RELATO DE EXPERIÊNCIA – A leitura mais interessante de nossas vidas Autoria: Juliana Cristina Vansan – Texto de conclusão da Disciplina Mídia, Leitura e Comunicação Para um professor em exercício, dedicar algumas horas do seu dia aos estudos, a aprender algo novo, aplicável à sua prática profissional, sempre parece uma boa oportunidade. Esta oportunidade chegou a mim através do curso de extensão Mídia, Leitura e Comunicação oferecido na Unicamp a partir de Março de 2014. Frequentar a sala E6 do prédio da Faculdade de Educação me fez aprender, dentre tantas coisas importantes que não há história mais interessante para ser contada e lida do que a nossa própria, estas foram as palavras do nosso professor Ezequiel, numa das primeiras aulas. Aquilo ficou ressoando e minha mente por um tempo, eu precisava levar isso aos meus alunos. Entramos em recesso escolar e para a volta às aulas eu pensava em fazer alguma atividade diferente, foi então que me recordei da fala do professor e resolvi que pediria, no primeiro dia de aula, que meus alunos escrevessem uma redação contando sobre sua infância. A escolha do tema se deu por conta do reencontro com um clássico da literatura mundial, o Pequeno Príncipe, de Antoine de SaintExupéry quando reli na dedicatória as seguintes palavras: “Todas as pessoas grandes foram um dia crianças - mas poucas se lembram disso.”. Gostaria que meus alunos se lembrassem, levei então estas palavras para a aula, falei a eles da importância de não nos esquecermos de quem fomos, dos sonhos que tínhamos na nossa infância e pedi que então escrevessem um relato de algo que os tivesse marcado na infância, o texto era livre, sem limite de linhas, de tema, permiti que terminassem em casa se quisessem. Recebi textos lindos, histórias incríveis sobre as memórias dos meus alunos, seus sonhos, seus medos, suas férias incríveis e famílias numerosas e alegres, seus animais de estimação, seus amigos de infância, seus brinquedos. Recebi também diversas histórias tristes, relatos de perda, de sensação de solidão e abandono, de dor. Foram relatos tão cheios de verdade que me comovi ao ler cada um deles. Mas eu tinha um projeto maior em mente: pedi que cada um deles pesquisasse uma imagem que os representasse na infância ou no momento presente, a regra era que não poderia ser fotografia deles próprios, minha intenção era que seus relatos de infância fossem colocados dentro de envelopes e as imagens do lado de fora, para que eu pudesse promover a troca destes envelopes com seus colegas das outras classes de forma anônima, ou seja, eles não saberiam com quem estavam se correspondendo, os envelopes receberam números e só eu tinha uma lista de controle, eles iam escolher com quem se corresponderiam apenas guiados pela identificação com a imagem que estava do lado de fora dos envelopes. Acho importante esclarecer que sou professora de língua portuguesa e literatura de uma Escola Técnica Estadual na cidade de Jundiaí/SP, chamada ETEC Vasco Antonio Venchiarutti, tenho seis turmas de ensino médio, sendo uma de primeiro ano e cinco de terceiro, totalizando duzentos e quarenta alunos. Estava ciente de que o desafio seria grande, temi e fiquei insegura com muitas coisas, mas resolvi explicar minha ideia aos alunos e dizer que contava com eles para que o projeto desse certo. Disse que seria uma oportunidade interessante de diálogo, de troca de experiências e eles toparam, trouxeram suas imagens, ficaram ansiosos pela escolha dos envelopes. Cuidadosamente, distribuía sobre minha mesa na sala de aula, as ricas memórias de meus alunos, pedia que tivessem igual cuidado, pois tratavase de um tesouro para quem tinha escrito e para mim também. Caros colegas, o que se seguiu a isso foi – e continua sendo – uma experiência reveladora para nós! Mesmo acreditando muito nas palavras do professor Ezequiel, considerava a pouca idade, a falta de hábito com a escrita de cartas por conta da tecnologia, o tempo que teriam que dedicar, fora da sala de aula, para a escrita das cartas, e tantas outras incertezas. Contudo, o professor Ezequiel tinha razão: a nossa história é interessante! Eles começaram – e não pararam até agora – a se comunicar muito! Encantaram-se com histórias tão iguais ou tão diferentes das suas, com seus gostos, com seus sonhos, com suas aflições! Providenciei uma caixa que inicialmente ficava em minha sala, mas devido ao grande movimento, decidimos deixar na biblioteca da escola. Ali seria o ponto de entrega e retirada dos envelopes, cada aluno sabia seu número correspondente, se esquecessem, eu os ajudava com minha lista. A Rosana, funcionária da biblioteca, aceitou prontamente a me ajudar tomando conta da caixa que continha os meus tesouros. Ela também está vendo esta história acontecer! Acompanha a alegria quando encontram o envelope com a resposta, a frustração de não encontrar, entrega presentes que eles trocam e que não cabem nos envelopes. Sim! Eles têm partilhado suas vidas: livros, cds, doces, desenhos, fotografias. Alguns já se revelaram, outros continuam mantendo o anonimato, mas a troca de cartas permanece, dizem gostar da experiência da escrita e leitura das cartas. “A caixa” no balcão da biblioteca, onde os alunos depositam e retiram suas cartas. O movimento é grande durante todo o dia Quanto a mim, confesso que também comecei a trocar cartas com alguns alunos que me procuraram para isso, tem sido enriquecedor! No mais, assisto feliz aos meus alunos produzindo diariamente mais redações do que produziriam num ano inteiro de curso desta disciplina! Eles defendem seus pontos de vista, narram, relatam, leem! E o fazem livremente, pois nosso primeiro acordo foi que esta atividade não seria “pontuada”. Sim! Meus alunos diariamente escrevem e leem porque querem, não porque são obrigados, eles estão lendo e escrevendo as histórias mais interessantes que poderiam conhecer: as suas próprias histórias! E sem saber estão ajudando a escrever um dos mais belos capítulos da minha própria história também! Quando a resposta demora, eles deixam recados em folhas dentro da caixa.