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Comunicação – Trabalho científico
APROXIMAÇÕES ENTRE: A OBRA XILOGRÁFICA DE ANTONIO FERNANDO
COSTELLA, O ARTESANATO EM MADEIRA E AS RIQUEZAS NATURAIS DE
CAMPOS DO JORDÃO
BLANCO, Maria Cristina (pesquisadora – mestrado)
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo
Orientadora: Profa Maria Christina de Souza Lima Rizzi
Resumo
O presente trabalho buscou investigar as aproximações entre a obra xilográfica do artista Antonio
Fernando Costella, aos trabalhos do artesão José Ercílio Cavalli, ambos moradores da cidade de Campos de
Jordão, situada na Serra da Mantiqueira, Estado de São Paulo, Brasil. Neste local o trabalho do artífice se
constitui em um importante aproveitamento de recursos naturais. Nota-se com frequência que estes artistas
buscam na natureza, sua matéria prima essencial: a madeira. Na grande maioria das vezes, a busca por recursos
naturais ocorre com baixo custo, pois a madeira é um produto bem farto na região da Serra da Mantiqueira. O
desmatamento ostensivo da vegetação é proibido, sendo possível somente a coleta de troncos de madeira
proveniente das árvores após quedas ou condenações por pragas específicas da madeira.
PALAVRAS CHAVE: artistas; xilogravura; escultura em madeira, recursos naturais,
Campos do Jordão.
Resumen
Este trabajo intentó investigar las aproximaciones entre la obra en xilografía del artista Antonio Fernando
Costella a los trabajos de artesanía de José Ercílio Cavalli. Ambos de la ciudad de “Campos do Jordão”,
ubicada en la “Serra da Mantiqueira”, estado de São Paulo, Brasil. En esa ciudad, el trabajo de artesanía en
xilografía, se constituye en una importante actividad de aprovechamiento de los recursos naturales. La
investigación constató, por diversas veces, que los artistas retiran de la naturaleza la materia-prima esencial para
sus trabajos: la madera. Frecuentemente, la búsqueda y extración de los recursos naturales resulta en un
trabajo de bajos presupuestos, pues la madera se encuentra en abundancia en la región de la “Serra da
Mantiquera”. La desforestación está prohibida. Solamente se autoriza la retirada de troncos de maderas que han
caído naturalmente o troncos infestados por plagas específicas de maderas.
PALABRAS CLAVE: artistas; xilografía, escultura en madera; recursos naturales; Campos
do Jordão
1. Metodologia do trabalho
Um dos fatores que distancia pesquisadores de pesquisados, às vezes, ocorre quando
um reside, estuda ou mesmo trabalha em cidades ou locais diferentes. Para solucionar este
pequeno problema, buscamos a metodologia da Pesquisa ação participante, elaborada por
Michel Thiollent, que nos guiou para um caminho de aproximações. Sobre a Pesquisa Ação
Participante afirma Thiollent:
A pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em
estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os
2
pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de
modo cooperativo ou participativo. (THIOLLENT, 2008, p 16)
A metodologia possibilitou uma gama variada de descobertas. Uma delas foi perceber
as similaridades entre a obra xilográfica do professor Antonio Fernando Costella e do artesão
José Ercílio Cavalli, no contexto geral da pesquisa elaborada, junto a Escola de
Comunicações e Artes da USP1.
Ambos artistas, Antonio F. Costella e Ercílio Cavalli extraem sua matéria prima da
região, de maneira que não causa a extração brutal das árvores. Pelo contrário, existe um
grande respeito à natureza, nesta região, por parte daqueles que dependem da madeira como
material principal para a desenvoltura do seu trabalho.
2. Campos do Jordão: terra agraciada pela natureza
A fisionomia da natureza parecia frequentemente
irreal e refletia-se como se fosse um sonho a um
observador acordado. Pude ouvir a voz dos pinheiros
solitários à brisa calma da montanha, ver a muda
imobilidade de um bosque, sentir o frêmito do matagal,
ao vento forte a tumultuosa tempestade, contemplar o
viçoso luminoso de um galho reverberando o frescor do
sol matinal.
