Troféu Multimulher 2015 Maria Cecília Dresch Nasci em 22 de novembro de 1926 na localidade de Herval, município de Venâncio Aires, filha de Pedro Dresch e Leocádia Gerhardt, e irmã de João IttoDresch. Quando eu tinha quatro anos de idade meus pais compraram uma casa e um lote de terras no Passo de Estrela, e um moinho na localidade de São Bento, município de Lajeado. Criávamos gado, galinhas, porcos e um cavalinho, o Petiço. Estudei perto de casa, no Passo de Estrela, onde havia uma professora que lecionava do primeiro ao quarto ano, tudo junto. Naquela época, não existia colégio naquela localidade, era uma sala alugada de uma casa de família, onde também havia aulas de alemão. Meu pai me matriculou na aula do professor Goile, que lecionava alemão da Alemanha no turno da tarde. Aprendi a falar e escrever o alemão ¨bonito¨. Quando terminei o Quarto Ano, mudei para o Colégio Santo Antônio das Irmãs Franciscanas de Estrela. Eu atravessava o rio ora de barca, ora de lancha. Eu e mais algumas meninas subíamos pela escadaria, que tinha 104 degraus, e seguíamos pela rua Coronel Flores. Estudei no Colégio Santo Antônio até a sexta série - dos nove aos treze anos de idade. Depois disso, eu poderia tirar Magistério ou Contabilidade, mas em Estrela não tinha e o pai achava difícil estudar em Lajeado. Além disso, mamãe estava com problemas de saúde, e tive que parar de estudar. Foi muito difícil. Assim, comecei a ajudar nas tarefas da casa. Aprendi a fazer pão, cuca, cozinhar... Eu também auxiliava na lida de casa, lavando e passando a roupa com ferro de carvão. Meu pai sempre ajudou a todos que estavam ao seu alcance. Durante a grande enchente de 1941, acolhemos várias pessoas em nossa casa, mamãe fazia comida para todos, e rezava muito. Mesmo depois disso, muitas pessoas vinham pedir ajuda, e meu pai fazia o possível para auxiliá-los, seja fazendo remédios, utilizando os conhecimentos dos seus livros de medicina escritos em alemão, seja oferecendo serviço. Infelizmente, junto com as boas pessoas, acolhemos aquelas de maucaráter. Durante a Segunda Grande Guerra, nos denunciaram como Quinta-Coluna, pois falávamos alemão, tínhamos vários livros e uma arma em casa para nossa proteção. Eu era jovem, e vi a polícia revirando nossa casa. Revoltei-me muito... Nunca devolveram nada. Dali em diante, não falávamos mais alemão em público. Em 1948, papai comprou a casa de Estrela na rua Marechal Deodoro, na descida da praia, perto do zigue–zague, do nosso tio-avô Henrique Senger. A casa era muito antiga, os terrenos eram grandes, e ao lado havia um galpão, que mais tarde, serviria para nós de vidraçaria. Eu gostava muito da casa e da localidade, e toda a vizinhança se dava muito bem. Um ano depois, a saúde de meu pai começou a se agravar. Ele trabalhou durante muito tempo no moinho, levantando sacos pesados de milho e arroz, e em razão disso, teve uma severa hérnia, seguida de um infarto, vindo assim a falecer. Ficamos numa pior. A ideia era começar algum negócio para ajudar a família. Depois que papai faleceu ficamos eu, o Itto e a mamãe Leocádia. Como meu irmão trabalhava como marceneiro, iniciamos um negócio, uma pequena vidraçaria. O nome da firma era Irmãos Dresch Ltda. Começamos a firma com muita dificuldade, pouco capital e pouca experiência para trabalhar com vidros. Aprendemos a cortar, quebrar vidros também, e sempre seguimos em frente. Quando tudo estava começando a ir bem apareceu o diretor da Polar dizendo que tínhamos de vender a nossa casa para ele poder expandir a Cervejaria. Terminou nosso sossego, ele não falava em preço, falava apenas em cooperação, e nós não queríamos sair da Rua da Praia. Era bom viver ali, éramos uma família. A diretoria da Polar era extremamente insistente. Um dia trouxeram o prefeito aqui em casa, dizendo que se nós não vendêssemos ele iria fechar a rua, e não teríamos como sobreviver. Me apeguei ao Sagrado Coração de Jesus. Um dia eu estava cortando vidro e chegou um homem gordo, de chapéu grande, e ofereceu a Sorte Grande. Olhei, o bilhete tinha o número 8738, e comprei. Ganhei no sorteio $100.000, que naquela época, era muito