Maria de Lurdes Candeias
Eu estou sempre cá
Entender a depressão
na infância e na adolescência
e as suas faces quotidianas
casos clínicos
Mais importante do que fazer ou criar, é Ser.
Ir. Sylvie
Índice
Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Preâmbulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
«Se eu pudesse, estava sentada
na praia a ver o mar» . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Morte ao amanhecer . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Ana e a avó . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
O rapaz do skate . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
O menino com medo de perder a mãe . . . . . . . . . . . . . . . .
A alcofa de bebé . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
A menina que não falava . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Era uma vez . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
O que tens tu, Isabel? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
O segredo de Andreia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Em busca da perfeição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Anorexia e obsessão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
A anorexia vista pelo avesso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Um depoimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Vera e a vodka . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Madalena quer estudar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Contactos úteis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145
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Agradecimentos
Em primeiro lugar, agradeço a todos os meus pacientes. Nomeá-los-ia a todos, todos tiveram a sua importância e todos me marcaram ou comoveram, todos contribuíram para a vontade de escrever
este livro.
Agradeço aos meus mestres – António Coimbra de Matos,
Teresa Ferreira, João dos Santos, Daniel Sampaio, Emílio Salgueiro,
Maria José Gonçalves –, que me iniciaram e acompanharam nesta
longa caminhada e sem os quais a paixão pela profissão não teria
sido a mesma.
Agradeço à minha família, começando pelos meus pais e avós,
com os quais aprendi a ser resiliente. Aprendi com o seu modo de
vida, com a sua coragem para enfrentar as situações mais adversas.
Às minhas filhas. A elas dedico este livro.
Aos amigos de sempre.
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Preâmbulo
No decurso da minha vida profissional, como médica e como
pedopsiquiatra, fui deparando com situações de crianças, de adolescentes e de jovens, de pais e de avós, de instituições, que me
procuravam pelos mais diversos motivos. Quando pegava nos
casos e os seguia no hospital ou no consultório ao longo de meses,
ou de anos, fui-me apercebendo de que, muitas vezes, subjacente
a diversos sintomas e patologias, estava uma situação de depressão.
Assim surgiu a ideia de escrever um livro em que pudesse partilhar as histórias que me chegavam através dos meus pacientes.
Irei abordar o tema, com a preocupação de o fazer de um modo
fácil e perceptível para o leitor, demonstrando que a depressão na
infância e na adolescência pode ter várias facetas, ser consequência
de vários factores, nem sempre facilmente identificáveis, e o seu
tratamento pode ser multifacetado e adaptado a cada caso. Se diagnosticada precocemente e tratada, podemos restituir às crianças
e jovens a alegria de viver e torná-los adultos seguros e saudáveis.
Podemos também restituir confiança aos pais e atenuar a sua ansiedade em relação à doença e ao futuro dos seus filhos.
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As causas da depressão na infância e na adolescência são
múltiplas. Factores individuais (genéticos, hormonais, emocionais, psicológicos), familiares e sociais contribuem para o seu
aparecimento, resolução ou manutenção ao longo da vida. Ao contrário do senso comum, a depressão existe desde a mais tenra
idade. Em crianças mais pequenas, pode observar-se no choro,
em alterações do sono, do comportamento alimentar, do comportamento geral, irritabilidade, isolamento social, dificuldade em
brincar e ausência de prazer ao fazê-lo. Em crianças já em idade
escolar pode observar-se também uma diminuição do rendimento
escolar, mas raramente há o desabafo «Estou deprimido». Na pré-adolescência e adolescência, fazem parte do processo de desenvolvimento as manifestações emocionais e afectivas, mais ou menos
intensas, mas quase sempre transitórias. São frequentes os estados
de mau humor, aborrecimento ou até mesmo tristeza, ou o sentimento de ser infeliz e pouco compreendido. Estes aspectos não são
graves e acabam por passar.
O processo da adolescência pode favorecer a inquietação sobre
o próprio corpo e a insatisfação em relação às ideias e aos afectos
que parecem de momento inatingíveis. A perda de uma certa protecção parental, mesmo que esta seja contestada pelos adolescentes,
a culpabilidade sentida pela agressividade injustificada contra o pai
ou a mãe, ou mesmo a ideia de suicídio, podem, por momentos,
surgir. Um estado depressivo na adolescência é vulgar e os adolescentes nesta situação conseguem cumprir as suas actividades nos
diversos aspectos, quer da vida profissional, quer da escolar, quer
das relações de amizade e familiares.
