A QUESTÃO RACIAL NO ENSINO SECUNDÁRIO BAIANO:
PROBLEMATIZANDO O LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA
Maria Cristina Dantas PINA
UESB/PQI-CAPES
Neste trabalho analisa-se como o escravo negro foi retratado nos livros didáticos
História do Brasil (1900), de João Ribeiro; História do Brasil (1919), de Rocha Pombo;
e Compêndio de História do Brasil (1929), de Veiga Cabral[1]. Busca-se perceber as
relações entre os conteúdos desses livros e o contexto vivido por seus autores e leitores.
O nosso recorte temporal são as três primeiras décadas do século XX e o recorte
empírico se atém ao Ginásio da Bahia, criado em 1895.
Até a década de 1940 o Ginásio era a única instituição pública de ensino
secundário na Bahia. Durante esse período o Ginásio formou gerações, principalmente
ligadas às elites baianas, só a partir de meados da década de 1940 que se estendeu às
classes mais populares. Nesse sentido é importante verificar a partir dessa Instituição os
conteúdos escolares referentes ao negro e sua escravidão presentes nos livros didáticos
ali utilizados.
Inicialmente apresentam-se os autores e suas obras, situando-os em seu contexto
histórico e em suas concepções teóricas. Daí parte-se para a análise do conteúdo dos
livros no que diz respeito à escravidão negra. Por fim, tecem-se algumas conclusões no
sentido de pontuar os desafios colocados para a pesquisa em curso e as possibilidades
abertas para a discussão do livro didático e seu conteúdo referente ao negro.
Livro didático e escravidão – Ribeiro, Rocha Pombo e Veiga Cabral
A produção dos compêndios de história do Brasil, a partir do século XIX, foi
marcada pelo modelo de história defendido pelo IHGB que, dentre outros aspectos,
caracterizou-se pela centralidade das explicações racistas. A biologia foi utilizada para
explicar as diferenças e superioridade dos europeus brancos. Com a instalação da
República e num momento histórico de mudanças mundiais, tais pilares não foram
alterados. Assim, num contexto de intensas transformações sociais e permanências no
campo das idéias que são produzidos os livros que analisamos.
Os livros de João Ribeiro, Rocha Pombo e Veiga Cabral foram indicados para
uso no Colégio Pedro II (Ginásio Nacional) e, em decorrência, também indicado em
outras instituições do ensino secundário, a exemplo do Ginásio da Bahia. Foram
utilizados por décadas, principalmente os dois primeiros que foram reeditados até a
década de 1960.
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O livro História do Brasil – curso superior, de João Ribeiro[2], foi publicado em
1900. As referências em relação ao negro e sua escravidão aparecem em três capítulos
diferentes. No capítulo II – Tentativa de unidade e organização de defesa -, no item “As
três raças – a sociedade” (07 páginas); no capítulo VI – A formação do Brasil -, no item
“A escravidão negra” (12 páginas) e no capítulo XI – O Império: Progresso da
democracia -, nos itens “Revolta dos negros na Bahia” (03 páginas) e “A Abolição” (04
páginas); perfazendo um total de 26 páginas num total de 540 páginas.
Ribeiro organiza seu livro de forma completamente diferente do que até então
tinha se visto em matéria de livro didático. Segundo ele próprio, “os nossos livros
didacticos de historia pátria dão excessiva importância à acção dos governadores e à
administração, puros agentes (e deficientíssimos) da nossa defesa externa” (p. 18). Daí
propõe outra forma de narrar a história do Brasil, pois sua formação deve ser entendida
a partir do “colono, do jesuíta e do mameluco, da acção dos índios e dos escravos
negros” (p. 17).
João Ribeiro estava envolvido com as idéias do historicismo alemão e o modelo
de von Martius; além das concepções antropológicas em voga no Brasil. Para ele a
história, assim como apontou von Martius, caracteriza-se pela “multiplicidade de
origens e de pontos de iniciação no vasto território”. Muito diferente da periodização
linear tão comum aos manuais didáticos, inclusive os de Rocha Pombo e Veiga Cabral.
