de força que se estabelecem entre o capital e o trabalho e os diferentes contextos de
trabalho.
A concepção de qualificação restrita ao ofício/função, hegemônica há mais de três
décadas, entra em crise com a reorganização do sistema capitalista em sistemas de produção
flexíveis e da criação de novas formas de organização do trabalho.
É no contexto da “acumulação flexível” cujas características fundamentais estão
assentadas na hegemonia do capital financeiro, na flexibilização do trabalho e do trabalhador e na
desregulamentação e liberalização, sustentadas pelas políticas neoliberais, que se pretende discutir as
principais implicações objetivas e subjetivas das mudanças nas políticas de gestão e organização do
trabalho, na década de 1990, em especial sobre a possível existência de uma “nova” forma de ser e
28
um “novo” perfil do trabalhador, as conseqüentes exigências profissionais e as políticas públicas de
qualificação do trabalhador.
Para que se possa entender essa “nova” forma de ser e o “novo” perfil do
trabalhador, é importante considerar o que as pesquisas (DRUCK, 2001) constatam:
a) mudanças nos conteúdos do trabalho, novas exigências de perfis profissionais e novas
qualificações, motivadas pelas inovações tecnológicas e organizacionais;
b) crescimento do número de desempregados qualificados;
c) flexibilização da organização e gestão do trabalho, elemento-chave da reestruturação, que
tem provocado: - precarização do trabalho (insegurança, piores condições de saúde e riscos,
alta competitividade, desmotivação); - precarização do emprego (instabilidade, falta de
vínculo, subcontratação, temporários); - crescimento galopante da informalidade do
mercado de trabalho, exigindo: adaptabilidade, flexibilidade, criatividade, sob o rótulo da
“empregabilidade”; - desemprego crescente.
É nesse cenário que se situa o debate sobre qualificação e os “novos” perfis do
trabalhador. A década de 1990, como afirma Druck (2001), primou pela epidemia da
qualificação. Governo, ONG’s, sindicatos, empresas estatais, Sistema “S”, universidades,
fundações, todos se envolveram com a qualificação do trabalhador, que passou a ser a grande
mágica para a solução do desemprego e do subemprego, agora com uma nova roupagem.
Assim, a discussão hoje se concentra sobre a polêmica substituição da noção de
qualificação pela de competência, que trata das habilidades que o trabalhador deve adquirir,
como capacidade de agir, decidir em diferentes situações, intervir, saber fazer, tendo como
referência sempre o indivíduo e não mais o posto de trabalho.
As competências exigidas do trabalhador pelo modelo de “acumulação flexível”
baseiam-se na capacidade de pensar, de decidir, de ter iniciativa e responsabilidade, de fabricar
e consertar, de administrar a produção e a qualidade. O trabalhador é ao mesmo tempo
operário de produção e de manutenção, inspetor de qualidade e engenheiro. Na “acumulação
flexível” a qualificação, correspondência entre um saber, uma responsabilidade, uma carreira,
um salário, tende a se desfazer na medida em que a divisão social do trabalho se modifica. Às
exigências do posto de trabalho se sucede “um estado instável da distribuição de tarefas” onde a
colaboração, o engajamento e a mobilidade passam a ser as qualidades dominantes. A
imprecisão marca, assim, a noção de competência (HIRATA, 1998).
Embora seja um conceito impreciso, a noção de “competência” ganhou,
gradualmente, ascendência no mundo produtivo porque conta com a vantagem de ter nascido
no âmbito da empresa e de estar centrada nos novos atributos pessoais e profissionais do
29
trabalhador. Além disso, recupera uma dimensão pouco estudada dos processos de qualificação
– a dimensão subjetiva do trabalho, isto é, remete, sem mediações, a um sujeito e a uma
subjetividade (HIRATA, 1998).
Druck (2001), retomando as teses de Braverman, mostra sua atualidade no mundo
contemporâneo, quando estudos e pesquisas no Brasil dos anos 1990, apresentam argumentos
semelhantes àqueles das décadas de 1950/60 nos EUA, quando defendem que as mudanças no
mundo do trabalho, hoje, demandam “competências” especiais e um “novo” perfil do
trabalhador, o que a autora chama de meias verdades, mostrando o outro lado da questão. A
sociedade contemporânea, ou melhor, a “acumulação flexível” exige, constata a autora:
maior qualificação, novos conteúdos do trabalho, novas profissões e um novo trabalhador.
Contudo, também cria desqualificação mantendo o trabalho rotinizado, fragmentado, com
velhos conteúdos e o velho trabalhador;
maior autonomia, maior controle sobre o processo de trabalho, maior utilização do capital
intelectual, motivando mais o trabalhador para o trabalho. Contudo, esse “novo”
trabalhador, além de constituir um contingente diminuto, está submetido a uma relação de
poder que mantém a separação entre concepção e execução, e a motivação esbarra na
insegurança e na instabilidade no emprego;
qualificação da mão-de-obra como solução para o desemprego. Contudo, as pesquisas
demonstram que o desemprego atinge trabalhadores qualificados e desqualificados e que
parcelas pequenas de trabalhadores qualificados nos programas do governo conseguem se
inserir no mercado de trabalho;
que a responsabilidade para obter emprego ou se manter nele – “empregabilidade” é do
trabalhador. Contudo, embora as empresas já venham desenvolvendo programas de
qualificação/requalificação e realizando treinamento de mão-de-obra e os trabalhadores
tenham aproveitado todas as oportunidades dessa formação gratuita ou paga, os índices de
desemprego não têm diminuído.
Pode-se concluir, a partir da análise realizada até o momento, que durante o
governo Cardoso, dada a ausência de uma política industrial, demonstrada pelo processo de
desnacionalização de todos os setores da economia, privatização das empresas estatais e política
econômica sustentada por altas taxas de juros para atrair capital especulativo, comprometeram
o desenvolvimento do país e com isso, a impossibilidade de criação de novos postos de
trabalho, tendendo a crescer os índices de desemprego como demonstram as pesquisas
nacionais e locais. Portanto, no contexto da acumulação flexível, qualquer programa de
qualificação que tente inserir ou reinserir o trabalhador no mercado de trabalho não tem
30
sustentabilidade nem garantia, na medida em que qualquer turbulência no mercado financeiro
internacional leva por água abaixo e destrói em menos de 24 horas o que havia sido conseguido
pelo programa (SALM apud DRUCK, 2001).
O debate sobre qualificação profissional, afirma Paiva (1999b), está longe de
chegar ao fim. Estudiosa das relações trabalho e educação, indica que algumas convicções sobre
essa questão já não podem ser mais consideradas, dadas as transformações econômico-sociais
que vêm marcando a sociedade contemporânea nos últimos anos. Embora admita que não
existe consenso a esse respeito, indica dois aspectos que considera superados:
a) a relação sempre positiva entre escolaridade, renda e status que caracterizou o período de
acumulação fordista, pois novos mixes combinam hoje com elevada escolaridade, sofisticação
e complexificação da formação com baixos salários e status declinante. As mudanças na
configuração do mercado de trabalho foram provocando não apenas um profundo
reordenamento social das profissões, mas destruindo as relações tradicionais entre
escolaridade, renda e status, repetindo nos países periféricos, fenômeno que já se observava,
há décadas, nos países centrais, pela destruição de postos de trabalho qualificados em
decorrência não só da tecnologia, mas da retração da proteção social. Evidentemente que a
tese mais ampla da importância da educação da população para assegurar o crescimento
econômico permanece, dadas as demais condições necessárias;
b) a negação da tese da polarização, pois, embora se eleve à qualificação média da população e
a sofisticação da formação venha se difundindo, observa-se a inclusão de renovadas formas
de polarização que se dão, em especial, no interior do mercado de trabalho, mas que não se
restringem a ele. Nos anos 1960, a polarização como tendência no interior do mercado de
trabalho formal havia sido identificada e amplamente discutida na pesquisa sobre
Qualificação e Produção encomendada ao grupo de Göttingen. Nos anos 1980, Kern e
Schumann defenderam a idéia de que a polarização perpassava a questão da
inclusão/exclusão do mercado de trabalho. Hoje, frente aos elevados níveis de exclusão e de
escolaridade, a polarização não está necessariamente ligada apenas ao binômio
inclusão/exclusão do mercado formal de trabalho, mas se mostra fora dele, mesmo que se
possa constatar que suas formas mais extremas ocorrem no segmento que logrou inserir-se
formalmente.
Paiva (1999b) destaca também que, ainda que na década de 1980 existisse uma
marcada tendência a opor a “tese das polarizações das qualificações” a um “modelo de
competência”, que ressaltava a importância das qualificações tácitas e de virtudes e
conhecimentos característicos de um período “pós-taylorista” e associado à crise da noção de
31
postos de trabalho; esse modelo impreciso apresentava, na verdade, muitas das características
que aparecem como exigências do mundo “pós-fordista”, sem que, no entanto, se possa
afirmar que ele exclua a polarização das qualificações em um espaço de inserção formal sempre
mais estreito e elitista. Exatamente porque o quadro produtivo empurra para a busca de
alternativas heterodoxas, se considerada a tradicional divisão e formalização dos setores
econômicos, aquelas qualidades ganham realce em conexão com as mais variadas atividades.
Paiva (1999b) ainda acrescenta que ao reintroduzir o modelo taylorista-fordista
em função da pressão por curto prazo do capital mundializado, o trinômio baixos salários,
baixa qualificação e concorrência de preços, tendências apontadas por Kern e Schumann, na
década de 90 do século passado, a polarização não teria lugar apenas nos segmentos formais e
informais da economia, mas também mostraria seu componente geográfico, ao colocar o peso
deste trinômio nos países periféricos, onde a informalização tradicional sempre demandou
competências várias, tácitas ou não, e qualificação real sem que assegurasse ou demandasse
níveis elevados de educação nem formação geral abstrata.
As novas estratégias de acumulação, afirma Paiva (1999b), a produção enxuta, por
exemplo, tem conduzido a uma mais clara valorização política da ampliação da qualificação
média da população. Porém, outras estratégias de acumulação tendem a levar menos em conta a
qualificação da força de trabalho tanto nos países centrais quanto nos periféricos, entre outros,
pelos seguintes motivos: 1) a abundância de qualificação gerada mundialmente pela grande
revolução educacional experimentada na segunda metade do século XX e, 2) a decrescente
importância da indústria como fonte de emprego e atividade humana, permitindo que as
grandes empresas que utilizam tecnologia de ponta acionem mecanismos de recrutamento e
seleção de mão-de-obra internacional sem maiores problemas. E acrescenta, é preciso atentar
para duas questões: a oferta de qualificação ser cada vez mais elevada e esta ser um fenômeno
mundial de importância crescente, não apenas ligado à produção de bens e serviços, mas à
difusão política das oportunidades de educação e, as demandas provenientes das características
do consumo e de outros fenômenos que marcam o mundo contemporâneo.
Outras duas questões têm contribuído para que a educação geral seja vista nos
países centrais (e, como idéia difundida para os periféricos) como investimento necessário à
reestruturação produtiva e como recurso estratégico num mundo complexo: de um lado, a
abundância de qualificação e informação e de outro, o refluxo dos ideais de eqüidade e
proteção. Mas, diante do desencantamento da atividade industrial, o debate sobre a
qualificação tornou-se para além da indústria, isto é, num contexto mais amplo de alteração da
diferenciação do emprego e do status que se vincula a situações combinadas de desqualificação,
32
elevação da qualificação e retreinamento em competências múltiplas e mais amplas que o nível
historicamente conhecido (CASEY, 1995 apud PAIVA, 1999b).
Paiva (1999b) ainda adverte que se o conceito de atividade de André Gorz
substitui o de trabalho, num certo tipo de literatura européia continental, o de ocupação tende
a tomar aquele lugar no mundo anglo-saxão e a ele se liga tanto a idéia de desespecialização,
quanto à de ampliação dos serviços pessoais de todo tipo, exigindo qualificação mais elevada,
mas oferecendo remuneração decrescente.
A discussão sobre qualificação, diz Paiva (1999b), não pode hoje, deixar de
considerar dois aspectos: o que ocorre fora da área industrial, e nem abdicar do conceito de
racionalização sistêmica como instrumento de análise já que a racionalidade contemporânea
está ela toda apoiada na microeletrônica de modo geral. Os escritórios podem mostrar com
mais clareza o caráter da racionalização sistêmica, pois a administração informatizada tomou o
lugar do chão da fábrica. Significa dizer que a racionalidade sistêmica parte de uma visão de
conjunto possibilitada pelo computador e não da própria inovação específica e pontual ou, dos
novos padrões gerenciais e organizacionais, atingindo toda a atividade produtiva e uma boa
parte das demais atividades.
Nessa identificação de tendências, esclarece a mesma autora, importa pouco que
restem produções fordistas ou mesmo tayloristas nesta ou em qualquer parte do mundo, até
porque não existe homogeneização possível. Importa sim identificar o rumo dominante da
racionalização dos nossos dias, analisar o regresso a padrões “pré-fordistas” ou “prémeritocráticos” de seleção da força de trabalho em condições de ampla disponibilidade de
qualificação em um mercado cuja crescente excludência induz a busca de formas alternativas
de inserção, lançada no início dos anos 1980 sobre os “novos pobres”. Se o “excluído” pouco
qualificado tem como primeira opção o comércio informal, que também exige conhecimentos
e virtudes específicas, o espectro de opções se amplia entre os que possuem qualificação
elevada.
Do ponto de vista das indicações relativas às características da qualificação
requerida pela produção de bens e serviços reestruturados, e ainda pela busca de inserção
alternativa ou pelas novas características do consumo, Paiva (1999b) aponta a qualidade da
educação, em todos os níveis, como condição fundamental. Assim, a busca da efetividade dos
conhecimentos transmitidos, deslocando o eixo da discussão educacional da democratização
quantitativa de oportunidades para a eficiência do sistema, em especial nos níveis iniciais,
anteriores a profissionalização, nos quais ocorre a aquisição de habilidades instrumentais e
conhecimentos básicos efetivos, é elemento condicional de adaptação à nova realidade social e
33
do trabalho. E mais, condição que deve ser efetivada a toda a população e não apenas para a
parcela considerada economicamente ativa.
A mesma autora afirma ainda que a demanda por qualificação formal (os
diplomas) cede lugar à qualificação real passível de ser demonstrada na prática profissional e na
vida diária, dentro de um quadro de elevação tendencial da qualificação média (habilidades,
conhecimentos e informações) impulsionadas pelas demandas da produção, do consumo e de
mudanças introduzidas na organização do trabalho cotidiano. Dado o privilégio que a
qualificação intelectual ocupa nos dias de hoje, as virtudes intelectuais esperadas são: uma
elevada capacidade de abstração, de concentração e de exatidão, que não dependem apenas da
educação geral, mas estão também ligadas a aspectos psicológicos da formação.
Assim, o pensamento conceptual abstrato é enfatizado como elemento
fundamental na ampliação das seguintes possibilidades: percepção e de raciocínio, de
manipulação mental de modelos, de compreensão de tendências e de processos globais e da
aquisição de competências em longo prazo, que supõem uma educação de natureza geral
apoiada sobre uma sólida qualificação básica – formar para o bem pensar uma massa crescente
de informações de todo tipo e para o bem falar em múltiplas linguagens. A comunicação
(verbal e visual) tornou-se tão central quanto a possibilidade de captar rapidamente as
conexões
entre
conhecimento,
configuração
de
situações
interativas
e
processos
mercadológicos. Da qualificação intelectual de natureza geral e abstrata espera-se que ela seja a
base para os conhecimentos específicos, mas que constitua a principal fonte de competência
que se prova na interação e em atividades concretas crescentemente complexas. Com essa
compreensão será talvez possível difundir a polivalência e novas habilidades cognitivas,
necessárias à reintegração de tarefas em novo patamar (PAIVA, 1999b).
Ainda em relação ao pensamento abstrato, é ele que pode assegurar um raciocínio
voltado para dimensões estratégicas, organizadoras e planejadoras da sociedade e da produção.
A formação geral, portanto, seria a base sobre a qual conhecimentos diferenciados seriam
apropriados e utilizados, porque possibilitariam: a compreensão do processo de produção, a
utilização exata de procedimentos e símbolos matemáticos, o manejo da linguagem de forma
adequada à situação, a capacidade de lidar com regras e normas em situações diferenciadas, o
armazenamento, atualização e capacidade analítica para interpretação de informações, a
apreciação de tendências, limites e significado dos dados estatísticos, a capacidade de preencher
múltiplos papéis na produção e rápida adaptação a novas gerações de ferramentas e
maquinárias. Fala-se de um profissional cuja posição estaria oscilando entre um “subordinado
autônomo” e um “independente associado” (PAIVA, 1999b).
34
Essas redefinições no campo da qualificação profissional são acompanhadas de
níveis inéditos de desemprego qualificado, descompasso entre a qualificação efetivamente
necessária ao desempenho profissional e o status social e nível salarial do emprego, mais a
desvalorização dos níveis de formação e dos diplomas frente à disponibilidade de
superqualificação formal (PAIVA, 1999b).
Baethgue e Oberbek (1986 apud PAIVA, 1999b) defendem a tese das mudanças
de habitus e dos estilos de comportamento no trabalho como novas exigências de qualificação.
Para melhor compreensão dessa tese, mostram como a introdução do computador no
cotidiano das pessoas demanda um estilo de trabalho caracterizado por um mix de velocidade
de reação, capacidade de abstração e de concentração e exatidão, por isso a importância da
formação inicial na socialização primária capaz de garantir virtudes pessoais e disposições
sociomotivacionais que se combinam com qualificações formalmente adquiridas. Enquanto a
formação inicial deverá ter um caráter geral, a formação específica precisará ser cíclica com um
approach multidisciplinar. Reconhecer e aceitar a absolescência dos conhecimentos específicos,
como da informática, é fundamental, pois obriga a uma atualização contínua.
A aquisição de novos conhecimentos durante toda a vida profissional acompanha a
constatação de que junto com o fordismo também se esvaíram as biografias profissionais
lineares e ascendentes. Hoje, as sucessivas mudanças de profissão ao longo da vida, a
alternância entre o mercado formal e atividades alternativas, bem como períodos de trabalho e
estudo devem estar previstos, via estratégias de reprofissionalização.
Assim, as dificuldades, hoje, de inserção no mercado de trabalho ou na sua
permanência colocam o indivíduo frente a fenômenos sociais diversos. Os sofrimentos ligados
às dificuldades de conquistar (ou à perda de) status socioprofissional, as mudanças na vida
diária, os riscos associados ao desemprego e ao subemprego estão demandando novas e maiores
forças psíquicas e virtudes pessoais, atributos que transcendem as possibilidades do sistema
educacional. Nessa disputa, os segmentos mais preparados, intelectual e pessoalmente, são mais
capazes, possivelmente, de sair ganhando financeiramente ou em outros aspectos da vida. E
para aqueles que ficaram fora do mercado formal de trabalho e se transformaram em pequenos
produtores independentes (de produtos ou de serviços), o conhecimento e a qualificação
tornaram-se fundamentais. À medida que uma parcela substantiva das ocupações escapa dos
ditames “sistêmico-organizacionais” e à lógica estrita e direta da maquinaria industrial, parece
haver maior espaço para que a “qualificação real” se molde às formas sociais de inserção. O
nível de qualificação e de conhecimentos da população tenderá, possivelmente, a influir na
organização das políticas sociais e trabalhistas que virão. Disposições e virtudes adquirem mais
35
peso que a proficiência específica nesse cenário nebuloso em relação às profissões, não basta
conhecimento, mas interesse, motivação, criatividade. Não se trata apenas de qualificar para o
trabalho em si, mas para a vida na qual se insere o trabalho flexível com alcance suficiente para
enfrentar o emprego, o desemprego e o auto-emprego e com desenvoltura para circular em
meio a muitas “idades de tecnologia” (PAIVA, 1999b).
Essas disposições e virtudes exigidas hoje do trabalhador dizem respeito à
“empregabilidade”, conceito utilizado pelo PLANFOR para indicar que a qualificação proposta
no seu programa não irá assegurar posto de trabalho ao trabalhador, mas apenas fornecer
elementos para que o trabalhador se auto-empregue, portanto, seja responsável pelo seu
emprego.
A partir do exposto, pode-se concluir que o mundo contemporâneo está impondo
maiores e diferentes exigências educacionais, portanto, as clássicas funções dos sistemas
educacionais estão em questão. O papel das chances educacionais como elemento de redução
das desigualdades sociais e como fator capaz de propiciar mobilidade horizontal e vertical está
descartado. Hoje, a tendência é se reconhecer que é cada vez mais difícil quebrar a
desigualdade cumulativa ao longo da biografia individual. Se a educação se tornou um
programa para toda a vida, conclui-se que os problemas clássicos do que se considerava como
educação permanente (reabilitação, requalificação, ressocialização, compensação de déficits) já
não constitui o cerne da questão.
Observa-se, portanto, um crescente processo de degradação/precarização do
trabalho e a “epidemia da qualificação”, como denomina Druck (2001) cria um mito, uma
panacéia para resolver todos os problemas dos trabalhadores, inclusive o desemprego.
É evidente que os empresários querem maior número de trabalhadores
qualificados ou com escolaridade superior disponíveis no mercado, porque poderão aproveitálos em funções/postos de trabalho com salários mais baixos já que para aquele posto não há
necessidade de qualificação superior. Isso evidencia um outro lado da desqualificação – a não
correspondência entre a formação, escolaridade, conhecimento e a atividade a ser
desempenhada, o que leva os indivíduos a um processo de sofrimento e frustração.
4
No quadro do mercado de trabalho brasileiro, caracterizado pelo crescimento do
desemprego estrutural e pelo aumento das relações de trabalho mais instáveis (na primeira
metade dos anos de 1990 mais de 50% da força de trabalho estava ocupada nos segmentos
informais, ou seja, como empregado sem carteira de trabalho assinada ou como trabalhador
por conta própria) tornou-se extremamente importante para o governo estudar os mecanismos
4
O mercado de trabalho brasileiro será tratado, especifica e aprofundadamente, no capítulo 4.
36
possíveis para aumentar a “empregabilidade” dos trabalhadores, entendida como a capacidade
dos mesmos se atualizarem para manter sua ocupação, ou, quando demitidos, terem a
capacidade de ocupar e desenvolver um novo trabalho.
Pode-se também ampliar o conceito de “empregabilidade”, entendendo-o como
uma construção social decorrente da interação de estratégias de diferentes atores sociais que
contribuem para que o trabalhador mantenha-se na situação de empregado, ou saia da
condição de desempregado. Sendo assim, tem-se que considerar a demanda por trabalho, as
informações profissionais e, em casos de políticas de deslocamento, na assistência técnica e
financeira.
Na lógica da ideologia empresarial e do governo, qualificação, empregabilidade e
competência são instrumentos de desenvolvimento dos indivíduos para inserção no mercado
de trabalho. Assim, o Estado e os patrões se desresponsabilizam pelas políticas adotadas e
transferem aos trabalhadores a “culpa” pelo desemprego, justificados pela modernização
tecnológica e organizacional, das exigências do mercado de trabalho, da competitividade e da
globalização. Os conteúdos da “empregabilidade” e da “competência” associados ao “novo”
trabalhador e às novas formas de organização do trabalho valorizam, exatamente, qualificações
individuais tais como: iniciativa, criatividade, capacidade de adaptação, flexibilidade,
capacidade de solucionar problemas e lidar com o inesperado, dentre outras. Mas é importante
analisar com cuidado o significado dessas qualificações. Druck (2001, p. 88) diz o seguinte:
[...] se examinarmos com atenção é possível perceber que essas qualidades são
típicas dos trabalhadores que vivem na informalidade ou na “solidão do
mercado”, que sempre constituíram a grande parte - hoje a maioria - dos
trabalhadores brasileiros. Isto significa dizer que na história do trabalho no
Brasil, empregabilidade e competência são dois velhos “modelos”, associados
muito mais à precarização do trabalho e do emprego, típicos de países
subdesenvolvidos do que à revolução tecnológica e de novos padrões de
organização do trabalho. ... o núcleo da flexibilização do trabalho é
exatamente a perda de uma condição estável com direitos e garantias sociais,
é a perda de vínculos, onde o indivíduo é tudo e o coletivo perde sentido.
Daí a valorização dos traços de personalidade e de caráter... onde a
qualificação maior está na capacidade de enfrentar desafios e incertezas e não
mais no conhecimento do ofício e na socialização do trabalho. [...] Reina a
descartabilidade, já que o mercado exige flexibilidade, agilidade e
racionalidade e se os homens de hoje já não respondem mais, terão de
mudar... ou serão descartados.
Essas “competências” exigidas do trabalhador estão associadas aos requisitos da
“empregabilidade”, quando se trata das políticas públicas de qualificação profissional,
implementadas no governo Fernando Henrique Cardoso, no período 1996/2002, expressas
nos documentos oficiais, sobretudo do PLANFOR.
37
Num mundo onde domina a incerteza e em que o “futuro em aberto” não vem
acompanhado de esperanças e projetos que ofereçam direção aos passos dados na vida pessoal e
profissional, a vida do trabalho, da atividade alternativa, do lazer e demais aspectos familiares
assumem um caráter de curto prazo, desfavorável não apenas ao indivíduo, mas também às
práticas e estruturas políticas democráticas.
2.2 - Formação Profissional no Brasil
O debate sobre qualificação profissional no Continente Americano muda a partir
do documento da CEPAL, publicado em 1992, Educación y Conicimento: eje de la
transformación prudutiva com equidad, quando a universalização do ensino básico e melhoria
de sua qualidade passaram a ser consideradas condições à inserção dos países da região no
contexto competitivo do mundo “pós-fordista”.
Esse novo enfoque na área educacional contrastou com o que dominou no
imediato pós-1968 quando, em todo o mundo, iniciaram reformas visando democratizar,
principalmente, o acesso e a vida interna nas universidades não apenas por motivos políticos,
mas, sobretudo, pelos argumentos ancorados em uma economia da educação dedicada a medir
diferenciais de renda em função da escolaridade das pessoas. Essa reviravolta correspondia a
uma mudança no modelo econômico-social em nível mundial e estava acompanhada da
chamada “economia burguesa da educação” voltada para o impacto global de níveis
socialmente mais elevados de qualificação da população (PAIVA, 1997b).
Esse refluxo para a base do sistema educacional veio acompanhado de violenta
crise universitária, variando de país para país, que assolou quase todo o mundo e se assentou
em um processo de profundo reordenamento social das profissões, revisão de valores e da
estrutura de emprego que tiveram vigência na era fordista.
À tendência mundial de enxugar basicamente o emprego industrial e
secundariamente, embora de forma crescente, o emprego nos serviços em geral, setor também
atingido pelas conseqüências da microeletrônica e dos parâmetros de administração nascidos
das formas de racionalização, acrescentam-se os efeitos sobre o emprego e o trabalho concreto,
provocados pelas mutações nas estruturas de bem-estar da crise fiscal dos estados e, em especial
da ideologia do Estado mínimo que os tem acompanhado. A diminuição de profissionais nas
escolas brasileiras (supervisores educacionais, inspetores, orientadores educacionais) que
intermediavam a relação entre alunado, professores e direção da escola, é um exemplo dessa
nova forma de organização do trabalho (PAIVA, 1997b).
38
No Brasil, cuja formação social se deu a partir da casa grande e da senzala, fundada
nos latifúndios e no trabalho escravo, a questão educacional é muito mais complexa. Enquanto
países da América Latina, como Paraguai e Uruguai, universalizaram o ensino fundamental (1a
a
à 8 série) desde final do século XIX, o Brasil só conseguiu universalizá-lo em 1998, final do
século passado, quando o governo federal implementou uma política pública5 de âmbito
nacional. Assim, o país convive no início do século XXI, com altos índices de analfabetismo
(cerca de 15 milhões de pessoas) e de analfabetismo funcional (35 milhões) e com uma
população com baixa escolaridade. Mesmo comparado a países sabidamente menos
desenvolvidos, o desempenho educacional brasileiro se mostra precário, não chegando a se
igualar, hoje, ao da Bolívia e do Paraguai, sendo superior apenas ao do Suriname.
O Mapa do Analfabetismo no Brasil, publicado recentemente pelo Instituto
Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), órgão vinculado ao MEC, indica que vem
decrescendo o número de analfabetos no país. Em 2001, o índice era de 12,4%, contra 13,6%
em 2000. Contudo, essa taxa ainda é muito superior à de muitos países da América Latina:
Argentina (3,2%), Costa Rica (4,4%), Equador (8,4%) e Peru (10,1%).
No início da década de 1990, dos 73 milhões de brasileiros que compunham a
a
população efetivamente ocupada, 38% possuíam no máximo a 4 série do ensino fundamental
e apenas 15,4 % possuíam o ensino médio completo. Na faixa etária de 15 a 29 anos, de um
total de 37,6 milhões de pessoas, 4,8 milhões eram analfabetas, e cerca de 19 milhões não
chegaram a completar quatro anos de escola. Resumindo, a grande maioria possuía
conhecimentos que equivaliam, no máximo, às quatro séries do ensino fundamental, além da
existência, ainda, de cerca de 15 milhões de analfabetos adultos. Portanto, a discussão da
qualificação profissional da classe trabalhadora brasileira deve levar em consideração essa
realidade educacional (FOGAÇA, 1995, p. 27).
O debate sobre formação técnico-profissional, no Brasil, tem sido intenso e
controverso, desde a década de 30 do século passado. A criação dos Sistemas Nacionais de
Formação Profissional e do Sistema de Escolas Técnicas Federais, nos anos 40 daquele século,
é de certa forma, resultado daquele debate.
A experiência brasileira de educação e formação profissional, introduzida na
década de 1940, permitiu consolidar um modelo de “qualificação” dos trabalhadores durante
um longo período. Além dos cursos de formação de curta e média duração desenvolvidos por
instituições de direito privado, mas com aportes do fundo público, como o Serviço de
5
Em 1996, foi aprovada pelo Congresso Nacional a Lei nº 9.424 ,de 24 de dezembro, que dispõe sobre o Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) que
assegura suporte financeiro federal a todos os municípios brasileiros.
39
Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Serviço de Aprendizagem Comercial (SENAC), que
tinham como objetivo oferecer formação profissional em grande escala, coube ao governo a
difusão de cursos técnicos de longa duração (escolas técnicas federais e estaduais e
universidades).
No final dos anos 1970, consolidou-se no Brasil o modelo de industrialização,
segundo os princípios do taylorismo/fordismo, ao tempo em que entrou em crise o regime
militar, abrindo espaço para os protestos sindicais em relação “as características autoritárias,
concentradoras e excludentes do padrão de desenvolvimento brasileiro” (ALVES, 2002).
A difusão do taylorismo6 no Brasil foi orientada por empresários paulistas na
década de 1930, influenciando intelectuais, tornando-se parte integrante da administração
pública.
A consolidação das idéias tayloristas firmou-se nos princípios do Instituto de
Organização Racional do Trabalho (IDORT), criado em junho de 1931 por lideranças
empresariais do Estado de São Paulo, com o objetivo de atender às necessidades de organizar o
trabalho frente à expansão industrial. Essa instituição se encarregou de difundir o espírito
taylorista de racionalização do trabalho para a sociedade em geral e a aplicação dos
conhecimentos para o ensino industrial, com base em dois objetivos: 1) realizar atividades de
racionalização do trabalho em empresas associadas àquela instituição, como também
redirecionar as atividades administrativas do Estado; 2) promover a seleção e formação
profissional, higiene e segurança no trabalho.
Em sua primeira ação foram aplicados princípios da psicotécnica em cursos de
preparação de pessoal para as companhias ferroviárias do Estado de São Paulo. A experiência
levou o IDORT a criar o Centro Ferroviário de Ensino e Seleção Profissional, reunindo várias
empresas ferroviárias preocupadas em aplicar as técnicas tayloristas. Esse procedimento
impulsionou os industriais a criar o ensino industrial com o objetivo de preencher a lacuna da
falta de operários qualificados, preenchida por estrangeiros residentes no país. As escolas do
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e do Serviço Social da Indústria (SESI)
surgiram em conformidade com as teorias veiculadas pelo IDORT (VARGAS, 1985).
Surgem também alguns setores da administração pública e empresas privadas
adotando as formas tayloristas de produção. Houve a ampliação das escolas de engenharia para
suprir o mercado de trabalho de profissionais capacitados para intervir entre a tecnologia, o
capital e o trabalho (KAWAMURA, apud DRUCK, 1999), cuja principal preocupação era a
6
O taylorismo será melhor discutido no Capítulo 3. O Quadro do Trabalho no Capitalismo Contemporâneo,
quando se analisa a crise do fordismo.
40
de qualificar os engenheiros para que assumissem a concepção e o planejamento da produção e
a de reproduzir uma classe operária educada de acordo com as normas de disciplina da
produção industrial. Esse cuidado com a qualificação da mão-de-obra vai determinar
mudanças substanciais na política educacional do país, sendo introduzido o ensino
profissionalizante para os filhos dos trabalhadores, medida essa discriminatória, ligada aos
interesses da burguesia industrial.
Transformou-se também a mentalidade da população, direcionando-a para uma
nova temporalidade de acordo com os requisitos da produção moderna, fundamentada nos
princípios de que “tempo é dinheiro”. A prática de gestão do controle dos tempos e dos
movimentos dos operários representou condição primordial para a consecução das técnicas
tayloristas. Os trabalhadores, por sua vez, usaram diferentes formas de resistência como baixa
produtividade e faltas ao trabalho, expressando, assim, descontentamento com a nova forma de
trabalho (VARGAS, 1985).
A partir de 1946, no governo Getúlio Vargas, abriu-se espaço efetivo para a
consolidação das práticas tayloristas, com a afirmação de uma política industrial no país. O
Estado desempenhou um papel legitimador desse projeto, investindo um grande volume de
recursos para impulsionar setores estratégicos, a exemplo da construção de estradas, portos,
energia elétrica, para atender às necessidades do processo de industrialização. Desempenhou,
também, um papel de regulador do mercado de trabalho por meio da criação de uma legislação
trabalhista necessária para garantir a socialização da força de trabalho (VARGAS, 1985).
Assim, a introdução do padrão fordista de gestão do trabalho e da vida dos
trabalhadores aconteceu a partir da abertura do país ao capital estrangeiro, em meados da
década de 1950, com o oferecimento de estímulos às empresas multinacionais, ampliando-se o
processo de industrialização favorecido pela política do Estado populista-desenvolvimentista.
A política de desenvolvimento industrial capitalista do país refletiu-se na política
educacional desse período, dada pelas relações produtivas que se estabeleceram entre o capital e
o trabalho. A alternativa educacional para os jovens oriundos das classes populares foi a
formação profissional técnica, voltada para o atendimento às necessidades produtivas, sem
nenhuma preocupação teórica, diferentemente da educação dada à classe dos engenheiros que
se apropria de um saber que lhe permite exercer funções intelectuais (KUENZER, 1998).
No Brasil, na década de 1980, aproximadamente 40 anos depois de iniciada a
experiência de educação e formação profissional, no período constituinte e posteriormente, na
elaboração da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), o tema da formação técnicoprofissional foi debatido intensamente. A aprovação da LDB, em 1996, foi resultado de um
41
projeto que se desenvolveu paralelamente a um processo de negociação balizado por mais de
30 instituições da sociedade civil. Esse projeto expressa, na sua essência, a subordinação do
ensino fundamental, médio e superior e da formação técnico-profissional ao ajuste mais amplo
da sociedade brasileira à nova (des)ordem mundial (FRIGOTTO, 1999).
Ainda conforme Frigotto (1999, p. 1):
Por se tratar de uma prática social constituída e constituinte de relações
sociais, a formação técnico-profissional está, na sua organização,
financiamento e concepção político-pedagógica, imbricada na crise societária
deste final de século. Esta crise é, ao mesmo tempo, sócio-econômica, teórica
e ético-política. No âmbito sócio-econômico a crise se explica pela desordem
dos mercados mundiais, hegemonia do capital especulativo, monopólio da
ciência e da técnica, desemprego estrutural e maximização da exclusão. No
plano teórico, a crise se revela na incapacidade de referências de análise
darem conta dos desafios do presente. Por fim, a crise ético-política, que se
manifesta pela naturalização da exclusão, da violência e da miséria.
Frigotto (1999, p. 1) complementa:
Nessas circunstâncias, tanto no plano societário mais amplo quanto em
políticas específicas como é o caso da formação técnico-profissional, o risco é
o surgimento de atitudes e medidas oportunistas, simplificadoras, ou de
soluções mórbidas. A todo instante ouvimos falar que estamos em tempo de
reestruturação produtiva de economia competitiva e de globalização. E, em
face dessa realidade posta como “irreversível”, a escola e as instituições de
formação técnico-profissional necessitam ajustar-se. Esse ajuste postula uma
educação e formação profissional que gere um “novo trabalhador” – flexível,
polivalente e moldado para a competitividade. Cabe à escola e aos centros de
formação profissional, nessa perspectiva, desenvolver um “banco” variado de
competências e de habilidades gerais, específicas e de gestão. Diante das
mudanças no mundo do trabalho, mormente da crise estrutural do
emprego, já não se pensa em formar para o posto de trabalho, mas formar
para a “empregabilidade”. (Grifos do autor).
Assim, as reformas que ocorreram no campo educativo e, especificamente na
formação técnico-profissional, eram parte da estratégia do ajuste estrutural que levou as
reformas do Estado nos planos político-institucional e econômico-administrativo. Dessa
forma, explica Frigotto (1999, p. 9):
O caráter minimalista e desregulamentador da nova Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (9.394 de 20.12.96) se coaduna tanto à estratégia de
impor pelo alto um projeto preconcebido, quanto com a tese do Estado
“mínimo” com a tríade do ajuste estrutural: desregulamentação,
descentralização e privatização.
A nova conformação que assumiu o ensino técnico-profissional no final do século
XX é resultado desse caráter minimalista da LDB/96. A primeira regulamentação veio através
do Projeto de Lei nº 1.603/96, que com a aprovação da LDB, automaticamente se transforma
em Decreto nº 2.208/97, impondo a reforma, que, segundo Frigotto (1999, p. 10)
42
[...] representa uma regressão ao dualismo e exacerbação da fragmentação. O
dualismo se cristaliza pela separação das dimensões técnicas e políticas,
específicas e gerais, particulares e universais e pela separação do nível médio
regular de ensino da rede não regular de ensino técnico-profissional com
organização curricular específica e modular.
Frigotto (1999, p. 10-11) explica como a rede não regular de formação técnicoprofissional está estruturada, a partir da Reforma:
a) Nível básico – para a massa de trabalhadores jovens e adultos,
independentemente da escolarização anterior, mas certamente igual ou
inferior ao ensino fundamental, que tem o objetivo de “qualificar,
requalificar e reprofissionalizar”. Este nível abre espaço para a intensa atuação
do atual Sistema “S” e define um novo papel das Escolas Técnicas Federais, o
que caracteriza aquilo que Cunha (1997, apud FRIGOTTO, 1999)
denominou de senaização das Escolas Técnicas Federais. Além disso, é um
terreno aberto para quem queira disputar os recursos públicos do FAT
(Fundo de Assistência do Trabalhador) Trata-se de cursos que não estão
sujeitos a regulamentação curricular;
b) Nível técnico, com uma organização curricular independente destinado a
matriculados ou egressos do ensino médio. Aqui situa-se a pressão e direção
para onde quer se encurralar o Sistema de Escolas Técnicas Federais. Trata-se
de “flexibilizar seus currículos” adaptando-os às “competências” demandadas
pelo mercado. Trata-se de um currículo modular, fundado na perspectiva das
habilidades básicas e polivalentes e, supostamente, geradoras de
empregabilidade. Módulos que podem ser compostos em diferentes
instituições públicas ou privadas. Subjacente a essa mudança e em
consonância com as diretrizes do Banco Mundial, situa-se a estratégia de
transformar esse tipo de ensino num serviço a ser oferecido para o
financiamento tanto do setor privado empresarial quanto do setor público.
Vale dizer, um mecanismo claro de privatização.
Os Centros de Educação Profissional (CREPs) de modalidades diversas conforme
a especificidade econômica regional, criados pelo governo do Estado de Minas Gerais, no
período 1995/1998, financiados e orientados político-pedagogicamente pelo Banco Mundial,
foram construídos com fundo público e entregues para a gestão da iniciativa privada. Essa
política de governo, além de antecipar uma possível tendência à privatização, é antidemocrática
por engendrar um pressuposto de educação e formação profissional restrita. (FRIGOTTO,
1999).
Por fim, o nível tecnológico, destinado a egressos do ensino médio e técnico,
para a formação de tecnólogos em nível superior em diferentes especialidades
(FRIGOTTO, 1999 p. 10).
Pode-se depreender, a partir dessas reformas, que a educação regular e,
particularmente, a formação técnico-profissional passam a ser, como bem denomina Frigotto
(1999) “a galinha dos ovos de ouro” que pode levar o Brasil a ajustar-se a nova ordem mundial –
de exclusão – quando preconiza uma educação desintegradora, isto é, só para aqueles que
consigam desenvolver “competências” reconhecidas pelo mercado. Nesse ideário a educação
43
deixa de ser um direito subjetivo de todos, transformando-se em serviços, portanto em
mercadoria.
Constatando-se que a questão do sistema educacional brasileiro é singular e
reconhecendo-se, hoje, a partir de dados de pesquisa, que a grande lacuna é de “basic-skills”,
isto é, de competências básicas e não de habilidades passíveis de serem adquiridas em
treinamentos operacionais, os problemas educacionais, hoje identificados, dizem respeito às
habilidades e competências que decorrem da escolaridade básica de educação geral, ao
contrário do que ocorria há vinte anos atrás. A origem desse consenso está no fato do perfil de
escolaridade da população brasileira estar muito aquém do que se aponta como necessário ao
sucesso da reestruturação produtiva – ensino médio com qualidade, e com uma formação
específica que explora as habilidades intelectuais desenvolvidas na educação escolar, que
significa, no âmbito da educação geral, necessidade de se elevar a qualidade do ensino
oferecido à população, recuperando os sistemas públicos de educação básica nos já suficientes
diagnosticados aspectos que vêm concorrendo para sua progressiva deterioração (FOGAÇA,
1995).
Os indicadores educacionais, da década de noventa, indicam que os problemas
ainda perdurarão por algum tempo. Ainda que se deixe de lado a população de 7 a 14 que não
estava na escola (cerca de quatro milhões de crianças) das quase vinte e seis milhões de crianças
que freqüentam hoje o ensino fundamental (1a à 8a série), cerca de quinze milhões estão fadadas
a
ao fracasso, e dez milhões delas sequer concluirão a 4 série desse nível de ensino. Ora, o que o
mercado requer hoje é uma força de trabalho com escolaridade ao nível do ensino médio, com
qualidade, e com uma formação específica que explora as habilidades intelectuais desenvolvidas
na educação básica (FOGAÇA, 1995).
Portanto, a exigência, hoje, em relação ao sistema educacional é elevar a qualidade
do ensino oferecido à população, recuperando os sistemas públicos de educação básica (ensinos
fundamental e médio).
Ao tempo em que se reconhece a revalorização da educação básica como prérequisito para melhor inserção no mercado de trabalho, buscam-se adaptações de práticas
antigas, estruturadas a partir do conceito tradicional de formação profissional, justificando-se,
de um lado, de que os efeitos positivos da modernização tecnológica recairão sobre uma
pequena parcela de trabalhadores localizados nas áreas informatizadas da produção; de outro,
acredita-se que a modernização não significará o fim da heterogeneidade que se verifica hoje na
indústria brasileira – coexistência de processos onde a economia de escala e a padronização
com estruturas ocupacionais polarizadas e, o trabalho fragmentado, com tarefas rigidamente
44
definidas e realizadas sob estreita supervisão. Assim, as instituições de formação profissional
seriam capazes de se encarregar, autonomamente, das velhas e novas demandas (FOGAÇA,
1995).
Os que defendem essa posição desconhecem três aspectos importantes: 1) que o
novo conceito de formação profissional não exclui as empresas que permanecerem com
processos tradicionais; 2) que a própria emergência de uma nova base técnica não está restrita
ao contingente de pessoas direta e imediatamente envolvidas com os novos equipamentos e
formas de organização; ao contrário, ela se torna dominante na medida em que atinge toda a
sociedade; 3) não se pode imaginar que a necessidade de elevação da escolaridade da força de
trabalho não seja desejável, a pretexto de que os novos requisitos seriam uma necessidade
exclusiva da automação flexível (FOGAÇA, 1995).
É importante esclarecer que a expressão “Educação Tecnológica” surge em
substituição à “Educação Técnica”, na passagem da “sociedade industrial” para a “sociedade
industrial tecnológica”, promovendo segmentações indevidas no sistema educacional,
dificultando uma necessária reorientação das instituições de formação profissional. O principal
problema da aplicação do conceito restrito de “Educação Tecnológica” é a desvalorização da
educação básica de conteúdo geral, que servirá de apoio tanto àqueles que procuram a
formação profissional quanto aos que atinjam o nível médio, como aos que se dirijam ao
ensino superior, enfraquecendo a idéia-força de superação da crise educacional do país
(FOGAÇA, 1995).
Entretanto, no Brasil, difundiu-se inicialmente uma concepção de “Educação
Tecnológica” que restringe a discussão sobre as tecnologias e seus impactos sobre a qualificação
profissional apenas aos cursos técnicos de nível médio e cursos superiores da área tecnológica,
notadamente as engenharias. Posição que está explicitada no documento Adequação da
Educação Tecnológica ao Processo de Modernização do País: Plano de Ação, redigido pela
Comissão Internacional Interministerial (MEC, SCT, MIC), que contém a idéia de que a
escola básica de educação geral constitui um universo estranho à qualificação profissional e que
os conteúdos da educação geral nada têm a ver com a “educação tecnológica”. Mostrar como
os conceitos e as teorias se manifestam, seja quando queima a resistência de um chuveiro, seja
quando se calculam juros, deve estar no horizonte natural da escola básica regular,
independentemente de um maior ou menor compromisso com a preparação para uma
determinada atividade produtiva (FOGAÇA, 1995).
É evidente que a difusão de uma “cultura tecnológica” também exigirá profundas
transformações da escola regular, tais como: revisão de currículo, programas e metodologias;
45
melhor preparo de seus professores; melhoria dos recursos pedagógicos etc, de modo a
transformar em efetiva realidade as funções e objetivos da Educação Geral.
É necessário reconhecer-se que, no caso brasileiro, o discurso que destaca a
relevância da escola de educação geral nesta “era tecnológica” fica extremamente fragilizado
tanto diante da profundidade da atual crise do sistema educacional quanto ao fato de nossa
escola regular de educação geral não apresentar uma conexão explícita ou concreta com o
mundo do trabalho em relação ao universo das chamadas profissões subalternas, porque não
trata os conteúdos numa perspectiva que permita aos alunos deles se apropriarem nas suas
atividades cotidianas, incluindo aí o trabalho.
Resumindo, a Educação Tecnológica deve ser entendida como algo que começa na
escola básica regular e se completa na qualificação profissional, e isto, desde a formação do
trabalhador qualificado até à do engenheiro. Portanto, é um conceito de educação que
abrange, igualmente, os fins da educação geral: domínio do conhecimento científico –
conceitos básicos das ciências exatas e das humanas – para melhor compreensão dos fenômenos
naturais e dos processos sociais; e, os fins da formação especial, o domínio e aplicação dos
conteúdos técnico-científicos, de modo a desenvolver habilidades, atitudes e comportamentos
adequados e inerentes à determinada ocupação. Não é um processo característico e exclusivo
das Instituições de Formação Profissional ou da chamada “área tecnológica”, e nem se
confunde com um conjunto de aplicações práticas do conhecimento científico. Educação
Tecnológica diz respeito a um conceito mais amplo que envolve a educação geral (do ensino
fundamental à universidade), a Formação Profissional, as atividades educativas não-formais, os
cursos de treinamento, de atualização etc. Não se trata, portanto, de desenvolver apenas a
capacidade de usar informações e de com elas produzir melhor. Trata-se de desenvolver a
capacidade de inovar, de produzir novos conhecimentos e soluções tecnológicas adequadas às
necessidades sociais, o que exige o desenvolvimento de habilidades intelectuais gerais e
fundamentais ao emprego de estruturas lógicas e inerentes a métodos e teorias (FOGAÇA,
1995).
2.3 - Política Nacional de Educação Profissional (PNEP)
No Brasil, nos anos 1990, uma série de rupturas muda radicalmente a percepção
do contexto educacional e tem desdobramentos concretos. Dentre outros, a crise de
legitimidade do Estado, o questionamento de sua responsabilidade direta em relação à
educação e o seu redirecionamento no contexto globalizado, abalam as antigas referências para
46
a ação governamental e o desenho de políticas educacionais. Em relação ao ensino médio e
educação profissional (o que mais interessa nesta tese), e as possibilidades de sua
articulação/desarticulação, não parecem ter sido ainda eficientes e suficientes para superar
incoerências, divergências e contradições no campo conceitual e oferecer às escolas um
referencial objetivo e seguro que oriente suas ações. As diferentes formas de tratamento dadas
ao estudo e às proposições relativas à educação tecnológica e ao sentido de habilidades e
competências nos textos do Ministério da Educação, do Ministério do Trabalho e do Conselho
Nacional de Educação, ilustram a referida indefinição (BUENO, 2000).
Essa década foi marcada pela aparência de um certo “consenso” em torno da
necessidade de políticas de atendimento e universalização da educação básica. Organismos
internacionais pertencentes à ONU, Estado, empresários e sindicalistas foram unânimes em
afirmar a centralidade da educação básica como condição necessária para o ingresso das
populações no terceiro milênio, a partir do domínio dos códigos da modernidade. Variaram os
argumentos que vão desde a afirmação de que este grau de instrução seria o mínimo exigido à
inserção dos trabalhadores no processo produtivo, até a justificativa de sua necessidade para a
real participação cidadã na sociedade. Em todos os casos, sempre esteve presente a preocupação
com a educação como mecanismo que propiciaria melhor distribuição de renda, expresso no
Relatório UNESCO e Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
(OCDE) (OLIVEIRA, 2001).
A influência dos organismos internacionais pode ser identificada em diversos
momentos e situações onde o Brasil esteve presente. A Conferência Mundial de Educação para
Todos, realizada em Jomtien, em 1990, e a Declaração de Nova Delhi constituíram um
compromisso internacional em que os países presentes deveriam oferecer às suas populações
“sem discriminação e com ética e eqüidade, uma educação básica de qualidade”. Em 2000, em
Dacar, na Conferência Mundial, esses compromissos foram reafirmados (OLIVEIRA, 2001).
Os organismos internacionais (criados a partir da Conferência de Bretton Woods),
principalmente o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD),
promotores desses eventos, tomam como princípio orientador das políticas educacionais para
os países pobres a eqüidade social, entendida como necessária à justiça social e à educação
como direito humano. Lauglo (1997, apud OLIVEIRA, 2001), que analisou o relatório do
BIRD, de 1995, denominado Prioridades e Estratégias para a Educação, fez as seguintes
constatações: 1) a educação básica deve ser prioridade, contudo, a educação profissional deve
ser deixada para provedores privados e para treinamento em serviço; 2) a educação básica deve
ser gratuita, enquanto que o ensino médio e a educação superior devem estar sujeitos a
47
pagamentos de taxas. Além disso, o autor interpreta o conceito de eqüidade do BIRD, expresso
a seguir:
Economistas reconhecem a importância da justiça distributiva e,
tipicamente, juntam todos os seus aspectos sob o termo eqüidade. No
entanto, a preocupação nuclear será o quão eficiente a educação fará uso dos
escassos recursos, de forma a produzir resultados cognitivos, os quais, por sua
vez, melhorarão a produtividade do trabalho (LAUGLO, apud OLIVEIRA,
2001, p.52).
Enfim, a prioridade dada pelos organismos internacionais à educação básica está
na relação desta com o desenvolvimento econômico, dentro dos atuais padrões de qualificação
profissional. É bom esclarecer, educação básica para esses organismos é entendida como
capacidade de leitura e escrita e domínio de cálculos matemáticos elementares, indispensáveis
aos processos de formação em serviço. Os argumentos da educação, como alavanca do
desenvolvimento econômico, ressuscitam a teoria do capital humano. Adquiridas essas
habilidades (ler, escrever, contar), os indivíduos estão desenvolvendo capacidades de se
adaptarem às mudanças, às novas maneiras de produzir, e, principalmente, de tomarem
decisões (OLIVEIRA, 2001).
Para os empresários, o predomínio das altas tecnologias de produção e informação
exige que o sistema educacional deve garantir, pelo menos, de 8 a 10 séries de ensino de
qualidade à população. Os documentos produzidos, inclusive pelo PNBE, na década de 1990,
são unânimes em afirmar que não é papel da empresa substituir o Estado na gestão da
educação; contudo, os autores acham que a participação dos empresários é crucial,
principalmente, na escola pública de ensino fundamental (1a à 8a). Os argumentos, expressos
nos documentos, para que os empresários se envolvam com as questões educacionais são: 1)
familiarização e amadurecimento do empresariado; 2) complementação da ação do governo
criando formas alternativas de solução e experimentação de novas idéias; 3) a empresa é quem
mais ganha. Eles acreditam que a qualificação deve ter como referência o novo paradigma
produtivo que exige um trabalhador mais adaptável, com maiores conhecimentos gerais,
menos especialização e habilidades específicas, com maior atenção às atitudes e às capacidades
de iniciativa e decisão (OLIVEIRA, 2001).
Contudo, esse perfil de trabalhador não condiz com a realidade brasileira, que não
pode ser caracterizada pelo predomínio de indústrias de ponta, altamente competitivas e de
grande desenvolvimento tecnológico. Ao contrário, as indústrias brasileiras são bastante
desiguais em termos de desenvolvimento de tecnologias. Por outro lado, as relações de trabalho
e emprego muitas vezes não condizem com o discurso e a propaganda, assim como o mercado
48
de trabalho não tem absorvido de maneira satisfatória nem mesmo os trabalhadores mais
escolarizados e experimentados.
Embora não haja uma proposta única dos representantes dos trabalhadores, parece
ser consenso entre as Centrais Sindicais a necessidade da educação profissional de qualidade,
considerada como meio de possibilitar aos trabalhadores inserção no mercado de trabalho.
O governo brasileiro, tomando como pressuposto que a educação profissional é
estratégica para o desenvolvimento sustentado do país, na conjuntura globalizada e
tecnológica, encarregou a antiga SEFOR/MTb, nos anos 1990, de articular grupos
diversificados de estudo, reflexão e debate, no intuito de construir a base de sustentação teórica
de programas amplos e integrados na direção da “humanização capitalista”. Assim, desde 1995,
7
produziu um conjunto apreciável de textos que consolidou essa discussão e constituiu
fundamento do Plano Nacional de Formação Profissional – PLANFOR (OLIVEIRA, 2001).
Como já foi explicitado anteriormente, no Decreto nº 2.208, de 17 de abril de
1997, a educação profissional passa a ser complementar à educação básica, passando à
condição de complemento, constituindo-se em um sistema paralelo ao sistema escolar,
devendo se organizar em três tipos de formação: básica, não exigindo escolaridade prévia e
podendo ter duração variável; técnica, educação profissional de nível médio que exige a
conclusão da educação básica regular, ou deve ser feita em concomitância com o ensino médio;
e tecnológica formação profissional de nível superior.
A estratégia de separar a educação profissional da educação geral pode estar sendo
orientada pela busca de barateamento da educação básica, obrigatória e mais ampla. Com o
dever de garantir a gradativa universalização do ensino médio, o poder público encontra-se
pressionado a atender essa demanda, à medida que aumentam os concluintes do ensino
fundamental (1a à 8a série). Entre 1990/98, o número de concluintes deste nível de ensino
cresce 124,3%, gerando uma forte demanda para o ensino médio. É importante ressaltar que a
cobertura da educação básica tem sido sustentada, majoritariamente, pelo setor público –
87,8% dos estudantes, totalizando 45,7 milhões de alunos (OLIVEIRA, 2001).
Além disso, essa estratégia traz uma outra vantagem para o MEC, que é a
possibilidade de estabelecer parcerias para a oferta de educação profissional, apelando para
7
Merecem destaque os textos de Elenice Leite: Questões Críticas da Educação Brasileira e Educação Profissional:
um projeto para o desenvolvimento sustentado, 1995; PLANFOR: trabalho e empregabilidade; PLANFOR:
formando o cidadão produtivo; Sistema Público de Emprego e Educação Profissional: implementação de uma
política integrada; Educação Profissional no Brasil: construindo uma nova institucionalidade. E também os do
Ministério do Trabalho: PLANFOR: termos de referência dos projetos especiais e PLANFOR: termos de
referência dos programas de educação profissional, de 1996. PLANFOR: avanço conceitual/termos de
referência, 1996; PALNFOR 1996/99: avanço gerencial, 1997.
49
acordos com a iniciativa privada, através de programas desenvolvidos em conjunto com
empresas, ou ainda com o Sistema “S”. Possibilita também articulações com outros
ministérios, por exemplo, o Ministério do Trabalho e Emprego, possibilitando a utilização de
outros recursos, tais como os do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), responsabilizando
os próprios trabalhadores pelo financiamento de sua capacitação para o trabalho. Por tais
razões, a reforma da educação profissional só pode ser analisada no conjunto de reformas
educacionais que o Brasil viveu na década de 1990.
