editorial.
Dia 11 de junho assistimos à III Jornada do Percurso de Psicanálise de
Crianças, quando foram apresentados os escritos que podemos ler nesta
edição do Correio. Deles destacamos a diversidade nas trajetórias e os efeitos de transmissão, evidentes no cuidado teórico e clínico que dão a ler,
para além de um movimento de encerramento, o passo de abertura necessária ao saber psicanalítico.
“Podemos ouvir aqui no exercício de autoria a implicação na
construção de um escrito que articula saber no confronto com a
demanda e a falta que o funda. Parafraseando nossa colega Liz
Ramos, ‘não há lugar de estudo e produção que não tenha que lidar
com os limites do saber, porque o saber que nos importa é de natureza inconsciente, e este sempre nos escapa em alguma medida’.
O Percurso em Psicanálise de Crianças propicia um trabalho e
uma interlocução com as diferentes especificidades clínicas que
intervêm na infância. Esse encontro das diferenças tende a criar
uma impermeabilidade nas bordas que delimitam as fronteiras
de cada área de atuação, que ilumina e esclarece o específico de cada
intervenção, seja da fonoaudiologia, da estimulação precoce, da
psicopedagogia, da pedagogia, da psicomotricidade e demais.
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Debruçar-se sobre o estudo psicanalítico de como nasce um
sujeito e como ele se subverte é preponderante para quem se ocupa do campo da infância, o que não se espera é que essa formação
acabe com as diferenças e deixe de ser um atravessamento simbólico para tornar-se uma colagem imaginária.
Parabéns aos que se sentiram convocados a trazerem suas elaborações e ousaram compartilhá-las conosco.” (Beatriz Kauri dos
Reis, encerramento da Jornada).
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Agende-se
V CONGRESSO INTERNACIONAL DE CONVERGENCIA
O ato psicanalítico e suas incidências clínicas,
políticas e sociais
22, 23 e 24 de junho de 2012
Porto Alegre/RS – Brasil
A Psicanálise é uma prática discursiva cujos efeitos podem ser observados na clínica e também na vida cotidiana há mais de um século. Suas
posições inovadoras, mesmo subversivas, sempre foram objeto de discussão dentro e fora das instituições psicanalíticas. As incidências do trabalho
com o inconsciente mostram que a escuta do sintoma é possível considerando que este é sinal do sujeito e não manifestação de doença. Ora, nestes
tempos de exigência de gozo imediato e de discursos fundamentalistas,
face ao inevitável mal-estar na cultura, um tratamento que não ofereça cura
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milagrosa ou consolo permanente coloca-se como referência ética de que os
atos de palavra são transformadores.
As associações e os psicanalistas reunidos em Convergencia – movimento lacaniano para a psicanálise freudiana – consideram que as articulações entre o sujeito e sua polis são indissociáveis; pois o psicanalista
é permeável aos discursos e, para que a psicanálise possa avançar em sua
prática e teoria, faz-se necessário um exame permanente das consequências de seus atos.
No V Congresso Internacional de Convergencia que acontece em
Porto Alegre, teremos oportunidade de renovar esta aposta. Um momento
de encontro e debate sobre os efeitos do ato psicanalítico na clínica das
neuroses, das psicoses e das perversões. Acontecimento onde os psicanalistas podem dar conta da sustentação de seu ato nos mais diversos
âmbitos – consultórios, ambulatórios, hospitais e outros cujo lugar de
reunião é uma oportunidade para compartilhar a experiência. Além disto,
temos espaço para verificar os efeitos do ato no social, a experiência do
encontro do discurso psicanalítico com as políticas públicas, sejam elas
educacionais, culturais, ou de saúde mental.
Um significante lançado ao mundo não é mais individual, afirmava
Jacques Lacan em diversos momentos ao retomar o legado de Freud. Cada
analista tem responsabilidade com a psicanálise ao sustentar em sua escuta os desdobramentos do fantasma na atualidade. Ao mesmo tempo,
interrogar a política dos enlaces no campo psicanalítico faz parte de sua
formação. Além disto, a transmissão do discurso psicanalítico está aberta
às incidências do ato criativo, fazendo eco à potencia do discurso em seu
esburacamento do real.
Convidamos a participar deste evento, no qual psicanalistas de diferentes línguas, formações e transferências estão dispostos ao diálogo e a
relançar o ato inaugural que nos faz sustentar o que é a psicanálise.
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Eixos de trabalho
• As formas do tratamento psicanalítico na atualidade – o ato analítico. (Incidências Clínicas)
• A intervenção clínica da psicanálise nas políticas públicas; a política das instituições psicanalíticas; a política do desejo in-mundo.
(Incidências Políticas)
• Como formular o mal-estar na cultura hoje? O ato analítico frente ao
mal-estar contemporâneo. O laço social frente ao individualismo,
gozo e sofrimento. (Incidências Sociais)
• O ato e a criação do novo na cultura.
Instituições convocantes
Apertura(Espanha), Après-Coup Psychoanalytic Association (EUA),
Acte Psychanalytique (Bélgica), Analyse Freudienne (França), Associação
Psicanalítica de Porto Alegre (Brasil), Círculo Psicoanalítico Freudiano
(Argentina), Cartels Constituants de L’Analyse Freudienne (França), Centre
Psychanalytique de Chengdu (China), Colégio de Psicanálise de Bahia
(Brasil), Corpo Freudiano do Rio de Janeiro Escola de Psicanálise (Brasil),
Dimensions de la Psychanalyse (França), Escola Lacaniana de Psicanálise
do Rio de Janeiro (Brasil), Escuela Freud-Lacan de La Plata (Argentina),
Escuela de Psicoanálisis Lacaniano (Argentina), Escuela de Psicoanálisis
de Tucumán (Argentina), Escuela de Psicoanálisis Sigmund Freud-Rosario
(Argentina), Escuela Freudiana de Buenos Aires (Argentina), Escuela
Freudiana de la Argentina (Argentina), Escuela Freudiana de Montevideo
(Uruguai), Escuela Freudiana del Ecuador (Equador), Espace Analytique
(França), Espaço Psicanálise (Brasil), Fédération Européenne de Psychanalyse et École Psychanalytique de Strasbourg (França), Grupo de Psicoanálisis
de Tucumán (Argentina), Insistance (França), Intersecção Psicanalítica do
Brasil (Brasil), Laço Analítico Escola de Psicanálise (Brasil), Lazos Institución
Psicoanalítica (Argentina), Le Cercle Freudien (França), Letra, Institución
Psicoanalítica (Argentina), Maiêutica Florianópolis (Brasil), MayeuticaInstitución Psicoanalítica (Argentina), Nodi Freudiani Associazione Psicaagosto 2011 l correio APPOA
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nalítica (Itália), Praxis Lacaniana Formação em Escola (Brasil), Psychanalyse
Actuelle (França), REAL 50; Red Analítica Lacaniana (México), Seminario
Psicoanalítico (Argentina), Trieb Institución Psicoanalítica (Argentina),
Triempo Institución Psicoanalítica (Argentina).
Realização: Convergencia – Movimento Lacaniano para a Psicanálise
Freudiana
Informações e inscrições: Associação Psicanalítica de Porto Alegre –
APPOA – www.appoa.com.br
QUADRO DE ENSINO 2011
O Ensino da Associação Psicanalítica de Porto Alegre é composto
por diferentes modalidades de trabalho.
A cada ano um tema reune o eixo das atividades e eventos maiores,
bem como encontros de estudos sistemáticos. As demais atividades compreendem Seminários, Grupos de Estudo Temáticos e Textuais; Seminários
e Grupos de Estudo em conjunto com o Instituto APPOA; Núcleos de Estudo, Oficinas de Estudo, Exercícios clínicos, Percurso de Escola, Percurso
em Psicanálise de Crianças, Jornadas e Eventos Principais.
Abaixo constam informações resumidas sobre o ensino a se iniciar em
março deste ano (exceto aquelas que têm data de início indicada) – disponíveis também no site da Associação – www.appoa.com.br. Mais detalhes podem ser obtidos junto à Secretaria, R. Faria Santos, 258, tel 51 3333 2140.
Eixo de trabalho do ano
Encontros de estudo do Seminário O Ato Psicanalítico, de Jacques Lacan
Coordenação: Carlos Kessler, Ester Trevisan, Fernanda Pereira Breda e
Mario Corso.
Quintas-feiras, 21h, reuniões quinzenais, gratuitas e abertas aos interessados. Próximas datas: 11/08, 25/08, 15/09, 13/10, 27/10.
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Seminários
Clínica psicanalítica na contemporaneidade
Coordenação: Rosane Ramalho
Segunda-feira, 20h30min, mensal.
Estudo do Seminário O Sinthoma
Coordenação: Adão Costa
Segunda-feira, 10h, semanal (Pode ser acompanhado por videoconferência)
Lacan e nós
Coordenação: Ligia Victora
Sexta-feira, 18h15 às 20h15, quinzenal (2ª e 4ª sextas-feiras do mês)..
Os vinte conceitos fundamentais de Lacan
Coordenação: Alfredo Jerusalinsky
Quarta-feira, 20h30min, quinzenal (1ª e 3ª quartas-feiras do mês).
Adolescência
Coordenação: Ieda Prates da Silva e Ângela Becker
Sábado, 10h, mensal, em Novo Hamburgo.
Ato analítico: suas incidências clínicas e no laço social
Coordenação: Ana Costa, Maria Cristina Poli, Rosane Ramalho
Dia e horário a serem definidos. Rio de Janeiro.
A Psicanálise na clínica com crianças
Coordenação: Alfredo Jerusalinsky
Bimensal, em Buenos Aires.
A psicossomática na interdisciplina e a transdisciplina
Coordenação: Jaime Betts
Sábado, 10h, mensal, em Novo Hamburgo.
As três epistemes fundamentais de Lacan
Coordenação: Alfredo Jerusalinsky
Mensal, em São Paulo.
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Problemas da clínica psicanalítica
Coordenação: Alfredo Jerusalinsky
Sábado, 17h30, mensal, em São Paulo.
Seminário clínicos
Coordenação: Luis Fernando Lofrano de Oliveira, Silvia Raimundi Ferreira
e Volnei Antônio Dassoler
Sábado pela manhã (data a combinar), bimensal, em Santa Maria.
Grupos Temáticos
A constituição do sujeito
Coordenação: Carmen Backes
Sexta-feira,10h30min, quinzenal.
As formações do inconsciente
Coordenação: Gerson Smiech Pinho
Sexta-feira, 16h15min, quinzenal. (2ª e 4ª sextas-feiras do mês).
Clínica psicanalítica: alguns conceitos fundamentais
Coordenação: Carmen Backes
Sexta-feira, 14h30min, quinzenal.
Contribuições da Psicanálise à Educação
Coordenação: Aidê Deconte
Segunda-feira, 14h, quinzenal.
Feminino e feminilidade: atualidade clínica de um mal-estar
Coordenação: Liz Nunes Ramos e Maria Rosane Pereira
Segunda-feira, 10h, quinzenal.
História da Psicanálise
Coordenação: Ana Maria Gageiro e Maria Lúcia M. Stein
Segunda-feira, 20h, quinzenal.
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Inconsciente e transferência
Coordenação: Adão Costa
Segunda-feira, 8h30, quinzenal. Início em março. (Pode ser acompanhado
por videoconferência)
Literatura e Psicanálise
Coordenação: Marieta Madeira
Quarta-feira, 19h, mensal (3ª quarta-feira do mês).
Percurso pela fantasia em Freud e Lacan
Coordenação: Fernanda Pereira Breda e Simone Goulart Kasper
Sexta-feira, 14h, quinzenal. Início em agosto.
Psicanálise e música
Coordenação: Heloisa Marcon
Segunda-feira, 19h30, quinzenal.
A infância e a clínica psicanalítica
Coordenação: Ieda Prates da Silva e Larissa Costa B. Scherer
Terça-feira, 19h30, quinzenal, em Novo Hamburgo.
A constituição do sujeito e as estruturas clínicas
Coordenação: Luciane Loss Jardim
Sextas-feiras, das 10h30 às 12h, semanal, em Campinas - SP.
Analisar uma criança: constituição subjetiva e clínica da infância
Coordenação: Mercês Ghazzi e Siloé Rey
Sábado, 14h, quinzenal, em Osório.
Sábado, 16h30, quinzenal, em Osório.
A Psicanálise enquanto dispositivo clínico no contexto psicossocial
Coordenação: Volnei Antonio Dassoler
Sábado, às 9h, mensal, em Santa Maria.
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Como nasce um sujeito? A infância em seus primórdios
Coordenação: Simone Mädke Brenner
Quinta-feira, 20h, mensal, em Novo Hamburgo (2ª quinta-feira do mês).
Conceitos fundamentais da Psicanálise
Coordenação: Rosane Ramalho
Terça-feira, 18h15, quinzenal, no Rio de Janeiro.
Diálogos entre Psicanálise e Arte: o olhar
Coordenação: Sílvia Raimundi Ferreira
Terça-feira, 19h, quinzenal, em Santa Maria. (Primeira e terceira terça-feira
do mês)
Fundamentos da Psicanálise lacaniana: teoria e clínica
Coordenação: Marianne Stolzmann Mendes Ribeiro
Segunda-feira, 19h30, mensal, em Novo Hamburgo.
Fundamentos Psicanalíticos: de Freud a Lacan
Coordenação: Márcia Goidanich e Rossana Oliva Braghini
Segunda-feira, 17h30, quinzenal, em Passo Fundo.
Os casos clínicos de Freud e os conceitos fundamentais da Psicanálise
Coordenação: Luciane Loss Jardim
Terças-Feiras, 8h, semanal, em Campinas – SP.
Grupos textuais
A direção do tratamento na clínica psicanalítica com a perversão
Coordenação: Norton C. da Rosa Jr
Sexta-feira, 14h, quinzenal.
Estudo do Seminário As Psicoses, de Jacques Lacan
Coordenação: Otávio Augusto Winck Nunes
Quarta-feira, 12h30, quinzenal.
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Jornada do Percurso em Psicanálise de Crianças.
Seminário XIV, de Lacan: A lógica do fantasma
Coordenação: Maria Auxiliadora Südbrack
Sextas-feiras, 16h, semanal.
Seminário XVI, de Lacan: De um Outro ao outro
Coordenação: Maria Auxiliadora Südbrack
Quinta-feira, 14h, quinzenal.
