Artigo de Revisão / Review Articie
Associação entre doença periodontal e alterações cardiovasculares: revisão dos achados atuais
Association between periodontal disease and cardiovascular disorders: review of current findings
Denise Regina Pontes Vieira1, Gabrielle Ribeiro Lima1, Anna Clara Fontes Vieira1, Fernanda Ferreira Lopes2, Maria Carmen Fontoura
Nogueira da Cruz2
1. Universidade Federal do Maranhão - UFMA, mestranda do programa de Pós-Graduação em Odontologia – Mestrado em Odontologia
2. Universidade Federal do Maranhão - UFMA, professora adjunta do curso de Odontologia. Doutora em Patologia Oral pela Universidade Federal
do Rio Grande do Norte
DESCRITORES:
RESUMO
Doença periodontal; Doenças cardiovasculares; Fatores de risco.
Inflamação crônica de qualquer fonte está associada a risco cardiovascular aumentado, e doença periodontal
é uma possível desencadeadora de inflamação crônica. A associação entre doença periodontal e alterações
cardiovasculares é biologicamente plausível. Desse modo, este trabalho tem como objetivo realizar revisão
da literatura atual no intuito de investigar se há associação entre doenças cardiovasculares e doença periodontal, verificando se esta se constitui em um fator de risco para as doenças cardiovasculares. Uma relação
causal direta entre periodontite e alterações cardiovasculares ateroscleróticas ainda não está estabelecida.
Diversos estudos apoiam dois mecanismos biologicamente plausíveis: 1) periodontite severa a moderada
aumenta o nível de inflamação sistêmica, e isso tem sido mostrado através de medições da proteína C-reativa
e outros biomarcadores; 2) na periodontite não-tratada, espécies bacterianas comumente encontradas nas
bolsas periodontais também têm sido encontradas nas placas de ateroma. Existem muitas controvérsias
sobre essa questão, principalmente quanto à causa e a mecanismos fisiopatológicos que expliquem essa
associação. Sendo assim, mais estudos são necessários para que se possa afirmar, com exatidão, se a doença
periodontal é ou não fator de risco para as alterações cardiovasculares.
Keywords:
ABSTRACT
Periodontal disease; Cardiovascular disease; Risk factors.
Chronic inflammation from any source is associated with increased cardiovascular risk, and periodontal
disease is a possible trigger of chronic inflammation. The association between periodontal disease and cardiovascular disorders is biologically plausible. Thus, this paper aims to review the current literature in order
to investigate if there is an association between cardiovascular disease and periodontal disease, verifying if
that it constitutes a risk factor for cardiovascular disease. A direct causal relationship between periodontitis
and atherosclerotic cardiovascular changes has not been established yet. Several studies support two biologically plausible mechanisms: 1) moderate to severe periodontitis increases the level of systemic inflammation and it has been shown by measurements of C-reactive protein and other biomarkers; 2) in untreated
periodontitis, bacterial species commonly found in periodontal pockets have also been found in atherosclerotic plaques. There is much controversy on this issue, especially regarding the cause and pathophysiological mechanisms that explain this association. Thus, further studies are required before to say with accuracy
whether periodontal disease is or is not a risk factor for cardiovascular disorders.
Endereço para correspondência
Maria Carmen Fontoura Nogueira da Cruz
Av. dos Portugueses - Campus do Bacanga, s/n
Prédio de Odontologia, Programa de Pós–Graduação
São Luís/MA CEP: 65000-000
Fone: (98) 3301-8577
E-mail: [email protected]
INTRODUÇÃO
Em todo o mundo, as doenças cardiovasculares são a
primeira causa de morte e projeta-se que elas continuem sendo, estimando-se que, no ano de 2015, 20 milhões de pessoas
morrerão de doenças cardiovasculares. Estas incluem doença
cardíaca coronariana, doença cerebrovascular, aumento da
pressão arterial, doença arterial periférica, dentre outras. Os
ataques cardíacos são causados, principalmente, por um bloqueio que impede o sangue de fluir para o coração ou para o
cérebro. A causa mais comum é a formação de depósitos de
gordura nas paredes internas dos vasos sanguíneos que suprem o coração ou o cérebro. Os vasos se tornam mais estreitos e menos flexíveis, o que é conhecido como aterosclerose.
É uma doença sistêmica, sendo a inflamação um importante
fator de risco adicional1-3.
Periodontite, doença inflamatória crônica, localizada e
induzida por bactérias, destrói o tecido conjuntivo e osso que
suporta o dente. A inflamação crônica de qualquer fonte está
associada com risco cardiovascular aumentado, e a periodontite é um possível desencadeador de inflamação crônica 4, 5 .