Walter Trinca, 1997
Segundo o texto acima, o professor Walter Trinca, nos lembra, de forma bastante
poética, como a exuberância natural da cidade de Campos do Jordão, situada na Serra da
Mantiqueira, nos enche os olhos com tamanha beleza. De fato a cidade nos contempla com
uma grande visualidade natural, repleta de variada vegetação local, planaltos e elevações
características da região. Situada no Planalto Atlântico Brasileiro, sobressaem-se essas
regiões serranas extensivamente florestadas (AB’ SABER, 1980). O denominado Circuito
das Águas possui a localização geográfica que abrange os estados de Minas Gerais, Rio de
Janeiro e São Paulo, o nome foi dado pelo fato de oferecer fontes de água com fins
medicinais, que inclui uma considerável lista de municípios, entre estes três estados, situada
na Serra da Mantiqueira, formando uma faixa de cidades de turismo e veraneio do sudeste
brasileiro (PELLEGRINI, 1993, p. 44-45).
A causa de tal riqueza vegetal, neste caso, deu-se por ocasionamento de formação
geológica causada na Era Quaternária, sob climas de altitudes, o que originou um sistema de
paisagem em nítido contraste com as terras circunvizinhas, tendo assim características
próprias de clima, formas de relevo, e vegetação permitem defini-lo como um enclave de
altitude2 (MODENESI, 1984, p. 7). Em outras palavras, a formação geológica da Serra da
Mantiqueira, criou um cenário propício para a riqueza da vegetação local que abriga uma
fauna diversificada.
1
A pesquisa teve a orientação da Profa. Dra. Maria Christna de Souza Lima Rizzi e contou também com a
colaboração do prof. Dr. Luiz Claudio Mubarac, membro da mesma instituição e participante da banca de
qualificação que nos deu significativas sugestões, como por exemplo, a ideia das investigações presente
neste artigo.
2
Para uma pesquisa mais extensa nos termos geológicos e geográficos, consultar: MODENESI, May
Christine. Evolução Quaternária de uma montanha tropical: o Planalto de Campos do Jordão. Ver.
Instituto Geológico, 5 91/2, jan/dez. 1984. Enclave, segundo a autora, consiste em uma formação
geográfica que está inserida em outra, no caso a formação geológica da Serra da Mantiqueira fica no platô
de Campos do Jordão.
3
A localização de Campos do Jordão encontra-se a 1.600 m do nível do mar3. O fator
altitude tanto beneficia a vegetação de campo, quanto a prejudica, em alguns casos. Beneficia
devido à sua umidade relativa do ar e o índice pluviométrico adequado para o
desenvolvimento da vegetação, e prejudica em temporadas de inverno intenso quando há a
ocorrência de geadas. Entretanto, os benefícios se sobrepõem aos prejuízos notando-se, pois
a presença da vegetação tanto nas vias públicas como nas áreas rurais e periféricas da cidade
de Campos do Jordão.
Apesar da aparente exuberância natural da cidade de Campos do Jordão, no final da
década de sessenta, como ocorrido em outras instâncias naturais, sofreu grandemente com o
dito “crescimento econômico”, e foi vítima dos abusos humanos no que diz respeito ao
desmatamento de suas florestas e pequenas reversas naturais (PELLEGRINI, 1993).
Nos anos cinquenta, com o intuito de preservar grandes áreas naturais, foram criados
os parques estaduais. Além do objetivo ligado à preservação, estes parques, colaboraram,
também, com pesquisa nesta área de conhecimento. Os parques estaduais são conhecidos
como Unidades de Conservação, que são definidos como:
As Unidades de Conservação são áreas territorialmente definidas, criadas e regulamentadas
legalmente (por meio de leis e decretos), e que têm como um dos seus objetivos a conservação
in situ da biodiversidade, ou seja, manter ecosistemas e habitats com populações viáveis de
espécies em seus meios naturais de ocorrência. (Secretaria do Estado do Meio Ambiente, 1999,
p 14).
Eles foram criados entre os anos cinquenta e sessenta e fazem parte do SNUC –
Sistema Nacionais de Unidades de Conservação· (MEDEIROS, 2004, et. al.). Em Campos do
Jordão encontra-se uma dessas unidades, chamada Parque Estadual, também conhecido como
Horto Florestal, foi no passado a antiga Fazenda da Guarda. Esta fazenda foi criada para
evitar a evasão do ouro e de pedras preciosas no século dezoito. Esta Unidade de
Conservação coopera com a preservação das espécies, tanto no que diz respeito à flora e
fauna. Um dos trabalhos desenvolvidos pelo parque é o replantio da espécie Araucária
angustifólia4, em busca de soluções visando evitar sua extinção. Segue a imagem da espécie,
presente na área urbanizada da cidade (fig. 1). Na figura 2, vemos ao fundo araucárias no
Parque Estadual de Campos do Jordão, ou Horto Florestal.