Caso Schreber, de Freud
Coordenação: Ana Clair F. Munaretto
Semanal, em Manaus - AM.
Escritos, de Jaques Lacan
Coordenação: Luis Fernando L. de Oliveira
Quarta-feira, 20h, quinzenal, em Santa Maria.
Lendo Jaques Lacan
Coordenação: Otávio A. Winck Nunes e Siloé Rey
Sábado, 14h, mensal, em Criciúma - SC
Seminário XV de Lacan: O Ato Analítico
Coordenação: Charles Elias Lang e Ana Sílvia Espig Lang
Quintas-feiras, 19h30, semanal, em Maceió - AL.
“Psicose, autismo e falha gocnitiva”, de J. Bergès e G. Balbo
Coordenação: Ana Clair F. Munaretto
Semanal, em Manaus - AM.
Seminário X, A Angústia, de Lacan
Coordenação: Sidnei Goldberg
Quarta-feira, 10h30, quinzenal, em São Paulo.
Quarta-feira, 20h30, quinzenal, em São Paulo.
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Núcleos de estudo
Núcleo das psicoses: apresentação de pacientes (com Alfredo Jerusalinsky)
Responsáveis: Ester Trevisan, Maria Ângela Bulhões, Mário Corso, Nilson
Sibemberg e Rosane Ramalho
Atividade em conjunto com o Cais Mental Centro
Datas a confirmar.
Núcleo de Psicanálise de crianças
Sábado, 10h, reuniões mensais (2º sábado do mês).
Responsáveis: Ana Laura Giongo, Beatriz Kauri dos Reis, Eda Tavares,
Gerson Smiech Pinho, Ieda Prates da Silva, Maria Lúcia Stein e Simone
Mädke Brenner.
Núcleo passagens – Sujeito e Cultura
Responsáveis: Ana Costa, Edson Sousa e Lucia Serrano Pereira
Datas a confirmar. Atividade integrada ao Instituto APPOA.
Oficinas
Topologia
Coordenação: Ligia Víctora
Sábado, 10h, semestral.
Letraviva
Atividade da Comissão da Biblioteca, com leitura e discussão de trabalhos
elaborados por colegas da APPOA.
Semestral.
Sarau
Sarau Freud e os escritores – Leitura poética de poemas e pensamentos
dos escritores precursores de Freud
Coordenação: Lenira Balbueno Fleck
Próximos: 21/08 e 16/10, domingos, 17h. Na Livraria Cultura, Porto Alegre.
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Atividades do Instituto APPOA
Clínica, Intervenção e Pesquisa em Psicanálise
Linhas de trabalho
Cuidado à primeira infância: Psicanálise e intervenção
Coordenação: Inajara Amaral e Renata Almeida
Segunda-feira, 20h30min, quinzenal.
Incidências subjetivas e sociais das mudanças de país, língua e cultura
Coordenação: Ana Costa e Jaime Betts
Encontros na 1ª quarta-feira de cada mês, 20h.
O desejo do analista nas práticas institucionais
Coordenação: Carlos Kessler, Liz Ramos e Siloé Rey
Reuniões a combinar.
Passagens: sujeito e cultura
Coordenação: Lucia Serrano Pereira e Robson de Freitas Pereira
Encontros a combinar.
Psicanálise, Políticas Públicas e Saúde Mental
Coordenação : Ester Trevisan, Norton C. da Rosa Jr, Tatiane Vianna
Encontros no 3º sábado de cada mês, 10h.
Psicanálise e justíça
Coordenação: Eduardo Mendes Ribeiro, Márcia Ribeiro
Encontros a combinar.
Seminários
A ficção na Psicanálise: Freus, Lacan e os escritores
Coordenação: Lucia Serrano Pereira
Sábado,10h, mensal.
Próximos: 27/08, 24/09 e 22/10.
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Clinicando
Coordenação: Ana Costa
Sábado, 10h, mensal (1° sábado do mês). Início em agosto.
O Divã e a Tela
Coordenação: Enéas de Souza e Robson de Freitas Pereira
Sexta-feira, 19h, mensal. Início em abril.
Próximos: 19/08, 16/09, 21/10 e 18/11
Os Quatro Discursos – uma leitura do Seminário 17: O Avesso da Psicanálise, de Lacan
Coordenação: Maria Cristina Poli e Simone Moschen Rickes
Encontros a combinar.
Rodas de conversa
Psicanálise e Justiça
Coordenação: Eduardo Mendes Ribeiro e Márcia Ribeiro
Encontros a combinar.
Rodas de conversa com o Simpro
Coordenação Roséli Cabistani
Encontros bimensais.
Rodas de conversa com a Escola de Saúde Pública
Coordenação: Ester Trevisan, Marta Conte, Norton C. da Rosa Jr e Tatiane
Vianna
Encontros a combinar.
Grupos Temáticos
A Prática Analítica nas Instituições
Coordenação: Clara Von Hohendorff
Quinzenal, em Blumenau – SC.
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Liderança e poder nas relações de trabalho: uma leitura psicanalítica
Coordenação: Rosana Coelho
Quarta-feira, 19h30min, quinzenal.
Oficinas
Diálogos sobre as complexas facetas da exclusão
Coordenação: Sandra Torossian e Janete Nunes Soares
Quinta-feira, 19h, mensal. (2° quinta-feira do mês)
Exercícios clínicos
Atividade aos sábados pela manhã
Encontros a combinar
Próximo evento do ano
Jornada do Instituto APPOA
Data: 30 de setembro, 01 e 02 de outubro
Local: Ritter Hotéis - Porto Alegre/RS
Percurso de escola
Turma X
Quinto semestre: Transferência
Sexto semestre: Temas cruciais da Psicanálise
Turma XI
Terceiro semestre: Narcisismo e identificação
Quarto semestre: Sintoma
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Um ou dois tempos antes do enigma
Daniel Castilhos1
Todos lemos a nós e o mundo a nossa volta para vislumbrar o que
somos e onde estamos. Lemos para compreender, ou para começar
a compreender (Manguel, 1997).
O que ocorre com uma criança que fica alheia a leitura de si e do mundo ao seu redor? O que ocorre quando não reconhece sua imagem?
Eis aí, uma questão oriunda de um atendimento clínico de um menino
de sete anos de idade, onde os aspectos da leitura de um outro produzem
falhas, não permitindo uma produção de enigma para si.
Na tentativa de resposta, seguirei pelo som do discurso psicanalítico,
som que a mim ecoou nos dois anos de Percurso de Psicanálise de Criança
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Psicopedagogo Clínico, Mestre em Educação.
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da Appoa. Enfim, neste momento sou a concha acústica, que de seu som,
desdobrou-se neste trabalho.
Decifrar um som não é muito fácil, pois é necessário compreender algo
sobre teoria musical, no entanto ouso destacar algumas notas e cifras
ritmadas pela ideia de leitura.
A leitura faz parte da necessidade do homem de descobrir os enigmas
da existência, bem como serve de subsídio para que possamos compreender aquele que escreve. Em outras palavras, a leitura é uma tentativa de
resolução do enigma, tendo como efeito uma interpretação, um sentido, um
deciframento. Para Manguel (1997) a leitura começa pelos olhos, e sobre
este, o autor retoma o que escreveu Cícero: “o mais agudo dos nossos sentidos é a visão” (p. 42). Para Santo Agostinho os olhos eram como o ponto
de entrada do mundo e, para Tomás de Aquino, a visão era entendida como
o maior dos sentidos pelo qual adquirimos conhecimento.
Contudo, Manguel (1997) complementa que é fácil compreender que
as letras são apreendidas pela visão. Porém, questiona o que acontece dentro do leitor quando se defronta com um texto, e de que forma aquilo que é
visto pelos olhos chega ao nosso laboratório interno e como as letras se
tornam legíveis. Portanto, o que seria o ato de ler? O referido autor, sobre a
leitura de um texto, nos diz que: “nós não apenas o lemos, no sentido
estrito da palavra: nós construímos um significado para ele” (p. 54).
Manguel (1997) conclui afirmando:
Nesse processo complexo, os leitores cuidam do texto. Criam imagens e transformações verbais para representar seu significado. E o
que é mais impressionante: eles geram significado à medida que
lêem, construindo relações entre seu conhecimento, sua memória
da experiência, e as frases, parágrafos e trechos escritos. Ler, então,
não é um processo automático de capturar um texto como um papel
fotossensível captura a luz, mas um processo de reconstrução
desconcertante, labiríntico, comum e, contudo, pessoal (p. 54).
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Ao ler, reescrevemos um texto, uma vez que a este atribuímos um sentido, oriundo de nosso laboratório interno, indo ao encontro com a criação
do leitor de envolver-se com o texto, de dar sentido para o mesmo. Enfim,
o ser bem pequeno, para ser um leitor de si, necessita anteriormente ler este
outro primordial, que previamente e incessantemente, empresta seu laboratório interno por meio do ato da leitura. Quando não há uma leitura, sua
ausência pode produzir falhas, rupturas para um sujeito?
A leitura, os tempos do sujeito e a produção de enigma
Será possível estabelecer um paralelo entre a leitura e o surgimento de
um sujeito psíquico? Se aventurarmos em avançar nesta ideia, poderíamos
supor que quando nasce uma criança esta poderá tornar-se um sujeito na
medida em que encontra um outro sujeito que lê. Leitor que reescreve seu
texto, pois produz novos significados para si, contudo, é o mesmo sujeito
que no ato de ler escreve na criança um texto para esta. Em contrapartida, o
nascimento do sujeito vai além do ato de leitura de um outro, isto é, o
nascimento do sujeito é o desdobramento de operações psíquicas e de recriações de uma falta, sendo aqui trabalhada como tempos do sujeito.
Primeiro tempo
Flesler (2008) trabalhou a questão dos tempos do sujeito, partindo da
seguinte questão: Como ocorre a passagem entre um tempo e outro? A resposta está no inicio da existência do sujeito, isto é, em sua origem. Conforme Flesler (2008) “à diferença de outros seres vivos, a existência do sujeito
surge em profunda dependência do desejo do Outro. A própria vida se
mostra dependente desse tempo necessário, mas contingente, tempo de
antecipação no Outro (p. 182)”.
Lacan (1998), no Seminário XI, inscreve o Outro como lugar em que se
situa a cadeia significante que comanda tudo que vai poder presentificar-se
do sujeito, “é o campo desse vivo onde o sujeito tem que aparecer” (p.
194), nos diz Lacan. Para o autor estamos tratando da dita “Alienação”.
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Bernardino (2007) transpõe a questão da alienação como uma operação pela
qual se dá a entrada no campo pulsional e no campo da linguagem. O lugar
da criança, como objeto gozo do Outro, desdobra-se em captura de
significantes os quais são marcas deste Outro primordial. Esta operação
também é caracterizada pela ausência de liberdade do sujeito, devido à
entrega ao domínio do Outro, submetendo o ser na ordem simbólica.
Poderíamos relembrar a ação das mães como uma ação duplicada. Primeiro tocam em seus bebês com o intuito de alimentá-los, higienizá-los e de
dar conforto, logo esta ação ocorre sustentada pela linguagem, por seu
deciframento, ou seja, as mães supõem que seus bebês sentem frio, fome
ou que estão angustiados, a suposição é transmitida pela linguagem aqui
pensada pela ação do leitor. Enfim, quando as mães ao interpretarem o
choro dos bebês, os reflexos involuntários dos recém-nascidos dão-lhes
significado e intenção, inscrevem um “texto” pulsional e significante.
Anteriormente supus que no ato de leitura o leitor reescreve seu texto
e escreve um texto na criança, porém este ato não resumiria o complexo
processo da constituição do sujeito, embora o ato de ler propicie que ocorram as inscrições primordiais de um discurso que organiza e ordena.
Jerusalinsky (2008) fala da prosódia materna, a qual me faz pensar na
tentativa ininterrupta da mãe leitora que, com sua pronúncia regular de
palavras e com a delicada e devida acentuação, empresta seu texto no qual
a criança capta alguns significantes possibilitando o surgimento do sujeito
de desejo.
A prosódia inicial das mães é proposta como uma música onde não há
texto, existe apenas a sua melodia, a qual tornar-se-á estatuto da letra na
medida em que encontra um substituto, objeto, a exemplo do olhar. Enfim
a música é signo desse olhar.
Assim Jerusalinsky (2008) ressalta a prosódia:
Uma música (a da prosódia materna) sem “letra”, que, porém, faz
marca material situada numa cadência e numa série (a da frase
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musical que se repete), alternada nota trás nota, numa sequência
de nota – silêncio – nota – silêncio, cujo valor de representação do
precário sujeito torna imprescindível, para este, o olhar de sua
mãe (p. 81).
Enfim, a prosódia materna seria uma forma para laçar o sujeito, meio
de prendê-lo a uma armadilha necessária para seu aparecimento. Eis aí o
primeiro tempo.
O segundo tempo
O segundo tempo, tempo de Separação, é começo da quebra do Outrotodo, do Outro leitor, devido à alternância deste Outro, essa mãe que se
alterna em presença e ausência que se faz faltante, bem como falante. A
prosódia torna-se presença sonora que substitui as ausências reais, fazendo assim o sujeito se arriscar no campo da linguagem.
Este segundo tempo para Flesler (2008) é o momento no qual a criança somente viverá se chegar a condensar significações insuspeitas em outro
ser humano. Assim a autora prossegue seu raciocínio, dizendo que é certo que a ânsia de satisfação mobiliza o desejo de uma criança, contudo
este desejo não será semelhante ao objeto ansiado pelo Outro. Flesler
ressalta que a “não-identidade”, quando tolerada pelo Outro, é base de
identificação, logo a operação de não identificação entre criança e sujeito,
desdobra-se na temporalidade. Para que ocorram as passagens entre os
tempos, é necessário que a não-identidade se recrie. Sobre esta questão a
autora escreve:
A recriação da falta opera como não-exatidão entre a criança como
objeto de amor, de desejo e de gozo do Outro e a resposta do sujeito.
Do intervalo depende a passagem de um tempo outro, promovido
por um limite no gozo em relação à criança que o Outro almejava.
Em síntese, se na origem, o sujeito existe graças a uma falta, os
tempos do sujeito serão recriadores da falta (p. 182).