2.4 - A Formação Profissional na Perspectiva das Centrais Sindicais
É importante também mencionar que o debate e as propostas de ação no campo
da educação e da formação profissional, ainda que de forma incipiente, têm estado presentes
na agenda do sindicalismo desde o início do século XX. Uma das primeiras proposições foi a
idéia de criação de uma universidade operária, aprovada no II Congresso Operário do Estado
de São Paulo em 1908, seguindo as tradições do sindicalismo britânico e alemão. Em 1912, a
União Gráfica de São Paulo já previa em seus estatutos a criação de um Centro Técnico e
Instrutivo das Artes Gráficas visando a qualificação profissional dos trabalhadores daquele setor
industrial. Do início do século até a criação dos sindicatos oficiais, ao final da década de 30, as
experiências educacionais do movimento sindical traduziram-se na promoção de cursos de
curta duração, com caráter profissionalizante (SOUZA; SANTANA; DELUIZ, 1999).
Nos anos de 1940, as ações sindicais na área da educação estiveram concentradas
em cursos de alfabetização, ensino fundamental regular e de experiências de escolas técnicoprofissionalizantes. Nos anos 50, houve mobilização em defesa da escola pública. Na década de
1960, as resoluções do II Congresso Sindical do Estado de São Paulo apontaram para a
necessidade de requalificação dos trabalhadores deslocados de seus postos de trabalho pelo
processo de automatização adotado pelas empresas. Nos anos 1960/70, houve experiências de
educação popular que envolvia formação geral e política, além da formação profissional, como
ações de resistência ao período autoritário (SOUZA; SANTANA; DELUIZ, 1999).
No período 1983-1991 foram criadas quatro Centrais Sindicais: em 1983, a
Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 1986, a Central Geral dos Trabalhadores
(CGT), em 1989, a Confederação Geral dos Trabalhadores (subdivisão da CGT) e em 1991, a
Força Sindical (FS).
Em 1985, a CUT cria a Comissão Nacional de Tecnologia e Automação (CNTA)
com o objetivo de realizar seminários, produzir teses para os congressos e documentos visando
50
intensificar nas bases do movimento sindical o debate sobre a tecnologia no interesse dos
trabalhadores.
Foi a partir dos anos de 1990, que começaram a ganhar amplitude as discussões
nas Centrais Sindicais sobre o processo de reorganização industrial e as novas concepções de
produção e suas implicações sobre as qualificações e a educação.
No estudo desenvolvido por Souza, Santana e Deluiz (1999, p. 157-169), com o
objetivo de apreender o entendimento das Centrais Sindicais (CUT, CGT e FS) sobre o
processo de reestruturação produtiva, seus novos conceitos e implicações para a educação geral
e formação profissional dos trabalhadores, os autores identificaram um duplo movimento:
De um lado, a separação estrutural, onde as Centrais expressam as distinções e cisões que
vêm existindo no movimento sindical brasileiro, pois se há consenso em relação à análise
das transformações radicais que vêm passando o mundo do trabalho e em particular a
sociedade, fica evidente a distinção quanto à qualificação dessas mudanças. Enquanto a
CUT sinaliza com a perspectiva de que o novo quadro pode trazer e tem trazido sérios
riscos aos trabalhadores, a CGT, embora parta de uma análise semelhante, tem uma visão
mais favorável acerca das possibilidades que os trabalhadores teriam para obter novos
espaços no novo quadro. Já a FS, ainda que assinale timidamente alguns problemas, parece
ver nele a possibilidade de espaços a serem construídos pelos trabalhadores na busca de
melhoria de vida e trabalho. Enquanto a CUT centra sua análise e proposições na lógica do
sistema, as outras se concentram na perspectiva individual. Assim, enquanto a CUT
combate a visão de uma adequação dos trabalhadores às novas exigências do mundo do
trabalho, buscando mesmo disputar as idéias-chave do processo, as outras duas,
principalmente a FS, indicam a necessidade de o trabalhador se potencializar no sentido de
ocupar seus espaços no novo modelo. Por essa razão, os documentos da CUT só tratam da
empregabilidade de forma crítica. Outra questão identificada nos documentos das Centrais
foi a incorporação dos estudos acadêmicos, embora que de fontes diferentes: a literatura
que subsidia a FS e CGC não é a mesma que subsidia a CUT, como identificado no tema
da empregabilidade (SOUZA, SANTANA e DELUIZ,1999 p. 157-160);
De outro, há aproximação conjuntural quando as Centrais exprimem consenso quanto ao
fato de estar em curso profundas transformações nos cenários internacional e nacional e
que essas transformações impactavam no processo de trabalho, na qualificação do
trabalhador e no mercado de trabalho. A participação em diversos fóruns institucionais
leva as Centrais a uma série de ações conjuntas que incluem seminários e encontros onde se
discutem temas relativos à educação e à formação profissional e capacitação de dirigentes,
51
como o Programa de Capacitação de Dirigentes e Assessores Fiscais (PCDA), entre outras.
Mas, embora haja um ponto de partida consensual entre as Centrais – a educação não ser
tarefa exclusiva do Estado – diferenciam-se justamente quanto às formas e propostas de
atuação na área (SOUZA, SANTANA e DELUIZ,1999 p. 160-161).
A CUT, por tomar como princípio a crítica ao neoliberalismo, refuta o ajuste da
educação aos interesses empresariais, prevalecendo o discernimento crítico sobre os vínculos da
educação com o mercado, manifesto pelo caráter ideológico que serve à noção corrente de
empregabilidade. Portanto, trata o desemprego como possível de ser combatido pela via de
seus aspectos estruturais e não por intermédio de propostas que reduzem o ensino profissional
ao adestramento de mão-de-obra, segundo requisitos específicos do mercado de trabalho.
Coerente com sua visão de uma educação voltada para a transformação da realidade, a CUT
defende que os trabalhadores devem ser preparados técnica e politicamente para a intervenção
nos rumos da reestruturação produtiva; lutar contra o desemprego e a favor da abertura de
novos postos de trabalho; afirmar o direito do jovem ao conhecimento, à profissionalização e
ao trabalho. Para questões imediatas do desemprego, defende ações no campo da
reprofissionalização e políticas públicas de geração de emprego e renda (SOUZA; SANTANA;
DELUZ, 1999).
Já a CGT afirma buscar através da empregabilidade o “desenvolvimento integral
do indivíduo”, tanto particular quanto coletivo, enquanto a FS chega a afirmar que a
precariedade das possibilidades de trabalho se deve ao não preparo do trabalhador, segundo os
novos requisitos postos pelo processo de reestruturação produtiva. Portanto, ambas não
colocam em questão os aspectos político-ideológicos da empregabilidade, tampouco as
determinações estruturais do desemprego atual. Ao contrário, assumem que, em função dos
seus projetos educacionais, compartilhados com diferentes segmentos da sociedade, e com a
comunhão de políticas públicas de geração de empregos, a empregabilidade do trabalhador
estaria assegurada (SOUZA; SANTANA; DELUIZ , 1999).
Quanto à relação entre educação geral e formação profissional, CUT e CGT
coincidem na defesa de um desenvolvimento integrado, criando espaços para a realização de
um uma nova educação profissional para o trabalhador; entretanto, divergem quanto às
justificativas e especificidade da integração em questão. Para a CUT, a integração deve
contribuir para a formação de um trabalhador tecnicamente competente e politicamente
comprometido com a luta pela transformação da sociedade, resultando, a um só tempo, em
uma educação profissional e política. Já a CGT localiza a necessidade de integração no âmbito
das novas exigências do mercado de trabalho, onde a educação média vem sendo considerada
52
patamar desejável de escolaridade. Para a FS não se trata de integrar e sim de estabelecer uma
relação de complementação entre ambas (SOUZA; SANTANA; DELUIZ, 1999).
O estudo ainda revela que as três Centrais defendem a universalização de uma
escola pública, gratuita e de qualidade, sendo que a CUT vai mais além, reivindicando
também uma escola laica e unitária, assumindo a proposta politécnica de educação no âmbito
da estrutura escolar. Essas Centrais defendem também políticas públicas para a educação, em
especial de cunho profissionalizante e maior participação na gestão dessas políticas. Diferem,
mais uma vez, quanto à natureza e os objetivos das transformações pretendidas, assim como o
papel que viriam a desempenhar. A CUT defende transformações político-estruturais como
fortalecimento da esfera pública, de maneira que permita o fortalecimento do controle social
dos fundos públicos, que promova o crescimento de vagas na rede pública e, em particular,
que corrobore para a democratização e revitalização das Escolas Técnicas e para a ampliação
das oportunidades de educação da mulher trabalhadora urbana e rural. A CGT defende
políticas educacionais tripartites, compartilhadas entre ela e os diferentes segmentos da
sociedade, em convênios com entidades públicas e privadas. Dispõe-se a elaborar diretrizes e
linhas de ação destinadas ao redirecionamento dos recursos do FAT e ao custeio, pelas
empresas, de uma educação contínua do trabalhador. A FS, crítica em relação à qualidade da
escola pública, estabelece como meta a elevação do nível médio de escolaridade e de
qualificação profissional dos trabalhadores, envolvendo o empresariado, o governo e a
sociedade civil organizada no sentido de garantir o ingresso, a permanência e a reintegração dos
trabalhadores no mercado de trabalho (SOUZA; SANTANA; DELUIZ , 1999 p. 164-165).
Com a liberação de recursos do FAT, via PLANFOR, a partir de 1996, novas
experiências de formação profissional foram desenvolvidas. O aspecto novo foi a possibilidade
de gerenciamento dos recursos públicos que se constituem como elemento deflagrador do
conjunto das ações de formação profissional desenvolvidas pelas Centrais Sindicais, assim
como a integração da formação profissional a outras ações como pesquisa, educação de jovens e
adultos, educação sindical, e formação de formadores.
Quanto à avaliação que as Centrais fazem do PLANFOR, há consenso no que diz
respeito a sua operacionalização, afirmando que as Instituições Executoras oferecem cursos
que, na sua maioria, têm carga horária pequena e estão desvinculados das tendências do
mercado de trabalho local. Assinalam ainda que a formatação dos cursos é rígida e as exigências
burocrático-administrativas são excessivas. Do ponto de vista metodológico, ressaltam que nem
sempre há articulação entre as habilidades (básicas, específicas e de gestão), o que acarreta a
fragmentação dos conteúdos. Apesar das críticas, são unânimes em apontar a validade do
53
PLANFOR no sentido de que ele possibilitou o acesso do movimento sindical à verba pública,
na consecução de programas de formação profissional. Como já explicitado anteriormente, a
participação dos trabalhadores só foi possível graças às características de gestão do PLANFOR
– tripartite e paritária. Fazem também autocrítica afirmando que, muitas vezes, o movimento
sindical perde o controle sobre a execução dos cursos e programas e a disputa pela verba passa a
ser mais importante do que a discussão dos pressupostos teórico-metodológicos dos projetos
(SOUZA; SANTANA; DELUIZ, 1999, p. 168).
A FS, por exemplo, afirma que o PLANFOR configura-se como um programa
emergencial no interior de uma política de emprego, e não como um plano de Formação
Profissional, portanto sem articulação com a educação geral, fato que, segundo esta Central,
deve-se à desarticulação dos próprios organismos públicos em nível nacional – MEC e MTE,
que não conseguem, a partir de uma ação conjunta, estruturar uma política integrada de
formação. “Enquanto o MEC e o MTE não sentarem para discutir isso, enquanto for feudo,
enquanto der cacife na OIT e na UNESCO, não tem diálogo” (FERREIRA, apud SOUZA
SANTANA; DELUIZ , 1999 p. 155-156).
A CUT, por sua vez, também aponta várias críticas: 1) ser muito pouco o volume
de recursos envolvidos para as demais executoras, inclusive as Centrais Sindicais, quando
comparado com o que recebe o Sistema “S”; 2) a desvinculação do PLANFOR do sistema
público de ensino profissional prejudica os trabalhadores que ficam à mercê de cursos de curta
duração e não focados na realidade do mercado de trabalho; 3) os cursos oferecidos pelo
PLANFOR têm se mostrado ineficazes para o enfrentamento do desemprego. A CUT vê a
possibilidade do movimento sindical redirecioná-los, recuperando inclusive a escolaridade do
trabalhador; 4) o alto grau de autonomia da SPPE/MTE no gerenciamento da verba pública,
já que os recursos são do FAT, e são administrados pelo Conselho Deliberativo do Fundo de
Amparo ao Trabalhador (CODEFAT), organismo paritário e tripartite. Apesar das críticas,
reconhece a relevância do Programa no momento atual de reestruturação produtiva,
desemprego e deterioração dos níveis de vida dos trabalhadores (SOUZA SANTANA;
DELUIZ, 1999 p. 132-134).
A CGT envolve-se com a Formação Profissional a partir de 1996, quando a
Secretaria de Formação Profissional do MTE passa a liberar recursos do FAT para
implementar o PLANFOR no contexto da reestruturação produtiva, das necessidades dos
trabalhadores organizados e das limitações do ensino técnico-profissional do país. Um
problema que a CGT enfrenta desde o início é a baixa escolaridade do trabalhador e por conta
54
disso descrê da eficácia do Programa pelo mesmo se pautar em cursos rápidos e de curta
duração (SOUZA SANTANA; DELUIZ, 1999).
A principal crítica da CGT ao PLANFOR diz respeito a seu público-alvo:
excluídos, desempregados, beneficiários do seguro-desemprego, mulheres chefes de família,
jovens em situação de risco e até a população favelada. A Central não acredita que o Programa
esteja conseguindo realmente qualificar este trabalhador e que o esteja inserindo no mercado
de trabalho. Acha que o movimento sindical tem a responsabilidade de avaliar sua atuação no
Programa, sob o risco de ser responsabilizado pelos resultados das suas ações e pelo uso dos
recursos do FAT, isto é, ser cobrado no futuro pela ineficácia na aplicação dos recursos do
próprio trabalhador (CERUTTI, 1998 apud SOUZA SANTANA; DELUIZ , 1999 p. 144145).
Como as demais Centrais, a CGT considera positivo o fato do movimento
sindical ter acesso às verbas do FAT e poder participar da Formação Profissional dando-lhe
consciência da questão da baixa escolaridade da força de trabalho e da dissociação da formação
profissional das mudanças que estão ocorrendo no mundo do trabalho (SOUZA SANTANA;
DELUIZ , 1999 p. 145).
55
3. POLÍTICAS PÚBLICAS DE EMPREGO E RENDA
3.1 - Nos Países Desenvolvidos
No período de ouro do capitalismo (1945/1973), quando houve forte expansão dos
chamados empregos regulares, caracterizados pela jornada plena e pela existência de proteção
social e sindical, resultando na homogeneização do mercado de trabalho e na ocorrência de
baixas taxas de desemprego aberto, os países desenvolvidos não sentiram os efeitos
desfavoráveis do livre funcionamento do mercado de trabalho sobre as classes trabalhadoras.
Isso significou que mesmo diante das fortes mudanças demográficas, intensos processos
migratórios e de profundas alterações nas taxas de participação da População Economicamente
Ativa (PEA) dos jovens e mulheres, esses países mantiveram uma economia de pleno emprego,
porque adotaram algumas medidas de caráter extra mercado tais como: contrato coletivo de
trabalho regulamentando a demissão de trabalhadores; atuação do Estado do Bem-Estar Social
com previdência e assistência social, seguro-desemprego, renda-mínima, idade mínima para
ingresso no mercado de trabalho, dentre outras e aplicação de uma política econômica
associada ao compromisso com a geração de empregos (DIEESE, 1994; DEDECCA, 1999).
Esse conjunto de políticas visava reduzir a oferta de mão-de-obra e de ampliar o
número de postos de trabalho. Assim, as políticas de emprego e garantia de renda, que segundo
o DIEESE (1994, p. 18), têm como objetivo básico a redução da pobreza, das desigualdades e
da exclusão social, tiveram importância decisiva para amenizar os efeitos perversos do livre
funcionamento do mercado de trabalho, pois faziam parte de um conjunto mais amplo das
políticas adotadas nas esferas social e econômica, modificando as relações entre o Estado, a
economia e os atores sociais.8 Com o término da Segunda Grande Guerra, países como
Inglaterra, Suécia e Suíça construíram coalizões políticas a favor de medidas distributivas,
permitindo a generalização das políticas de pleno emprego e de garantia de renda
(GOLDTHORPE, 1984 apud DIEESE, 1994, p. 10).
Evidentemente que as políticas de emprego e garantia de renda foram
implementadas conforme as especificidades nacionais, ao tipo de desemprego e ao nível de
pobreza da população de cada país. Quando se tratava de desemprego sazonal as políticas de
garantia de renda (seguro-desemprego e auxílio de remuneração) visavam impedir a queda no
padrão de vida do trabalhador que, momentânea e involuntariamente, encontrava-se
8
Kalechi e Keynes, segundo o DIEESE (1994); POCHMANN, (1999a, 1999b); DEDECCA, (1999), se
destacaram entre os economistas que defendiam a introdução de medidas voltadas para plena ocupação nas
economias de mercado.
56
desocupado. Em relação ao desemprego friccional, aquele em que o trabalhador não encontrava,
no curto prazo, emprego ou a empresa a mão-de-obra disponível, a instalação de agências
públicas de cadastramento, de treinamento, de intermediação do emprego e de benefícios
sociais visavam, freqüentemente, ajudar na solução desse problema. Quanto ao desemprego
cíclico, que ocorre nas fases de recessão devido à instabilidade da economia capitalista, as
políticas de estímulo ao emprego e de garantia de renda visavam compensar o aumento das
taxas de subutilização da força de trabalho, procurando evitar a queda no padrão de vida dos
desempregados. Já quando aumentava o número de desempregados e subempregados, mesmo
havendo crescimento da renda per capita, o chamado desemprego estrutural, os países
desenvolvidos aplicavam políticas de emprego e renda. Essas medidas evitavam que os
desempregados recorressem às ocupações irregulares, com baixa produtividade e baixa
remuneração (DIEESE, 1994; DEDECCA, 1999; POCHMANN, 1999a).
Ainda segundo esses autores, o registro de taxas de desemprego aberto9
relativamente baixas a partir da segunda metade dos anos de 1940 deveu-se, sobretudo, ao
conjunto de medidas voltadas ao enfrentamento dos diferentes tipos de desemprego,
introduzindo importantes modificações nas estruturas e formas de funcionamento dos
mercados de trabalho dos países desenvolvidos. Assim, a expansão do emprego regular e
regulamentado, isto é, socialmente protegido, aliado à estruturação do mercado de trabalho
contribuíram para que as ocupações marginais e de baixa produtividade fossem sensivelmente
restritas, permitindo que o capitalismo e suas políticas de trabalho estivessem voltadas,
principalmente, para:
limitar a oferta de mão-de-obra no mercado de trabalho, através da proibição do trabalho
infantil, do estabelecimento de jornada máxima de trabalho e idade de aposentadoria;
oferecer meios de subsistência externos ao mercado como a concessão do segurodesemprego e a definição de sistemas públicos de aposentadorias;
estimular a demanda por trabalho através de investimentos nos setores de alta elasticidade e
abertura de novas vagas propiciadas pelo Estado do bem-estar social.
Segundo Offe (1989), as políticas públicas de emprego, daquele momento
histórico do capitalismo nos países desenvolvidos, modificaram e regularam o mercado de
trabalho sem alterar as regras básicas de funcionamento do trabalho assalariado, conseguindo
manter taxas reduzidas de desemprego e possibilitando o fortalecimento dos sindicatos e dos
9
Segundo o DIEESE (1994), desemprego aberto diz respeito a pessoas que procuraram trabalho nos trinta dias
anteriores ao da entrevista e não exerceram nenhum trabalho nos sete últimos dias.
57
partidos políticos representativos de seus interesses e na seqüência, conseguiram também
influenciar no processo de repartição dos frutos do desenvolvimento econômico.
Mas, após 1973, as experiências do pleno emprego e da estruturação do mercado
de trabalho nos mais importantes países desenvolvidos sofreram uma ruptura. A crise
econômica internacional, aliada à onda de transformações tecnológicas, organizacionais,
produtivas (terceira revolução industrial), financeiras e sociais provocaram repercussões
imediatas tanto sobre o nível de emprego quanto ao funcionamento do mercado de trabalho.
Com a desestruturação do sistema financeiro internacional – fim do câmbio fixo e
da conversibilidade do dólar ao ouro – e da alteração brusca nos preços do petróleo, houve um
rompimento dos compromissos sociais sobre a manutenção do pleno emprego em vários países
desenvolvidos. A adoção de políticas recessivas provocando quedas no nível de emprego e do
salário trouxe reflexos imediatos sobre o mercado de trabalho, que se agravou com a
emergência das políticas neoliberais, enfraquecendo os laços de solidariedade estabelecidos no
final da Segunda Guerra, debilitando as forças sociais e políticas que representavam os
interesses dos trabalhadores (DIEESE, 1994).
Assim, após 1973, com a adoção de medidas conservadoras na condução das
políticas social e econômica, o compromisso com o pleno emprego tornou-se coisa do passado.
Nos Estados Unidos e Inglaterra onde os programas neoliberais foram aplicados com maior
intensidade, a degradação nas condições de vida dos desempregados foi muito significativa,
devido ao corte nos planos sociais e ao estímulo à flexibilização do mercado de trabalho. Já na
Suécia e na Alemanha, onde foram mantidos programas de atenção às medidas de proteção e à
garantia de renda aos desempregados, a queda no padrão de vida dos trabalhadores foi
atenuada (POCHMANN, 1995).
Os dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
(OCDE 1992) sobre o perfil dos desempregados em seis países desenvolvidos (Alemanha,
Estados Unidos, França, Inglaterra, Itália e Japão) indicam que os trabalhadores mais idosos,
os jovens e as mulheres foram os mais atingidos pelo movimento de desestruturação do
mercado de trabalho no início da década de 90 do século XX (POCHMANN, 2001).
O desemprego de longa duração nos países capitalistas centrais passou, então, a
chamar a atenção das autoridades governamentais, uma vez que começaram a proliferar formas
de subemprego e de ocupações por tempo parcial, sem registro e por tempo determinado.
Nesse contexto, foi necessário adotar novas medidas para os novos tipos de desemprego:
58
recorrente, 10 de reestruturação11 e de exclusão, 12 já que as políticas anteriormente adotadas
mostraram-se insuficientes para reduzir as taxas de desemprego aberto, por exemplo, no
período entre 1984 e 1989, quando as economias industrializadas registraram forte
crescimento econômico (DIEESE, 1994).
Podem-se distinguir duas linhas básicas de atuação das políticas de emprego e
garantia de renda nos países desenvolvidos (DIEESE, 1994; DEDECCA, 1999;
POCHMANN, 2001):
1. políticas ativas de emprego – ações que buscam atuar no sentido de manutenção dos
empregos existentes e da ampliação da oferta de novos postos de trabalho. São ações
extramercado que têm como pressuposto a expansão das atividades econômicas, sem deixar
de estimular o aumento da produtividade do trabalho. Podem-se destacar as seguintes
ações:
estímulo ao crescimento de diferentes setores da economia (agronomia, indústria e
serviços), utilizando os seguintes mecanismos: redução das taxas de juros, elevação do
crédito, redução da carga tributária e elevação do déficit público;
estímulo ao emprego nos setores que mais utilizam força de trabalho e nos segmentos
que promovem o auto-emprego (serviços autônomos e por conta própria), utilizando
verba do orçamento público;
subvenção aos novos empregos reduzindo tanto o custo do trabalho (supressão dos
direitos sociais, criação de estágios e utilidade coletiva etc) quanto o custo de produção
(tarifas públicas subsidiadas, por exemplo).
implementação de programas sociais tipo treinamento e requalificação da força de
trabalho e ocupação do tempo livre dos desempregados em atividades sociais e culturais;
redução da jornada semanal de trabalho;
complementação dos salários, através de fundos públicos criados especialmente com esse
objetivo, dos idosos (pré-aposentadoria) e dos trabalhadores atingidos pela reestruturação
produtiva.
2. políticas passivas de emprego – ações que objetivam conter o desemprego sem necessariamente
aumentar o emprego, atuando preferencialmente sobre as formas de subutilização da força
10
Desemprego decorrente diz respeito ao segmento da população mais vulnerável como o jovem, trabalhador
menos qualificado e o empregado próximo da idade de aposentadoria, que retornam com mais freqüência à
situação de desempregado.
11
Desemprego de reestruturação atinge principalmente o segmento da força de trabalho que anteriormente era
titular dos empregos estáveis, que tornam-se desnecessários frente às necessidades da nova organização do
sistema produtivo.
12
Desemprego de exclusão atinge os trabalhadores sem emprego por longo tempo dificultando o reingresso nos
empregos regulares por conta da crise econômica e da elevada seletividade nas novas ocupações.
59
de trabalho, melhorando os empregos existentes e garantindo renda para os que
permanecem desempregados involuntariamente. Podem-se citar as seguintes políticas:
maior controle social sobre as demissões dos trabalhadores através de dois mecanismos:
a) medidas impeditivas de rompimento do contrato de trabalho; b) participação dos
sindicatos nos conselhos de créditos e de ajuda às empresas;
manter as agências públicas de emprego e de intermediação de mão-de-obra atualizadas
quanto: a) as informações sobre a situação do mercado de trabalho; b) as exigências dos
novos postos de trabalho; c) as necessidades de treinamento e qualificação da mão-deobra;
ampliação da idade mínima para o jovem ingressar no mercado de trabalho,
aumentando a escolaridade e os estágios remunerados, assim como reduzindo a idade de
aposentaria como mecanismos de pré-aposentadoria;
restrições à mobilidade da mão-de-obra, principalmente dos imigrantes.
Além das políticas de emprego ativas e passivas foram utilizadas medidas
compensatórias, basicamente por transferências sociais, no sentido de garantir o padrão de vida
do desempregado, evitando dois problemas: aumentar a desigualdade social e promover a
queda no nível de consumo (DIEESE, 1994; DEDECCA, 1999).
Comparando-se os gastos públicos, na França, nas décadas de 70 e 90 do século
passado, pode-se perceber como o fenômeno do desemprego passou a ser visto por aquele país.
Até início dos anos 70, por exemplo, eram gastos 63,3% em políticas ativas de emprego
(manutenção e promoção do emprego, estímulo às atividades e formação profissional) e nos
anos 90 foram gastos 41,5% nas políticas passivas (indenização ao desempregado e estímulo a
aposentadoria) que consomem a maior parte dos recursos, cerca de 56,6% (DIEESE, 1994).
Azeredo (1998) diz que a aceleração da globalização financeira, a partir de meados
da década de 1980, e a mudança no paradigma tecnológico fazem-se acompanhar de um
aumento, em escala planetária, da concentração de renda e da riqueza e de sua contraface à
exclusão social, colocando no centro da preocupação dos governos a questão do emprego e do
desemprego. O ônus desse ajuste, do ponto de vista global, recai pesadamente sobre os países
periféricos endividados e do antigo mundo socialista. Do ponto de vista social, sobre os setores
públicos e os trabalhadores de cada país.
Assim, os problemas de natureza fiscal e financeira com que se defrontam os
setores públicos dos diversos países, bem como o discurso neoliberal identificam nos sistemas
de proteção social seus alvos preferidos no intuito de reduzir despesas e restabelecer o
equilíbrio das contas públicas. Essas políticas, denominadas de políticas sociais de última
60
geração, 13 aparecem enfocando dois lados: 1) um perverso, com absoluto conformismo com o
pensamento neoliberal e uma total leniência com a “inevitabilidade” e a “irreversibilidade” da
submissão da vida social às leis do mercado, imperando a redução de gastos e sua focalização
nos grupos pobres e vulneráveis, abandonando o caráter universal dos programas sociais até
então vigentes; 2) outro, que investe em novas formas de encaminhamento da questão social,
procurando não só preservar o caráter universal e solidário dos programas tradicionais, mas
acrescentando novos elementos tais como: descentralização na prestação de serviços, ampliação
na participação da sociedade e novas formas de articulação entre os setores público e privado.
Portanto, nas duas últimas décadas do século XX, as políticas públicas de emprego
e renda sofrem alterações nos seus objetivos e conteúdos. Pochmann explica: (1998c, p. 123):
De políticas de emprego transformaram-se em políticas para o mercado de
trabalho, com ações descentralizadas e recursos cada vez mais focalizados,
para parcelas cada vez mais específicas da população desempregada ou
pertencente ao chamado setor informal, no caso dos países subdesenvolvidos.
Anteriormente, os programas públicos de geração de emprego e renda eram
concebidos de maneira sistêmica, com o conjunto da política
macroeconômica comprometida com o pleno emprego. Agora, contudo, o
abandono do compromisso das políticas macroeconômicas com a
manutenção do pleno emprego, salvo algumas exceções nacionais, tem
reduzido as políticas de emprego a ações sobre funcionamento do mercado
de trabalho.
Assim, o predomínio das políticas neoliberais de combate à inflação a qualquer
custo e a presença de uma ordem econômica que promove mais a valorização financeira do que
produtiva do capital, retira das políticas de emprego o objetivo e o conteúdo sistêmico da plena
incorporação social. As políticas públicas de emprego, segundo a tradição social-democrata e
keynesiana, estão articuladas às políticas macroeconômicas comprometidas com o maior
estímulo possível das forças produtivas. Ao contrário, as políticas neoliberais ou políticas de
inserção são quase exclusivas para o mercado de trabalho, isto é, têm atuação focalizada (e
provisória) para segmentos específicos da oferta ou da demanda de mão-de-obra, destituídas do
uso mais geral dos instrumentos macroeconômicos (POCHMANN, 1998a, 1998b e 1998c).
Essas políticas passam a cumprir um outro papel, isto é, contrapor-se à crise do
mercado de trabalho, compondo em vários países experiências das mais diversas, dadas as
características locais de cada sociedade, do próprio mercado de trabalho e do impacto
verificado nas estruturas produtivas. Como já foi dito, muita dessas políticas são totalmente
conformistas em relação ao discurso neoliberal, dando por inevitável a supremacia da ordem
econômica sobre a social, cabendo, portanto, compensar os excluídos do novo modelo,
13
Segundo Azeredo, essa expressão é encontrada em autores das mais variadas procedências teóricas e corresponde
as mais diversas experiências que vêm sendo tentadas nos últimos anos.
61
enquanto que para os demais cidadãos as regras do mercado são suficientes. Há, portanto, uma
ruptura nesse tipo de ação em relação ao modelo do welfare state, no qual os direitos sociais são
considerados universais (GUIMARÃES, 1998).
Draibe (1996, apud AZEREDO, 1998) aponta três planos onde ocorrem essas
rupturas: 1) no plano dos gastos, com a queda sistemática do percentual de investimento
público destinado aos programas sociais; 2) no plano dos valores, com a substituição da ética
da solidariedade pela ética da eficiência e o abandono concreto da política social em que se
funda o welfare state com a supressão dos seguintes programas: redistributivos de renda,
proteção efetiva aos grupos pobres, desassistidos e marginalizados, correções de desequilíbrios
regionais etc; 3) e no plano que a autora considera o fundamental que é a força de
desestruturação dos Estados de bem-estar social que tem ocorrido através das mudanças do
mundo do trabalho, isto é, a desorganização do processo de trabalho, com a reestruturação
produtiva ainda em curso. Portanto, é o sistema de proteção social, mais que seus programas
específicos, que se vê abalado pela nova economia do trabalho e suas manifestações:
desemprego estrutural, subemprego, emprego precário e de baixa qualidade, informalização das
relações de trabalho, dentre outras.
A adoção dos processos de automação flexível, a introdução de inovações nos
padrões de gestão e de organização empresarial, a busca de novas formas de concorrência e de
estratégias de competitividade, a forma de uma brutal economia do trabalho, têm trazido
seqüelas conhecidas: substituição de empregos qualificados na indústria por empregos pouco
exigentes em qualificação, e por isso pior remunerados; trabalho por tempo parcial e
temporário; precarização dos empregos de forma geral; aumento da informalização no mercado
de trabalho; subemprego e desemprego estrutural (AZEREDO, 1998).
Resumindo, com o aprofundamento da crise, principalmente a partir do segundo
choque do petróleo em 1979, muitas das condições que sustentavam a expansão dos sistemas
de seguridade social no mundo capitalista deixaram de existir. Mas, ao mesmo tempo, dada a
evolução dos sistemas de seguridade social e a consagração de direitos a eles associados –
comprometimento da receita pública com a produção de serviços: benefícios previdenciários,
seguro-desemprego e saúde pública – houve aumento de gastos públicos decorrentes das
demandas crescentes por aqueles serviços. Assim, com as pressões resultantes dos desequilíbrios
macroeconômico, o Estado de bem-estar passou a ser visto como um problema (AZEREDO,
1998).
Esping-Andersen (1995, apud AZEREDO, 1998) identifica três grandes grupos
de países que adotaram estratégias diferentes, no âmbito das políticas sociais do welfare state,
62
em relação às transformações econômicas e sociais ocorridas a partir da década de 70 do século
XX. No primeiro deles estão os países escandinavos que adotam a linha de expansão de
empregos no setor público, particularmente direcionado aos serviços sociais, como estratégia de
manutenção da política de pleno emprego. Além disso, os países escandinavos assumem outras
políticas ativas voltadas para o mercado de trabalho tais como: treinamento, subsídios para
contratação no setor privado e auxílio para os que se estabelecem por conta própria. Há
também um deslocamento mais geral de prioridades em favor de jovens e adultos, grupos que,
sob as condições tradicionais de pleno emprego, eram tidos como aqueles que requerem
intervenções apenas marginais do welfare state.
Ainda segundo o mesmo autor, as elevadas taxas de desemprego na Suécia, por
exemplo, estão desgastando a credibilidade básica do antes celebrado modelo social-democrata
e seu estilo militante de investimento social, devido ao conflito entre o princípio igualitário e
universalista e a crescente heterogeneidade da estrutura ocupacional do país.
O segundo grupo de países (Estados Unidos, Inglaterra e Nova Zelândia) é o que
adota, nos anos de 1980, a chamada “rota neoliberal”, com uma estratégia deliberada de
desregulamentação orientada para o mercado de trabalho com uma certa erosão do welfare
state. A estratégia básica adotada para o enfrentamento do baixo dinamismo da economia, em
particular o mercado de trabalho, é a chamada flexibilização deste mercado e flexibilização dos
salários, a partir da redução dos encargos sociais e dos impostos e da depreciação do salário
mínimo legal ou de fato. Quanto aos sistemas de proteção social, a estratégia neoliberal é na
direção da focalização da clientela e uma “incapacidade de aprimorar os benefícios e a
cobertura conforme as mudanças econômicas”. Os dados indicam que houve uma queda
significativa do salário mínimo e no valor dos benefícios de assistência social, bem como a
redução do contingente de desempregados recebendo benefícios. Há também redução da
proteção complementar oferecida pelas empresas, em função dos cortes nos encargos
trabalhistas e na cobertura precária oferecida nos empregos de baixa qualidade. A Nova
Zelândia constitui-se em exceção com total desmantelamento dos programas sociais (ESPINGANDERSEN, 1995, apud AZEREDO, 1998).
Considerando-se as diferenças em termos de sistemas de proteção social desses
países e das condições de seus mercados de trabalho, o resultado comum a todos que adotaram
a estratégia neoliberal foi de aprofundamento das desigualdades e crescimento da pobreza.
O terceiro grupo de países, ainda na tipologia de Esping-Andersen (1995 apud
AZEREDO, 1998), é o da Comunidade Européia, exemplo típico, segundo este autor, dos
“incluídos” e “excluídos”, isto é, onde o mercado de trabalho é caracterizado pela rigidez das
63
relações trabalhistas, com elevados custos de contratação da mão-de-obra, associados a amplos
benefícios e altos salários. Ao lado da população masculina protegida, cresce o número de
desempregados, particularmente entre jovens, mulheres e homens mais velhos. Os sistemas de
proteção social são caracterizados pela ênfase na previdência social, em especial nas
aposentadorias, cujos critérios de concessão estão diretamente atrelados ao emprego e às
contribuições individuais. O resultado das políticas adotadas nesses países é o aprofundamento
da distância entre os “incluídos” no mercado de trabalho, com empregos socialmente
protegidos (direitos sociais garantidos) e os “excluídos”, que constituem um número crescente
de trabalhadores com relações precárias de emprego.
A partir da literatura analisada, pode-se concluir que a experiência dos países
desenvolvidos, a partir do final da década de 1970, mostra como o Estado tem desempenhado
um papel estratégico na busca de mecanismos compensatórios e, principalmente, na
construção de instrumentos para equacionamento do problema do desemprego. Guardadas as
diferenças de estratégias políticas adotadas nos diversos países e os discursos liberalizantes em
defesa da redução do papel do Estado, o resultado hoje, é que esses países apresentam gastos
públicos significativos com o que se convencionou chamar de políticas públicas de emprego.
Mas é importante ressaltar que não se pode esperar uma reversão do quadro do mercado de
trabalho sem uma retomada do desenvolvimento econômico em padrões que permitam a
inclusão social e a ampliação da demanda por mão-de-obra. Portanto, o requisito básico e
indispensável para a busca de uma solução definitiva para o agudo problema do desemprego
consiste no redirecionamento das políticas macroeconômicas que, hoje, são semelhantes (com
pequenas variações) em quase todos os países.
3.2 - A Experiência Brasileira
A análise da questão do desemprego no Brasil é bastante complexa por diversas
razões. A primeira delas é histórico-estrutural e diz respeito à dualidade e heterogeneidade do
mercado de trabalho, existentes mesmo antes de eclodir a crise econômica mundial no final da
década de 1970. Portanto, os problemas da modernidade, decorrentes do novo paradigma
tecnológico, da abertura dos mercados e da globalização financeira se superpõem aos
problemas do atraso brasileiro: alto grau de informalização e de precariedade das relações de
trabalho, desigualdade social, deficiências no sistema de proteção social e o baixíssimo nível de
escolaridade da força de trabalho (AZEREDO, 1998; POCHMANN, 2001).
64
Um segundo ponto a ser destacado é que o Brasil conta com um sistema
educacional com profundas deficiências e sempre foi desarticulado do sistema produtivo, a não
ser na medida em que este apresenta reduzidos requerimentos educacionais de mão-de-obra.
Essas duas questões – dualidade e heterogeneidade do mercado de trabalho e precariedade do
sistema educacional ajudam a compreender porque o Brasil nunca teve, no passado, políticas
públicas de emprego.
A experiência brasileira no campo das políticas públicas de emprego (PPEs) é
bastante recente. O seguro-desemprego, por exemplo, que representa um dos eixos básicos dos
sistemas de proteção social, consolidados nos países desenvolvidos após a Segunda Guerra
Mundial, só foi instituído no Brasil na segunda metade da década de 80, do século passado, e
organizado na forma abrangente como se conhece hoje. Os serviços de intermediação de mãode-obra, apesar da criação do Sistema Nacional de Emprego (SINE) na década de 1970,
permanecem até hoje bastante precários, mesmo quando se levam em conta as tentativas de
mudanças lideradas pelo Ministério do Trabalho, a partir de 1993 (AZEREDO, 1998).
O problema do emprego, quando tratado pelas autoridades brasileiras, é visto, de
um lado, sempre como insuficiência de postos de trabalho. As ocupações com baixos níveis de
rendimento, praticamente, não são alvos de medidas direcionadas ao combate do desemprego e
à subutilização da força de trabalho. Por outro lado, há uma escassez de medidas voltadas ao
enfrentamento das seguintes questões: pressões originárias dos fluxos migratórios (campocidade e inter-regionais); alto índice do crescimento demográfico e elevado ingresso da mãode-obra feminina e jovem no mercado de trabalho. Possivelmente, estas são algumas das razões
porque a População Economicamente Ativa (PEA) teve que buscar nas atividades precárias
alternativas de sobrevivência, já que não encontram empregos regulares (DIEESE, 1994;
DEDECCA, 1999; POCHMANN, 2001 e 2002).
Mas não basta garantir crescimento econômico do país para se resolver a questão
do emprego/desemprego. É fundamental que os governantes brasileiros entendam que a
solução dessa questão depende do tipo de desenvolvimento que se quer. Duas questões devem
nortear esse desenvolvimento para que se vislumbre uma solução ao desemprego: a divisão da
propriedade da terra e a forma de acesso ao estatuto do trabalho (sindicato, educação, saúde
pública, previdência social entre outras), pois o Brasil se industrializa com a ausência quase que
completa de políticas específicas de emprego e renda. Quando há, são esparsas, insignificantes
e com grau de eficácia limitado, conforme apontam os documentos dos diferentes governos
(DIEESE, 1994; POCHMANN, 2001).
65
Em 1945, com a criação do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca
(DNOCS), o problema do emprego é tratado de forma ocasional, assim como, quando da
criação do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) em 1952. Em 1959, com a implantação da
Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), o desemprego localizado é
tratado de forma mais ampla, a partir da regionalização dos planos de desenvolvimento
(DIEESE, 1994).
No governo JK (1956/60) identifica-se apenas a qualificação da mão-de-obra
como uma das medidas de planejamento da economia. Ainda no mesmo governo, no Plano
Trienal (1963/65), há referência ao problema da ocupação no Nordeste, enquanto definição
do Estatuto do Trabalhador Rural de 1963, com o compromisso governamental de garantir
renda aos aposentados do campo. No Plano de Ação Econômica do regime militar (1964/67),
a responsabilidade pela expansão do nível de ocupação fica com a iniciativa privada. Para os
demitidos, o governo anuncia que o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), criado
em 1966, serviria como programa nacional de seguro-desemprego. Nos períodos seguintes
(1968/73 e 1970/73) a responsabilidade pela geração de empregos esteve a cargo do Estado,
através de repasse de recursos públicos a setores intensivos de mão-de-obra: construção civil e
serviços. Há ainda uma contenção dos movimentos migratórios através dos programas oficiais
de estímulo às fronteiras agrícolas, principalmente na Região Amazônica (DIEESE, 1994).
Durante o regime militar ainda há ações de caráter pontual como a multiplicação
dos projetos de colonização e de interiorização dos pólos industriais, objetivando amenizar o
problema fundiário no país e, ao mesmo tempo, reorientar o fluxo migratório decorrente do
êxodo rural para as novas regiões (DIEESE, 1994; POCHMANN, 2001).
A criação do Sistema Nacional de Emprego (SINE), assim como do Programa
Intensivo de Preparação de Mão-de-Obra (Pipmo) e do Serviço Nacional de Formação
Profissional Rural (SENAR), articulado ao SENAI e SENAC, durante o II PND (1974/79),
com o objetivo de treinar e qualificar trabalhadores indica alguma preocupação do governo
frente às dificuldades da força de trabalho. Com essas políticas, o Ministério do Trabalho passa
a ser incluído nas ações mais gerais do Estado, consolidando o mercado de trabalho nacional
assalariado, enquanto o Ministério da Previdência e Assistência Social, criado em 1974, passa a
agir garantindo renda específica ao segmento de trabalhadores regulamentados (AZEREDO,
1998).
Na segunda metade dos anos de 1970, assim como nos anos de 1980, as frentes de
trabalho na Região Nordeste são implementadas para dar conta do desemprego generalizado
pela seca, mas, apesar da descentralização regional, mantinham o viés de garantia de renda
66
ocasional. Também uma outra questão permanece, mesmo com o processo de democratização
do país, o caráter clientelista das frentes de trabalho, realizado pelas oligarquias regionais. É
importante ressaltar que, com a criação da SUDENE, há uma ênfase em experiências
inovadoras, tipo o Programa de Apoio ao Pequeno Produtor, que privilegiam a assistência
técnica, a infra-estrutura hídrica, o saneamento e o apoio às pequenas comunidades (DIEESE,
1994; DEDECCA, 1999).
No início dos anos de 1980, as autoridades governamentais federais também
demonstram insensibilidade em relação ao desemprego, extremamente agravado pelo programa
recessivo de combate à inflação. Como demonstra o DIEESE (1994, p. 20-21):
Na época (1981/83), a equipe do Ministério do Trabalho avaliava, por
exemplo, que a intervenção do Estado poderia implicar em maior
desequilíbrio do mercado de trabalho, piorando ainda mais a situação
existente. Além disso, predominou, naquela oportunidade, a premissa de que
as raízes do problema do emprego eram de natureza conjuntural. Medidas
direcionadas ao atendimento assistencial e emergencial dos desempregados
ocorreram apenas em alguns estados onde houve vitória da oposição ao
regime militar (São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo). Com a retomada
do regime democrático em 1985, acenou-se com a possibilidade da inclusão
do tema do desemprego na agenda governamental.
No início da década de 1990, precisamente durante o governo Collor (1990/92),
o país entra definitivamente na “onda neoliberal” já presente nos países desenvolvidos desde o
final da década de 1970. É o momento em que o governo brasileiro passa a adotar as políticas
de cunho neoliberal aplicando uma abrupta e desorganizada abertura comercial, financeira,
produtiva e tecnológica. Assim, a ausência de crescimento econômico sustentado, a menor
participação no comércio mundial, a expansão do desemprego aberto, a redução do emprego
formal e da proliferação da ocupação informal e precária são conseqüências diretas do caminho
escolhido pelos governos brasileiros durante a década de 1990. Os efeitos dos direitos sociais
(seguro-desemprego, atendimento universal à saúde, extensão dos direitos sociais aos
empregados domésticos) adquiridos pela Constituição de 1988, pouco contribuem para
amenizar os efeitos negativos do desemprego aberto crescente (POCHMANN, 2001).
A experiência brasileira no desenvolvimento das políticas públicas de emprego
como o seguro-desemprego (a mais antiga), a intermediação de mão-de-obra, a qualificação
profissional e os chamados programas de geração de emprego e renda apresentam algumas
iniciativas novas tanto pelas características dos programas como pelo volume de recursos
envolvidos. E a partir de meados de 1996 que o governo implementa um programa nacional
de formação profissional o PLANFOR, coordenado pelo MTE e executado de forma
67
descentralizada pelos estados, fato inédito no Brasil, marcado pela desarticulação entre as
instituições públicas e privadas envolvidas com essa questão. (AZEREDO, 1998).
As políticas de emprego e renda do governo Cardoso são implementadas numa
conjuntura social extremamente grave, assim para Carvalho (2001a, p. 136):
[...] Barros, Henriques e Mendonça (1999) calculam que 50 milhões de
pessoas estariam abaixo da linha da pobreza e 21 milhões em condições de
indigência em 1998 [...] Estudo recentemente divulgado pelo Centro de
Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas estima que haveria, atualmente,
50 milhões de indigentes, representando 29,3% da população total.
Contestando a metodologia e os resultados desse estudo, a Secretaria de
Assistência Social do Governo Federal considera que os pobres somariam 53
milhões e aqueles em condições de indigência 23 milhões de brasileiros
(Folha de São Paulo, 11 de julho de 2001). Sem entrar nessa polêmica, o que
é indiscutível é o reconhecimento da extrema gravidade da situação social do
Brasil, da qual os números mencionados ilustram a principal dimensão.
Um exame do cronograma dos programas e políticas sociais no Brasil, no período
1994/2002, indica um avanço em termos formais quanto ao seu número e seu leque de
atuação, o que faz com que o governo brasileiro venha, por exemplo, cumprindo os
compromissos assumidos junto à agenda da ONU. Contudo, a ausência de inovação e a
timidez no modo de enfrentar a questão social continuam sendo determinadas pela política
econômica do governo FHC, onde prevalecem as políticas neoliberais como formas de gerir a
questão da pobreza e das desigualdades sociais. Tanto isso é verdade, que no último Relatório
a
a
de Desenvolvimento Humano do PNUD, o Brasil é rebaixado da posição 68 para a 79 ,
provocando um amplo debate sobre mudanças no cálculo do IDH (COHN, 1999).
O governo Cardoso opta pela política de ajuste e de estabilização da economia o
que representa a impossibilidade objetiva de se promover políticas sociais com impacto efetivo
sobre o desenvolvimento social do país, significando dizer que as políticas públicas
implementadas são de inserção, com público-alvo e duração definidos. Assim, a política
econômica desse governo rebate sobre a questão social de modo dramático, haja vista o
aumento da taxa de desemprego em todo o país. Esse modelo não só gera desemprego como
reduz o impacto dos programas de criação de oportunidades de emprego e renda do tipo:
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), Programa de
Geração de Emprego e Renda (PROGER) e o Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador
(PLANFOR).
Além disso, esse modelo econômico, que na década de 1990 adquire suas
características mais perversas, vem promovendo a desarticulação de importantes ramos
industriais, associada a mudanças na organização do trabalho e no processo produtivo por
parte das empresas privadas, visando a diminuição do “custo Brasil”. Concretamente, isso é
68
traduzido pela flexibilização das relações de trabalho e deterioração dos postos de trabalho.
Assiste-se, portanto, à crise mais aguda do mundo do trabalho, marcada pelo aumento do
desemprego e da desregulamentação das relações de trabalho. As políticas econômicas,
fundamentadas nas doutrinas monetaristas de corte neoliberal, buscam desvencilhar o Estado
dos compromissos sociais que asseguravam a coesão social, papel que lhe cabia no modo de
regulação fordista (DEDECCA, 1999; DRUCK, 2001; BORGES, 2003).
O aumento do desemprego, a disseminação e a banalização do trabalho
precarizado, na sua forma temporária, parcial, terceirizada e desregulamentada, evidenciam a
revalorização pelo capital de estratégias de extração de mais-valia absoluta, arrefecidas pelas
conquistas trabalhistas e pelo desenvolvimento das forças produtivas. As formas de subsunção
formal do trabalho voltam a ser bastante apropriadas ao processo de acumulação atual.
Nessa conjuntura, a formação profissional do trabalhador tem se apresentado
como um dos elementos estratégicos da reconversão do processo produtivo, pois incide sobre
um fator, a força de trabalho, fundamental à dinâmica competitiva. Até mesmo os países
desenvolvidos estão sendo desafiados a repensar suas políticas de formação profissional, no
sentido de readequar seus sistemas educativos às configurações do atual mercado de trabalho.
Os organismos multilaterais, sobretudo o Banco Mundial, vêm dando ênfase à
necessidade de se eleger a educação básica e a formação de novas competências, em adequação
ao novo paradigma de produção, tendo em vista a melhoria dos padrões de produtividade e
competitividade dos países, especialmente os que não superaram os desafios educacionais
postos pela modernidade, como o Brasil, que possui cerca de 16 milhões de analfabetos e 35
milhões de analfabetos funcionais.
14
Dada a instabilidade que vem passando o mercado de trabalho brasileiro, políticas
públicas se tornam fundamentais. Porém, é necessário destacar que a revisão do atual modelo
econômico se coloca como condição indispensável para que as questões do desemprego possam
ser efetivamente enfrentadas e superadas. Caso isso ocorra, as ações devem se pautar na
formulação e implementação de políticas de emprego que visem, a um só tempo, estimular
aqueles setores mais absorvedores de força de trabalho e possibilitar aos trabalhadores o acesso
e a manutenção de empregos, portanto, devem ser políticas públicas de integração
(POCHMANN, 1999b).
14
É considerado analfabeto funcional a pessoa que, apesar de conhecer as letras e saber escrever o próprio nome, é
incapaz de redigir um bilhete simples ou compreender um texto.
69
No Brasil, segundo Pochmann (1998c, p. 109), é comum o uso da expressão
políticas de geração de emprego e renda, porém essa não tem sido a abordagem conceitual
difundida pela literatura que trata especificamente do tema, que afirma o seguinte:
Pela abordagem neoclássica, ressalta-se o conjunto de intervenções
necessárias no mercado e nas relações de trabalho que podem gerar emprego
e renda adicionais. Quanto mais livre o funcionamento do mercado de
trabalho e mais focalizadas as intervenções sobre grupos específicos de mãode-obra, melhores os resultados. Para a abordagem keynesiana, a
responsabilidade pela geração de emprego e renda adicionais não diz respeito
diretamente ao mercado de trabalho, mas à condução de emprego das
políticas macroeconômicas e ao comportamento do nível geral de atividade.
Como é o investimento que possui papel principal na ampliação do nível
ocupacional, as políticas de emprego funcionam de forma sistêmica dentro
do compromisso do pleno emprego e de incorporação social.
As políticas sociais do governo Cardoso (BRASIL...., 1996, 1997b) são pautadas
em programas massivos de qualificação de mão-de-obra e de crédito e geração de renda
destinada a grupos de trabalhadores pobres, portanto, políticas de inserção, focalizadas e
dirigidas a uma determinada clientela. Ou, como diz Pochmann (1998c), políticas de
abordagem neoclássicas, para o mercado de trabalho e não para o emprego. Essas políticas
assentam-se em duas frentes: uma programática e a outra normativa. Na programática compete
ao Estado executar políticas de fomento ao emprego e à educação, qualificação e requalificação
profissional, bem como desenvolver programas de proteção ao trabalhador. A normativa diz
respeito à modernização das instituições que regem as relações entre capital e trabalho no país.
Essas políticas de emprego desdobram-se em políticas ativas e passivas. As políticas ativas –
constantes dos documentos oficiais – (macroeconômica, valorização da força de trabalho
através dos investimentos em educação fundamental e de qualificação e requalificação
profissional e a modernização da legislação trabalhista e microcrédito) destinam-se, segundo o
governo, à promoção do emprego, ao aumento da chamada “empregabilidade” da força de
trabalho, e à reforma do marco legal, visando facilitar e estimular a criação de empregos.
As políticas ativas de maior relevância, no Brasil, na década de 1990, são:
programas de microcrédito e qualificação profissional. Como o Plano Nacional de
Qualificação Profissional – PLANFOR – é objeto de estudo desta tese, foi reservado um item
específico para discuti-lo.
Vários estudos apontam para a existência de algumas redes de instituições voltadas
para a implementação de programas de geração de emprego e renda. As mais antigas
estruturam-se em torno do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e compõe-se
quase que exclusivamente de ONGs. Podem-se destacar as seguintes: Banco da Mulher na
Bahia, Viva Créd (criado pela Viva Rio), Centros de Apoio aos Pequenos Empreendedores
70
(Rede Ceape). Outras recebem apoio de entidades alemãs e são: Portosol (GTZ) e de novo a
rede Ceape (GTZ e Friegrich Naumann). Em nível de governo federal, destacam-se o
Programa de Geração de Emprego e Renda (PROGER), PROGER Rural, Programa de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), Programa Especial de Crédito para a
Reforma Agrária (PROCERA) e o Programa de Crédito Popular, promovido pelo BNDES
(AZEREDO, 1998).
Os estudiosos apontam alguns problemas nesses programas: mercado, organização
jurídica, gerenciamento, investimento, marketing, assim como o do relacionamento entre os
interesses públicos e privados, identificados como parte do vasto sistema de mediações. No
âmbito das ONGs, são apontados problemas com relação às cooperativas e outros tipos de
grupos de produtores associados em face do mercado e das lógicas capitalistas. Além disso, são
identificadas contradições nas relações entre os métodos de formação de empresas e
empresários, de corte liberal, em face dos questionamentos dos movimentos sociais que detêm
lógicas organizativas de caráter solidário e coletivista (AZEREDO, 1998).
Resumindo, os programas de geração de emprego e renda via crédito, enfrentam
três tipos de problemas: 1) inexistência de abrangência, faltando-lhes alcance para dar conta do
desemprego, do subemprego e do emprego desqualificado. Para atingir um objetivo global
relevante, o volume de recursos e a estrutura institucional teriam que ser muito maior do que
dispõem; 2) completa desarticulação entre os programas, mesmo em uma mesma região ou
entre programas da mesma rede; 3) necessidade de definição de prioridades por parte do
Estado para que possa haver articulação entre as políticas públicas e a política econômica stricto
sensu. Sem isso, todo o esforço de reforçar o tecido social será inútil (AZEREDO, 1998).
As políticas passivas visam a proteção do trabalhador desempregado e atualmente
são: seguro-desemprego (a mais antiga) e trata-se de um benefício já consolidado, oferecendo
proteção ampla à grande maioria dos trabalhadores do mercado formal (que representa hoje
cerca da metade dos trabalhadores ocupados no país), ou seja, aqueles que recebem salários
mais baixos. Sua cobertura alcançava, em 1999, cerca de 66,2% dos trabalhadores demitidos
sem justa causa, ampliando o grau de abrangência do programa. A outra, é a intermediação de
mão-de-obra, que como já foi dito anteriormente, é um programa ainda bastante precário. A
ajuda à busca de nova ocupação deve estar associada à concessão do seguro-desemprego, mas
deve, também, ser oferecida a todo cidadão, independente de sua condição de segurado ou não
(AZEREDO, 1998).
Além dessas, o governo brasileiro inicia a implementação de políticas de formação
profissional. E a mais importante delas diz respeito ao Fundo de Amparo ao Trabalhador
71
(FAT), seja pela dimensão dos recursos envolvidos (R$ 31 bilhões de patrimônio), seja,
principalmente, pela natureza do Fundo, que permite conjugar múltiplas possibilidades de
aplicações e, portanto, de manejo das políticas públicas voltadas para o mercado de trabalho.
Dentre as políticas ativas de emprego, o Plano Nacional de Qualificação do
Trabalhador – PLANFOR destaca-se como um dos programas prioritários do governo federal.
O PLANFOR anuncia uma “nova institucionalidade” na área da Educação Profissional (EP),
tendo como princípio básico promover ações de qualificação/requalificação profissional para
segmentos da população, de forma que se chegue a qualificar, anualmente, 20% da PEA.
A “nova institucionalidade” proposta pelo PLANFOR diz respeito à utilização de
diferentes instituições (não apenas as com tradição na formação profissional tipo SENAC,
SENAI e Escolas Técnicas) bem como: sindicatos, ONGs, Fundações, Universidades,
Empresas Públicas etc., formando uma rede nacional15 de instituições capazes de assumir a EP
no país.
O que propõe o governo federal em relação à educação e às políticas de formação
técnico-profissional em face da crise estrutural do desemprego e desenvolvimento desigual?