3
A altitude máxima da região de Campos do Jordão alcança 2.000 metros. Sendo os pontos mais elevados
a Pedra do Baú com 1.964 metros. A pedra, na verdade, pertence ao município de São Bento de Sapucaí,
que compreende um conjunto de três rochas: Ana Chata, Baú e Bauzinho (GONÇALVES,. Et al., 2002).
4
Referente à legislação florestal da Araucária Angustifólia, encontra-se vasta pesquisa na área, aqui no
Brasil, principalmente nos estados do Paraná e Santa Catarina. Lembramos a Lei 4771 de 15 de setembro
de 1965, Artigo 7º - que diz: “Qualquer árvore poderá ser declarada imune de corte, mediante ato do
Poder Público, por motivo de sua localização, raridade, beleza ou condições de porta-sementes”.
(BAVOSO, 2010). Este caso se aplica ao município de Campos do Jordão, onde está proibido o corte
desta espécie de árvore.
4
Figura 1 – Árvore da Araucária,
na Praça Izabel Cury Paulo
Figura 2 – Parque Estadual de Campos do Jordão –
Horto Florestal, araucárias à esquerda e ao fundo,
Pinho bravo ao lado e estrada de pedras com
caminho de hortências
Entre tantos recursos naturais existentes na região da Serra da Mantiqueira, a madeira,
apesar de ter sofrido muito com a extração ilegal aqui no Brasil, essa região ainda é um forte
representante natural das espécies de árvores brasileiras.
3. A presença da madeira em Campos do Jordão
Quase por toda parte, na cidade de Campos do Jordão, observa-se a presença forte da
vegetação natural. A qualidade do ar, o frescor, as sombras naturais das árvores, as vias
públicas, quase todas, há fartura da típica árvore do plátano e do liquidambar.
A cidade de Campos do Jordão, que nos idos de 1750, foi conhecida como cidade da
cura dos respirantes, assim eram chamadas as pessoas que se refugiavam ali em busca da
cura das doenças respiratórias. Hoje, este quadro tem se alterado e, apesar da exuberância
natural, o crescimento urbano da cidade provocou um grande desmatamento de áreas
naturais, dando espaço ao cimento e ao asfalto. Segundo ANDRADE, 2002, (Apud. GEISER,
19765):
O impacto do homem sobre o meio ambiente faz-se em grande intensidade. Isso se reflete em
concorrência da cidade com o espaço verde, representado pela vegetação, com substituição
desta pelo piso urbano. Portanto, devem ser procuradas fórmulas adequadas, não apenas para
impedir a progressão desse impacto, mas também para solucionar os problemas daí originados.
(ANDRADE, 2002, p. 30 apud. GEISER, 1976)
A urbanização progressiva dá às cidades a característica de um espaço construído sem
garantias sociais e sem condições de desenvolvimento sustentado (ANDRADE, 2002, p 31).
Campos do Jordão necessita de uma ação urgente no que diz respeito ao seu ambiente
natural. Há a necessidade urgente de mobilização social em direção a preservação natural
dessa cidade, caso contrário não haverá meio ambiente sustentável nesta localidade.
Mesmo com as mudanças naturais da cidade nos últimos trinta anos, Campos do
Jordão possui uma via pública denominada Dr. Januário Miraglia, que atravessa a cidade de
uma ponta a outra, onde a via férrea é vista ao centro de duas fileiras de árvores de plátano
(Fig. 3). Esta espécie representa, segundo ANDRADE, (2002, p. 61), mais da metade da
arborização das vias públicas em Campos do Jordão, representando 53,7 %. A segunda
árvore mais encontrada é o liquidambar, com frequência de 34,15 %.
5
Geiser, R. R. Implantação de áreas verdes nas grandes cidades. São Paulo. Ed. Espade. 1976. 1 v.