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Sobre a falta e a relação com o segundo tempo, Bernardino (2007) “destaca como uma saída para o término da circularidade da relação do sujeito
com o Outro, isto é o fim do tempo de alienação, para um tempo de
separação,o qual é resultante de duas faltas que se recobrem, a do Outro,
que ao fazer uma demanda, revela-se como faltante, desejante, e que confronta o pequenino sujeito com o seu enigma” (p. 56).
Neste tempo o enigma surge como um ensaio da falta. Contudo, como
leitor prematuro, o sujeito aos poucos decifra a falta com suas suposições,
isto é, lê ao seu modo reescrevendo os significantes do Outro, como seu.
Lacan (1964) ilustra esta questão, frente ao enigma do desejo do Outro, com
a seguinte frase: “Ele me diz isso, mas o que ele quer? (p. 203)” O sujeito é
agora o decifrador do desejo lançado pelo Outro, eis aí a primeira falta.
A segunda falta é um resultado que encobre a primeira falta, é a suposição do sujeito frente ao enigma do Outro, contudo ela é uma hipótese,
isto é, não é certeira, enfim é outra falta. O resultado para o sujeito é exatamente o seu desejo como causa. Seria, então, o sujeito um leitor com algo
de seu laboratório interno? É o fim da mãe leitora e alienante?
Com o fim da alienação, o sujeito como objeto a ser lido pela mãe já
não é suficiente para retê-la. Logo os sons, fonemas começam a substituir a
ausência da mãe real. Bernardino (2008) reitera: “... o pequeno sujeito se
arrisca no campo das palavras. O Fort! Da! é disso paradigma: a criança
entra no jogo da linguagem porque o Outro falta e o caminho é substituição
do real pelo significante (p. 57).” Enfim, há o ensaio de uma escrita resultante de uma leitura, bem como a quebra da escrita materna.
Portanto, o leitor inicial da criança é a mãe alienante, que lança o enigma de seu desejo, o qual produz um primeiro tempo, tempo de empréstimo
de seu texto. O segundo tempo estaria na ação da criança de capturar algum
trecho do texto da mãe, lendo, apresentando ao leitor primordial seu enigma. Enfim, para a criança ser sujeito, há de alcançar a produção de enigma?
De desejo? Necessita de marcas, como a de um leitor que na leitura, interpreta o objeto lido?
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A seguir apresento João, uma criança que fica alheia a leitura de si e do
mundo ao seu redor, que não reconhece sua imagem e me faz pensar sobre
as operações dos tempos.
João, tempos e enigmas
Apresento a vocês, João,um menino que muito pouco lê, isto é, pouco
brinca, pouco fala, seu laboratório interno é incipiente, a ponto de não
produzir enigmas. Contudo, não esqueci a música e de suas notas e cifras,
ou seja, o que a psicanálise me faz pensar e dialogar com este atendimento.
Portanto este caso poderia intitular-se: A briga e o Abrigo.
A briga; em virtude da desavença entre mãe e padrasto o Conselho
tutelar intervém na família de João, que na época estava com cinco anos e
meio de idade, sendo acolhido juntamente com seus dois irmãos mais velhos de 11 e 15 anos. A partir da briga/desavença é que o Abrigo do Estado
tem acesso a João, menino franzino bastante quieto, que não interage e que
se ocupa com qualquer objeto, menino de poucas palavras e de poucos
olhares. Escuto falar de João por uma colega enfermeira, que visita alguns
abrigos em Porto Alegre e comenta a chegada de um menino em um dos
abrigos, que chama a atenção, pois não brinca e não interage.
À primeira sessão, João é acompanhado por uma monitora do abrigo.
Olho para João, falo dirigindo-me a ele e percebo que não demonstra
nenhuma reação, então convido a monitora a nos acompanhar neste atendimento. João senta no chão com as pernas cruzadas e fica com o olhar
esquivado, converso com João e sobre João com a referida monitora. Pego
algumas peças de brinquedos que ficavam dentro de um cesto e faço uma
torre consideravelmente grande e a derrubo, dizendo “caiu”, e João olha e
sorri timidamente, e continuo a conversar com ele e a monitora. Reproduzo mais algumas vezes a mesma cena e João me olha e sorri, quando
alguma peça da torre cai perto dele, me alcança e diz “caiu”, única palavra
dita por ele naquele dia.
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Após conversar com ambos, peço que a monitora fique um pouco na
sala de espera, pois gostaria de ficar um pouco com o menino, quando a
monitora se ergue João segura sua mão demonstrando que iria junto,
acompanho ambos até a ante-sala, peço que a monitora fique sentada
numa cadeira onde consegue ver a sala de atendimento. Convido João a
me acompanhar e peço que a monitora nos empreste sua bolsa. João me
acompanha e ficamos juntos mais um pouco, porém deixo a porta do
consultório aberta para que ele veja a monitora. Brincamos com as referidas peças, contudo João permanece com o olhar voltado para os objetos,
apenas desloca seu olhar quando houve algum barulho oriundo da sala
de espera, sinal de que escuta, me parecendo preocupado com presença a
ausência da monitora.
Demais sessões
Após um período de contato com as peças que caiam, um par de bonecos tornou-se a possibilidade para outras cenas, enfim os bonecos estavam
no lugar dos objetos. João aprecia os bonecos e produz algumas cenas com
os mesmos. Começo a brincar da seguinte maneira: escondo os bonecos
nomeados por mamãe e papai, num primeiro ensaio deixo os bonecos ao
alcance de seu olhar, João os encontra e segue com ambos nas mãos, sem
ensaiar uma cena, pega os bonecos e fica batendo-os no chão, usando-os
como os demais objetos.
A brincadeira segue em esconder e achar os bonecos. Em uma sessão
escondo a mamãe dentro de um cesto com peças grandes de Leggo. João
encontra a mamãe, porém pega o cesto e vira sobre sua própria cabeça como
se estivesse se banhando, vejo certo prazer nesta ação. Recolho as peças de
volta para dentro do cesto e João reproduz novamente a cena. Depois de
repetidas vezes João pega o cesto e vira sobre a minha cabeça, deixando o
cesto tapar meus olhos, eis que procuro por João, digo seu nome pergunto
onde ele está, e ele se esconde. Repetimos essa brincadeira de outras formas. Cubro João com meu paletó e me escondo pela sala, ele me procura e
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somente me encontra quando nossos olhares se cruzavam, ou seja, o meu
corpo não determinava minha presença, então João recomeçava a brincadeira, pegava meu paletó cobria-se para que pudesse me esconder, isto é,
para que esquivasse meu olhar.
Retorno as ideias de Manguel (1997) sobre a leitura e que esta é apreendida pela visão. Até a presente descrição do atendimento de João o
olhar entra em cena, desde o primeiro momento, onde João ao ficar comigo ocupa-se da presença da monitora, bem como do brincar de cruzar os
olhares.
No primeiro tempo de alienação a leitura cumpre sua função na medida em que possibilita o surgimento deste sujeito, logo existe também a
escrita de um texto pulsional no sujeito. Sobre a questão do olho que olha
e do fracasso da mãe leitora, é que ressalto os estudos de Laznik (2004) a
qual escreve sobre o fracasso da instauração da imagem do corpo ao fracasso da instauração do circuito pulsional. Assim destaca a autora:
Se esse não-olhar não desemboca, mais tarde, necessariamente numa
síndrome autística caracterizada, assinala em todo caso uma grande dificuldade ao nível da relação especular com o Outro. Se não se
intervém, essas são crianças nas quais o estádio do espelho não se
constituirá convenientemente (p. 49).
Laznik (2004) escreve que a não-instauração da relação especular
permite colocar em evidência patologias que traduzem certamente uma
não instauração da relação simbólica fundamental, a presença e ausência
materna. Enfim, a ausência da mãe leitora, seria semelhante a colocação
da referida autora, que diz de uma falha fundamental da própria presença
original do Outro (p. 51). A autora destaca sua experiência em casos clínicos, referindo bebês que, não tendo nenhum distúrbio orgânico, apresentam um quadro de carência materna parecido com o de hospitalismo, bem
como têm traços característicos, não somente não olham sua mãe, como não
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sorriem e nem vocalizam para ela. Laznik (2004) ressalta este hospitalismo
em casa ao descrever mães que, estando no mesmo espaço físico com seus
bebês, não conseguem olhá-los.
Para a metapsicologia lacaniana isto seria uma não instauração da
relação especular. Laznik (2004) retoma o esquema óptico, como uma
fase anterior ao estagio do espelho, período de presença do Outro. Período do olhar no sentido de presença, o olho signo de investimento
libidinal. Para a autora este momento de presença pode se manifestar
por um barulho, por uma voz (p. 50), bem como coloca Jerusalinsky
com a prosódia materna.
Retomo a seguinte questão: O que ocorre com uma criança que fica
alheia a leitura de si e do mundo ao seu redor, que não reconhece sua
imagem?
Vale salientar a sessão em que utilizo uma câmera filmadora com João,
onde este me reconhece pela lente da câmera. João tem a câmera em suas
mãos sendo que pela lente tenta se ver, isto é, tentar ver aquele sujeito por
detrás da lente.
Em resposta a questão da leitura e do não reconhecimento de João de
sua imagem temos a fala de Laznik (2004) sobre a dificuldade ao nível da
relação especular com o Outro, desdobrando-se na não constituição do estágio do espelho.
A imagem do espelho constituirá a partir da alienação e do tempo de
separação, de deciframento do sujeito do desejo do Outro. Os significantes
resultantes da alienação e da separação é o texto marcado pelo Outro leitor,
que empresta seu laboratório interno, escrevendo um texto na criança que
se torna sujeito na medida em que também se torna leitora, bem como produz alguns enigmas e deciframentos.
No caso de João não há significantes suficientes para constituir uma
imagem de seu corpo, sendo assim João não se reconhece, e antes disto,
sua incapacidade de brincar é proporcional a sua capacidade de ler. A leitura para João ainda está no texto do Outro?
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Supor dois tempos antes do enigma seria dizer que alienação para João
não se operou? Seria o tempo zero? Ou, João se encontraria num primeiro
tempo, o da Alienação?
Referências bibliográficas
BERNARDINO, Leda Mariza Fischer. As psicoses não-decididas da infância. In: COMISSÃO DE APERIÓDICOS APPOA (Org.).
Psicose: aberturas da clínica. Porto Alegre: Libretos, 2007.
FLESLER, Alba. Os tempos do sujeito [2008]. In: Da infância à adolescência: os tempos do sujeito. Revista da APPOA, Vol. 1, nº 1
(1990). Porto Alegre: APPOA, 1990.
JERUSALINSKY, Alfredo. Saber Falar: como se adquire a língua? Petrópolis: Vozes, 2008.
LACAN, Jaques. O seminário, livro 11. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise.(1964) Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
LAZNIK, Penot, Marie-Christine. A voz da sereia: o autismo e os impasses na constituição do sujeito. Salvador: Agalma, 2004.
MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
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Uma menina, seus pais e a terapeuta
Marlise von Reisswitz
Abordarei neste texto vinhetas do atendimento clínico de uma menina
pequena, de sua mãe e de seu pai. Darei ênfase aos modos de inclusão dos
pais no trabalho terapêutico, no qual apostarei na transferência dos mesmos, no seu acolhimento e, o trabalho com a criança, será de acompanhá-la
numa trajetória em direção a sua posição de sujeito do desejo.
Antes de relatar as vinhetas da história clínica, escrevo sobre outra
menina, Michaela Blotqui que aos cinco anos inventa o seguinte verso: “a
folha é o palco da caneta”. Escutei este verso no programa “Salto para o
futuro”, da televisão educativa. Este verso e sua produção me levam a pensar sobre a capacidade de criação, como se pode ter autoria de pensamento
e como é a operação de apropriação do ato criativo.
Freud descreveu a memória como processo subjetivo criado a partir
das marcas, dos traços. São traços relacionados à percepção e a excitação da
criança pequena. O que fica inscrito é o próprio rastro e já estará ligado ao
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processo subjetivo, como uma experiência de traço, sem sentido codificado. O sentido será provisório e também relacionado às demais marcas. É
um constante movimento de criação de sentido, uma operação a ser inventada. Esta compreensão se depreende das leituras dos textos de Freud, O
Bloco Mágico e A Carta 52. É o pensamento sobre o sujeito como efeito de
uma escrita, onde o bloco mágico recebe uma mão que escreve sobre sua
superfície e outra que levanta a folha da prancha de cera, deixando algo
inscrito com várias possibilidades de interpretação.
Freud permite dizer que o homem é um ser de marca, ele marca e é
marcado, este processo é uma escrita que produz efeitos subjetivos, pois, o
que se escreve no espaço fora se inscreve no sujeito da marca.
Rodulfo (2004) escreve sobre os três espaços que a criança pequena
habita para viver: o corpo materno, o espelho e a folha. No corpo, a escrita
é uma carícia, no espelho a escrita aparece como marca e na folha a escrita
aparece como traço. É uma ocupação de espaços subjetivos, que vão possibilitar que a criança escreva sobre a folha de papel, pois se cumpriu um
longo trabalho subjetivo de escrita sobre o próprio corpo. Ela precisa carregar algo do corpo para o espelho, e então, para a folha. Se isto aconteceu é
por que algo se constituiu na relação com o Outro primordial para que a
folha fosse ocupada com traços subjetivos (p. 15-23). O que fascina na
teoria de Rodulfo (2004) é a ideia das primeiras escritas como intercâmbios
de carinhos. A concepção de escrever como acariciar produz outros efeitos.
Freud parece explicar que as marcas podem inscrever a pulsão de vida e a
experiência de satisfação. É a experiência com a mãe que é inscrita e escrita.
Michaela provavelmente habitou o corpo da mãe, o espelho, antes de
criar este verso. Ela escreveu falando, sua mãe escreveu no papel.
O que pode ter acontecido com essa criança que pode se imaginar
sendo a caneta produzindo marcas no papel, de forma poética? A mãe
escreveu-inscreveu sobre o corpo da filha e ela escreveu-inscreveu sobre
o corpo da mãe. Ao criar a poesia, Michaela mostra que não vive mais só
no corpo da mãe, pôde se alojar provisoriamente no espelho, no próprio
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corpo, na fala, e pôde pensar na folha como um palco que recebe marcas
da caneta.