Está bem estabelecido que patógenos periodontais poOdontol. Clín.-Cient., Recife, 10 (4) 313-315, out./dez., 2011
www.cro-pe.org.br
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Vieira DRP, et al.
dem ocasionar infecções sistêmicas severas. Desse modo, as
bactérias são capazes de causar doenças em locais distantes. A
possível associação entre saúde bucal (especialmente doença
periodontal) e alterações cardiovasculares vem sendo, atualmente, objeto de vários estudos clínicos e laboratoriais. Uma
importante hipótese em cardiologia tem sido a de que infecções crônicas podem contribuir para a aterogênese. Estudos
epidemiológicos, associando inflamação sistêmica com aterosclerose e eventos cardiovasculares, têm mostrado consistente relação entre os níveis de marcadores inflamatórios sistêmicos com infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral
não-hemorrágico. Essa associação é biologicamente plausível,
e maior ênfase tem sido dada à consistência dos achados 6, 7.
Tendo em vista esses aspectos, este trabalho tem como
objetivo realizar revisão de literatura, a fim de investigar a associação entre doenças cardiovasculares e doença periodontal, verificando, dessa forma, se a doença periodontal constitui-se em fator de risco para as doenças cardiovasculares.
MECANISMOS DE AÇÃO
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Uma relação causal direta entre periodontite e alterações cardiovasculares ateroscleróticas ainda não está estabelecida. Diversos estudos, no entanto, apoiam 2 mecanismos
biologicamente plausíveis: 1) periodontite severa a moderada aumenta o nível de inflamação sistêmica, e isso tem sido
mostrado por meio de medições da proteína C-reativa e outros biomarcadores; 2) na periodontite não-tratada, espécies
bacterianas comumente encontradas nas bolsas periodontais
também têm sido encontradas nas placas de ateroma. Uma
relação indireta entre periodontite e alterações cardiovasculares ateroscleróticas se daria por meio de vários fatores de risco
que comumente ocorrem nas duas doenças. São eles: fumo,
diabetes mellitus, obesidade, inatividade física, história familiar das duas alterações, idade avançada e sexo. Esses fatores
atuariam como confundidores8.
Efetivamente, apesar de estar bem documentada a associação estatística entre as duas patologias, ainda não está
determinado, com exatidão, o mecanismo biológico que as
relaciona. Estão em curso linhas de investigação que tentam
encontrar essa pretensa relação9, 10.
Ação direta dos microrganismos
Autores que defendem essa ligação baseiam-se, sobretudo, na detecção de material genético de bactérias periodontais em placas de ateroma. De grande relevância para as
alterações cardiovasculares é a evidência da presença de DNA
de patógenos periodontais em placas ateroscleróticas de indivíduos com periodontite 9, 7.
Resposta imunológica do organismo
Existe a hipótese de serem os fenômenos imunológicos a estabelecerem a ponte entre infecções periodontais e
ocorrência de fenômenos tromboembólicos. Efetivamente,
havendo uma infecção crônica na cavidade oral, são constantemente lançados, na circulação, produtos bacterianos, como
é o caso das endotoxinas. Estas estimulam o sistema imune no
sentido da liberação de uma série de citoquinas inflamatórias,
que, por sua vez, vão influenciar a formação de ateromas9.
Indivíduos com periodontite apresentam mudanças nos
parâmetros de inflamação sistêmica: não apenas pacientes
com periodontite têm inflamação periodontal local aumentada mas também têm maior inflamação na circulação sanguínea. Quando comparados com indivíduos sadios periodontalmente, pacientes com periodontite têm maior número de
granulócitos circulantes ou maior concentração de marcadoOdontol. Clín.-Cient., Recife, 10 (4) 313-315, out./dez., 2011
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res da fase aguda, como a proteína C-reativa7.
Embora a hipótese da inflamação forneça uma explicação plausível e atrativa para a relação periodontite/aterosclerose, mais estudos são necessários para definir os mecanismos
que ligam essas duas doenças. Algumas questões deverão ser
respondidas em pesquisas futuras, como: A periodontite é um
fator de risco independente para doença cardiovascular aterosclerótica? Se sim, qual o mecanismo de relação e em qual
estágio da aterogênese isso é importante?8.
Proteína C-Reativa (PCR)
A intensidade e a persistência da reação inflamatória
associada à doença periodontal puderam ser avaliadas em pacientes com diagnóstico de doença arterial coronariana (DAC)
por meio da dosagem sérica de marcadores inflamatórios,
como proteína C-reativa (PCR), interleucinas e anticorpos direcionados a conhecidos patógenos da mucosa oral. Em recente
estudo, demonstrou-se que, apesar de não haver diferença estatisticamente significante nos níveis de PCR entre pacientes
com síndrome coronariana aguda (SCA) e diferentes estados
de saúde periodontal, aqueles pacientes que possuem alto
grau de doença periodontal apresentaram queda dos níveis
de PCR de forma mais lenta, quando comparados aos pacientes com melhor saúde periodontal11, 12.
