FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA – UNIR
LEANDRO FLORES DO NASCIMENTO
EFEITO ANTINOCICEPTIVO DO ÓLEO ESSENCIAL DE Piper aleyreanum C.DC.
(PIPERACEAE) NA HIPERALGESIA INDUZIDA PELO VENENO DA SERPENTE
Bothrops jararaca (VIPERIDAE).
Porto Velho - RO
2014
LEANDRO FLORES DO NASCIMENTO
EFEITO ANTINOCICEPTIVO DO ÓLEO ESSENCIAL DE Piper aleyreanum C.DC.
(PIPERACEAE) NA HIPERALGESIA INDUZIDA PELO VENENO DA SERPENTE
Bothrops jararaca (VIPERIDAE).
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Biologia Experimental como
requisito para a obtenção do título de mestre em
Biologia Experimental.
Orientador: Prof. Dr. Valdir Alves Facundo
Porto Velho - RO
2014
FICHA CATALOGRÁFICA
BIBLIOTECA PROF. ROBERTO DUARTE PIRES
N244f
Nascimento, Leandro Flores.
Efeito antinociceptivo do óleo essencial de Piper aleyreanum C.DC.
(PIPERACEAE) na hiperalgesia induzida pelo veneno da serpente
Bothrops jararaca (VIPERIDAE). Leandro Flores do Nascimento,
2014.
79f. :Il.
Orientador: Prof. Dr. Valdir Alves Facundo.
Dissertação (Mestrado em Biologia Experimental). Fundação
Universidade Federal de Rondônia. Programa de Pós-Graduação em
Biologia Experimental, Porto Velho, 2014.
1. Óleo essencial. 2. Bothrops jararaca. 3. TRPA1. I Fundação
Universidade Federal de Rondônia. II Título.
CDU: 598.115
Bibliotecária Responsável: Eliane Gemaque / CRB 11- 549
EFEITO ANTINOCICEPTIVO DO ÓLEO ESSENCIAL DE Piper aleyreanum C.DC.
(PIPERACEAE) NA HIPERALGESIA INDUZIDA PELO VENENO DA SERPENTE
Bothrops jararaca (VIPERIDAE).
LEANDRO FLORES DO NASCIMENTO
BANCA EXAMINADORA DE MESTRADO
_________________________________________________________
Dr. Valdir Alves Facundo - Presidente da Banca
(1º Membro)
_________________________________________________________
Dr. Quintino Moura Dias Júnior
(2º Membro)
_________________________________________________________
Dra. Mariângela Soares de Azevedo
(3º Membro)
_________________________________________________________
Dr. Andreimar Martins Soares
(Suplente)
_________________________________________________________
Dr. Laudir Jorge Ballico
(Suplente)
Defesa de Mestrado em 05.02.2014.
Dedico esta obra à minha mãe, a mulher mais linda e admirável que já conheci. À senhora sou grato por
ser a luz que ilumina minha vida, até mesmo quando tudo parece perdido. Saiba que toda compreensão e
carinho me fazem sentir muito amado, e esse amor, é sem dúvida, o maior tesouro que tenho. Na tua fé
vislumbro a certeza de que dias melhores virão, e no teu colo, revigoro minhas forças a cada dia, pois tens o
dom de renovar minhas esperanças perdidas. Contigo aprendi que a vida é maravilhosa, e hoje vejo nas
pequenas coisas, a grandeza da criação de Deus.
Obrigado por todo apoio e amor, eles me deram as asas que precisei para voar.
Amo-te infinita e incondicionalmente!
“A ciência é o grande antídoto do veneno do entusiasmo e da superstição”.
(Adam Smith)
“A ciência de maneira nenhuma nega a existência de Deus. Quando considero quantas e quão
maravilhosas coisas o homem compreende, pesquisa e consegue realizar, então reconheço claramente que o
espírito humano é obra de Deus, e a mais notável”.
(Galileu Galilei)
AGRADECIMENTOS
À DEUS fonte inspiradora de todas as conquistas e vitórias...