Será que é isto que faz a diferença? Ter alguém em quem se pode ter
confiança, que é capaz de olhar, ser olhado, falar, estar, escutar, modelar,
desenhar, inscrever, ser escutada e ser inscrita? Ter alguém que reconhece o
processo diferenciador do outro? Quem sabe é esta uma função do terapeuta
de crianças, oferecer-se sendo caneta e folha quando necessário, tanto para
a criança como para seus pais, principalmente abrir esses espaços corpo,
espelho e folha para um alojamento temporário para aparecer a inscrição
subjetiva que não ocorreu, que teve falhas, ou que se inscreveu de um
modo pouco consistente.
As cenas de Michaela e de Eduarda acontecem hoje, século XXI, tempo de globalização, de consumo exacerbado, de um mundo líquido, como
diz Bauman (2001), ou sem coração como diz Lasch (1991) onde os adultos querem continuar sendo jovens e bem sucedidos economicamente,
podendo consumir e dar tudo que o filho pede, porém, se sentindo muito
desamparados.
Compreende-se que é difícil ser pai e mãe neste mundo individualista, violento e excessivamente consumista. Há uma cultura que ajuda a
empobrecer o brincar, o pensar e a linguagem na relação entre pais e filhos. Os pais não podem e/ou não sabem como falar da morte, do fracasso, da doença, da frustração, do estresse do corre-corre, do trabalho em
excesso ou da sua falta, da separação do casal, do processo de envelhecer.
Têm dificuldades de construir espaço e uma trajetória de tempo com o
outro. Muitas vezes não sabem como estar com a criança, como se separar
da mesma sem opor-se, mas com a própria criança, como dar-lhe liberdade para produzir algo, para pegar o próprio gesto, agarrar o desejo, pensar
por si mesma.
A história clínica de Eduarda é pensada a partir da teoria das inscrições baseada na Carta 52 escrita por Freud, já mencionada acima. Mãe e
filha estarão construindo-se neste lugar de fazerem marcas e serem marcadas.
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O trabalho analítico é apostar na posição de sujeito de Eduarda para fazer
algo diferente com suas marcas.
Os pais me procuram, pois estão muito inquietos, preocupados com
a filha. A psicopedagoga da escola infantil ao conhecer a história da
Eduarda, que tem epilepsia desde bebê, e que está tomando uma quantidade significativa de remédio para não convulsionar, sugere ao casal procurar um acompanhamento psicopedagógico para investir em processos
psíquicos e também na capacidade intelectual.
A preocupação da mãe é verificar se a menina é inteligente. A mãe
relata que a inquietude em relação à menina já os acompanha desde antes
mesmo do seu nascimento. Diz que até bem pouco tempo não queria ter
filhos, mas quando fez trinta e nove anos, sentindo que era talvez uma
oportunidade única e última, escolhe engravidar. O companheiro não tinha
o desejo de ter filhos.
No relato da mãe aparece o pavor do diagnóstico, epilepsia, que recebeu quando Eduarda tinha oito meses. Ficava assustada com as convulsões, não sabia o que fazer. O que mais temia eram os efeitos da doença,
Eduarda poderia não se tornar inteligente. Seu sonho era ter uma filha
muito inteligente.
A mãe é muito inteligente, empreendedora e muito responsável no
seu trabalho. Parece que esta modalidade de estar sempre controlando
seu trabalho, seus horários e afazeres domésticos deixam-na muito
estressada. Não consegue brincar, está sempre preocupada. Queixa-se de
que o companheiro não a ajuda e que a filha dá muito trabalho. Ouvindoa percebo que a garotinha de dois anos e cinco meses só havia ficado com
os pais e na escola infantil. Ela não confiava a criança a mais ninguém.
Quando a criança precisava ficar com o pai, ela telefonava para perguntar
se já tinha dado o remédio, se observara o horário certo, pois certa vez
não deu a medicação no horário combinado. O fato se repetiu noutro dia
no qual Eduarda convulsionou. Quando isto aconteceu o pai ficou apavorado, pois estava com ela no colo e sentiu seu corpo se transformar, ficar
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desmaiado, sem vida. A mãe, a partir de então, tem a maior dificuldade
de confiá-la ao pai.
Na primeira vez que a garotinha vem para o encontro diz para mãe ir
embora e que ficará comigo, ficamos bem, apesar da mãe várias vezes pedir
que observasse qualquer indício de convulsão. Ela pegou uma boneca, em
seguida encontrou uns livros infantis e pediu para que eu lesse para ela.
Logo percebi seu grande interesse por contos de fadas, livros e DVDs. Conhecia muitas histórias de fadas. Observei também que era inteligente, que
desejava muito a minha atenção, o meu olhar e chegar próxima do meu
corpo. Como terapeuta olhava suas produções de marcas, de traços, sua
possibilidade de traçar.
Na sessão seguinte quis cortar, com tesoura, uma folha de papel. Sua
mão era tão pequena que não conseguia segurá-la e pressioná-la para cortar.
Descobrimos uma tesoura mais leve e um jeito de cortar pelas beiradas
adentrando a folha, fazendo corte em direção ao centro. Ficou cortando
durante muitos encontros.
Um dia pegou uma folha e disse para eu desenhar uma mulher gigante.
Na sessão anterior tínhamos escutado o DVD da Mulher Gigante. Desenhei,
ela pegou a tesoura e cortou-a em pedacinhos. Noutra sessão cortou uma
folha em pedaços maiores e outra em pedaços pequenos. Pediu uma sacola
de plástico para guardar os pedaços grandes e outra para os pequenos.
Disse para que eu tomasse cuidado, para não deixar ninguém juntá-los.
No escrito, Análise de uma fobia em um menino de cinco anos, Freud
(1996) trabalhou com o pai do menino Hans, incluindo o trabalho subjetivo com os pais na relação analítica. Freud e Hans encontraram-se apenas
uma vez. Neste texto ele já escreve sobre o suposto saber que o menino lhe
endereça através da carta que pede para o pai lhe escrever “Hans perguntou
ao pai: O Professor conversa com Deus? Parece que já sabe tudo de antemão!” (p. 45).
Com Eduarda percebe-se a necessidade do acolhimento dos pais nos
primeiros encontros. O trabalho subjetivo entre o terapeuta e a criança não
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se sustentará se os pais não conseguirem dar algum sentido para o que
acontece com a criança. Gutfreind (2010) escreve a partir da teoria de Stern,
sobre a relação pais, crianças e terapeuta: “Se tratar dos pais é tratar dos
bebês que carregam dentro de si, a experiência de estar junto deve transcender a de ensinar” (p. 44).
Portanto, não é uma tarefa pedagógica que se instaura, mas abre-se
um espaço e tempo para se poder pensar sobre o que ocorre e encontrar
sentidos.
Voltando ao texto de Freud (1996), Hans pede ao pai para desenhar
uma girafa. O menino também pediu para que o pai desenhasse o pipi dela.
O pai pede que faça o acréscimo, ele coloca um traço.
No dia seguinte, procura os pais, à noite, no quarto do casal para contar algo para eles. Então relata que, no seu quarto, havia uma girafa grande
e outra, toda amarrotada (p. 20). Está revelando algo do seu sintoma em
relação aos pais, através de suas produções. Eduarda também com a sua
produção, do cortar a mulher gigante em pedacinhos, me leva a pensar na
relação com a mãe e com o pai. A mãe não ajuda a filha a ser independente.
É toda poderosa e insegura ao mesmo tempo.
Compra livros para colorir o que já está desenhado por outro e ordena
que cuide dos limites, colorindo dentro do traçado. O pai tem dificuldade
de entrar na relação mãe e filha. Entendo que preciso escutar mais sobre as
relações entre os três e conhecer a história anterior, dos seus ascendentes
para poder pensar nos mandatos, nos mitos familiares, na cadeia de
significantes. Penso essas questões a partir do trabalho teórico de Ricardo
Rodulfo (1990) que escreve:
Na análise de crianças, um dos aspectos mais difíceis, no sentido de
que gera mais resistência no analista, particularmente nos primeiros tempos é o referente aos pais. É comum encontrar um terapeuta,
mesmo sendo hábil em seu trabalho, evitar ao máximo o contato
com estes, incluí-los o mínimo possível, o que não deixa de acarre-
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tar sérios inconvenientes, segundo a lei de que o que não se introduz de direito retorna, cedo ou tarde, sob a forma de acting out. Se
não levarmos em conta o discurso dos pais, suas transferências frequentemente malogram tratamentos que em outro plano andavam
bem (p. 20).
Eduarda está iniciando o controle dos esfíncteres. De dia a menina fica
sem fraldas, e à noite, a mãe espera que ela adormeça para colocar as fraldas, achando que ela não percebe. Outra cena mostra a mãe tendo dificuldades com o banho de Eduarda. Ela não atende ao chamado da mãe e certo
dia, no qual está muito irritada, pega a menina no colo e a coloca na banheira com botas, casacão e o gorro. Relata que as duas se assustam demais com
o ato agressivo.
Compreendo que a menina e a mãe vivem situações difíceis e
conflituosas no seu cotidiano, então convido a mãe a jogar seu saber inconsciente. Parece que bem no início a menina é o desejo da mãe e pretende
se mostrar inteligente, mas também mostra que não quer ser submetida,
quer cortar essa alienação. Deseja separar-se e necessita de ajuda. Ela quer
se separar da mãe, não se opondo, mas podendo fazer um processo de
diferenciação. O que se pode fazer é ajudá-la no processo de advir como
sujeito e poder construir sua história singular apesar da sua doença ameaçadora e do desejo/mandato de que venha a ser inteligente.
Pai e mãe vêm juntos, escuto que um acusa ao outro, culpam-se. Queixam-se de que gostariam que o outro fosse mais compreensivo, mais participante. Consigo perceber que a fala dos dois precisa ser escutada e não
julgada. Os dois tentam acertar, mas, existem impedimentos que não são
conhecidos, que precisam ser mais brincados, mais falados. Escuto-os e os
ajudo a diferenciar entre pensamentos opostos e pensamentos diferentes.
Talvez possam aproveitar que não existe só contradição, mas, que se pode
pensar de vários modos a mesma questão.
Penso o acontecido com o escrito de Diana Corso (1996):
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(...) não sabemos o que fazer com os pais. Nesse sentido talvez a
posição de avô ocupada por Freud em relação a Hans seja uma boa
pista. Freud, em suas intervenções, deu ao pai do pequeno a dimensão de legitimidade que este buscava. Porque não? (p.76).
A posição de avô talvez tenha semelhança com a posição de jogar do
terapeuta não só com a menina, mas com a mãe e com o pai também. Para
deslocar algo das marcas do inconsciente é preciso saber jogar com objetos,
palavras, pensamentos, usá-los como brinquedos. Posso pensar o que não
fazer: rivalizar com eles. Cabe ajudá-los a se separar da filha, oferecendo
possibilidades à menina de operar o afastamento para poder ter autoria e
mais autonomia.
Gudfreind (2010) cita Lebovici e assemelha-se a proposta de Diana
Corso. “Lebovici defendia a ideia de se manter trabalhando. Já depois dos
oitenta anos, trazia-lhe vantagens. A maior era poder ser utilizado na transferência não como um pai erotizado, mas como um avô capaz de legitimar
pai e mãe” (p. 57).
Parece que um avô teria a sua capacidade lúdica mais disponível
para por em jogo o saber. Winnicott (1975) elabora o conceito de espaço
transicional e desse modo abre para a criação deste terceiro espaço do “eunão eu”, que se constitui num espaço de confiança, de possibilidade de
estabelecer vínculo, do brincar, da criatividade por excelência, e que também é o espaço entre, que possibilita o aprender. Mediante a constituição
deste espaço e da confiança que o mesmo promove, a criança poderá brincar e aceder ao conhecimento, à cultura, aos instrumentos inventados pela
civilização, podendo ocupar a posição de sujeito que elabora pensamentos
e se torna autor de suas aprendizagens. É o outro adulto que abre espaços
para que a criança possa se situar como sujeito capaz de pensar. É ele que
pode perceber o gesto espontâneo da criança pequena em direção ao desejo. O brincar possibilita à criança usar a agressividade saudável para fazer
um gesto, com as mãos, construir pensamentos, poesia. A mãe não significa o brincar da filha como estruturante da subjetividade. Ela dá tarefas.
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Como Eduarda adora contos de fadas brincamos com fantoches e encenamos a história de “Chapeuzinho Vermelho”. Indica os personagens que
eu devo interpretar e escolhe ser a narradora e os personagens mais importantes. Ela é ótima narradora e reclama da minha fala, dizendo: “a fala não
é assim”. Cita as frases que depois verifico como sendo iguais ao DVD. Ela
é ótima repetidora, sabe todas as falas de cor. Não consegue improvisar.
Num encontro ela pede para que eu leia João e o pé de feijão e, na
saída, diz para a mãe que compre este conto. A mãe olha-me e diz que esta
história não é adequada para crianças, que é muito violenta, e que não
permite determinadas leituras para a filha. Entendo que só o que ela autoriza pode ser lido. O que Eduarda deseja saber é justamente sobre o medo,
a agressividade, a maldade, o perigo, como se luta, quem são os inimigos,
como encontrar o final reparador. Noutro dia, final da sessão, a mãe pergunta o que ela tinha feito. Conta que encenou a história dos três ursinhos.
A mãe pergunta quem era a ursinha, os demais ursos e a menina dos
cachinhos dourados. A garota responde: eu era o ursinho, a mamãe era a
ursa, o papai era o urso, e a menina dos cachinhos dourados, que veio
fazer toda a bagunça na casa, é a Marlise. O tratamento instaurou algo novo
nesta família.
Eduarda só repete histórias, um dia sugiro que invente uma história.
Fica muito angustiada e diz que não sabe inventar nada. Surpreendo-me,
pois ela é um encanto como narradora de histórias de outros. Reclamava
de como eu organizava as falas. Refazia minha fala de acordo com o CD.
Pensa e diz: “– Tá bem, eu vou inventar”. Inicia dizendo: “– Era uma vez
um monstro verde que estava preso numa corrente cor de rosa.”
Para, me olha e diz: “– Não sei contar a minha história!”. Como assim
não sabes a tua história? Pergunto qual é o nome do monstro e ela responde
que é uma “monstra” e seu nome é Marlise. Surpreendo-me com o conteúdo inicial da história e com seu ato falho. Penso que este monstro verde
com a corrente cor-de-rosa, é do gênero feminino e que tanto pode ser a
doença da epilepsia, como a mãe, como sou eu mesma que de certa forma
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estou mostrando outros jeitos de estar na vida. Fico sabendo que a garota
não sabe nada sobre a epilepsia, bem como não sabe quem são os tios, nem
os primos e não conhece nada da avó e tia paterna que são falecidas.