Mais uma vez reafirma-se que a inserção e o ajuste dos países “não desenvolvidos”
ou “em desenvolvimento” ao processo de globalização e reestruturação produtiva, sob uma
nova base científica e tecnológica, dependem da educação básica, da formação profissional,
qualificação e requalificação. Todavia, não é de qualquer educação e formação. Trata-se de
uma educação e de uma formação que desenvolvam habilidades básicas no plano do
conhecimento, das atitudes e dos valores, produzindo competências para a gestão da qualidade,
para a produtividade e competitividade e, conseqüentemente, para a empregabilidade.
Orientação, diga-se, monitorada pelos organismos internacionais (Banco Mundial, BIRD,
OIT etc) e os organismos vinculados ao mundo do trabalho produtivo de cada país.
Assim, a “chave de ouro” para que os países historicamente desiguais se ajustem ao
mundo globalizado, já que não há tantos empregos, é a promessa da empregabilidade, que se
revela como um parente muito próximo da flexibilidade. Mas o que vem a ser essa promessa?
Forrester (1997, p. 118) explica:
Trata-se, para o assalariado, de estar disponível para todas as mudanças,
todos os caprichos do destino, no caso, dos empregadores. Ele deverá estar
pronto para trocar constantemente de trabalho (como se troca de camisa,
diria a ama Beppa). Mas, contra a certeza de ser jogado “de um emprego a
outro”, ele terá uma “garantia razoável” – quer dizer, nenhuma garantia –
15
Rede Nacional de Educação Profissional é uma formulação presente no próprio PLANFOR para designar o
conjunto das entidades que promovem a qualificação do trabalhador no Brasil, em substituição à idéia de
Sistema de Educação Profissional.
72
“de encontrar um emprego diferente do anterior que foi perdido, mas que
paga igual.
Frigotto (1999, p. 11) mostra como o senso comum compreende a noção de
empregabilidade, evidenciando o seu elevado grau de mistificação:
A empregabilidade é um conceito mais rico do que a simples busca ou
mesmo a certeza do emprego. Ela é o conjunto de competências que você
comprovadamente possui ou pode desenvolver – dentro ou fora da empresa.
É a condição de se sentir vivo, capaz, produtivo. Ela diz respeito a você como
indivíduo e não mais à situação, boa ou ruim da empresa – ou do país. É o
oposto ao antigo sonho da relação vitalícia com a empresa. Hoje, a única
relação vitalícia deve ser com o conteúdo do que você sabe e pode fazer. O
melhor que uma empresa pode propor é o seguinte: vamos fazer este
trabalho juntos e que ele seja bom para os dois enquanto dure; o
rompimento pode se dar por motivos alheios à nossa vontade. (...)
(empregabilidade) é como a segurança agora se chama (MORAES, 1998
apud GRIGOTTO, 1999).
Frigotto (1999, p. 11) complementa:
As noções de empregabilidade, trababilidade ou laborabilidade, que buscam
positivar a situação de desmonte da sociedade salarial, quando confrontadas
com a realidade não apenas evidenciam seu caráter mistificador mas,
sobretudo, revelam também um elevado grau de cinismo. Com efeito, para o
contingente de pessoas – mais de 1 bilhão no mundo – que, como nos
lembra Forrester (1996), tem como emprego ou ocupação, de todos os dias
da semana, todas as semanas do mês e de todos os meses do ano, a procura
de um emprego, essas noções não evidenciam uma realidade humanamente
promissora.
Ainda analisando a questão da formação técnico-profissional dos trabalhadores,
especialmente a oferecida pelo SENAC e SENAI, que se estruturaram na perspectiva fordista
de construção da sociedade do trabalho-emprego, portanto numa dimensão societária
integradora, Frigotto (1999, p. 13), explica que:
Sua efetividade social integradora, todavia, está condicionada
fundamentalmente a dois pré-requisitos. Primeiramente, a existência de uma
escolaridade básica de qualidade, entendida aqui numa dimensão não
mercadológica, mas social. A segunda condição fundamental para não
mistificar o papel da formação profissional é, inequivocamente, a existência
de uma política econômica centrada na geração de emprego e com
mecanismos de distribuição justa da renda nacional.
Contudo, adverte Frigotto (1999, p. 13), a formação técnico-profissional, hoje,
adaptada ao projeto de ajuste da economia brasileira à (des)ordem mundial apóia-se em bases
não democráticas porque elitiza-se na direção de uma sociedade desintegrada, hipertrofiando as
dimensões individuais e particulares e intervindo de forma focalizada. O PLANFOR, diz o
autor, é um bom exemplo disso, pois corre o risco de se tornar um “novo” Programa Intensivo
de Preparação de Mão-de-Obra (PIPMO), que de programa emergencial, na época, durou 20
anos. E complementa:
73
As iniciativas de cursos do PLANFOR são tão diversas que intervenções
focalizadas se materializam por uma dispersão sem limites. Os cursos podem
ser para emitir passagens, fazer velas ou aquilo que uma revista de uma seita
religiosa indica como solução para o desemprego – treinar desempregados
para oferecer serviços de catar piolho, cuidar de cachorros, catar minhocas –
cursos que se centram em tecnologias de última geração ou a perspectivas
mais amplas vinculadas aos interesses dos trabalhadores, como é o caso do
projeto INTEGRAR. Mesmo neste último caso seus dirigentes sabem que,
por si mesmos, esses cursos não têm a capacidade de criar empregos.
Se o governo desejasse, de fato, atender as necessidades da população brasileira a
política de formação técnico-profissional seria outra. Ao invés de transformar as instituições de
formação profissional em unidades privadas de negócio, estaria aumentando sua dimensão
pública.
O “horror econômico” que ronda o mundo nesse início de século é pensado e
explicitado por Forrester (1997, p. 14):
Não se sabe se é cômico ou sinistro, por ocasião de uma perpétua,
irremovível e crescente penúria de empregos, impor a cada um dos milhões
de desempregados – e isso a cada dia útil de cada semana, de cada mês, de
cada ano – a procura “efetiva e permanente” deste trabalho que não existe.
Obrigá-lo a passar horas, durante dias, semanas, meses, todo o ano, em vão
barrado previamente pelas estatísticas. Pois, afinal, ser recusado cada dia útil,
de cada semana, de cada mês, de cada ano, será que isso constituiria um
emprego, um ofício, uma profissão? Seria isso uma colocação, um job, ou
mesmo uma aprendizagem? Seria um destino plausível? Uma forma
realmente recomendável de emprego do tempo?
Frigotto (2001) afirma que é falso, ou uma ilusão, e igualmente uma
desonestidade, atribuírem-se à educação básica, formação técnico-profissional e aos processos
de qualificação e requalificação orientados pelo Banco Mundial, um peso unilateral da inserção
de nossa sociedade no processo de globalização e reestruturação produtiva e, sobretudo, como
tábua de salvação para os que “correm risco de desemprego” ou para os que estão
desempregados. O papel desses processos de formação é produzir cidadãos que não lutem por
seus direitos e pela desalienação do e no trabalho, cidadãos participativos e não mais
trabalhadores, mas colaboradores e adeptos ao consenso passivo e, na expressão de Antunes
(1996), a tornarem-se déspotas de si mesmos.
Mas o documento do PLANFOR (BRASIL..., 1999a) que trata da “nova”
institucionalidade da formação profissional insiste em recuperar e consolidar a função e a
natureza pública da educação profissional (EP). O discurso é o seguinte: contrária à educação
básica, direito universal e inalienável do cidadão, a EP é uma questão a ser negociada no e pelo
setor produtivo – trabalhadores e empresários. Cabe ao Estado exercer papel de articulador e
fomentador de políticas globais, saindo, cada vez mais, da esfera da execução de ações diretas,
74
centralizadas. Ainda segundo aquele documento, a educação profissional deve assumir caráter
complementar, nunca substitutivo à educação básica.
O campo da negociação aparece como recurso a ser privilegiado, aceitando-se
compartilhar compromissos e deixando à margem o incentivo à mobilização social. Fidalgo
(1999) diz que, na França e no Brasil, as dificuldades na promoção do embate entre capital e
trabalho conduzem o sindicalismo ao paritarismo, que significa negociação institucionalizada,
baseada em representação igualitária dos interlocutores políticos, como forma de manter-se na
cena política e de intervir, mesmo que de maneira periférica, no debate a respeito dos rumos da
regulação do trabalho e da formação profissional.
Assim, ressurge, nos anos 1990, o paritarismo como a mediação adequada à nova
engenharia do consenso, capaz de restabelecer o pacto entre o Estado, o Capital e o Trabalho
em parâmetros adequados ao novo regime de acumulação capitalista e à sua expressão concreta
em cada realidade nacional. Busca-se a construção de um novo pacto, um “novo” consenso. As
políticas paritárias aparecem como uma mediação importante para a construção desse novo
modelo de regulação, legitimando a lógica mercantil inerente às políticas implementadas e à
desresponsabilização do Estado frente aos problemas sociais, além de arrefecer os conflitos
entre capital e trabalho (FIDALGO, 1999).
Portanto, o paritarismo tem sido apresentado no campo das políticas de emprego e
renda e de qualificação profissional como elemento central na regulação do sistema das relações
de trabalho. É importante ressaltar que ele aparece quase que exclusivamente nas ditas políticas
sociais do governo Cardoso. No caso do Plano Nacional de Educação Profissional
(PLANFOR), esse processo tem como base as instâncias do Conselho Deliberativo do Fundo
de Amparo ao Trabalhador (CODEFAT) e das Comissões Estaduais (CEEs) e Municipais de
Emprego (CMEs).
O CODEFAT é o órgão que define a política global a ser implementada, e tem a
responsabilidade de fomentar, induzir, orientar, assessorar e aprovar os planos para qualificação
dos trabalhadores, executados com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
Cabe também ao CODEFAT a deliberação de prioridades para a destinação dos recursos do
FAT e a análise das prestações de contas dos convênios. É composto pela representação
paritária do Estado, dos empresários e dos trabalhadores. A bancada do governo é formada
pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério da Previdência e Assistência Social
(MPAS) e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A bancada dos
empresários, pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), Confederação Nacional do
Comércio e Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF). E a bancada dos
75
trabalhadores é composta da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical (FS) e
da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) (FIDALGO, 1999).
Esse Conselho vem assumindo funções legislativas e executivas, mas sua
legitimidade e representatividade têm limitações, pois outros setores sociais interessados não se
fazem representar. Essa representação está restrita ao campo das relações contratuais de
trabalho e, mesmo neste campo, restringe-se a parcelas dos interlocutores políticos. Na
bancada do Estado estão ausentes, por exemplo, o Ministério da Educação e parlamentares. No
caso da bancada dos empresários, um importante segmento empresarial – Pensamento
Nacional de Bases Empresariais (PNBE) – está ausente. Em relação aos trabalhadores, estão
ausentes Centrais Sindicais menos expressivas e não há representação do Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra (FIDALGO, 1999).
Além dessas lacunas, que limitam a representatividade das próprias bancadas,
existem problemas decorrentes da própria estrutura do mercado de trabalho. Os trabalhadores
do setor informal, volumoso contingente populacional, não encontra guarida no quadro do
paritarismo. Assim, os limites do paritarismo precisam ser mais bem configurados e analisados,
pois as partes incluídas apostam na construção do consenso através desse caminho
(FIDALGO, 1999).
Ainda segundo Fidalgo (1999), o paritarismo cresce na medida que o Estado busca
diminuir sua responsabilidade na execução das políticas sociais, pois acaba delegando ao
neocorporativismo, implícito nestas políticas paritárias, uma parcela importante da regulação
social, ao conferir a estas organizações um papel institucionalizado e um estatuto público na
elaboração e execução das suas políticas.
Ao analisar a construção do sistema público de emprego no Brasil, Draibe (1996
apud FIDALGO, 1999) constatou que a nova institucionalidade, tanto para a questão do
emprego como para a qualificação, não está assentada na ação estatal. A lógica que permeia o
desenvolvimento destas políticas assenta-se:
[...] na parceria, na articulação dos esforços e na conjugação das energias do
estado e da sociedade; dos trabalhadores e dos empresários; dos empregados e
dos desempregados; dos jovens e dos adultos. Por isso mesmo, a sua natureza
é a de um sistema público, porém não estatal (DRAIBE, 1996, apud
FIDALGO, 1999, p. 165).
Fidalgo (1999, p. 165) complementa, afirmando que:
O conceito de sistema público não-estatal produz um encobrimento do real
sentido destas políticas, sobretudo, no que se refere à sua faceta favorável à
privatização. Sob o rótulo das parcerias, o Estado compõe uma rede de
interesses, constituindo um poderoso mercado.
76
A ausência de explicitação de conflitos, no âmbito do paritarismo, é parte
integrante de sua lógica de funcionamento. O objetivo é o da concertação social. Fidalgo
(1999), analisando Atas das Reuniões do CODEFAT, no período 1995-1998, confirma sua
tese de que o paritarismo amaina o debate político ao eleger como objetivo principal a busca da
construção do consenso. Posições políticas ou ideológicas conflitantes não aparecem no rol das
questões discutidas pelos representantes deste Conselho. A análise dos registros das reuniões
revela que o centro das atenções tem sido os trâmites processuais para distribuição de recursos.
O paritarismo serve, assim, de mediação política para que o mercado regule o sistema, seja pela
transferência de recursos públicos para as empresas e instituições privadas, constituindo a rede
de oferta e demanda da formação profissional, seja pelo atendimento de interesses e
necessidades particulares.
A criação dos Centros Públicos de Educação Profissional, proposta da Secretaria
de Formação Profissional (SEFOR) em 1995, seria a expressão mais acabada da nova
institucionalidade em construção. Aqueles Centros teriam, de um lado, seu funcionamento
garantido por parcerias entre os diferentes agentes sociais públicos e privados e, de outro, sua
gestão se daria através de conselhos e comissões multipartites e paritárias. Portanto, deveriam
ser auto-sustentáveis através da venda de serviços às empresas ou aos consumidores individuais.
Esta proposta diferia da apresentada pela CUT, que defendia que os Centros fossem
financiados pelo Estado (FIDALGO, 1999).
Ao Estado, no Brasil, cabe participar dos conselhos e comissões tripartites e executar e
coordenar os planos ou programas de formação profissional, negociados nessas instâncias. A
execução, a coordenação programática e a supervisão das ações de qualificação profissional são
delegadas pelo CODEFAT à antiga SEFOR, hoje Secretaria de Políticas Públicas de Emprego
(SPPE) do MTE.
Na França, país onde é forte a tradição de organização dos trabalhadores e no qual
o modo de regulação fordista desenvolveu-se muito, as proposições de formação profissional
indicam, ainda, um processo de individualização crescente como norma de regulação. Os
trabalhadores franceses vêem-se diante de uma situação complexa, pois, se de um lado, estão
acostumados a saídas coletivas, de outro, precisavam levar em conta as necessidades individuais
dos seus representados, submetidos à constante ameaça do desemprego e da exclusão
(FIDALGO, 1999).
A classe trabalhadora ou as organizações dos trabalhadores, no Brasil, vivem um
processo similar carregado de contradições: de um lado, denunciam o aumento da exploração,
mas de outro, legitimam o desenvolvimento dessas políticas, ao participarem do paritarismo,
77
por não verem, fora dele, alternativas. É preciso entender que essas políticas estão num
contexto de extrema fragilização dos trabalhadores e seus representantes, e o consenso por eles
construídos corre o risco de atender principalmente aos interesses dos empresários e do Estado,
dada a correlação de forças desigual entre os interlocutores. Nesse sentido, tem se tornado
hegemônica a proposição economicista de subordinação da formação profissional ao mercado
de trabalho, tornando-se princípio de regulação da formação profissional verificar se esta está
centrada no setor produtivo e orientada por este, e ainda, se é adequada às suas necessidades.
No fundo, o paritarismo acaba favorecendo o Capital e o Estado porque conforma
as negociações ao âmbito das relações de trabalho, espaço no qual os trabalhadores se
encontram em clara desvantagem, graças à sua fragilização e suas pequenas possibilidades de
enfrentamento. Mas representa um espaço político do qual os trabalhadores não podem
prescindir, pois o que está em jogo são as estratégias de desvalorização da força de trabalho.
O paritarismo, nesse modelo de políticas públicas reguladas pelo mercado, é visto
pelos atores (Estado, empresários e trabalhadores) de formas diferentes. Para o Estado, o
paritarismo é o meio adequado para construir o consenso sobre a necessidade de desregulação
das relações de trabalho. Aos empresários interessa, sobretudo, garantir a sedimentação de sua
hegemonia no campo social e político – a reprodução da força de trabalho. Contudo, seu
consentimento no estabelecimento de negociações é seletivo, pois se voltam para os pontos que
são dos seus interesses, não aceitando negociar, por exemplo, os rumos e as características das
formações a serem ofertadas, sejam as projetadas no local de trabalho ou as implementadas
pelas instituições educativas. Os trabalhadores, fragilizados pela reestruturação do capital e da
mundialização da economia, se vêem compelidos a aceitar as regras do paritarismo e até buscálas como forma de garantir a mobilização dos trabalhadores, única forma que os legitima a
desenvolver proposições radicais de alteração das relações sociais de produção e de formação
(FIDALGO, 1999).
O paritarismo, ainda, tem contribuído para o fortalecimento do processo de
transferência de recursos públicos para a iniciativa privada, contando com o incentivo de
organismos financiadores internacionais que nele vêem um ajuste aos novos padrões de gestão
das políticas sociais – as de corte neoliberal – que pretendem fazer da gestão dos recursos
destinados às políticas sociais um elemento de fortalecimento do mercado, argumentando que
este, através da livre concorrência, garante mais racionalidade econômica aos investimentos
nesse setor.
78
Concluindo, na constituição do novo modelo de regulação da formação
profissional, portanto, um dos eixos centrais é o ajustamento da política de formação aos novos
padrões de produtividade e competitividade, não se questionando as distorções distributivas.
A seguir, passa-se a discutir o PLANFOR, considerado pelo governo como política
pública de emprego e renda, a partir dos documentos oficiais produzidos pelo Ministério do
Trabalho e Emprego.
3.3 - O PLANFOR no Contexto das Políticas Públicas de Emprego e Renda
Implantado em 1996, pela resolução 126/96 do CODEFAT, o PLANFOR
propõe ser não apenas um programa de treinamento em massa, mas uma estratégia de inclusão
da educação profissional (EP) na pauta da política pública de emprego e renda. Para isso,
apresenta objetivos de médio e longo prazos, estruturados em três eixos: 1) avanço conceitual;
2) articulação tripartite e paritária; 3) apoio à sociedade civil.
O PLANFOR (BRASIL..., 1997b) propõe construir e disseminar um conceito
renovado e ampliado de EP, com foco na demanda do mercado de trabalho e no perfil da
população-alvo, capaz de atender à diversidade social, econômica e regional da PEA, superando
o viés branco, masculino, urbano industrial presente na oferta tradicional de formação;
garantindo a preferência de acesso a pessoas mais vulneráveis econômica e socialmente em
programas financiados pelo FAT, levando em conta a situação de pobreza, baixa escolaridade,
raça/cor, sexo, necessidades especiais e outros fatores de discriminação no mercado de trabalho.
Assim, o PLANFOR leva em consideração os seguintes critérios de atendimento
preferencial, combinados segundo as características e demandas regionais, bem como
especificidades dos projetos a serem desenvolvidos: 1) pobreza – pessoas situadas no primeiro terço
da distribuição da renda familiar per capita; 2) escolaridade – pessoas com instrução inferior ao 1º
grau, em especial até quatro anos de estudo (analfabetos absolutos ou funcionais); 3) sexo –
mulheres chefes de família; 4) idade – jovens entre 14-24 anos, em especial candidatos ao primeiro
emprego e em risco social; 5) raça/cor – em especial pessoas de etnia afro-brasileira e indígena, além
de outras minorias étnicas que possam existir nas diferentes regiões; 6) localização – moradores de
periferia das áreas metropolitanas, de municípios selecionados pelo Programa Comunidade
Solidária e outras áreas urbanas e rurais; 7) pessoas com necessidades especiais de visão audição ou
mentais (MTE, Guia do PLANFOR - 2000, 1999).
A proposta do PLANFOR determina que seja dada prioridade ao atendimento de
trabalhadores que apresentem maiores desvantagens sociais e que não tenham acesso às formas
79
tradicionais de educação profissional. Essa política tem como escopo promover estratégias
compensatórias, atuando sobre as distorções provocadas pelo processo de diferenciação e exclusão
social. Contudo, os cursos de formação profissional que são oferecidos não permitem concluir
sobre a possibilidade desses trabalhadores saírem do espaço da informalidade, isto é, das relações de
trabalho sem amparo e proteção do Estado, representando uma reafirmação da forma de inserção
desses grupos na estrutura segmentada do mercado de trabalho brasileiro.
Os critérios estabelecidos pelo PLANFOR, para atendimento aos trabalhadores,
indicam claramente não se tratar de uma política pública, de caráter universal, mas ser
explicitamente uma política de caráter focal, isto é, é dirigida para uma determinada clientela e
com objetivo, também explícito, de tentar dar alguma resposta aos índices alarmantes de
desemprego, propondo a empregabilidade – o auto-emprego ao trabalhador desempregado.
Quando o PLANFOR toma a noção de empregabilidade como fundamento, tal
política pretende orientar o financiamento da formação profissional para ações que atendam a uma
grande parcela da população que sobrevive no campo da informalidade e que possui um baixo
nível de escolarização, buscando a adaptação e a qualificação de trabalhadores para sua inserção
periférica no mercado de trabalho. Enfim, o desenvolvimento da formação profissional para a
empregabilidade tem como objetivo o ajuste dos perfis profissionais dos excluídos, dos menos
qualificados, dos que têm menos poder de competição por empregos, devido aos requerimentos do
mercado de trabalho informal e às possibilidades de geração autônoma de renda. A
empregabilidade é associada pelos interlocutores políticos ao desenvolvimento do auto-emprego
(autotrabalho), pois ao transferir para o trabalhador a responsabilidade pelas suas condições de
empregabilidade, o setor produtivo e o Estado são poupados, quanto à sua responsabilidade, na
destruição, ou não criação de postos de trabalho. “Ser competitivo”, que antes dizia respeito,
fundamentalmente, às relações entre empresas, é transferido para os trabalhadores. Esse conceito
contribui para fazer o rompimento com o sentido universalista das políticas públicas sociais,
sobretudo as relativas às relações de trabalho e formação profissional.
Mas na proposta formal do PLANFOR (1996-2002), constam os seguintes objetivos:
a) contribuir para o aumento da probabilidade de obtenção de trabalho e de geração de renda,
reduzindo os níveis de desemprego e subemprego; b) contribuir para o aumento da probabilidade
de permanência no mercado de trabalho, reduzindo os riscos de demissão e as taxas de rotatividade;
c) contribuir para a elevação da produtividade, da competitividade e da renda.
Enquanto estratégia de articulação de uma política nacional de educação profissional,
pensada pelo governo federal, e integrada ao sistema público de trabalho e geração de renda do
país, o PLANFOR tem dois eixos de implantação: a) PEQs – Planos Estaduais de Qualificação,
80
posteriormente denominados de PLANFORs, sob gestão das Secretarias de Trabalho e Comissões
Estaduais de Emprego (CEE); b) parcerias nacionais e regionais com organizações governamentais
e não-governamentais para ações complementares aos PEQs e para a consolidação das bases
metodológicas do Programa (BRASIL..., 1999).
Resumindo, o PLANFOR, segundo os documentos oficiais, tem como alvo o
binômio trabalho e renda, e indica como premissa básica que o planejamento dos Planos
Estaduais (PEQs, posteriormente PLANFORs) tomem como base a demanda local e previsível
do mercado de trabalho e as necessidades da população-alvo a ser atingida. Essas dimensões
devem orientar o planejamento da qualificação profissional em cada Estado. Além disso, o
planejamento deve prever a articulação e integração entre os diversos programas desenvolvidos
no Estado, alvo do Programa.
Por planejamento, o PLANFOR entende o processo contínuo de mobilização,
articulação e negociação entre os atores (poder público, empregador e trabalhadores),
representados nas Comissões Estadual e Municipais de Emprego e na Secretaria do Trabalho.
Assim, utiliza-se do paritarismo para definição de objetivos, metas e meios de atingi-los em um
dado tempo e espaço. Portanto, a finalidade do planejamento não é simplesmente elaborar
planos, mas definir estratégias de curto, médio e longo prazos, a começar pelo estratégico, isto
é, pela percepção global das demandas do mercado de trabalho, da população a ser atendida e
das alternativas de atendimento – perceber a dimensão da “guerra”. Em seguida o esquema
tático, isto é, a fixação de prioridades, a formatação dos programas para seu atendimento –
definindo as “batalhas” a serem travadas. E por fim, operacionalização dos cursos/programas de
qualificação profissional (FAUSTO, GARCIA, ACKERMAN, 2001).
A forma de definir a demanda do mercado de trabalho deve ocorrer através de
respostas objetivas às seguintes questões: onde, em que tipo de atividade e ocupações haveria
oportunidade de trabalho e renda em curto, médio e longo prazos? Para determinar a
demanda, é preciso identificar e quantificar, com dados e fatos – em cada Município – setores,
atividades, ocupações, em processos de expansão, reestruturação e/ou modernização e
estagnação ou retração (FAUSTO, GARCIA, ACKERMAN, 2001).
A outra dimensão da demanda é identificar a população a ser atendida através da
caracterização e quantificação da PEA, por Município, segundo variáveis de sexo, idade,
raça/cor, escolaridade, posição na ocupação/situação no mercado, localização. As possíveis
fontes de informação, além das convencionais, são os representantes do governo, empresários e
trabalhadores através das CEEs e CMEs. Estas últimas devem, segundo o PLANFOR,
funcionar como “antenas locais” na identificação das demandas.
81
Identificadas as demandas de mercado e da população-alvo a ser qualificada, os
Planos Estaduais (PEQs, atualmente, PLANFORs) devem selecionar os cursos/programas mais
adequados a essa clientela. Portanto, o entendimento do PLANFOR sobre educação
profissional do trabalhador é o de estar instrumentalizando-o para melhorar suas chances de
entrar/permanecer no mercado de trabalho, melhorar sua produtividade, qualidade e condições
de vida. Assim, esse “novo” conceito de EP parte da premissa de que a qualificação profissional
do trabalhador deve estar focada na demanda do mercado de trabalho e no perfil da PEA.
Definidas essas duas dimensões da demanda: oportunidade no mercado de
trabalho e população a ser qualificada, é necessário que os PEQs identifiquem e quantifiquem
a oferta de EP relevante para tais oportunidades e população. Em suma, devem responder à
questão: quem oferece ou pode oferecer qualificação profissional para as oportunidades e
populações identificadas? Essa etapa do planejamento caracteriza e quantifica as possibilidades
de atendimento da demanda, a partir da oferta existente ou potencial de instituições da rede de
EP pública e privada do Estado/Município.
Essa “política pública de emprego e renda” – PLANFOR – como define o Ministério
do Trabalho e Emprego, evidencia como o capital pretende resolver suas crises de maximização das
taxas de lucro, utilizando o ideário do capital humano como estratégia para diminuição das
desigualdades, apreendendo as relações sociais de forma enviesada e falseando as razões estruturais
da exclusão ao trabalho.
Em contraponto a essa concepção do PLANFOR, estudos sobre o mundo do trabalho
(metamorfoses, desestruturação, emprego, desemprego, empregabilidade, qualificação e
desqualificação) e políticas de geração de renda de diferentes autores (MATTOSO, 1995, 1999;
FILGUEIRAS, 1997, 1998; AZEREDO, 1998; FRIGOTTO, 1998, 1999; DEDECCA, 1999;
POCHMANN, 1998a, b e c, 1999a e 1999b; ANTUNES, 1999; DRUCK, 2001; LIMA,
2002) apontam em direção a um consenso: não basta haver crescimento do investimento e da
produção no setor privado, é indispensável assegurar a ampliação do investimento público em
infra-estrutura econômica e social e um amplo acesso à propriedade, à renda, às políticas
públicas para os milhões de despossuídos do país. Portanto, indicam não para políticas sociais
focalizadas e por tempo determinado, tipo o PLANFOR, mas sim para políticas públicas
universais tendo como suporte uma política econômica que combine estabilização monetária,
crescimento da economia e a busca de uma sociedade mais justa, sustentada por políticas
industriais, agrícolas, de comércio exterior, de geração de emprego e renda, potencializadas por
investimentos
em
infra-estrutura
produtiva
82
(abastecimento,
transportes,
energia,
telecomunicações) e em infra-estrutura social (habitação popular, saneamento básico, saúde,
educação).
3.4 – Alternativas de Políticas de Emprego
Pochmann (1998a), afirma que há outras formas mais efetivas de se implementar
políticas de emprego que constituem alternativas que não podem ser desprezadas, pois
cumprem um papel fundamental no enfrentamento, em novas bases, dos velhos e novos
problemas do mercado de trabalho.
De acordo com esse autor (1998a), as políticas públicas com o objetivo, de fato, de
combater os velhos problemas do mercado de trabalho (baixo assalariamento, informalidade da
mão-de-obra, subemprego e salários reduzidos), têm que estar na direção das cinco alternativas
de políticas ativas de trabalho, enumeradas a seguir:
a) a reforma agrária, pois sua realização permite a difusão de efeitos muito positivos na
geração de emprego e renda no campo, uma vez que grande parcela da mão-de-obra da
população brasileira vive na zona rural. Nesse caso, a reestruturação fundiária pode
contribuir para evitar o êxodo rural e a implementação de uma política agrícola adequada
para gerar emprego e renda no setor primário e de agroindústrias em várias regiões do país;
b) a desconcentração de renda, realizável através da reforma tributária, pois não só permite o
surgimento de novos consumidores, como estimula também a geração de empregos nos
setores secundário e terciário da economia;
c) a retomada dos investimentos em infra-estrutura material, pois além de gerarem muitos
empregos, são portadores de efeitos multiplicadores sobre o nível de atividade em vários
setores econômicos, tipo: estradas, saneamento básico, habitação popular, hospitais, escolas,
creches, portos, viadutos, telecomunicações etc., que trazem, por conseqüência, impactos
diretos e imediatos na geração de emprego e renda;
d) o serviço social – programas de trabalho de utilidade coletiva (frentes de trabalho urbana e
rural), programas de estágios, programas de garantia de renda, de educação, saúde e
previdência. Essa alternativa de combate aos velhos problemas – efetiva melhora do serviço
social – envolve a ampliação dos recursos, por meio da reforma tributária e da redução
sensível da evasão fiscal, a racionalização e a moralização dos gastos, a universalidades das
atividades e serviços de boa qualidade para todos e a promoção de novos mecanismos de
garantia de renda;
83
e) a introdução de um sistema democrático de relações de trabalho, evitando a precarização
ainda maior dos empregos e condições de trabalho, a rotatividade e os escassos
compromissos na ocupação com metas de produção e venda. O contrato coletivo de
trabalho mais centralizado tende a impor mais responsabilidade ao patronato e sindicatos,
sobretudo no que se refere à qualificação profissional, à ampliação do tempo de serviço na
mesma empresa e à redução da informalidade.
Em relação aos novos problemas de desestruturação do mercado de trabalho (alto
desemprego aberto, desassalariamento, geração insuficiente e na maioria dos casos de
ocupações precárias, e a nova onda de desemprego estrutural), Pochmann (1998a), propõe
algumas alternativas de políticas de emprego e renda. Contudo, faz questão de destacar a
necessidade do país retomar os rumos do crescimento econômico sustentado para poder conter
o fenômeno de desestruturação do mercado de trabalho, revendo o atual modelo econômico.
Portanto, defende a construção de um projeto nacional capaz de definir as linhas gerais do
crescimento com justiça social, posição compartilhada por vários outros autores tais como:
Furtado, (1983), Mattoso (1996), Fiori (1997), Oliveira (1998), Dedecca (1999), Filgueiras
(2000) e Cano (2000).
As duas diretrizes gerais propostas por Pochmann (1998a), que podem conduzir a
uma estratégia de combate aos novos problemas do desemprego são: políticas de integração de
cidadania e de integração do trabalho. Em relação à primeira, são ações direcionadas para a
retirada do mercado de trabalho das pessoas que não devem estar pressionando esse mercado
como: crianças e velhos, assim como aqueles que, sem terem direito ao trabalho, não dispõem
de renda garantida e, por isso se submetem a formas socialmente inadequadas. Como essas
ações referem-se a mecanismos de garantia de renda, deve-se dispor de um conjunto de
recursos previamente estabelecidos. Uma dessas medidas refere-se a contenção dos cerca de três
milhões de crianças com até quatorze anos que estão no mercado de trabalho, segundo dados
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), através de programas de renda
mínima, tipo bolsa escola (que vem sendo desenvolvido de forma parcial pelo governo federal).
Uma outra medida refere-se à elevação das pensões e aposentadorias das pessoas com mais de
60 anos que continuam no mercado de trabalho. Ambas – erradicação do trabalho infantil e
renda mínima – são exemplos de programas de integração à cidadania.
Com relação a políticas de integração ao trabalho, estas atuam sobre os novos tipos
de desemprego: recorrente, de reestruturação e de exclusão e, requerem, para sua melhor eficácia e
efetividade, a instalação de um sistema público de emprego com capacidade para integrar as
atividades de intermediação de mão-de-obra, de treinamento e formação profissional e de
84
mecanismos de garantia de renda e micro-créditos. A seguir, apresentam-se as alternativas
propostas por Pochmann (1998 a) para esses três tipos de desemprego:
para combater o desemprego recorrente, que freqüentemente atinge o jovem e a mulher, há
algumas possibilidades: flexibilização inclusiva do mercado, por intermédio de contratos de
trabalho de tempo parcial (3 a 5 horas por dia) para segmentos específicos da PEA, sem
deixar de estar incorporado ao sistema de proteção social e trabalhista; reformulação do
ensino básico; programas de estágio para os jovens estudantes. Um outro aspecto diz
respeito à formação profissional, que, no Brasil, precisa urgentemente racionalizar suas
atividades por meio de uma coordenação única de programas, tendo em vista a
desarticulação entre os cursos de longa duração, coordenados pelo MEC e secretarias
estaduais, os cursos de média duração sob a responsabilidade do Sistema “S” e, por fim, os
cursos de curta duração sob coordenação do MTE e secretarias estaduais de trabalho;
em relação ao desemprego por reestruturação, um conjunto de ações é sugerido: redução
ampla da jornada de trabalho, criação de uma rede de garantia de renda ao desempregado,
programas de geração de emprego e renda, alteração dos atuais mecanismos de qualificação
e formação profissional. Para a rede de garantia de renda ao desempregado, o autor destaca
três medidas:
o
reformulação do atual seguro-desemprego, adequando-o ao perfil do desempregado;
o
criação de um seguro-desemprego especial para jovens à procura do 1º emprego,
mulheres e homens sujeitos à constante rotatividade no trabalho e, até, em casos
especiais, as vítimas da seca ou outro fenômeno climático;
o
programa de integração salarial para as vítimas diretas do processo de reestruturação
produtiva, formado com recursos do fundo de contribuição sindical e, posteriormente,
com recursos a serem obtidos por intermédio da criação de um imposto direto sobre o
patrimônio direto das empresas privatizadas. Esse programa pode evitar o rompimento
do contrato de trabalho, em caso de reestruturação, permitindo que a empresa passe a
arcar somente com os custos do emprego com horário reduzido, ao mesmo tempo em
que o empregado, com menor jornada, não tenha seu salário reduzido, pois seu
rendimento seria complementado pelo programa.
em relação ao desemprego por exclusão, que resulta da marginalização dos trabalhadores
com faixa etária mais avançada, pode ser combatido através de duas alternativas: 1) com
programas de pré-aposentadorias, com subsídios à empresa que faz esse tipo de contratação
ou com uma pensão específica até completar o período pleno para recorrer à aposentadoria
85
normal; 2) com programas de micro-créditos específicos para pessoas que queiram investir
em pequenos negócios e atividades autônomas.
Finalizando a discussão sobre políticas públicas de emprego e renda, pode-se dizer
que no governo Cardoso elas obedecem à mesma lógica da política econômica, aprofundando
a concepção da existência de um alto grau de autonomia entre as dimensões sociais e políticas
no país, isto é, concebem a vida social como uma série de problemas sociais a serem enfrentados
de forma isolada e desarticulados entre si. Assim, reproduz-se a concepção segmentada da
questão social e, em decorrência, a formulação e implementação de políticas sociais setorizadas,
sem um projeto para a sociedade que as articule e imprima um sentido público ao seu
conjunto. Ao invés de se enfrentar a pobreza de uma ótica estrutural e através de políticas de
integração (sua superação), a concepção oficial é de aliviar a pobreza dos “grupos socialmente
mais vulneráveis”, desenvolvendo políticas de integração. Portanto, o governo federal fez uma
opção por essa política de ajuste (neoliberal) que não tem por objetivo o desenvolvimento de
políticas sociais de inserção como define Castel (1998).
Nessa medida, as propostas de Pochmann aqui reproduzidas indicam um caminho
alternativo e efetivo de políticas de emprego, no interior das quais, a formação profissional
(onde estaria inserido um programa tipo PLANFOR) se constitui em apenas uma das ações a
ser utilizada para combater o que o autor denomina de desemprego recorrente.
86
4. O QUADRO DO TRABALHO NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO
A partir do início dos anos 70 do século XX, o capitalismo, após um longo
período de crescimento econômico, no chamado apogeu do fordismo, começou a dar sinais de
um quadro crítico.
São vários os autores: Furtado (1983), Harvey (1992), Antunes, (1993, 1999), Ianni
(1995), Frigotto (1999; 2001), Druck (1995, 1999), Chesnais (1996), Fiori (1997), Hirst e
Thompson (1998), Castel (1998), Bihr (1998), Dedecca (1999), Oliveira (1999), Salama (1999),
Filgueiras (2000) que tratam da crise do capitalismo do final do século XX. Embora cada um
deles focalize um aspecto particular, isto é, analise a crise de um determinado ponto de vista,
todos discutem essa nova fase flexível do capitalismo. E é inegável, independente do conceito
empregado (globalização, mundialização, internacionalização das economias), que se vive um
período de aprofundamento de uma das características mais marcantes do desenvolvimento
econômico daquele século que é o movimento de centralização de capitais.
Chesnais (1996, p. 239) explica, por exemplo, que a mundialização do capital
financeiro, de fato, representa o posto mais avançado, onde as operações atingem o mais alto
grau de mobilidade afirmando que:
A capacidade intrínseca do capital monetário de delinear um movimento de
valorização “autônomo”, com características muito específicas, foi alcançada
pela globalização financeira a um grau sem precedentes na história do
capitalismo. As instituições financeiras bem como os “mercados financeiros”
(cujos operadores são mais fáceis de identificar do que faz supor essa
expressão tão vaga), erguem-se hoje como força independente todo-poderosa
diante dos Estados (que os deixaram adquirir essa posição, quando não os
ajudaram) perante as classes e grupos sociais despossuídos, que arcam com o
peso das “exigências dos mercados”.
Essa desregulamentação financeira decorre do surgimento da concepção das
finanças como “indústria” (RÉGNIER apud CHESNAIS, 1996), significando que o comércio
de dinheiro e valores é encarado como atividade transnacional, objeto de competição, no plano
mundial, entre agentes que procuram explorar da melhor forma suas próprias vantagens
comparativas.
Enfim, a esfera financeira é um dos campos de valorização do capital, que deve
gerar lucros como em qualquer outro setor. O problema, de ordem macroeconômica e éticosocial, diz Chesnais (1996, p. 241):
[...] é que, devido às características próprias da moeda, tais lucros formam-se
sucessivamente a transferências provenientes da esfera da produção, onde são
criados o valor e os rendimentos fundamentais (salários e lucros). A
autonomia do setor financeiro nunca pode ser senão uma autonomia relativa.
87
Os capitais que se valorizam na esfera financeira nasceram – e continua
nascendo – no setor produtivo. [...] O sistema financeiro alimenta-se da
riqueza criada pelo investimento e pela mobilização de uma força de trabalho
com múltiplos níveis de qualificação.
É constitutiva da “acumulação flexível” (HARVEY, 1998) essa nova forma de
materialização do capitalismo, além da globalização, o neoliberalismo e a reestruturação
produtiva. Juntos, esses fenômenos imprimem uma nova “cara” à reprodução do capital. A
seguir, explicita-se o que se está entendendo por cada um desses fenômenos.
Embora alguns autores, tais como: Ianni (1995), Druck (2001), Dedecca (1999),
Filgueiras (2000) reconheçam que a globalização, o neoliberalismo e a reestruturação produtiva
sejam fenômenos distintos, concordam que estão profundamente articulados entre si e dão
conteúdo às transformações por que vem passando o capitalismo desde as décadas finais do
século XX. Mas, embora distintos, esses fenômenos têm um denominador comum que pode
ser sintetizado no ideal da “acumulação flexível” que significa que o capital, em seu movimento
de valorização, está livre de empecilhos e restrições de qualquer natureza.
A globalização pode ser entendida como o processo de aprofundamento, nos anos
80 do século passado, da internacionalização das relações capitalistas de produção e
distribuição, impulsionada pelo processo de reestruturação produtiva iniciada na década
anterior nos países centrais. Movimento econômico, social e político de “desmonte/diluição
dos espaços nacionais”, que tem levado, entre outras conseqüências, à constituição de três
grandes áreas de influência, com as respectivas hegemonias dos Estados Unidos (NAFTA),
Alemanha (CEE) e Japão (sudeste asiático) e de outras áreas de menor porte, como é o caso do
Mercosul (FILGUEIRAS, 2000).
Esse processo de globalização é interpretado, por alguns, como processo de
continuidade e por outros, como processo de ruptura. Para os primeiros, esse processo não
apresenta nada de novo, sendo apenas a continuidade de um movimento que já estava presente
desde os primórdios do modo de produção capitalista, com tendência à expansão, portanto, a
mundialização; para os segundos, seria algo totalmente novo de tal forma que estaria se
constituindo uma nova sociedade “global”, pós-capitalista, superando as relações sociais
capitalistas de propriedade, produção e distribuição fundadas no trabalho assalariado.
No entanto, do ponto de vista mais concreto, a forma e a amplitude como o
processo de globalização vem se realizando, evidencia a existência de novos elementos e novas
circunstâncias tanto no plano das relações de concorrência intercapitalistas quanto na própria
relação capital/trabalho que funda e define esse modo de produção. Um desses elementos é que
a concorrência centra-se, hoje, cada vez mais, no domínio do conhecimento e da informação,
88
permitindo que: 1) a relação centro/periferia torne-se mais complexa e mais instável; 2)
ocorram transferências de capitais especulativos e atividades produtivas, às vezes com alto
conteúdo tecnológico, de países centrais para os periféricos, crescendo a subordinação desses
últimos; 3) o poder da maioria dos Estados Nacionais fragiliza-se e estreita-se a capacidade de
se fazer políticas macroeconômicas, à medida que se fortalece o poderio das maiores potências,
instrumentalizadas pelas instituições multilaterais como o FMI, o BIRD, o BID etc
(FILGUEIRAS, 2000).
Filgueiras (2000) acredita que o que se evidencia, de fato, é um movimento de
continuação e expansão do modo de produção capitalista naquilo que ele tem de essencial,
podendo ser identificados a radicalização e o aprofundamento de todas as suas características
constitutivas, a começar pelo direito de propriedade. Portanto, observa-se:
[...] que a competição intercapitalista, tendo por arma as inovações de todos
os tipos, torna-se cada vez mais feroz e de fato mundializa-se, quase que sem
limites impostos pelas barreiras nacionais; que se acelera fantasticamente o
desenvolvimento das forças produtivas e cresce o volume e o valor dos meios
de produção por trabalhador; que se intensifica a concentração e a
centralização de capitais com o domínio mundial de poucas empresas
gigantes em cada ramo de produção; que a esfera financeira assume um papel
preponderante no conjunto do funcionamento do sistema, com um
superdimensionamento da acumulação “fictícia”, num ambiente cada vez
mais instável e com crescimento da incerteza e do risco; e, por fim, que se
potencializa a possibilidade da crise e os seus efeitos destrutivos em escala
planetária (FILGUEIRAS, 2000, p. 60).
A conseqüência da globalização da produção e dos mercados de produtos, bem
como da formação do mercado financeiro mundial é a desterritorialização da grande burguesia
dos países mais poderosos. O mundo vem se tornando cada vez mais semelhante tanto no uso
de altas tecnologias e nos padrões de consumo quanto nas desigualdades econômicas e na
exclusão social, apesar das barreiras nacionais e culturais, quase intransponíveis, para a
globalização dos mercados de trabalho.
A globalização também redefine as relações entre capital/trabalho com o
reaparecimento de velhas formas de consumo da força de trabalho e o surgimento de novas
formas de exploração que vêm afetando o modo de vida da classe trabalhadora ou daqueles que
vivem do trabalho.
Sem dúvida, o principal aspecto do processo de globalização é sua dimensão
financeira, que decorreu de três processos estreitamente relacionados entre si, quais sejam: a
desregulamentação ou liberação monetária e financeira, a desintermediação e a abertura dos
mercados financeiros nacionais, extinguindo dois tipos de fronteiras: primeiro, aqueles que
separam os diversos segmentos dos mercados financeiros nacionais, conforme o exercício de
89
distintas funções financeiras; segundo, as que delimitam os mercados monetários e financeiros
nacionais, bem como os aparta dos mercados mundializados. Cria-se, assim, uma grande
interdependência entre todos os segmentos dos mercados e entre as esferas nacional e
internacional (CHENAIS, 1996).
O desmonte do Sistema Monetário Internacional ocorreu no início dos anos 70
do século passado, contribuindo, de forma decisiva, para a globalização financeira. O término
da conversibilidade entre o dólar e o ouro implica na inexistência de qualquer tipo de âncora
internacional para as moedas e também no entrelaçamento dos mercados de câmbio e
financeiro. A partir daí, decorre uma crescente instabilidade nas transações econômicas
internacionais, afetando tanto as relações produtivas e comerciais quanto as monetárias e
financeiras, determinando em todo mundo uma crescente volatilidade das taxas de juros e de
câmbio, abrindo espaço para uma crescente desintermediação financeira (FILGUEIRAS, 2000).
A desregulação dos mercados financeiros nos Estados Unidos e na Inglaterra
ocorre na década seguinte, impulsionada, sobretudo, pela necessidade dos Estados Unidos
financiarem seu enorme déficit comercial. Por fim, a queda das barreiras que separavam os
mercados nacionais dos internacionais, com a incorporação dos “mercados emergentes” a
partir da década de 90 do século passado, completa o processo de globalização financeira,
mundializando os circuitos financeiros da acumulação. Esse novo quadro da acumulação
capitalista, se de um lado permite aos países periféricos montarem suas estratégias de
estabilização, apoiadas, precariamente, nos fluxos internacionais de capitais de curto prazo, de
outro lado, enfraquece a capacidade de seus governos fazerem políticas macroeconômicas,
evidentes no caso da Argentina com a adoção do sistema cambial de currency board, e no
Brasil, com a manutenção de elevadíssimas taxas de juros (FILGUEIRAS, 2000).
Embora os oligopólios, os bancos, a formação do capital financeiro, a liderança
dos países desenvolvidos sobre os periféricos e o conteúdo “imperial” desta dominação já
estivessem presentes desde o século XIX, como analisa Druck (1999), é no século XX que os
elementos constitutivos do processo de globalização chegam a situações-limite. Sem dúvida,
esses elementos vêm determinando mudanças quantitativas e qualitativas na economia de
mercado, mas é o superdimensionamento do mercado financeiro, através do volume de aplicações
de capitais que se reproduzem pela especulação de curto prazo, explicitando o conteúdo
essencialmente fictício e improdutivo desses capitais, que primeiro expressa essa situaçãolimite. Esse crescimento contínuo ocorre em prejuízo do capital produtivo à medida que o
retorno proveniente da especulação é maior e mais rápido, implicando uma redução dos
investimentos na produção, portanto, sobrepondo-se a lógica financeira à lógica produtiva.
90
Também na última metade do século passado as novas tecnologias e os novos
padrões de gestão e organização do trabalho (“pós-fordismo’ ou “neofordismo”) produzem o
desemprego estrutural nos países centrais do capitalismo, constituindo-se numa das grandes
novidades da sociedade global. Naqueles países, precarizam-se as condições e as relações de
trabalho (tempo de trabalho parcial, contratos por tempo determinado, trabalho temporário e
em domicílio, subcontratação e outros), transformando quantitativa e qualitativamente a
exclusão social no Primeiro Mundo. No caso dos países periféricos, tem-se o aprofundamento
da exclusão, caracterizada agora como regressão, isto é, aqueles trabalhadores que já foram
incluídos perdem o emprego ou deixam de ter-lhe acesso. Na América Latina, vários países têm
sofrido crescente desindustrialização com destruição de milhares de postos de trabalho, que
não se reproduzem na mesma proporção em outros setores da economia, nem mesmo na área
de serviços, apesar da crescente terciarização (DRUCK, 1999).
Assim, a globalização pode ser resumidamente apresentada como constituída dos
seguintes elementos: 1) acentua-se e consolida-se a liderança econômica de empresas
oligopólicas e de grandes bancos, que se tornam os principais atores no mercado, em particular
no mercado financeiro internacional; 2) a revolução tecnológica e as novas políticas de gestão e
organização do trabalho determinam uma nova estrutura dos mercados de trabalho, sendo o
desemprego estrutural um dos principais resultados; 3) as grandes nações capitalistas
reafirmam sua liderança política e econômica, subordinando e intensificando a dependência
das nações periféricas; 4) o ideário neoliberal se torna dominante mundialmente (DRUCK,
1999).
Ao conjunto de condições materiais da “acumulação flexível” corresponde um
imaginário social que busca justificá-las (como racionais), legitimá-las (como corretas) e
dissimulá-las enquanto formas contemporâneas de exploração e dominação. Esse imaginário
social é o neoliberalismo como ideologia que toma como o ser da realidade a fragmentação
econômico-social e a compressão espaço-temporal gerada pelas novas tecnologias e pelo
percurso do capital financeiro. Essa ideologia corresponde a uma forma de vida determinada
pela insegurança e violência institucionalizada pelo mercado. O paradigma do consumo
tornou-se o mercado da moda, veloz, efêmero e descartável. Ideologia que relega à condição de
mitos eurocêntricos totalitários os conceitos que fundaram e orientam a modernidade: as idéias
de racionalidade, universalidade, o contraponto entre necessidade e contingência, os problemas
da relação subjetividade e objetividade, a história como dotada de sentido imanente, a
diferença entre natureza e cultura. A lógica da “acumulação flexível” realiza três grandes
inversões ideológicas: substitui a lógica da produção pela da circulação; substitui a lógica do
91
trabalho pela lógica da comunicação; e substitui a lógica da luta de classes pela lógica da
satisfação-insatisfação dos indivíduos no consumo (CHAUI, 1999).
Na compreensão de Ianni (1995), a fase atual de acumulação do capitalismo
termina um ciclo importante de lutas de classes em escala nacional e mundial, mas não
terminaram as desigualdades, tensões e contradições que continuam a estar na base da vida das
nações. Assim, esse momento pode ser um ponto de inflexão na História, assinalando apenas o
fim de um ciclo e o começo de outro, pois é no ciclo que termina que se formam alguns dos
traços mais característicos da sociedade global que surge, com suas tensões, contradições e
perspectivas.
Para Frigotto (1999, p. 3-4), a globalização assume uma especificidade
[...] que é, em essência, o desbloqueio dos limites sociais impostos ao capital
pelas políticas do Estado de bem-estar social. É, também, nesse sentido, uma
revanche contra as conquistas sociais da classe trabalhadora. O ideário da
globalização, em sua aparente neutralidade, cumpre um papel ideológico de
encobrir os processos de dominação e de desregulamentação do capital e,
como conseqüência, a extraordinária ampliação do desemprego estrutural,
trabalho precário e aumento da exclusão social. [...] processo de globalização
com uma velocidade sem precedentes, viabilizada por novas tecnologias
microeletrônicas, informacionais e energéticas e com formas de exclusão,
também sem precedentes, sustentadas pela ideologia e políticas neoliberais.
Trata-se de políticas fundamentalmente orientadas para garantir os lucros do
capital financeiro, em sua maior parte especulativo.
Mas, em sentido contrário a ideologia da globalização, amplia e aprofunda, diz
Frigotto (1999, p. 4) a contradição entre as possibilidades tecnológicas de satisfazer
necessidades básicas e as relações sociais de exclusão. E complementa:
As novas tecnologias aplicadas à produção agrícola, por exemplo, permitem a
organismos como a FAO afirmar que há hoje a capacidade de produzir
alimentos em abundância para 12 bilhões de pessoas. Isso choca-se
brutalmente com uma realidade em que mais de três bilhões, dos seis bilhões
de habitantes do planeta, vivem em níveis lamentáveis de subnutrição
(DEBRAY; ZIEGLER, 1995 apud FRIGOTTO, 1999). Os escritores Hans
Peter Martin e Harald Schumann (1996) caracterizam essa sociedade de final
de século com o neologismo – “sociedade 20 por 80”. Uma realidade que
estende 20% aos direitos sociais e individuais e exclui deles 80%
É nesse contexto que se discutem os novos conteúdos do trabalho, a redefinição
dos sujeitos sociais e a nova forma de organização social e política; enfim, o futuro da
sociedade do trabalho.
O debate que se trava hoje entre os estudiosos tanto dos países desenvolvidos
como dos subdesenvolvidos tem como eixo central o desemprego estrutural e a exclusão social.
Assim, a globalização da exclusão, a globalização da miséria e a globalização do desemprego,
levando-se em consideração os diferentes processos históricos regionais e nacionais, assumem
92
um conteúdo global, indicando que é, ainda, a partir da categoria trabalho que se trava o
debate acerca das bases de convivência social que sustentam a sociedade nesse novo contexto
mundial (DRUCK, 1999).
Pode-se concluir, a partir dos autores analisados, que a clara incapacidade orgânica
do capital democratizar o imenso avanço das forças produtivas, deve levar a humanidade a
mudar, se quiser evitar a barbárie e a destruição das condições materiais da vida humana. O
último parágrafo da Era dos Extremos, de Hobsbawm (1995, p.562) sintetiza a análise que se
realiza até esse momento.
Não sabemos para onde estamos indo. Só sabemos que a história nos trouxe
até esse ponto e – se os leitores partilham da tese deste livro – porquê.
Contudo, uma coisa é clara. Se a humanidade quer ter um futuro
reconhecível, não pode ser pelo prolongamento do passado ou do presente.
Se tentarmos construir o terceiro milênio nessa base, vamos fracassar. E o
preço do fracasso, ou seja, a alternativa para uma mudança da sociedade, é a
escuridão.
Finalmente, a “acumulação flexível” veio substituir o regime fordista ou, a “era de
ouro” (HOBSBAWM, 1995) do capitalismo. Assim, para se problematizar os novos padrões
de relações entre capital e trabalho, privilegiando-se seus conteúdos políticos, pretende-se
retomar, resumidamente, os elementos constitutivos do fordismo e as razões que provocaram
sua crise no início dos anos de 1970, e como este se expressou no Brasil.
4.1 - A Crise do Fordismo
O modelo fordista pode ser compreendido a partir de duas formulações desenvolvidas
pelos autores da Escola da Regulação Francesa.16 Uma delas compreende esse modelo enquanto
17
a aplicação e aperfeiçoamento das práticas constituidoras do taylorismo, possuindo as seguintes
características: aprofundamento da separação entre planejamento e execução do trabalho;
fragmentação e especialização das tarefas; aumento da subordinação do trabalhador ao ritmo da
produção, introduzindo a mecanização ao processo de produção em série de bens padronizados;
rígida divisão do trabalho e consumo de massa. Portanto, o taylorismo, enquanto prática
gerencial do capital, desempenha, no plano da subjetividade, o papel de consolidar a subsunção
real do trabalho ao capital. Assim, o objetivo central da “gerência científica” é:
16
Seus autores, tais como: M. Anglietta, Boyer e Lipietz estudaram as transformações da economia capitalista sob
o enfoque da acumulação do capital. Sobre o assunto ver Druck (1999).
17
Frederick W. Taylor foi fundador da “gerência científica do trabalho” ou “administração científica do trabalho”
– daí “taylorismo”, cujas formulações resultaram em um novo padrão de gestão e organização do trabalho,
realizado a partir de suas experiências e práticas de trabalho em uma fábrica, observando e estudando os tempos
e movimentos realizados, em cada operação, no processo de trabalho.
93
[...] assegurar o máximo de prosperidade ao patrão e, ao mesmo tempo, o
máximo de prosperidade ao empregado. Para o empregador, isto significa
obter grandes dividendos, desenvolvimento de sues negócios. Para o
empregado, além dos salários mais altos, há um fato de maior importância:
[...] o aproveitamento dos homens de modo mais eficiente [...] (TAYLOR,
1987, p. 31).
Outra formulação da Escola da Regulação entende o fordismo como um padrão
de acumulação que transcende o chão da fábrica, enquanto um padrão de regulação de toda a
sociedade, implementando um novo modo de vida, um novo tipo de homem, portanto um
novo tipo de trabalhador, através da combinação da força e persuasão utilizadas pelo capital.
Nesse sentido, o fordismo estabelece um novo comportamento cultural fundamentado na
disciplina e racionalidade capitalista. É identificado como um regime hegemônico, no qual o
consenso predomina sobre o uso da força (buscando a adesão dos trabalhadores) e o capital
busca um maior controle sobre toda a sociedade, consolidando sua dominação sobre o
processo de trabalho que resulta na intensificação da exploração da força de trabalho (JESUS,
2003).