Logo, seu livro torna-se um marco na historiografia brasileira por esta inovação e
pela riqueza de pesquisa histórica. Também vai ser um construtor da idéia de nação a
partir da República. Segundo Melo (1997), Ribeiro vê a República “como única forma
de governo capaz de realizar o verdadeiro ideal da Fundação da própria nação, encontro
da vontade do povo, do homem nacional” (p. 6). Sua história vai ser marcada por esta
concepção, caracterizado por Melo[3] como um texto republicano.
O manual didático História do Brasil, de Rocha Pombo[4], foi publicado pela
primeira vez em 1919, com o objetivo de ser utilizado nas aulas dos dois últimos anos
do curso secundário. O livro é composto de 23 capítulos[5], que vão desde o
Descobrimento do Brasil até à Proclamação da República, possui 502 páginas, com 90
ilustrações.
No geral o livro segue as marcas tradicionais de periodização da História do
Brasil, seguindo os fatos político-administrativos que marcaram a formação da nação e
do
Estado
brasileiro:
descobrimento,
colonização,
independência,
abolição,
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proclamação da república, marcas da história político-econômica, cuja abordagem
tendia a condenar a colonização e valorizar os movimentos de independência e a
construção da República, numa trajetória linear. Assim como Ribeiro, o sentimento
republicano perpassa todo o texto. Nada mais coerente com as posturas políticas do seu
autor que participou ativamente do movimento republicano.
A presença do escravo negro é destacada em três capítulos: capítulo VI –
“Divisão do Brasil em dois governos, e reunião posterior em um só’ -, no item
‘Importação de Africanos’ com sete páginas; no capítulo XI – ‘Palmares, Emboabas e
Mascates’ -, no item ‘Os Quilombos dos Palmares’ com sete páginas; e no capítulo
XXII – ‘A Abolição’ com seis páginas. Portanto o autor dedica apenas 20 páginas para
analisar aproximadamente 400 anos de escravidão.
Já o manual de Mário da Veiga Cabral[6] foi editado pela primeira vez em 1920.
Caracteriza-se por apresentar uma lista extensa de fatos da história políticoadministrativa do Brasil e uma exaltação dos feitos de alguns personagens da vida
política nacional. Sua concepção de história, portanto, centra-se na narrativa linear dos
fatos predominantemente políticos, valorizando a ação de personagens isolados na
história.
O livro é dividido em 42 capítulos, composto de 359 páginas. Parte da
colonização até os feitos republicanos da década de 1920. Apenas dois capítulos tratam
da temática do negro: cap. XII – Guerra dos Palmares (4 páginas) e o cap. XXX –
Libertação dos escravos (9 páginas), perfazendo um total de 13 páginas apenas.
Esses livros são fontes importantes para a análise da questão aqui perseguida – a
escravidão negra e sua apropriação pela escola secundária baiana. Todos os três
manuais didáticos foram produzidos num mesmo contexto histórico, embora tragam
concepções e metodologias diferentes como visto anteriormente. Todos três autores
viveram a experiência de lecionar História do Brasil e construíram os livros para tal fim.
Eles viveram intensamente as transformações sócio-políticas, econômicas e culturais da
transição do século XIX para o século XX, participando ativamente da vida intelectual
brasileira. Eram intelectuais ligados ao IHGB e atuavam na vida intelectual do Rio de
Janeiro, então capital da República.
Logo, é fundamental entender como eles pensavam a escravidão negra. Para
tanto, divide-se a análise das obras a partir de temáticas específicas: tráfico de escravos,
resistência escrava e abolição.