Pergunto para ela porque precisa tomar remédio duas vezes por dia e
ela diz que é por causa da garganta. Ela dói todos os dias. Converso com os
pais sobre o fato e eles reiteram, ela não sabe nada sobre a doença neste
momento, e a mãe diz que só vai contar quando ela tiver sete anos. Aos sete
acha que a filha entenderá. Pergunto se ela poderia antecipar e falar sobre a
história da doença de Eduarda e se acha que isto poderia fazer diferença na
subjetividade da filha. No encontro seguinte fala que a neurologista teria
dito que nunca tinha escutado uma proposta de contar sobre a doença da
menina. Mesmo assim, peço que pense na posição da filha, que desconhece fatos importantes da sua vida, que pense num jeito próprio de falar
oferecendo outra posição subjetiva para Eduarda.
Penso na história da garota, ligo-a a palavras ditas pelos pais, as suas
produções, naquilo que vamos produzindo juntas. Há situações que se
ligam à história de Eduarda, e talvez, por isso, os pais evitam pensar. A
mãe tem um pai cego. O pai de Eduarda tem uma irmã que é surda desde
bebê e, além desse fato, viu morrer a irmã de vinte anos de um ataque
repentino do coração quando tinha dezesseis anos. O pai e a mãe têm questões difíceis de serem faladas, pensadas quanto aos corpos, suas doenças
na família de origem. Seus pais tiveram dificuldades de contar estas histórias, de colocar palavras e fazer algo com as mesmas. O pai, porém, me
relata que era muito próximo da irmã surda, que aprendeu a língua de
sinais, que a ajudava sempre. Como ele, que acompanhou a irmã que é
surda, tem dificuldades para se ocupar da filha epilética? Como uma filha,
que tem um pai cego, não se sente capaz de criar sua filha epilética? Penso
que sabem destes sofrimentos, mas não os conhecem, dissociam e entram
em pânico com as evidências do organismo doente da filha. Serão evidências de fantasmas familiares? Eda Tavares (2005) abre brechas para pensar o
que acontece com os pais da Eduarda escrevendo:
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Os pais trazem seus filhos ao analista porque esperam que ele possa
entender o que acontece com seu filho, o que eles não conseguem.
O que representa este sintoma lhes escapa, e eles vêm com seu
filho à análise para recapturá-lo. É neste ponto onde eles não compreendem que está, no seu avesso, o fantasma fundamental deles
mesmos (p. 18).
Porge (1998) também ajuda a pensar sobre estas questões, escreve que
“o ponto de ruptura da transferência em um dos pais é esse ponto que não
é mais um bom entendedor, onde não se ouve mais a divisão do sujeito na
sua mensagem, ali onde seria importante que ele o ouvisse” (p. 14).
Os pais de Eduarda ficam capturados pelo diagnóstico do orgânico,
têm olhos demasiados para as impossibilidades, além de não conseguirem, segundo Porge, exercer a “função de sujeito suposto saber fazer passar”. Sobre a clínica, Porge (1998) escreve: “De saída, o analista se dirige a
criança como se a houvesse compreendido.” (p. 15)
Uma criança torna-se inteligente com os outros. É na relação que se é
convidado a pensar, e que se pode ficar inteligente. Não se impõe o pensar,
se abre para o espaço entre, que libera para o diferente. Não falam com
Eduarda sobre a doença, não querem preocupá-la tão pequena com este
conhecimento. Talvez o que incomode a Eduarda seja não ser investida
para o lugar de quem pode aprender a se cuidar de um modo suficientemente autônomo, sem abdicar da ajuda do outro. Cito Porge (1998), novamente, para pensar o sintoma de Eduarda: “o que a criança demanda é que
a deixem fazer sua neurose. Ela quer poder falar para os bastidores; é a sua
própria maneira de entrar em cena” (p. 16).
Há um saber inconsciente sobre sua doença que a mãe detém. Eduarda
desconhece, mas o não dito se exibe, cotidianamente, através da ingestão
do remédio, duas vezes por dia. Cabe aqui colocar a fala de Jerusalinsky
(1997), para pensar que também a própria criança pode criar seu sintoma,
não sendo sua análise a mesma que a dos pais. Ele escreve como sendo um
erro, “interpretar toda produção da criança como um derivado da relação
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com os pais, como se o inconsciente infantil não fosse mais que um receptáculo das fantasias parentais” (p. 11).
Tempos depois, a mãe chega e diz que achou o jeito de falar sobre a
epilepsia, vai desenhar um cérebro, vai mostrar as diversas partes, depois
desenhará os neurônios e as sinapses, seus caminhos, como elas funcionam e como ela precisa de remédio para fazer determinados ajustes cerebrais. Sugiro-lhe que espere mais um pouco para falar.
Alba Flesler (2010) escreve:
De ninguna manera la verdad es el desnudo. Los padres responden
com la verdad, y ella sustenta en la transmisión cierta el deseo de
los padres.Por esse deseo restringen, com amor el goce que también
anida em ellos. En la medida en que el saber queda ahuecado, aloja
en ese vacio uma falta de saber. Los padres van a responder com la
verdad, que se distingue radicalmente de lo real. No es lo mismo
mostrar lo real del cuerpo que decir la verdad. La verdad corresponde
al sujeto y lo real, al objeto (p. 154).
Finalizando o ensaio, e não o modo de olhar e escutar essa história
analiticamente, lembro que nos primeiros encontros com a menina, sua
mãe e seu pai, eu já podia pensar sobre como eles não se compreendiam,
como a mãe significava a fala da filha de um modo literal e como se sentia
provocada por ela. O pai não se colocava, achando que era a mãe quem de
fato sabia como ensinar a filha. No transcurso foram aparecendo os conflitos do casal, seus fantasmas, mas foi a transferência com a menina que
precisou ser mais fortemente sustentada. O processo terapêutico ofereceu
para a menina um lugar para existir, para habitar psiquicamente podendo
ser caneta que faz da folha de papel um palco com escritas próprias.
Referências bibliográficas
BAUMAN, Zigmund. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
CORSO, Diana. “Os Caça-fantasmas” In: Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, ano VII, 1996, p. 65-77.
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GUDFREIND, Celso. Narrar, ser mãe, ser pai & e outros ensaios sobre a parentalidade. Rio de Janeiro: Difel, 2010.
FREUD, Sigmund. Carta 52. In: Obras completas. Rio de Janeiro: Imago. 1996. V. I.
________. Uma nota sobre o bloco mágico. (1925). V. XIX.
________. Análise de uma fobia em um menino de cinco anos. (1909) V. X.
FLESLER, Alba. El niño em análisis y el lugar de los padres. Buenos Aires, Paidós, 2010.
JERUSALINSKY, Alfredo. Sintomas de Infância. In: APPOA. Sintoma na Infância. Porto Alegre; Artes e Ofícios, 1997.
LASCH, Christopher. Refúgio num mundo sem coração. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.
PORGE, Erik. “A transferência para os bastidores.” In: Littoral: a criança e o psicanalista. Rio de Janeiro, Companhia das Letras,
1998.
RODULFO, Ricardo. O brincar e o significante. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990
________. Desenhos fora do papel. Da carícia à leitura-escrita na criança. São Paulo, 2004.
TAVARES, Eda. “Pais e filhos: algumas considerações sobre este encontro na cena analítica.” In: Correio da APPOA, Porto Alegre,
nº 134, p. 15-20, 2005.
WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.
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Alienação parental: uma visão psicanalítica
Andréa Faccini
Jasão corre para a casa de Medéia à procura de seus filhos, pois ele
agora teme pela segurança deles, porém chega tarde demais. Ao chegar em
sua antiga casa, Jasão encontra seus filhos mortos pelas mãos de sua própria mãe, e Medéia já fugindo pelo ar em um carro guiado por serpentes
aladas que foi dado a ela por seu avô, o deus Hélios. Não poderia ter havido vingança maior do que tirar do homem sua descendência. Este é um
trecho da peça Medéia, escrita por Eurípedes, dramaturgo grego, no ano de
431 antes de Cristo.
Este trabalho tem por objetivo falar sobre a vingança e a violência que
podem atingir uma criança no contexto de um conflito do casal. É neste
contexto de conflito que surge o fenômeno da Síndrome de Alienação
Parental, fenômeno denominado por Richard Gardner. Foi observando a
aliança de uma criança com um dos genitores com o objetivo de denegrir o
outro que Gardner (1985) salientou que esses conflitos envolvendo as cri-
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anças nas situações de divórcio sempre ocorrerem. Porém, o autor aponta
que desde a década de 70 tem havido uma crescente disputa dos pais pela
custódia da criança. Gardner (2002) descreve um conjunto de características e sintomas que apareceriam nesta. Entre eles, destaca: uma campanha
denegritória contra o genitor alienado; racionalizações fracas, absurdas ou
frívolas para a depreciação do pai; falta de ambivalência; a presença de
encenações encomendadas e a propagação da animosidade aos amigos e/
ou família extensa do genitor alienado, entre outros. Uma das principais
controvérsias em relação ao conceito de Gardner reside no fato de o autor
tratar esse conjunto de sintomas como sendo uma síndrome, o que não
será discutido neste texto.
A partir da psicanálise pode-se pensar que na situação de alienação
parental a criança é colocada pela mãe – aqui utilizo mãe por se tratar da
maioria dos casos descritos na literatura –, numa posição de objeto, numa
condição de assujeitamento a seu discurso.
Para a psicanálise, o conceito de “alienação” é central porque revela a
relação com o Outro no processo de constituição do sujeito. Nessa perspectiva, ao descrever a estruturação do sujeito a partir do “Estádio do
Espelho”, Lacan ressalta justamente esse jogo em que o sujeito emerge ao
mesmo tempo separado e atravessado pelo Outro. O sujeito funda-se no
simbólico, na linguagem e no desejo estando sempre na intercessão com o
Outro. A alienação, portanto, é estruturante para o ser do desejo.
O termo alienação é empregado, neste texto, utilizando-se do senso
comum, com o significado do dicionário: “fazer perder ou perturbar a
razão”. Assim, refere-se à circunstância de que o “alienado” encontra-se
alheio aos acontecimentos, atrelado ao alienador.
Voltando à teoria psicanalítica, lembremos que Lacan entende que a
conquista da imagem do corpo próprio, ou seja, a constituição de um eu na
criança, depende não apenas de um desenvolvimento orgânico mas também exige a implicação de um outro, o qual insere a criança no universo da
linguagem e da comunicação. É a partir dos cuidados necessitados pelo
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bebê para sua sobrevivência que a mãe inscreve marcas e empresta significados para nomear as sensações e comportamentos da criança. Ou seja, o
bebê se dirige a este Outro encarnado em busca de uma imagem que o
totalize. É o olhar da mãe que antecipa um corpo unificado no bebê. Tratase aqui da alienação na sua dimensão imaginária. A psicanálise de crianças
nos revela outras dimensões da alienação: alienação simbólica relativa à
dependência dos significantes e do universo simbólico vindo do Outro, e
alienação no real, aquela em cena no circuito pulsional, onde o bebê oferece
seu corpo como objeto para o Outro.
Portanto, antes de se falar em sujeito na teoria lacaniana, se considera
um tempo de alienação, ou assujeitamento, onde se trata de um eu
assujeitado ao Outro e ao seu desejo. Este assujeitamento inicial é entendido como fundamental e necessário para que a criança possa vir a se inserir
no mundo dos humanos.
No entanto, o caminho para a constituição do sujeito passa por um
deslocamento desta posição de “assujeito” à condição de sujeito, o que vai
se dar através do Complexo de Édipo. Sabemos que no primeiro tempo do
Édipo a criança busca, como desejo de desejo, poder satisfazer o desejo da
mãe, to be or not to be, ser ou não ser o objeto de desejo da mãe. Já no
segundo tempo: no plano imaginário, o pai intervém como privador da
mãe. Aquilo que desvincula o sujeito de sua identificação ao falo, liga-o, ao
mesmo tempo, ao primeiro aparecimento da lei. Lacan diz que o caráter
decisivo do Édipo deve ser isolado como relação, não com o pai, mas com
a palavra do pai.
No caso da alienação parental, muitas questões se colocam a partir da
teoria, já que a criança se identifica diretamente com o discurso da mãe, o
reproduz, visto que a palavra do pai é destituída. O alienador passa a acreditar, mesmo que inconscientemente, que pode formar entre ele e o filho
uma díade completa, em que nada falta. É como se o filho não existisse
enquanto sujeito, posto que não pode desejar para além do alienador.
Trago o caso de Letícia, encaminhado pelo poder judiciário.
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Letícia não foi planejada e quando sua mãe, que aqui chamo de Rosa
descobriu que estava grávida, o casal estava separado há um mês. Nesse
momento, segundo ela, seu companheiro, Sandro, pediu que fizesse um
aborto. Este negou essa afirmação e disse que recebeu com muita felicidade a notícia da gravidez, tendo participado de todos os momentos dessa
gestação.
Rosa e Sandro, quando chamados a relatarem a história de Letícia,
limitaram-se a falar sobre seus conflitos. Não foram descritas as características da menina quando pequena ou o significado de seu nascimento. Sandro
restringiu-se a dizer que sempre teve dificuldades em ver a filha. Já Rosa
relatou suas brigas com Sandro e o desejo dele em não ter a filha.
Rosa e Sandro não moraram mais juntos, mas permaneceram se relacionando até Letícia completar quatro anos. A da ruptura do casal, a vida
de Letícia foi marcada por inúmeros processos que são movidos pelos seus
genitores. O relacionamento e o contato entre pai e filha, que já eram conturbados, somente pioraram.
Por muito tempo, Letícia insistiu em manter contato com o pai, mesmo com a reprovação da mãe. Porém, depois da denúncia de abuso sexual
feita pela mãe, Letícia repetiu constantemente que não queria mais vê-lo,
descrevendo-o sempre com características negativas, negando o bom relacionamento que tiveram até então, descrito nos pareceres de alguns profissionais anexados ao processo, e exaltado por Sandro. Rosa disse que o
comportamento de Letícia somente refletiu a desaprovação da menina frente
ao abuso do pai. Já Sandro afirmou que a filha mudou com ele “da noite
para o dia”, como consequência das ameaças feitas pela mãe.