Esta situação é muito diferente da depressão propriamente
dita, a qual, ao contrário da anterior, precisa de consulta médica
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Eu estou sempre cá
especializada e tratamento específico para cada caso, que tanto
pode ser uma terapia individual como envolver a família (terapia
familiar) e, eventualmente, recorrer a terapêutica farmacológica.
Quando existe depressão na adolescência, existe realmente tristeza,
sentimento de sofrimento emocional (dor emocional) e uma tendência enorme para se culpabilizar pelo que se faz ou diz. Existe
um sentimento de desvalorização muito grande, com autoconceito
e auto-estima baixos, que se exprime no plano intelectual, físico ou
estético. As ideias ou desejo de morte são o extremo do conjunto das
temáticas precedentes – culpabilidade, desvalorização, sensação de
vazio, esta última tantas vezes descrita em letras de músicas ou na
poesia. Em relação ao comportamento, tanto se observa uma diminuição de interesse por qualquer actividade – o adolescente não fala,
não sai, não se interessa por nada, não convive com os seus pares.
Mas pode observar-se exactamente o contrário – parece agitado,
violento, agressivo, impulsivo, de um modo excessivo em relação à
situação precedente. Outro sinal de alerta é a duração dos sintomas:
quando as alterações atrás referidas duram mais de quinze dias,
tendo associadas perturbações do sono, com despertares muito precoces de manhã e alterações do comportamento alimentar.
É importante a consulta médica e o tratamento da depressão
na adolescência, porque o prognóstico, ao contrário do que se diz,
não é bom. Existe sempre o risco da evolução para perturbações
graves do comportamento: risco de tentativas de suicídio, do eclodir de uma anorexia nervosa grave ou de organização perturbada
da personalidade, verdadeira carapaça psicológica e comportamental contra a dor e o sofrimento depressivo. É também muito
importante, e necessária, a atenção e coerência dos pais, mesmo
separados, para o diagnóstico e tratamento dos filhos. Se um dos
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Maria de Lurdes Candeias
pais está preocupado com este ou aquele sintoma do filho/filha,
é importante que, se justificado, o outro não o negue ou desvalorize, prolongando desnecessariamente o tempo para pedir ajuda
médica especializada e terapêutica adequada.
A selecção dos casos que deram origem a estas histórias tem
múltiplas explicações, mas a que considero mais autêntica é a de
pertencerem a crianças e adolescentes que, pelas suas características próprias, me tocaram de um modo especial, despertando em
mim sentimentos de empatia e conseguindo marcar-me até hoje –
e alguns destes casos surgiram-me há já bastantes anos…
A organização do livro desenha uma história sem fim, onde
todos os fins se admitem, mesmo aqueles que mais desejamos,
como nos contos infantis que começam por «Era uma vez…» e
terminam em «… e foram felizes para sempre». Aqui, os finais
são uma incógnita, como a vida, mas nos dias de consultório tudo
recomeça. «Eu estou sempre cá», como costumo dizer na hora da
alta aos meus pacientes, prontos para recomeçarem novas histórias
e fases das suas vidas.
A primeira história – «Se eu pudesse estava sentada na praia
a ver o mar» – é a de uma adolescente entre a vida e a morte, cuja
coragem foi determinante para o tratamento de uma doença física
grave e a sua cura. A presença constante e o afecto dos pais foram
exemplares.
A segunda – Morte ao amanhecer – é uma história que ainda
hoje me é terrível relembrar, da morte de um jovem por suicídio.
Foi o meu primeiro contacto, como médica, com o lado negro da
desesperança da vida.
Ana e a avó é a terceira história. Conta a história do amor
incondicional de uma avó pela sua neta e a tentativa de reparar
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Eu estou sempre cá
com esta a relação insuficiente que tivera com a sua própria filha,
mãe de Ana. Os avós são importantes.
O rapaz do skate, a quarta história, relata um encontro breve
mas intenso com um adolescente inseguro, cheio de ideais, frustrações e abandono.
O menino com medo de perder a mãe, protagonista do caso
seguinte, tocou-me pela solidão sentida por esta criança, precocemente ameaçada pela perda dos pais, ambos doentes em momentos sucessivos, e pelo seu sentimento de abandono – sentido, mas
não real, porque os pais, além de se preocuparem, gostavam muito
dele.