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O Tráfico de Escravos
Os três autores condenam o tráfico de escravos. João Ribeiro e Rocha Pombo
assumem uma posição crítica no tocante as condições do tráfico e dos negros. No
entanto, eles, da mesma forma, constroem justificativas para a existência da escravidão
e do tráfico a partir da concepção das diferenças e hierarquia entre as raças. Cada qual a
seu modo, buscam explicar a escravidão a partir do próprio negro.
João Ribeiro constrói uma justificativa para a escravidão muito próxima das
idéias de Nina Rodrigues – a anterior existência na África. Seus argumentos
contribuíram para a consolidação dessa idéia na historiografia brasileira, mesmo ele
ressaltando ser esta uma desculpa por parte dos traficantes.
A escravidão para as nações negras era a pena de quase todos os delictos; o pae podia
vender, o juiz (o sova) podia condemnar qualquer à escravidão; o rei podia escravizar
os vassalos e a guerra podia escravizar a todos. D’esse principio bárbaro (cuja
execução facilitavam ou procuravam originar), aproveitavam-se os traficantes
comprando e resgatando a ímpia propriedade.
Com isso se desculpavam dizendo ser a escravidão mais um negócio africano, do que
d’elles traficantes (p. 246).
Daí ele inicia a condenação do tráfico, descrevendo suas atrocidades e suas
condições subumanas, tecendo duras críticas às condições de higiene e humanidade.
Destaca as doenças causadas pelas condições do tráfico, demonstrando como a morte é
um resultado dessas condições.
Porém, mesmo condenado as péssimas condições do tráfico, constrói toda uma
justificativa para afirmar que a escravidão na América representou uma melhoria nas
condições de vida do negro africano. Citando o Bispo Azeredo Coutinho, Ribeiro passa
a idéia que no Novo Mundo ele encontrou uma escravidão mais amena, principalmente
quanto tinha a sorte de conseguir um senhor cristão e condolente. Consolida, assim, a
idéia de uma escravidão branda, mesmo reconhecendo seus exageros, pois a mesma
representou para os negros uma melhoria das condições de vida.
Força é confessar que de toda essa jornada de horrores a escravidão no Brasil é o
epílogo desejado para os escravos. D’aqui em diante, a vida dos negros regulariza-se,
a saúde refaz-se e com ella a alegria da vida e a gratidão pelos novos Senhores, que
melhores que os da África e os do mar (p. 249).
Descreve também um quadro harmônico das relações entre senhores e escravos,
atribuída essa harmonia à boa índole do homem branco. Ribeiro, mais uma vez, recorre
à questão das diferenças entre as raças para justificar as atitudes diante dos negros
escravos.
Rocha Pombo justifica a escravidão pela inferioridade da raça africana: “Da
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escravidão histórica nasceu; isto é, a exploração do cativeiro como negócio. Esta é
exclusiva e característica das raças africanas degradadas, desde que se puseram em
relação com outras raças em mais alto grau de cultura.” (p. 125)
Informa sobre a importância econômica do tráfico, seu funcionamento e destaca
a diversidade étnica na distribuição do negro no Brasil. Outra questão tratada por ele é o
tráfico interno entre as cidades e as fazendas. Também chama a atenção para o aspecto
da miscigenação, principalmente facilitada pelos escravos domésticos, e as marcas
deixadas pela mistura entre as raças. Percebe-se, assim como Ribeiro, uma visão
hierárquica das raças.
Afirma a influência do negro em todos os aspectos da vida social e constrói uma
defesa do seu papel na formação do país, muitas vezes o caracterizando com heroísmo e
superior ao indígena. E prossegue na afirmação da unidade nacional, justificando-a pelo
aspecto moral das três raças.
Mário de Veiga Cabral não destaca um item específico para essa temática,
pontuando brevemente a respeito da introdução dos negros no Brasil no item
relacionado ao Quilombo dos Palmares, utilizando de longos trechos de citação de João
Ribeiro.