Aos meus pais, por acreditarem nos meus sonhos e me darem força e perseverança para
alcança-los;
Aos meus irmãos (Maíza, Marcos, Eures, Adriano e Nelson) que sempre estiveram ao meu
lado, incentivando-me na busca e conquista dos meus ideais;
Às grandes amigas Rute e Olaércia, pelo convívio, amizade, confiança e companheirismo;
Aos meus tios (Felipe, Tereza e Joaquina) por todo o carinho e afeto;
Ao Dr. Valdir Alves Facundo, por acreditar na realização deste trabalho, pela orientação e
companheirismo, os quais foram fundamentais na conclusão deste trabalho;
Ao Dr. Adair Roberto Soares dos Santos, pela acolhida em seu laboratório e por todo o apoio
necessário à realização deste trabalho, além da grande amizade e companheirismo, sou grato
pela oportunidade e por todos os ensinamentos;
Aos professores, pelos ensinamentos, experiências e pela paciência que tiveram ao longo do
curso;
Aos meus grandes amores... Gabriela... Suzane... Dani... Carol... Andri... Leda... pela amizade,
carinho, confiança e por todo o amor que nos é reciproco...
Aos amigos Leidi, Daniel, Jeanne, Flaviane, Taty, Telma, Diego, Theo, Sandro, Iran e Filipe,
por compartilharem momentos de muita alegria e grandes conquistas;
Aos amigos do mestrado Marcos, Michele, Juliana, Sharon, Yasmim, Luan, Letícia e Luíz,
pela amizade e companheirismo durante todo o curso;
Aos amigos Renê e Catharina, um agradecimento especial à ―Catha‖ pela amizade e pelos
ensinamentos, ímpares na minha formação e realização deste trabalho;
À Josi, à Célia, ao Abnael (SEDUC), à Vanessa, à Carminha, e ao Rafael (PGE), por toda
ajuda e presteza ao longo do processo de meu afastamento, sem vocês tudo seria mais difícil e
penoso, sou muito grato por toda ajuda e apoio;
À CAPES pelo apoio financeiro;
A todos que direta ou indiretamente contribuíram na realização deste trabalho.
RESUMO
NASCIMENTO, L. F. EFEITO ANTINOCICEPTIVO DO ÓLEO ESSENCIAL DE
Piper aleyreanum C.DC. (PIPERACEAE) NA HIPERALGESIA INDUZIDA PELO
VENENO DA SERPENTE Bothrops jararaca (VIPERIDAE). 2014. 79f. Dissertação
(Mestrado em Biologia Experimental) Núcleo de Saúde, Departamento de Medicina da
Fundação Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho, 2014.
Envenenamento por mordida de serpente é um importante problema de saúde pública em todo
o mundo, sobretudo em países de clima tropical. Embora tenha havido grande avanço no
conhecimento sobre as toxinas de serpente, o tratamento disponível continua sendo apenas a
administração do soro antiofídico, que é capaz de conter os efeitos sistêmicos do veneno,
contudo, tem pouca ou nenhuma ação sobre os efeitos locais, sobretudo, na dor. O uso de
plantas contra toxinas de venenos é uma prática comum entre comunidades da região
amazônica, onde destaca-se a espécie Piper aleyreanum. Neste estudo, foi avaliado o
potencial efeito antinociceptivo do óleo essencial de Piper aleyreanum (OEPa) na
hiperalgesia induzida pelo veneno de Botrhops jararaca (BjV). A ação do OEPa foi
investigada nos modelos de nocicepção espontânea, alodínia mecânica, alodínia térmica e o
possível envolvimento dos canais TRPA1 no efeito antinociceptivo do OEPa, bem como na
gênese da dor provocada pelo veneno, em modelos experimentais utilizando camundongos
swiss fêmeas. Os resultados mostram que o OEPa (100 mg/kg, i.g.) foi eficiente na redução
da dor provocada pela injeção intraplantar de BjV (1µg/pata), reduzindo-a cerca de 60%.