dinheiro. Maria Ofélia Stein Moesch ofereceu-nos o Hotel Stein. Assim, em 1960, compramos o hotel, reformei-o, e troquei a minha casa na descida da praia pela da Tiradentes 406. Montamos a empresa Irmãos DreschLtda no centro da cidade. Antes da mudança, no entanto, minha mãe veio a falecer. Logo após, recebemos a proposta de distribuir os produtos das Tintas Renner, e também consegui a distribuição da Vidroplano Nacional. Assim, a nossa pequena empresa começou a destacar-se na região do Vale do Taquari. Eu cortava vidro, trocava para-brisas, atendia, vendia tinta. Fiz minha carteira de motorista, uma das primeiras mulheres em Estrela, e quando era necessário, entregava tinta no interior das cidades. Eu e Itto administrávamos a Empresa. Estudei contabilidade à noite na Escola São Luís de Estrela, mas não me formei. Estudei para aprender a trabalhar melhor. Em 1967 casei com RenaldinoFredolinoSchmachtenberg, viúvo, que tinha um filho chamado Martin. Com 6 anos ele veio morar conosco. Em dezembro nasceu minha única filha Maria Cristine. Minha sobrinha Glaci também veio morar conosco quando tinha três anos de idade. Todos estudaram no Colégio Santo Antônio até o término do segundo grau, e depois fizeram faculdade. Martin (53) formou-se Médico Veterinário e hoje é concursado pela EMATER. Glaci (49) formou-se em Letras e trabalha como professora estadual e é diretora de escola, e Cristine (47) é bióloga. Tem empresa também, com o mesmo nome da minha, Armazém. Minha primeira empresa da Rua da Praia tinha esse nome. Em 1983 saí da empresa, vendendo a minha parte. Construí um prédio em estilo enxaimel na avenida Rio Branco 517. Em 1996 meu marido Fredolino teve uma isquemia cerebral antes de minha neta Ana Luísa nascer. Ficou com sequelas, vindo a falecer em outubro de 2000, aos 80 anos. No início de 1996 tive um câncer no intestino. Fiz cirurgia e tive trombose, mas fiquei bem. Em 2012, fiz uma cirurgia devido a uma estenose de canal na coluna vertebral. Contraí uma infecção hospitalar, fiquei muito mal, mas São Pedro ainda não me quis. A infecção hospitalar migrou da coluna para o osso da perna, e tive de fazer mais duas cirurgias, o que impossibilitou-me de caminhar. Mesmo assim fiquei saudável. Hoje sou cadeirante, mas realizo minhas atividades normalmente. Faço contas à mão, de cabeça, e administro minha vida doméstica e financeira. Tenho muitos amigos, sempre que vou passear faço festa. Gosto de música, de ir à igreja, e ainda carrego os meus bons dotes culinários. Sou feliz aos 88 anos. Sempre fiz caridade, seguindo o exemplo de meu pai. Auxiliei a minha família, meus amigos, pessoas carentes da região, e algumas figuras icônicas de Estrela. “Dorfinha”era uma andarilha da nossa região. Sempre com um saco nas costas, pedia alimentos e doações aos transeuntes. Ainda lembro do medo que ela tinha do carro da funerária. Quando o via, dava no pé. Aposentei-a como faxineira e a encaminhei ao Pensionato do Hospital Estrela, onde recebi o auxílio das irmãs franciscanas. Cuidei dela até ela falecer. Também acolhi “Nêntchia”. Ela perdeu a mãe ainda jovem, e tentou o suicídio. Foi socorrida a tempo, havia quebrado a perna, e não tinha quem cuidasse dela. Assim, encaminhei-a para o Pensionato do Hospital Estrela, e mais tarde, para o OpasHaus, onde ficou até falecer. Sentia um enorme carinho por ela. Quando estava na empresa, participei ativamente de campanhas da comunidade de Estrela, como as das Igrejas Católica e Evangélica, Baile do Chucrute, construção da Vovolândia São Pedro, Pastoral da Criança da Comunidade São Francisco. Hoje, o que me deixa mais feliz é o carinho e gratidão que recebo das pessoas. Quando saio na rua, não consigo andar uma quadra sem que alguém me pare, “ô, Dona Maria!”, relembrando velhos causos e histórias. Para mim, é uma honra estar aqui esta noite, recebendo o reconhecimento por ter participado da história de Estrela, e por ter a certeza de que tudo que fiz foi de coração. Eu vivo e respiro a história desta cidade. Muito obrigada. A neta Ana e a filha Maria Cristina são as responsáveis pelas informações e pela escrita. Estrela, RS, março de 2015.