Do ponto de vista de Bihr (1998), o fordismo é um “regime de acumulação
intensiva do capital”, baseado na extração da mais valia relativa, isto é, “no aumento do
trabalho excedente pela diminuição do tempo de trabalho necessário à reprodução da força de
trabalho do proletariado, graças ao aumento contínuo da produtividade média do
trabalhador”.
A implantação do fordismo representou para o proletariado: a) aceitação da
dominação do capital sobre o processo de trabalho; b) satisfação dos desejos mais imediatos da
classe operária – sua seguridade social, entendida como garantia de maior estabilidade no
emprego e satisfação de necessidades básicas como: educação, saúde, habitação, lazer etc.
Nessa perspectiva, a implantação do fordismo baseou-se em um compromisso
entre o proletariado e a burguesia, que possibilitou um pacto social entre capital e trabalho,
mediado pelos órgãos representativos das classes burguesa e trabalhadora e o Estado. Este
assume o papel de co-gestor do processo de acumulação do capital, responsabilizando-se por
criar as condições de infra-estrutura (geração de energia para as indústrias, por exemplo),
definindo os direitos trabalhistas e as normas de consumo e regulando o processo de
acumulação do capital por meio das políticas monetárias e orçamentárias (FERREIRA et al,
1991 apud JESUS, 2003).
A imagem do Estado, como órgão responsável pelo “bem coletivo”, é reforçada
com a criação do Estado do bem-estar social, que garante a manutenção do padrão de
consumo e a reprodução da força de trabalho, na medida em que protege o trabalhador dos
94
acasos sociais e naturais: doença, desemprego, velhice, despesas com educação dos filhos etc. O
Estado institui o salário social através de recolhimentos de impostos ou cotizações sociais
obrigatórias. Enfim, o período fordista significou um aumento da dependência dos
trabalhadores tanto prática quanto ideológica, em relação ao Estado do bem-estar. Assiste-se
no fordismo a uma massificação do processo de consumo impulsionada pelo crescimento do
salário, pela instituição do salário indireto e pela implementação do crédito para o consumo
(BIHR, 1998).
A consolidação do regime fordista possibilita, segundo Castel (1998), a
constituição da sociedade salarial, onde os trabalhadores podem receber não apenas a renda,
mas o reconhecimento e proteção social, possibilitando a formação de um novo tipo de
segurança relacionada ao trabalho e não apenas à propriedade.
Foi também no fordismo que se acelerou o processo de urbanização no conjunto
das formações ocidentais, reconfigurando-se não apenas os espaços geográficos, como os
profissionais, sociais e culturais do trabalhador. Nesse sentido, ao tempo em que provoca uma
perda de identidade e um desenraizamento em relação ao trabalhador de ofício, cria as
condições favoráveis para o agrupamento dos trabalhadores fordistas, dentro e fora da fábrica,
possibilitando às futuras gerações a organização em torno de seus interesses de classe, dada a
constituição de uma nova mentalidade, um novo tipo de racionalidade instituída na fábrica, e
disseminada para outras instituições: escola, família, religião. Assim, “Os homens que vivem do
trabalho não podem ser domesticados e adestrados através exclusivamente da coerção. É
indispensável educá-los para persuadi-los e obter seu consentimento para esse novo modo de trabalho
e de vida” (GRAMSCI, 1984 apud JESUS, 2003, p. 36).
Esse novo estilo de vida é denominado por Jesus como habitus fordista, que se
refere ao movimento de internalização das estruturas exteriores e da externalização dos sistemas
de disposições incorporados através das práticas dos agentes sociais, tendo como referência o
compromisso estabelecido entre burguesia e proletariado.
O habitus fordista é marcado, tanto pelo processo de trabalho, como também pelas
relações entre os agentes sociais (ou classes), dos padrões culturais e de consumo, que confere
ao mundo social um ritmo de continuidade, estabilidade e regularidade. Jesus (2003, p. 38)
afirma que:
a experiência do tempo pode ser definida através do lema “longo prazo”, isto
é, as formas de sociabilidade são baseadas em relações sociais definidas e
duradouras, instituições políticas fortes e legitimidade dos órgãos
representativos das classes.
Pode-se ainda dizer, continua a autora:
95
[...] que no regime fordista as disposições passadas, ou o habitus herdado,
sobrevivem no presente e tendem a continuar existindo no futuro. [...] Esse
novo modo de vida foi denominado por Gramsci de americanismo, isto é,
jeito americano de viver (JESUS, 2003, p. 38-39).
O período do fordismo, denominado por Hobsbawm (1995) de “era de ouro do
capitalismo”, não se apresentou de maneira uniforme nas diferentes conjunturas nacionais. Ao
contrário, foi adaptado às condições históricas dos diversos países.
A partir das configurações históricas de cada nação, Boyer constroi uma tipologia
sobre o fordismo, que é interpretada por Druck (1999, p.52) da seguinte forma:
[...] o caso japonês configuraria o que ele chama de “fordismo híbrido”, na
ex-Alemanha Ocidental teríamos um “fordismo flexível” ou “flex-fordismo”,
na Suécia um “fordismo democrático”, na Itália um fordismo retardatário e
imperfeitamente institucionalizado”, na França um “fordismo impulsionado
pelo Estado”, na Grã-Bretanha um “fordismo falho ou defeituoso”, enquanto
nos Estados Unidos seria o país do “fordismo genuíno”.
Também se formula, a partir das diferenças históricas de cada nação, a noção de
“fordismo periférico” (LIPIETZ apud DRUCK, 1999) para designar sua aplicação nos países
considerados como semi-industrializados, dentre os quais se inclui o Brasil. Contudo, alerta o
autor, há uma heterogeneidade tanto em termos de período histórico quanto ao próprio
conteúdo da industrialização em cada país. Assim, o fordismo enquanto regime de acumulação
não se apossa de toda periferia e, enquanto forma de industrialização não resume toda a
industrialização, na periferia. Esse cuidado, ao se discutir o fordismo, é fundamental para que
se possa analisar o caso do “fordismo periférico” no Brasil, demonstrando quais são suas
principais características e analisando a forma “nacional” por ele assumida.
4.2 - O Fordismo no Brasil
Embora a adesão ao taylorismo (VARGAS, 1985) tenha se anunciado no Brasil a
partir da década de 1920, foi após a crise de 1929, precisamente com a Revolução de 30, que é
apresentado como forma de “racionalização do trabalho”, e que tem sua expressão mais
organizada com a formação do Instituto de Organização Racional do Trabalho (Idort) em
1931, por lideranças do empresariado paulista. Sua difusão é indicada como forma de fazer
frente à “agitação reivindicatória” trazida pela revolução, assim como para responder ao
recrudescimento das lutas de classes tão “prejudiciais” ao desenvolvimento do país (DRUCK,
1999).
É na administração pública, principalmente no Estado de São Paulo, e em suas
ferrovias, que se propagam as práticas tayloristas. Assim, a criação do Departamento
96
Administrativo do Serviço Público (Dasp) representa um reforço ao trabalho do Idort na
medida em que se torna propagador das idéias tayloristas.
Numa primeira fase de difusão do taylorismo, a preocupação do empresariado
brasileiro é de incentivar o ensino industrial – daí a criação do Serviço de Aprendizagem
Industrial (SENAI) e do Serviço Nacional da Indústria (SESI) – no sentido de qualificar a
mão-de-obra nacional para que pudesse substituir os operários estrangeiros, fonte de lutas
sindicais. O objetivo desse ensino é, justamente, “educar” e disciplinar os trabalhadores, no
trabalho e fora dele, como forma de adequar seu comportamento social às novas exigências do
processo de industrialização. Nesse sentido, a qualificação dos trabalhadores é marcada, desde
o início, pela ideologia da racionalização (DRUCK, 1999).
Em nome da conciliação de interesses e da cooperação entre empresários e
trabalhadores, impunha-se o controle sobre o movimento sindical através da nova legislação
trabalhista e do sindicato coorporativo, criados no governo Vargas e controlados pelo Estado.
Do mesmo modo, os usos da força e da repressão policial visam adequar politicamente a classe
trabalhadora ao desenvolvimento industrial.
Portanto, a implantação das práticas tayloristas no Brasil conta com a intervenção
direta do Estado, de um lado, no controle dos sindicatos tendo em vista sua estrutura
verticalizada e coorporativa; de outro, através da legislação trabalhista que regulamenta o
mercado de trabalho.
Mas os trabalhadores não deixam de se revoltar contra as práticas racionais do
trabalho, manifestando-se, já que são impedidos de realizar movimentos coletivos mais amplos,
através da baixa produtividade e do absenteísmo, o que se torna um problema grave para os
empresários.
É no governo Kubitschek, com a implantação da indústria automobilística, que
incentiva a internacionalização da indústria brasileira, que a “gerência científica do trabalho”
pode ser aplicada com maior segurança, pois as multinacionais trazem o padrão fordista de
gestão do trabalho e as lutas dos operários ficam limitadas pelo tipo de estrutura sindical
atrelada ao Estado.
Assim, o fordismo que é implantado no Brasil se constitui em um modelo de
acumulação excludente e concentrador de renda, diferente do desenvolvido nos países centrais
onde são criados mercados de consumo em massa, assim como o chamado compromisso
fordista, já tratado anteriormente. Também não existe um Estado de bem-estar social, a
exemplo dos países desenvolvidos. No Brasil, as classes subalternas não conseguem atingir nem
97
mesmo a “cidadania do fordismo”, que fica restrita a alguns poucos segmentos de
trabalhadores.
No Brasil, instala-se o “fordismo periférico”, como denominam os regulacionistas,
no qual o uso da mão-de-obra assume um caráter predatório, marcado pela alta rotatividade da
força de trabalho, em que a maioria dos trabalhadores recebe baixos índices de remuneração,
exceto os trabalhadores das estatais os quais passam a ser os representantes da relação de
trabalho fordista. Nessa perspectiva, o processo de assalariamento no Brasil se diferencia dos
países capitalistas desenvolvidos, assumindo o emprego um conteúdo particular e, como
resultado, produz um mercado de trabalho também singular (DRUCK, 1999).
Druck (1999) justifica a permanência dessa lógica mais geral no processo histórico
de desenvolvimento do capitalismo no Brasil, a partir das seguintes justificativas:
a) ocorreu ao mesmo tempo o desenvolvimento da fase mais moderna da industrialização com
outras modalidades de produção e de trabalho, sendo que estas são reproduzidas e
realimentadas pelo próprio desenvolvimento capitalista;
b) essas outras modalidades influenciam a formação do mercado de trabalho, que convive com
um desemprego estrutural crônico. Contingentes de trabalhadores são autônomos,
temporários, provisórios, portanto, excluídos das relações de trabalho tipicamente fordistas,
o emprego socialmente protegido. São esses trabalhadores que dão o “tom” ao mercado de
trabalho brasileiro;
c) a atividade de trabalho, apesar do desemprego estrutural crônico, é regida pela racionalidade
taylorista-fordista e o “novo homem adaptado à nova forma de produzir” se impõe como
hegemônico;
d) o assalariamento, diferentemente das normas fordistas dos países desenvolvidos, não inclui
ganhos de produtividade aos salários;
e) por fim, um Estado forte e autoritário, controlador e interventor dos instrumentos de
organização sindical se impõe e contribui, decisivamente, para fortalecer uma racionalidade
sustentada em um padrão de uso predatório da força de trabalho.
É na década de 1980, quando se aprofunda a crise de esgotamento do modelo de
substituição de importações, ou da forma que o Brasil assumiu o fordismo, que esse cenário
modifica-se, refletindo, em grande medida, a crise do fordismo no plano mundial.
No âmbito do mundo do trabalho, ao mesmo tempo em que se aprofundam e se
agravam as características permanentes do mercado de trabalho, da gestão e organização do
trabalho e de suas relações, surgem, de forma pontual, em alguns setores da atividade
produtiva, iniciativas que procuram dar conta daquela nova situação. Assim, por um lado,
98
procuram responder às exigências da nova redefinição da ordem econômica, da divisão
internacional do trabalho – novas bases da competitividade internacional. De outro, buscam se
adaptar ao quadro de crise nacional, inclusive no âmbito fabril, com mobilizações dos
trabalhadores por maior participação e controle sobre o processo de trabalho.
A alternativa encontrada pelo empresariado brasileiro para enfrentar a crise interna
e o novo quadro de competitividade internacional é utilizar estratégias centradas,
essencialmente, em práticas de gestão do trabalho que mobilizam os trabalhadores, ganhandoos enquanto “parceiros”.
Segundo Antunes (1999), a crise do fordismo exprime, em seu significado mais
profundo, a crise estrutural do capital, vez que aparece como crise econômica, que se expressa na
queda da taxa de lucro, mas seu núcleo é marcado pelo fracasso do padrão de produção (e de
dominação) estabelecido. Como resposta a essa crise, inicia-se um processo de reorganização deste e
do seu sistema ideológico e político de dominação, cujos contornos mais evidentes são o advento
do neoliberalismo, com a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e a
desmontagem do setor produtivo estatal, da qual a era Thatcher-Reagan é a expressão mais forte.
Segue-se também um intenso processo de reestruturação da produção e do trabalho, com vistas a
dotar o capital do instrumental necessário para repor os patamares de expansão anteriores.
Portanto, entender essa crise, seus elementos constitutivos, é de grande
complexidade, dado que ocorrem mutações intensas: econômicas, sociais, políticas e
ideológicas, com fortes repercussões no ideário, na subjetividade e nos valores da classe-quevive-do-trabalho.
Os estudos produzidos por Pochmann (1998, 1999, 2000, e 2001), Dedecca
(1998, 1999), Mattoso (1998), Druck (1999), Filgueiras (2000), Borges e Druck (2002) e
Borges (2003) demonstram que a crise vivida pelo capitalismo contemporâneo, com
dominância de uma nova orientação política, em um contexto de crescente instabilidade
econômica, pelo menos nesses últimos vinte anos, se traduz em mudanças nos mercados e nos
sistemas nacionais de relações de trabalho, promovendo maior desigualdade social nos países
desenvolvidos e agravando, mais ainda, a situação dos países periféricos.
4.3 - O Mercado de Trabalho na Década de 1990
As mudanças que ocorrem nas estruturas do emprego e no perfil do desempregado
dos países capitalistas avançados, nas últimas décadas do século passado, assumem um caráter
complexo, transformando o mercado de trabalho em uma estrutura que se assemelha a um
99
caleidoscópio de formas de inserção na atividade produtiva, emergindo um novo processo de
exclusão social, bastante diferenciado de épocas passadas do capitalismo (DEDECCA, 1999).
Apesar da crise econômica ter afetado as economias nacionais como um todo, gera
conseqüências sociais diferenciadas em cada país. Além disso, a reestruturação produtiva e a do
emprego e o elevado grau de terciarização dessas economias, com a incorporação de novas
tecnologias e métodos organizacionais, limitam em muito as perspectivas de recomposição do
nível de emprego, gerando uma progressiva heterogeneidade ocupacional, assim como das
próprias situações de desemprego. Por fim, a crise se manifesta em estruturas produtivas
desenvolvidas, caracterizadas pelo avançado grau de industrialização e de consumo
(DEDECCA, 1999).
Essa crescente heterogeneidade das relações de trabalho, afirma Dedecca (1999), se
manifesta tanto pela perda de importância do standard employment relationship, acompanhada
dos empregos precários, quanto pela fragmentação das relações no núcleo dos empregos
estáveis socialmente protegidos.
Atualmente, há um amplo reconhecimento da forte tendência à terciarização da
atividade econômica, e também se tem produzido consenso a respeito da tendência mundial ao
crescimento do desemprego e à precarização do emprego assalariado, traduzida em piores
condições de trabalho; rebaixamento dos níveis salariais; “flexibilização” das relações de
trabalho; maior facilidade de rompimento de contratos etc. Esses processos afetam
profundamente o mundo do trabalho, trazendo para o centro da agenda pública, inclusive nos
países centrais, a questão do desemprego, invertendo, com isso, a perspectiva de análise que,
até aquele momento, discutia as formas de uso produtivo do trabalho. Esses processos levam a
uma certa “desnaturalização” dos modos instituídos de organização da produção nos países
centrais, que passam a se dar conta de sua própria “informalidade” e a duvidar do “paradigma
do mercado” como referência analítica. A informalidade se universaliza, mas agora se torna
sinônimo de “flexibilização” ou “desregulação”, quando não simplesmente de “clandestinidade”
(MACHADO da SILVA, 2002).
Na verdade, houve um duplo deslocamento na noção de informalidade: 1) da
análise dos processos econômicos para a esfera política, enfatizando a (des)regulação estatal das
relações de trabalho; 2) da compreensão de um “setor” ou “economia” informal para
“processos”, “práticas” ou “atividades” informais diferenciadas. É nesse momento que a noção
de informalidade começa a perder força, pois, pouco a pouco, vai se tornando sinônimo de
“flexibilização” das relações de trabalho, deslocando o foco das questões substantivas do
processo produtivo para sua regulação político-institucional (MACHADO da SILVA, 2002).
100
Para se ter uma dimensão da situação do mercado de trabalho em países
desenvolvidos, cita-se dois fatos: 1) o presidente da central DGB, da Alemanha, Dieter Shulte,
afirma que no final da década de 1990, eram cerca de 4,4 milhões de desempregados, situação só
comparável a que precedeu ao nazismo; 2) o presidente da AFL americana, com 13 milhões de
sindicalizados, afirma que nos EUA, com o sucesso do mundo globalizado, os empregados estavam
trabalhando mais, ganhando menos e sem proteção social, pois 40 milhões de americanos
trabalhavam sem seguro-saúde (FRIGOTTO, 2001).
Para sintetizar a discussão dos efeitos da globalização sobre o mercado de trabalho e a
sociedade contemporânea apropria-se do pensamento de Singer (1996 apud FRIGOTTO, 2001,
p. 43) que afirma:
[...] no Primeiro Mundo, a globalização inverteu o sentido da evolução: o
desemprego é alto e persistente, a renda se concentra, a pobreza volta a
crescer depois de ter quase desaparecido, a exclusão social torna-se cada vez
maior, trazendo em sua esteira a xenofobia, racismo e neofascismo. O Estado
de Bem –Estar Social vai sendo corroído, através de corte do gasto social do
governo, que resulta da redução ampla dos impostos diretos que recaem
sobre as camadas privilegiadas. Nos EUA, o emprego diminuiu menos, mas
perde em qualidade: cada vez mais trabalhadores são privados dos direitos
legais e contratuais atribuídos aos assalariados formais; na Europa, o poder
remanescente dos sindicatos e partidos trabalhistas, social-democratas ou
socialistas preserva a qualidade do emprego em maior grau, mas em
compensação o grande capital investe menos e o desemprego é mais alto.
Para os governos dos países desenvolvidos, a globalização econômico-financeira
que ocorre nos últimos vinte e cinco anos explicita as implicações desses desequilíbrios, na
medida em que, em uma situação de exposição maior do setor produtivo nacional à
concorrência internacional, amplia a vulnerabilidade dos mercados financeiros nacionais aos
movimentos especulativos presente nos principais centros financeiros mundiais.
A superação desses problemas, segundo esse diagnóstico, depende de um processo
de requalificação da mão-de-obra, da reforma dos sistemas do Welfare State, da mudança dos
mecanismos públicos regulatórios de contratação e uso do trabalho e dos sistemas de
negociações coletivas, que possibilitam criar uma nova dinâmica dos mercados de trabalho
nacionais, adequada a uma economia mais globalizada, competitiva e flexível (DEDECCA,
1999).
Embora os problemas relacionados ao mercado de trabalho estejam ocupando espaço
cada vez mais importante na agenda dos debates nacionais, a questão do emprego tem sido tratada,
na maioria das vezes, restrita a variáveis endógenas do mercado de trabalho – funcionamento do
mercado e a situação entre a oferta e a demanda de mão-de-obra. Se se pretende aprofundar a
discussão sobre o trabalho, as causas centrais do desemprego são exógenas, condicionadas por
101
variáveis estruturais, como, dentre outras, as mudanças tecnológicas, a menor capacidade dos
Estados realizarem políticas nacionais, as políticas econômicas conservadoras, o descompromisso
com as metas de pleno emprego e de distribuição da renda, a intensificação da internacionalização
das economias que se dá em ambiente de desregulamentação e de aprofundamento da
concorrência. Portanto, é necessário discutir qual é o formato e o padrão de desenvolvimento
econômico e social que são conformados no final de século passado (MATTOSO, 1999;
POCHMANN, 1999b).
O fato de se identificar, hoje, o desemprego como fenômeno estrutural mundial
não significa a negação de suas especificidades nacionais e das distintas formas de seu
enfrentamento. Nos próximos dois itens, problematiza-se a questão do emprego e do
desemprego no Brasil e na Bahia, especialmente, na década de 1990.
4.4 - Mercado de Trabalho no Brasil
O Brasil vive uma crise sem precedentes na história republicana. Não se trata de
uma crise de desajustamentos criados por uma conjuntura internacional adversa, circunscrita a
certos setores; trata-se do sistema econômico como um todo. As atividades especulativas são as
que mais prosperam. O parque industrial está sendo desestruturado e não se descortina novos
investimentos produtivos. Milhões de pessoas se incorporam ao exército de desempregados. O
país caminha para abrigar a maior mancha de pobreza do hemisfério ocidental. E tudo isso
depois que o país manteve, durante um terço do século XX, uma das taxas mais altas de
crescimento econômico da história de todos os povos; e de ser um dos países que indicava
maior potencial de desenvolvimento. O país dispõe de enormes quantidades de terra por
ocupar, de fontes energéticas abundantes por explorar, de um mercado interno que se coloca
entre os dez maiores do mundo, de uma considerável capacidade de produção de bens de
capital e de um potencial de criatividade tecnológica só igualado à Índia no Terceiro Mundo.
Esse diagnóstico, realizado há cerca de vinte anos por Celso Furtado (1993), não varia muito
dos diagnósticos realizados hoje por economistas, sociólogos, cientistas políticos e
historiadores.
A presente complexidade da fase histórica resulta de um tríplice processo de crise.
Em primeiro lugar, o país sofre as conseqüências de um desajuste estrutural global do sistema
capitalista, decorrente da rápida integração dos mercados nacionais registrada no período de
intenso crescimento compreendido entre o fim da Segunda Guerra Mundial e a primeira
metade dos anos 70 do século passado. Em segundo, o país enfrenta uma crise financeira
102
internacional, mais precisamente uma crise do sistema bancário privado internacional, que se
expande de forma inusitada e fora de qualquer disciplina e controle, a partir de fins dos anos
60. Em terceiro, o Terceiro Mundo vive (não só ele) um descomunal processo de
endividamento externo que veio aprofundar a sua situação de dependência (DEDECCA,
1999; FILGUEIRAS, 2001).
Mas é com a desaceleração econômica pós-1997 que o Brasil passa a viver a sua
mais grave crise de desemprego, cujas taxas passam a assumir proporções sem paralelo na
história do país, atacando o tecido social brasileiro tal como epidemia, cuja complexidade da
manifestação somente pode ser entendida a partir do período de duas décadas de estagnação
econômica e pela ação, desde 1990, de um novo modelo econômico de inserção internacional
desfavorável ao país.
Praticamente em todos os anos da década de 1980 a crise econômica é a tônica,
cujos reflexos são percebidos pela ocorrência do aumento do desemprego e a alteração da
População Economicamente Ativa18 (PEA), com as pessoas se deslocando do setor industrial
para o setor informal. Na década de 90 do mesmo século, o comportamento da atividade
econômica é muito semelhante à anterior, verificando-se forte contração na taxa de
crescimento do produto, só que desta vez, motivada pela implantação de um programa
econômico cujos principais objetivos são: estabilizar o nível de preços e iniciar um conjunto de
mudanças de natureza estrutural, com conteúdo fortemente liberal, redefinindo a forma como
o país se insere no plano internacional, assim como o modo de relacionamento do Estado
brasileiro com a sociedade (CACCIAMALI, 1999a).
O Plano Brasil Novo da era Fernando Collor, início dos anos de 1990, engendra
um redirecionamento da economia brasileira através da promoção de uma política de abertura
do mercado nacional aos produtos do exterior, que implicam na intensificação de mudanças
tecnológicas e organizacionais, principalmente no setor industrial, as quais têm como objetivo
a elevação dos níveis de produtividade e qualidade dos produtos nacionais, com o intuito de
concorrer com os internacionais.
Essa política faz cair o nível de emprego no setor industrial e, em cascata, nos
demais setores da atividade econômica. Somente em 1993, a atividade econômica se recupera
após o impeachment de Collor e a instalação do governo Itamar Franco, período onde há
pequena recuperação dos postos de trabalho na indústria, mas ainda com a inflação em alta. É
em 1994, com a implantação do Plano Real pelo governo Fernando Henrique Cardoso, que
18
Por PEA entende-se as pessoas com mais de 10 anos de idade que ativamente encontram-se trabalhando ou à
procura de ocupação no mercado de trabalho.
103
há estabilização do nível dos preços, contudo, gerando como conseqüência um inexpressivo
crescimento econômico propiciado pela dependência do Plano Real para com os capitais
especulativos internacionais. Essa dependência explica as diferentes conjunturas vividas a partir
de sua implantação, até os dias atuais, e refletem o impacto da ocorrência de crises cambiais em
outras partes do mundo, especialmente no México, na Ásia, na Rússia, no próprio Brasil, e,
mais recentemente na Argentina. Essa política econômica implica em taxas de crescimento
medíocres, com a agravante de que, no mercado de trabalho brasileiro, a cada novo ano, cerca
de 1,5 milhão de pessoas são incorporadas (FILGUEIRAS, 2000).
A epidemia do desemprego nacional decorre da menor evolução dos postos de
trabalho diante da expansão da PEA. A população ocupada, por exemplo, cresce 14,6%, no
período entre 1989 e 1998, enquanto a PEA total aumenta 22,6%, o que influencia
diretamente no aumento do desemprego no conjunto do país. Nos anos noventa, dos 13,6
milhões de pessoas que ingressam no mercado de trabalho, somente 8,5 milhões obtêm acesso
a algum posto de trabalho, gerando um excedente de mão-de-obra de 5,1 milhões de
desempregados. A cada ano, na média, 1,5 milhão de pessoas ingressam no mercado de
trabalho; porém, apenas 943 mil pessoas têm acesso à ocupação (POCHMANN, 2001).
Diferentemente do período entre 1932 e 1980, quando o Brasil leva avante um
dos mais bem-sucedidos modelos de crescimento econômico, fundado na ampla difusão do
emprego assalariado com registro formal (a cada dez postos de trabalho criados, sete eram com
registro formal) através do projeto de industrialização nacional, durante a década de 1990 a
cada 10 empregos criados somente 2 eram assalariados, porém sem registro formal,
configurando ocupações precárias, com baixos rendimentos, instabilidade contratual, o que
pode ser caracterizado como expansão do desemprego disfarçado (POCHMANN, 2001).
Reconhecendo-se que o emprego assalariado representa o que de melhor o
capitalismo brasileiro ofereceu para sua classe trabalhadora, pois estava acompanhado de um
conjunto de normas de proteção social trabalhista, pode-se concluir que sua redução absoluta e
relativa, nos anos de 1990, vem acompanhada de aumento de vagas sem registro e de
ocupações não-assalariadas, implicando no aumento considerável da precarização das
condições e relações de trabalho.
No ranking mundial do desemprego, em 1999, o Brasil aparece em 3º lugar,
possuindo, segundo dados da PNAD e do IBGE, 7,6 milhões de desempregados, perdendo
apenas para a Índia, Indonésia e Rússia. Apesar de representar 3,1% da força de trabalho de
todos os países, o Brasil possui, nesse ano, 6,6% do desemprego mundial. Mesmo tendo
104
menos população que a China e os Estados Unidos, a quantidade de desempregados é maior
(POCHMANN, 2001).
Conforme dados da Fundação Seade/Dieese, publicados na Folha Dinheiro em
maio de 2002, que faz esse levantamento desde 1985, a situação piorou. São Paulo, por
exemplo, bateu recorde histórico em abril de 2002 com 20,4% da PEA desempregada. O
desemprego reflete o péssimo desempenho da economia brasileira, diz o professor Anselmo
Luís dos Santos, do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho – Cesit, da
Unicamp. Em abril de 2002, estimava-se que existiam 1,904 milhão pessoas desempregadas na
região, significando 66 mil pessoas a mais do que no mês anterior (março). O desemprego
aumenta porque o nível de ocupação não cresce na mesma velocidade que a PEA, diz o
professor Sérgio Mendonça, Diretor do DIEESE. A expectativa de economistas que
acompanham o mercado de trabalho é que a taxa de desemprego deve continuar subindo no
país porque, mesmo que o governo Lula venha a dar sinais de que pretende alterar a política
monetária, baixando os juros, por exemplo, a economia demoraria meses para reagir.
Esse debate ainda é difuso e tem confundido, mais do que esclarecido as questõeschave do desemprego no Brasil. Verifica-se, ao mesmo tempo, a ausência de convergência
tanto no diagnóstico sobre o desemprego quanto na proposição de alternativas de políticas de
emprego.
São três os componentes básicos do movimento de desestruturação do mercado de
trabalho nacional: 1) o desemprego envolve, genericamente, praticamente todos os segmentos
sociais, inclusive as camadas com maior escolaridade, profissionais com experiências em níveis
hierárquicos superiores e altos escalões de remuneração. Portanto, o desemprego muda de
perfil deixando de atingir apenas segmentos específicos do mercado de trabalho como jovens,
mulheres, negros e pessoas sem qualificação profissional; 2) a regressão dos postos de trabalho
formais, o que contribui para a perda de participação do emprego assalariado –
desassalariamento; 3) a destruição dos postos de trabalho de melhor qualidade, sem a
contrapartida nos empregos criados. No Brasil, o trabalho por conta própria, que tem
realmente se expandido, tem sido o tradicional, o chamado autônomo para o público, nos
quais as condições de trabalho e de remuneração são precárias. Por conta disso, o grau de
subtilização da força de trabalho volta a aumentar a partir dos anos 90 (DEDECCA, 1999;
DRUCK 1999; MATTOSO 1999; FILGUEIRAS, 2001; POCHMANN, 1999a).
Dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD/IBGE),
analisados por Carvalho, Almeida e Azevedo (2001, p. 100) revelam mudanças fundamentais
na distribuição da ocupação nas principais regiões metropolitanas brasileiras entre 1993-1999.
105
Os resultados obtidos desse estudo foram os seguintes: 1) houve desindustrialização absoluta
e/ou relativa da ocupação na maior parte das regiões, especialmente naquelas que concentram
o grosso da indústria brasileira: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre; 2) a
ocupação na indústria de transformação cai em todas as regiões, com exceção de Belo
Horizonte, ainda que tenha sido um crescimento medíocre; 3) em Curitiba, Salvador e em
menor grau em Fortaleza, houve crescimento da ocupação nessa atividade, pois a
desindustrialização é apenas relativa. Contudo, embora a ocupação industrial cresça nessas três
cidades, avança menos que a ocupação nos serviços. Os autores explicam essa situação da
seguinte forma:
[...] se fatores como a acelerada inovação tecnológica destroem empregos na
indústria, ocorre, também, uma migração do capital, que abandona os
grandes centros saturados, atraído pela combinação de incentivos fiscais,
ausência de sindicatos fortes e outras condições da periferia. Este é o caso,
fundamentalmente, da região metropolitana de Curitiba, que tem abrigado
parcela considerável dos novos investimentos automobilísticos no país (p.
100).
Uma outra constatação dos autores diz respeito à expansão da ocupação em novos
serviços, sobretudo nos “serviços auxiliares” (aqueles que apóiam outras atividades econômicas
– empresariais de consumo intermediário) e nos “serviços sociais” (saúde e educação).
Discordando das análises que
justificam a expansão dos serviços “produtivos”,
“complementares”, “modernos” a partir da nova dinâmica da indústria, os autores justificam
essa expansão da seguinte forma:
A questão é ir além desse tipo de visão e reconhecer que muitos segmentos
dos serviços têm hoje uma dinâmica própria no plano regional, crescendo
independentemente da performance imediata da indústria, como ocorre, por
exemplo, com o turismo, a educação e a saúde. Entre outros fatores porque
grandes metrópoles constituem grandes mercados, oferecendo condições para
o crescimento da chamada “economia da urbanização”: pequenas indústrias
de alimentos e confecções, comércio varejista, prestação de serviços etc. Além
disso, elas podem oferecer maiores externalidades – economias de
aglomeração – às empresas que se expandem em escala nacional ou
internacional, na medida em que concentram os segmentos produtivos
destinados ao atendimento ao setor empresarial (CARVALHO; ALMEIDA;
AZEVEDO, 2001, p. 102).
Segundo, ainda, esses mesmos autores, os dados da PNAD, que ajudam a perceber
o grau de especialização de uma determinada região em um determinado ramo de atividade
indicam que quatro regiões são consideradas “especializadas” em atividades industriais: São
Paulo, Porto Alegre (com grande peso na indústria de transformação), Curitiba e Belo
Horizonte (construção civil). Em relação aos serviços, confirma-se o caráter de global city de
São Paulo – peso dos serviços financeiros e do desenvolvimento de seus serviços empresariais.
106
Rio de Janeiro configura-se com terciarização acelerada, marcada com “especialização” em
serviços de utilidade pública, prestação de serviços, transporte e comunicação, serviços sociais
e, particularmente, administração pública. Indicam também o caráter não-industrial das
regiões metropolitanas de Salvador, Recife e Belém, com peso na administração pública e no
comércio. Fortaleza combina com alguma presença de ocupação industrial, importância ainda
grande no comércio, pouco desenvolvimento dos serviços de consumo intermediário e um
menor peso na administração pública.
Os autores concluem a análise comparativa das principais economias
metropolitanas brasileiras afirmando que:
a “guerra fiscal”, associada à migração espontânea do capital industrial
footloose, tem levado ao incremento da participação de algumas metrópoles
periféricas no conjunto da ocupação industrial (indústria de transformação).
Nessa guerra, São Paulo e Rio de Janeiro vêm perdendo. Ganham Curitiba,
Belo Horizonte e umas poucas capitais nordestinas. [...] As regiões mais
dinâmicas estão na periferia próxima do pólo dominante nacional: Curitiba e
Belo Horizonte (CARVALHO; ALMEIDA; AZEVEDO, 2001, p. 102103).
A partir da análise dos estudos de Filgueiras (2001), Mattoso (1999), Pochmann
(1999, 2001), Dedecca (1999), Borges e Druck (2002) e Borges (2003), pode-se afirmar que o
volume e a rapidez da queda no número de postos de trabalho originam-se de dois processos:
a) na abertura comercial, que substitui o antigo modelo de industrialização protegida,
característico do desenvolvimento brasileiro até o final dos anos 80; b) nas transformações
ocorridas na organização e gestão do trabalho no país, nessa mesma década.
Os impactos da reestruturação produtiva das empresas e suas implicações para as
relações de trabalho e sobre o próprio mercado de trabalho, no Brasil, são tratados nos estudos
mais recentes de Antunes (1993, 1999), Franco e outros (1994), DIEESE, (1994, 1997),
Borges e Filgueiras (1995), Castro e Deddeca (1998), Dedecca (1999), Druck (1999),
Pochamnn (1999, 2001, 2002), e Borges (2003), que concluem: 1) o fenômeno do
desemprego ressurge em grandes proporções, atingindo trabalhadores qualificados e
semiqualificados; 2) há forte redução do emprego industrial; 3) a heterogeneidade do mercado
de trabalho, com quase a metade dos trabalhadores ocupados no chamado mercado informal,
caracterizado pela precariedade do vínculo empregatício, duração irregular da jornada de
trabalho, falta de acesso ao sistema de proteção social e pela baixa qualidade e remuneração do
trabalho; 4) diminuição do poder dos sindicatos, sobretudo dos mais organizados.
Mattoso (1995) e Pochmann (1999a) explicam a queda no emprego industrial em
virtude dos seguintes elementos: 1º) a substituição da produção doméstica de bens
comercializáveis internacionalmente por importados; 2º) é endógeno ao processo de abertura
107
comercial, repousando nos ganhos de produtividade (derivam, essencialmente, da adoção de
novas tecnologias, de inovações nos processos de organização social da produção e da adoção
de novas formas de gestão do trabalho) que a indústria de transformação, ao se expor à
competição internacional, teve de obter para fazer frente aos concorrentes externos e internos;
3º) o processo de terceirização dos serviços pela indústria que, no contexto de ampla
reestruturação, conduz à transferência de postos de trabalho formais, desse setor para o
terciário, formal e informal.
Pochmann (1997), comparando os indicadores econômicos do Brasil das décadas
de 1980 e 1990, observa que, nos anos 90, não há sincronia entre o nível de emprego regular
(socialmente protegido) e a evolução do PIB per capita, como havia ocorrido nos anos 80. Esse
deslocamento entre a evolução do nível de emprego formal e o comportamento do PIB parece
derivar de duas fontes: uma que diz respeito à inexistência de crescimento econômico
sustentado e a outra, aos efeitos perversos do Plano Real e das iniciativas de liberação
econômica ocorridas no governo Cardoso.
Por fim, o mercado de trabalho no Brasil, no período 1993/2001, encolhe e piora
de qualidade. Levantamento realizado pelo IBGE, publicado na Folha de São Paulo no
Caderno Dinheiro de 13 de Janeiro de 2001, por Chico Santos, mostra que a parcela inativa
da força de trabalho19 cresce 11,8%, passando de 39% em 1991 para 43,6% em novembro de
2001. Como conseqüência, a população ativa (ocupada ou procurando trabalho) cai 7,5%,
passando de 61%, do contingente com 15 anos ou mais, para 56,4%. Há menos pessoas
trabalhando com carteira assinada e a renda média do assalariado cai. Além disso, aumenta o
tempo de procura por emprego. Em 1991, o tempo médio de procura por emprego é de 13,31
semanas, cerca de três meses. Em novembro de 2001, passa a ser de 20,55 semanas, quase
cinco meses.
A Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE indica que em novembro de
2001, em números absolutos, havia 14.265 milhões de pessoas inativas nas regiões
metropolitanas de Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre.
E da população ocupada (17.302 milhões), apenas 7.768 milhões tinham carteira assinada. Os
desempregados somavam 1.182 milhão.
Para finalizar a discussão sobre o mercado de trabalho no Brasil, estudo recente
produzido pelo Secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São
Paulo, professor Márcio Pochmann (2003), publicado na Folha de S. P., Caderno Dinheiro,
19
Pessoas com 15 anos ou mais que não trabalham nem procuram emprego. Desempregada é a pessoa que está
procurando emprego sem achá-lo.
108
em maio de 2003, indica que o trabalho sem renda regular ou empregador definido
(consultores, autônomos e cooperados, cuja situação não é prevista na CLT) é o que mais
aumenta nos anos 1990. Utilizando dados do IBGE de 1989 a 2001, Pochmann, que classifica
essas atividades desenvolvidas por essa categoria de trabalhadores, como “trabalho alegal”,
informa que as vagas sobem de 22,8 milhões em 1989 para 31,5 milhões em 2001, portanto
há um aumento de 38,16%. Enquanto isso, nesse mesmo período, o número total de
trabalhadores assalariados com carteira assinada – trabalho “legal” – cresce apenas 14,35%. E
aqueles considerados trabalhadores “ilegais”, que têm renda regular e empregador definido,
mas sem carteira assinada, caem 2,13%.
O caso da indústria é emblemático, diz o professor Pochmann. O número de
trabalhadores assalariados (com ou sem carteira assinada) cai 802,4 mil ao longo da década de
1990. Os não assalariados ou “alegais” sobem para 1,352 milhão. Uma das conseqüências
dessa “alegalidade” é que apenas 26,2% do total dos empregados, entre 1998 e 2001,
contribuem para a Previdência.
Nos mesmos dados publicados pela Folha, Pochmann também informa que
quanto maior a escolaridade maior é o desemprego. O saldo de pessoas desempregadas, que
têm nove ou mais anos de estudo é de 3,125 milhões nos anos 1990. No caso de quem não
tem instrução o número cai para 312,2 mil.
Outro aspecto identificado pela Pesquisa Anual de Serviços, divulgada
recentemente pelo IBGE, indica que o setor de serviços é o que sustentou o nível de emprego
em 2001, gerando 382 mil novos postos de trabalho, significando uma expansão de 6,5% em
relação ao ano anterior. Foi também esse setor que pagou melhor, R$ 602,40 em 2001, contra
a média nacional de R$ 595,00, de acordo com a PNAD. Dos subsetores, os que mais
cresceram, em nível de empregos, foram: correio, transportes e outros serviços (representações
comerciais e limpeza urbana). Contudo, os que mais empregam são os serviços prestados às
empresas (auditores, segurança e limpeza) e de prestadores de serviço às famílias (restaurantes,
hotéis e cabeleireiros).
As posições do governo federal, no período 1994/2002, em relação ao
desemprego, estão explicitadas nos documentos oficiais e expressas nas políticas neoliberais que
estavam sendo implementadas. Dizia o governo, em 1998, que o mercado de trabalho
brasileiro passava por grandes transformações nessa década, originárias, de um lado, da
reorientação do modelo brasileiro de desenvolvimento que transitou da industrialização
protegida para uma economia aberta e competitiva, e de outro, do sucesso, ainda em
consolidação, da estabilidade da moeda. A inserção da economia brasileira no processo de
109
globalização trazia substancial impacto sobre os fluxos de comércio e de capitais, sobre a base
tecnológica, gerencial e organizacional das empresas brasileiras e sobre o mercado de produção
e de trabalho. Portanto, os requisitos para enfrentar a questão do emprego em uma economia
aberta e competitiva residiam em: 1) assegurar a estabilidade pelo equacionamento definitivo
do déficit público; 2) dar continuidade às mudanças institucionais que deverão gerar poupança
e atrair novos investimentos, nacionais e estrangeiros, ao criarem um ambiente e expectativas
favoráveis a um ciclo sustentado de crescimento; 3) investir em capital humano, especialmente
na educação básica das crianças e dos jovens, e na formação profissional da força de trabalho;
4) reformar as instituições que regulam o funcionamento do mercado de trabalho e os conflitos
de natureza econômica entre empregadores e trabalhadores (BRASIL..., 1998).
Tudo indica que a situação está se agravando nesse início do novo milênio. Os
dados da pesquisa realizada pelo DIEESE e Fundação SEADE, publicados pela Folha de São
Paulo em maio de 2003, por Cláudia Rolli, indicam que o desemprego bate recorde na Região
Metropolitana de São Paulo, chegando ao maior nível desde 1985, atingindo, no mês de abril
de 2003, 20,6% da PEA. Baixo crescimento econômico, juros altos, aumento do superávit
para 4,25% e aperto nas contas do governo Luiz Inácio Lula da Silva, com redução de gastos e
de investimentos, explicam a piora no emprego, na avaliação de economistas e especialistas em
mercado de trabalho. Na avaliação desses especialistas, o ano 2003 está sendo considerado
“perdido” para o emprego.
Nos anos 90, portanto, o Brasil apresenta sinais de transformações econômicas rápidas
e profundas, responsáveis, em grande medida, pelo aparecimento de novos problemas no mercado
de trabalho – elevadíssimo desemprego aberto, desassalariamento e geração de postos de trabalho
precários, que passam a conviver com os velhos problemas – alta informalidade da mão-de-obra,
baixos salários e subemprego, não resolvidos adequadamente. A seguir, passa-se a discutir a questão
do emprego e desemprego em nível regional, isto é, na Bahia e, especificamente, na Região
Metropolitana de Salvador (RMS).
4. 5 - Mercado de Trabalho na Bahia
Borges e Figueiras (1995), Azevedo (1999), Couto e Couto Filho (1999), Borges
(1999, 2003), Borges e Druck (2002) indicam que as questões do trabalho e emprego na Bahia
refletem, como não poderia deixar de ser, as mudanças em curso na economia mundial e
brasileira. Contudo, são marcadas por características estruturais da economia e da população
regional que moldam, ao longo das últimas décadas, um mercado de trabalho com as seguintes
110
características: 1) a oferta de mão-de-obra, além de numerosa (a quarta maior do país), é
composta por trabalhadores com baixos níveis de escolaridade e insuficiente qualificação
profissional; 2) as oportunidades de trabalho e, sobretudo de emprego, são bastante reduzidas
frente à magnitude da oferta, além de serem de baixa qualidade; 3) na década de 90 há
elevação exponencial das taxas de desemprego de todos os grupos etários e de ambos os sexos.
A RMS foi a campeã do desemprego atingindo em 1999, segundo a PNAD, a taxa de 19,2%
da PEA, quase 1/5 dos trabalhadores disponíveis; 4) apesar do indicativo de queda, as
atividades agrícolas ainda têm grande importância na ocupação de mão-de-obra rural baiana.
Contudo, em relação à média da região Nordeste, a desocupação da mão-de-obra agrícola é
mais lenta na Bahia em virtude das características do agro baiano que ajudam a manter a
produção no campo, apesar do atrasado processo de urbanização estar mais intenso.
Azevedo (1999), analisando as mudanças no padrão de ocupação na RMS, chega
às seguintes conclusões: 1) a década de 90 se caracteriza por maiores dificuldades na ocupação
e menores rendimentos para vários tipos de ocupação; 2) não são significativas as
diferenciações entre características do posto de trabalho: tipo, tamanho da empresa e setor de
atividades para explicar os movimentos declinantes dos rendimentos médios dos trabalhadores;
3) o grau de escolaridade, tempo de serviço e jornada de trabalho não servem para explicar as
diferenças de ganhos; 4) há também uma queda mais do que proporcional dos salários mais
altos que dos mais baixos; 5) a redução da concentração de renda deve-se, portanto, mais ao
empobrecimento dos que ganham relativamente mais, que à melhoria de renda dos que
ganham menos; 6) do ponto de vista social, há pouca alteração das condições de discriminação
previamente estabelecidas no mercado de trabalho da RMS – negros e não-negros ocupados.
O estudo de Azevedo (1999) também revela o aumento da precariedade nas
relações de trabalho em geral, com a expansão dos postos ocupados por assalariados sem
carteira assinada, ao tempo em que declina a participação dos assalariados com carteira e os por
conta-própria. A ampliação da participação dos microempresários na ocupação total da RMS é
outra constatação do estudo.
Do ponto de vista da composição do mercado de trabalho por tipo de ocupação,
Azevedo (1999) conclui que houve aumento das ocupações hierarquicamente superiores, uma
redução das ocupações diretamente ligadas à produção, especialmente à transformação
industrial e à expansão das atividades de serviços em todos os grupos ocupacionais estudados.
Evidencia também o aumento no grau de escolaridade dos ocupados e o crescimento da
parcela com mais de dez anos de serviço, indicando que os processos de ajuste recaíram de
forma distinta sobre os trabalhadores que possuem diferentes níveis de conhecimento.
111
Borges e Filgueiras (1995), analisando os dados referentes ao mercado de trabalho
da Região Metropolitana de Salvador, nos anos 80, do século passado, informam que esse
período se caracteriza pela expansão desse mercado, quando há ampliação de vagas de postos
de trabalho na indústria, no comércio e, principalmente, nos serviços. Tudo indica que isso só
foi possível pela implantação do Pólo Petroquímico, que movimentou um expressivo volume
de investimentos e pelo expressivo número de contratações realizadas pela administração
pública, particularmente na primeira metade da década. Contudo, alguns problemas que já se
faziam sentir no mercado de trabalho de outras regiões começam a aparecer na RMS: a oferta
de força de trabalho é superior a essa expansão, o que acaba implicando em aumento do
desemprego.
Segundo Borges (2003), as transformações ocorridas no mercado de trabalho na
RMS, na década de 1990, atingem desigualmente os diversos segmentos de trabalhadores:
tanto os segmentos mais situados (homens, adultos e os de elevada escolaridade) quanto os
segmentos historicamente em situação de desvantagem (mulheres, jovens e os menos
escolarizados) como originou novos tipos de pobreza.
Com base em informações da Pesquisa Emprego e Desemprego (PED),20
Carvalho, Almeida e Azevedo (2001a) indicam que há redução de postos de trabalho na
Região Metropolitana de Salvador nos seguintes setores: a) naqueles que experimentam uma
intensa renovação tecnológica e organizacional ou são objetos de privatizações, como a
indústria petroquímica e outros ramos da indústria de transformação; b) nos serviços
creditícios e financeiros; e c) nos serviços de utilidade pública. A construção civil também
reduz postos de trabalho pelas dificuldades de financiamento e a restrição dos investimentos
em obras públicas. Surpreendentemente, há também redução nos postos de trabalho no setor
de serviços pessoais. Não se sabe até que ponto esse fenômeno, que contraria as expectativas e
formulações de vários outros autores, representa ou não uma especificidade da RMS. Como
explicação, os autores levantam a hipótese da aceleração do progresso técnico e da
concentração em estabelecimentos modernos de alguns desses serviços, com a expansão da rede
de franquias, paralelamente ao auto-serviço na área de higiene pessoal (principal segundo
setor), tanto em decorrência de seu encarecimento, após Plano Real, como da mudança de
certos hábitos entre a população.
20
Efetuada em cinco metrópoles brasileiras, que na Região Metropolitana de Salvador é realizada pela Faculdade
de Ciências Econômicas/UFBA em convênio com o Governo do Estado através da SEPLANTEC, o DIEESE e
a Fundação SEAD de São Paulo. As informações da PED utilizadas nesse trabalho referem-se as amostras
agregadas de 1986/87 e 1996/91.
112
Concomitante à redução da ocupação nos setores acima indicados, há expansão
em outros segmentos dos serviços: administração de imóveis (incremento das ocupações em
condomínio e necessidade de maior segurança em habitações coletivas), serviços especializados
(com o crescimento da terceirização e da demanda de novos serviços qualificados como:
consultoria, contabilidade, informática etc), serviços auxiliares (relacionados ao trabalho de
escritórios e de firmas comerciais), atividades de vigilância, limpeza e reparação ou manutenção
mecânicas (objeto de intensa terceirização), serviços de comunicação e diversão e, nas áreas
sociais de educação, saúde, e serviços comunitários. Essa terciarização nova na economia da
RMS se faz num contexto de “reengenharia”, “downsizing” e “flexibilização” crescente do
trabalho (CARVALHO; ALMEIDA; AZEVEDO, 2001a, p. 105).
Como já indicavam Borges e Filgueiras (1995), a redução do quadro de pessoal
atinge todos os setores de atividade, com o avanço do processo de terceirização, precarização
dos vínculos empregatícios, queda dos rendimentos e uma deterioração das condições de
trabalho. Apenas na administração pública, em que os empregados estão protegidos pelo
estatuto da estabilidade, o ajuste vem se dando por uma drástica redução dos salários reais e
pelo uso crescente de estagiários. Registra-se também, em Salvador, uma prática comum em
outras regiões do país e do mundo, qual seja a substituição de trabalhadores de mais baixa
escolarização por outros mais escolarizados para ocupar o mesmo posto de trabalho.
Outro aspecto relevante, constatado por Carvalho, Almeida e Azevedo (2001a) é
que uma parcela importante da expansão da ocupação na RMS se deve ao crescimento do
trabalho precário e por conta própria, denominado pelos autores de “informais incluídos”, que
acabam por se constituir em características estruturantes desse mercado de trabalho. Já naquela
época, a RMS era detentora dos piores indicadores de desemprego do país.
As informações sobre o mercado de trabalho na RMS, nos anos 1990, apresentam
algumas características particulares. Borges e Guimarães (1997), informam que foi registrado o
maior incremento relativo do número de ocupados, dentre as demais regiões metropolitanas
do país, com crescimento de 18,5% do estoque de ocupados e uma taxa de crescimento de
5,8% ªª entre 1992 e 1995. Constatam também uma redução na taxa de desocupados, mas
ainda é a mais elevada dentre todas as regiões metropolitanas onde há Pesquisa Nacional por
Amostras Domicílios (PNAD). As autoras concluem o estudo afirmando que: a) os excedentes
estruturais de força de trabalho insistem em manter um comportamento de ampliação, apesar
da significativa redução da taxa de crescimento da população da RMS (de 3,19% ª ª na década
de 80, passa para 1,68% no período entre 1991 e 1996); b) o comportamento da PEA
também evidencia um movimento de expansão da oferta de força de trabalho. De 1992 a 1995
113
a PEA cresce 5% ªª, o que significa mais 176 mil trabalhadores no mercado de trabalho da
região, explicado, tanto pelas mudanças na estrutura etária quanto pelo aumento das taxas de
participação das mulheres adultas, crianças, adolescente e jovens dos dois sexos. As autoras
chamam atenção para o fato de que essa expansão da oferta de força de trabalho defronta-se
com uma economia que a muito se mostra incapaz de responder aos sinais emitidos por essa
oferta, na direção de garantir baixas taxas de desemprego/desocupação.
Os números produzidos pela PED, a partir de 1996, evidenciam que a taxa de
desemprego/desocupação na RMS é a mais elevada dentre as demais regiões metropolitanas.
Os fatores que contribuem para determinar essa característica do mercado de trabalho,
afirmam Borges e Guimarães (1997), são vários, dentre os quais se destacam: 1) a posição
periférica da economia baiana 2) o perfil da indústria instalada, altamente centrada em ramos
de capital intensivo, e a forte concentração de renda existente na região. Acrescentam ainda,
que em função da reestruturação produtiva e a abertura econômica desde o início dos anos 90,
tornou-se ainda mais débil a capacidade da economia da RMS gerar empregos, principalmente
empregos de qualidade.
Estudo comparativo entre os períodos 1987/89 e de outubro de 1996 a março de
1999, com informações também produzidas pela PED, conclui que a ampla incorporação de
força de trabalho pelo setor de Prestação de Serviços (67,3% da ocupação), com prevalência
das relações de trabalho caracterizadas como informais, e a relevância dos trabalhadores
autônomos (23,7%), são indicadores da precariedade do emprego na Região (BRAGA;
FERNANDES, 1999 apud SOUZA; RODARTE; FILGUEIRAS, 2002).
Estudo realizado por Borges e Druck (2002) sobre o processo de terceirização na
Bahia, nos últimos dez anos, que analisa dados globais do mercado de trabalho da Região
Metropolitana de Salvador (RMS), mostra que durante os anos de 1990, se reproduziram,
nessa região os mesmos processos observados no conjunto do país e em quase todos os
mercados de trabalho regionais, ou seja:
[...] elevação exponencial do desemprego aberto, aumento do contingente de
ocupados com vínculos empregatícios precários e o correspondente aumento
da desproteção social. Simultaneamente, e como parte dessas transformações,
identificaram o aumento da parcela de ocupados nas atividades de Serviços –
terciarização da economia. [...] a taxa de desemprego aberto21 (a mais elevada
dentre todas as taxas metropolitanas) dispara de 11,8% para 19,2%, segundo
a PNAD, ultrapassando a marca dos 40% entre jovens de 15 a 19 anos e de
27,1% no grupo etário seguinte (20 a 24 anos) (BORGES; DRUCK, 2002,
p. 126).
21
Situação das pessoas de 10 anos ou mais que não estão alocadas no mercado de trabalho e apresentaram,
efetivamente, procura de emprego ou trabalho nos 30 dias anteriores ao da entrevista.
114
Esse processo de “exclusão” do mercado de trabalho, explicitado nas taxas de
desemprego, foi acompanhado pela precarização dos vínculos e dos postos de trabalho dos
“incluídos” por esse mercado – os ocupados. Dessa forma, explicam as mesmas autoras:
[...] entre 1992 e 1999, segundo ainda dados da PNAD, a proporção de
ocupados na posição de “empregado” caiu de 61,4% para 58,3%, sendo que,
nas atividades do setor secundário (Indústria de Transformação, Construção
Civil e outras Atividades Industriais), o contingente de “empregados” sofreu
redução absoluta. Em contrapartida, aumentaram as ocupações nas
atividades de: “trabalhadores domésticos” (9,1% para 10,1%),
“empreendedores” (de 2,8% para 4%) e de “não remunerados” (de 2,8%
para 3,4%). Curiosamente – e diferentemente de outras regiões
metropolitanas, a categoria dos trabalhadores por “Conta Própria” mantevese estável no conjunto dos ocupados, o que revela a existência de limites à
expansão de atividades organizadas sob a forma de trabalho autônomo ou de
pequenos negócios familiares na RMS (BORGES; DRUCK, 2002, p. 126127).
Portanto, o estudo revela que o processo de precarização das condições de inserção
no mercado de trabalho na RMS vai se dar, majoritariamente, através da precarização do
emprego, que ocorre de diversas formas. A desproteção social do vínculo empregatício,
representada nas estatísticas do mercado de trabalho pela categoria “Empregado sem carteira
assinada” (ESC), torna-se a principal forma dessa precarização. Borges e Druck (2002)
informam ainda que:
Nos anos 1990, essa categoria passou de 12,4% para 16,4% e,
aparentemente, respondeu por todo o aumento do número de postos de
trabalho assalariados no setor privado da economia regional, uma vez que o
número de empregados, com vínculo protegido pela CLT, caiu em termos
absolutos. Entre 1992 e 1999 o único tipo de vínculo protegido que se
expandiu foi o de “Funcionário Público”, que compensou parte das perdas
de vínculos pela CLT. Em síntese, no período considerado, nada menos que
87,5% do total de empregos gerados foram “Sem Carteira” e 38,1%
correspondeu a vínculos estruturais no serviço público. As perdas da
categoria “Empregados com carteira assinada” (ECC) equivaleram a cerca de
25% do incremento do emprego no período e a 4,9% do estoque dessa
categoria em 1992 (BORGES; DRUCK, 2002, p. 127).