Além disso, foi observado que o pré-tratamento com OEPa reduz a hiperalgesia mecânica
induzida pelo BjV, a partir de 30 min. da injeção do veneno, abolindo a dor em sua quase
totalidade (91±5%), com efeito por até 2 h (79±6%). Também foi mostrado que a injeção
intraplantar de BjV induz hiperalgesia térmica, tanto ao frio quanto ao calor, reduzindo o
limiar de resposta dos animais, os quais foram reestabelecidos a partir do pré-tratamento com
o OEPa. Em camundongos, o pré-tratamento com OEPa reduziu a nocicepção espontânea
causada pela injeção intraplantar de bradicinina e miristato-acetato de forbol, sem afetar
respostas similares causadas pela injeção de Prostaglandina E2 ou Forkolina. Foi observado
ainda que o pré-tratamento dos animais com cânfora é capaz de reverter a nocicepção
espontânea causada pela injeção intraplantar de BjV. Os resultados mostram pela primeira vez
um apoio experimental e científico para o uso popular de Piper aleyreanum em casos de
envenenamento provocados por Bothrops jararaca. Juntos, estes dados fornecem informações
adicionais sobre as propriedades antinociceptivas do OEPa em condições inflamatórias,
reduzindo a nocicepção espontânea, a hipersensibilidade mecânica e a alodínia ao frio
induzida pelo veneno de Bothrops jararaca, provavelmente através de um mecanismo
dependente de canais TRPA1.
Palavras-chave: hiperalgesia, alodinia, óleo essencial, Bothrops jararaca, TRPA1.
ABSTRACT
NASCIMENTO, L. F. ANTINOCICEPTIVE EFFECT OF THE ESSENTIAL OIL
FROM Piper aleyreanun C.DC. (PIPERACEAE) IN HYPERALGESIA INDUCED BY
Bothrops jararaca (VIPERIDAE) VENOM. 2014. 79f. Dissertation (Mastership in
Experimental Biology) Nucleus of Health, Departament of Medicine of the Fundation Federal
University of Rondônia, Porto Velho, 2014.
Envenomation due to snakebites is an important public health problem worldwide, especially
in tropical countries. Despite of great advances in knowledge about the snake toxins, the only
available treatment remains being the administration of antivenom, which is able to contain
the systemic effects of venom, however, has little or no action on the local effects, especially
in pain. The use of plants against toxins venom is a common practice among Amazonian
communities where there is the Piper aleyreanum species. In this study, we evaluated the
potential antinociceptive effect of Essential Oil of Piper aleyreanum (EOPa) in hyperalgesia
induced by Bothrops jararaca Venom (BjV). The action of the EOPa was investigated in
models of spontaneous nociception, mechanical and thermal allodynia as well as the possible
involvement of TRPA1 channels in the antinociceptive effect of the EOPa and in the genesis
of pain provoked by the venom in experimental models using female mice swiss. The results
show that EOPa (100 mg/kg, i.g.) was able of reduce, in approximately 60%, the pain induced
by intraplantar injection of BjV (1μg/paw). Furthermore, was showed that pretreatment with
EOPa reduces the mechanical hyperalgesia induced by BjV, thirty minutes after injecting
venom, abolishing the pain almost entirely (91±5 %) for up to two hours (79±6 %). It was
also shown that the intraplantar injection BjV cause thermal hyperalgesia, both the heat and
the cold, reducing the response threshold of animals, which were re-established from the
pretreatment with EOPa. In mice, pretreatment with EOPa reduced spontaneous pain
perception caused by intraplantar injection of bradykinin and phorbol myristate acetate
without affecting similar responses caused by injection of prostaglandin E2 or Forkolin. It
was also shown that the pretreatment of animals with camphor is able to reverse the
spontaneous nociception caused by intraplantar injection of BjV. The results show for the first
time an experimental and scientific support for the popular use of Piper aleyreanum in cases
of envenoming provoked by Bothrops jararaca. Together, these data provide additional
information on the antinociceptive properties of the EOPa in inflammatory conditions,
reducing the spontaneous nociception, mechanical hypersensitivity and cold allodynia
induced by Bothrops jararaca, probably due to the mechanism dependent on TRPA1
channels.