Resistência escrava
João Ribeiro destaca o processo de resistência escrava dando como exemplo as
revoltas negras na Bahia, não tratando especificamente da experiência de Palmares,
como fez os outros dois autores.
Nessa parte da obra, Ribeiro cai em contradição com suas análises anteriores. Ele
ressalta a ousadia e luta dos negros contra as atrocidades dos senhores e afirma: “não
tão raras quanto podem parecer, havia em todo o tempo da escravidão as sublevações
dos negros” (p. 487). Como exemplo cita Palmares e os quilombos de uma forma geral.
Contradizendo com o ‘espírito cristão’ escrito no capítulo VI, ele chega a
justificar a rebeldia dos negros pelo tratamento cruel recebido. Em seguida descreve a
revolta de negros malés, na Bahia em 1835, atribuindo às desordens regenciais e às
guerras civis a facilidade da sua explosão.
Em seguida, Ribeiro afirma ser o espírito de liberdade do negro um resultado da
sociedade em que estavam inseridos, resultado do ‘espírito’ livre do homem branco,
voltando à sua concepção hierárquica das raças.
Rocha Pombo, ao tratar da resistência escrava, destaca a experiência do
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Quilombo dos Palmares. Percebe-se, também, a ambigüidade presente no discurso do
autor: por um lado reforça a concepção hegemônica do período sobre a inferioridade e o
perigo do negro para a sociedade brasileira, mas, por outro lado, não deixa de
demonstrar certa admiração pela coragem, determinação e organização desses africanos.
Quando define o quilombo, sua visão preconceituosa sobressai: “É assim que se
foram formando esses temerosos agrupamentos que desde o começo do referido século
se fizeram em todas as capitanias o terror dos viandantes e das povoações indefesas” (p.
210).
Em seguida, responsabiliza, de certa forma, os holandeses pela formação dos
quilombos e não a crueldade da condição do escravo, manifestando, mais uma vez, sua
concepção republicana, patriótica. Além disso, descreve também um pouco da
organização política e da vida social desses quilombos. Ao falar da resistência dos
negros aquilombados, manifesta a sua concepção de história enquanto formadora da
nação, seu espírito nacionalista, patriótico. Coloca nos negros os sentimentos patrióticos
que gostaria que todos os brasileiros tivessem, construindo assim uma explicação para a
resistência a partir dos ideais de nação.
Porém volta a manifestar a temeridade e preocupação com essas vitórias. Era
preciso, na sua visão, urgência na destruição de Palmares: “(...) eram gerais as queixas e
reclamos das populações, expostas à audácia crescente dos negros, vangloriosos
daqueles repetidos insucessos dos brancos” (p. 242).
Nesse momento, o discurso histórico de Rocha Pombo contribui para a
construção de outro mito da historiografia nacional – o Bandeirante. Constrói a imagem
do bandeirante como herói, único capaz de derrotar tantos negros.
Veiga Cabral também descreve a experiência de Palmares, destacando um
capítulo específico para tal (cap. XII). Explica sua ocorrência também a partir da
invasão holandesa e, assim como Rocha Pombo, reforça o mito do sertanejo paulista – o
bandeirante. Por fim, comenta a reação dos negros às várias expedições e descreve a
tomada definitiva do território de palmares pelo governo colonial.
Abolição da Escravatura
João Ribeiro inicia a discussão justificando que irá apenas fazer algumas
indicações dessa temática, pois a história contemporânea ainda não pode ser
devidamente descrita, mesmo assim tece algumas considerações.
Ressalta, em forma de crítica, que fomos um dos últimos povos a emancipar seus
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escravos. Inicia uma justificativa para tal situação pelo numero imenso do trafico. Daí
passa a narrar o processo que levou à abolição definitiva.