A alcofa de bebé, sexta história, aborda o abandono de um
bebé recém-nascido, a adopção e a dificuldade da escolha de uma
identidade na transição da adolescência para a idade adulta. Não
foi um caso fácil de acompanhar nem de contar.
A menina que não falava trata de um caso de mutismo selectivo de uma pré-adolescente, que deixou de comunicar verbalmente fora do ambiente familiar. Como consequência, surgiram
dificuldades escolares bastante acentuadas, mas que em simultâneo permitiram perceber o nível de ansiedade vivido pela menina
devido à disfunção familiar, motivada por um progenitor muito
doente.
As histórias seguintes – Era uma vez… e O que tens tu, Isabel? – relatam casos diferentes de uma realidade crescente que exige
especial atenção dos pais e educadores, pelas graves consequências
que pode acarretar: o bullyingg em contexto escolar. O primeiro caso
fala-vos de um menino que parece saído de um conto de fadas, mas
que é vítima de bullying. Tem um final feliz, como nas histórias
de encantar, pela atenção e preocupação, em tempo útil, dos seus
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Maria de Lurdes Candeias
pais. Já o segundo demonstra bem como factores de indiferença
e abandono por parte dos pais podem fazer arrastar situações,
g indetectadas por tempos sem fim, agravando-as
como o bullying,
e podendo conduzir a outras patologias. Isabel faz a ponte entre
o bullyingg e o grito de alerta desesperado que podem ser as perturbações do comportamento alimentar.
O segredo de Andreia e Em busca da perfeição referem-se,
precisamente, a casos por mim seguidos de adolescentes com doenças do comportamento alimentar, em particular anorexia nervosa,
sendo que o primeiro tem como factor desencadeante uma situação de abuso sexual e o segundo uma estrutura emocional onde
predomina a obsessão pela perfeição. As doenças do comportamento alimentar são predominantes no sexo feminino, razão pela
qual estas histórias foram também escolhidas. Em qualquer delas,
os pais demonstraram um misto complexo de sentimentos, difíceis
de gerir, e que podem incluir incapacidade, espanto, impotência,
cólera, frustração, culpa perante esta doença, silenciosa na forma
como surge e se instala, mas com prognóstico grave e consequências difíceis de resolver a nível psicológico e físico. É importante
para a compreensão destes casos, no entanto, deixar claro que as
doenças do comportamento alimentar são multicausais, e que factores precipitantes e desencadeantes se conjugam com a vulnerabilidade da adolescente para o aparecimento da doença.
A anorexia vista pelo avesso é um depoimento da mãe de uma
adolescente com anorexia nervosa restritiva, actualmente em tratamento, que acedeu a testemunhar sobre como tem vivido a doença
da filha, as suas ansiedades e inquietações, o seu modo de ver
a doença e a sua grande interrogação sobre se a filha vai ficar boa.
Agradeço-lhe o seu depoimento sincero e sentido.
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Eu estou sempre cá
Vera e a vodka e Madalena quer estudar, os dois últimos casos,
abordam, finalmente, o grave problema do consumo exagerado de
álcool na adolescência e tentam evidenciar que, entre os factores
que podem conduzir a uma situação destas, se encontram muitas
vezes situações de abandono precoce dos adolescentes pelos pais
nas suas funções de orientação, afecto, modelo e na sua presença.
A fim de preservar a confidencialidade foram, naturalmente, alterados os nomes, locais e circunstâncias socialmente identificáveis
dos próprios e de seus pais.
O que se pretende ao contar estas histórias de casos clínicos? Com
este livro espero poder ajudar alguns pais a entenderem os seus
filhos, alertá-los para alguns aspectos que podem parecer insignificantes, mas que merecem atenção, e a não terem receio de pedir
ajuda atempadamente. É importante falar dos problemas, não ter
medo nem vergonha de o fazer. Tudo tem resolução.
Desejo que após a leitura deste livro compreendam melhor os vossos filhos e o seu sofrimento e se sintam mais preparados para os
ajudar a ultrapassar os problemas.
Não tenham receio do diálogo. Não tenham vergonha ou medo
de pedir a ajuda de um especialista e falar do que vos preocupa no
momento. Não são caso único.
Tudo acaba bem. Se ainda não está bem, é porque ainda não
acabou. (Kiki)
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