Key words: hyperalgesia, allodynia, essential oil, Bothrops jararaca, TRPA1.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1. Serpente Bothrops jararaca.................................................................................. 17
FIGURA 2. Esquema do circuito principal de mediação da dor fisiológica. ........................... 22
FIGURA 3. Axônios aferentes primários dos nervos periféricos de transmissão do estímulo
nociceptivo. .............................................................................................................................. 24
FIGURA 4. Diagrama de uma seção transversal da medula espinal ........................................ 25
FIGURA 5. Via ascendente da dor.. ......................................................................................... 26
FIGURA 6. Via descendente de modulação da dor.................................................................. 28
FIGURA 7. Mediadores periféricos da inflamação. ................................................................. 30
FIGURA 8. Representação esquemática de um TRPA1 humano. ........................................... 32
FIGURA 9. Modulação da atividade e tráfego do TRPA1 ...................................................... 34
FIGURA 10. Efeito do OEPa na hiperalgesia induzida pelo BjV.. .......................................... 46
FIGURA 11. Decurso temporal da alodínia induzida pelo BjV. .............................................. 47
FIGURA 12. Efeito do OEPa na alodinia térmica induzida pela injeção i.pl. de BjV.. ........... 48
FIGURA 13. Envolvimento de TRPA1 na modulação da hiperalgesia induzida pela injeção
i.pl. de BjV. .............................................................................................................................. 49
FIGURA 14. Envolvimento do OEPa na via de sinalização da bradicina e da PGE-2.. ......... 50
LISTA DE TABELA
Tabela 1. Composição química (%) do óleo essencial da parte aérea de Piper aleyreanum....79
LISTA DE ABREVEATURAS
ADP = Difosfato de Adenosina (Adenosine Diphosphate)
B2K = receptor-2 da bradicinina (Bradykinin Receptor B2)
BjV = Veneno de Bothops jararaca (Bothrops jararaca Venom)
BK = Bradicinina (Bradykinin)
BPF = Fator Potencializador da Bradicinina (Bradykinin-Potentiating Factor)
BPPs = Peptídeos Potencializadores da Bradicinina (Bradykinin-Potentiating Peptides)
Ca2+ = Cálcio
AMPc = Monofosfato cíclico de Adenosina (cyclic Adenosine Monophosphate )
CG/EM = Cromatografia Gasosa Acoplada a Espectrômetro de Massa
CGRP = Peptídeo relacionado ao Gene da Calcitonina (Calcitonin Gen Related Peptide)
CO2 =Dióxido de Carbono
COX-1 = Ciclo-oxigenase tipo I (Cyclooxygenase type I)
COX-2 = Ciclo-oxigenase tipo II (Cyclooxygenase type II)
cPLA2 = Fosfolipase A2 citosólica
DAG = Diacilglicerol
DRG = Gânglio da Raiz Dorsal (Dorsal Root Ganglion)
E.P.M. = Erro Padrão da Média
ECA = Enzima Conversora da Angiotensina
FSK = Forskolina (Forskolin)
HF1 = Fator Hemorrágico 1 do veneno de Bothrops jararaca (Hemorrhagic Factor I)
HF2 = Fator Hemorrágico 2 do veneno de Bothrops jararaca (Hemorrhagic Factor II)
HF3 = Fator Hemorrágico 3 do veneno de Bothrops jararaca (Hemorrhagic Factor III)
i.g. = Intragástrico
i.p. = Intraperitoneal
i.pl. = Intraplantar
IASP = Associação Internacional para Estudos da Dor (International Association for the
Study of Pain)
IL-1β = Interleucina 1 beta (Interleukin 1 beta)
IL-6 = Interleucina 6 (Interleukin 6)
INPA = Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia
IP3 = Inositol Trifosfato (Inositol Triphosphate)
iPLA2 = Fosfolipase A2 independente de Ca2+
LANDI = Laboratório de Neurobiologia da Dor e da Inflamação
LPQPN = Laboratório de Pesquisa em Química de Produtos Naturais
NGF = Fator de Crescimento do Nervo (Nerve Growth Factor)
NRM = Núcleo Magno da Rafe (Nucleus Magnus Raphe)
OEPa = Óleo Essencial de Piper aleyreanum
OMS = Organização Mundial de Saúde
PAF = Fator de Agregação Plaquetária (Platelet Activating Factor)
PAG = Substância Cinzenta Periaquidutal (Periaqueductal Gray Matter)
PAR-2 = Receptor tipo 2 Ativado por Protease (Protease Activated Receptor 2)
PG = Prostaglandina
PGE2 = Prostaglandina E2 (Prostaglandin E2)
PIP2 = Fosfatidilinositol difosfato (Phosphatidylinositol bisphosphate)
PKC = Proteína Quinase C (Protein Kinase C)
PLA2 = Fosfolipases A2 (Phospholipase A2)
PLC = Fosfolipase C (Phospholipase C)
PMA = Miristato-Acetato de Forbol (Phorbol Myristate Acetate)
RVM = Medula Ventromedial Rostral (Rostral Ventromedial Medulla)
s.c. = Subcutâneo
SAMP = Sistema Ascendente Multi-Sináptico Próprio-Espinal
SNC – Sistema Nervoso Central
SPDC = Sistema Pós-Sináptico da Coluna Dorsal (Postsynaptic Dorsal Column)
sPLA2 = Fosfolipase A2 secretada
SVMPs = Metaloproteínases de Veneno de Serpentes (Snake Venom Metalloproteinases)
TG = Gânglio Trigeminal (Trigeminal ganglion)
TMS = Espino-Mesencefálico (Mesencephalic tract)
TNF-α = Fator de Necrose Tumoral alfa (Tumor Necrosis Factor alpha)
TRPs = Receptor de Potencial Transitório (Transient Receptor Potential)
TRPA1 = Receptor de Potencial Transitório Anquirina tipo 1 (Transient Receptor Potential
Ankyrin 1)
TRPV1 = Receptor de Potencial Transitório Vanilóide tipo 1 (Transient Receptor Potential
Vanilloid 1)
TSC = Trato Espino-Cervical (Spinocervical Tract)
TSR = Trato Espino-Reticular (Spinoreticular Tract )
TST = Trato Espino-Talâmico (Spinothalamic Tract)
VFF = Filamento de Von Frey (Von Frey Filament)