Descreve o caminho de leis e resoluções que levaram à abolição. Indica uma
simpatia e ação de D. Pedro II em favor da Emancipação, mostrando suas atitudes para
o desdobramento de um processo gradual e pacífico, diferentemente do contexto norte
americano. Mostra-se simpático à gradatividade da emancipação, em nome da
‘civilização’ e para evitar tumultos. Os descontentamentos com a abolição somaram-se
a outros descontentamentos políticos levando, segundo João Ribeiro, à proclamação da
República.
Nessa mesma linha, Rocha Pombo descreve o processo de libertação da
escravatura associada a um contexto de mudanças institucionais por que passava o
Brasil, o qual o levou à proclamação da República, obra máxima segundo o autor.
Analisa a abolição como uma das reformas mais importantes para o destino da
nação, porém ressalta e justifica a necessidade de prudência que ocorreu na sua
efetivação. Justifica a demora para a efetivação da abolição a partir do legado da
colonização e do perigo que a mesma representava para a estrutura sócio-econômica
brasileira.
Assim, reconhece o prejuízo histórico da escravidão, mas, ao mesmo tempo,
consciente do papel econômico que a escravidão representava, defendendo os interesses
dos grandes proprietários rurais, ele reforça a necessidade do processo ter sido gradual e
lento. Abolição sim, mas sem prejuízos para os proprietários de escravos. Esta foi a
posição de muitos abolicionistas oriundos da classe social proprietária de terra e
escravos, que soube muito bem conciliar o liberalismo econômico com a mão de obra
escrava.
Mário da Veiga Cabral, por conseguinte, apresenta a idéia de libertação dos
escravos como bem anterior ao movimento abolicionista, já presente no movimento
mineiro de 1789 e na Constituição de 1824.
Destaca o papel dos abolicionistas, citando Nabuco e José do Patrocínio.
Destaca, também, o apoio da Igreja, através da influência de Leão XIII. Em seguida cita
o texto da Lei Áurea, indicando que sua aprovação significou um alvoroço popular.
Essa descrição demonstra o romantismo que cercou uma parte das análises
historiográficas sobre esse fato. Além disso, elas são responsáveis por reforçar o
estabelecimento de mitos e heroísmos em personagens históricos como a Princesa
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Izabel.
Considerações Finais
No geral, os três autores sustentam-se numa visão de história como manifestação
da trajetória da formação da nação brasileira, consolidada com a proclamação da
República.
Como parte dessa concepção de história, o escravo negro aparece como elemento
formador da nação brasileira, porém ocupando um lugar ‘menor’ nesse processo pela
inferioridade da raça e das civilizações africanas em relação à civilização européia.
Apesar de destacarem, muitas vezes em tom de denúncia, a crueldade da
escravidão, justificam sua existência por séculos em nome de um projeto maior – a
construção da nação brasileira livre e soberana.
O livro de João Ribeiro, diferentemente dos outros, incorpora as mudanças
teórico-metodológicas do final do XIX e início do XX, tornando-se um marco na
historiografia brasileira por esta inovação e pela riqueza de pesquisa histórica. Contudo,
assim como Rocha Pombo e Veiga Cabral, continua pensando a temática escrava como
os intelectuais do IHGB.
Ribeiro justifica a escravidão, apresentando uma versão “branda” e humanizada
pelo espírito cristão do brasileiro. Mostra-se inovador, podendo ser considerado um
precursor das idéias de Gilberto Freyre, destacando o caráter filantrópico dos colonos
que demarca o diferencial no regime escravista brasileiro. Nossa escravidão foi assim,
segundo ele, mais humana e mais frouxa.
No geral, os autores demonstram certa simpatia pelo negro e por sua coragem,
condenam a escravidão, embora permaneçam imbuídos da visão de inferioridade da raça
negra e da sua função nesta pátria. Demonstram simpatia pela causa abolicionista e
percebem sua necessidade histórica. Rocha Pombo bem mais ávido na defesa, mesmo
considerando a gradação necessária.