Hiperlipidemia
Acredita-se que a periodontite possa estar associada
com a hiperlipidemia. A lipoproteína associada à fosfolipase A2 (Lp-PLA2) é uma enzima que se tem mostrado como
sendo fator de risco para as doenças cardiovasculares e que
está envolvida na degradação de mediadores da inflamação.
Um estudo de caso-controle feito por Lösche et al.13 mostrou
que a periodontite está associada à elevação de triglicerídeos
e colesterol total no plasma, e o tratamento da periodontite
reduziu significativamente a atividade sérica da fosfolipase A2
(Lp-PLA2) que se acredita ser um fator de risco cardiovascular
independente.
Indivíduos saudáveis com periodontite, comparados
com grupos-controle de características semelhantes, apresentaram níveis significativamente maiores de triglicerídeos
séricos, colesterol total e LDLs. A hiperlipidemia induzida pela
periodontite parece estar associada à liberação de citoquinas
em resposta à infecção por gram-negativos, nomeadamente a
IL-1 e o TNF-a. Ambas as citoquinas podem alterar o metabolismo lipídico e produzir hiperlipidemia9.
Genética
Outra teoria sugere que existe um mecanismo genético
comum que estabelece a ligação entre periodontite e aterosclerose. É evidente que a expressão da doença periodontal
não depende, apenas, do fator etiológico bacteriano, o que
explica por que pacientes com pouca placa bacteriana podem
ter formas graves da doença e vice-versa. Efetivamente, alguns
pacientes apresentam uma resposta aumentada às infecções,
fato que parece estar relacionado com diferenças na resposta
inflamatória/imunológica, especificamente na capacidade de
segregação de monócitos9.
Recentemente novos achados têm-se reportado ao genoma humano e a sua influência nas doenças coronarianas.
Pesquisa confirmou uma associação conhecida de duas regiões no cromossomo humano 9p21.3 com doença coronariana
e mostrou forte associação adicional desses loci com o risco
de periodontite agressiva. Estudos genéticos têm identificado
uma região do genoma humano perto dos genes CDKN2A e
CDKN2B, como tendo influência nas doenças coronarianas. Foi
mostrado que essa região genética também está associada
Associação entre doença periodontal e alterações cardiovasculares: revisão dos achados atuais
Vieira DRP, et al.
com um risco substancial aumentado de periodontite agressiva14.
Doença periodontal X Alterações
Cardiovasculares
O tratamento periodontal parece atenuar a inflamação
sistêmica e disfunção endotelial (primeiro passo no processo
que leva à aterosclerose). Estudos mostram que há uma relação dose-dependente: melhores desfechos do tratamento
periodontal parecem estar associados com mudanças mais
significativas nos parâmetros sistêmicos7.
Sugere-se que o tratamento da doença periodontal
pode reduzir o risco cardiovascular, porém poucas evidências
defendem que isso possa reduzir os eventos cardiovasculares.
Contudo, parece racional sugerir que a boa saúde oral pode
contribuir positivamente para a saúde geral e que saúde oral
deficiente pode ser vista como um marcador de estilo de vida
não saudável15.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se a existência de vários estudos que investigam a possível associação entre alterações cardiovasculares
e periodontite. Apesar de os resultados apontarem para uma
associação positiva entre ambas, existe muita controvérsia
principalmente quanto à causa e aos mecanismos fisiopatológicos que justifiquem essa associação. Alguns dos quais sugerem associação positiva, enquanto outros apontam para a
não existência dessa associação. As diferentes metodologias
empregadas podem justificar os diferentes resultados encontrados na literatura.
Algumas pesquisas sugerem ainda que o tratamento
periodontal parece atenuar inflamação sistêmica e disfunção
endotelial, que é o primeiro passo no processo que leva à aterosclerose. No entanto, parece ser consenso que a saúde oral
pode contribuir positivamente para a saúde geral.
Enfatiza-se que mais estudos são necessários para que
se possa afirmar, com exatidão, se a doença periodontal se
constitui ou não em um fator de risco para alterações cardiovasculares.
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Recebido para publicação: 04/01/10
Encaminhado para reformulação: 16/06/10
Aceito para publicação: 27/01/11
Odontol. Clín.-Cient., Recife, 10 (4) 313-315, out./dez., 2011
www.cro-pe.org.br
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