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 15
1.1 Envenenamento botrópico .................................................................................................. 15
1.2 Gênero Bothrops ................................................................................................................. 17
1.3 Nocicepção e dor ................................................................................................................ 21
1.4 Dor inflamatória ................................................................................................................. 28
1.5 Plantas Medicinais .............................................................................................................. 34
1.6 Óleos Essenciais ................................................................................................................. 36
1.7 Família Piperaceae .............................................................................................................. 37
2. OBJETIVOS ....................................................................................................................... 39
2.1 Objetivo Geral .................................................................................................................... 39
2.2 Objetivos Específicos ......................................................................................................... 39
3. MATERIAL E MÉTODOS ............................................................................................... 40
3.1 Análise Fitoquímica .......................................................................................................... 40
3.1.1 Coleta e identificação da planta ....................................................................................... 40
3.2 Análise Farmacológica ..................................................................................................... 40
3.2.1 Animais............................................................................................................................ 40
3.2.2 Veneno ............................................................................................................................. 41
3.2.3 Nocicepção induzida por BjV.......................................................................................... 41
3.2.4 Atividade edematogênica ................................................................................................ 42
3.2.5 Alodinia mecânica ........................................................................................................... 42
3.2.6 Alodinia térmica .............................................................................................................. 43
3.2.7 Envolvimento de canais TRPA1...................................................................................... 43
3.2.8 Nocicepção induzida por BK, PGE2, PMA E FSK ......................................................... 44
3.3 Análise estatística .............................................................................................................. 44
4. RESULTADOS ................................................................................................................... 45
4.1 Extração do óleo essencial e análise ................................................................................... 45
4.2 Caracterização da hiperalgesia induzida pelo veneno de Bothrops jararaca ..................... 45
4.3 Alodínia mecânica .............................................................................................................. 45
4.4 Alodinia térmica ................................................................................................................. 47
4.5 Envolvimento de canais TRPA1 ........................................................................................ 48
4.6 Via de sinalização ............................................................................................................... 49
5. DISCUSSÃO ....................................................................................................................... 51
6. CONCLUSÃO..................................................................................................................... 58
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 59
ANEXOS ................................................................................................................................. 78
15
1. INTRODUÇÃO
Venenos de serpentes são misturas complexas de proteínas que quando são
inoculadas em humanos e animais promovem sérias complicações locais e sistêmicas
(CHIPPAUX, WILLIAMS, WHITE, 1991). Entre os efeitos locais, a dor, apesar da
importância clínica, tem recebido pouca atenção e os mecanismos envolvidos na gênese desse
fenômeno não são completamente compreendidos.
É sabido que acidentes botrópicos são característicos por causarem dor intensa, e
que a terapia com soro (antiveneno) não é capaz de neutralizar esse efeito (PICOLO et al.,
2002), bem como pode ainda gerar efeitos secundários, como reações anafiláticas (WHO,
2010). Considerando ainda que os principais envolvidos nesse tipo de acidente são pessoas
que vivem na zona rural, e que muitas vezes levam até 5 horas para receberem atendimento
médico, não é surpreendente que encontrem nas plantas medicinais uma forma de tratamento
para alívio desse quadro.