Letícia apresentou-se como uma menina apática, com aparência cansada, profundas olheiras e comportamento desconfiado. Escolhia jogos
estruturados, com regras definidas (Banco Imobiliário, Bingo, Memória),
evitando os brinquedos e atividades lúdicas menos estruturadas e que possibilitassem uma expressão mais livre dos seus sentimentos e experiências.
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Vinha sempre às sessões com algo a contar sobre o pai. No início das entrevistas ela já perguntava: “posso te contar uma coisa?”. Os relatos eram
descontextualizados, prontos, decorados. Quando questionada sobre os fatos
que relatava, muitas vezes não sabia responder ou demorava muito tempo
para fazê-lo. Tais relatos não eram acompanhados por emoções, ansiedade,
raiva ou vergonha. Depois dos relatos, parecia ficar mais aliviada, dando a
impressão de ter “cumprido a tarefa”. No brincar da menina não apareceram elementos que sustentassem a hipótese de abuso sexual. Evidencia,
por outro lado, ser uma criança pouco espontânea, tensa, preocupada com
o que deve relatar para a entrevistadora e afirmando: “eu sempre se esqueço
das coisas”.
No discurso de sua mãe, Letícia esteve praticamente ausente. Ela dedicou suas entrevistas a falar mal do ex-marido, a descrever seus defeitos,
suas brigas, seus conflitos e sua incompetência para ter qualquer contato
com a filha. Ao mesmo tempo em que isso denota um vínculo que ainda
não foi rompido, e que se mantém pelo ódio, ressentimento e alimentação
do conflito, também revela uma dificuldade no reconhecimento de Letícia
como sujeito, do seu sofrimento diante da situação de litígio entre os pais e
dos possíveis reflexos que tais situações poderiam ter na sua vida e no seu
desenvolvimento. Somente identificava e reconhecia a sua posição,
vivenciada como se fosse única e idêntica à da filha.
A partir do caso de Letícia, pode-se pensar no vínculo de dependência, no qual a condição de sujeito da menina é esvaziada em favor de uma
indiferenciação estabelecida com a alienadora. Letícia passou a nutrir um
medo incontrolável de ficar sem o amor de sua mãe, que é todo o seu
repositório de cuidado, afeto e segurança. Pode-se pensar que perder o
alienador significa, para o filho alienado, perder sua própria identidade.
Letícia, aprisionada ao discurso da mãe, ao seu saber – um saber imaginário –, repete o que a mãe diz. É o discurso do Outro colocado em cena
pelo sujeito, não por uma apropriação esperada e constituinte do sujeito,
mas por uma imposição sem alternativas.
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A narrativa aos filhos de sua história familiar é transmitida pela fala
– e pelo silêncio – dos pais, e neste percurso pode ocorrer a assimilação
infantil dos ditos e não-ditos dos afetos e sentimentos parentais, passando a integrar também a sua história. A dependência do Outro por vezes é
tão intensa que a criança passa a vivenciar os sentimentos parentais. Por
mais sofrimento que estes sentimentos produzam, para que possam se
preservar, as crianças se calam ante esta violência e como forma de resistência psíquica fazem sintomas. Dessa forma, como no caso de Letícia,
não conseguem aprender, tem dificuldades em brincar e se relacionar com
outras crianças.
Qual seria a função da psicanálise diante dos casos de alienação
parental? Pode-se pensar em movimentos em que a criança pudesse se
“descolar” e retomar sua constituição psíquica, o que viria junto com a
assunção, por parte da mãe, de suas questões. Isto porque se percebe que
a criança não está ali como sujeito, e sim, como objeto no fantasma materno. Enfim, a psicanálise pode vir a ser para a criança um espaço terceiro,
espaço de elaboração numa distância do discurso alienante.
Baseando-se nos casos de alienação parental é que no Brasil, no ano de
2010, foi sancionada a Lei número 12.318, que busca coibir a prática da
alienação parental e assegurar o direito de crianças e adolescentes à convivência e manutenção dos vínculos afetivos com ambos os genitores.
Pode-se pensar, então, que se instituiu uma Lei que intervém no discurso
da mãe, insistindo numa abertura ao pai, buscando defender a possibilidade de que o pai faça seu papel. É preciso que o Judiciário faça o papel
deste terceiro, para garantir a presença do pai da realidade. Daí a ele vir a
ocupar a função paterna há todo um outro trajeto, que passa por sua não
desistência.
Não há dúvida de que as questões sobre o tema não se esgotam aqui.
Sabemos que o ser desejante se constituiu nesse jogo complexo com o
Outro, efeito desse jogo simbólico presente na estrutura familiar. Ser sujeito é uma forma de ser inscrito no desejo, na lei, livre do aprisiona-
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mento imaginário do discurso do Outro materno. E a figura paterna é
peça chave para a efetivação desse jogo constitutivo. Sua fragilidade ou
o enfraquecimento de sua imagem retorna como sintoma. Assim como as
palavras que insistem em retornar de Letícia, que clama por um pai,
após muitas de suas reclamações em relação a Sandro.
Andréa: Quem te disse isso?
Letícia: Foi minha mãe que disse pra mim te fala. Ai (nervoso), eu
nunca se lembro das coisas.
Referências bibliográficas
Lacan, Jacques. Escritos 1 e 2. Argentina: Siglo Vintiuno Editores, 1988.
________. O seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1979.
Rodulfo, Ricardo. O Brincar e o Significante. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.
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A estruturação do sujeito pelo simbólico
parental e social: particularidades
psíquicas na escola e na clínica
Morgana Martins Grudzinski Iriart1
Introdução
Entendo por particularidade psíquica eventuais transtornos que possam surgir no decorrer do desenvolvimento infantil e que podem abranger
as esferas estrutural (composta por aspectos cognitivos, subjetivos e orgânicos) e instrumental (da ação mais direta do sujeito no mundo: linguagem
e comunicação, psicomotricidade, aprendizagem, organização de hábitos
de vida, jogos e processos de socialização).
Após algumas considerações teóricas, faço o relato de duas vivências
com a infância a partir de dois lugares de atuação, o de professora, onde
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Pedagoga e Psicopedagoga Clínica, Especialista em Transtornos do Desenvolvimento na Infância e Adolescência – Abordagem
Interdisciplinar pelo Centro Lydia Coriat. Porto Alegre – RS.
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desafio o desenvolvimento e a aprendizagem do sujeito no grupo, levando
em conta recortes do funcionamento familiar e, num segundo relato, trago
o caso de uma menina atendida em Clínica Psicopedagógica, em que a
aposta é na estruturação do brincar. Neste trabalho, pretendo fazer algumas relações entre aspectos estruturais e instrumentais do desenvolvimento infantil.
Início da experiência simbólica no bebê
Para a Epistemologia Genética, o bebê se estrutura cognitivamente através do movimento e da ação sobre o meio. O simbolismo passa a surgir
após as vivências do Período Sensório-Motor, quando a criança explora o
mundo através das percepções e da motricidade. Ela constrói inicialmente
esquemas de ação, para que a sua inteligência passe a se tornar simbólica,
instrumentalizada, então, pelo jogo simbólico, a fala, a imitação diferida, o
desenho e a imagem mental.
Já no viés psicanalítico, o início da constituição do registro simbólico
acontece em um momento psíquico infantil anterior à instalação da função semiótica piagetiana. Para Sigmund Freud, em Além do Princípio do
Prazer (1920) o simbólico no bebê inicia pelo jogo chamado por ele de
Fort-Da2. O desaparecimento e aparecimento do objeto-carretel ajuda a
aplacar a angústia infantil diante da ausência temporária da mãe, simbolizando esta ausência através da brincadeira de arremessar e resgatar objetos e, ainda, de acordo com o relato de Freud, o bebê demonstrava uma
maior satisfação com a volta do objeto. Tal jogo de “ir e vir” traz uma segurança do retorno esperado da mãe, sua maior fonte de satisfação no momento.
O psiquismo está em estruturação e cria condições para que cada saída
da mãe não desorganize psiquicamente o bebê. Poder aguardar a mãe brin-
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Freud observou seu neto, então com 18 meses, lançando o carretel que ia (dizendo algo como Fort! – em alemão) e vinha
(Dá!) das suas mãos, Freud compreendeu com isso que o carretel era usado para brincar de “ir embora”, nunca ocorrendo
ao neto brincar com o carretel como se fosse um carro. No jogo, a criança passou a assumir um papel ativo com relação à
ausência da mãe.
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cando é algo esperado de uma criança por muitos anos. Tal brincadeira cria
condições para as aquisições na aprendizagem, no conhecimento do mundo e sua exploração criativa.
Registro simbólico e funções parentais
Nas relações familiares, pai e mãe assumem (de forma inconsciente)
papéis diferenciados na constituição psíquica do filho, ainda que os dois
possam “forjar” nele um “projeto simbólico”, que se sustenta antes mesmo
do nascimento do bebê. A mãe, em particular, inscreve no corpo do filho
vivências (que se tornam significantes) que darão origem às funções subjetivas e cognitivas através das pulsões do olhar, da voz (mamanhês) e do
aconchego do corpo. Nesses meses iniciais da vida do filho, o pai faz o
suporte à função materna, e, após o ingresso do bebê no estágio do espelho,
ele vai articulando seu estilo de cuidado, fazendo uso de recursos imaginários às referências simbólicas. O pai vai inaugurando, assim o que dará
origem à cadeia significante do laço social3.
Uma das funções estruturantes da mãe neste momento de vida da
criança é a alternância da sua presença, com ausências que possam promover no bebê uma falta, falta esta que será fundante do desejo e da
curiosidade/aprendizagem. “Alucinar” o suprimento de suas necessidades
vai dando condições ao bebê de estruturar-se em termos de pensamento.
Transitivismo e fundação do eu
O Transitivismo é um processo estruturante em que a mãe começa a
supor um eu no filho, “falando o bebê” em suas necessidades e supostos
anseios, promovendo, assim, uma diferenciação dela própria com o bebê e
um enlace linguístico com o simbólico humano. Jacques Lacan dá um teor
mais processual a esse conceito, que tem origem na Psiquiatria alemã, pois
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Conforme Molina, Polígrafo Digitado (Centro Lydia Coriat).
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associa o transitivar à fala da mãe dirigida ao seu bebê, que ainda nada sabe
da linguagem, mas que,
para logo vir a saber, terá que ter sido suposto capaz de fazê-lo. A
função do transitivismo passa pela antecipação que a mãe faz sobre
os gestos do seu filho (gestos, fonações, choros/apelos), criando
assim, uma demanda, a partir da suposição de saber que ela empresta a ele. É um convite à fala, muito embora ela não fique
esperando que ele lhe responda, no real, ao que ela o supõe simbolizar, imaginariamente. Essa é uma operação de recobrimento do
real, pelo imaginário e pelo simbólico (Reis, 2006, p. 17)
O Transitivismo efetuado pela mãe tem lugar no corpo da criança, onde
o mundo é recepcionado, tomando forma e consistência. É chamado “golpe
de força” o que a mãe faz, levando o filho a ele próprio experienciar o que
somente os outros até então haviam experienciado A mãe enlaça, assim, o
filho ao registro simbólico através do seu discurso transitivista. Essa forçagem
contrasta dos suaves cuidados maternais iniciais.
A mãe passa por uma divisão, é explicada como sendo a fundadora da
função transitivista da mãe, pois, ainda que o filho não se manifeste quando há dor, a mãe fala da dor a ele, como se ela mesma sofresse, se dividindo
entre ela mesma e ele4. Neste processo de diferenciação, a mãe institui no
filho o Grande Outro, a partir de seu próprio, admitindo um querer próprio na criança. A mãe castrada, ao transitivar, faz uma hipótese de que o
filho tenha seu saber próprio, suas hipóteses e suas vivências, que podem
ser diferentes das dela (mãe).
Esse enlace simbólico promovido pela fala materna é de interesse teórico maior deste artigo. Importante salientar que, após vivida intensamente
a fase do Espelho, em que a criança se vê pelos olhos maternos, a mãe pode
4
Bergès e Balbo, 2002, p. 24.
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dizer-lhe que não há mais necessidade dela para que o filho se veja. Essa
negação é importante para que a criança se constitua, fazendo aparecer a
virtualidade como constituição simbólica5.
Os autores citam esse momento como sendo uma passagem importante
no tocante à imagem imaginária e à imagem simbólica. A criança, antes
especular em sua visão dela mesma, passa a querer apreender sua imagem,
tornando essa inscrição simbólica. Para que ocorra essa passagem transitivista
e a inauguração simbólica, é preciso que o par mãe e filho esteja em relação
dialética, espiralada, não sendo possível permanecer em relação dual. O
terceiro que habita a mãe opera no processo de instituição do eu no filho.
Daí se passa a constituição de um sujeito de desejo e, acrescento, de aprendizagens e conhecimento.
O laço materno, neste momento da constituição do filho, funda o sujeito, diferenciando-o dela própria nos anos iniciais de vida. Esta “vida própria” assumida pelo sujeito, ou seja, a apropriação da imagem de si, muito
constituída nesta fase transitivista, dará origem ao sujeito que aprende, se
relaciona, joga, se socializa. Entendo que a estruturação psíquica alicerça a
instrumentalização do sujeito no mundo e sua complexidade de relações
dentro do laço social.
se, ‘no revezamento’ transitivista, a criança recebe o bastão de sua
mãe e se torna, por sua vez, transitivista, a clinica nos mostra que
outras pessoas vão, também, tomar desse bastão e passá-lo adiante:
professores e educadores especialmente, que vão, eles próprios,
exigir da criança que ela se identifique a seus discursos sábios,
porque fazem a hipótese de que o que eles lhe transmitem se articula a um saber que ela já possui. Na clínica, os fracassos das aprendizagens não podem ser corretamente abordados se não se levam em
conta os desvios do transitivismo (p. 12)
5
De acordo com Bergès e Balbo, 2002, p. 59.
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A subjetivação infantil ocorre nos diferentes locais que a criança circula, a saber, na família, na escola, na clínica, enfim, no convívio com adultos
e com os pares. Uma visão clínica na escola é de suma importância para
que professores lidem de forma adequada com as particularidades psíquicas dos alunos, o que, entendo, deve vir alicerçado do entendimento de
um funcionamento inconsciente (além do pré-consciente e consciente que
a escola aborda no ensino e na construção de estrutura cognitiva, de atenção, de memória, de pensamento). O pai, ou aquele que exerce a função
paterna, portanto, é também responsável pelo sustento do ordenamento
simbólico no filho.