As atividades mais fortemente afetadas pelo processo de terceirização na região são
as seguintes: “Serviços Auxiliares de Atividades Econômicas”, “Indústria de Transformação”,
“Construção Civil” e “Atividades Sociais”. Além do desassalariamento, todos os setores de
atividade (com exceção da Prestação de Serviços) sofrem uma redução acentuada dos
contingentes de trabalhadores com emprego com carteira assinada (ECC) (BORGES;
DRUCK, 2002).
As informações da RAIS, coletadas e sistematizadas pelo Ministério do Trabalho,
entre 1989 e 1999, mostram que:
115
[...] a Indústria de Transformação da RMS reduziu em 28 mil o seu número
de postos de trabalho, equivalentes a cerca de 40% do estoque existente no
início do período. Tamanha destruição de postos de trabalho, obviamente,
não pode ser creditada, toda ela, ao processo de terceirização: é o resultado
final de uma reestruturação produtiva que, tendo na terceirização o seu eixo,
constituiu-se em um ajuste das empresas ao contexto macroeconômico
revolucionado pela abertura da economia e marcado, pela incerteza e por
taxas de crescimento muito baixas (BORGES; DRUCK, 2002, p. 129-130).
As mesmas autoras, ainda, informam:
[...] nos anos 90, o mercado de trabalho da RMS foi negativamente afetado
pelo processo de terceirização, e que esse impacto aparece em dois
movimentos: um que transfere trabalhadores das grandes para as pequenas
empresas ou para a informalidade, e que é acompanhado de uma elevação do
desemprego; outro, que leva à deterioração dos postos de trabalho restantes
nas grandes empresas. [...] A perda do emprego, ou a perda de uma inserção
estável no emprego, cria uma condição de insegurança e um modo de vida e
de trabalho precários, nos planos objetivo e subjetivo, levando à ruptura dos
laços e dos vínculos, tornando os trabalhadores vulneráveis e colocando-os
numa condição social fragilizada, mais expostos à “desfiliação” social
(BORGES; DRUCK, 2002, p. 135-138).
Nesse balanço da terceirização na Bahia, na última década do século XX, as
autoras concluem que a terceirização:
[...] é uma das expressões mais significativas do processo de flexibilização do
trabalho e de sua conseqüência principal: a precarização. São homens e
mulheres “que-vivem-do-trabalho” e que se tornaram cada vez mais
descartáveis, flexíveis (adaptáveis) ou jogados a uma condição de
“subemprego”. A terceirização se generalizou, difundindo-se para todo o
tipo de atividade, e levou consigo – como marca fundamental – a perda de
direitos, a instabilidade e a insegurança dos trabalhadores. De acordo com
Bourdieu (1998): A precariedade está hoje por toda parte e a flexibilidade é
uma “estratégia de precarização” inspirada por razões econômicas e políticas
e produto de uma “vontade política” e não de uma “fatalidade econômica”,
que seria dada pela mundialização (BORGES; DRUCK, 2002, p. 136).
Quanto à participação das mulheres no mercado de trabalho, existe um certo
consenso entre os estudiosos: o aumento dessa participação ocorreu em todas as regiões do
mundo de forma intensa e diversificada nos últimos anos, constituindo-se em um dos mais
importantes acontecimentos do século XX, na medida em que redesenhou completamente os
contornos desses mercados.
Estudo sobre a ocupação das mulheres no mercado de trabalho na RMS, na
segunda metade dos anos de 1990, conclui que as mudanças ocorridas na economia brasileira,
a partir dos anos 80 e início dos anos 90, impactam, de forma diferenciada, o modo e as
características da inserção de homens e mulheres no mercado de trabalho, implicando uma
redução das assimetrias estruturais entre gêneros, previamente existentes. Essa diminuição das
desigualdades se faz tanto em virtude da precarização da inserção masculina no mercado
quanto de uma melhoria geral da inserção feminina, proporcionada, por exemplo, pela
116
elevação da sua escolaridade média. O estudo evidencia uma tendência de aproximação das
condições que homens e mulheres enfrentam no mercado de trabalho, que não resulta da
melhora dessas condições, ao contrário, deriva de uma piora generalizada de tais condições, as
quais se expressam numa crescente flexibilização dos vínculos empregatícios e formais, bem
como na elevação das taxas de desemprego (SOUZA; RODARTE; FILGUEIRAS, 2002).
Entre os anos de 1997 e 2001, a PEA da RMS cresce cerca de 15,8% e o
desemprego salta, nesse mesmo período, de 21,6% para 27,5%, sendo que a forma de
desemprego que mais se manifesta é o desemprego aberto que atinge 172 mil pessoas em 1997, e
em 2001 aumenta para 262 mil desempregados. O desemprego oculto22 também assume
dimensões significativas, sendo que a parcela que mais cresce é a de indivíduos classificados
como desempregados ocultos por trabalho precário (54,2%), saltando de 83 mil pessoas para
128 mil, menos expressivo que o verificado para a parcela dos desalentados23 que salta de 44 mil
para 50 mil, implicando uma variação percentual de 13,6% (SOUZA, 2003).
Borges (2003), em estudo recente, mostra a radicalidade do processo de
desestruturação do mercado de trabalho da RMS, evidenciando suas conseqüências sociais
mais danosas e não tão visíveis, quanto à ampliação do contingente de desempregados,
segmentos de trabalhadores mais desprotegidos e socialmente vulneráveis.
A autora informa que, no início de 1990, quando o governo brasileiro muda seu
modelo de desenvolvimento,
[...] a maioria (77,3%) dos trabalhadores da RMS já dependia de um
emprego – qualquer um – para ter acesso aos meios de subsistência. [...] a
quase estagnação dos estoques de vagas no núcleo do mercado de trabalho e a
precarização de boa parte dos empregos existentes não foram compensados
por uma expansão virtuosa do trabalho autônomo e dos pequenos negócios mostrando os estreitos limites do empreendedorismo -, nem mesmo tiveram
seus efeitos muito atenuados pelo crescimento de postos de trabalho
precários e mal remunerados fora do núcleo - mostrando os limites do
“informal”. Em conseqüência, explodiram as taxas de desemprego e
aumentou, ao invés de diminuir, a proporção da PEA - 78,2% - cuja
sobrevivência depende de um emprego. Isto significa que, na RMS, o
movimento de desconstrução do assalariamento – através da precarização e
descaracterização do vínculo empregatício - também resultou incompleto,
revelando que mesmo em uma economia periférica, relativamente pouco
estruturada e com parcelas ainda significativas das suas atividades organizadas
fora do padrão capitalista, a própria dinâmica da acumulação de capital já
não permite um recuo em massa às formas não assalariadas do passado
(BORGES, 2003, p. 337-338).
22
Diz respeito ao conjunto dos indivíduos de 10 anos ou mais que, simultaneamente à procura por um posto de
trabalho, realizam trabalhos remunerados descontínuos e irregulares ou trabalhos não-remunerados na ajuda a
negócios de parentes.
23
Contingente de pessoas de 10 anos ou mais, sem trabalho e com disposição e disponibilidade para trabalhar.
Não procuraram colocação no mercado de trabalho nos últimos 30 dias, devido às dificuldades em conseguir
emprego ou por motivos pessoais – doença, problemas familiares ou falta de dinheiro – mas o fizeram nos
últimos 12 meses.
117
A autora conclui seu estudo sobre a desestruturação do “núcleo duro” do mercado
de trabalho na RMS, na década de 1990, revelando que:
a) o desemprego atinge os diversos segmentos que compõem o mercado de trabalho “amplo”
tornando mais difícil a delimitação desse núcleo, pois na análise do segmento não
estruturado, constatou a expansão do emprego precário em estabelecimentos de maior porte
e observou também o desassalariamento de segmentos qualificados da força de trabalho
regional. Essas transformações reforçaram e redefiniram, de um lado, o papel
desempenhado pelas atividades organizadas de forma não especificamente capitalistas de
acumulação, que passaram a abarcar novos espaços e segmentos de trabalhadores até então
situados no núcleo do mercado de trabalho regional; de outro, não identificou a
possibilidade da experiência bem-sucedida de trabalhadores que compõem o “novo
informal” se alargar a ponto de reconfigurá-lo completamente;
b) as transformações foram socialmente construídas e evidenciaram duas questões: a) o papel
desempenhado pelas políticas públicas no processo de desestruturação do núcleo duro desse
mercado foi decisivo; b) a distribuição desigual do ônus dessa desestruturação. Portanto,
negam o economicismo estreito que explica a existência do mercado de trabalho, assim
como seu funcionamento por variáveis unicamente econômicas, cujos desequilíbrios
resultariam de variáveis exógenas ao mercado de trabalho;
c) as transformações atingiram também segmentos antes protegidos dos riscos desse mercado,
redefinindo o perfil dos contingentes em condição de vulnerabilidade social e estabelecendo
novas clivagens entre os trabalhadores;
d) é impossível sustentar a tese de que a escolaridade constitui-se em um divisor de águas entre
excluídos e incluídos no mercado de trabalho, embora exista uma correlação positiva entre
as chances de inserção no núcleo duro e os níveis de escolaridade.
A Bahia, assim como outros estados do Brasil, têm que enfrentar alguns desafios
nesse novo milênio. Borges (1999), indica quatro grandes desafios: 1) assegurar oportunidades
de acesso ao trabalho ao contingente de trabalhadores urbanos historicamente excluídos; 2)
reincorporar os segmentos de trabalhadores expulsos das atividades empresariais afetadas pela
reestruturação produtiva; 3) encontrar alternativas de trabalho e renda para os trabalhadores
autônomos e proprietários de pequenos negócios, atingidos pelos ajustes macroeconômicos; e
4) garantir condições de inserção às gerações de trabalhadores que compõem a “onda jovem”
que estão chegando ao mercado de trabalho.
Trata-se de desafios de grandes proporções, ampliados pela baixa escolaridade e
desqualificação desses trabalhadores. À Bahia, particularmente, acrescenta-se a decadência das
118
atividades agrícolas tradicionais em todo o Estado, responsáveis pela sobrevivência de largos
contingentes de sua numerosa população rural.
A partir dos estudos analisados e apresentados, pode-se constatar que existe um
quadro de agravamento no mercado de trabalho no país e na Bahia, na década de 1990,
impondo uma cruel conclusão: interrompe-se o débil processo de estruturação do mercado de
trabalho e de crescimento do número de pessoas ocupadas. Interrupção esta que se processa
por conta do processo de mudança por que passa a economia brasileira na última década do
século XX, considerando-se tanto aquelas que surgem a partir das próprias transformações do
capital em escala mundial (globalização, reestruturação produtiva e neoliberalismo) quanto
aquelas associadas ao comportamento da economia brasileira, caracterizado por oscilações
muito expressivas no nível da atividade econômica. Simultaneamente, e como contraponto
desse processo, intensificam-se, no mercado de trabalho da RMS, os movimentos que se
processam no mercado de trabalho brasileiro de uma forma geral, os quais revelam o atraso da
sociedade e expõem os elementos negativos do modelo de desenvolvimento do Brasil, dentre os
quais se pode destacar: o desemprego disfarçado, o emprego precário, a desproteção social, a
insegurança e a exclusão de extensa parcela de trabalhadores.
Portanto, nos anos 90 do século passado, o Brasil apresenta sinais de
transformações econômicas rápidas e profundas, responsáveis, em grande medida, pelo
aparecimento de novos problemas no mercado de trabalho, que passam a conviver com os velhos
problemas existentes. Assim, em decorrência dos processos de globalização, reestruturação
produtiva, terceirização etc, expressos através das políticas neoliberais, a economia brasileira e
baiana perdem dinamismo na geração de empregos, e uma parte substancial dos empregos
criados é de baixa qualidade.
A crise do emprego no final do século XX e início do atual não é irreversível nem
inevitável. Ela tem implicações diretas que decorrem do processo dominante de globalização
financeira e da adoção generalizada das políticas neoliberais. A instabilidade no mundo do
trabalho, a precarização das condições e relações de trabalho e a permanência de elevadas taxas
de desemprego devem ser referidas ao movimento do capitalismo contemporâneo, que ocorre
desprovido de uma coordenação favorável à produção e ao emprego para todos os principais
países avançados e, especialmente, para os países considerados subdesenvolvidos, como é o caso
do Brasil.
119
5. PLANFOR: POLÍTICA DE EMPREGO E RENDA?
Neste capítulo faz-se uma análise do conteúdo dos documentos oficiais, nacionais
e estaduais do PLANFOR, evidenciando as contradições internas e externas do Programa, isto
é, indicam-se os significados e implicações dos seus supostos e diretrizes em relação às
estratégias de qualificação profissional do trabalhador, assim como, aponta-se a coerência ou
não de seus supostos e diretrizes em relação ao planejamento e a gestão do PLANFOR/BA.
Além disso, analisam-se os dados empíricos coletados através da Avaliação Externa, realizada
pela Faculdade de Educação da UFBA, no período 1996/2001, relativa a quatro dimensões: 1)
focalização no mercado de trabalho; 2) focalização no público-alvo; 3) avaliação realizada pelos
egressos dos cursos de qualificação; e 4) efetividade do PLANFOR/BA, isto é, resultados da
qualificação em relação ao público-alvo do Programa, no sentido de subsidiar a resposta à
pergunta formulada neste estudo: O Plano Estadual de Qualificação Profissional do
Trabalhador – PLANFOR/BA – é uma política de emprego e renda no Brasil dos anos 90?
5.1 – PLANFOR Nacional
Neste item, analisam-se os documentos oficiais nacionais, os produzidos pela
Secretaria do Trabalho do Estado da Bahia, assim como os Relatórios da Avaliação Externa do
PLANFOR elaborados pela Faculdade de Educação da UFBA.
Neste estudo foram analisados os dois Guias do PLANFOR: o de diretrizes e o de
orientação à avaliação externa; as publicações tanto de teor mais conceitual quanto as de
análise e avaliação do próprio Programa.
5.1.1 - Guia do PLANFOR
Analisa-se inicialmente o Guia do PLANFOR24 por ser o documento que contém a
parte conceitual do Programa. Divide-se a análise do Guia em duas partes: na primeira, trata-se
dos seguintes aspectos: a) Informações Gerais; b) Objetivos e Diretrizes; c) Distribuição dos
Recursos Financeiros e Cálculo dos Custos de Qualificação; d) Estratégias de Ação e PúblicoAlvo do Programa; e) Entidades Executoras dos Cursos de Qualificação; f) Acompanhamento
e Supervisão. Na segunda, comenta-se a Política de Trabalho e Renda do Ministério. O Guia
24
Trabalha-se com as duas versões do Guia: uma publicada em março de 1999 e a outra em abril de 2000; por
isso, ora indica-se o Guia de 1999, ora o de 2000.
120
ainda contém uma série de anexos, mas não justifica nenhuma análise, pois são orientações às
Secretarias do Trabalho.
PARTE I
A) Informações Gerais
O Guia do PLANFOR é um documento da Secretaria de Políticas Públicas de
Emprego (SPPE) do Ministério do Trabalho que reúne, revê e atualiza o conjunto de
diretrizes, orientações e conceitos disseminados e aprimorados desde 1995, abrangendo os dois
mecanismos de implementação do PLANFOR: os Planos Estaduais de Qualificação25 (PEQs) e
as Parcerias Nacionais e Regionais26 (PARCs).
O PLANFOR é um dos mecanismos da Política Pública de Trabalho e Renda
(PPTR)27 do governo Cardoso, financiado pelo FAT, que investe em políticas “ativas” e
“passivas” de trabalho, isto é, em ações destinadas a gerar trabalho e renda, melhorar as
condições de acesso ou permanência no mercado de trabalho e proteger a pessoa
desempregada. Assim, o FAT financia mecanismos como o seguro-desemprego, a
intermediação de mão-de-obra, o pagamento de abonos salariais, os investimentos produtivos,
o crédito popular, as informações sobre o mercado de trabalho e a qualificação profissional.
Considerado pelo governo como um mecanismo de política pública, o PLANFOR é também
orientado pelas diretrizes do governo federal que, no período 1995/98, prioriza o Programa
Mãos à Obra e nos anos 1999/2002, o Avança Brasil. Por isso, o PLANFOR é projeto
prioritário do governo, inserido no Plano Plurianual de Investimentos (PPI) 2000/2003.
O referido documento retoma as determinações do CODEFAT e as orientações
técnicas do Ministério do Trabalho e Emprego através da Secretaria de Políticas Públicas de
25
Contemplam projetos e ações de EP circunscritos a uma unidade federativa, executados sob gestão da Secretaria
Estadual de Trabalho ou sua equivalente, com aprovação e homologação obrigatórias da Comissão Estadual de
Emprego. Resolução 194/98 – CODEFAT, set/1998, Art. 3º § 1º.
26
As Parcerias contemplam projetos e ações de EP, em especial nas seguintes dimensões: formação de formadores,
gestores e avaliadores em EP, capacitação de membros das CMEs e CEEs, desenvolvimento, produção,
experimentação e avaliação de metodologias etc. em caráter complementar aos Planos de Qualificação
Profissional. Resolução 194/98 – CODEFAT, set/1998, Art. 3º § 3. A relação é direta com o MTE e foram
avaliadas pela UNITRABALHO. Para efeito dos objetivos desta Tese, não foram analisadas as Parcerias
Nacionais e Regionais, assim como os programas de intermediação da mão-de-obra, a não ser quando a
intermediação foi realizada pelas entidades que executaram o PLANFOR.
27
A discussão sobre políticas públicas de trabalho e renda (PPTR) foi realizada no capítulo 3 - Políticas Públicas.
121
Emprego (SPPE), em especial as Resoluções 194/98 e 223/98 do CODEFAT, que
estabelecem definições, normas e parâmetros para ações de qualificação profissional com
recursos do FAT.
O objeto do PLANFOR é a educação profissional com foco na demanda do
mercado de trabalho e no perfil da população-alvo, orientada pela efetiva demanda do setor
produtivo, reunindo interesses dos trabalhadores, empresários e comunidades. É considerada
uma política complementar à educação básica (ensino fundamental e médio), devendo
contemplar o desenvolvimento integrado das habilidades básicas, específicas e de gestão do
trabalhador por meio de cursos, treinamentos, assessorias, assistência técnica, extensão e outras
ações presenciais ou a distância. Deve também ser capaz de atender à diversidade social,
econômica e regional da PEA, promovendo a igualdade de oportunidades nos programas de
qualificação profissional e no acesso ao mercado de trabalho. Por fim, deve evitar duas
questões: 1) o viés da oferta, isto é, ter como ponto de partida o estoque de cursos disponíveis
nas instituições; 2) e o viés assistencialista.
B) Objetivos e Diretrizes
O objetivo do PLANFOR é:
Construir, gradativamente, oferta de EP (Educação Profissional)
permanente, com foco na demanda do mercado de trabalho, de modo a
qualificar ou requalificar, a cada ano, articulado à capacidade e competência
nessa área, pelo menos 20% da PEA (População Economicamente Ativa) que
soma hoje, no Brasil, 71 milhões de trabalhadores do setor formal e informal
(BRASIL..., 1999, p.6).
Segundo o Guia, o PLANFOR visa contribuir para: 1) reduzir o desemprego e o
subemprego da PEA; 2) combater a pobreza e a desigualdade social; 3) elevar a produtividade,
a qualidade e a competitividade do setor produtivo. Contudo, o Guia de 2000 diz que:
Qualificação profissional, em si e por si mesma, não gera trabalho, não eleva
a renda, não faz justiça social e nem eleva a produtividade. Mas é ferramenta
indispensável nesse processo, integrada a outros mecanismos da PPTR, em
especial o seguro-desemprego, intermediação de mão-de-obra, crédito
popular e demais programas de geração de trabalho e renda financiados pelo
FAT ou outros fundos públicos (BRASIL..., 2000, p. 7).
Além disso, o Ministério considera o encaminhamento e colocação28 no mercado
de trabalho como etapa final e necessária das ações de qualificação profissional.
28
A colocação que o Ministério se refere é para trabalho temporário, associativo, cooperado, autônomo,
autogerido etc.
122
O conteúdo desse discurso do Ministério traz, em si, uma primeira tensão na
medida em que o PLANFOR é proposto como uma política de combate ao desemprego e ao
subemprego, mas a qualificação em si não gera emprego nem renda. O próprio governo
federal, analisando a questão do emprego no Brasil, afirma que:
A melhor política de emprego é o crescimento econômico sustentado. Para
tal, é essencial a conquista definitiva da estabilidade. Com inflação, o
crescimento tem fôlego curto. As reformas administrativa, previdenciária e
tributária visam a erradicar as causas primárias da inflação que estão
associadas ao equacionamento do déficit público. É essencial, portanto
manter a orientação atual da política macroeconômica, pois ela constitui o
pilar sobre o qual se assentam as possibilidades de um crescimento
econômico sustentável (BRASIL..., 1998, p.34).
Essa primeira tensão no discurso do governo constitui-se em um dos elementoschave desta tese, a partir do qual se analisa se o PLANFOR se constitui em uma política de
emprego e renda e se há compatibilidade entre a política macroeconômica do governo federal e
as diretrizes e objetivos do PLANFOR.
Quando o governo federal expressa sua política de desenvolvimento, reafirma sua
política macroeconômica, dizendo o seguinte:
A geração de empregos depende do crescimento econômico sustentado, que
por sua vez, só pode ocorrer com a estabilidade da moeda. A melhor política
de emprego é, por conseguinte, o desenvolvimento econômico em um
ambiente não inflacionário e institucionalmente favorável à expansão dos
investimentos públicos e privados. O mercado, porém, não tem condições de
fazer tudo sozinho. A prosperidade econômica é condição essencial, mas não
suficiente para promover o emprego. Governo e sociedade, em parceria,
podem conceber e implementar políticas que gerem estímulos à criação de
empregos e permitam aos empregados manterem-se em seus postos de
trabalho (BRASIL..., 1998, p.36).
O reconhecimento por parte do governo de que a geração de empregos depende
do crescimento econômico, ou seja, esta é a condição fundamental para a criação e/ou
crescimento dos empregos, expresso no discurso oficial, indica a compreensão do próprio
governo das parcas possibilidades de uma prática de qualificação, a exemplo do PLANFOR,
criar empregos ou se constituir numa política pública de emprego. Mesmo que se considere
que o governo e a sociedade possam implementar políticas que estimulem a criação de
emprego, a questão permanece: a qualificação profissional proposta no PLANFOR consegue
cumprir esse papel?
Tomando-se como base o quadro do emprego no final do período analisado, os
dados indicam o fracasso do “estímulo” que o PLANFOR poderia realizar. Assim, os dados da
CAGED29 de dezembro de 2000 indicam que em nível de Brasil são admitidos 631.029
29
Cf. www.mtb.gov.br/sppe/caged/esta/2000/est1200/tab1.htm
123
trabalhadores e desligados de seus empregos 856.818, produzindo um saldo negativo de
225.789 desempregados. No Nordeste, o saldo negativo é de 16.335 e, na Bahia, é de 6.479.
No Sudeste é de 122.926 e, em São Paulo de 76.132. Os setores que mais demitem e têm
saldo negativo nesse mesmo período são: indústria (68.179), serviços (39.925), construção civil
(35.199) e comércio (6.221).
Outros elementos são identificados no discurso do Ministério, como, por
exemplo, quando ele se pergunta: Adianta qualificar se não existe emprego? A resposta do
Ministério é a seguinte:
O trabalho vem mudando tanto que alguns tendem a achar que
“desapareceu”. Entretanto, tem ressurgido sob diferentes formas: temporário,
associativo, cooperado, autônomo, autogerido. A maioria dessas novas
formas é erroneamente rotulada de “informal”, precária, de baixa qualidade
Mas, já se começa a reconhecer que há dinamismo, geração de renda e
melhoria de qualidade de vida associada a essas novas formas de inserção no
mercado de trabalho. O PLANFOR trabalha com uma visão ampliada de
“trabalho”, que abrange muito mais que empregos assalariados, com carteira
assinada, do setor formal, urbano, industrial. Qualificação e intermediação
profissional têm que estar pensadas também para essas novas formas de
trabalho. Dessa perspectiva, encaminhamento ao mercado de trabalho deve
ser entendido não apenas como colocação em empregos formais, mas
encaminhamento para todas as formas de trabalho e geração de renda
existentes na comunidade: estágios, associações, cooperativas, formação de
micro empreendimentos (BRASIL..., 2000, p. 8).
Sobre essa “nova informalidade”, pesquisas de vários autores (ANTUNES, 1999,
2002; BORGES, 1999, 2003; BORGES; DRUCK, 1993, 2002; DEDECCA, 1996, 1998,
DIEESE, 1994; DRUCK, 1994, 1999, 2000, 2001; FILGUEIRAS, 1997, 1998; CARVALHO et
al, 2001; FILGUEIRAS et al, 2003, 2004; FRIGOTTO, 1999), invariavelmente, demonstram o
grau de precarização do trabalho nessas atividades. Essa precarização se expressa nos
rendimentos irregulares, na total desproteção social e trabalhista. É nesta questão que se
identifica a segunda tensão na concepção do PLANFOR, pois o Programa é produzido e
implementado para combater o desemprego e o subemprego. Contudo, a qualificação e a
intermediação propostas devem ser pensadas para as “novas formas” de trabalho.
Com relação às “novas formas de trabalho”, mostra-se que quase a metade dos
trabalhadores brasileiros está trabalhando no chamado mercado informal, caracterizado pela
precariedade do vínculo empregatício, duração irregular da jornada de trabalho, falta de acesso ao
sistema de proteção social e pela baixa qualidade e remuneração do trabalho. Portanto, quando o
PLANFOR se propõe qualificar os trabalhadores para as “novas formas” de trabalho está indicando
como opções a ocupação no mercado informal, isto é, trabalho de tempo parcial, contratos por
tempo determinado, trabalho temporário e em domicílio, subcontratação e outros. Essa é a
qualificação profissional para a empregabilidade proposta pelo Ministério.
124
A meta global do PLANFOR é construir, a médio e longo prazos, oferta de
educação profissional suficiente para qualificar, a cada ano, pelo menos 20% da PEA,30 que
significava, em números de 2000, 15 milhões de pessoas. O Ministério entende essa meta
como o piso mínimo para garantir, de cinco em cinco anos, uma chance de atualização
profissional para cada trabalhador.
A estratégia de implantação do PLANFOR, desde 1995, é estruturada em três
linhas de atuação: 1) avanço conceitual; 2) articulação institucional; 3) apoio à sociedade civil.
Assim, para qualificar 20% da PEA é necessário articular a capacidade e competência da Rede
de Educação Profissional (REP) do país, pois os recursos do FAT não são suficientes para
financiar essa meta.
O FAT prioriza a qualificação profissional em dois focos prioritários: 1) grupos
vulneráveis com dificuldades de acesso a alternativas de qualificação; 2) “alavancar” ou
“catalisar” recursos de parcerias com o setor público e/ou privado, para ampliar o raio de
cobertura do PLANFOR. Para se ter uma idéia da dimensão do crescimento da Rede de
Educação Profissional (REP), em 1995 eram 500 entidades, em 1999 chega a 1.600 e em
2000 já estão cadastradas 15 mil entidades em todo o país.
Além disso, o Ministério propõe a realização de Fóruns Estaduais, Regionais e
Municipais de Políticas Públicas, com o objetivo de discutir e pensar a qualificação, assim
como outros mecanismos do FAT, especialmente intermediação de mão-de-obra e crédito
popular, integrados a políticas de saúde, educação, assistência social, meio ambiente e direitos
humanos. As Secretarias do Trabalho devem ser as articuladoras e animadoras desses fóruns.
Na Bahia foram realizados fóruns nos dois níveis: estadual e regional. Quanto à integração
com outros programas financiados pelo FAT, os dados que se obtém, através das Comissões
Tripartites, é que praticamente não ocorreu.
De acordo com o Guia (BRASIL..., 2000), o PLANFOR deve ser implementado e
desenvolvido através de ações participativas e descentralizadas, fortalecendo a capacidade de
execução local e envolvendo uma cadeia estratégica e operacional, articulando o CODEFAT,31
o MTE, a SPPE, as STbs, as Comissões Estaduais e Municipais de Emprego e a Rede de
Educação Profissional (REP) consideradas entidades parceiras. Os dois mecanismos da cadeia
estratégica e operacional devem ser: 1) Os Planos Estaduais de Qualificação, circunscritos a
uma unidade federativa, sob a responsabilidade das Secretarias Estaduais de Trabalho (STbs),
sujeitas à aprovação das Comissões Estaduais de Emprego (CEEs) e negociadas com as
30
A estimativa era que a PEA maior de 16 anos – idade mínima admitida para o trabalho – estivesse em torno de
70 milhões de pessoas, ocupadas ou desocupadas.
31
As atribuições de cada órgão encontram-se no ANEXO A.
125
Comissões Municipais de Emprego (CMEs); 2) As Parcerias Nacionais e Regionais (PARCs)
do Ministério do Trabalho com órgãos públicos e privados, para programas e projetos de
alcance regional ou nacional, sujeitos à aprovação do CODEFAT.
C) Distribuição dos Recursos Financeiros e Cálculo dos Custos de Qualificação
Para distribuição dos recursos do PLANFOR, segundo determinação do
CODEFAT, devem ser adotadas duas formas: 1) diretamente do MTE para os Planos de
Qualificação espalhados pelas unidades federativas; 2) diretamente das STbs para os programas
ou projetos prioritários elaborados pelas entidades executoras dos projetos.
Os critérios para distribuição dos recursos são: tamanho da PEA, pobreza e baixa
escolaridade, que juntos corrigem o viés de uma distribuição baseada só no tamanho da PEA,
favorecendo os Estados mais populosos e propiciando mais eqüidade na distribuição dos
recursos. Para os PLANFORs, devem ser alocados 70% dos recursos.
A distribuição dos recursos e vagas nos Programas de cada PLANFOR estadual
deve seguir os seguintes critérios: 1) Público-alvo prioritário (pessoas desocupadas, em risco de
desocupação, empreendedores e autônomos, associados e cooperados) 90% das vagas e 80%
dos recursos; 2) Outros públicos – 10% das vagas e 16% dos recursos, devendo incluir os
membros das CEEs e CMEs; 3) Projetos Especiais – 4% dos recursos destinados ao
acompanhamento, supervisão geral, avaliação externa e cadastro de entidades de Educação
Profissional (EP).
Cada PLANFOR em nível estadual pode aplicar 70% dos recursos na focalização
definida pelas diretrizes do PLANFOR nacional e 30% para a “demanda fechada”, isto é,
prioridades que cada Estado define no seu Plano. Portanto, o público-alvo do PLANFOR deve
ser a grande maioria da PEA que não tem acesso a alternativas de qualificação: pessoas pobres,
menos escolarizadas e sujeitas à discriminação no mercado.
O Ministério do Trabalho também indica dois parâmetros para cálculo dos custos
dos projetos de qualificação profissional: aluno-hora que significa o valor de custo de cada
treinando em cursos, treinamentos ou outras formas de ensino. Os custos são balizados pelos
preços de mercado, sendo que, dentre dois, o de menor valor, e de horas técnicas que se refere
ao salário-hora ou hora-aula, incluindo os encargos sociais, pagos aos profissionais da mesma
área e nível pelas universidades federais e estaduais da localidade.
As Diretrizes da Secretaria de Políticas Públicas de Emprego (SPPE) do MTE em
relação à elaboração do orçamento dos PLANFORs, indicam que as Secretarias do Trabalho
126
podem combinar os dois parâmetros: alunos-hora e horas técnicas, e devem abranger
remuneração dos docentes, instrutores, supervisores, orientadores, consultores, encargos
trabalhistas e fiscais, materiais didáticos, auxílios ou bolsas de alimentação e transporte para os
treinandos, passagens e diárias, divulgação dos programas (cursos/treinamentos), material de
consumo. Ficam vetadas despesas de capital tais como: compras de equipamentos, material
permanente etc. Não é necessário especificar os itens de custeio do PLANFOR, mas é preciso
guardar sua memória de cálculo para fins de documentação e negociação.
D) Estratégias de Ação e Público-Alvo
Para atingir o público-alvo explicitado anteriormente, as STbs devem utilizar as
seguintes estratégias: a) mobilizar as entidades representativas dos segmentos vulneráveis ou
que atuam junto a eles; b) sensibilizar as entidades executoras dos programas para o
cumprimento dessa diretriz; c) incluir metas de atendimento dessa população nos contratos
com as entidades executoras; d) aproveitar o fortalecimento de experiências inovadoras de
atendimento a grupos vulneráveis (detentos, e egressos, jovens em situação de risco social,
mulheres chefes de família, portadores de deficiências, indígenas, afro-brasileiros, trabalhadores
do setor informal etc.); e) manter informados os Postos de Atendimento do Trabalhador
(PAT) mantidos pelos Estados, Distrito Federal e Parceiros Nacionais/Regionais.
Para trabalhar com esse público, o PLANFOR possibilita medidas de apoio aos
treinandos, financiados com recursos da qualificação, tais como: transporte, lanche, auxílioalimentação, bolsas, kits didáticos e profissionais.
Quando houver maior demanda que oferta de vagas, os participantes devem ser
selecionados, respeitando-se as diretrizes da promoção e igualdade de oportunidades no
trabalho, nos termos do Programa Nacional de Direitos Humanos, do Ministério da Justiça e
da Convenção 111 da OIT, com base no critério de discriminação positiva, a saber: quanto
mais vulneráveis, mais sujeitas à exclusão e à discriminação, maior a preferência de acesso das
pessoas aos programas de qualificação.
Para formatar os Programas de Qualificação há duas possibilidades: segundo
grupos de público-alvo ou segundo setores de atividades econômicas ou ocupações para os
quais esses grupos serão qualificados. As diretrizes básicas para qualquer um dos focos são: a)
Educação Profissional (EP), entendida como um conjunto de ações, reuniões, encontros,
seminários, extensão, assistência técnica, assessoria, cursos e treinamentos com foco em
necessidades claramente detectadas no mercado de trabalho, para uma dada população; b)
127
superação da EP como sinônimo apenas de cursos em sala de aula, com carga horária e
currículos pré-definidos, sujeitos a mecanismos tradicionais de avaliação escolar (freqüência,
provas, testes etc.); c) a fixação da carga horária – não há limites mínimos nem máximos – só
deve ocorrer depois de identificados os conteúdos demandados pela população-alvo e as
oportunidades de trabalho existentes. A média observada entre 1995/1999 foi de 100 h por
pessoa, mostrando composições variáveis de 20-40h para habilidades básicas, 40-60h para
específicas e 20-40h para gestão. Contudo, essas médias comportam grandes variações que são
de 20 a 100h, justamente para atender especificidades da população e das ocupações; d) os
conteúdos ou currículos só devem ser definidos depois de identificadas as demandas do
mercado de trabalho e da população a ser qualificada.
A única exigência do PLANFOR é que sejam desenvolvidas as habilidades básicas
– comunicação verbal e escrita, leitura e compreensão de textos, raciocínio, saúde e segurança
no trabalho, direitos humanos, orientação profissional etc; específicas – processos, técnicas,
normas, regulamentações, materiais, equipamentos próprios da ocupação e/ou de gestão –
competências, atitudes e conhecimentos para formar, manter e melhorar o desempenho de
micro e pequenos empreendedores rurais ou urbanos, assim como gerenciar o próprio trabalho
autônomo, cooperado, associado, autogerido.
Essa estratégia do PLANFOR está diretamente relacionada à concepção do
Ministério sobre a questão do emprego para as “novas formas” de trabalho: autônomo,
cooperado, associado, autogerido. Por isso deve desenvolver habilidades ou competências. Para
essa qualificação profissional não basta conhecimento, mas interesse, motivação, criatividade.
Não se trata apenas de qualificar para o trabalho em si, mas para a vida na qual se insere o
trabalho flexível. Assim, na lógica da ideologia do governo, qualificação para a empregabilidade
é um instrumento de desenvolvimento dos indivíduos para inserção no mercado de trabalho.
Os conteúdos da “empregabilidade” e da “competência” associados ao “novo” trabalhador e às
“novas formas” de trabalho valorizam, exatamente, qualificações individuais tais como:
iniciativa, criatividade, capacidade de adaptação, flexibilidade, capacidade de solucionar
problemas e lidar com o inesperado, dentre outras.
Como afirma Druck (2001), essas qualidades são típicas dos trabalhadores que
vivem na informalidade ou na “solidão do mercado”, que hoje constituem a maioria dos
trabalhadores brasileiros. Empregabilidade e competência são dois velhos “modelos”,
associados muito mais à precarização do trabalho e do emprego, típicos de países
subdesenvolvidos.
128
O objetivo da qualificação para a empregabilidade não é integrar a todos, mas
apenas aqueles que adquirirem “habilidades básicas” que geram “competências” reconhecidas
pelo mercado e não mais para garantir um posto de trabalho e ascensão em uma determinada
carreira, mas à empregabilidade. Esse ideário (novas habilidades de conhecimentos, de valores
e de gestão), apaga do horizonte da educação e formação profissional o direito subjetivo de
todos. A educação transforma-se em serviços ou bens a serem adquiridos para competir no
mercado produtivo.
As diretrizes do PLANFOR para as possíveis estratégias de qualificação são,
resumidamente, as seguintes:
a) Em relação ao público-alvo:
pessoas desocupadas – elaborar projetos na área da construção civil direcionados para
construção e reforma de moradia e/ou obras comunitárias;
pessoas desocupadas com risco de desocupação – aumentar a escolaridade e as habilidades
específicas e gerenciais, comportamentais e atitudinais, já que são essas as novas exigências
do mundo do trabalho. Além disso, formar o trabalhador para alternativas como
empreendedores, autônomos, autogeridos. Ou ainda, oferecer alternativas complementares
como pesca e agricultura;
empreendedores – munir o trabalhador de requisitos legais e técnicos para assegurar a
permanência e competitividade do empreendimento, evitar “pacotes técnicos”, preferindo
assistência técnica e apoio para solução de dificuldades específicas dos beneficiários;
pessoas autônomas, autogeridas, associadas e cooperadas – fornecer formação e orientação
na organização de cooperativas e associações de produtores. Fornecer também instrumental
básico (kits) para o exercício da ocupação. (Ex: artesanato regional, higiene e beleza,
confeitaria e panificação, costura e modelagem, reparação mecânica e eletroeletrônica,
manutenção predial, cultivos etc)
Agora com mais especificidade identifica-se a relação entre o público-alvo
(empreendedores, autônomos, associados, cooperados etc.) do PLANFOR e as “novas formas”
de trabalho. Para precisar um pouco melhor essas “novas formas” de trabalho, ou do trabalho
informal, apropria-se da discussão realizada por Filgueiras e outros (2004) sobre o conceito de
informalidade. Para se distinguir o espaço econômico-social das atividades econômicas
informais pode-se utilizar três conceitos de informalidade, a partir de dois critérios distintos,
isto é, se são atividades tipicamente capitalistas ou não, ou, se são atividades legais ou ilegais.
Da combinação desses critérios é que surgem os conceitos de informalidade. Como não é
propósito deste estudo aprofundar a discussão sobre o trabalho informal, mas sim esclarecer as
129
“novas formas” de trabalho indicadas pelo Ministério, trata-se apenas do conceito que junta os
dois critérios – ilegalidade e atividades e formas de produção não tipicamente capitalistas.
Nesse conceito a informalidade abarcaria tanto as atividades e formas de produção não
tipicamente capitalistas, quanto as relações de trabalho não registradas, mesmo que
tipicamente capitalistas (assalariado sem carteira de trabalho assinada).
Portanto, nesse conceito a informalidade se identifica com todas as formas de
trabalho não-fordistas, também identificadas como precárias. A denominação não-fordista,
explica Filgueiras et. al .(2004, p.215).
[...] busca sintetizar e reunir os trabalhadores que têm uma inserção precária
no mercado de trabalho e que, portanto, não estão sob proteção das leis
sociais e trabalhistas reguladas pelo Estado, conforme estabelecido nos países
centrais pós II Guerra Mundial, com a implementação do Estado de bemestar social e, no Brasil, com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Portanto, o setor informal representado por atividades cuja organização não condiz com
a de uma atividade tipicamente capitalista, mas dentro de um modelo capitalista, tem uma
relação intersticial e subordinada ao setor formal. São atividades, por exemplo, desenvolvidas
por trabalhadores autônomos (excluídos os profissionais liberais), pequenos produtores e
trabalhadores por conta própria, empregados domésticos e trabalhadores familiares e donos de
negócio familiar. Assim, a qualificação profissional dos trabalhadores proposta pelo PLANFOR,
baseada no desenvolvimento de habilidades/competências e para um público-alvo definido, é
para a empregabilidade, ou seja, para aqueles que estão inseridos num trabalho precário e sem
proteção social.
b) Em relação aos setores econômicos estratégicos:
indústria da construção – reforma e construção de moradia própria (mutirões) e
equipamentos comunitários (escola, postos de saúde, praças públicas, espaços de lazer);
turismo – toda a cadeia de atividades do setor: alimentação, hospedagem, transporte, lazer,
compras;
serviços – atividades pessoais como higiene, beleza, saúde, alimentação, serviços
domésticos, atividades culturais e educacionais como teatro, lazer, esportes, artes, música e
todo o serviço de manutenção de prédios, mecânica e eletromecânica;
artesanato – associado ao complexo turístico de exportação e associado a questões étnicas,
preservação ambiental e ecologia em geral;
pequena produção rural familiar e/ou cooperada – piscicultura e hidrocultura, fruticultura,
horticultura, criação de animais de pequeno porte, pecuária de leite e processamentos de
derivados.
130
E) Entidades Executoras
Quanto às instituições executoras dos programas de qualificação, também
denominadas de entidades, as Secretarias do Trabalho devem se valer do cadastro, isto é, do
mapa da Rede de Educação Profissional (REP) que detalha as linhas de atuação, populaçãoalvo e fontes de manutenção destas. Portanto, a REP deve ser utilizada pelas Secretarias como
ferramenta de planejamento, gestão e avaliação do PLANFOR. Além disso, deve também ser
instrumento de avanço conceitual e articulação institucional e não instrumento de préqualificação ou de fiscalização e controle das entidades executoras dos cursos de qualificação
profissional financiados pelo FAT.
Somente as entidades cadastradas podem executar o PLANFOR; portanto, a
referência é sempre a Rede de Educação Profissional (REP), formada por organismos públicos
e privados, federais, estaduais ou municipais, governamentais ou não, com ou sem fins
lucrativos, abrangendo: universidades, faculdades, centros tecnológicos e institutos de ensino
superior, escolas técnicas de nível médio, Sistema “S” (Senai, Senac, Sesi, Senat, Sesc, Senar,
Sest, Sebrae), OGNs, associações leigas, religiosas ou comunitárias, fundações, sindicados e
centrais sindicais, confederações e federações de empresários, escolas profissionais livres (cursos
privados, presenciais ou a distância).
As entidades executoras devem ter um determinado perfil para poder executar
ações de qualificação financiadas pelo FAT: a) competência acumulada e comprovada pelo
menos por dois anos, incluindo conhecimento da população-alvo e do mercado de trabalho; b)
infra-estrutura de instalações, equipamentos e recursos humanos adequados à execução do
projeto; c) capacidade de desenvolver a ação formativa na sua totalidade, isto é, não apenas em
sala de aula; d) realizar antes o planejamento, produção/seleção de material didático,
divulgação dos cursos, seleção/orientação dos treinandos; durante ações de qualificação dar
apoio aos alunos, incluindo transporte, material escolar/didático, alimentação e fornecimento
de informações gerenciais; depois propiciando orientação profissional e inserção32 no mercado
de trabalho; e) competência técnica e administrativa para gestão do projeto, assegurando
mecanismos de controle de custos, acompanhamento gerencial e prestação de contas; e)
capacidade de criar formas de maximizar a ampliação de recursos do FAT, propiciando
abertura a parcerias de recursos humanos, materiais e tecnológicos.
32
O Ministério entendia a inserção como incentivo a outras modalidades como cooperativas, associações, trabalho
autônomo, assalariado, contratos por tempo determinado, pequenos negócios, estágios e monitorias
remuneradas, além dos empregos formais assalariados.
131
Cada entidade executora de cursos deve elaborar um Projeto contendo como itens
obrigatórios: 1) a explicitação da metodologia, atividades e produtos para cada um dos aspectos
básicos do projeto, definidos em termos de referência do PLANFOR e propostos pelas STbs;
2) forma, padrão, qualidade técnica e quantidade dos produtos em forma de relatórios, fichas,
fotos, vídeos etc; 3) prazos de entrega dos produtos/resultados; 4) credenciais da entidade
executora na área de atuação, número e qualificação dos profissionais envolvidos; 5) formas de
discussão dos resultados com as CEEs/CMEs, equipes técnicas da STb e outras entidades,
visando o aprimoramento das ações de qualificação. O Ministério sugere seminários, fóruns,
congressos estaduais etc; 6) crédito para o FAT/PLANFOR, com destaque, em todos os
produtos e documentos.
Uma outra orientação é quanto à seleção, que deve contar com a participação de
especialistas das STbs e representantes das CEEs e atender a três tipos de adequação técnica: as
Diretrizes do PLANFOR, perfil estabelecido pelo Programa e parâmetros de custos
estabelecidos pelo PLANFOR. A contratação das executoras deve ser feita por projetos,
segundo grupos de população-alvo e setores econômicos.
Para aprovação do PLANFOR, local e celebração do convênio com o MTE ,os
projetos passam por uma tramitação burocrática comum aos órgãos públicos. Quanto à
prestação de contas dos convênios (parcial e final), regulamentada pela Instrução Normativa
01/97, deve ser encaminhada diretamente ao MTE através da SPPE.
F) Acompanhamento e Supervisão
O acompanhamento e a supervisão do PLANFOR deve ocorrer em dois níveis: em
cada Estado, pela Secretaria do Trabalho segundo termo de referência do MTE/SPPE e, em
nível nacional, pelo MTE/SPPE por meio de guias e termos de referência, promoção de
reuniões e oficinas de trabalho, visitas técnicas, apreciação técnica de projetos/contratos,
processamento de convênios, monitoramento de resultados, repasse de recursos e das
prestações de contas.
A avaliação externa também deve se processar em dois níveis: a) local, incluindo
acompanhamento de egressos, por instituição independente de sua execução, contratada pela
STb, segundo termo de referência definido pelo MTE/SPPE; b) nacional, realizada pela
SPPE/MTE ou por órgão por ela delegado. O Ministério dispõe de dois instrumentos de
acompanhamento dos PLANFORs: o Sistema de Informações Gerenciais sobre Educação
132
Profissional (SIGEP33) que fornece dados por ação, em cada município e o Sistema de
Informações Gerenciais sobre Ações de Emprego (SIGAE34) que gerencia e monitora os vários
mecanismos do FAT (seguro-desemprego, intermediação de mão-de-obra, qualificação, crédito
popular).
PARTE II
Essa segunda parte do Guia do PLANFOR (BRASIL..., 2000) trata,
especificamente, da Política de Trabalho e Renda: intermediação & qualificação e discute o
avanço conceitual e metodológico da educação profissional.
Para definir políticas públicas de trabalho, a Secretaria de Políticas Públicas de
Emprego do Ministério baseia-se na literatura especializada35 que comporta, pelo menos, duas
linhas de políticas: 1) programática, que envolve medidas de fomento ao trabalho, à educação,
à qualificação profissional e proteção do trabalhador e 2) normativa, que indica a
modernização das instituições que regem as relações capital – trabalho. Essas duas linhas, por
sua vez, desdobram-se em políticas ativas e passivas que são implantadas a partir da
Constituição de 1988, contemplado pelo FAT e regulamentadas pelo artigo 10 da Lei 7.998
de 1990, que dispõe a vinculação do FAT ao MTE e a destinação de seus recursos para custeio
dessas políticas.
O ponto estratégico das Políticas Públicas de Trabalho e Renda, especialmente a
qualificação profissional, segundo o Guia (BRASIL..., 2000, p.20), é o encaminhamento do
trabalhador ao mercado de trabalho, nas diversas formas de inserção. Essa integração é dada
33
O SIGEP era acessado via Internet no endereço extranet.mte.gov.br, por meio de senha disponibilizada pela
SPPE.Continha dados por ação dos cursos , projetos, programas de cada município e entidades executoras. O
Sistema acumulava informações e permitia modificações e atualizações de acordo com os prazos dados pela
SPPE. Quem alimentava o Sistema eram as STbs e entidades executoras. Em 2000, o Sistema recebeu uma nova
versão.
34
O SIGAE foi criado em uma primeira versão em 1999 e instalado em 21 unidades da Federação e nas Centrais
Sindicais. A segunda versão ficou pronta no início de 2000 e contou com a colaboração de alguns Estados e
outras Secretarias do próprio MTE. O Sistema fornecia dados (planejamento, das ações, execução,
acompanhamento dos contratos e prestação de contas) às STbs e ao MTE nas diferentes etapas que envolviam o
PLANFOR local. O Sistema era alimentado pelas STbs e executoras.
35
O Ministério toma como referência básica as obras da autora Beatriz Azeredo: Brasil: os desafios para a
implementação de uma política pública de emprego, 1995 e Políticas Públicas de Emprego e Renda: a
experiência brasileira, São Paulo: ABET, 1998 e as produzidas pelo próprio governo: Emprego no Brasil:
diagnósticos e políticas de 1998 e Brasil, abertura e ajuste do mercado de trabalho: políticas para conciliar os
desafios de emprego e competitividade. MTE/OIT. Brasília: São Paulo: Editora 34, 1999.
133
pela Resolução 194/98, do CODEFAT, que rege o PLANFOR 1999/2002, cujo artigo 4º
inclui pessoas desocupadas, beneficiárias ou não do seguro-desemprego e do crédito popular,
como população-alvo prioritária da qualificação e confere prioridade a projetos que integrem
ações de qualificação com encaminhamento ao mercado de trabalho. Portanto, o
encaminhamento do trabalhador qualificado ao mercado de trabalho é entendido pelo
Ministério como etapa final e necessária das ações de qualificação.
O Guia (BRASIL..., 2000, p. 47) informa que, no período 1995-1998, o FAT
atendeu 26 milhões de desempregados, pagando em média, benefício equivalente a 1,5 SM de
referência; entre mar/96 e dez/98, R$ 3 bilhões foram desembolsados do BNDES para
empreendimentos geradores de cerca de 400 mil empregos diretos e indiretos; entre jan/95 e
mar/99 o crédito popular, através do PROGER e do PRONAF, realizou quase 1,5 milhão de
operações e aplicou perto de R$ 7,5 milhões, financiando agricultores familiares,
microempresários e autônomos; o SINE registrou, entre 1995/99, 10,9 milhões de pessoas
inscritas, 4,8 milhões encaminhadas e 1,1 milhão colocadas no mercado de trabalho, para 2,9
milhões de vagas captadas, com investimento de R$ 141,8 milhões. Além disso, mantém rede
de 965 postos/agências em todo o país, sob gestão das Secretarias do Trabalho e das Centrais
Sindicais.
Segundo o Ministério, não é fácil implantar a integração, uma vez que esta exige
reafirmação de algumas idéias, redefinição de outras e até mesmo a construção de novos
conceitos e novas práticas, pois isso implica em mudar padrões e comportamentos enraizados
na cultura nacional por quase 500 anos. O Brasil, diz o Ministério:
[...] vive uma democracia muito “verdinha”, ainda em construção [...] E não
se consegue participação, responsabilidade e compromisso democrático por
decreto... Na área de trabalho, em especial, qualquer mudança tem que lidar
com o modelo de relações de trabalho tuteladas pelo governo, via CLT, que
não criou hábito nem necessidade de diálogo entre capital-trabalho (a lei
prevê e garante tudo, não deixa margem para negociar; só que com as
mudanças no mundo do trabalho, essa garantia passa a valer apenas para uma
parcela dos trabalhadores – os que têm registro em carteira) (BRASIL...,
2000, p. 48).
Localiza-se nessa concepção do Ministério, a terceira tensão quando o mesmo
explicita, claramente, a opção pela política neoliberal, concordando com a flexibilização das
relações de trabalho e com a retirada do Estado dessa negociação. O texto citado não deixa
dúvidas sobre a posição do governo Cardoso, quando critica a “rigidez” da CLT em relação às
mudanças ocorridas no mundo do trabalho. Entende-se que o Ministério está propondo a
flexibilização da Lei, uma vez que esta só atende uma parcela de trabalhadores. Essa concepção
134
está diretamente relacionada à proposta do PLANFOR de qualificar para as “novas formas” de
trabalho.
O Ministério considera como premissas fundamentais para a integração do
PLANFOR nacional/estadual as noções de: sistema como organização sinérgica, voltada para a
geração de trabalho e renda, que promova a sintonia entre o Ministério/SPPE e o CODEFAT,
as Secretarias do Trabalho, CEEs, CMEs, prefeituras e a rede de Educação Profissional (REP)
e as agências e postos de trabalho; público entendido como parceria entre o governo e a
sociedade, e não como simplesmente estatal, pois as Políticas Públicas de Trabalho e Renda
(PPTR) exigem espaços, canais de participação e diálogo permanente com os principais
interessados na questão: governo, empresários e trabalhadores. Assim, trabalho, renda e
qualificação profissional são questões a serem resolvidas com e pelo setor produtivo (que não
deve ser confundido com mercado formal de trabalho), que por sua vez reúna interesses de
trabalhadores e empresários, sendo que o governo entra como articulador e fomentador dessa
articulação. Trabalho e qualificação profissional são um dos pilares do desenvolvimento
sustentado, com eqüidade social (BRASIL..., 2000, p. 48).
Ainda como premissas fundamentais para essa integração estão presentes os
conceitos de: parceria que está vinculada à possibilidade de planejamento e desenvolvimento
de projetos integrados pelos setores governamentais e não-governamentais, públicos e privados.
Parceiro para o PLANFOR é quem oferece efetivo aporte de recursos humanos, financeiros, de
tecnologia e conhecimentos. Para o Ministério, portanto, a parceria é fundamental para a
implementação de toda PPTR, inclusive no que se refere aos objetivos do PLANFOR de
qualificar anualmente 20% da PEA; e trabalho, que não é visto como sinônimo de emprego
associado ao setor industrial, urbano, com carteira assinada, direitos sociais garantidos e
estáveis, cujo perfil é do trabalhador masculino. Na conceituação de trabalho o documento
complementa:
Os últimos 20 anos vêm assistindo ao declínio desse tipo de
trabalhado/trabalhador. Diminui o emprego formal, assalariado, urbano,
industrial. Mas há diversificação e expansão de oportunidades de trabalho no
chamado setor “informal”, que inclui trabalho autônomo, associativo,
microempreendimentos urbanos e rurais. O dito “informal é ainda pouco
explorado em suas novas características. Já se questiona sua identificação
simplista com trabalho “precário, ilegal, desqualificado” – características que,
sem dúvida, subsistem em muitas atividades, inclusive altamente
formalizadas (BRASIL...., 2000, p. 49).
Não é verdade que o trabalho informal ainda é pouco explorado em suas novas
características. O estudo de Oliveira (2004, p. 62) mostra que:
135
[...] o debate da informalidade não diz respeito às formas de integração da
população trabalhadora à estrutura produtiva e ao mercado de trabalho, mas
as dimensões dos conflitos de legitimidade e o quadro político institucional
que prescreve as condições de uso social do trabalho pelos diversos agentes
econômicos. O conceito de informalidade passa a expressar o conjunto de
atividades e formas de produção, bem como as relações de trabalho que
fogem ao marco regulatório do Estado.
Assim, o critério delimitador da informalidade é a ilegalidade, de modo que, a
noção de “informal” passa a contemplar:
[...] as atividades e práticas econômicas ilegais e/ou ilícitas, com relação às
normas e regras instituídas pela sociedade. Com isso, a informalidade
identifica-se com a chamada economia subterrânea, ou ainda com a
economia submersa, sendo redefinida, portanto, por um critério jurídico; e
não mais pelo uso de um critério econômico” (FILGUEIRAS e outros, 2004,
p. 214).
Como diz Machado Silva (1996), a noção de informalidade se define como a
iniciativa econômica que escapa à regulação social. Nesse sentido, no debate sobre a economia
submersa/ilegal, a questão fundamental a ser enfrentada é o papel do Estado e sua capacidade
de intervenção na economia.
Oliveira (2004, p. 63) explica que:
Entre os vários argumentos que tentam justificar porque a informalidade
escapa à regulação do Estado, destaca-se o argumento bastante difundido
pelo discurso liberal que afirma que a informalidade é uma resposta ao peso
excessivo do Estado, não apenas em termos fiscais, mas, sobretudo às
regulamentações burocráticas. No entanto, a relação da informalidadeEstado não se restringe apenas à questão de excesso de normatividade
jurídica ou da carga tributária, envolve também variantes políticas que são
fundamentais para entender as mediações entre trabalho e direitos.
Assim, complementa o mesmo autor:
[...] podemos afirmar que a problemática da informalidade está associada ao
conjunto de transformações que ocorrem no mundo do trabalho no contexto
de globalização, de reestruturação produtiva e de neoliberalismo. Se no
primeiro momento, a noção de informalidade tinha como parâmetro de
referência a generalização do pleno emprego e da proteção social, a partir dos
anos 80 a própria noção de informalidade passa a ser um parâmetro de
referência para explicar o processo de flexibilização e precarização do
trabalho, um espelho da crise da sociedade salarial e da relação Estadoeconomia em tempos de hegemonia do projeto político neoliberal
(OLIVEIRA, 2004 p. 64).
Além dos conceitos de parceria e trabalho, o Ministério define também os
conceitos de qualificação, encaminhamento ao mercado de trabalho e de participação e
36
descentralização. Em relação à qualificação, a noção defendida pelo Ministério é a seguinte:
36
Essa questão da qualificação profissional foi longamente discutida no capítulo 2 – Estudo da Qualificação,
Competência e Formação Profissional.