5
Figura 3 – Folhas de plátano, durante o outono
de 2010, em Campos do Jordão,
Av. Dr. Januário Miraglia6
Porém, de certa forma, ainda resta muita matéria prima natural7 em Campos do
Jordão. A madeira ainda se desenvolve de forma caudalosa na região. Isso dá facilidades de
coleta para interessados neste produto como, por exemplo, os artesãos, xilógrafos,
entalhadores de móveis e construtores em busca de elementos decorativos arquitetônicos na
região. A madeira está presente em quase todos os lugares em Campos do Jordão, nas
paredes das casas e hotéis (para manter aquecido o interior dos cômodos), nas lareiras (tão
necessárias para combater o frio), nas placas de anúncios dos estabelecimentos comerciais
(fig. 4 e 5), na arquitetura (tanto como elemento estrutural como decorativo), nos bancos das
praças, enfim, em uma infinidade de locais pode-se ver a presença da madeira de forma mais
constante do que nos grandes centros urbanos, onde para a obtenção deste produto é
necessário deslocar-se aos centros comerciais especializados.
Figura 4- Placa entalhada em
madeira na loja do Palácio
da Boa Vista (detalhe), trabalho de
Luiz Antonio Sudarino
Figura 5- Detalhe da placa presente
na porta da loja do Palácio da Boa Vista,
trabalho do artesão
Luiz Antonio Sudarino
Em geral, eles colhem da natureza árvores que são derrubadas por fortes rajadas de
vento, chuvas, temporais, ou outro fenômeno natural. As árvores tombam com frequência na
Serra da Mantiqueira e nas áreas urbanizadas, sendo assim, a última alternativa dessas
riquezas naturais, ser utilizada como matéria prima do entalhador.
6
Fonte da imagem: http://www.netcampos.com/noticias-campos-do-jordao/gerais/outono-em-campos-dojordao, acesso em: 04/07/2011.
7
Referimo-nos, neste caso, à madeira. Fomos à busca de pesquisa referente ao desmatamento das áreas
verdes, que ocorreram com frequência na Serra da Mantiqueira entre o início do séc. XX até os anos 30,
porém há dificuldades de localização dessas informações.
6
4. A pesquisa em madeira realizada pelos artistas Antonio Fernando Costella e José
Ercílio Cavalli8 na cidade de Campos do Jordão
A questão deste trabalho foi analisar as aproximações entre as obras destes dois
artistas, Antonio Fernando Costella e José e Ercílio Cavalli, ambos profissionais, que
utilizam a mesma matéria prima: a madeira. Porém, em certos contextos dentro das
necessidades de cada trabalhador da madeira, as buscas podem diferenciar devido às técnicas
para dois fins bem parecidos, mas ao mesmo tempo, distintos entre si.
O xilógrafo busca a madeira forte, muitas vezes devido à necessidade de impressão na
prensa, pois a matriz xilográfica neste caso sofre uma grande pressão. Quando a técnica é
feita na impressão na “colher” 9, procura-se uma madeira menos resistente. A necessidade do
xilógrafo é vertical, ou seja, bidimensional e a do artesão é tridimensional. O artesão entalha
o bloco em todas as faces e o xilógrafo em uma só.
A relação forte destes dois artistas; artesão e xilógrafo; com a madeira dá a
oportunidade de exercer um diálogo entre a matéria, a técnica e a poética10. Gaston
Bachelard (1985, p. 52) escreveu sobre esta relação, dizendo: “na ponta do buril nascem, ao
mesmo tempo, consciência e vontade [...] é um trabalhador, um artesão. Possui toda a glória
do operário”. Sobre a relação do homem com o aproveitamento da madeira afirma Lody;
Souza (1988):
A madeira acompanha a trajetória do homem desde seu nascimento na construção de berços e
casas, nos implementos agropastoris, na pesca e caçam através de utensílios os mais diversos,
imprescindíveis à subsistência do homem e coerentes aos seus padrões culturais (LODY;
SOUZA, 1988, p. 11).
A pesquisa destes dos últimos autores observou que, os artesãos brasileiros, exploram
os tipos de madeira do próprio local em que eles vivem, de forma a aproveitar as espécies
que ali se encontram. Dessa forma, tiram a matéria prima com baixo custo, tornando possível
a subsistência através do meio artesanal.
Para contextualizar um pouco, lembramos que na região nordeste do Brasil, onde é
comum a sobrevivência dos artesãos através da extração da madeira e também pelos
xilógrafos. João Francisco Borges, também conhecido como J. Borges (fig. 7) iniciou sua
carreira aos treze anos confeccionando pequenos móveis em madeira11. A xilogravura veio
depois de alguns anos, onde ele dedica até hoje seus esforços, somando quase cinquenta anos
de carreira. Sua experiência técnica e poética criou heranças, sendo, três de seus filhos,
xilógrafos e cordelistas, José Miguel Borges como vemos na fig. 6:
8
Sendo o prof. Antonio Fernando Costella dedicado a arte da xilogravura e José Ercílio Cavalli, ao
artesanato.