Joel Dör (1991, p.14) explica que “por mais que tenhamos, entretanto,
que considerá-lo como um ser, trata-se menos de um ser encarnado do que
de uma entidade essencialmente simbólica que ordena uma função”. O pai,
ou seu representante, então, passa a trazer condições para que o sujeito se
“liberte” da relação prazerosa e por vezes aprisionante com a mãe, podendo
olhar outras instâncias de satisfação, como aquele que exerce a função paterna e outras vivências que não somente aquelas que a mãe, no seu aconchego, oferece ao filho. As aprendizagens se consolidam na medida em que
a função simbólica e legisladora do pai abre possibilidades de crescimento
e curiosidade ao pequeno sujeito. Quando a função paterna falha ou até
mesmo é inexistente, vemos nas crianças uma aliança imaginária com a
mãe, que pode limitar, em muito, seu desenvolvimento instrumental.
“Eu não sei... Mas eu não, não sei...”
M. é um menino de 6 anos que sempre respondeu às produções préescolares com um repetido “não sei”, nunca atribuindo um valor pessoal
aos seus desenhos ou modelagens. Em entrevistas com a professora, a mãe
refere-se ao filho como sendo doentinho e explica que M. passou por
internações hospitalares devido a problemas respiratórios. O pai, um ho-
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mem na faixa etária dos 60 anos, já com filhos adultos, concebe que a
criança deva ser educada a partir dos 7 anos, sendo quando começa a entender as coisas (sic mãe). Na escola infantil, a fala da mãe é de que o filho
não gosta de nada, não quer se fantasiar nas festas, não participa das atividades. No ensino fundamental, as queixas da mãe dizem respeito ao filho
não prestar atenção na aula, esquecer o que a professora ensina, ficar parado olhando para o teto da sala de aula, enfim, só quer brincar.
M. muitas vezes mantinha o olhar e o sorriso estático para mim, sua
professora, se assegurando de ser olhado e notado. Sua fala se mostrava
bastante lenta. M. se ocupava de alguns jogos de montar e de encaixe,
mantinha pouca expressividade no Jogo Simbólico. Em suas produções
gráficas e plásticas havia o predomínio de uma acomodação de pensamento, onde a cópia suplanta a criação6. M. deixava sua passividade de lado ao
bater nos colegas. Vale dizer que as minhas intervenções no âmbito escolar,
além das pedagógicas, eram a de buscar ampliar o diálogo da escola com a
família, onde as mães falam acerca da criação dos filhos e algumas articulações são buscadas no sentido de promover o desenvolvimento sadio das
crianças.
À história de vida deste menino subjaz uma ideia de estar no mundo
de forma empobrecida, com recursos simbólicos e linguísticos que fogem à
expectativa dos adultos. Tenho como hipótese que há falhas na relação
transitivista da mãe com o filho, sua mãe parte do entendimento de que
suas premissas são a verdade, e é dotada de saberes que predominam diante da suposição dos saberes do filho. Entendo que o mundo toma consistência para a criança através do transitivismo, assim como a aprendizagem
se estrutura a partir do descobrimento do mundo através do deciframento
materno transitivista.
O filho cognitivamente falhado pode escutar o discurso da mãe, nada
retirando daí como significante, uma vez que não tem nenhum controle
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Segundo Sara Paín, 1989.
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sobre os significantes do grande Outro materno. Com efeito, para sua mãe,
no que diz respeito ao significante, esse filho é um rival. É nessa medida
que ela só lhe endereça o imaginário, e reserva para si o significante7.
Como vimos, neste caso o sustento materno em termos simbólicos é de
uma carência tal que afeta a subjetividade e cognição do menino. A inconsistência simbólica, neste caso, promove um risco eminente de cristalização de um funcionamento deficiente, por isso trago os autores Bergès e
Balbo quando falam de Falha Cognitiva. Há uma suspeita de transtorno
cognitivo ligado à ineficácia simbólica parental, prevalente nos primeiros
anos de vida do menino.
“Eu já tô aprendendo a brincar...”
E., 6 anos, mostra-se satisfeita em uma sessão de atendimento clínico
ao me dizer que está aprendendo a brincar, quando eu peço a ela que escreva seu nome em um desenho. Na história de vida desta criança há elementos que a levaram a um brincar inicial após os 5 anos de idade. E. nasceu
bem, mas após um período de 1 mês em casa tivera de ser hospitalizada por
uma infecção originada no umbigo, que levou ao uso de antibióticos pesados, anticonvulsivantes, e um período de internação hospitalar e entubação
por vários dias. A partir desta vivência dolorosa, os pais assumiram cuidados extremos ao dia a dia da filha. Cada reação do corpo era valorizada
como um risco à saúde tão frágil de E.
A mãe percebeu que, por volta dos 3 anos, E. manuseava os brinquedos e não brincava como as outras crianças e por algum tempo repetiu falas
que os adultos referiam a ela. Aos 5 anos, houve uma queixa escolar de que
a aluna não acompanhava a turma de Jardim A.
Na avaliação clínica, já aos 5 anos e 10 meses, a brincadeira com bonecas e bolsas começou a aflorar. Em muitos momentos aconteciam confusões
7
Bèrges e Balbo, 2003, p. 183.
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nos papéis assumidos, como ela assumindo o papel de mãe, filha e professora. As bonecas eram jogadas ao chão e manuseadas como um mero objeto
sem vida. As brincadeiras passaram a ser de grande envolvimento da paciente e da terapeuta, formando um vínculo mais efetivo, sendo denominado
pela menina de irmãs. O brincar tardio que E. vivenciou trouxe uma particularidade em seu desenvolvimento, que envolveu um déficit no âmbito
simbólico.
Pude observar, após algumas brincadeiras, um movimento transitivista
da menina-mãe com sua boneca-filha. Fazer uma leitura da brincadeira
levando em conta aspectos da sua constituição subjetiva me levou entender o funcionamento cognitivo de uma forma mais integrada à subjetividade. A presença de um registro simbólico se faz fundamental para que a
brincadeira acontecesse, pois, neste caso fica bastante evidente que a manipulação inicial dos brinquedos dizia de um déficit simbólico estrutural
na menina.
Acredito que para uma boa atuação na clínica Psicopedagógica interessa fazer alguns alinhavos da história dos pacientes, a fim de que haja uma
apropriação maior de seus enredos pessoais. Pois “o brincar é o cenário no
qual a criança apropria-se dos significantes que a marcaram”8.
Os pais passaram a assumir com uma maior segurança a criação da
filha. O pai, em particular, passou a exercer uma maior autoridade nos
momentos difíceis protagonizados por ela, como nas saídas da sessão, em
que queria brinquedos que ela havia deixado em casa. Após alguns meses,
uma psicóloga indicada por mim passou a atender a menina semanalmente,
sendo os pais bem mais permeáveis às intervenções terapêuticas. Houve
uma troca de escola, o que foi bastante positivo para seu desenvolvimento,
pois na nova escola há um olhar mais integrador entre as dificuldades e o
8
Segundo Elza Coriat, citada por Gerson Pinho (2006, p. 185).
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que E. pode efetivamente aprender. E. tem começado a desenhar mais,
mostrando uma constituição de corpo mais simbólica.
A terapeuta que atua na clínica psicopedagógica tem o dever ético, a
meu ver, de ampliar o olhar social imaginário com elementos para além do
universal da patologia, traçando uma visão apurada e específica do sujeito,
que pode vir a vivenciar ganhos sociais importantes nas relações e nas
aprendizagens.
Referências bibliográficas
BERGÈS J. e BALBO, G. Jogo das posições da mãe e da criança: Ensaio sobre o construtivismo. Porto Alegre, CMC Editora: 2002.
_____________. Psicose, autismo e falha cognitiva na criança. Porto Alegre, CMC Editora: 2003.
DÖR, J. O pai e sua função em Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991.
FREUD, S. Além do Princípio de Prazer (1920). In: Obras psicológicas completas. Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago,
1996.
MOLINA, S. E. Formações clínicas neuróticas em posição tangencial ao laço social. Polígrafo digitado fornecido no curso Diagnóstico e Tratamento dos Transtornos do Desenvolvimento no Centro Lydia Coriat. Porto Alegre: 2006.
PAIN, S. Diagnóstico e Tratamento dos Problemas de Aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
PINHO, G. S. O Brincar na Clinica Interdisciplinar com a criança. Escritos da Criança. Porto Alegre: Publicação do Centro Lydia
Coriat, 2006.
REIS, B. K. Da atopia ao laço Social. Dissertação der Mestrado. Porto Alegre: UFRGS, 2006.
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debates.
A literatura como menta e mento
da sociedade
Breno Serafini¹
Comida (Titãs)
A gente não quer só comida
A gente quer saída
Bebida é água!
Para qualquer parte...
Comida é pasto!
Você tem sede de que?
1
A gente não quer só comida
Você tem fome de que?...
A gente quer bebida
A gente não quer só comida
A gente não quer só comida
A gente quer comida
A gente quer a vida
Diversão e arte
Como a vida quer...
Diversão, balé
Revisor de língua portuguesa da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e doutorando em Letras pela UFRGS.
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debates.
Bebida é água!
E felicidade
Comida é pasto!
A gente não quer
Você tem sede de que?
Só dinheiro
Você tem fome de que?...
A gente quer inteiro
A gente não quer só comer
A gente quer comer
E não pela metade...
Diversão e arte
E quer fazer amor
A gente não quer só comer
A gente quer prazer
Para qualquer parte
Diversão, balé
Como a vida quer
Prá aliviar a dor...
Desejo, necessidade, vontade
A gente não quer
Necessidade, desejo, eh!
Só dinheiro
Necessidade, vontade, eh!
A gente quer dinheiro
Necessidade...
Ao falar de literatura, falar de arte, falo de coisas que mexem com as
pessoas, que fazem parte do cotidiano. Sim, porque a arte está em toda
parte. Até os engenheiros, quando se referem a viadutos, por exemplo,
referem-se a “obras de arte”. Por aí se vê o quanto o ser humano participa e
interage com formas criativas e únicas que dão um colorido à existência.
Das pinturas ruprestes ao mais último projeto de design, o homem sempre
correu atrás do não básico, do não essencial e, por isso mesmo, comprovadamente básico, vital. Por isso a música dos Titãs: o homem, mesmo que
não saiba, não se contenta só com comida; quer mais, diversão, balet. Ouso
dizer que, sem expressão artística, não seríamos nada, explodiríamos, até.
Quem até hoje não se deliciou com uma paisagem, ou com a reprodução da
mesma, com uma música, com um livro, com um filme, com uma animação
ou com uma escultura? As várias formas de arte estão tão amalgamadas ao
nosso cotidiano que nem percebemos que aquilo ali é arte da mais especializada, rigorosa até, às vezes. Nesse caso, poderíamos incluir a publicidade, os livros didáticos etc. Tudo que o homem põe a mão vira arte
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(artesanato, artesania etc.). Nesse caso, poderíamos considerá-la o bálsamo, a menta que refresca nossos dias...
Mas, além disso, o engenho é que são elas. A verdadeira criação pressupõe engenho. Talvez por isso Camões tenha falado em “engenho e arte”;
mais ou menos como a diferença básica entre poema e poesia. A poesia
pode estar em todas as coisas, já um poema é uma forma que até pode se
fazer em poesia. Um raio de sol pousado na página em branco pode ser
poesia pura, já reproduzir em palavras escritas essa imagem, pra que fique
iluminada a página aos olhos (e mente) do leitor, só com muita engenhosidade. E essa engenhosidade na maioria das vezes requer muito trabalho,
muito além da inspiração, transpiração. João Cabral que o diga.
Assim, além da questão da inspiração, do trabalho, temos a engenhosidade da arte. E quem são esses engenheiros da composição? Poetas,
seresteiros, namorados, correi... Segundo Ezra Pound, são a “antena da
raça”. Aqueles que fazem arte (ou poesia) na sua versão mais desenvolvida,
mais especializada. Estes, por seu turno, nem sempre sabem se o fazem por
escolha ou missão. Muitos escolheram a palavra, outros foram colhidos e/
ou tragados por ela.
Assim, muitos escritores, e vamos somente nos atermos agora aos
artistas da palavra, com seu telencéfalo altamente desenvolvido e seu polegar opositor, mas, mais que isso, com a sua engenhosidade e criatividade,
conseguem criar mundos paralelos que nos deliciam e nos fazem refletir
sobre a nossa própria realidade. Sim, sabemos que a realidade supera a
ficção, mas esta nos ajuda a refletir sobre aquela; é o seu reflexo, mesmo
que distorcido, portanto passível de “verossimilhança”. Como homenagem
aos nossos irmãos de língua espanhola, tomo dois textos que servem exemplarmente ao que me refiro. Num deles, a partir da simples contagem de
uma roleta de metrô, da diferença do número dos que saem para os que
entram, portanto tendo como base a matemática, descortina-se todo um
universo de possibilidades de uma estrutura social subterrânea, para refletir sobre a humanidade (como no filme Subway, de Luc Besson). Noutro, a
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partir de um grande engarrafamento, que dura dias, é construído um
microcosmo em que aparecem as sutilezas nem sempre positivas da natureza humana, principalmente em sua condição gregária. E isso sem o
catastrofismo de um 1984, ou Admirável Mundo Novo, ou Fahrenheit 451,
ou Laranja Mecânica, etc. O autor de que vos falo, vários já devem ter
percebido, é Cortázar, com seus contos A rodovia do sul e pequeno conto de
uma caderneta. Numa linguagem apurada, a narrativa nos envolve e nos
faz refletir sobre a condição daqueles personagens, portanto sobre nós mesmos. Poucos conseguem, com essa magnitude, construir, a partir de uma
cena ou situação banal, uma constelação de figuras que, em sua luz própria
nem sempre escolhe o caminho mais ético (ou moral), revelando nossa
condição (animal).
Assim, dessa forma, aqueles conseguem criar, com inventividade,
emocionando os leitores e fazendo-os refletir sobre o que leem, para chegarem a isso em muito se recolheram ao claustro da criação. Do lado brasileiro, só para citar alguns, lembro-me de Rubem Fonseca, que, em seu
conto Relato de ocorrência..., faz uma síntese (brutalizada) da raça humana;
outro, este o maior de todos, Machado de Assis, que fez a mais sintética
fotografia da transição do Império à República brasileiros, mediada pelo
sintoma escravidão (de que é exemplo Pai contra mãe), ou na crítica ao
positivismo da época, como em O alienista. Não fosse a língua (portuguesa)
a atrapalhar, Machado seria maior ainda.