136
Para empregos estáveis, formação única, para toda a vida, centrada em
habilidades específicas, para um posto ou ocupação. Para a nova dinâmica do
mercado, formação continuada, flexível, polivalente, incluindo habilidades
básicas, específicas e de gestão. Em lugar de simplesmente “saber fazer”,
torna-se necessário “aprender a aprender” – e ser capaz até de ensinar.
(BRASIL..., 2000, p. 49).
Duarte (2001a), analisando o processo de apropriação da psicologia vygotskiana
ao universo ideológico do neoliberalismo, defende a tese de que a chamada pedagogia das
competências é integrante de uma ampla corrente educacional contemporânea, a qual chama
de pedagogias do “aprender a aprender”. Esse aprender a aprender é também um aprender
fazendo, isto é, learning by doing na clássica formulação da pedagogia John Dewey.
O mesmo autor afirma que o “aprender a aprender” tem quatro posicionamentos
valorativos: 1) aquilo que o indivíduo aprende por si mesmo é superior, em termos educativos
e sociais, àquilo que ele aprende através da transmissão por outras pessoas; 2) o método de
construção do conhecimento é mais importante do que o conhecimento já produzido
socialmente; 3) a atividade do indivíduo, para ser verdadeiramente educativa, deve ser
impulsionada e dirigida pelos interesses do próprio aluno; 4) a educação deve preparar os
indivíduos para acompanharem a sociedade em acelerado processo de mudança.
Para exemplificar esse quarto posicionamento, Duarte (2001a) apropria-se do
autor português Vitor Fonseca para mostrar uma versão contemporânea do que está falando:
A miopia gerencial e arrogante e a resistência à mudança, que paira em
grande parte no sistema produtivo, devem dar lugar à aprendizagem, ao
conhecimento, ao pensar, ao refletir e ao resolver novos desafios da atividade
dinâmica que caracteriza a economia global dos tempos modernos. Tal
mundialização da economia só se identifica com uma gestão do imprevisível
e da excelência, gestão essa contra a rotina, a mera redução de custos e contra
a simples manutenção. Em vez de se situarem numa perspectiva de trabalho
seguro e estático, durante toda a vida, os empresários e os trabalhadores
devem cada vez mais investir no seu potencial de adaptabilidade e de
empregabilidade, o que é algo substancialmente diferente do que se tem
praticado. O êxito do empresário e do trabalhador no século XXI terá muito
que ver com a maximização das suas competências cognitivas. Cada um deles
produzirá mais na razão direta de sua maior capacidade de aprender a
aprender [...] A capacidade de adaptação e de aprender a aprender e a
reaprender, tão necessária para milhares de trabalhadores que terão que ser
convertidos em vez de despedidos, a flexibilidade e modificabilidade para
novos postos de trabalho vão surgir cada vez com mais veemência. Com
redução dos trabalhadores agrícolas e dos operários industriais, os postos de
emprego que restam vão ser mais disputados, e tais postos de trabalho terão
que ser conquistados pelos trabalhadores preparados e diferenciados em
termos cognitivos (FONSECA, 1998, p. 307, apud DUARTE, 2001a, p.
37-38).
Nessa passagem, diz Duarte, o “aprender a aprender” aparece na sua forma mais
crua, mostra seu verdadeiro núcleo fundamental – concepção educacional voltada para a
formação da capacidade adaptativa dos indivíduos. Trata-se de preparar os indivíduos para as
137
competências necessárias à condição de desempregado. Caberia aos educadores conhecer a
realidade social para escolher melhor as competências que devem desenvolver nos indivíduos.
Quando o “aprender a aprender” defende o desenvolvimento da criatividade, é no sentido de
encontrar novas formas de ação que permitam melhor adaptação aos ditames da sociedade
capitalista. E é exatamente nesta perspectiva que se insere a concepção de qualificação
profissional do PLANFOR.
Por fim, as duas últimas concepções do PLANFOR: encaminhamento ao mercado
37
38
de trabalho e participação e descentralização. Quanto à primeira, a intermediação é para
vagas ofertadas por empresas, organizações de formas associativas de produção, apoio para
atividades autônomas e alternativas (não especifica quais) de trabalho e renda. Cursos,
treinamentos e assessoria a desempregados devem ser computados como formação básica e
gerencial.
Quanto à participação e descentralização, o governo defende, para dar conta de
um Programa de qualificação nacional, dadas as dimensões continentais do país, um sistema de
gestão/execução descentralizada e flexível, articulando e fortalecendo toda a capacidade efetiva
ou potencial de qualificação-intermediação existente no país por meio dos mais variados tipos
de instituições – Rede de Educação Profissional (REP) – e que deve contar com o apoio do
CODEFAT e das Comissões Tripartites estaduais e municipais. Embora o PLANFOR tenha
cadastrado 14 mil entidades executoras em todo o país, não possui o número exato das que
oferecem intermediação e qualificação, mas é possível prever, segundo o Guia (BRASIL...,
2000), que cerca de 10% podem se engajar na intermediação proposta. Com isso, o MTE
imagina contar com uma rede inicial de três mil postos ou agências de intermediação em todo
o país e a meta, a médio e longo prazos, é contar com 5,5 mil.
A meta do PLANFOR é atender um milhão de pessoas/mês, priorizando os
grupos mais vulneráveis econômica e socialmente. Significa que essa meta, num cálculo
ilustrativo, supõe que cada posto/agência possa atender cerca de 333 pessoas/mês ou média de
11/dia. O Ministério ressalta que “atendimento” significa todo o processo de colocação no
mercado de trabalho e não apenas cadastramento de vagas-canditados.
Assim, os PLANFORs estaduais devem tomar como referência o atendimento de
trabalhadores em três níveis: 1) cadastramento da clientela – definição de perfil, necessidades e
aspirações individuais dos candidatos; 2) encaminhamento direto ao mercado ou a programas
37
38
Para o PLANFOR, significa colocar o trabalhador qualificado em uma ocupação.
No PLANFOR, a intermediação deve ser realizada pelas entidades executoras dos cursos de qualificação.
138
de qualificação/suplência; 3) fixação – um mínimo desejável para permanência do trabalhador
na colocação efetuada.
Segundo dados do MTE, em 1999, o custo médio do treinamento no PLANFOR
era de R$ 135,00 (foram treinados 2,6 milhões de trabalhadores para um investimento de R$
355 milhões com recursos do FAT). No Sistema Nacional de Emprego (SINE), o trabalhador
colocado custava, em média, R$ 77,00 (foram colocados 423 mil trabalhadores para um
investimento de R$ 32,4 milhões). Contudo, são custos de ações isoladas. Os novos
parâmetros devem calcular o custo para ações integradas.
Ainda segundo o Ministério, pode-se calcular, como estimativa, o custo médio do
trabalhador qualificado/colocado em torno de R$ 200,00, ou seja, para colocar 1 milhão de
trabalhadores no mercado de trabalho é necessário gastar 200 milhões. Em 2000, o FAT
pretendia investir 497 milhões de reais na qualificação e 40,6 milhões na intermediação.
O Ministério ressalta que, embora esses serviços sejam gratuitos para o trabalhador
de baixa escolaridade e em situação de pobreza, não se pode descartar a possibilidade de algum
retorno dos beneficiários colocados, como por exemplo, percentuais sobre salários,
rendimentos etc. A premissa básica para a construção desse objetivo é que seja participativa,
negociada e gradual, com representação paritária do governo, de empresários e dos
trabalhadores, envolvendo as STbs, CEEs, CMEs e a REP.
Um outro aspecto constante da concepção do PLANFOR é que os Planos
Estaduais sejam planejados com foco nas demandas sociais e de mercado, considerando os
interesses dos setores produtivos, entendidos como o conjunto formado por trabalhadores,
empresários e consumidores em geral, com estratégias de curto, médio e longo prazos. Em
relação à demanda social, as ações devem focalizar os grupos socioeconomicamente vulneráveis.
Para que isso ocorra, as Secretarias do Trabalho devem mobilizar entidades representativas dos
segmentos vulneráveis, sensibilizar as entidades executoras e fortalecer experiências inovadoras
voltadas para esses grupos. Essa etapa do planejamento, portanto, deve caracterizar e
quantificar em cada município, o perfil dos trabalhadores e as necessidades do mercado de
trabalho. Por isso, não basta utilizar só dados secundários e pesquisa de campo, embora
fundamentais para compor o cenário do mercado de trabalho, é necessário mobilizar entidades
representativas da comunidade através das Comissões Municipais de Emprego, prefeitura,
sindicatos etc.
Outro conceito assumido e valorizado pelo PLANFOR é o da diversidade, isto é,
as diferenças pessoais em matéria de gênero, raça, aptidão física, idade, dentre outros.
Considerada não como uma ação humanitária, mas sim porque as empresas descobriram que a
139
diversidade é vantajosa, criativa, melhora a imagem, promove a qualidade, eleva a
produtividade e, portanto, o lucro. Assim, o reconhecimento e valorização da diversidade da
PEA é condição importante para o sucesso das empresas e o desenvolvimento do país. Nas
políticas públicas, a assunção da diversidade significa combater a discriminação, ação que viola
os direitos39 das pessoas com base em critérios injustificados e injustos, que se traduzem na
materialização do racismo, do preconceito e do estereótipo.
Segundo o Guia do PLANFOR (BRASIL..., 2000), o combate à discriminação, no
Brasil, está na pauta das políticas públicas desde 1995, quando é ratificada a Convenção 111
da OIT, que data de 1965, tratando justamente da discriminação no trabalho e na ocupação.
Mas, só com o lançamento do Programa Nacional de Direitos Humanos, pelo Ministério da
Justiça, em 1996, é que o governo brasileiro começa a atuar mais decididamente para formatar
e implementar políticas públicas orientadas por essa premissa. Ainda, segundo o mesmo
documento, essa demora ocorre por se acreditar que o país viva uma “democracia racial”,
tendo um “povo cordial”, sem preconceitos, estereótipos nem discriminação. Foi preciso a
militância de mulheres, negros, deficientes e a retomada da democracia, pós-regime militar,
para desmistificar esse quadro. Portanto, é a partir de 1995 que o MTE passa a apoiar ações
efetivas baseadas nos princípios da OIT.
Nesse sentido, são criados em 1996, vários grupos técnicos: Grupo de Trabalho
Multidisciplinar (GTM) para a promoção de igualdade de oportunidades no trabalho e na
ocupação, formado por representantes das diversas Secretarias do MTE; Grupo de Trabalho
para a Discriminação no Emprego e na Ocupação (GTEO), criado pela Presidência da
República, formado por representantes dos vários ministérios e secretarias de governo, sob
orientação do MTE; Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) para Valorização da
População Negra, coordenado pelo Ministério da Justiça e Secretaria Nacional de Direitos
Humanos.
Implantado em 1996, o PLANFOR, desde o início, é pensado pelo Ministério
como uma estratégia de articulação de uma política pública de Educação Profissional (EP),
integrada à política pública de trabalho e renda, promovendo a igualdade de oportunidades no
mercado de trabalho e consolidando um novo modelo e um novo conceito de EP. Portanto, de
forma explícita, incorpora a dimensão da diversidade, assumindo que essa é uma categoria
fundamental de um novo modelo de EP – focada na dinâmica do mundo do trabalho, para se
39
O PLANFOR cita como referência o documento Brasil, gênero e raça; todos unidos pela igualdade de
oportunidades. O documento se vale de definições internacionais das Nações Unidas e da OIT.
140
enfrentar a exclusão social e construção da cidadania. Assim, diversidade, exclusão e cidadania
são as três preocupações-chave do PLANFOR.
Embora o PLANFOR explicite, claramente, os três focos de seletividade ou
discriminação – gênero, raça/cor e portadores de deficiências – reconhece que essas três
dimensões não esgotam a questão da diversidade, mas é a fonte das maiores desigualdades no
mercado de trabalho e na EP, especialmente quando as populações são compostas de pessoas
mais pobres e menos escolarizadas.
Assim, o novo modelo de EP do Ministério do Trabalho procura superar o
paradigma masculino, branco, urbano, industrial, que historicamente orientou os modelos e os
sistemas de EP no Brasil, e foi amplamente debatido em seminários, oficinas e congressos
promovidos ou apoiados pelo PLANFOR, em todo o país.
O conceito de gênero,40 no entendimento do MTE, pode ser definido como “sexo
socialmente construído”, isto é, um sistema de papéis e de relações entre mulheres e homens,
determinados não pela biologia, mas formado segundo o contexto social, político e econômico.
O sexo, que é um indicador do gênero, é biológico, o gênero é construído na vida em
sociedade. Assim, o gênero funciona como uma “relação estruturante”, articulada com outras
relações sociais, situando o indivíduo no mundo e traçando seu destino: oportunidades,
escolhas, trajetórias, vivências, lugares e interesses. Portanto, gênero é uma categoria
fundamental para a compreensão do mundo do trabalho e a formulação de políticas públicas.
Levar em conta a diversidade de gênero no mercado de trabalho e na educação
profissional (EP) implica reconhecer e incorporar aos programas e projetos algumas dimensões
fundamentais, quais sejam: a PEA é formada por trabalhadores e trabalhadoras com
necessidades e demandas específicas; o trabalho tem sido orientado por uma divisão de gênero
que acaba definindo atividades e ocupações mais “tipicamente masculinas” e outras
“tipicamente femininas”; a sexualização imposta pelas características biológicas, ou
aproveitando “pendores e habilidades” femininos ou masculinos, reflete relações de poder que
discriminam as mulheres no mercado de trabalho, reservando-lhes ocupações menos
qualificadas, salários mais baixos e carreiras sem perspectivas de promoção; todas as questões
40
O MTE toma como referência para subsidiar a discussão sobre gênero os seguintes autores e obras: 1) Helena
HIRATA, 1998. Reestruturação produtiva trabalho e relações de gênero. Revista Latino Americana de Estudos
Del Trabajo, ano 4, n. 7, p 5-27, 1998; ABRAMO, L.; ABREU, Alice R. de Paiva Abreu (Org.). Gênero e
trabalho na sociologia Latino Americana. São Paulo, 1998 (Série II Congresso Latino Americano de Sociologia do
Trabalho); BRUSCHINI, C. Trabalho feminino no Brasil: avaliação dos anos oitenta e perspectivas para o
futuro, 1995, apresentado no Seminário “A Mulher no Mundo do Trabalho”; LEITE, E. Educação profissional
na perspectiva de gênero: a experiência do PLANFOR e LAVINAS, 1997. Gênero, cidadania e adolescência. In:
Madeira, F. R. (Org.). Quem mandou nascer mulher? Estudos sobre crianças e adolescentes no Brasil. Rio de
Janeiro: Record/Rosa dos Tempos, UNICEF, 1997.
141
citadas geram um ciclo vicioso e perverso no qual as mulheres têm dificuldade de acesso à
qualificação porque fazem trabalhos menos qualificados, e fazem trabalhos menos qualificados
porque não têm acesso à qualificação.
A apropriação pelo Ministério da produção acadêmica sobre gênero, raça/cor e
portadores de necessidades especiais qualifica seu discurso, pois lhe dá conteúdo científico.
Falar da diversidade da PEA e assumi-la na qualificação profissional do trabalhador é
socialmente importante para dar maior credibilidade ao Programa.
O PLANFOR incorpora a dimensão de gênero, desencadeando ações de
articulação e de avanço conceitual, sensibilizando e preparando as Secretarias do Trabalho e
demais parceiros para sua implementação através de: apoio e orientação a Fóruns e Conselhos
de Mulheres nos Estados e Municípios, mobilizando suas representações nas CEEs/CMEs;
organizando ou patrocinando seminários, congressos, oficinas de trabalho de entidades
governamentais, ou não, ligadas a assuntos da mulher; apoiando e distribuindo textos
conceituais e assinando o Protocolo Mulher, Educação e Trabalho juntamente com o
Ministério da Justiça/Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), em 1996, que
estabelece metas e condições para programas de qualificação no âmbito do PLANFOR.
Todas essas medidas contribuem para a ampla participação de mulheres nos
programas do PLANFOR. Os dados coletados pelo MTE corroboram: a participação das
mulheres cresceu de 41% em 1996 para 49% em 1999, significando que, das 8,3 milhões de
pessoas qualificadas no período 1995/99, 48% foram mulheres.
Apesar de reconhecer que foram experiências focalizadas, em pequena escala, o
Ministério admite que há avanços importantes na medida em que: exploram novos nichos de
trabalho e geração de renda locais/regionais, levando em consideração a condição de mulheres
trabalhadoras, sendo muitas delas chefes de família; beneficiam populações usualmente não
atendidas pela oferta tradicional de EP; incorporam, além das habilidades específicas,
conhecimentos e atitudes voltadas à saúde e sexualidade da mulher, assim como melhoria da
qualidade de vida familiar e comunitária e estabelecem inusitadas e criativas parcerias,
juntando diferentes atores e entidades de EP.
Sobre a diversidade raça/cor,
41
o Ministério também entende que é uma
construção social, associada a esteriótipos positivos ou negativos, mas também ao preconceito,
41
O MTE toma como referência as seguintes obras: BRASI. Ministério do Trabalho. Assessoria Internacional.
Brasil, gênero e raça: todos unidos pela igualdade de oportunidades. Brasília, 1998; BRASIL. Ministério do
Trabalho. PLANFOR: a experiência dos afro-brasileiros. Brasília, 1999. Termo de referência para programas e
projetos de qualificação profissional; INSTITUTO SINDICAL INTERAMERICANO PELA IGUALDADE
142
racismo e discriminação. O preconceito de cor é amplamente disseminado, notadamente entre
as pessoas negras e pardas. O MTE distingue o “racismo individual” do “racismo
institucional”, sendo este último mais importante do ponto de vista das políticas públicas.
A situação que a população negra enfrenta no mercado de trabalho é similar a das
mulheres: ocupação menos qualificada, baixos salários, entraves à promoção. Essa questão
torna-se mais acentuada quando se juntam as duas características; gênero e raça/cor e
tornando-se extremada quando, além de mulher e negra, ela for pobre e analfabeta, quase
sinônimo de absoluta exclusão social.
Para incorporação da dimensão raça/cor em seus programas de qualificação, o
PLANFOR precisou de demoradas negociações e discussões com representantes do Ministério
da Justiça, OIT e organizações de negros em todo o país. Portanto, a ampla sensibilização, não
raro apoiada por medidas de sanção (condicionando o repasse de recursos), foi uma outra
estratégia utilizada pelo Ministério. Assim, desde 1996, o PLANFOR tinha conhecimento da
raça/cor das pessoas qualificadas em seus cursos, sendo o único programa de qualificação do
país e da América Latina que dispunha de estatísticas precisas sobre a população negra. Em
1998, foi firmado o Protocolo de Igualdade Racial e Étnica no Trabalho, entre Ministério da
Justiça e do Trabalho, sedimentando essa política de inserção e propondo uma política de
qualificação profissional, trabalho e renda para o segmento de trabalhadores afro-brasileiros.
O PLANFOR, no período 1995/99, pôde dimensionar que a participação de
negros e pardos foi de cerca de 45% do total de treinandos, significando 3,7 milhões de
pessoas qualificadas, o equivalente à sua participação na PEA. Além disso, foram desenvolvidos
projetos e programas para trabalhadores afro-brasileiros, visando o resgate da cultura e da autoestima dessas populações.
Por fim, o PLANFOR determina em suas Diretrizes que sejam realizados cursos
de qualificação profissional para pessoas portadoras de deficiência,42 entendida como aquelas
que apresentam, em caráter permanente, perdas ou reduções de sua estrutura ou função
psicológica, mental ou anatômica, que as impedem de exercer determinadas atividades.
Embora não se disponha de estatísticas dessa população, os organismos especializados adotam
como parâmetro uma participação de cerca de 10% desses grupos na PEA.
RACIAL (INSPIR). Mapa da população negra no mercado de trabalho. São Paulo, 1999; GUIMARÃES, A. S. A.
Racismo e anti-racismo no Brasil. São Paulo: Editora 34, 1999.
42
O MTE utilizou a seguinte referência: Projeto de Integração Normalizada de Pessoas Portadoras de Deficiência
nas Instituições de Formação Profissional da América Latina: diagnóstico e programa piloto (síntese). Rio de
Janeiro, CNI/SENAI, CIET/UNESCO, CINTERFOR, 1997.
143
O acesso dos portadores de deficiência ao mercado de trabalho é dificultado por
questões, desde a locomoção e transporte, até as alternativas e metodologias adotadas
usualmente para sua qualificação. Além disso, a maioria dos programas/projetos não tem tido
êxito, dado seu viés assistencialista, que busca “proteger” em vez de estimular sua integração ao
mercado.
Os portadores de deficiência contam com a legislação indicada abaixo, que
preconiza a ação conjunta do Estado e da Sociedade Civil, de modo a assegurar a plena
integração socioeconômica e cultural, sem privilégios nem paternalismo, mas com
reconhecimento de suas características e necessidades: Convenção 111 da OIT e do Programa
Nacional de Direitos Humanos; Lei 7.853/89, que estabelece apoio às pessoas portadoras de
deficiência e sua integração social; Decreto 914/93, que institui a Política Nacional para a
Integração da pessoa portadora de deficiência; Convenção 159 da OIT, ratificada através do
Decreto 129/91, que trata da readaptação profissional e o trabalho da pessoa portadora de
deficiência.
A incorporação dos “portadores de deficiências” ao PLANFOR se dá através da
implementação, em 1996, de um Programa Nacional para Portadores de Deficiências que
conta com especialistas da área. Em 1998, consolida a diretriz e a prática de atendimento a essa
população, não criando programas focados, mas assegurando prioridade de acesso aos
portadores de deficiências nos programas de qualificação, recomendável para se construir
políticas igualitárias e combater a discriminação.
No período 1995/98, como resultado do Programa Nacional para Portadores de
Deficiência, foram qualificados um total de 62 mil pessoas. Em 1999, sem este Programa, mas
com a diretriz de incorporação e registro, foram 159 mil trabalhadores deficientes qualificados,
correspondendo a 6% do total do PLANFOR (próximo da estimativa de sua participação na
PEA). O Ministério informa que dos programas não focalizados, mas que favorece a
participação de deficientes, o PLANFOR financiou a adaptação do Telecurso 2000 – Supletivo
e Profissionalizante para o alfabeto de surdos, passo fundamental na elevação da escolaridade
dessa população.
5.1.2 - Guia de Avaliação do PLANFOR
O Guia de Avaliação do PLANFOR consiste em um documento da Secretaria de
Políticas Públicas de Emprego (SPPE) do Ministério do Trabalho, datado de 2000, elaborado
para atender à decisão tomada por especialistas, coordenadores de qualificação dos Estados e
144
demais parceiros, em oficina nacional realizada em dezembro de 1999, para orientar as
instituições contratadas a realizarem a avaliação do Programa. Este documento é composto de
uma apresentação e dez itens: 1) especificações das necessidades da avaliação; 2) como foi
realizada a avaliação em 1999; 3) como deveriam ser as próximas; 4) o que deveria ser avaliado;
5) avaliar para quê; 6) como avaliar; 7) pesquisa com egressos; 8) custos da avaliação; 9)
produtos da avaliação; 10) perfil dos avaliadores. Além desse corpo de orientação, o Guia
contém quatro anexos: no primeiro, constam todas as informações sobre o SIGAE e SIGEP;
no segundo, um modelo de formulário para a pesquisa de egressos; no terceiro, a ficha do
trabalhador – que deve ser preenchida pela executora no momento da inscrição no curso e que
posteriormente comporá as informações do SIGAE e SIGEP; no quarto anexo consta um
roteiro para elaboração dos projetos de avaliação externa. Além desses itens, há uma listagem
identificando todas as siglas utilizadas no Guia.
Assim, partindo dos resultados apresentados e debatidos naquela oficina, por
diferentes projetos de avaliação nacional do PLANFOR, implementados entre 1996/1999, os
participantes, tendo na coordenação a SPPE/MTE, decidem dar um salto qualitativo na base
conceitual e metodológica da avaliação, definindo um conjunto mínimo de “respostas” que
todos os Planos Estaduais de Qualificação (PLANFORs) e Parceiros Nacionais e Regionais
(PARCs) se obrigam a fornecer e que podem servir de base para a avaliação global do
PLANFOR.
O Guia de Avaliação do PLANFOR é estruturado em torno de questões práticas,
de quem precisa contratar e executar os projetos. Segundo este documento, trata-se de uma
nova etapa na avaliação do PLANFOR, que é acompanhada e monitorada por uma Comissão
Nacional de Avaliação, integrada por representantes dos Estados, dos Parceiros
Nacionais/Regionais, das instituições avaliadoras e especialistas na área, sob a coordenação da
SPPE do Ministério do Trabalho. Avaliar o PLANFOR, afirma o documento, é um
compromisso com a sociedade, uma fonte de informação e orientação para aplicação de
recursos públicos, um retorno aos cidadãos e contribuintes.
O Ministério adota, inspirado em diretrizes de metodologias de construção de
políticas públicas, as seguintes diretrizes básicas: a) participação dos interessados no processo,
dialogando desde a elaboração do projeto até a apresentação e aplicação de seus resultados; b)
transparência em todas as fases do processo e c) preocupação não só com os aspectos
quantitativos, mas, sobretudo qualitativos, cobrindo dimensões de eficiência, eficácia e
efetividade social das ações.
145
Esse processo de avaliação do PLANFOR é orientado para construir e analisar
indicadores sobre eficiência, eficácia e efetividade social dos Planos Estaduais, definidos nos
seguintes termos:
eficiência – entendida como o grau de aproximação da relação entre o previsto e o
realizado (treinandos, carga horária, abrangência espacial e setorial, aplicação dos recursos,
entre outras variáveis) no sentido de combinar os insumos e implementos necessários à
consecução dos resultados visados. Refere-se, portanto, à otimização dos recursos
utilizados, sendo um indicador de produtividade das ações desenvolvidas. Assim, de um
lado, envolve a comparação das necessidades de atuação sobre o fenômeno e, de outro, as
diretrizes e os objetivos propostos e o instrumental disponibilizado para nele intervir;
eficácia – expressa pelo benefício das ações de educação profissional (EP) para os
treinandos, traduzido em melhoria de chances de obtenção ou manutenção do trabalho,
geração ou aumento de renda, elevação de produtividade e melhoria da qualidade de
produtos e serviços, integração ou reintegração social;
efetividade social – entendida não somente como benefícios individuais obtidos pelos
treinandos, mas sobretudo como processo de desenvolvimento regional/local, isto é,
verificação dos impactos do PLANFOR do ponto de vista das populações, comunidades
ou setores focalizados.
Outros indicadores também devem ser considerados, tais como: localização
espacial, tamanho das localidades, capacidade institucional de resposta dos agentes executores
do programa, o ambiente político no qual se desenrolam as atividades, sobretudo porque se
trata de uma ação de âmbito nacional.
Dois mecanismos são adotados para realização do acompanhamento e avaliação do
PLANFOR: a supervisão gerencial e a avaliação externa em dois níveis – local e nacional. A
supervisão foi implementada em 1996, em âmbito estadual e nacional, garantindo relatórios
trimestrais ao CODEFAT, bem como informações para outros órgãos de governo (Secretaria
de Planejamento, Casa Civil, Comunidade Solidária). A avaliação externa também foi
implementada no mesmo ano da supervisão, incluindo, a partir de 1999, pesquisa de
acompanhamento de egressos.
43
Em nível nacional, a avaliação externa foi realizada pela UNITRABALHO entre
1996/1999, produzindo sínteses dos resultados das avaliações estaduais. Construiu também
43
Rede Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho. Nasceu em 1995 por iniciativa de 32
Instituições de Ensino Superior (IES) públicas e privadas, federais e estaduais, com o objetivo de maior
aproximação com o mundo do trabalho, em particular os segmentos organizados dos trabalhadores, associações
de bairro, ONGs etc.
146
um processo de metodologia da avaliação destinado a melhorar e homogeneizar os projetos,
sobretudo os PLANFORs. Em 1997, fica a cargo da UNIEMP, 44 que no período 1998/99
produz duas pesquisas nacionais, abrangendo projetos de “emprego garantido”. Em 1999, o
IPEA assume o processo de avaliação externa propondo medidas de aprimoramento.
As medidas propostas pelo IPEA têm como subsídio as avaliações implementadas
até 1998, que indicam vários problemas: amplitude do PLANFOR, aliada às diferentes
metodologias utilizadas pelas instituições estaduais (na sua grande maioria universidades
públicas), dificultando sínteses em nível nacional; definição de um elenco mínimo de
indicadores de eficiência, eficácia e efetividade social; freqüente confusão entre supervisão e
avaliação e, enfim, conclusões e recomendações de baixa aplicabilidade. O IPEA reconhece que
45
o desenho do PLANFOR – flexível, descentralizado e com foco de política pública universal
– torna mais complexa sua avaliação.
Na ótica da Oficina Nacional, com a presença da UNITRABALHO e do
UNIEMP, em 2000, são aprovadas as seguintes propostas básicas, que passam a ser a referência
para a avaliação externa: 1) manter o PLANFOR como política pública e não apenas como
programa de treinamento. Essa recomendação foi justificada pelo fato que não era suficiente
avaliá-lo apenas pelas taxas de colocação de treinandos no mercado de trabalho – ótica do
custo-benefício, pois o próprio Ministério reconhece que a qualificação por si só não gera ou
garante emprego; 2) padronizar e simplificar a avaliação externa dos PLANFORs, definindo
um conteúdo mínimo de questões que todas as instituições envolvidas devem cobrir,
permitindo a comparação dos resultados em escala nacional; 3) constituir uma Comissão
Nacional de Avaliação do PLANFOR, coordenada pela Secretaria de Políticas Públicas de
Emprego do Ministério, reunindo representantes dos Estados, parceiros e as entidades
avaliadoras, junto com especialistas da área e do IPEA com o objetivo de melhorar o processo.
Observa-se na primeira recomendação, que se transforma em referência para a
avaliação do PLANFOR, a explicitação de uma concepção de política pública sem definir o seu
objeto ou conteúdo. Isto é, reafirmar “por princípio” que o PLANFOR é uma política pública
e ao mesmo tempo reconhecer que não se pode avaliá-lo pela “taxa de colocação de treinandos
no mercado de trabalho”, indica, no mínimo, uma declaração de que a criação de emprego não
é objetivo do PLANFOR. E se esse não é seu objetivo, conforme declarado nos documentos
oficiais, quando afirma que é uma política de emprego e renda, só resta mesmo o treinamento
44
Fórum Permanente das Relações Universidade Empresa. Iniciou suas atividades em 1997 e até 1999 realizou
uma síntese dos resultados das avaliações estaduais, conduzindo o processo de avaliação do PLANFOR.
45
O Guia de Avaliação refere-se ao PLANFOR como uma política pública universal; contudo, o Guia do
PLANFOR especifica sua ação focalizada como foi explicitado no item 5.1.1.
147
e a qualificação como única meta: dar empregabilidade, ou seja, treinar para as “novas” e
precárias formas de trabalho.
O Guia de Avaliação do PLANFOR apresenta uma distinção bastante clara entre a
supervisão e a avaliação externa, estabelecendo: foco, objetivo, época da realização, atividades,
execução, recursos, custos e produtos de cada uma.
O Ministério estabelece um núcleo básico de questões a serem respondidas pelos
projetos de avaliação externa dos Estados que podem ser sintetizados em nove itens ou
dimensões da avaliação: 1) foco na demanda do mercado de trabalho; 2) atendimento da
população-alvo; 3) adequação dos programas ofertados; 4) adequação das entidades executoras;
5) otimização de investimentos; 6) gestões dos PLANFORs; 7) gestão do PLANFOR; 8)
impactos para os treinandos; 9) impactos como Política Pública.
Assim, a avaliação externa de cada PLANFOR deve responder as seguintes
questões: 1) como, quando, e por quem é elaborado o PLANFOR; 2) como a Secretaria do
Trabalho (STb) identifica e define a demanda dos trabalhadores e as necessidades do mercado
de trabalho incorporando-as ao planejamento e execução de suas ações; 3) como e que
orientação técnica a STb fornece às instituições que desenvolvem cursos de educação
profissional; 4) como e por quem são analisadas as propostas das instituições executoras de
cursos/programas a serem ofertados; 5) como, quando e por quem são contratadas as entidades
executoras do PLANFOR local; 6) como e por quem é definida a distribuição dos recursos do
FAT para execução do PLANFOR local; 7) que critérios são utilizados pela STb para
aprovação dos projetos/cursos de qualificação profissional e posterior contratação das entidades
executoras; 8) como a STb gerencia a aplicação dos recursos do PLANFOR local; 9) como é
realizada a supervisão gerencial do PLANFOR local; 10) se as entidades executoras
desenvolvem nos cursos, de forma integrada, as habilidades básicas, específicas e de gestão
como proposto nas diretrizes do PLANFOR.
Desconhecem-se resultados integrais da avaliação externa de outros estados, por
isso não é possível dizer se as instituições avaliadoras cumpriram as determinações do
Ministério e deram as respostas solicitadas. No caso da Bahia, pode-se afirmar que a avaliação
externa investiu junto à Secretaria do Trabalho e às entidades executoras, no sentido de buscar
as respostas às dez questões propostas pelo Ministério. Contudo, as informações prestadas
foram, em alguns casos, dúbias ou insuficientes, como por exemplo, a identificação das
demandas do mercado de trabalho e da população-alvo dos diferentes municípios. A Secretaria
informava que havia realizado através dos membros das CMEs, da prefeitura local ou entidades
civis representativas do município, contudo os dados colhidos nas entrevistas realizadas com os
148
representantes das referidas comissões revelam duas situações: 1) a CME não participou em
nenhum momento do planejamento dos cursos desenvolvidos pelo PLANFOR; 2) a prefeitura
havia definido as demandas. 46
Está expresso no Guia de Avaliação que o foco da avaliação externa deve ser
dirigido para os objetivos globais do PLANFOR, definidos e homologados pelo CODEFAT,
nos seguintes termos: construir, gradativamente, oferta de EP permanente que contribua para
reduzir o desemprego e o subemprego da PEA, combater a pobreza e a desigualdade social e
elevar a produtividade do setor produtivo. Portanto, a avaliação externa deve aferir o
cumprimento desses objetivos, incluindo acompanhamento de egressos. Além disso, deve
exercer o direito de criticar a proposta do PLANFOR, formulando alternativas que possam
contribuir para elevar sua eficiência, eficácia e efetividade social. Portanto, mais do que a
reprodução dos termos de referência do Ministério e das Resoluções do CODEFAT, o “tom”
da avaliação externa deve ser sempre analítico e propositivo.
As possíveis modalidades de pesquisa indicadas no Guia de Avaliação são: análise
documental (Resoluções do CODEFAT, Guia do PLANFOR, documentos do PLANFOR
local, contratos, editais, prestação de contas, relatórios da supervisão, material didático); análise
de dados secundários (PNAD, CAGED, SIGAE, SIGEP, PED, cadastros de educação
profissional (EP); discussões em grupo; entrevistas abertas, semi-estruturadas, estruturadas;
formulários e questionários. Para seleção dos informantes, o Ministério indica como referências
as seguintes fontes: CEE, CMEs, STb, Parceiros nacionais e regionais, executoras e egressos. A
apropriação técnica, pelo Ministério, de pesquisa acadêmica na avaliação dos PLANFORs é
uma forma de dar credibilidade aos resultados encontrados. Contudo, a diretividade das
questões abordadas limita a investigação/avaliação, respondendo apenas ao que interessa ao
Ministério do Trabalho saber.
Com relação aos egressos, a pesquisa deve ser item obrigatório da avaliação
47
externa, tanto que recebe termo de referência específico, com participação de técnicos das
46
Em relação ao atendimento ou não das orientações propostas pelo Ministério, pela avaliação externa, na Bahia
vai-se analisá-las quando se apresentar os resultados dessa avaliação e dos demais PLANFORs quando se
comentar os documentos de avaliação do próprio Ministério.
47
O termo de referência citado acima especifica os seguintes itens que devem ser observados na pesquisa: a)
amostra aleatória com 95% de grau de confiança, margem de erro máximo de 5%, estratificada, segundo grupos
de população-alvo do PLANFOR local, representando pelo menos por 80% dos concluintes e do investimento e
extraída sobre os concluintes do ano anterior, respeitados os prazos para inserção no mercado de trabalho (90 a
180 dias após conclusão do curso); b) ser realizada logo no início do exercício, considerando egressos de
ano/período anterior e fixada data-limite para o corte do universo a ser pesquisado e data de referência da
pesquisa para homogeneizar as informações; c) os resultados devem ser apresentados segundo grupos de
população-alvo e/ou programas, detalhados segundo sexo, raça/cor, escolaridade e outras variáveis, fazendo
comparações, sempre que possível, com anos anteriores; d) adotar as classificações/codificações da Ficha do
Trabalhador (SIGAE-SIGEP) para as variáveis idade, escolaridade, raça/cor, situação de trabalho, setor de
149
Secretarias de Trabalho, avaliadores dos PLANFORs estaduais e especialistas em avaliação. A
metodologia sugerida propõe basicamente a comparação entre três momentos da trajetória do
treinando: ao iniciar o programa de qualificação (matrícula), ao concluir o programa e, depois
de concluído o programa, em prazo variável, mas considerando o tempo médio esperado para
sua inserção no mercado de trabalho.
Cada PLANFOR estadual deve aplicar até 4% dos recursos do convênio firmado
na avaliação externa, sendo que a metade deve ser utilizada para a pesquisa com egressos e deve
ser detalhada a partir das necessidades/especificidades do PLANFOR estadual. O item nove do
Guia de Avaliação indica um “pacote mínimo” de produtos de avaliação, com sugestão de
prazos de entrega e percentuais de pagamento sobre o orçamento total do projeto, visando
garantir um mínimo de padronização que permita comparações e sínteses nacionais.
Esse mesmo documento também determina as especificações técnicas dos
relatórios, entendido como um documento técnico-gerencial para subsidiar tomada de
decisões, que deve conter em termos de conteúdo uma análise dos resultados, restringindo
reprodução de documentos, termos e referência ou extensa bibliografia. Em relação à estrutura,
deve conter os itens básicos da avaliação (as nove dimensões citadas anteriormente), síntese e
conclusões, recomendações e anexos. Também estabelece o perfil da equipe de avaliação do
PLANFOR e os itens básicos do contrato com a instituição avaliadora.
5.1.3 - Avaliações do PLANFOR pelo Ministério do Trabalho e Emprego
A seguir, comentam-se os resultados das três avaliações do PLANFOR, realizadas
em 2000 e 2001 pelo Ministério do Trabalho, resultando em três publicações em 2002. A
primeira – Avaliação do PLANFOR 2000 Trabalhadores qualificados pelo PLANFOR.
Quem são e o que estão fazendo – sintetiza os resultados das avaliações externas com os
egressos de 1999 dos 26 Planos Estaduais
48
de Qualificação denominados à época PEQs,
posteriormente PLANFORs, e das 11 Parcerias – PARCs, totalizando 37 projetos concluídos.
Essa síntese focaliza as nove dimensões49 básicas da avaliação adotadas para aferir a eficiência, a
atividade econômica, município. Para ocupação, deve ser utilizado o SIGAE ou a Classificação Brasileira de
Ocupações (CBO) onde o SIGAE não tiver sido implementado; e) as técnicas de pesquisa (entrevistas pessoais
ou por telefone, encontros, reuniões) devem ser adaptadas às condições locais e características da clientela,
localização, nível de escolaridade etc. O uso da mala direta está limitado pelo baixo índice de escolaridade dos
treinandos; f) os instrumentos indicados pelo Guia são exatamente os anexos I (indicadores constantes do
SIGAE e do SIGEP) e o anexo II – ficha do trabalhador.
48
O PLANFOR de Mato Grosso não realizou a pesquisa.
49
I) focalização da demanda; II) focalização do público-alvo; III) programas de qualificação; IV) entidades
executoras; V) otimização de investimentos; VI) gestão dos PLANFORs e PARCs; VII) gestão do PLANFOR;
VIII) efeitos da qualificação para os treinandos e IX) desempenho do PLANFOR como Política Pública.
150
eficácia e a efetividade social das ações de qualificação. A segunda publicação – Avaliação do
PLANFOR 2000 – faz uma breve retrospectiva da avaliação do PLANFOR, indicando e
comentando as três fases do processo de avaliação: construção (1995/1999), sistematização
(1999/2001) e consolidação (2001/2002), apresentando os resultados a partir das nove
dimensões já explicitadas anteriormente. A terceira – Avaliação do PLANFOR 2001 – sintetiza
os resultados das avaliações de 26 Planos Estaduais de Qualificação – PLANFORs e de 15
Parcerias Nacionais e Regionais – PARCs, realizadas em 2001, por 37 instituições, em sua
maioria vinculadas a universidades públicas federais. As nove dimensões básicas da avaliação do
PLANFOR são desdobradas em 77 questões, que correspondem ao núcleo mínimo de critérios
e indicadores definidos pelo Ministério.
a) Avaliação dos Egressos do PLANFOR – 1999
Na primeira avaliação, que trata dos egressos de 1999 (BRASIL..., 2002b), o
Ministério do Trabalho admite que, embora essa pesquisa sinalize aspectos positivos, é difícil
tirar conclusões mais amplas, por falta de parâmetros de outras pesquisas com os quais
pudessem ser comparados os resultados encontrados na pesquisa de egressos do PLANFOR.
Assim, o desafio da Avaliação é, além de construir sua própria metodologia, definir referências
para “medir” eficiência, eficácia e efetividade social. O objetivo, portanto, da Secretaria de
Políticas Públicas de Emprego do MTE é de poder contribuir, a partir da publicação dos
resultados da avaliação, no aprimoramento metodológico e na focalização das ações elevando a
eficácia do PLANFOR em todo o país.
No documento50 ora analisado, o Ministério informa que os PLANFORs
adotaram procedimentos metodológicos complementares, contudo, a quase totalidade dos
programas estaduais cobriram o núcleo central da pesquisa – avaliar os benefícios da
qualificação para os treinandos – expresso no conjunto de questões básicas.51 Portanto, são
dados essencialmente quantitativos, baseados em questionário estruturado, aplicado à amostra
aleatória simples. Considera também que, apesar das lacunas de informações e variações
50
É importante esclarecer que essa publicação, assim como as outras duas, apresenta os dados agregados de
PLANFORs e PARCs.
51
As questões foram as seguintes: 1) Os desocupados obtiveram trabalho/renda após os cursos? 2) Os ocupados
mantiveram seu trabalho ou melhoraram suas condições? 3) Os ocupados elevaram sua renda? 4) melhoraram
seu desempenho no trabalho? 5) Elevaram nível de informação sobre o mercado de trabalho? 6) Buscaram mais
qualificação (ensino regular, cursos profissionais)? 7) Participaram e/ou se integraram mais na comunidade? 8)
Melhoraram as relações pessoais e familiares? 9) Elevaram a auto-estima? Essas mesmas questões foram utilizadas
nas avaliações de 2000 e 2001.
151
metodológicas, os resultados estaduais foram suficientes para estruturar a síntese dessa
publicação.
O documento registra um total de 2,6 milhões de treinandos (2 milhões nos
PLANFORs e 600 mil nas PARCs), em 1999, sendo que 72% dos treinandos dos PLANFORs
e 82% das PARCs tiveram ações presenciais (BRASIL..., 2002b, p.17).
Os PLANFORs – 1999 cumprem as metas de atendimento aos trabalhadores
rurais, mulheres, mulheres chefes de família, pessoas negras e pardas, jovens, em especial os que
buscam o primeiro emprego e pessoas de baixa renda. Mas alguns segmentos de trabalhadores
têm inclusão deficitária: os de baixa escolaridade (até fundamental incompleto) e com mais de
quarenta anos de idade. A superação dessas duas dificuldades representa desafios para o
PLANFOR e para as entidades e programas de qualificação em geral (BRASIL..., 2002b, p.
18).
Os registros da sistematização da SPPE/MTE também indicam que 79% dos
treinandos residem em área urbana e 21% na rural, reproduzindo o perfil da população
residente, embora haja Planos Estaduais (23%) que atendem mais pessoas da área rural
(BRASIL..., 2002b, p. 18).
Em relação a gênero, em 1999, a PEA tinha 42% de mulheres e 50% dos
treinandos do PLANFOR foram de mulheres, o que é coerente com as diretrizes do Programa
– priorizar trabalhadoras. Além disso, 35% dessas mulheres são chefes de família, superior aos
dados encontrados pela PNAD – 26%. Segundo a PNAD, 55% da PEA se declaram de cor
branca e 44% preta/parda; no PLANFOR, essas proporções foram de 51% e 46%,
respectivamente, portanto, próximas ao perfil da PEA. A diversidade de raça/cor só muito
recentemente vem sendo considerada nas políticas públicas brasileiras. O PLANFOR, afirma o
Ministério, faz um grande esforço para incluir no registro dos treinandos essa variável.
Contudo, os dados indicam que ainda existe muito preconceito, pois em 14% das respostas há
“cor não declarada”. Em relação à faixa etária, 39% dos treinandos têm entre 16-24 anos de
idade, bem acima dos 26% registrado na PEA, o que está também coerente com as diretrizes
do Programa. O atendimento de pessoas entre 25-39 anos também excedeu sua participação
na PEA. Contudo, houve perdas na cobertura de pessoas com mais de quarenta anos (19%),
ficando muito aquém ao registrado na PEA (35%). Esse dado reflete, segundo o MTE, as
dificuldades de inserção dessas pessoas no mercado de trabalho, um círculo vicioso que só se
quebra com ações afirmativas e integradas (BRASIL..., 2002b, p. 19).
Atender, prioritariamente, trabalhadores com baixa escolaridade, isto é, com
ensino fundamental incompleto, não é uma meta alcançada pelos PLANFORs em 1999.
152
Enquanto a PEA registra 52% de pessoas com ensino fundamental incompleto, no PLANFOR
- 1999 há 45% de treinandos nessa situação. A sobre representação dos mais escolarizados
(ensino fundamental completo ou mais), segundo o MTE, é decorrente de três fatores: 1) alta
participação de jovens no Programa, segmento que tende a ter maior escolaridade, dada a
universalização da escola pública; 2) despreparo (metodológico e experiêncial) das instituições
executoras para qualificar pessoas com baixa escolaridade; 3) e a própria seletividade do
mercado de trabalho, que se fecha para aqueles sem instrução básica. (BRASIL..., 2002b, p.
19).
Acompanhando as diretrizes do PLANFOR, a qualificação profissional nacional
atende, prioritariamente, os desocupados (48%), muito superior ao índice da PEA (10%).
Nesse segmento (desocupados) há uma parcela significativa de pessoas que nunca trabalhou,
decorrente, possivelmente, da alta participação de jovens no Programa. Entre os treinandos
ocupados, o PLANFOR beneficia, relativamente mais, os trabalhadores “informais”, sem
proteção social, isto é, sem registro em carteira nem contrato de trabalho. No caso dos
assalariados, além dos autônomos e microempreendedores, sem qualquer tipo de regulação de
suas atividades (BRASIL..., 2002b, p.19). Esses dados estão coerentes com a concepção de
qualificação proposta pelo Ministério qualificar para a empregabilidade ou para as “novas formas
de trabalho”.
Os registros indicam também que foram treinadas 30% de pessoas sem nenhuma
renda, bem acima dos 2% na PEA, mais um reflexo da participação dos jovens. E, 27% dos
treinandos auferem até um salário mínimo, contra 18% na PEA. Em relação ao rendimento
familiar, 6% estão em famílias sem rendimento e 60% na faixa entre um a três salários
mínimos; na PEA essas proporções são de 2% e 36%, respectivamente (BRASIL..., 2002b, p.
20).
A comparação realizada pelo Ministério do Trabalho entre o perfil dos egressos de
1999, pesquisados em 2000, com o perfil dos treinandos, detalhado anteriormente, revela que
há sobre-representação, nas amostras de egressos, em algumas variáveis: a) residentes em áreas
urbanas; b) gênero feminino; c) jovens de 16-24 anos; d) pessoas com escolaridade acima do
ensino fundamental completo. Esses dados refletem tendências esperadas, segundo o MTE, em
função da maior facilidade de localização de alguns segmentos: residentes em área urbana em
geral; mulheres e jovens, mais restritos ao espaço doméstico e pessoas com maior escolaridade e
ocupados, cujas vidas são mais estáveis e organizadas. Foram pesquisados no país 46,5 mil
egressos dos PLANFORs (BRASIL..., 2002b, p. 22).
153
Do ponto de vista dos próprios egressos, os dados da pesquisa52 indicam que há
alguns benefícios advindos da realização dos cursos, tais como: a) 15%, na média dos
PLANFORs, dos desocupados obtêm trabalho/renda, chegando a 40% nos PLANFORs do
Espírito Santo e Rio Grande do Sul; b) 47% dos ocupados mantêm-se no trabalho e melhoram
suas condições de vida, chegando a 51% no RS, SC, PI; c) na média dos PLANFORs, 14%
dos ocupados elevam a renda, chegando a 40% em MT e RS; d) 39% dos ocupados e 59% dos
desocupados melhoram o desempenho no trabalho. Nos Estados do PR, RS, SC e MT,
ultrapassam 75%; e) na média dos PLANFORs, 30% dos egressos, no geral, melhoram o nível
de informação sobre mercado de trabalho, tendo atingido 71% em SC; f) na média dos
PLANFORs, 42% dos egressos sentem-se estimulados a buscar mais qualificação, chegando a
mais de 80% no DF e PA; g) 35% dos egressos sentem-se estimulados a participar e/ou se
integrar mais na comunidade, passando de 75% na PB e PR; h) 28% dos egressos dizem ter
melhorado sua relações pessoais e familiares; i) 57% dos egressos informam que elevaram a
auto-estima, chegando a mais de 80% em PR, RS, SC, BA, e PA. Por fim, na média dos
PLANFORs, 37% dos egressos informam que melhoraram suas condições de vida, aplicando
em casa ou em outras esferas, o que aprenderam nos cursos, chegando a mais de 80% no DF,
RS e MG (BRASIL..., 2002b, p. 25-26).
Os dados acima merecem alguns comentários: 1) é preciso relativizá-los já que
representam a média dos PLANFORs; 2) considerado-se que se trata de média, os percentuais
de 15% dos desocupados obterem renda, 47% dos ocupados permanecerem no trabalho, 14%
dos ocupados elevarem a renda etc, são muito baixos para um Programa em nível nacional; 3)
os indicadores avaliados (ocupados, desocupados, aumento da auto-estima, aumento de renda,
busca por qualificação etc) dizem muito pouco da situação real do trabalhador, por exemplo,
que tipo de ocupação conseguiram e quanto houve de aumento da renda.
No caso do PLANFOR/BA os egressos informam que: 86% melhoraram o nível
de informação sobre o mercado de trabalho; 84% elevaram a auto-estima; 76% melhoraram o
desempenho na ocupação e 50% mantiveram a ocupação. Contudo, apenas 18% dos
desocupados obtiveram trabalho/renda, 3% dos ocupados elevaram a renda e só 10% melhoram
suas condições de vida.
52
A pesquisa de egressos é essencialmente quantitativa, baseada em questionário estruturado, aplicado a amostra
aleatória simples, com 95% de grau de confiança, margem de erro máximo de 5%, representando pelo menos
80% dos concluintes e do investimento do PEC/PARC. A amostra é extraída sobre os concluintes do ano
anterior, respeitados os prazos para inserção no mercado de trabalho, melhorias profissionais, pessoais e sociais.
A amostragem tem por base a Ficha do Trabalhador [...] (BRASIL..., 2002b, p. 12).
154
Os dados grifados indicam que o PLANFOR/BA, após quatro anos de
implementação, não havia conseguido qualificar o trabalhador para a empregabilidade,
inserindo-o nas “novas formas de trabalho”, portanto, melhorar suas condições de vida. O
quadro do mercado de trabalho na Bahia, apresentado anteriormente, ajuda a compreender os
limites da qualificação enquanto estratégia de inserção do trabalhador no mercado de trabalho.
Com relação às estratégias e dificuldades na busca de trabalho, os resultados
indicam que os egressos, em geral, procuram trabalho através de indicações de amigos, colegas
e familiares, além de anúncios na mídia, agências e portas de empresas. As dificuldades
apontadas pelos egressos para conseguir trabalho são: falta de experiência prévia, baixa
escolaridade e falta de qualificação profissional, além da escassez de vagas (BRASIL..., 2002b,
p. 26). Essas informações, dadas pelos próprios egressos, são muito curiosas em dois sentidos:
primeiro, a intermediação de mão-de-obra, que deve ser realizada pelas executoras dos cursos
de qualificação, não ocorreu; segundo, a qualificação também não, pois os entrevistados
alegam sua falta para inserção no mercado de trabalho. Pergunta-se: para que serve a
qualificação dada pelos PLANFORs?
As conclusões com relação aos benefícios da qualificação para os egressos do
PLANFOR, consideradas positivas pelo Ministério, dos 26 Relatórios estaduais avaliados são
as seguintes: a) 50,59% das respostas indicam que houve obtenção de trabalho/renda para os
desocupados, manutenção do emprego/melhoria de condições de trabalho/elevação de renda
para os ocupados e melhoria no desempenho para ocupados e desocupados; b) 36,54%
respondem que há maior nível de informação sobre o mercado de trabalho; e c) 30,21% que
há maior estímulo à busca de qualificação/escolaridade. O documento ora analisado também
indica que várias questões não foram avaliadas, pois ficaram sem respostas, que representa a
necessidade de aprimoramento metodológico da pesquisa (BRASIL..., 2002b, p. 28).
Essas conclusões podem ser questionadas nos seguintes aspectos: o dado de 50,5%
diz respeito a três indicadores diferentes – obtenção de emprego/renda para os desocupados,
manutenção do emprego/melhoria de condições de trabalho/elevação de renda para os
ocupados e melhoria no desempenho para ocupados e desocupados. É necessário desagregar
esses dados para que se possa chegar a alguma conclusão mais consistente. Quantos egressos, de
fato, conseguiram emprego? Quantos conseguiram manter-se no emprego? Além disso, é
necessário ter a informação sobre que tipo de emprego o desempregado e o empregado tiveram
acesso. Da forma como os dados são apresentados não se pode chegar às conclusões que o
Ministério chegou.
155
O documento referido arrola, ainda, dois conjuntos de recomendações: uma para
aprimoramento das ações de qualificação e outra para avanço metodológico na própria
pesquisa de egressos. Em relação às ações de qualificação, foram indicadas: 1) intensificar
orientação às executoras dos cursos para reforçar os objetivos e diretrizes do PLANFOR, em
especial à focalização e seleção do público-alvo, pois houve déficit no atendimento de pessoas
com baixa escolaridade e com mais de 40 anos de idade; 2) manter o processo de
monitoramento contínuo das ações através da gestão dos PLANFORs; 3) fortalecer a
articulação entre as Secretarias de Trabalho com as CMEs e CEE e as entidades executoras
para maximizar os investimentos, articular ações e evitar ao máximo a sobreposição de
públicos, cursos e/ou recursos; 4) mobilizar continuamente os atores sociais envolvidos na
implementação das ações para aperfeiçoar o planejamento com foco nas demandas de mercado
e do público-alvo; 5) dar maior ênfase à integração do PLANFOR com outros mecanismos do
FAT – intermediação, crédito e seguro-desemprego; 6) aperfeiçoar mecanismos de
encaminhamento ao mercado de trabalho, articulando a qualificação com intermediação e
crédito popular e mobilizando as empresas e organismos públicos para absorção dos egressos
(BRASIL..., 2002b, p. 30).
Em relação à metodologia, o Ministério recomenda: a) investir na qualidade e
cobertura do SIGAE como base para avaliação em geral e para a amostragem da pesquisa com
egressos; b) abranger todas as questões do núcleo básico da pesquisa, de acordo com o
formulário e demais orientações do Guia de Avaliação; c) garantir padrão amostral indicado
(95% de confiança e erro máximo de 5%) de modo que a pesquisa seja representativa e seus
resultados possam ser comparados e generalizados; d) disponibilizar os resultados das pesquisas
com egressos para as Comissões de Emprego, instituições avaliadoras, executoras e demais
atores sociais (BRASIL..., 2002b, p. 31).
As recomendações do Ministério reafirmam, de um lado, o que se disse
anteriormente, falta de consistência dos dados para que se possa chegar a conclusões sólidas.
Portanto, a metodologia utilizada na avaliação externa precisa ser melhorada para que se possa
avaliar consistentemente as ações dos PLANFOR.s. De outro lado, a qualificação oferecida
pelo PLANFOR ainda carece de muito aperfeiçoamento para poder atender as próprias
diretrizes nacionais do Programa, talvez até ser repensada, pois os treinados se sentem
despreparados para inserção no mercado de trabalho.
156
b) Avaliação do PLANFOR – 2000
Na publicação, Avaliação do PLANFOR, 2000, que trata da segunda avaliação
realizada nesse ano, o Ministério faz uma retrospectiva dos três momentos da avaliação. No
período (1995/1999) de construção de uma metodologia de avaliação são pensadas e definidas
algumas premissas gerais: a) independência entre a avaliação e a gestão/execução dos
PLANFORs; b) descentralização dos projetos avaliativos, coerente com a diretriz de execução
do Programa; c) busca da universidade pública como referência para aportes críticos no plano
metodológico conceitual; d) distinção entre avaliação e processos de fiscalização, de supervisão
e mesmo da avaliação da aprendizagem em termos convencionais; e) o imperativo de avaliar o
PLANFOR como uma política pública e não apenas como um programa de treinamento em
massa.