9
A impressão denominada “na colher” é aquela que o xilógrafo imprime colocando o papel sobre a
matriz, pressionando uma colher de metal ou de pau, para que o papel absorva bem a tinta, dando um bom
efeito de impressão.
10
Referimo-nos aqui poética, no sentido do termo poiésis, que diz respeito à prática, tanto no sentido de
fazer, como no de ensinar.
11
Trecho retirado dos depoimentos de J. Borges presente no vídeo de: CARELLI, Vincent. Jota Borges.
Vídeo documentário 12 min. Vídeo nas Aldeias. 2004.
7
Fig. 6- José Miguel Borges
(filho de J. Borges), entalhando um taco
com goivas, Bezerros, Pernambuco, 198812
Fig. 7 – J. Borges em sua oficina,
entalhando um taco de madeira
de umburana13 Bezerros, Pernambuco, 201014
Os xilógrafos do Nordeste vivem em cidades, onde a madeira apresenta-se de forma
muito farta, o mesmo ocorre com os xilógrafos e artesãos da cidade de Campos do Jordão.
Sem desmatar as florestas e com o cultivo das mesmas, esses profissionais fazem da madeira
seu modo de vida cultural e de subsistência. Sobre a relação entre o homem, cultura e a
exploração artesanal da madeira afirmam Lody; Souza (1988):
Madeira ajuda o homem a viver e manifestar seus ciclos festivos, marcando a trajetória das
sociedades, passagens dos rituais religiosos, representações do sagrado e suas relações com o
humano, com o poder – apoiando os indivíduos e as coletividades, dizendo quem são – seus
padrões etnográficos, suas personalidades de povos (LODY; SOUZA, 1988, p 15).
Na xilogravura
(do lenho, a arte que tenho)
Minha alma se apura.
Haicai II, Antonio Fernando Costella
O professor Antonio Fernando Costella iniciou sua obra xilográfica na cidade de São
Paulo, onde se iniciou em um curso no Liceu de Artes e Ofícios, que ele realizou em 1981.
Este curso foi de tal importância para o xilógrafo que resultou na desenvoltura de toda uma
carreira como gravador. Desde o tempo que era menino, desenvolveu um gosto muito
especial pelas artes em geral.
12
Fonte da imagem: LODY, Raul; SOUZA, Marina de Mello. Artesanato brasileiro: madeira. Rio de
Janeiro – Funarte – Instituto Nacional de Folclore. 1988.
13
Nome científico da madeira preferida pelos xilógrafos: Amburana cearensis, gênero Amburana,
Família: Papilionoideae. Esta árvore é muito comum na caatinga, do nordeste brasileiro sendo também
usada por muitos artesões dedicados à escultura e à produção de objetos de madeira (OKABAYASHI;
ARANTES, 2008, p 33)
14
Fonte da imagem: OKABAYASHI, Pedro; ARANTES, Antonio A. A Arte de J. Borges, do cordel à
xilogravura. Catálogo da Exposição, 2008. Caixa Cultural.
8
Logo no início do curso, interessou-se pela técnica xilográfica e realizou, em um
primeiro momento, um livro onde constam poemas que foram ilustrados com xilogravuras,
que ele chamou de Xilopoemas (fig. 8):
Fig. 8- Antonio F. Costella, 1982, no Museu
de Arte de São Paulo. Em detalhe, o livro Xilopoemas.
A impressão da imagem do livro desta foto,
foi feita em madeira de guatambu.