Nesse sentido, o termo antena da raça é extremamente apropriado:
aqueles que conseguem sobreviver – ou sua obra – ao tempo, ou mesmo
que só foram reconhecidos tardiamente – ou postumamente – muito dedicaram de suas vidas à criação. Como disse Vinícius de Moraes, “a poesia
foi para mim uma mulher cruel em cujos braços me abandonei sem remissão, sem sequer pedir perdão a todas as mulheres que por ela abandonei”.
Esses, podemos dizer, ao criarem, expuseram-se de tal forma que suas vísceras ficaram à mostra, os urubus no entorno, buscando os designos – o
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que lembra os antigos, que buscavam, nas entranhas dos pássaros, o futuro. Dessa forma, surgia o vate, o vaticínio. O poeta (e o escritor) mira no
que viu e acerta no que não viu. Nem sempre cabe a ele a decodificação de
toda a extensão de sua obra. Mas a entrega a ela geralmente é inexorável.
A palavra cobra caro a sua missão. Nesse sentido, os escritores (e os artistas de modo geral), ao exporem a sua sensibilidade revelam a sua própria
fragilidade, fragilidade humana, por certo, mas, mais do que nunca, subjetiva, visceral. Aqueles que conseguem, com suas penas – e aí o duplo
sentido se impõe – fazer a pena do outro, são mais que fingidores, são
criadores, portanto, senão antenas, pelo menos para-raios de sua raça.
Nesse sentido, põem a cara para bater, em nome da (sua) humanidade,
esta sim, na maioria das vezes, um fio-terra.
É nessa confluência entre o frescor da vida (menta) e a missão, botando
a cara para bater (mento), nem sempre desejada ou explícita, que a literatura (ou a arte) oferece como vítima o autor (ou artista). Ele, mais do que
ninguém, sabe o quanto é humano, demasiadamente humano. Assim, como
os deuses gregos, é só reflexo do que acontece à sua volta, céu estilhaçado,
sem garantias de redenção: títere sem titereiro que cria outras formas também imperfeitas, portanto humanas... numa circularidade elíptica que vai
juntando vida e arte, arte e vida ad infinitum.
Por último, gostaria de refletir sobre a adaptação de um texto do dramaturgo alemão Tankred Dorst, o monólogo Ich Feuerbach, ao qual tive o
privilégio de assistir, em atuação do multipremiado ator gaúcho Leverdógil
de Freitas, precocemente falecido. Na peça, que trata de um ator desempregado à procura de trabalho, o narrador relata que, quando menino, ao ver
uma representação teatral em praça pública, maravilhado, perguntou à mãe
quanto se pagava para subir ao palco, tendo a mesma respondido que não
custava nada, que o público era que pagava para assistir ao espetáculo.
Anos depois – continuava relatando ele –, tendo escolhido a vida de ator,
descobriria muito tarde que pagaria ao teatro com a vida.
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Biromes Y Servilletas
(Leo Masliah)
En Montevideo hay poetas, poetas, poetas
Que sin bombos ni trompetas, trompetas, trompetas
Van saliendo de recónditos altillos, altillos, altillos
De paredes de silencios, de redonda con puntillo.
Salen de agujeros mal tapados, tapados, tapados
Y proyectos no alcanzados, cansados, cansados
Que regresan em fantasmas de colores, colores, colores
A pintarte las ojeras y pedirte que no llores.
Tienen ilusiones compartidas, partidas, partidas
Pesadillas adheridas, heridas, heridas
Cañerias de palabras confundidas, fundidas, fundidas
A su triste paso lento por las calles y avenidas.
No pretenden glorias ni laureles, laureles, laureles
Sólo pasan a papeles, papeles, papeles
Experiencias totalmente personales, zonales, zonales
Elementos muy parciales que juntados no son tales.
Hablan de la aurora hasta, cansarse, cansarse, cansarse
Si tener miedo a plagiarse, plagiarse, plagiarse
Nada de eso importa ya mientras escriban, escriban, escriban
Su mania su locura su neurosis obsesiva.
Andan por las calles los poetas, poetas, poetas
Como si fueran cometas, cometas, cometas
En un denso cielo de metal fundido, fundido, fundido
Impenetrable, desastroso, lamentable y aburrido.
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En Montevideo hay biromes, biromes, biromes
Desangradas en renglones, renglones, renglones
De palabras retorciéndose confusas, confusas, confusas
En delgadas servilletas, como alcóholicas reclusas.
Andan por las calles escribiendo, y viendo y viendo
Lo que vem lo van diciendo y siendo y siendo
Ellos poetas a la vez que se pasean, pasean, pasean
Van contando lo que vem y lo que no, lo fantesean.
Miran para el cielo los poetas, poetas, poetas
Como si fueran saetas, saetas, saetas
Arrojadas al espacio que un rodeo, rodeo, rodeo
Hiciera regresar para clavarlas en Montevideo.
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Como é doce o seu perfume!
Thaïs Maciel de Mesquita
Naquela fria manhã de dezembro de 1977 Benjamin Parker acordou
sobressaltado, passara uma noite aterrorizante, sem dúvida, a pior de toda
sua vida.
Mesmo assim levantou tarde, tomou um banho demorado, privilégio
para esse dia, e vestiu um uniforme limpo, igual ao de todos os dias. Escolheu a refeição, mas sequer sentiu o gosto da comida. De tudo, o mais
difícil foi a despedida de sua mãe, os olhos dela não conseguiram esconder
tamanha dor.
Quando o relógio marcou 18 horas, o corpo tremeu. O corredor comprido e sombrio parecia maior porque a corrente nos tornozelos dificultava
os passos. A pequena câmara parecia abafada, por isso sentiu uma forte
vontade de abrir a janela de vidro espelhado, mas foi colocado na maca e
amarrado com tiras de couro nos pulsos e nos tornozelos que impediam
seus movimentos. Só conseguiu virar a cabeça num esforço para olhar atra-
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ensaio.
vés do vidro, mas apenas a imagem de um homem acabado foi refletida.
Sabia que Molly estaria do outro lado da janela na sala das testemunhas,
quase podia sentir a presença dela observando tudo com seus olhos de dor
e ódio, desejando que sofresse bastante antes de partir desse mundo. Uma
aura de melancolia espalhou-se pelo ar.
A fisgada no braço interrompeu seus pensamentos, o médico recém
colocara os tubos intravenosos e já sentia o líquido ardendo nas veias enquanto as preces do capelão, encaminhando sua alma, penetravam nos
ouvidos como gotas de ácido a corroer sua vida, lentamente.
Da sala contígua, o olhar de Molly permanecia fixo em Benjamin, não
queria perder nenhum movimento, nenhum gesto. Dia após dia, desde
aquela manhã de inverno de 1965 esperou por este momento. Os primeiros raios de sol começavam a surgir e ela já ia apressada rumo à universidade. As ruas ainda estavam desertas, apenas Margareth abria sua loja de
confecções e, um pouco adiante, próximo ao portão da casa abandonada,
um rapaz magro, com o pé em cima do muro, amarrava o tênis. Observou
que usava um gorro preto e o moletom, também preto, estampava nas
costas a bandeira do Texas com a frase – Lone Star State – em vermelho.
Não viu o rosto, mas as pernas lembravam as de um cowboy, compridas e
arqueadas. Nunca o vira antes, quem dera nunca tivesse cruzado o seu
caminho. Ao passar por ele sentiu um aperto na garganta, uma poderosa
mão tapou sua boca e a asfixiou. Tentou reagir, mas já estava completamente imobilizada. Ele a arrastou para dentro da casa velha e jogou-a ao
chão, onde rasgou seu vestido com violência, vendou os olhos e encheu
sua boca com os pedaços arrancados do tecido. Com calma tirou os cadarços dos tênis enquanto ela se debatia em vão e, contra as costas, amarrou
os pulsos que começaram a latejar no mesmo ritmo desesperado das batidas do coração. O corpo dele caiu sobre o seu como uma lápide, a barba
mal feita arranhou a pele, a língua repugnante deslizou pelos seios, lambeu o pescoço, o rosto e no ouvido repetiu: “como é doce o seu perfume!”. O cheiro de mofo das tábuas podres do assoalho, misturado ao do
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Jornada do Percurso em Psicanálise de Crianças.
próprio sangue, impregnaram suas narinas e ela só conseguia sentir medo,
raiva, nojo, impotência, até não sentir mais nada.
Da loja, Margareth estranhou ao ver um homem sair correndo da casa
abandonada, sujo, com as roupas descompostas. A polícia encontrou Molly
desacordada e, em coma permaneceu por vinte e dois dias, com o maxilar e
a bacia fraturados, o baço rompido e vários cortes profundos.
Três semanas depois um rapaz foi preso quando chegava a sua casa,
num bairro pobre da periferia, onde morava com a mãe e uma irmã pequena. Vestia um moletom preto com a bandeira do Texas. Tinha 25 anos,
trabalhava num posto de gasolina durante o dia e estudava à noite. Não
tinha antecedentes criminais. Isso foi tudo o que Molly soube dele.
O diretor da penitenciária leu as acusações feitas a Benjamin Parker
e autorizou o início da execução. Seguindo o procedimento explicou
que o condenado à morte por injeção letal receberá a primeira droga – o
tiopental sódico – um anestésico forte que o deixará inconsciente e paralisará o sistema respiratório. Sua voz, distorcida pelas interferências do
alto-falante, adquiria um tom assustador ao chegar à sala das testemunhas
o que provocava em Molly a estranha sensação de estar participando de
um filme de terror.
O médico injetou a substância.
Passaram-se dez minutos.
Benjamin Parker mantinha os olhos abertos quando eles começaram a
ficar transparentes e remexer. A pele foi adquirindo uma coloração palidamente amarela.
Molly respirou fundo na tentativa de recuperar o ar que entrava com
dificuldade, seu receio era sufocar junto com ele. Apertou os dedos com
força e sua boca contraiu-se de tal forma que os lábios desapareceram.
A voz macabra tornou a anunciar que o segundo produto será injetado – o brometo de pancurônio – que paralisará os músculos. As mãos
inquietas de Molly suavam.
Um minuto mais.
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ensaio.
Ele permanecia imóvel, olhos abertos, sem emitir som algum. Algumas
lágrimas escorriam.
O alto-falante avisou que a terceira e última substância será administrada – o cloreto de potássio – que, suavemente, fará parar o coração.
Molly sequer piscava.
Dois minutos após, os lábios de Benjamin começaram a adquirir uma
leve tonalidade azul e seus olhos, já sem cor, continuavam abertos.
Quatro minutos mais e ele deu um profundo suspiro.
O médico comunicou o que todos já sabiam.
Molly desabou na cadeira num profundo alívio, mal conseguia acreditar que, enfim, livrava-se daquele peso de lápide que a atormentou durante doze anos.
Anoitecia quando ela tomou o rumo de casa, passos leves, o vento
frio tocando o rosto e esvoaçando os cabelos numa agradável sensação
de liberdade. Bruscamente estancou, uma poderosa mão tapou sua boca
e uma voz conhecida murmurou ao seu ouvido: “como é doce o seu
perfume!”.
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agenda.
eventos do ano
2011
data
local
evento
30/09 a 02/10 Ritter Hotéis – Porto Alegre/RS
Jornada do Instituto APPOA
agenda
agosto. 2011
dia
hora
atividade
05, 12, 19 e 26
14h
Reunião da Comissão da Revista
04, 11, 18 e 25
19h30min
Reunião da Comissão de Eventos
05, 12 e 19
16h30min
Reunião da Comissão de Aperiódicos
08 e 22
20h30min
Reunião da Comissão do Correio
04
21h
Reunião da Mesa Diretiva
18
21h
Reunião da Mesa Diretiva aberta aos Membros
próximo número
11 de setembro
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normas editoriais do Correio da APPOA
O Correio da APPOA é uma publicação mensal, o que pressupõe um
trabalho de seleção temática – orientado tanto pelos eventos promovidos pela
Associação, como pelas questões que constantemente se apresentam na clínica –, bem como de obtenção dos textos a serem publicados, além da tarefa
de programação editorial.
Tem sido nosso objetivo apresentar a cada mês um Correio mais elaborado, quer seja pela apresentação de textos que proporcionem uma leitura
interessante e possibilitem uma interlocução; quer pela preocupação com os
aspectos editoriais, como a remessa no início do mês e a composição visual.
Frente à necessidade de uma programação editorial, solicitamos que sejam respeitadas as seguintes normas:
1) os textos para publicação na Seção Temática, Seção Debates, Seção
Ensaio e Resenha deverão ser enviados por e-mail para a secretaria da
APPOA ([email protected]);
2) a formatação dos textos deverá obedecer às seguintes medidas:
– Fonte Times New Roman, tamanho 12
– O texto deve conter, em média, 12.000 caracteres com espaço
– Notas de rodapé em fonte tamanho 10
3) as notas deverão ser incluídas sempre como notas de rodapé;
4) as referências bibliográficas deverão informar o(s) autor(es), título da
obra, autor(es) e título do capítulo (se for o caso), cidade, editora, ano, volume
(se for o caso);
5) as aspas serão utilizadas para identificar citações diretas;
6) citações diretas com mais de 3 linhas devem vir separadas do corpo do
texto, com recuo de 4 cm em relação à margem, utilizando fonte tamanho 10;
7) o itálico deverá ser utilizado para expressões que se queira grifar, para
palavras estrangeiras que não sejam de uso corrente ou títulos de livros;
8) não utilizar negrito (bold) ou sublinhado (underline);
9) a data máxima de entrega de matéria (textos ou notícias) é o dia 05, para
publicação no mês seguinte;
10) o autor, não associado a appoa, deverá informar em uma linha como
deve ser apresentado. A Comissão do Correio se reserva o direito de sugerir
alterações ao(s) autor(es) e de efetuar as correções gramaticais que forem necessárias para a clareza do texto, bem como se responsabilizará pela revisão das
provas gráficas;
11) a inclusão de matérias está sujeita à apreciação da Comissão do
Correio e à disponibilidade de espaço para publicação.
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comprovante deve ser enviado por fax ou e-mail, juntamente com o cupom,
ou via correio, com cheque nominal à APPOA.
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