Destaca-se o último item porque o Ministério considera o PLANFOR como uma
política pública e o objetivo desta tese é estudar dois aspectos do PLANFOR: 1) sua coerência
interna que abrange dois pontos: a) a consistência de seus pressupostos e diretrizes com relação
ao que a literatura aponta como requisitos, hoje exigidos pela sociedade contemporânea, para
formação profissional do trabalhador; b) a coerência ou não de seus supostos e diretrizes em
relação ao planejamento e à gestão do PLANFOR/BA, no que diz respeito ao atendimento das
demandas do mercado de trabalho e da população- alvo regional e/ou local. 2) a coerência
externa, isto é, em que medida o PLANFOR, através da implantação dos cursos de
qualificação profissional, é uma alternativa de combate ao desemprego.
O processo de construção, afirma o Ministério, implicou em uma complexa
engenharia, envolvendo múltiplos arranjos: metodológica – definição de parâmetros, critérios,
indicadores, instrumentos adequados à avaliação de políticas públicas em geral e em particular
de EP; operacional – avaliação de/em processo de um Programa em fase inicial de
implantação, com seu desenho e estratégias em contínua revisão, sem resultados imediatos;
institucional – relação dos próprios atores envolvidos no PLANFOR em todas as esferas do
governo e sociedade civil; profissional – formação de equipes, tanto nos PLANFORs
(Secretarias de Trabalho) como nas universidades; relacional – estabelecimento do necessário
diálogo entre “avaliados” e “avaliadores”, superando a natural rejeição e desconfiança entre as
partes (BRASIL..., 2002a, p. 14).
Esse processo enfrentou também uma série de dificuldades: a) a escassa
experiência, inclusive no plano internacional, em avaliação de políticas públicas do ponto de
vista mais amplo, indo além da análise “custo X benefício”; b) o desenho do PLANFOR
157
descentralizado nas 27 Unidades Federativas, cada uma com especificidades que implicavam
em um desenho peculiar da qualificação profissional; c) o desafio de avaliar um processo,
acompanhando e incorporando sucessivas e necessárias revisões; d) o risco de avaliar o
Programa desde o início de sua implementação, sem aguardar resultados mais consolidados,
esperados para médio e longo prazos. Foram dificuldades recorrentes e não de todo superadas,
mas gradativamente equacionadas com a cooperação de um grande número de parceiros:
equipes técnicas dos PLANFORs e das universidades,
os subsídios fornecidos pela
UNITRABALHO (1997/1998) e pelo UNIEMP (1998/1999), que trataram de organizar
fóruns de debates em torno das questões metodológicas cruciais da avaliação, buscando
construir referências nacionais para os projetos (BRASIL..., 2002a, p. 15).
O Ministério aponta também alguns avanços no processo de construção: em 1996,
a maioria dos estados contrata e executa a avaliação e alguns iniciam a pesquisa com egressos;
em 1997, todos os PLANFORs passam por avaliação externa e a maioria implanta a pesquisa
com egressos; em 1998, a avaliação externa e a pesquisa de egressos estão em andamento em
todos os PLANFORs; em 2000, todos os PLANFORs implantam processos de avaliação e
acompanhamento de egressos (BRASIL..., 2002a, p. 22).
No período (1999/2001) de sistematização, segundo o documento ora analisado,
o Programa cresce e se consolida, tornando-se mais conhecido, mais visível e mais questionado.
Os dados apresentados são os seguintes: a) entre 1995 e 1998, mais de 1 bilhão de reais do
FAT são investidos na qualificação de 8 milhões de pessoas em todo o Brasil, cobrindo 2/3 dos
municípios do país, inclusive os piores focos de pobreza e miséria; b) quase 2 mil instituições se
envolvem na execução descentralizada das ações, trazendo ao cenário novos e importantes
atores no campo da qualificação – sindicatos, ONGs e a própria universidade; c) o perfil dos
treinandos passa a incorporar variáveis de gênero e etnia, um registro pioneiro em programas
da escala e natureza do PLANFOR; d) os cursos multiplicam-se por todo o país, testando
metodologias, parcerias, abordagens e públicos; e) o PLANFOR ganha status de programa
estratégico do governo federal, acompanhado de perto por organismos da Casa Civil, do
Planejamento, da Fazenda e dos Poderes Legislativo e Judiciário; f) as CMEs e CEE, débeis em
1995, vão se estruturando em torno do eixo “qualificação profissional” e em 1999, todas as
UFs possuem Comissão Estadual de Emprego e cerca de 2 mil municípios contam com as
Comissões Municipais. Esse universo incluía cerca de cinqüenta mil pessoas (BRASIL...,
2002a, p. 16).
158
Observa-se, desta forma, que o grau de envolvimento de instituições e agremiações
da sociedade civil, em 2000, expresso no universo de cerca de 50 mil pessoas envolvidas, é uma
clara evidência de como a “epidemia da qualificação” se espalha no país.
Com a incorporação do IPEA, em 1999, suas críticas e propostas são levadas à
discussão nacional, envolvendo coordenadores e avaliadores do PLANFOR, especialistas e
equipes técnicas do MTE e IPEA, que chegam a dois consensos: 1) necessidade de manter e
aprimorar avanços e conquistas, como o enfoque de avaliação do PLANFOR como política
pública descentralizada, e a participação das universidades nesse processo; 2) o imperativo de
padronizar e simplificar os projetos de avaliação externa, definindo um conteúdo mínimo a ser
garantido para todos, para permitir a síntese e comparação dos resultados estaduais da
avaliação do PLANFOR. As conclusões desse fórum de discussão, somadas aos três anos de
experiência na avaliação do Programa, são sistematizados no Guia de Avaliação do PLANFOR,
editado em 2000 (BRASIL..., 2002, p. 17).
O período (2001/2002) denominado pela SPPE/MTE de consolidação, tem dois
níveis: metodológico e de resultados. Nos meses de fevereiro e março de 2001 foram realizadas
oficinas regionais de planejamento nos quais são apresentados resultados preliminares da
avaliação de 2000. As sínteses preliminares mostram a cobertura de quase todas as dimensões
propostas no Guia, contudo, indicam, ainda, variação expressiva no desenvolvimento de cada
dimensão avaliada, levando o Ministério a recorrer a um comitê técnico-consultivo, que
recomenda um exaustivo detalhamento dos critérios e indicadores, acompanhado da indicação
de técnicas e fontes de informação para cada dimensão da avaliação. A última versão do Guia
de Avaliação 2001 foi editada, como capítulo do Guia do PLANFOR 2001, e disponibilizada
em junho do mesmo ano para todas as equipes dos PLANFORs e respectivos avaliadores
(BRASIL..., 2002a, p.18-19).
53
Para avaliar os resultados encontrados nos Planos Estaduais, o Ministério levou
em consideração as seguintes dimensões: 1) focalização na demanda de mercado; 2) focalização
do público-alvo; 3) programas de qualificação; 4) entidades executoras; 5) otimização de
investimentos; 6) gestão dos PLANFORs; 7) gestão do PLANFOR, isso em relação à
eficiência. A eficácia é avaliada pela dimensão 8 – efeitos da qualificação para os treinandos. E
a efetividade social pela dimensão 9 – desempenho como política pública. Essas nove
53
A classificação adotada foi a seguinte: (+S) sim, plenamente = resposta positiva à questão, sem restrições; (-S)
sim, com reservas = resposta positiva, com restrições; (-N) não, com atenuantes = respostas negativas,
admitindo esforço na direção esperada; (+N) não, sem dúvida = resposta totalmente negativa; (NA) (não
avaliado = questão não abordada pela avaliação; (SI) sem informação = sem informação suficiente para
enquadramento nas demais alternativas e (NSA) não se aplica = admitida em alguns casos de PARCs, em função
da especificidade de seus públicos/programas. Essa classificação é adotada também na avaliação de 20001.
159
dimensões desdobram-se em 78 questões que devem ser respondidas pelas equipes de avaliação
externa de cada Estado (BRASIL..., 2002a, p. 23).
As conclusões do Ministério sobre cada dimensão são apresentadas no documento
ora analisado, de forma agregada, isto é, os dados dos PLANFORs e das PARCs juntos, sendo
impossível se identificar o que diz respeito a um ou outro. Contudo, mesmo tratando-se de
dados agregados, apresenta-se as conclusões de apenas quatro dimensões: 1) focalização na
demanda de mercado; 2) focalização do público-alvo; 3) efeitos da qualificação para os
treinandos e 4) desempenho como política pública, exatamente, porque representam o eixo
desta tese, que é responder se o PLANFOR/BA pode ser considerado uma política pública de
emprego e renda. O atendimento ou não pelos PLANFORs estaduais da focalização dos cursos
nas demandas do mercado de trabalho e nas necessidades do público-alvo dos cursos de
qualificação, diretrizes do Programa nacional, significa para o Ministério estar qualificando
para as “novas formas de trabalho”, isto é, para a empregabilidade. Por outro lado, identificar
quais foram os resultados da qualificação para os trabalhadores, através do próprio treinando e
seus empregadores, vai corroborar para a elucidação do problema apresentado neste estudo.
Quanto à focalização dos cursos nas demandas do mercado de trabalho, 54 dos 40
casos analisados (27 PLANFORs e 13 PARCs), as conclusões foram: 1) 27 casos ofereceram
cursos a partir de demandas identificadas, sendo que a maioria (17), sem restrições. Segundo o
documento referido, esses dados são respaldados pelo confronto das informações obtidas sobre
o mercado de trabalho local/regional e as áreas de atividades profissionais dos programas
executados (BRASIL..., 2002a, p. 25).
Quanto à utilização pelos PLANFORs/PARCs de estudos/pesquisas e outras
referências para identificar oportunidades de trabalho/renda e/ou aplicação dos conhecimentos
para os treinandos, dos 40 casos analisados, em 18 (menos que a metade) as respostas foram
positivas. Os Programas estaduais tomaram como evidência a utilização de dados estatísticos
oficiais e de outras fontes, a realização de fóruns, estudos e pesquisas produzidos pelos
avaliadores externos em anos anteriores, outros programas estaduais e estudos de institutos de
pesquisa como o IPEA. (BRASIL..., 2002a, p. 25).
No caso do PLANFOR/BA foi alocado algum recurso da UF, segundo a
participação dos municípios na PEA. Contudo, os cursos não foram planejados/executados
54
Foram utilizadas as seguintes questões: 1) Mobilizou, articulou CEE/CMEs para identificar/negociar
oportunidades de trabalho/renda? 2) Realizou estudos, pesquisas e outras referências para identificar
oportunidades de trabalho/renda? 3) Alocou recursos na UF, segundo a participação dos municípios na PEA? 4)
Planejou/executou a maioria dos cursos/programas com base nas demandas identificadas? 5) Planejou/executou
ações de encaminhamento dos treinandos desocupados ao mercado, após conclusão dos cursos?
160
com foco na demanda de mercado porque não houve mobilização articulação das CMEs/CEE
e nem foram realizados estudos, pesquisas e outras referências para identificá-las e tão pouco
foram planejadas e executadas ações de encaminhamento dos treinandos desocupados ao
mercado de trabalho (BRASIL..., 2002a, p. 62-63).
Ao se considerar a própria lógica do PLANFOR e suas metas para avaliação,
quando o foco na demanda do mercado de trabalho é questão fundamental, fica difícil dar
credibilidade a uma avaliação do próprio Ministério que, insistentemente em suas
documentos, a apresenta como positiva, conforme descrito anteriormente. Exemplo disso está
nos seguintes dados: na questão sobre a mobilização das Comissões Tripartites para identificar
oportunidades de trabalho e renda para os treinandos, em 28 casos analisados, 15 respostas
foram positivas, mas destas, 11 foram sem restrições (BRASIL..., 2002a, p. 25).
A conclusão do Ministério é que quase metade dos PLANFORs/PARCs operou
com relativa eficiência na focalização da demanda do mercado de trabalho, buscando dados,
estudos, pesquisas e referências para orientar o planejamento dos cursos; mobilizou as
Comissões nesse processo e planejou e executou suas ações a partir das referências encontradas
(BRASIL..., 2002a, p. 49-53).
Cabem algumas observações em relação às conclusões do Ministério: 1) considerase muito baixo (menos de 50%) o percentual de Programas que planejaram suas ações com
foco na demanda do mercado, pois esse é o critério fundamental do PLANFOR para que os
trabalhadores qualificados nos cursos possam ter “alguma chance” de inserção às “novas formas
de trabalho”; 2) no caso específico do PLANFOR/BA, os estudos e pesquisas sobre mercado de
trabalho se concentram na RMS, ficando a grande maioria dos municípios do Estado sem
informações sobre essa questão. Por outro lado, os resultados da avaliação externa no período
1996/2001 indicam que a participação das CMEs no planejamento, execução e avaliação do
PLANFOR/BA foi insignificante; 3) não houve nenhum tipo de avaliação sobre o
encaminhamento dos trabalhadores ao mercado de trabalho.
Quanto à focalização dos PLANFORs no público-alvo prioritário55 nos cursos
desenvolvidos, o Ministério conclui que: 1) quase 50% dos PLANFORs/PARCs estaduais
55
Foram utilizadas pelas equipes de Avaliação Externa dos estados treze questões (indicadas pelo Ministério) para
avaliar essa dimensão: 1) Assegurou 90% de vagas e 80% dos investimentos para os grupos prioritários? 2) As
pessoas desocupadas representam pelo menos 50% dos treinandos? 3) O restante das vagas foi e investimentos
foi direcionado para grupos relevantes para o desenvolvimento local/regional? 4) Membros das CMEs/CEE
foram contemplados nesses grupos? 5) promoveu ações de divulgação, informação e/ou mobilização dirigidas à
inclusão de grupos vulneráveis nas ações de qualificação? 6) Garantiu a participação de mulheres igual a sua
participação na PEA? 7) Garantiu a participação de mulheres chefes de família igual a sua participação na PEA?
8) Garantiu participação de pessoas negras/pardas igual a sua participação na PEA? 9) Garantiu a participação de
pessoas com até sete anos de escolaridade igual a sua participação na PEA? 10) Garantiu a participação de
161
ofereceram cursos de qualificação com focalização no público-alvo definido pelo CODEFAT,
pelo menos no que diz respeito ao número de vagas; 2) os outros 50%, na sua maior parte, não
respondeu as questões e poucos programas estaduais não cumpriram as diretrizes de
focalização; 3) o maior número de respostas negativas incidiu sobre dois aspectos: inclusão de
pessoas de baixa escolaridade e portadoras de deficiência. Por fim, o Ministério informa que,
apesar de se tratar de aspectos cruciais da proposta do PLANFOR, a maioria dos indicadores
não foi contemplada na avaliação de 2000 (BRASIL..., 2002a, p. 29).
Os dados apresentados são inconsistentes e muito imprecisos, pois menos que a
metade dos PLANFORs/PARCs estaduais ofereceu cursos focalizados no público-alvo, assim
mesmo, apenas em relação às vagas. Dos outros, a maior parte não respondeu as questões
formuladas e poucos não ofereceram cursos com foco no público-alvo. Afinal, quantos
PLANFORs/PARCs estaduais, por exemplo, deixaram de atender pessoas com baixa
escolaridade e portadoras de deficiências? Por fim, o Ministério diz que a maioria dos
indicadores (quais? quantos?) não foi avaliado. Com esses dados nada se pode concluir, a não
ser dizer que a avaliação não atingiu seus objetivos.
Recorrendo ao Relatório Gerencial56 2000 para complementar os dados das
avaliações estaduais, o Ministério obtém as seguintes informações: 1) 97% das vagas e dos
investimentos são direcionados aos quatro grupos prioritários definidos pelo CODEFAT; 2)
são atingidas as metas de atendimento a pessoas desocupadas, populações rurais, de baixa
renda, jovens, mulheres em geral e mulheres negras/pardas em particular. Adverte que fica
aquém do mínimo esperado a participação de negros/pardos, pessoas de baixa escolaridade,
trabalhadores acima de 40 anos e pessoas portadoras de deficiência (BRASIL..., 2002a, p. 29).
Quanto aos benefícios da qualificação
57
oferecida pelo PLANFOR para os
treinandos, especialmente em relação ao mercado de trabalho, mas também para a vida pessoal
e familiar, o Ministério chega às seguintes conclusões: a) de 40 casos analisados, em 28 há
respostas positivas quanto à melhoria no desempenho dos egressos no trabalho, sendo que, em
2 casos com restrições; b) de 38 casos analisados, em 27 as respostas são positivas em relação à
obtenção de emprego e renda pelos desocupados, com restrições em 7 casos; c) de 38 casos
analisados quanto à elevação da renda dos ocupados, em 24 as respostas são positivas, sendo
pessoas sem renda ou com renda até meio SM igual a sua participação na PEA? 11) Garantiu a participação de
pessoas de 16-21 igual a sua participação na PEA? 12) Garantiu a participação de pessoas de com mais de 40
anos igual a sua participação na PEA? 13) Garantiu a participação de pessoas portadoras de deficiência?
56
O Relatório Gerencial 2000 foi produzido a partir das informações prestadas pelos PLANFORs e PARCs através
do SIGAE.
57
Para avaliar essa dimensão, o Ministério utilizou como base analítica a pesquisa realizada pelas equipes de
Avaliação Externa com os egressos de 1999, que abrangeu 70 mil trabalhadores qualificados , sendo que 45,5
mil nos PLANFORs e 22,1 mil nas PARCs.
162
que, com restrições em 6; d) em 23 casos há respostas positivas quanto à melhoria das relações
familiares; e) dos 38 casos analisados sobre manutenção ou melhoria das condições no
trabalho, 22 dão respostas positivas; f) dos 40 casos analisados sobre estímulo a prosseguir na
busca de educação e qualificação, 19 respondem positivamente (BRASIL..., 2002a, p. 42).
Esses dados também apresentam problemas porque as nove questões58 indicadas
pelo Ministério para avaliação dessa dimensão – benéficos da qualificação para os treinandos –
não permitem conclusões consistentes, porque envolvem um grau de subjetividade muito
grande. Por exemplo, quando se pergunta se o desocupado obteve trabalho/renda não se
especifica que tipo de trabalho ele conseguiu e quanto passou a ganhar, o mesmo ocorrendo
em relação aos ocupados. O que significa, exatamente, melhorar o desempenho no trabalho?
Ou se integrar mais na comunidade?
No caso específico do PLANFOR/BA, nas questões sobre manutenção do
trabalho, elevação de renda, melhor nível de informação sobre o mercado de trabalho, mais
participação na comunidade, melhoria de relações pessoais/familiares, e melhoria da autoestima as respostas foram positivas, mas com restrições, segundo os critérios utilizados pelo
Ministério. Apenas duas questões (obtenção de trabalho/renda e melhor desempenho no
trabalho) tiveram respostas totalmente positivas (BRASIL..., 2002a, p. 8587).
Cabe aqui o mesmo questionamento feito em relação aos dados da avaliação de
1999: quantos trabalhadores se inseriram no mercado e em que tipo de ocupação? Sem essas
informações fica difícil compreender, de fato, os benefícios da qualificação para os treinandos
do PLANFOR.
Quanto à avaliação da efetividade social59 dos PLANFORs/PARCs, o Ministério
chega às seguintes conclusões: 1) perto de 60% dos Programas são efetivos em promover o
avanço conceitual da EP em seu modelo e conteúdo, bem como em mobilizar e articular novos
atores nesse campo, contribuindo para a construção da nova institucionalidade da Educação
Profissional; 2) 30% a 40% são efetivos em matéria de integração entre qualificação
profissional e outros programas do FAT e outras políticas públicas. A incidência de respostas
negativas é pouco expressiva. Os limites à análise são, mais uma vez, a falta de respostas da
avaliação externa estadual a todas as questões, na maioria ou em parte expressiva dos
58
59
Foram utilizadas as mesmas da avaliação de 1999 já indicadas anteriormente.
A efetividade social do PLANFOR, para o MTE, é expressa pelos efeitos mais amplos e duradouros da
qualificação, além dos benefícios individuais para os treinandos. Para avaliá-la foram definidas 5 questões,
aplicáveis ao conjunto dos PLANFORs/PARCs: avanço conceitual da EP, articulação e fortalecimento de novos
atores na EP, integração com outras políticas públicas, integração da qualificação com outros programas do FAT
e fortalecimento na gestão tripartite da EP.
163
PLANFORs/PARCs. O Ministério admite a falta de aprofundamento qualitativo desses
indicadores e tendências (BRASIL..., 2002a, p. 42).
O PLANFOR/BA contribuiu para articular e fortalecer novos atores na EP,
contudo não houve contribuição para o avanço conceitual no modelo e conteúdo da EP e no
fortalecimento e avanço da gestão tripartite (BRASIL..., 2002a, p. 88-89).
O avanço conceitual no modelo e conteúdo da EP e o fortalecimento e
engajamento das CMEs são duas questões fundamentais na implementação do PLANFOR,
pois a proposta do Programa é para superar a qualificação centrada apenas em cursos e
habilidades específicas para preparar o trabalhador para as “novas formas de trabalho”. Por
outro lado, a participação efetiva das CMEs pode, de alguma forma, viabilizar a focalização
desses cursos nas demandas do mercado de trabalho local/regional. Pelos dados apresentados
pelo Ministério o PLANFOR/BA não realizou nem uma coisa nem outra.
Os dados do Relatório Gerencial 2000, já referido, corroboram com as conclusões
positivas, destacando um rol de projetos inovadores que reafirmam o avanço conceitual, a
mobilização e articulação desejadas. Indicam, também, que há uma crescente articulação do
PLANFOR com outros mecanismos do FAT (seguro-desemprego, crédito popular,
intermediação), além de ocupar papel estratégico em programas da área social e de direitos
humanos priorizados pelo Plano Plurianual de Investimentos (PPA) do governo federal
(BRASIL..., 2002a, p. 42).
Com base na avaliação dos PLANFORs de 2000, o Ministério faz uma série de
recomendações às Secretarias do Trabalho. Dada a pertinência de algumas delas com os
objetivos desta tese, destacam-se as seguintes: 1) promover maior envolvimento das CEEs no
processo de planejamento dos PLANFORs, no sentido de ajustar o foco na demanda,
identificar e viabilizar oportunidades de trabalho e renda para treinandos, fortalecendo novos
atores e avançando na gestão tripartite da EP; 2) ajustar os cursos com os processos de
divulgação e seleção, de modo a incluir, efetivamente, segmentos mais vulneráveis, em especial
pessoas negras/pardas, de baixa escolaridade e portadoras de deficiência, grupos em que o
atendimento ficou aquém do desejado; 3) empenhar-se em parcerias e ações efetivas para
colocação de desocupados no mercado de trabalho após qualificação; 4) continuar a integração
com os demais programas do FAT para garantir saídas para os treinandos após cursos,
explorando os serviços de intermediação, agências do trabalhador e linhas de microcrédito
(BRASIL..., 2002, p. 52).
Como ocorreu na avaliação de 1999 dos PLANFORs estaduais, o Ministério, em
2000, insiste nas mesmas recomendações, indicando que os cursos desenvolvidos pelas
164
executoras ainda não estavam sendo planejados, integralmente, com foco nas demandas de
mercado e na população-alvo definidas pelo CODEFAT, assim como faltou participação
efetiva das Comissões Tripartites. O encaminhamento dos trabalhadores qualificados ao
mercado de trabalho, entendido como colocação em uma ocupação, também ficou pendente.
A falta de ajuste dos cursos a esses critérios/indicadores é grave, pois são considerados
estratégicos para o PLANFOR.
c) Avaliação do PLANFOR – 2001
A avaliação de 2001 (BRASIL..., 2002c), segundo documento referido, manteve e
aprimorou a análise das nove dimensões básicas estruturadas a partir de 2000, como aspectos
essenciais da avaliação do PLANFOR. Seu objetivo, portanto, foi aprimorar as ações de
qualificação como componentes da política pública de emprego e renda, como define o
Ministério. Para elaboração dessa síntese, as respostas da avaliação de 2001 às 77 questões são
classificadas60 segundo as mesmas alternativas adotadas em 2000, que parecem ter abrangido
satisfatoriamente as diversas possibilidades de análise. (BRASIL..., 2002c, p. 5).
Nesse documento, como no anterior, os resultados são apresentados agregados –
PLANFORs e PARCs. Assim, a avaliação de 2001 contou com resultados das avaliações externas
de 26 PLANFORs e 15 PARCs, realizadas por 37 instituições, em sua maioria vinculadas a
universidades públicas. A seguir, passa-se a comentar os resultados apresentados pelo Ministério.
Quanto à focalização na demanda do mercado de trabalho, em média, 82% dos
PLANFORs/PARCs são considerados ótimos/bons. Esse índice alcança 90% em dois
indicadores: planejamento/execução dos cursos com base em oportunidades do mercado e
alocação de recursos dos municípios, segundo tamanho da PEA ou da população. Contudo, o
indicador – encaminhamento de treinandos desocupados ao mercado de trabalho após a
conclusão do curso – obtém o menor índice de respostas positivas (62%). É também nesse
item que a avaliação encontra maior incidência de conceito negativo, assim como no que se
refere à realização ou utilização de estudos, pesquisas e outras referências para identificar a
demanda (BRASIL..., 2002c, p. 10).
Estes dados apresentados pelo Ministério se contradizem, pois ao tempo em que a
focalização dos cursos no mercado de trabalho é considerada ótima/boa, a incidência de
respostas negativas na realização de estudos e pesquisas para identificar essas demandas é
grande. Em que referências os PLANFORs se basearam para identificar as demandas? Por
60
É a mesma utilizada em 2000 e já referida.
165
outro lado, o encaminhamento do trabalhador qualificado ao mercado de trabalho,
considerada etapa final da qualificação, ainda continuou pendente. Afinal, para quê os
PLANFORs estão qualificando?
Vale aqui o mesmo questionamento realizado em relação aos dados da avaliação de
2000: participação efetiva das CMEs, realização de estudos e pesquisas no sentido de
identificar as demandas do mercado de trabalho local/regional e encaminhamento dos egressos
ao mercado de trabalho constituem questões-chave para o PLANFOR, para que o trabalhador
qualificado tenha alguma possibilidade de obter uma ocupação. Como os dados indicam que
essas questões foram “parcialmente” atendidas, fica-se sem saber, objetivamente, quantas
executoras e quantos municípios desenvolveram cursos no PLANFOR/BA – 2001 com foco
nas demandas identificas.
Quanto a focalização no público-alvo,61 em média, 83% dos PLANFORs/PARCs
são considerados ótimos/bons, chegando a 90% quando se trata dos quatro grupos da
população prioritária (desocupados, em risco de desocupação, autônomos e pequenos e
microempreendedores) e na inclusão de alguns segmentos preferenciais (mulheres, jovens,
pessoas de baixa renda, pessoas portadoras de deficiência e pessoas negras/pardas). O
desempenho cai a níveis mais baixos (60%) no atendimento de trabalhadores com mais de
quarenta anos e pessoas com baixa escolaridade, dificuldades não superadas desde a
implantação do PLANFOR em 1996. Esses dois itens, mais a qualificação dos membros das
Comissões e inclusão de mulheres chefes de família foram os que acusaram maior incidência de
respostas totalmente negativas.
No que se refere às executoras, os dois pontos mais fracos continuam sendo as
parcerias para colocação dos egressos desocupados no mercado de trabalho e para elevação da
escolaridade das pessoas que não completaram o ensino fundamental, também persistentes
desde 1996.
A eficácia dos PLANFORs em 2001, isto é, o que mudou na vida dos
trabalhadores após qualificação, foi avaliada através de nove questões62 e os resultados
encontrados foram os seguintes: a) em média, 95% dos PLANFORs são eficazes na promoção
do desenvolvimento profissional, familiar e social dos treinandos. Índices acima dessa média
são encontrados em relação ao aumento do nível de informações sobre o mercado de trabalho,
elevação da auto-estima, estímulo na busca de mais qualificação e melhoria do desempenho
61
Para avaliação dessa dimensão, houve 13 questões básicas, as mesmas da avaliação de 2000 e 2/3 dos
PLANFORs/PARCs responderam todas.
62
Foram as mesmas utilizadas em 2000.
166
profissional. O menor percentual (85%) refere-se à elevação de renda. Benefício desejado
admite o Ministério, mas difícil no contexto econômico atual (BRASIL..., 2002c, p. 20-21).
Do ponto de vista dos egressos dos PLANFORs – 2001, para cerca de 90%, a
qualificação obtida ajudou a melhorar a vida em vários aspectos, dentre as quais se destacam:
aumento de auto-estima, manutenção do trabalho, e/ou de melhoria de suas condições, melhor
desempenho na ocupação. Os efeitos menos apontados, citados por 20% – 30% dos
egressos, em média, referem-se à obtenção de trabalho pelos desocupados e à elevação da
renda dos ocupados. O Ministério considera que essas médias superam as expectativas para
programas com populações vulneráveis, que raramente passam dos 20% na colocação no
mercado de trabalho. Assim, o foco em alternativas de trabalho e renda para egressos
permanece como principal desafio para os PLANFORs, ainda que se trate de metas difíceis de
viabilizar, dependentes, sobretudo da dinâmica do mercado de trabalho e da política
econômica do país (BRASIL..., 2002c, p. 19).
No caso do PLANFOR/BA, a focalização no público-alvo prioritário ocorreu
porque houve respostas positivas, segundo os critérios do Ministério, para as seguintes
questões: pelo menos 90% das vagas e 80% dos investimentos foram para o público-alvo do
programa; atendeu pelo menos 50% de desocupados; o restante das vagas e dos investimentos
foram dirigidos para grupos relevantes para o desenvolvimento local/regional; houve
participação de mulheres no mínimo igual à sua participação na PEA, assim como mulheres
chefes de família, pessoas negras/pardas entre 16-21 anos. Contudo, não foram qualificados
membros das CMEs e não houve ações de divulgação e mobilização para a inclusão de pessoas
vulneráveis. Foi parcialmente atendida a participação de pessoas sem renda, ou com renda até
½ S,M, e com mais de 40 anos (BRASIL..., 2002c, p. 53-57).
Mais uma vez os dados da avaliação dos PLANFORs estaduais de 2001 indicam
dificuldades para o trabalhador qualificado conseguir ocupação, constatação esta que persiste
desde a avaliação de 1999. Ora, em 2001 completou seis anos de implantação do
PLANFOR/BA e a questão da inserção do trabalhador qualificado no mercado de trabalho
continuou pendente, indicando que a tese dos estudiosos da Economia e Sociologia do
Trabalho de que não adianta qualificar se o país não mudar sua política macroeconômica,
provendo o crescimento e a geração de empregos está correta. Contudo, o Ministério reafirma
a qualificação como política de emprego, embora reconheça que a política econômica tenha
interferência nessa questão.
As conclusões finais do Ministério com relação à eficácia e efetividade social dos
PLANFORs podem ser resumidas nos seguintes aspectos: a) há eficácia em proporcionar
167
benefícios e melhorias concretas para os egressos, mas há necessidade de elevar sua taxa de
inserção no mercado de trabalho, indicando que a focalização na demanda de mercado e na
negociação de parcerias com as executoras para inserção dos trabalhadores no mercado
precisam melhorar; b) promover a nova institucionalidade da EP, fortalecendo novos atores
em bases tripartites, mas têm muito a fazer para melhor articular a qualificação com outros
programas do FAT e outras políticas públicas (BRASIL..., 2002c, p. 31).
Para melhorar o desempenho dos PLANFORs, o MTE formulou várias
recomendações, dentre as quais destaca-se: a) qualificar os membros das CMEs e CEEs para
avançar na gestão tripartite; b) investir na divulgação das ações de qualificação para a sociedade
em geral e ONGs, e implementar amplo projeto de divulgação do PLANFOR quanto às suas
diretrizes, fontes de financiamento e entidades envolvidas; c) melhorar o procedimento para
encaminhamento dos trabalhadores qualificados ao mercado de trabalho; d) atualizar dados do
mercado de forma sistemática e intensificar as questões de teoria versus prática para facilitar a
inserção dos egressos; e) aprimorar o processo de identificação das demandas e melhorar a
pontaria do foco na clientela preferencial, assegurando sua participação nos cursos; f) integrar e
articular os eixos da Política Pública de Trabalho e Renda, elevando a integração
intragovernamental entre Secretarias do Trabalho para fortalecer o PLANFOR e integrá-lo
com outras políticas orientadas ao combate à pobreza (BRASIL..., 2002c, p. 33-36).
Analisando as três avaliações dos PLANFORs estaduais (1999, 2000 e 2001)
realizadas pelo MTE, pode-se dizer que a questão da inserção do trabalhador no mercado de
trabalho se constituiu um problema que persistiu, mesmo depois de seis anos de cursos de
qualificação profissional. A razão principal atribuída pelo MTE a esse desempenho insatisfatório
dos PLANFORs residiu na desarticulação entre as Secretarias Estaduais de Trabalho, que
coordenam o Programa regional e as CMEs/CEEs, que deveriam ser as “antenas” na
identificação das demandas de mercado e do público-alvo do PLANFOR, condição fundamental
para que os cursos tivessem um “alvo certeiro” – as “novas forma de trabalho”. Essa é uma meia
verdade. De fato, não houve uma articulação efetiva dessas Comissões, contudo, admitindo-se
que elas tivessem atuado, a situação não se modificaria na sua essência, porque o problema da
inserção do trabalhador no mercado de trabalho independe de qualificação. Estão aí as pesquisas
e estudos que mostram que o desemprego atinge a todos, inclusive os qualificados; mas depende
sim de mudanças na política macroeconômica do governo, como afirmam vários estudiosos do
mundo do trabalho, dentre outros, Dedecca (1999), Antunes (1999), Pochmann (1998a, b e c,
1999a), Druck (2001), Borges (2003), no sentido de promover o desenvolvimento do país na
168
direção de ampliação do investimento público em infra-estrutura econômica e social e amplo
acesso à propriedade e à renda.
Outros aspectos podem ser arrolados em relação às avaliações produzidas pelo
MTE, tais como: inconsistência dos dados, superficialidade na análise, indicadores subjetivos.
5.2 – PLANFOR Estadual
5.2.1 - Plano Estadual de Qualificação Profissional – PLANFOR/BA
Toma-se como referência para análise do Plano Estadual o documento da
Secretaria do Trabalho e Bem-Estar Social (SETRAS/Ba) de 1999/2002, porque consolida e
aperfeiçoa a concepção e o desenho do triênio anterior (1996/98) e traça as diretrizes e ações
do quatriênio seguinte. Esse documento reafirma a possibilidade de oportunidade de melhoria
da qualidade e competição no setor produtivo, ampliando as condições de empregabilidade do
trabalhador baiano e preparando-o para o novo perfil de trabalho e qualificação exigidos pelo
mercado de trabalho, coerente, portanto, com as concepções do Programa nacional; e
apresenta um Plano de Trabalho onde estão especificados o objeto do PLANFOR/BA, a
justificativa, o cronograma de execução com as especificações das metas; o plano de aplicação
com as especificações da natureza das despesas e os quantitativos de investimentos do FAT
com cronograma de desembolso e uma declaração junto ao Ministério enquanto representante
legal.
O Diagnóstico (BAHIA..., 2000) elaborado pela SETRAS identifica um mercado
de trabalho com as seguintes características: subsetores da economia com tendências a
expansão, subsetores que apontam a reestruturação/organização e outros com tendência à
modernização. Outras demandas são identificadas através de organizações, prefeituras, o perfil
de ocupações da PED, CEE, CMEs, segmentos empresariais consultados, desempregados
cadastrados no SINE/BA e os beneficiários do seguro-desemprego
Quanto à identificação da demanda da PEA, os dados constantes do documento
referido não são atualizados, pois referem-se, a 1996, sendo portanto dispensável apresentá-los.
No que se refere às instituições de EP, o cadastro do PLANFOR/BA indica, em 1998, 416
instituições de EP no Estado, sendo que 163 localizam-se na Capital/RMS e 253 no interior.
Quarenta e oito instituições são contratadas para execução do PLANFOR/BA (1996/1998) em
razão de apresentarem infra-estrutura adequada ao desenvolvimento das ações e atender aos
programas demandados.
169
A SETRAS parte de dois supostos para justificar a situação do desemprego no
Estado: 1) trata-se de conseqüência das transformações tecnológicas, sociais, econômicas e
políticas; 2) o trabalhador não apresenta condições de enfrentar com versatilidade o novo
modelo de mercado, principalmente pela baixa escolaridade. Assim, a alternativa do governo
foi implementar a política de Trabalho e Qualificação Profissional para proporcionar ao
trabalhador baiano melhores condições para enfrentar as novas exigências do mercado. O
objetivo do PLANFOR/BA é, portanto, qualificar o trabalhador visando à aquisição de novos
conhecimentos para sua manutenção/inserção no mercado de trabalho, ampliando seu nível de
empregabilidade.
Em relação à demanda do mercado de trabalho na Bahia, a SETRAS indica as
principais ocupações em expansão (alojamento e alimentação, transporte armazenamento e
comunicações, atividades imobiliárias, educação, saúde e serviços sociais, outros serviços
coletivos, sociais e pessoais e turismo;) em retração (atividades financeiras e administração
pública, defesa e seguridade social); em estagnação (indústria extrativista, produção e
distribuição de eletricidade, gás e água e serviços domésticos); e em modernização e
reestruturação
(agropecuária,
silvicultura,
exploração florestal,
pesca,
indústria da
transformação, construção, comércio, reparo de veículos, objetos pessoais e domésticos, cultura
e artesanato) (BAHIA..., 2000, p.9)
A clientela prioritária definida pelo PLANFOR/BA é a seguinte: pessoas
desocupadas, pessoas sob risco de desocupação, pequenos e microprodutores e pessoas que
trabalham por “conta própria”. E os setores econômicos são os descritos acima.
A preferência de acesso à qualificação é para uma clientela com o ensino
fundamental incompleto, de etnia afro-brasileira e indígena, chefes de família, mulheres e
jovens, com idade entre 16 e 24 anos de ambos os sexos, residentes em área metropolitana e
pessoas com necessidades especiais. As metas de encaminhamento ao mercado de trabalho são
as seguintes: para aqueles beneficiários do seguro-desemprego 86%, para pessoas a procura do
1º emprego 54%, e para os demais desocupados 32%.
O FAT, através do PLANFOR/BA, investe, no período 1996/1999, em quatro
projetos especiais: em 1996/1997/1998, na Avaliação Externa; em 1998 e 1999, no
Acompanhamento e Supervisão; em 1997/98/99 no Cadastro de Entidades – e em 1998 e
1999, em Pesquisas e Estudos. Para esse último item não se encontrou dados comprobatórios.
No PLANFOR/BA 1999, a RMS e a Região do Paraguaçu são as que mais
recebem recursos do FAT, já que a divisão foi feita de acordo com o tamanho da PEA de cada
município, respectivamente, R$ 2.006.000,00 e R$ 1.280.000,00. A menor região do Estado
170
– Médio São Francisco – recebe R$ 171.000,00. E a média geral do custo/aluno foi de R$
119,40 na zona urbana e R$ 55,05 na rural. Contudo, no setor da indústria, tendo em vista a
“demanda fechada” do Estado (Pólo Calçadista), esse custo sobe para R$ 530,47 por conta da
carga horária exigida para os cursos nessa área.
5.2.2 - Avaliação Externa - 1996/2002
O Relatório Final de Avaliação Externa do PLANFOR/BA63 – 2002 é constituído
pelos indicadores de avaliação, constantes no Guia do PLANFOR que são: 1) eficiência na
focalização da demanda de mercado; 2) eficiência na focalização do público-alvo; 3) síntese
metodológica da dimensão eficiência/qualidade dos cursos programas; 4) síntese dos resultados
da eficiência/qualidade dos cursos/programas; 5) síntese metodológica da dimensão eficiência
das executoras; 6) síntese dos resultados da eficiência das executoras; 7) gestão técnicofinanceira; 8) síntese metodológica adotada na avaliação da eficácia do PLANFOR/BA; 9)
síntese dos resultados da dimensão eficácia; e 10) efetividade social.
64
Na introdução, o PLANFOR/BA é analisado no contexto da globalização
econômica, indicando alguns desafios que o Brasil vem enfrentando como, por exemplo, o
desnível entre o crescimento do emprego socialmente protegido e a expansão do emprego dos
“sem carteira” e dos “por conta própria”; a desigualdade entre os níveis de demanda e oferta de
mão-de-obra qualificada e a legislação que protege o trabalhador individualmente, assim como,
o conjunto de normas que regulam a organização sindical e negociação coletiva. Na Bahia essas
questões tornam-se mais complexas, dado que a dinâmica do mercado de trabalho não tem se
mostrado capaz de absorver nem mesmo o crescimento vegetativo da força de trabalho.
Portanto, segundo o Relatório, é necessário definir estratégias visando à formação desse novo
trabalhador, já que os modelos de EP ou de capacitação para um posto de trabalho não estão
dando conta dessa nova realidade. Assim, a partir de 1996, o Programa Mãos à Obra, do
Departamento de Desenvolvimento do Trabalho da SETRAS, aderiu à política da SPPE/MTE,
implantando na Bahia o Plano de Qualificação Profissional, conforme as diretrizes do CODEFAT.
63
Este Relatório é uma síntese da avaliação do PLANFOR/BA no período 1996/2001. Foram analisados sete
relatórios finais (1996 a 2002) e mais os relatórios correspondentes à avaliação dos egressos do PLANFOR/BA.
Portanto, os dados apresentados e analisados neste capítulo referem-se a esses relatórios de avaliação. Quando se
utiliza dados de outras fontes elas são indicadas.
64
Duas dificuldades se apresentaram na análise dos relatórios: 1) as mudanças ocorridas na metodologia durante
todo o processo da avaliação externa, expressas nos relatórios anuais e também no de 2002, dificultando uma
síntese geral dos seis anos; 2) os próprios indicadores de avaliação que vão se complexificando durante o processo
de avaliação e mesmo a falta de determinadas informações ou a dificuldade em obtê-las. Procura-se, na medida
do possível, não repetir informações, mas admite-se que em alguns momentos ela acaba ocorrendo.
171
A Avaliação Externa65 na Bahia considera como parâmetros da avaliação a
eficiência, a eficácia e a efetividade social com seus respectivos indicadores, como propõe o
Guia de Avaliação. A seguir, passa-se a apresentar e comentar os resultados66 encontrados pela
avaliação do PLANFOR/BA em quatro dimensões: focalização na demanda de mercado,
público-alvo prioritário, efeito da qualificação para os trabalhadores treinados e efetividade do
PLANFOR/BA enquanto política pública, como denomina a SPPE/MTE, pois são as que
interessam para os objetivos desta tese. Antes, porém, apresenta-se e comenta-se os dados gerais
do PLANFOR/BA – 1996-2001.
A) Informações Gerais
A Tabela 1 mostra a abrangência do PLANFOR/BA, no período avaliado, em
relação às metas previstas. Foram investidos, nesse período, R$ 99.255.704,00 na qualificação
de 923.631 trabalhadores, atingindo 347 municípios dos 417 existentes em todo o Estado. As
metas de treinandos em todos os anos, com exceção de 2000, foram ultrapassadas, assim como
as de investimentos em 1997/98/99. Em 1996 ocorre o inverso, são qualificados, a mais,
33.826 trabalhadores e os investimentos diminuem em R$ 605.089,00.
65
Os pesquisadores utilizaram, além da pesquisa empírica (entrevistas realizadas com técnicos e coordenadores do
Departamento do Trabalho, representantes da CEE, posteriormente com membros das CMEs, questionários
aplicados aos treinandos e egressos dos cursos, instrutores e coordenadores de cursos) informações contidas nos
Planos de Trabalho elaborados pela SETRAS, os contratos e aditivos firmados com as entidades executoras dos
cursos de qualificação, os projetos vinculados ao PLANFOR, termos de referência produzidos pela SPPE/MTE,
legislação sobre EP e do próprio PLANFOR. É importante ressaltar as dificuldades enfrentadas pelos
pesquisadores no que diz respeito à documentação da SETRAS e das próprias executoras: acesso a documentos
imprescindíveis; informações incongruentes ou incompletas, obrigando a redução do tipo de categorias e
indicadores selecionados. Também houve impossibilidade de se extrair informações de natureza qualitativa, pois,
quase sempre, o que estava disponível nas executoras era uma planilha com dados físico-financeiros.
66
A referência para a equipe da Avaliação Externa do PLANFOR/BA, no período 1996/2001, para coleta dos
dados sobre os cursos de qualificação foram os Contratos estabelecidos entre as executoras e a SETRAS. Era
também estabelecido um momento específico para o corte nessa coleta, na maioria dos anos, na 1ª quinzena do
mês de dezembro do ano da avaliação. Portanto, os dados dos contratos assinados com a SETRAS depois desse
limite não eram considerados. Essa informação é fundamental porque os dados da avaliação externa e os do
MTE não coincidem, por exemplo, em números de treinandos inscritos e qualificados, ocupados, desocupados,
encaminhados, investimentos, etc. Isso ocorre porque o MTE utiliza como referência, além dos Relatórios de
Avaliação Externa dos estados o SIGAE, cujo sistema é on-line. Portanto, o MTE mantém um “banco de dados”
mais atualizado do que o “banco” das avaliações externas.
172
TABELA 1
Número de municípios, treinandos e investimentos do PLANFOR/BA – 1996/2001
Metas de Treinandos
Metas de Investimentos R$ (mil)
Ano
nº Municípios
Previstas
Realizadas
Previstas
Realizadas
1996
1997
1998
1999
2000
2001
TOTAL
210
342
344
296
317
347
50.380
117.000
117.000
91.000
184.000
236.000
795.380
84.206
150.909
145.607
93.000
183.909
266.000
923.631
9.270
15.900
15.200
11.800
19.260
27.341
98.770,8
8. 664.7
16.406.7
15.783.3
12.100
19.260
27.341
99.255.7
FONTE: UFBA.FACED. Relatórios Avaliação Externa - 1996/2001
A abrangência espacial do PLANFOR/BA – 1996/2001 é progressivamente
crescente, atingindo 347 municípios em 2001, significando 80,6% de um universo de 417,
chegando a cobrir todas as 15 regiões econômicas do Estado. No que diz respeito a treinandos
e investimentos, com exceção de 1999, por conta dos contingenciamentos de recursos
impostos pelo governo federal, o PLANFOR/BA também cresce significativamente: em 1996,
qualificando 84.206 trabalhadores e investindo R$ 8.664.745,00, chegando em 2001, com
266 mil trabalhadores qualificados e R$ 27.341.000,00 de investimentos.
Quanto à abrangência dos setores econômicos em expansão e em modernização,
indicados como prioritários pelo MTE, pelos dados de 2001 foram promissores, pois 91,8%
dos treinandos foram qualificados para atividades nesses setores e investidos 94,8% dos recursos.
Esses dados mostram que a SETRAS, a partir dos dados das avaliações anteriores realizou correções
no PLANFOR/BA.
A avaliação67 das entidades executoras só começou a partir de 2000, quando foi
introduzida uma dimensão previamente estabelecida pela SPPE/MTE. No documento Plano
de Trabalho PLANFOR/BA-2000 consta um total de 498 instituições que podiam ofertar EP
no Estado. Porém, consultado o Cadastro de Educação Profissional, foram identificadas 550
instituições. O relatório 2000 ressalta que as instituições relacionadas no Cadastro estão
localizadas em apenas 71 municípios, dos 417 do Estado da Bahia, sendo registrado em
Salvador o maior número (126) de instituições de EP.
Essas instituições utilizaram, predominantemente, a modalidade curso na
qualificação profissional, embora todas apresentem um perfil que abrange mais de uma linha
67
Para avaliar as executoras, além das fontes documentais (Planos de Trabalho da SETRAS e contratos com as
executoras), foi realizada pesquisa de campo na qual se inclui uma entrevista estruturada com um coordenador
técnico (1996-1999) ou dirigente (2000-2001) para levantar dados e informações.
173
de ação em educação profissional. A seguir, apresenta-se uma Tabela com a descriminação
dessas entidades, por ano e números de trabalhadores qualificados e investimentos.
TABELA 2
Executoras, números de treinandos e recursos do PLANFOR/BA – 1996/2001
Ano
nº
Categorias
Treinandos
Recursos
1996
12
Sistema “S”, ONGs, IES públicas e privadas e Entidades
sindicais
84.206
8.664.7
1997
26
Sistema “S” e o SEBRAE, ONGs, IES públicas estaduais,
Entidades sindicais, Fundações públicas e privadas Empresas
públicas e Liceu de Artes e Ofícios
150.909
16.406.7
1998
38
Sistema “S” e o SEBRAE, ONGs, IES públicas estaduais e
federais, Entidades sindicais, Fundações públicas e privadas,
Empresas públicas, Liceu de Artes e Ofícios, Instituições de
Educação Especial, Entidades filantrópicas
145.607
15.783.3
1999
28
Sistema S e o SEBRAE, ONGs, IES públicas estaduais e
federais, Entidades sindicais, Fundações públicas e Privadas,
Empresas públicas, Instituições de Educação Especial e
Entidades filantrópicas
93.000
12.100
2000
30
Sistema “S” e o SEBRAE, ONGs, IES públicas, estaduais e
federais, Entidades sindicais. Fundações públicas e privadas,
Empresas públicas, Instituições de Educação Especial
Entidades filantrópicas
183.909
19.260
2001
35
Sistema “S”, ONGs, IES públicas estaduais e federais,
Entidades sindicais, Fundações públicas e privadas, Empresas
públicas, Instituições de Educação Especial
266.000
27.341
FONTE: UFBA.FACED. Relatórios Avaliação Externa - 1996/2002
Em seis anos (1996-2001) de implantação do PLANFOR/BA houve uma
evolução bastante significativa em termos de executoras envolvidas (192%) e número de
treinandos e investimentos (216%). Esses dados indicam a proliferação da qualificação
profissional no Estado, ou como diz Druck (2001) a “epidemia” da qualificação como
redentora do desemprego.
De um modo geral, desde o início do PLANFOR/BA, um dos maiores problemas
na atuação das executoras foi a falta de iniciativa no sentido de buscar divulgar suas ações junto
aos grupos mais vulneráveis da população, incluindo-se aí os portadores de deficiências.
Embora os seus dirigentes se declarem receptivos a qualquer tipo de clientela, a executora não
desenvolveu ações afirmativas que permitissem uma maior inclusão desses grupos. O
atendimento aos grupos mais vulneráveis ocorreu por iniciativa dos interessados e foi realizado,
em grande parte, por executoras que tinham esses grupos como público-alvo, a exemplo das
instituições de educação especial, as entidades filantrópicas e aquelas voltadas para grupos
específicos como menores de rua, empregados domésticos etc.
174
Um outro problema identificado foi o não cumprimento dos cronogramas
estabelecidos nos contratos para realização dos cursos, por uma grande maioria das executoras.
Apesar das muitas explicações apresentadas os entrevistados não justificaram o não
cumprimento da exigência da legislação vigente, de que nesses casos, os registros devem ser
feitos no SIGAE até cinco dias antes da nova data.
Na atuação das executoras ao longo do período 1996/2001 são identificados, além
dos já indicados, os seguintes problemas: 1) subcontratação, embora seja proibida pelas
diretrizes do CODEFAT. Há executoras que não têm um único instrutor no seu quadro
permanente mesmo atuando nos mais diversificados setores econômicos, com um número
bastante elevado de treinandos; 2) de modo geral, as executoras não têm se empenhado em
divulgar junto ao seu quadro de funcionários princípios, normas e documentos do PLANFOR;
3) não absorção dos avanços conceituais da EP. Embora no discurso escrito e falado dos
dirigentes, coordenadores e instrutores essa nova institucionalidade tenha sido incorporada, o
planejamento e a execução das ações de qualificação, ainda se mantêm excessivamente
atrelados à habilidade específica, sem dar às outras habilidades o espaço, a importância e o
reconhecimento devidos.
O conceito de aprender a aprender ainda não foi utilizado no
cotidiano das ações das executoras como propõe o Ministério.
Quanto ao número de cursos, há uma grande variação desde aquela que realiza
apenas um curso, até outras que ultrapassam cem cursos. No primeiro ano do PLANFOR/BA
foram as universidades que mais atuaram, e durante os cinco anos posteriores passaram a ser as
ONGs. O envolvimento das universidades no Plano de Qualificação do Estado iniciou-se em
1996 com a participação também de universidades da rede privada que permaneceram até
1998, e a partir de 1999 só permaneceram as Universidades Públicas.
Com relação ao desenvolvimento integrado das três habilidades (básica, específica
e de gestão) nos cursos de qualificação profissional, considerado como elemento fundamental
na qualificação para as “novas formas” de trabalho, a avaliação externa constata que nesse
período (1996/2001), a predominância, na maioria dos cursos observados, foi do
desenvolvimento, apenas, da habilidade específica. Além disso, os dados revelam também que
os envolvidos com a execução dos cursos não têm clareza sobre o significado de integração das
habilidades e que muitos o desconhecem. É bom ressaltar que houve uma queda no
desenvolvimento da habilidade específica, de 1996 (77,9%), para 1998 (40%) e em 2001,
diminui mais ainda (26,5%). Esse dado passa a representar um avanço, já que o
desenvolvimento apenas da habilidade específica corresponde a uma concepção mais
tradicional de EP, o que o Ministério quer superar.
175
A Tabela 3 abaixo, constituída a partir dos dados coletados pelo Ministério através
do SIGEP, informa sobre a carga horária média dos cursos do PLANFOR/BA por ano e o
número de matrículas por habilidades. Esses dados são relevantes na medida em que colocam
em cheque a concepção de educação profissional para a empregabilidade conforme proposta
pelo Ministério e a qualificação desenvolvida pelas entidades executoras dos cursos do
PLANFOR/BA.
TABELA 3
Número de matrículas e carga horária por habilidades - PLANFOR/BA 1996/2001
Matrículas nas Habilidades (mil)
C/H
Ano
Básicas
Específicas
Média
Nº
%
Nº
%
1996
65h
2,4
2,9
74,5
13,4
1997
75h
8,8
10,5
97,3
17,5
1998
85h
16,0
19,2
105,0
18,9
1999
100h
18,8
22,5
74,8
13,5
2000
46h
28,8
34,5
155,4
27,9
2001
70h
8,7
10,4
48,8
8,8
Total
83,5
100,0
555,8
100,0
Gestão
Nº
9,3
4,8
18,0
19,9
36,5
18,7
107,2
%
8,7
4,4
16,8
18,6
34,0
17,4
100,0
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego. Secretaria de Políticas Públicas de Emprego.
Como se pode observar, os cursos desenvolvidos pelo PLANFOR/BA têm em
torno de 68 horas, considerando a média dos cinco anos (1996,1997,1998, 2000 e 2001). A
média de 100h apuradas em 1999 é uma exceção e está diretamente relacionada à “demanda
fechada”, pois esse foi o ano onde as fábricas de calçados foram instaladas no interior do
Estado e os cursos desenvolvidos, especificamente para os trabalhadores dessas fábricas, tinham
carga horária extremamente alta em relação aos demais cursos. Por outro lado, a concentração
das matrículas em cursos que desenvolvem habilidades específicas foi outro indicador do não
cumprimento das diretrizes do CODEFAT.
As medidas de apoio aos treinandos, como: auxílio-alimentação, transporte e o
material didático distribuído para cada treinando, foram condições fundamentais na
qualificação no sentido de garantir a permanência dos grupos vulneráveis, tanto que se
transformaram em cláusula contratual.68 No entanto, a operacionalização dessas medidas, em
alguns casos, tornou-se problemática devido ao atraso, por parte do governo federal, na
liberação das verbas, ou por negligência da própria executora.
Quanto ao encaminhamento, pelas executoras, dos trabalhadores qualificados ao
mercado de trabalho, o resultado encontrado é o seguinte: 46,9% encaminharam, 37,5% não
68
Contrato SETRAS/Executora. Cláusula Quarta – Das obrigações, item II, letra g.
176
encaminharam e 15,6% não informaram. Todas as universidades participantes do
PLANFOR/BA – 2000, por exemplo, informaram que esses serviços foram oferecidos por
agências privadas, sindicatos, federações, associações ou pelo SINE. Em relação às ações para
elevação da escolaridade, apenas nove executoras afirmaram realizá-las; portanto, 71,8% não
desenvolveram ações nesse sentido. As entidades sindicais não desenvolveram nenhuma ação
nesse sentido, a não ser o encaminhamento para o SINE.
É importante ressaltar que uma instituição do Sistema “S” realizou o
encaminhamento do trabalhador qualificado ao mercado de trabalho, pois a qualificação
oferecida foi planejada a partir das demandas encaminhadas pelas fábricas que se instalavam no
Estado, conseqüência de um trabalho de parceria com a SETRAS.
A Tabela 4 abaixo também é constituída a partir dos dados do Ministério,
coletados através do SIGEP, e demonstra a atuação do PLANFOR/BA quanto ao
encaminhamento dos trabalhadores desocupados e qualificados ao mercado de trabalho.
TABELA 4
Trabalhadores desocupados e encaminhados ao mercado de trabalho - PLANFOR/BA - 1996/2001
Ano
Desocupados (mil)
Encaminhados (mil)
% Desocupados Encaminhados
1996
21,9
2,6
11,8
1997
95,3
28,3
29,7
1999
42,6
16,9
39,7
2000
100,0
1,0
1,0
2001
117,0
0,8
0,7
Total
376,8
49,6
13,1
Fonte: Ministério do Trabalho. Secretaria de Políticas Públicas de Emprego.
Obs. Os dados de 1998 não foram considerados por serem discrepantes.
Como se pode observar, do total de trabalhadores qualificados e desocupados,
após cinco anos de implantação do Programa no Estado, apenas 13% foram encaminhados ao
mercado de trabalho. O melhor desempenho do PLANFOR/BA foi em 1999 (cerca de 40%) e
isso não foi por acaso, pois esteve diretamente vinculado à instalação das fábricas de calçados
no interior do Estado, portanto, atendimento à “demanda fechada”, e o pior desempenho
ocorreu nos dois últimos anos (1% e 0,7% respectivamente) quando a situação do mercado de
trabalho tornou-se mais crítica na Bahia, especialmente, na RMS.