Em 1982, o professor Antonio Fernando Costella já morava em Campos do Jordão,
quando inicia sua pesquisa de exploração das madeiras proveniente dessa região. Este fato
colaborou profundamente na sua pesquisa em xilogravura de topo. Esse tipo de técnica
xilográfica permite entalhar a madeira com linhas em formas curvas com mais precisão do
que a xilogravura ao fio. Explica sobre as diferenças técnicas o professor Costella (ver fig. 9
e 10):
Na xilo ao fio, com qualquer madeira você pode trabalhar. Você vai ter resultados diferentes;
por exemplo, se você pega uma cerejeira, ela tem mais veios. Para a xilo ao fio pode-se usar
quase todo o tipo de madeira e para a xilo de topo não. A madeira precisa ser extremamente
resistente ao corte; quando você trabalha com o topo, você trabalha com a madeira cortada
transversalmente, você trabalha com uma bolacha. (COSTELLA, 2011)
Sobre o aproveitamento da madeira, em Campos do Jordão, ressalva Costella,
(2011):
Em São Paulo, há uns vinte anos atrás, você ia à Rua do Gasômetro, ou a Rua Paes Leme e
encontrava madeira nobre, mas hoje em dia não se acha mais. Então, para isso, aqui na cidade
de Campos do Jordão fica mais fácil. Por exemplo, a pera, como você vai achar um pé de pera
em São Paulo? Por exemplo, essa pereira estava aqui no quintal, caiu, tombou. (COSTELLA,
2011).
9
Fig. 9- Antonio F. Costella, entalhando
uma matriz ao topo
(madeira de uma pereira), 198215
Fig. 10- Antonio F. Costella, entindando
uma matriz ao fio, 1982
Na região de Campos do Jordão, nota-se a presença de pereiras nos quintais. O
clima de baixa temperatura favorece o crescimento de árvores frutíferas como esta. Esse
tipo de árvore frutífera necessita das chamadas “horas de frio”, na qual garante o bom
desenvolvimento da árvore e consequentemente boa qualidade de seus frutos (PEDRO
Jr. Et. al, 1979).
Não é somente em Campos do Jordão, que o professor Costella coleta suas
madeiras. Em outra cidade próxima, Taubaté no distrito de Quiririm, ele coletou a
madeira de uma goiabeira16:
Essa daqui é goiaba (ele se refere à xilogravura No Garimpo- fig. 12). Eu fui a um sítio em
Quiririm e um vizinho derrubou uma goiabeira que estava atacada de broca. E eu trouxe um
pouco dessa madeira do pé para mim. Eu fatiei o tronco. Inclusive, está vendo essa bolinha
branca, aqui? É um furo causado pela broca?”(COSTELLA, 2011).
Na obra, No Garimpo, (fig. 12), de 1983, onde se vê dois trabalhadores garimpando,
um deles em primeiro plano, nota-se um pequeno círculo que sobressai na peneira, que foi
mantido pelo fato de ser um furo de broca no tronco da goiabeira. Esta madeira foi
devidamente tratada contra pragas, e a matriz pertence hoje ao acervo do Museu Casa da
Xilogravura de Campos do Jordão.
15
Figuras 9 e 10, fotos pertencentes ao acervo do Museu Casa da Xilogravura de Campos do Jordão.
A árvore da goiaba pertence a família Myrtaceae, cuja classificação científica é: Psidium Guajava.
Segundo Pereira; Nachtigal, (2002,), a goiabeira é cultivada em quase todos os estados do país. O Brasil,
no ano de 1995, apresentava área de 8.787 ha, com produção de 255.984 toneladas, concentrada
principalmente na Região Sudeste, onde se destaca o Estado de São Paulo, com 4.084 hectares. No caso
dos chamados cultivos caseiros (plantações em quintais ou pequenas roças), ocorre devido à facilidade
germinativa da espécie. Quanto à exploração da madeira, há pouca ocorrência comercial pelo fato de ser
árvore frutífera, que não possibilita o corte.
16
10
Fig. 11- Sem título- Xilogravura, Antonio
Fernando Costella, madeira de topo, de
uma pereira- 1992
Fig. 12- No garimpo, xilogravura,
Antonio F. Costella, madeira de topo, de
uma goiabeira, 1983
Outro exemplo bastante clássico, que se observa com frequência, em Campos do
Jordão é a presença dos troncos de araucárias, tanto no artesanato, como nas construções ou
mesmo na xilogravura. A obra a seguir (fig. 13), é uma impressão feita em um tronco
cerrado em corte transversal, de uma árvore da Araucária angustifólia:
Fig. 13- Xilogravura, Tríptico de S. Pietro,
impressão ao fundo feita com tronco de araucária
(ao topo) e, as três imagens centrais, impressão
em pereira ao topo
Fig. 14- Pilar, feito do tronco da
araucária, presente na arquitetura,
casa anexa ao Museu Casa da
Xilogravura de Campos do Jordão
A produção artesanal em Campos do Jordão é uma atividade bastante explorada pelos
escultores dessa região.