A obra de Veiga Cabral pode ser considerada mais tradicional, sem maiores
aprofundamentos na narrativa dos fatos. Em relação à questão do escravo negro utiliza
muito o próprio João Ribeiro, portanto, também contrário à escravidão, mas dando-a
como fato consolidado e justificado.
Mesmo sendo uma análise preliminar, pode-se afirmar que na História do Brasil
escrita para uso no ensino secundário contribui para a manutenção, por décadas, de uma
sociedade sustentada em privilégios econômicos, os quais têm respaldo nos valores
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ideológicos que justificavam a posição social de superioridade assumida pelos brancos.
Nesse sentido consideramos que João Ribeiro, Rocha Pombo e Veiga Cabral
reforçam uma visão do negro hegemônica naquele período – inferior, atrasado
culturalmente, incapaz de progredir tecnologicamente e, portanto, destinado ao fracasso
ou ao desaparecimento. O que terá repercussões fundamentais no espaço escolar, no
processo de formação de uma cultura escolar e suas relações na sociedade como um
todo.
[1]CABRAL,
M. V. Compêndio de História do Brasil. 6ª edição. Rio de Janeiro:
Jacintho Ribeiro dos Santos, 1929; POMBO, J. F. R. História do Brasil, 6a ed., São
Paulo: Companhia Melhoramentos, 1952 e RIBEIRO, J. História do Brasil – curso
médio, 17a ed., Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1935.
[2]
João Batista Ribeiro de Andrade Fernandes nasceu em Larangeiras (SE) em 24 de
junho de 1860. Em 1881 mudou-se para o Rio de Janeiro. Fez concurso para o Colégio
Pedro II em 1887 para cadeira de Português, nomeado professor de História Universal e
do Brasil (no externato) em 1890. Colaborou com jornais como O País e O Correio do
Povo que apoiavam as causas abolicionista e republicana. Em 1895 fez sua primeira
viagem à Europa, momento em que aprofundou nos estudos do historicismo germânico.
Em 1898 foi indicado para a primeira vaga da Academia Brasileira de Letras. Silvio
Romero foi parceiro intelectual numa intensa produção. Morreu em 13 de abril de 1934.
(Melo, 1997).
[3]MELO,
C. F. C. B. Senhores da História: a construção do Brasil em dois manuais
didáticos de história na segunda metade do século XIX. São Paulo: USP/FFLCH, 1997,
p.7.
[4] José Francisco
da Rocha Pombo Nasceu em Morretes, no Paraná, a 4 de dezembro de
1857. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Rio de
Janeiro, exerceu a função de jornalista, professor, poeta e historiador. Em 1875 fundou e
dirigiu o jornal "O Povo" em Curitiba, no qual fez campanhas abolicionista e
republicana, sendo eleito deputado provincial em 1886 pelo Partido Conservador.
Mudou-se em 1897 para a Capital Federal. Ingressou por concurso na congregação do
Colégio Pedro II e lecionou, também, na Escola Normal. Em 1900 foi admitido como
sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Em 16 de março de 1933
foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras, mas, já bastante doente não chegou
a tomar posse, falecendo no Rio de Janeiro em 26 de julho de 1933. (www.abl.org.br)
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[5]Acrescido
na sua 8ª edição (1958) de mais um capítulo, o capítulo XXIV –
“Constituição de 1891. Governo Constitucional até o de Washington Luis.
Constituições de 1934,1937 e 1946” e de ‘Quadro sinóptico da nossa história’ redigidos
pelo revisor Hélio Vianna. Cabe destacar que nesse artigo utiliza-se a edição de 1958.
[6]Mário
Vasconcelos da Veiga Cabral era engenheiro agrimensor, exercia a profissão
de professor de história e de geografia no Colégio Militar e Escola Normal. Seus livros
didáticos tiveram grande aceitação nos estabelecimentos de ensino secundário.
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Maria Cristina Dantas Pina