Público 23/04/12 Posição do artigo 23 Abr 2012 Edição Público Lisboa Alexandra Campos Consultas nos hospitais psiquiátricos de Lisboa e Porto aumentaram Há doentes que se tratavam nos consultórios privados que estão agora a recorrer às unidades públicas. Especialistas alertam, porém, que ainda é cedo para tirar conclusões Da página 48O número de consultas nos dois hospitais psiquiátricos de Lisboa e Porto aumentou em Janeiro deste ano face ao mês do ano passado, revelam os dados da monitorização da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS). No Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa (CHPL), o crescimento foi superior a 15%, enquanto no Hospital de Magalhães Lemos (HML), no Porto, atingiu quase 17%. Os dados estão neste momento a ser avaliados pelos responsáveis das unidades de saúde, mas todos sublinham que ainda é demasiado cedo para tirar conclusões. ENRIC VIVES-RUBIOCom o desemprego aumentam a depressão e a ansiedade, mas os especialistas dizem que ainda é cedo para tirar conclusões O director clínico do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, António Daskalas, admite apenas que tem havido um aumento no número de consultas, irregular, mas considera que qualquer interpretação é precoce. “Ainda não estão esclarecidos os porquês”, acentua. No Hospital de Magalhães Lemos fizeram-se mais 1121 consultas entre Janeiro e Março do que no mesmo período de 2011. As primeiras consultas também aumentaram um pouco, à semelhança do que aconteceu com os internamentos (este último fenómeno decorre em grande parte do aumento da área de influência do HMG). Para o presidente do conselho de administração do hospital, António Leuschner, a situação poderá ser explicada não apenas por um aumento da morbilidade, mas, eventualmente, devido à transferência de alguns doentes do sector privado para o público. “Estamos a tentar encontrar justificações [para este fenómeno]”, acrescenta o director clínico do hospital, Joaquim Ramos, que acredita haver aqui “uma conjugação de factores”. “Dá-me a sensação de que está a haver alguma migração do privado para o público”, admite também. As perturbações ansiosas e depressivas aumentaram ligeiramente e há episódios de internamento mais graves. O psiquiatra Pedro Varandas, que não trabalha no sector público há quatro anos e já passou pelo sector privado (Hospital dos Lusíadas), avança com três razões que poderão justificar este aumento da procura: “A melhoria dos registos dos actos médicos, a transferência do privado para o público” e, finalmente, “a crise”. “Tenho muitos colegas com consultórios privados que vêem reduzida para metade ou menos a frequência das [suas] consultas. Os doentes faltam muito ou marcam consultas espaçadamente”, afirma, notando que cada visita ao psiquiatra custa 80 a 90 euros. Confrontado com o aumento do número de consultas em Janeiro, o coordenador nacional da saúde mental, Álvaro Carvalho, defende que ainda “é muito cedo para tirar conclusões”. “Um mês não é um intervalo suficiente para se apreciar uma tendência “, sublinha o psiquiatra, que garante não ter, por enquanto, indicadores que apontem para um aumento generalizado da procura nos serviços de psiquiatria dos hospitais e não acredita que se esteja “à beira de um cataclismo”. “É preciso fazer uma avaliação, com calma”, defende o presidente do colégio da especialidade de Psiquiatria da Ordem dos Médicos, Marques Teixeira, para quem, se estes números se mantiverem, isso poderá traduzir “uma falência do sistema comunitário que devia estar implementado e não está”. Com o desemprego aumentam a depressão e a ansiedade, destaca Pedro Varandas. E, se há pessoas que até funcionam em sentido contrário — “as crises também mobilizam energias que estavam escondidas” —, existem outras, mais vulneráveis, que se deprimem. E é aqui que pode entrar o problema do suicídio, alerta o psiquiatra. Por isso é que há que aumentar o apoio social, mas “não é isso que está a acontecer”.” Era necessário criar programas de consultas, terapias de grupo, estabelecer articulação entre saúde mental e áreas de apoio social”, defende.