O artesanato não é em primeiro plano uma forma de trabalhadores
sobreviverem, mas uma arte, uma arte popular, a ser preservada em suas
formas mais puras. Esta maneira de visualizar o problema pode levar a
uma busca incansável de artesãos puros, originais, e nesta procura da
tradição, autêntica leva ao esquecimento do significado sociológico das
relações sociais e culturais que formam um universo mais amplo. Os
11
trabalhadores artesãos estão organizados através de seu trabalho, onde se
materializam e reproduzem-se formas particulares de concepção de mundo
[...]
Berta G. Ribeiro, 1983
Sobre o artesanato feito em madeira na cidade de Campos do Jordão, nota-se a
presença de três centros de comercialização: um situado na praça Luiz Manoel Docouro, o
segundo, na praça na Praça Ana Célia Ventura, e o terceiro, na Avenida Frei Orestes Girardi,
em frente ao prédio do corpo de bombeiros da cidade.
Este último espaço de feitura de artesanato em madeira chama-se Casa do Artesão.
Ali se encontram sete artesãos que trabalham com madeira. Abordaremos aqui neste artigo o
trabalho do senhor José Ercílio Cavalli, que nos concedeu uma entrevista em trabalho de
campo17. Nela, ele nos revelou as características do seu trabalho e o amor pela escultura que
veio do seu tempo de infância.
“Quando eu trabalhava na roça como agueiro, enquanto os lavradores estavam colhendo ou
plantando, eu tinha uma segunda função, eu levava comida para dar para o porco, eu tinha que
picar aquelas abóboras, um monte de chuchu... Quando chegava aquela abóbora linda, ao invés
de cortar ela, eu fazia um barco viking, fazia um reminho para ele e brincava abeça!”.
“Eu pegava uma mandioca toda retorcida e fazia um jacaré e assim eu ficava brincando.
Você quer saber uma coisa, eu não consigo sair de casa sem pensar o que eu vou esculpir no dia
seguinte”. (Cavalli, 2011) 18.
Hoje podemos notar entre os modelos elaborados pelo artesão os personagens do
escritor Monteiro Lobato (que nasceu em Taubaté, cidade próxima a Campos do Jordão),
figuras do folclore brasileiro, o próprio busto do Monteiro Lobato, figuras históricas (como
Antonio Conselheiro) e figuras do imaginário africano. Também, são lembradas pelo
escultor, animais típicos da serra, jogos de xadrez, entre muitos outros.
Este artesão, Ercílio Cavalli, trabalha com todo o tipo de madeira, entre suas
esculturas, encontramos, a exploração de madeiras como dormentes19, madeira de quiri,
araucária, entre muitas outras. Como ocorre com outros artesões de diversas partes do país,
adquire-se o hábito de aproveitar os tipos de madeiras que aparecem com freqüência na
natureza do local nativo dos artistas.
Aos fundos da Casa do Artesão, Ercílio Cavalli, possui uma pequena plantação que
inclui: árvore do quiri, pés de couve, pé de marmelo, pitanga, goiaba, rosas, ipê, cedro,
castanha portuguesa entre outros (ver fig. 15).
17
A entrevista ocorreu durante a pesquisa de mestrado, realizada junto à Escola de Comunicações e Artes
da Universidade de São Paulo, concluída em 2011.
18
Trecho da entrevista concedida, em 16 de fevereiro de 2011, para a pesquisa de mestrado de Maria
Cristina Blanco, constante nos anexos deste trabalho.
19
Dormentes são madeiras em formato geométrico de paralelepípedo, em geral feitos de madeira bastante
resistente, utilizados para suportar a passagem dos trens sobre os trilhos. Nos idos de 1820, os primeiros
dormentes norte americanos, assim como os brasileiros, eram feitos de madeiras que se encontravam de
forma mais farta neste período, como carvalho, pinho, cedro, castanheira e cipestre. Atualmente, no
Brasil, a maioria deles é feito em madeira de eucalipto reflorestado (ALVES, 2005).
12
O quiri20 por exemplo, segundo suas explicações, é uma árvore de origem chinesa,
trazida aqui para o continente americano.