O encaminhamento dos trabalhadores qualificados ao mercado de trabalho é de
competência (não exclusivamente) das executoras, até porque o Ministério compreende o
encaminhamento como etapa final da qualificação. Contudo, tanto os dados nacionais quanto
os do Estado apontam que a maioria dessas instituições, desde o início da implementação do
PLANFOR, não realizaram esse encaminhamento. Já é mais do que necessário buscar as causas
177
desse descumprimento, a não ser que o Ministério, ciente das dificuldades de inserção do
trabalhador no mercado, tendo em vista o pouco desenvolvimento econômico do país e do
Estado, esteja fazendo “vistas grossas” ao problema.
No que diz respeito à articulação institucional, definida como a mobilização,
integração e fortalecimento de uma Rede de Educação Profissional (REP) no Estado, a
avaliação externa atesta que o Plano abrangeu diferentes tipos de instituições, públicas,
privadas, governamentais e não-governamentais. Contudo, isto não significou ainda um
indicador de efetiva articulação institucional no sentido posto pelo PLANFOR – “crescente
integração com outros programas e projetos financiados pelo FAT, em especial os do segurodesemprego, intermediação de desempregados, crédito popular (PROGER, PRONAF) e
outros programas de geração de trabalho e renda”.
Em relação a investimentos adicionais aos do FAT, dos 57 contratos analisados,
em 2001, por exemplo, apenas 13 executoras explicitaram a contrapartida de investimentos
num total de R$ 1.423.814, ficando, portanto, muito aquém daquele previsto no Plano de
Trabalho da SETRAS que era de R$ 2.734.100,00, constatação também presente nos anos
anteriores.
B) Focalização na Demanda de Mercado de Trabalho
O critério de focalização no mercado de trabalho local para oferta de cursos de
qualificação profissional se constituiu, durante o período (1996/2001) de implantação do
PLANFOR/BA, em um constante desafio para a SETRAS e entidades executoras dos cursos.
Três fatos estiveram presentes durante toda a implantação do PLANFOR/BA: 1) a falta de
caracterização da PEA por município, alvo da qualificação de trabalhadores; 2) despreparo e
não envolvimento efetivo das CMEs que têm também a competência de identificar as
demandas locais. 3) inexistência de estudos sobre mercado de trabalho nos municípios baianos,
com exceção da RMS. Essas três condições, essenciais para uma oferta de cursos com
focalização na demanda de mercado, foram parcialmente garantidas. Mesmo na Região
Metropolitana de Salvador, onde há vários estudos sobre mercado de trabalho, o foco na
demanda de mercado não foi totalmente atendido.
No que se refere ao quadro geral dos treinandos e investimentos do
PLANFOR/BA por setor econômico, a metodologia utilizada pela avaliação externa não
permite uma análise detalhada que especifique cada setor, mas algumas considerações são
apresentadas nos respectivos relatórios.
178
Em 1996, a maioria das ações do PLANFOR/BA foi dirigida ao setor
agropecuário, em regiões em situação de crise no mercado de trabalho e para pessoas
envolvidas com atividades na economia informal. Os projetos beneficiados com ações foram os
seguintes: Capacitação Profissional e Ampliação do Programa de Municipalização do Turismo
na Bahia, Setor Informal, Capacitação para Trabalhadores Rurais das Áreas da Reforma
Agrária e Treinamento de Mão-de-Obra Rural. Também foram desenvolvidos cursos de
alfabetização, pós-alfabetização e educação básica para crianças, jovens e adultos dos
assentamentos rurais.
Em 1997, foi dada prioridade ao Sub–Programa Nacional Assentamentos e
Comunidades Rurais (34% dos treinandos), bem como para os Sub-Programas Estaduais
voltados para os Beneficiários do Seguro-Desemprego (14%) e Autogestores e Empreendedores
(11%). Não se obteve informação sobre os 41% dos outros treinandos. Foi constatado um
avanço em relação ao processo de planejamento envolvendo estudos de demandas, elaboração
de um manual para orientar as atividades de planejamento das executoras e realização de
reuniões preliminares com a Comissão Estadual de Emprego e com as entidades proponentes
dos cursos. Em alguns projetos houve, inclusive, a participação de membros das comunidades,
definindo necessidades de qualificação. Contudo, não se encontrou dados mais consistentes
sobre a focalização dos cursos desses diferentes Projetos nas demandas de mercado de trabalho
identificadas.
Em 1998, nas linhas/programas de Educação Profissional oferecidos pelas
executoras, identifica-se a expressiva presença de atividades de educação voltadas para o setor
de serviços, incluindo-se aí os serviços pessoais, coletivos, sociais e de educação, seguidas das
atividades voltadas para a indústria de transformação.
Em 1999, o maior número de ações esteve voltada para as áreas de saúde,
educação, agropecuária e serviços, consideradas em expansão no mercado de trabalho
local/regional e o setor da indústria da transformação, considerado em modernização. Na
RMS, os cursos foram dirigidos aos setores econômicos de saúde e serviços, concentrando-se
nas áreas de informática, eletromecânica, mecânica automotiva e serviços administrativos. Nas
demais regiões do Estado, a maioria dos cursos foi para o setor agropecuário. Houve ações,
também, em determinadas regiões, dirigidas ao turismo. São identificados alguns cursos
inadequados ao perfil e necessidades da população local, bem como outros inadequados ao
nível de escolaridade da população, como por exemplo, curso de espanhol e inglês para pessoas
sem domínio da língua materna.
179
Em 2000,69 permanece o atendimento a “demanda fechada” (previsto nas
Diretrizes do CODEFAT), dada a instalação de novas empresas no Estado, treinando
trabalhadores para o setor da indústria de transformação (5,03%): Pólo Calçadista e Indústria
Automotiva FORD, e para o setor de turismo, Complexo Turístico de Sauípe (3,20%),
investindo, respectivamente, 18% e 3,52% do total dos recursos do FAT. Portanto, a
“demanda fechada” do Estado consumiu 21,52% dos recursos para qualificar 8,23% do total
de treinandos do Programa em 2000. Os 78,48% do restante dos recursos, foram dirigidos às
demandas de mercado de trabalho identificadas pela SETRAS e parceiras e aplicados nos
seguintes setores: agropecuária (10,70%), outros serviços coletivos, sociais e pessoais (16,29%),
comércio, reparo de veículos, objetos pessoais etc. (5,03), transporte armazenamento e
comunicações (4,91%), construção (4,07%), administração pública, defesa e seguridade social
(3,66%), atividades financeiras (1,3%), saúde e serviços sociais (0,9%), educação (0,7%),
artesanato (0,4%), serviços domésticos (0,4), alojamento e alimentação (0,33%) e atividades
imobiliárias, aluguéis e serviços (0,02%). Os setores que mais qualificam trabalhadores foram:
agropecuária (32,14%) e outros serviços coletivos, sociais e pessoais (24,1%).
Os dados também indicam que no setor agropecuário, por exemplo, uma única
executora recebeu 42,9% dos recursos desse setor, enquanto duas outras ficaram,
respectivamente, com 16,62% e 6,4% dos investimentos. No setor indústria de transformação
também uma única executora recebeu 98,1% dos recursos daquele setor, enquanto que uma
outra recebeu apenas 1,4% dos investimentos. No setor econômico outros serviços, embora os
recursos tenham sido melhor distribuídos e 21 entidades executoras tenham participado dos
cursos de qualificação profissional, apenas uma executora recebeu 26,40% dos recursos, o
restante foi distribuído entre as demais. No setor de turismo, 76,82% dos recursos
concentraram-se no Sistema “S”. No caso da indústria de transformação e turismo, o fato da
concentração de recursos recair em uma única executora esteve relacionada à “demanda
fechada” direcionada ao Pólo Calçadista, a instalação da FORD no Estado e ao Pólo Turístico.
Essa informação foi confirmada pela SETRAS nas entrevistas realizadas.
Quando se cruzam os dados das executoras com os recursos distribuídos,
identifica-se que o Sistema “S” recebeu 45,47% do total de R$ 19.438.712,00 investidos no
Estado naquele ano. O restante dos recursos foram distribuídos da seguinte forma:
Universidades 19,41%, Fundações 13,96%, ONGs 12,16%, Entidades Sindicais 4,47,
SEBRAE 3,05% e Empresas públicas, 1,45%. A concentração dos recursos do FAT no Sistema
“S” é uma prática que ocorreu desde o início da implantação do PLANFOR/BA em 1996.
69
Nesse ano foram analisados 99 Contratos de cursos de qualificação.
180
Foi apurado também que o Plano de Trabalho da SETRAS, em 2000, foi
elaborado, basicamente, no âmbito técnico da Superintendência de Desenvolvimento do
Trabalho (SUDET). A Comissão Estadual de Emprego apenas aprovou a distribuição dos
recursos por setor econômico e município, não tendo avaliado as propostas dos projetos/cursos
de qualificação profissional, tão pouco decidiu sobre aprovação/desaprovação dos mesmos e
conseqüentemente contratação das executoras. Assim, a aprovação das propostas e contratação
das entidades executoras foi de competência exclusiva da Secretaria. Portanto, é possível
concluir que o planejamento do PLANFOR/BA – 2000 evidencia traços de uma prática
centralizadora o que, a rigor, contraria as diretrizes do CODEFAT.
Não se consegue identificar no Relatório como foram identificadas as demandas
por setor econômico. Por outro lado, as dificuldades apontadas pela avaliação externa
corroboram para que se possa afirmar que os cursos planejados pelo PLANFOR/BA – 2000
são, parcialmente, focalizados nas demandas do mercado de trabalho dos municípios.
Em 2001, a SETRAS realizou fóruns regionais com a participação de membros
das CMEs constituindo-se em um espaço significativo para a discussão sobre a identificação
das reais demandas de mercado e sua incorporação no planejamento dos cursos. Contudo, a
avaliação externa, após cinco anos de implantação do PLANFOR na Bahia, afirma ser ainda
limitada a construção do novo conceito de EP proposto pela SPPE/MTE – foco nas demandas
de mercado e população-alvo local/regional.
Neste ano, os setores econômicos em modernização e em expansão foram os
priorizados, treinando 91,75% dos trabalhadores inscritos e recebendo 94,80% dos
investimentos, perfeitamente coerente com as diretrizes nacionais. Contudo, ao se analisar cada
atividade de per si, os dados revelam que a indústria de transformação recebeu 23,60% do total
dos investimentos, embora tenha qualificado apenas 5,41% dos trabalhadores inscritos nos
cursos do Programa. Os dados destoam mais ainda quando se compara com o setor da
agropecuária, silvicultura, exploração florestal que qualificou 35,17% dos trabalhadores,
recebendo 17,94% dos recursos. Até mesmo o setor outros serviços coletivos, sociais e pessoais
que qualificou 33,95% de trabalhadores recebeu, proporcionalmente, 33,76% dos
investimentos totais. Os dados também revelam que três setores considerados em expansão
pela SETRAS: saúde e serviços sociais, educação e turismo receberam, juntos, 1,42% dos
investimentos, muito menos que as duas atividades em retração e estagnação: administração
pública e serviço doméstico (4,05%). Em relação à concentração de recursos na indústria de
transformação foram duas as explicações colhidas nas entrevistas com técnicos e
181
Superintendente do Trabalho da SETRAS para essa situação: ter um custo/aluno altíssimo e
estar na “demanda fechada” priorizada pelo governo estadual.
Na execução do PLANFOR/BA, no período analisado, foram muitas as
dificuldades identificas pela equipe de avaliação, contudo, como muitas permaneceram nos
anos de 1999, 2000 e 2001, destacam-se as seguintes: desarticulação entre a SETRAS e as
CMEs/CEE no planejamento, na execução e no acompanhamento do Programa; falta de
estudos sobre o mercado de trabalho dos municípios envolvidos nas ações de qualificação;
pouca inserção dos egressos no mercado de trabalho; atraso na contratação das executoras por
conta dos contingenciamentos impostos pelo governo federal; problemas na operacionalização de
medidas de apoio aos treinandos (auxílio-transporte e alimentação e distribuição de material
didático. Foram considerados avanços: a integração entre o Programa Intermediação de Mão-deObra e o PLANFOR/BA; o treinamento de membros de onze CMEs e a criação do Fórum
Permanente da RMS.
As recomendações da avaliação externa à SETRAS, no sentido de aprimorar o
planejamento com foco na demanda do mercado de trabalho baiano foram as seguintes para
cada ano de execução do PLANFOR/BA: em 1996 – (1) criação das CMEs visando atender a
Resolução nº 80/95 do CODEFAT para dotar o município de uma instância política que
atuasse na definição das prioridades de qualificação profissional dos trabalhadores locais e
pudesse acompanhar e avaliar essas ações; 2) realizar uma maior articulação com as entidades
executoras no sentido de garantir um planejamento participativo de co-gestão. Em 1997,
melhorar a distribuição dos recursos entre as regiões para evitar o fluxo migratório para a RMS
e sensibilizar as executoras no sentido de aderirem ao novo modelo de EP. Em 1998, capacitar
os membros das CMEs para propiciar uma participação mais efetiva no planejamento do
PLANFOR/BA. Em 1999, investir em estudos sobre mercado de trabalho para subsidiar a
oferta dos cursos com foco na demanda, especialmente aos serviços denominados de
“auxiliares” constantes na RMS e instrumentalizar as CMEs, a fim de se tornarem um
“observatório” das demandas de qualificação dos trabalhadores. Em 2000/2001, apresentar
dados mais consistentes sobre as demandas de qualificação municipais; investir em estudos
sobre o mercado de trabalho regional; envolver efetivamente as CMEs no planejamento do
PLANFOR/BA e investir mais na divulgação dos cursos de qualificação junto à população
mais vulnerável do ponto de vista socioeconômico.
Como se pode observar, existe uma relação entre as dificuldades encontradas e as
recomendações da equipe de avaliação do PLANFOR/BA – 1996/2001. Praticamente, giram
182
em torno da identificação das demandas do mercado de trabalho, indicando que essa questão
se tornou crucial na execução dos cursos de qualificação e não resolvida até 2001.
A partir da análise dos resultados da focalização dos cursos do PLANFOR/BA, no
período 1996-2001, nas demandas do mercado de trabalho, pode-se afirmar que quando se
tratou da “demanda fechada”, isto é, aquela definida pelo governo do Estado junto à SETRAS,
ela foi totalmente atendida pelas executoras, principalmente pelo Sistema “S”, maior
responsável pela implementação dos cursos para o Pólo Calçadista, FORD, e Pólo Turístico.
Durante os seis anos de implementação do PLANFOR/BA, o Sistema “S” manteve a
hegemonia na gestão dos recursos públicos. Deluiz (1999) já havia identificado esta questão no
PLANFOR – 1997, indicando que o Sistema ‘S’ ficou com 18% do total nacional de
investimentos, cerca de 58,6 milhões, embora tivesse participado com número menor de
entidades e capacitado menos trabalhadores que as fundações e instituições públicas e
governamentais.
Quanto às demandas reais do mercado de trabalho dos municípios onde os cursos
do PLANFOR/BA foram desenvolvidos, ao contrário, são pouco identificadas, e
conseqüentemente, pouco atendidas. As limitações para a identificação dessas demandas vão
desde a falta de articulação da SETRAS com as Comissões Municipais de Emprego (CMEs),
despreparo dessas Comissões, inexistência das mesmas em vários municípios, desinformação
das executoras sobre a questão, até a inexistência de estudos sobre o mercado de trabalho do
Estado como um todo. Portanto, a oferta da maioria dos cursos de qualificação profissional
ocorreu na direção oposta às diretrizes do CODEFAT. Concretamente, a grande maioria dos
cursos disponíveis nas executoras foi o ofertado à clientela do PLANFOR/BA, conclusão
encontrada, inclusive, em vários Relatórios de Avaliação Externa.
Portanto, os dados analisados corroboram na identificação da falta de coerência
interna do PLANFOR/BA na medida em que existe uma distância muito grande entre o
proposto pela SPPE/MTE e o efetivamente realizado. Isto é, o governo propõe essa política de
qualificação como um mecanismo de inserção do trabalhador nas “novas formas de trabalho”,
uma vez que os cursos de qualificação devem ser planejados e executados a partir das demandas
reais identificadas. Contudo, o que se verificou foi o não atendimento dessa diretriz, até
porque não existem dados sobre o mercado de trabalho na maioria dos municípios baianos
(que deve ocorrer também em vários estados brasileiros).
183
C) População-Alvo do PLANFOR/BA - 1996/2001
O Ministério determina que a população-alvo dos cursos de qualificação
70
profissional sejam os quatro grupos prioritários definidos pelo CODEFAT.
Perfil dos Treinandos
A seguir, apresenta-se o perfil dos treinados, no período estudado, com exceção de
1996 cujos dados não foram encontrados.
Tabela 5 - Perfil dos treinados do PLANFOR/BA 1997-2001
Características
1997
Nº
%
Zona de Moradia
Rural
105.666 70
Urbano
45.243 30
Total
150.909
Sexo
Masculino
86.139 57
Feminino
Total
Raça/Cor
Preta/Parda
64.770
43
150.909
1998
Nº
%
1999
Nº
%
2000
Nº
%
2001
Nº
%
78.664 54
66.944 46
145.608
17.125 23
58.179 77
75.304
37.407 22
129.752 78
167.159
24.647 22
85.743 78
110.390
88.345
61
37.733
50
81.914
49
51.427
47
345.558
53
39
37.571
50
85.245
51
58.963
53
303.811
47
145.608
76
127.365
Branca
34.513
23
Outras
1.434
1
Total
Escolaridade
Sem instrução
0
150.909
263.509
41
385.861
59
649.370
57.262
114.962
S/ Declaração
Total
Nº
%
75.304
167.159
110.390
649.370
88
51.847
69
101.956
58
69.022
58
465.152
70
16.502
11
17.113
23
29.491
17
21.293
18
118.912
17
1.032
0,7
1.811
2
3.936
2
3.402
3
11.615
2
708
0,3
4.533
6
41.518
23
24.899
21
71.658
11
145.607
75.304
176.901
118.616
667.337
14.896
10
25.034
17
3.626
5
6.499
4
2.775
2
52.830
8
Ensino Fund.
Incompleto
53.753
36
53.621
37
29.957
40
61.939
35
44.254
37
243.164
36
Ensino Fund.
Completo
30.408
20
36.495
25
20.228
27
43.359
25
27.654
24
158.144
24
Ensino Médio
Completo
Superior
44.156
29
27.543
19
19.071
25
60.747
34
41.113
35
192.630
29
7.696
5
2.915
2
2.350
3
4.357
2
2.820
2
20.138
3
Total
150.909
145.608
75.232
176.901
118.616
667.266
Situação Ocupacional
Desocupado
95.269
63
58.527
40
37.518
51
92.458
54
58.557
51
342.329
52
Ocupado
37
87.080
60
36.619
49
77.617
46
55.183
49
312.139
48
Total
55.640
150.909
145.607
74.137
170.075
113.740
654.468
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego, Secretaria de Políticas Públicas de Emprego.
* OBS: Para esses anos - 2000 e 2001 – os totais de treinandos de acordo com as características – raça/cor, escolaridade e situação ocupacional,
apresentam diferenças. Resultados que, possivelmente não foram consolidados pelo MTE. No entanto, decidiu-se utilizá-los porque não alteram
as informações sobre o perfil dos treinandos.
70
Os grupos prioritários do PLANFOR são: pessoas desocupadas, principalmente os beneficiários do segurodesemprego e candidatas a primeiro emprego; pessoas sob risco de desocupação em decorrência de processos de
modernização tecnológica, privatização, redefinições de política econômica e outras forma de reestruturação
produtiva; pequenos e microprodutores, principalmente pessoas beneficiárias de alternativas de crédito
financiadas pelo FAT (PROGER, PRONAF e outros) e pessoas que trabalham em condição autônoma, por
conta própria ou autogestionadas e em atividades sujeitas a sazonalidades por motivos de restrição legal, clima,
ciclo econômico e outros fatores que possam gerar instabilidade na ocupação e fluxo de renda (BRASIL.
Presidência da República. Secretaria de Comunicação Social. Guia do PLANFOR – 1999-2002. Brasília, 1999, p. 9).
184
Como se pode constatar, o PLANFOR/BA priorizou, em 1997/98, o atendimento
a trabalhadores residentes na zona rural (70% e 54% respectivamente) e nos três últimos anos
os trabalhadores da zona urbana, cerca de 77% dos treinandos. Em relação ao sexo, nos dois
primeiros anos de implantação – 1997/98 – foi priorizada a qualificação para homens (57% e
60,6% respectivamente), em 1999/2000 a distribuição de treinandos é equilibrada entre
homens e mulheres, e em 2001, o número de mulheres inscritas no Programa ultrapassa o de
homens. Esse dado reflete, de alguma forma, uma correção do PLANFOR/BA dadas as críticas
em relação à qualificação no Estado ter priorizado os homens.
No que concerne à raça/cor, a qualificação priorizou, durante todo o período, as
pessoas pretas e pardas, sendo que em 1998 atinge seu maior índice, cerca de 87% e em 2001
o menor, cerca de 62%, acompanhando, em linhas gerais, a distribuição da população por cor,
principalmente, nas regiões urbanas da Bahia.
Quanto à escolaridade dos trabalhadores, em 1997, o PLANFOR/BA atende,
prioritariamente, as pessoas sem instrução e com ensino fundamental incompleto
(respectivamente, cerca de 45,4% e 54%). Em 1999, 2000 e 2001, foram priorizadas as
pessoas com ensino fundamental e ensino médio completos. Esses dados refletem, de um lado,
a prioridade estabelecida pelo Estado para a “demanda fechada” quando o PLANFOR/BA
dedica parte de suas vagas e investimentos à qualificação de trabalhadores para os Pólos
Calçadista/Turístico e para a FORD cujos cursos exigiam, na inscrição, pessoas com, pelo
menos, ensino fundamental completo; de outro, a dificuldade de muitas executoras em
oferecerem cursos para pessoas com baixa escolaridade.
Em relação à situação ocupacional dos treinandos, com exceção de 1998 quando
os ocupados (59,8%) foram priorizados, nos demais anos a maioria dos trabalhadores dos
cursos do PLANFOR/BA era de desocupados.
Nos dados agregados do período (5 anos), pode-se observar o perfil do treinado
pelo Programa na Bahia: são majoritariamente da zona urbana (59%); do sexo masculino
(53%), pretos e pardos (70%), com escolaridade de ensino fundamental incompleto e
completo (60%) e desocupados (52%).
Outras Características dos Treinados
Foram qualificados trabalhadores desempregados beneficiários do segurodesemprego e intermediação de mão-de-obra, autônomos, cooperados, assentados,
trabalhadores rurais, empresários de pequena e microempresas. Também foram atendidos
185
adolescentes e jovens (14-21 anos) em situação de risco social, moradores das periferias dos
centros urbanos, comunidades extrativas, portadores de necessidades especiais, bancários,
trabalhadores do sistema financeiro, detentos e egressos do sistema penitenciário e grupos
étnicos/raciais.
A seguir, passa-se a apresentar e comentar os resultados da avaliação externa em
relação aos efeitos da qualificação na vida dos trabalhadores treinados pelo PLANFOR/BA, no
período 1996-2001. Nesta dimensão, o Ministério determina que seja identificada a situação
ocupacional dos trabalhadores antes e depois da qualificação, no sentido de avaliar o impacto e o
benefício desta em matéria de geração de renda, além de outros benefícios individuais e sociais.
D) Resultados da Avaliação dos Egressos - 1996/2001
Segundo determinação do Ministério, os efeitos da qualificação para os egressos
dos cursos devem ser medidos/avaliados através dos benefícios gerados em termos de: ocupação
no mercado de trabalho, reintegração em uma ocupação, melhoria de rendimentos, melhoria
do desempenho no trabalho etc através das seguintes questões-chave: a) avaliação do Programa
pelos sujeitos da qualificação; b) impacto do Programa sobre a vida pessoal e profissional do
trabalhador; c) percepção dos empregadores sobre a melhoria da qualidade do trabalho dos
sujeitos egressos do Programa. Portanto, os benefícios sociais do PLANFOR/BA 1996-2000
foram analisados a partir do que os egressos e os empregadores acharam do Programa.71
As avaliações da eficácia do PLANFOR/BA foram realizadas com os egressos de
1998, 1999 e 2000, tendo por objetivo verificar o impacto da qualificação sobre os treinandos.
O impacto esperado pelo Ministério é o de que os trabalhadores desocupados obtenham a sua
inserção no mercado de trabalho e de que os ocupados permaneçam em suas ocupações. A
inserção que o MTE se refere é para as “novas formas” de trabalho já discutidas anteriormente.
Portanto, a perspectiva é identificar o trabalhador qualificado inserido no mercado em
ocupações tais como: estágios, associações, cooperativas, micro empreendimentos, empregos
autogeridos etc., aplicando os novos conhecimentos e melhorando os ganhos de produtividade,
qualidade e renda.
A Tabela a seguir especifica as respostas dos egressos em relação às habilidades
desenvolvidas nos cursos de qualificação. Como se pode observar, são habilidades constitutivas
71
Como as categorias de análise da avaliação de egressos mudaram, por determinação do próprio Ministério, no
período avaliado, não foi possível realizar uma síntese dos três anos; por isso, os dados são apresentados por ano.
Mas sempre que possível apresenta-se dados gerais. Assim, as informações relativas aos egressos, analisadas neste
item, se referem às amostras definidas pela avaliação externa em cada ano.
186
da chamada teoria da aprendizagem do “aprender a aprender”, propostas pelo Programa, com
o intuito de qualificar o trabalhador à adaptabilidade e à estrutura do mercado de trabalho em
crise de emprego.
TABELA 6
Habilidades desenvolvidas pelo programa
Habilidades
Expressar o que pensa
Trabalhar em grupo
Iniciativa
Assumir responsabilidade
Buscar informações
Resolver problemas
Propor soluções
Realizar cálculos mais rapidamente
1996
74,8
84,8
77,8
76,2
78,5
76,4
71,6
42,1
Percentual de Egressos72
1997
1998
1999
75,0
75,7
83,9
82,1
81,1
91,6
76,6
70,3
81,5
74,5
67,6
82,5
81,8
78,4
88,7
74,0
67,6
84,4
72,4
75,7
81,7
44,2
39,9
26,5
2000
79,0
87,4
83,5
82,7
88,4
74,0
74,5
39,0
Fonte: Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Educação (2002). Relatórios de Acompanhamento de Egressos do PLANFOR/Ba - 1996
a 2000.
Como se pode observar, as respostas, de modo geral, são positivas, com exceção do
desenvolvimento da habilidade específica de resolver cálculos. Já em relação à utilidade dos
conteúdos dos cursos, demonstrada na Tabela a seguir, as respostas dos egressos, de modo
geral, são negativas, indicando, portanto, que o PLANFOR/BA representou um programa de
treinamento para os trabalhadores e não uma política de inserção ao mercado de trabalho.
TABELA 7
Opinião dos egressos sobre os cursos do PLANFOR/BA – 1996/2000
1996
1997
Os conteúdos são aplicados
no trabalho principal
36,8
32,8
na vida familiar
26,3
27,2
O curso trouxe
mudança na vida profissional
33,0
34,2
sentimento de maior preparo p/ o mercado
78,8
79,1
O curso contribuiu
p/ aumento salarial
p/ permanência no emprego
p/ obtenção de ocupação
p/ a montagem de negócio próprio
0,9
0,9
3,6
0,3
1,7
2,5
3,1
1,9
(%)
1998
1999
2000
35,1
20,0
67,3
26,2
60,8
54,5
43,9
83,8
30,7
85,6
14,9
86,0
2,0
1,5
3,9
1,5
18,9
59,3
14,5
1,7
13,3
24,0
24,4
SI
Fonte: Universidade Federal da Bahia, Faculdade s de Educação (2002). Relatórios de Acompanhamento de Egressos do PEQ/Ba - 1996 a 2000.
Nota: SI – Sem informação
72
O número de trabalhadores entrevistados foram os seguintes: 1.359 para 1996/97/98; 1.341 (Pólo Calçadista) e
570 para os outros cursos em 1999. Neste ano também foram entrevistados 91 empregadores; 508 em 2000.
Também foram entrevistados 94 empregadores.
187
A aquisição de conhecimentos através dos cursos de qualificação profissional,
segundo os próprios trabalhadores, não tem significado mudanças de ordem salarial, nem
mesmo influenciado para a assunção de melhores posições ou funções para os já empregados e
nem para a conquista de uma colocação para aqueles desempregados, com exceção de 1999.
Esses dados são elucidativos, agora na opinião dos próprios trabalhadores egressos,
do processo das metas definidas pelo programa, já que nem para a permanência no emprego o
curso contribuiu, pois na média dos 5 anos, apenas 18% responde positivamente. Na mesma
direção, 10%, na média do período, afirmaram que o curso contribuiu para obter ocupação.
No que se refere à contribuição para “montar um negócio próprio”, ocupação que
melhor expressa a empregabilidade e o empreendedorismo que o Programa afirma perseguir,
os resultados são mais pífios ainda, pois em média, apenas 1,4% dos egressos entrevistados
afirmaram positivamente sobre essa questão
O caso da “Demanda Fechada” no ano de 1999: um exemplo do emprego garantido pelas
empresas e não pelo PLANFOR/BA
As informações obtidas no Relatório de Avaliação Externa do PLANFOR/BA –
1999 são especialmente ilustrativas de um caso – exemplar – que demonstra o que se está
afirmando sobre o PLANFOR não ser uma política pública de emprego. Isto porque, neste
ano, diferente dos demais, o Programa atendeu a uma demanda do Pólo Calçadista,
executando o treinamento, através do SENAI, como única executora, de 4.708 trabalhadores,
representando 5% do total de treinandos e R$ 3.716.583, 00, correspondendo a 31% do total
de recursos investidos pelo FAT no Estado, oferecendo 115 turmas de variados cursos: corte de
calçados, corte e montagem de calçados, montagem de calçados, pré-fabricação de calçados,
preparação e costura de calçados. Os cursos de qualificação para o Pólo Calçadista ocorreram
nos municípios onde havia fábricas de calçados instaladas ou em municípios vizinhos a estes.
O resultado disso foi que 40% dos treinados, o maior índice do período, foram
encaminhados ao mercado de trabalho. Na realidade, a situação ocupacional dos egressos,
conforme Relatório referido, era que os trabalhadores já se encontravam em fase de experiência
nas fábricas ou tinham fortes possibilidades de serem contratados após os cursos. Os resultados
encontrados são os seguintes: o número de trabalhadores que se encontravam ocupados no ato
da inscrição, se quadruplicou no ato da entrevista (17,9% para 78,6%) e os desempregados
diminuíram (de 56,0% para 17,8%).
Além disso, o conjunto de trabalhadores do Pólo Calçadista apresentava uma
particularidade em relação aos demais egressos do PLANFOR/Ba, a maioria absoluta
188
trabalhava na mesma área em que fez o curso que freqüentou. Este fato decorre dos
mecanismos de seleção dos trabalhadores para os cursos, que passavam, necessariamente, pelo
crivo do Setor de Recursos Humanos das empresas envolvidas no projeto.
Os egressos ocupados representavam 78,6% da amostra de egressos dos cursos do
Pólo Calçadista e na sua maioria trabalhavam na indústria (97,9%) e um pequeno percentual
no comércio (2,1%). Prioritariamente, eram empregados do setor privado com carteira
assinada (87,5%), embora tenham sido encontrados trabalhadores do setor privado sem
carteira e cooperativados (ambos com 6,3%). Destes trabalhadores, 89,6% tinham uma
jornada de trabalho de mais de 40 horas semanais, enquanto que 10,4% trabalhavam entre 31
e 40 horas por semana.
Os cursos do Pólo Calçadista se caracterizavam por cursos de longa duração, na
sua maioria com carga horária superior a 240 horas (61,9%). Mesmo entre os cursos com
duração menor (23,8% da amostra) a carga horária nunca foi inferior a 60 horas, o que
representa uma real possibilidade de se trabalhar os conteúdos referentes às habilidades
específicas propostas por estes cursos.
Os dados coletados permitem concluir que há inegável impacto nos treinandos, do
ponto de vista da ocupação, dos cursos oferecidos ao Pólo Calçadista. Contudo, do ponto de
vista da remuneração por este trabalho, não parece ter havido mudanças significativas nos
rendimentos dos egressos, exceto para aqueles que não tinham renda e passaram a ganhar até
um S. M. Identifica-se, inclusive, um decréscimo na renda pessoal de 85,7% dos egressos que,
antes do curso recebiam entre um e três S. M. e na época da entrevista estavam recebendo até
um S.M. Só foi possível perceber um aumento de maior monta para um percentual de 7,1%
dos trabalhadores que, antes do curso, recebiam menos de um S. M. e no momento da
entrevista estavam recebendo de três a cinco Ss. Ms.
O perfil dos egressos dos cursos oferecidos para o Pólo Calçadista é o seguinte:
54,4% são homens e 47,6%, mulheres, predominam os jovens (66,5%) entre 18 e 25 anos,
com 75,0% de pardos/negros, a grande maioria com ensino médio incompleto ou completo,
morando com os pais (57,1%) e poucos (19,0%) chefes de família. A maioria é solteira
(67,9%), com famílias compostas por dois a cinco membros (70,3%).
Ainda que quase metade dos egressos (49,4%) não perceba nenhum efeito dos
cursos sobre sua vida familiar, há um percentual de 36,4% que atribuem “melhoria nas
condições de renda” após os cursos. Este percentual provavelmente se relaciona com os
ocupados em primeiro emprego que, a partir dos cursos, começaram a trabalhar.
189
E – Avaliação da Qualificação no Município de Salvador
Em 2001, também foram analisadas as execuções dos cursos em 41 municípios,
distribuídos nas 15 regiões econômicas do Estado. No sentido de fornecer mais elementos no
alcance dos objetivos desta tese, apresenta-se e comenta-se os resultados da avaliação nas quatro
dimensões (como realizada com os dados gerais), no Município de Salvador por ser o mais
representativo.
Neste ano foram aplicados em SALVADOR 16,74% do total de investimentos do
FAT no Estado, qualificando 28,25% dos inscritos através de 341 cursos de qualificação, nos
seguintes setores econômicos: administração pública, defesa e seguridade social, alojamento e
administração, artesanato, atividades financeiras, comércio, reparo de veículos, objetos pessoais e
domésticos, construção, educação, indústria de transformação, outros serviços sociais, coletivos e
pessoais, pesca, saúde e serviços sociais; serviços domésticos e transporte, armazenamento e
comunicações.
Como se pode observar na Tabela 6, cerca de 63% dos investimentos do FAT no
município foram para qualificar 23.623 trabalhadores (cerca de 56%) para o setor econômico
outros serviços coletivos, sociais e pessoais, coerente com os estudos sobre mercado de trabalho
que indicam ser este o setor que mais cresce em Salvador e foram envolvidas 18 instituições na
execução de 135 cursos. Desses cursos, 31 foram na área da informática, representando
63,17% do total de treinandos nesse setor econômico. A qualificação de 14.923 trabalhadores
na área de informática significou 54,16% dos investimentos nesse setor econômico e 34,47%
do total de investimentos na qualificação dos trabalhadores no Município de Salvador. A
Tabela 8 a seguir demonstra a distribuição de treinandos e investimentos por setor econômico.
TABELA 8
Número de treinandos e investimentos por setor econômico – Salvador – 2001
Treinandos
Setor Econômico
Nº
%
Saúde e serviços sociais
113
0,3
Alojamento e alimentação
275
0,6
Artesanato
1.600
3,8
Serviços domésticos
290
0,7
Comércio, reparo veículos, objetos pessoais e domésticos
2.131
5,1
Construção
1.258
3,0
Educação
150
0,3
Outros serviços coletivos, sociais e pessoais
23.623
56,6
Transporte, armazenamento e comunicações
1.565
3,7
Administração pública, defesa e seguridade social
8.516
20,4
Atividades financeiras
1.080
2,0
Indústria de transformação
101
0,2
Pesca
30
0,07
Total
41.732
100,00
Fonte: Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Educação, 2001.
190
Investimentos (mil R$)
R$
%
36,6
0,8
20,6
0,5
217,4
4,8
40.4
0,9
297.8
6,7
255.7
5,7
14.1
0,3
2.832.5
63,5
100.3
2,2
524.8
11,8
77.0
1,7
41.6
0,9
1.8
1,8
4.460.8
100,0
Ainda em relação aos cursos oferecidos para o setor de serviços coletivos, sociais e
pessoais, os dados revelam que somente uma única executora qualificou, através de três cursos
de informática, 11.550 trabalhadores que representaram 28,36% do total de treinandos do
município.
Em seguida vem o setor de administração pública, defesa e seguridade social com
cerca de 11% dos investimentos, qualificando cerca de 20% do total de inscritos nos cursos
oferecidos no município. Contudo, é estranho que os setores saúde e serviços sociais e
educação, juntos, tenham recebimento cerca de 1% dos investimentos do município, quando
se sabe da carência de serviços, especialmente, da saúde. Uma possibilidade, a ser investigada, é
o despreparo das executoras em ofertar cursos com conteúdos específicos e mais aprofundados
dessas áreas.
Esses dados merecem alguns comentários: 1) as executoras não realizaram estudos
para identificar as reais demandas do mercado de trabalho e a qualificação do trabalhador se
deu exatamente no sentido inverso às diretrizes do CODEFAT, conforme disponibilidades de
cursos nessas instituições; 2) a SETRAS também não identificou as demandas do mercado de
trabalho e as reais necessidades de qualificação do trabalhador, pois é um exagero, que Salvador
demande tantos trabalhadores qualificados em informática, ainda mais sabendo-se que a
maioria desses cursos foi de curta duração e com grande número de alunos por turma,
dificultando a aprendizagem, principalmente, por ser uma clientela com baixa escolaridade.
Por fim, trabalhadores com baixo poder aquisitivo, dificilmente, poderiam adquirir
computador e, portanto, aplicar/treinar o “aprendido”.
A Tabela abaixo especifica a distribuição de treinandos e recursos financeiros em
atendimento às pessoas vulneráveis.
TABELA 9
Número de treinandos e investimentos por “Grupos Vulneráveis - Salvador - 2001
Treinandos
Investimentos (mil R$)
Grupos Vulneráveis
Nº
%
Nº
%
Desocupados
13.461
32,2
1.307.5
29,3
À procura de 1º emprego
14.733
35,3
2.077.3
46,6
Autônomos
1.350
3,2
106.2
2,4
Cooperados
200
0,5
31.0
0,7
Empregados assalariados
2.401
5.8
286.6
6,4
Peq./microprodutores
281
0,7
3.3
Seguro-desemprego
790
1,9
124.2
2,8
Servidor público
8.516
21,4
524.8
11,8
Total
41.732
100,00
4.460.8
100,0
Fonte: Relatório de Avaliação Externa 2001
191
Como se pode observar na Tabela acima, 67,5% dos treinandos eram desocupados
e estavam a procura do 1º do emprego, onde foram investidos cerca de 76% dos recursos do
FAT no município. O grupo servidor público representou 20% dos treinandos, sendo
investidos cerca de 11% dos recursos. Os autônomos, cooperados e pequenos e
microprodutores representaram apenas 4,4% dos inscritos e são os segmentos mais típicos das
chamadas “novas formas de trabalho” para quem o Programa pretende qualificar.
Além disso, dos 341 cursos desenvolvidos em Salvador, nos diferentes setores
econômicos já citados, apenas 71 trabalharam as três habilidades como propõe o CODEFAT
em suas diretrizes, cerca de 70% dos trabalhadores só desenvolveram, nos cursos de
qualificação de 2001, a habilidade específica.
Considerando que, para o Ministério, o desenvolvimento das três habilidades de
aprendizagem está vinculado à compreensão de que os cursos de qualificação não garantem
emprego ao trabalhador, mas criam condições de empregabilidade, mais uma vez pode-se
concluir que nem mesmo esse objetivo foi cumprido.
192
6. O PLANFOR/BA NÃO É UMA POLÍTICA DE EMPREGO E RENDA
Neste item, toma-se como referência o que se propõe na metodologia deste estudo,
isto é, verificar a coerência interna e externa do PLANFOR, consistência de seus pressupostos e
diretrizes em relação a duas questões, quais sejam, os dados empíricos produzidos pela
avaliação externa e a produção acadêmica sobre o tema para responder a pergunta formulada
nesta tese: O Plano Estadual de Qualificação do Trabalhador – PLANFOR/BA é uma política
de emprego e renda nos anos 90?
Inicia-se analisando a coerência interna do PLANFOR a partir de suas três linhas
de atuação: 1) avanço conceitual; 2) articulação institucional e 3) apoio à sociedade civil no
sentido de demonstrar a articulação, ou não, entre as diretrizes do Programa e os achados
empíricos. Em seguida, discute-se a sua concepção e seus conceitos de qualificação, trabalho,
empregabilidade etc, à luz da Economia e da Sociologia do Trabalho. Por fim, com base nessa
discussão anterior, responde-se se o PLANFOR/BA é uma política de emprego e renda.
O avanço conceitual na qualificação profissional do trabalhador, proposto pela
SPPE/MTE, explicitado anteriormente, é parcialmente atendido pelo PLANFOR/BA – 19962001 porquê:
A grande maioria dos cursos oferecidos não atendeu as demandas reais do mercado de
trabalho e das necessidades da população-alvo do Programa, dada a inexistência de estudos
de mercado nos diferentes municípios, com exceção da RMS, onde o PLANFOR/BA
atuou, da inoperância das CMEs e da própria Comissão Estadual. Portanto, foram
pouquíssimos os cursos planejados a partir das demandas de mercado e social identificadas.
A grande maioria dos cursos também não desenvolveu de forma integrada as três
habilidades (básicas, específicas e de gestão) como determina o Ministério; ao contrário,
priorizou apenas a habilidade específica. O PLANFOR/BA – 2001 é um bom exemplo
para ilustrar essa questão. Dos 78.178 trabalhadores qualificados, cerca de 66% só
desenvolveram a habilidade específica nos cursos, apesar das características de parte dos
trabalhadores atendidos (autônomos e candidatos ao 1º emprego). Era de se esperar, que
fossem também desenvolvidas as habilidades básicas e de gestão como propõe o Ministério,
coerente com sua proposta de qualificação para a empregabilidade;
O único meio de qualificação do PLANFOR/BA foram os cursos, não concretizando a
proposta do Ministério que apresenta outras ações, como: treinamentos, assessoria,
extensão, pesquisas e estudos.
193
O PLANFOR/BA não atendeu de forma efetiva as diversidades sociais, econômicas e
regionais da PEA subvalorizando as pessoas com baixa escolaridade e maiores de 40 anos
de idade. O próprio MTE reconhece em seus documentos que há, em nível de Brasil,
sobre valorização de atendimento a pessoas entre 25-39 anos de idade, excedendo inclusive
sua participação na PEA, com perdas também na cobertura de pessoas com baixa
escolaridade.
Em relação à articulação institucional, o PLANFOR para qualificar 20% da PEA
ao ano precisa articular a capacidade e a competência de EP do país, envolvendo serviços de
entidades públicas ou privadas, nacionais ou internacionais, governamentais, nãogovernamentais e intergovernamentais. No caso da Bahia, os dados mostram que essa
articulação ocorreu de forma bastante significativa, pois houve uma diversidade de instituições
envolvidas (privadas, públicas, ONGs, entidades sindicais, Sistema “S”, universidades,
fundações etc), além do número crescente de executoras, a cada ano, de implantação do
Programa no Estado, construindo o que o MTE chama de “nova institucionalidade” da EP.
Contudo, as ações “casadas” (qualificação e intermediação, qualificação e crédito popular,
qualificação e comunidade solidária) com outros programas do governo ocorreram
pontualmente.
Quanto ao apoio à sociedade civil, terceira linha de ação do PLANFOR, expressa
através de: a) qualificação profissional para grupos prioritários da população-alvo, levando em
conta a situação de pobreza, baixa escolaridade, idade, raça/cor, sexo, deficiências físicas e
outros fatores de discriminação no mercado de trabalho; b) programação e execução de ações
de sensibilização e formação específica para os membros das CMEs/CEE, gestores, executores e
avaliadores do PLANFOR local, de modo que o combate à discriminação seja realizado de
maneira competente e coerente, desde a concepção até a execução dos projetos de qualificação
e c) garantia, através das CMEs/CEE, de que as demandas da sociedade civil organizada sejam
levadas em consideração no planejamento dos projetos de qualificação. Pode-se afirmar, pelos
dados analisados no período, que há uma realização parcial dessas ações, pois: 1) as pessoas
com baixa escolaridade, as maiores de 40 anos de idade e as com necessidades especiais tiveram
atendimento com limitações, na própria seleção e na oferta dos cursos; 2) a SETRAS não
promoveu de forma sistemática formas de sensibilização das CMEs/CEE, dos gestores e das
executoras no sentido de uma participação efetiva nos projetos de qualificação desde seu
planejamento até sua avaliação; 3) poucas demandas de qualificação da sociedade civil
organizada foram incorporadas ao PLANFOR/BA, dada a desarticulação entre a SETRAS e as
Comissões Tripartites.
194
Na análise da concepção do PLANFOR sobre qualificação profissional, trabalho,
empregabilidade e da produção acadêmica que trata dessas questões, encontram-se muitas
divergências. Sabe-se que as variações semânticas de designação dos processos de formação do
trabalhador não são neutras. O MTE a partir de 1995, através do Plano Nacional de Educação
Profissional (PLANFOR), passa a utilizar a expressão “educação profissional”, consolidada pela
Lei nº 9.394/96. Como já discutido no Capítulo 2 desta tese, essas noções expressam e
respondem a um conjunto de interesses diferenciados dentro da sociedade, que dependendo da
forma de apropriação e remetem a projetos e estratégias políticas adotadas pelos diferentes
sujeitos sociais.
As ações de formação profissional do PLANFOR, de acordo com o Ministério,
devem estar voltadas para as “novas formas” de trabalho, presentes na sociedade
contemporânea – trabalho temporário, associativo, cooperado, autônomo, autogerido.
Portanto, o MTE tem uma concepção de treinar e/ou qualificar os trabalhadores para essas
ocupações, isto é, as chamadas “novas formas de trabalho” e não para o emprego.
Os conteúdos da empregabilidade associados ao “novo trabalhador” e às “novas
formas” de trabalho valorizam, exatamente, as qualificações individuais tais como: iniciativa,
criatividade, capacidade de adaptação, flexibilidade, capacidade de solucionar problemas e de
lidar com o inesperado, dentre outras. Como alerta Druck (2001), essas qualidades exigidas do
“novo trabalhador” são típicas dos trabalhadores que vivem na informalidade ou na “solidão
do mercado”, onde a qualificação maior está na capacidade de enfrentar desafios e incertezas e
não mais no conhecimento do ofício e na sociabilidade do trabalho.
Para o governo, a qualificação para a empregabilidade é um instrumento de
desenvolvimento individual do trabalhador para sua inserção no mercado de trabalho. Neste
caso, Estado e patrões se desresponsabilizam por essas políticas, transferindo aos trabalhadores
a “culpa” pelo desemprego ou pela não inserção no mercado de trabalho. Como afirma Druck
(2001), a qualificação para a empregabilidade encontrou nessa concepção um sentido mais
perverso ainda, pois responsabiliza o indivíduo pelo seu desemprego.
No que se refere à análise da coerência externa do PLANFOR, pode-se constatar
uma incoerência nos pressupostos, diretrizes e ções. O PLANFOR toma como referência para
a qualificação do trabalhador as “novas formas” de trabalho existentes, hoje, na sociedade.
Portanto, embora o governo declare que é uma política de emprego, as diretrizes para a
qualificação estão dirigidas ao mercado de trabalho informal, ao trabalho sem proteção social.
Políticas de emprego, segundo vários estudiosos do tema (DEDECCA, 1999; POCHMANN,
1998, 1999, 2001; MATTOSO, 1995; FILGUEIRAS, 1997, 1998; DIEESE, 1994, 1997)
195
com objetivo de combater os velhos e novos problemas, do mercado de trabalho, seguem em
outra direção, pois exigem ações políticas que respondam aos velhos problemas como a
reforma agrária, desconcentração de renda e investimentos em infra-estrutura, o que,
necessariamente, demanda um outro modelo de política econômica para o país. E,
reconhecendo os novos tipos de desemprego, decorrentes da reestruturação produtiva e da
globalização, esses estudiosos apresentam alternativas, tais como: a flexibilização inclusiva do
mercado por intermédio de contratos de trabalho por tempo parcial, a reformulação do ensino
básico, a redução ampla da jornada de trabalho, programas de pré-aposentadoria etc, as quais
se inscrevem num marco de políticas públicas de alcance universal, pois objetivam a inclusão
do trabalhador no mercado de trabalho formal com direitos e proteção social.
As políticas sociais do governo Cardoso foram em direção oposta ao exposto
acima, pautadas em programas de qualificação de mão-de-obra e de crédito e geração de renda
destinadas a grupos de trabalhadores pobres, portanto focalizadas e dirigidas a uma
determinada “clientela”, ou como diz Pochmann (1998), políticas para o mercado de trabalho
e não para o emprego.
Na ideologia empresarial e do governo, a qualificação, a empregabilidade e a
competência são formas de inserção de homens e mulheres que são responsabilizados por sua
precarização e pela falta de oportunidades de emprego. Assim, em nome das exigências do mercado
e da competitividade, da globalização, da modernização tecnológica e organizacional, a classe
dominante brasileira desenvolve uma política em relação ao trabalho e ao emprego que é marcada
pela perversidade e por uma relação de forças desfavorável aos trabalhadores que, fragilizados pelo
desemprego e pela informalidade e precarização, não conseguem romper com esse quadro
(DRUCK, 2001).
Em última análise, essas concepções e políticas de qualificação escondem uma
profunda violência ideológica que passa a idéia de que o Estado burguês, os “homens de negócio” e
os seus intelectuais coletivos cumpriram seu dever oferecendo escola de qualidade total. Aqueles
que não encontram emprego ou são expulsos do mercado, o são por incompetência ou por não
terem acertado as escolhas, ou seja, as vítimas do sistema excludente viram os algozes de si mesmos
(FRIGOTTO, 2001).
Nos seis anos de implementação no Estado, no qual foram investidos cerca de 99
milhões de reais para qualificar, aproximadamente, 920 mil trabalhadores, os resultados foram
pífios. É o que se pode afirmar ao confrontar esses investimentos com as taxas de desemprego
na RMS, no período analisado, cuja evolução foi: em 1996, 20,3%, em 1997, 21,7%, em
196
1998, 24,9%, em 1999, 27,7%, em 2000, 26,6% e em 2001 27,5%, consideradas as mais
altas na história da RMS e as mais altas do Brasil.
Assim, levando-se em consideração os resultados da avaliação externa e os do
próprio Ministério, bem como o quadro do mercado de trabalho na RMS, especialmente as
taxas de desemprego, conclui-se que o PLANFOR/BA não foi uma política pública de
emprego. Com limitações, pode ser considerada uma política de qualificação. Também não se
pode afirmar que seja uma política de qualificação para o mercado de trabalho, como define o
TEM, porque os cursos não foram planejados conforme as demandas do mercado de trabalho
e às necessidades da população. Além disso, não desenvolveram as três habilidades integradas.
Portanto, o PLANFOR/BA não pode ser considerado um programa de qualificação para o
mercado.
As políticas econômicas monetaristas, fundamentadas no ideário neoliberal,
buscam desvencilhar o Estado dos compromissos que asseguram a coesão social, papel que lhe
coube no modo de regulação fordista. Assim, o contexto tem sido de extrema insegurança e
inquietação, particularmente para aqueles que sobrevivem da venda de sua força de trabalho.
O aumento indiscriminado do desemprego, atingindo trabalhadores qualificados e
sem qualificação, com alta e baixa escolaridade, homens, mulheres e jovens, e a banalização do
trabalho precarizado, na sua forma temporária, parcial, terceirizada e desregulamentada,
evidenciam a revalorização pelo capital de estratégias de extração de mais-valia absoluta,
arrefecidas pelas conquistas trabalhistas e pelo movimento das forças produtivas.
Os novos critérios e as normas de qualidade, produtividade competitividade, têm
sido o principal argumento do discurso dominante, que ressalta a necessidade de integração
dos trabalhadores ao esforço de obtenção de sucesso das empresas em que trabalham. Assim, os
trabalhadores e suas organizações são empurrados ao defensismo, pois são envolvidos com
problemas que exigem soluções imediatas. Essa atitude reativa impede-os de compreender o
quadro atual e de propor alternativas coerentes e viáveis a esse processo de crise, resultando na
consolidação e no fortalecimento do sindicalismo funcional à ordem capitalista, em detrimento
de proposições classistas, apontando para a perspectiva de superação do sistema dominante.
No contexto da globalização, da reestruturação produtiva e do neoliberalismo, o
Brasil, com a política de estabilização associada ao Plano Real, acompanhada das mudanças na
forma de atuação do Estado na economia, nas relações econômicas internacionais, na estrutura
dos setores industrial e financeiro e do mercado de trabalho, cria uma barreira intransponível
entre estabilidade monetária e desenvolvimento, agravando o desemprego, aprofundando a
197
dependência externa do país e fragilizando financeiramente o Estado. Portanto, enfraquecendo
sua capacidade de adotar políticas públicas universais.
No âmbito dessa nova regulação social a ação do Estado tem um caráter pontual e
focalizado. No fordismo, a intervenção do Estado na regulação dos fatores de produção tinha
como base a teoria keynesiana, na “acumulação flexível” as bases são as políticas econômicas
neoliberais, portanto, a lógica é outra.
O Ministério do Trabalho ao tomar a noção de empregabilidade como
fundamento, faz do mercado a focalização dos processos regulatórios da formação profissional,
reduzindo o processo educativo a forma instrumental para obtenção de emprego e renda. Essa
noção colabora para romper com o sentido universalista das políticas públicas universais,
sobretudo as concernentes às relações de trabalho e de formação.
Os dois conceitos constitutivos do PLANFOR – formação de competências para
possibilitar ao trabalhador a empregabilidade são incompatíveis com políticas de emprego,
pois seus conteúdos valorizam qualificações individuais para inserção no mercado de trabalho
informal. Como já foram explicitadas, essas qualidades são típicas dos trabalhadores que vivem
na informalidade ou na “solidão do mercado”, hoje, a grande maioria dos trabalhadores
brasileiros. Na verdade, competências e empregabilidade são velhos “modelos”, como
identifica Druck (2001), associados à precarização do trabalho e do emprego, típicos de países
subdesenvolvidos, mais do que da revolução tecnológica e de novos padrões de organização do
trabalho. A flexibilização do trabalho significa mais que a perda dos direitos e garantias sociais,
significa a perda de vínculos, onde o indivíduo é tudo e o coletivo perde sentido. Portanto, esse
Programa tem como objetivo, possibilitar ao trabalhador auferir alguma renda através de sua
inserção no mercado informal de trabalho, precarizado e desregulamentado.
Assim, a política de qualificação, cujos supostos são competências e
empregabilidade, pode ser caracterizada como uma política de “inserção” como define Castel
(1998), pois elege os “inadaptados sociais”, os “incapazes” de acompanhar a dinâmica da
sociedade salarial como população-alvo do Programa. Portanto, é uma política focalizada,
como afirma Pochmann (1998), e não uma política de emprego e renda, pois não é sistêmica e
não está associada com a política macroeconômica, comprometida com o pleno emprego.
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213
ANEXO I
ATRIBUIÇÕES DOS ÓRGÃOS FEDERAL, ESTADUAL E MUNICIPAL
CODEFAT - deliberar sobre objetivos, metas, alocação de recursos e diretrizes estratégicas;
fixar o orçamento anual e distribuição de recursos para os PEQs; acompanhar e avaliar a
execução global do PLANFOR e articular parcerias para obtenção de recursos adicionais;
SPPE/MTE – elaborar diretrizes e termos de referência em sintonia com o CODEFAT;
acompanhar e supervisionar os PLANFORs; gerenciar convênios e processos de prestação
de contas e negociar para obtenção de recursos adicionais;
STbs – elaborar o Plano Estadual de Qualificação em sintonia com o FAT/MTE e
CEEs/CMEs; firmar convênio com o MTE para execução dos Planos esdaduais; contratar,
acompanhar e supervisionar a execução e a avaliação das ações dos PLANFORs; gerenciar
convênios/contratos e processos de prestação de contas; mobilizar e selecionar os
participantes dos programas e negociar parcerias para obtenção de recursos adicionais;
Comissões Estaduais de Emprego (CEEs) – monitorar e coordenar as demandas da
UF/Municípios; negociar prioridades de atendimento; homologar os PLANFORs
(programas, metas e recursos); monitorar a execução global do PLANFOR e articular para
obtenção de recursos adicionais;
Comissões Municipais de Emprego (CMEs) – monitorar e coordenar as demandas locais,
atuando como “antenas” ou “observatório” das tendências da economia e do mercado de
trabalho; fixar prioridades de atendimento; monitorar a execução das ações de qualificação
no município e articular parceiras para obtenção de recursos adicionais;
Entidade Executoras dos cursos (REP) – detalhar o conteúdo técnico-programático das
ações de qualificação e projetos especiais de acordo com as diretrizes do PLANFOR/FAT;
mobilizar e selecionar os participante, sob orientação da STb; desenvolver as ações
previstas, prestando informações solicitadas; prestar contas, na forma da legislação vigente
e negociar parceiras para ampliação dos recursos.
214
Download

O PLANO DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL DO TRABALHADOR