No caso dos pés de quiris, utilizados pelo artesão Ercílio Cavalli, em primeiro
momento, foram avistados no bairro da Abernésia, em Campos do Jordão em um local
chamado Emoabe, que consiste em uma reserva verde, ainda remanescente ao progresso
urbano da cidade. Ele colheu as sementes das flores, e dois galhos. Ele tentou o replantio,
pelo método de germinação, ou seja, por sementes, e pelo enraizamento; que consiste em
plantar o tronco diretamente na terra. O primeiro método vingou, e em seis anos a árvore
chegou à altura de 5 metros. Segue a foto da árvore situada aos fundos da Casa do Artesão
(fig. 16).
Fig. 15- Local aos fundos da Casa do
Artesão. Podemos ver um pé de couve,
em segundo plano um pé de marmelo
e em terceiro, um pé de capiçica
(conhecida também como goiaba do mato)
Fig. 16- Árvore do quiri,
plantada nos fundos da
Casa do Artesão
A madeira, extraída da árvore do quiri, possui uma densidade muito boa para o
trabalho rápido e fácil do escultor, além de ser uma planta presente no parque Emoabe, em
Campos do Jordão. Existem várias árvores desta espécie, e, quando há ocorrências de fortes
ventos ou chuvas com tempestades, as árvores (quando adultas chegam a medir de 20 a 25
metros de altura) em geral tombam, ou seja, ficam sacrificadas, dando assim, a oportunidade
do seu aproveitamento para outros fins. A foto a seguir, apresenta o artesão Ercílio
esculpindo um “gato” em um tronco do quiri (fig. 17). Outro exemplo de bom
aproveitamento de madeira condenada foi um tronco de cedro português, que teve de ser
cortado devido à presença de cupins. Na figura 18, podemos ver o Frei Orestes. Observamos
em torno do seu hábito, as tiras de aço utilizadas pelos bombeiros, para auxilio no arranque
da tora ainda viva. Os braços do frei foram esculpidos para aproveitar a presença dos galhos
que brotam do tronco central.
20
A árvore do quiri possui o nome científico de Paulowenia tomentosa, uma planta invasora. Esse termo
provém da engenharia florestal, que corresponde às árvores que são típicas de um certo país, e são
plantadas em outros locais, pela ação do homem, em distâncias às vezes continentais. Essa árvore, apesar
de ser de origem chinesa, veio da Índia para a América do Norte, trazidas pelos mercadores ingleses, por
volta de 1820. É conhecida também como árvore princesa. Fonte:
http://www.texasinvasives.org/plant_database/detail.php?symbol=PATO2. Acesso em 23/08/2011.
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Fig. 17- Ercílio Cavalli trabalhando –
Casa do Artesão
Fig. 18- Escultura em madeira, Frei Orestes,
feita em uma árvore condenada por pragas,
obra de Ercílio Cavalli
Outro exemplo de aproveitamento de madeira são os dormentes, que foram coletados,
na queda da carga de um caminhão carregado. As madeiras dos dormentes de Campos do
Jordão, em boa parte, são feitos com madeira de eucalipto.
A escultura em madeira do personagem de Antonio Conselheiro, feito em um
dormente (madeira de guarandi), fig. 20. Esta madeira se apresenta de forma muito dura, mas
nas mãos do artesão toma corpo devido à experiência do artífice. O banco da fig. 19 foi feito
com madeira de araucária:
Fig. 19- Ercílio Cavalli trabalhando, em
um banco feito com madeira de uma
araucária – Casa do Artesão
Fig. 20- Escultura em madeira, feita por
Ercílio Cavalli, Antonio Conselheiro, feita
em um dormente (eucalipto).
Considerações finais
O presente estudo tentou apresentar a variedade de fins que essas madeiras se
destinam. E observamos as aproximações existentes entre a obra do professor Antonio
14
Fernando Costela (xilógrafo), com as dos artesãos da cidade de Campos do Jordão, em
especial José Ercílio Cavalli (artesão/escultor), na tentativa de organizar um estudo, que
possa alertar os interessados em madeira para o aproveitamento consciente dos diversos tipos
presentes na região da Serra da Mantiqueira, como também de outras regiões.
A presença farta desse tipo de material propicia a exploração variada, destes dois
artistas, tendo como resultado a produção xilográfica em forma de impressão, por parte do
professor Costellla, e a arte da escultura, feita por Ercílio Cavalli. Ambas as produções
representam uma forma de expressão significativa para a cidade, compondo um conjunto
estético diferenciado na região.
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BLANCO, Maria Cristina- Escola de Comunicações e Artes