Por outro lado, apesar de serem encontrados estudos na literatura que mostrem a
participação de mediadores inflamatórios envolvidos no processo hiperalgésico provocado
pelo veneno de B. jararaca, como a bradicinina (CHACUR et al., 2002), ainda não foi
demonstrado a participação de canais iônicos, a exemplo dos membros da grande família de
TRPs, no processo doloroso provocado por veneno de serpentes.
1.1 Envenenamento Botrópico
Envenenamento por mordida de serpente é um importante problema de saúde
pública em todo o mundo, sobretudo em países de clima tropical (CHIPPAUX, 1998;
GUTIÉRREZ, 2012). Estimativas a nível mundial sugerem que serpentes venenosas causam
5,4 milhões de mordidas, com cerca de 2,5 milhões de envenenamentos e mais de 125.000
mortes anualmente (KASTURIRATNE, 2008). Há estimativas de que 400.000 pessoas
sofrem com sequelas permanentes, sendo que somente na África são realizadas cerca de 8 mil
amputações a cada ano (GUTIÉRREZ et al., 2013). Na América Central e do Sul, as
notificações anuais são de 300.000 acidentes ofídicos, e o número de acidentes fatais podem
ultrapassar 4.000 mortes por ano (BRASIL, 2010).
Estudos epidemiológicos realizados no Brasil já notificaram mais de 20.000
acidentes por ano envolvendo serpentes venenosas, dos quais pelo menos 90% são causadas
por serpentes pertencentes ao gênero Bothrops (CHIPPAUX, 1998). Entre as principais
16
vítimas envolvidas nestes acidentes, estão indivíduos do sexo masculino, geralmente
trabalhadores rurais, na faixa etária entre 15 e 49 anos (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001).
As manifestações locais do envenenamento são evidentes já nas primeiras horas
após a mordida e são caracterizadas pela presença de edema, dor e equimose na região da
mordida, que progride ao longo do membro afetado (GUTIÉRREZ e LOMONTE, 1989;
RIBEIRO e JORGE, 1990). Entretanto, nem sempre as marcas da mordida são visíveis, como
o sangramento nos pontos de inoculação das presas. Dessa forma, bolhas com conteúdo
seroso ou serohemorrágico podem surgir na evolução e dar origem à necrose cutânea. As
principais complicações locais são decorrentes da necrose e da infecção secundária que
podem levar à amputação e/ou déficit funcional do membro (BRASIL, 2010).
As manifestações sistêmicas envolvem sangramentos na pele, nas mucosas
(gengivorragia), hematúria, hematêmese e hemorragia em outras cavidades, podendo
determinar risco ao paciente (BRASIL, 2010). Hipotensão pode ser decorrente de sequestro
de líquido no membro afetado ou hipovolemia consequente dos sangramentos também podem
contribuir para a instalação de insuficiência renal aguda (BRASIL, 2010), sendo esta, um dos
principais fatores de morte (BURDMANN et al., 1993; de CASTRO et al., 2004;
SGRIGNOLLI, 2011).
Atualmente, o tratamento é feito com a aplicação do soro (antiveneno) específico
para cada espécie envolvida no acidente e de acordo com a gravidade do envenenamento
(WHO, 2010). As manifestações clínicas orientam as medidas terapêuticas a serem adotadas,
e classificam o acidente ofídico como leve, moderado ou grave. A gravidade é baseada nas
manifestações locais (presença de dor, edema e equimoses) e sistêmicas (hemorragia, choque,
anúria), no tempo de coagulação e no tempo para administrar o soro antiofídico. Os casos são
considerados graves quando há intensas manifestações locais, hemorragia/choque/anúria
grave, tempo de coagulação anormal e necessidade de uma dose maior de soro antiofídico
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001).
Contudo, embora seja sabido que o soro antiofídico é capaz de neutralizar os
efeitos sistêmicos do veneno, estudos têm mostrado que esta terapia não é eficaz na
neutralização dos efeitos locais de venenos de espécies do gênero Bothrops (MORAIS et al.,
1994; PICOLO et al., 2002). Tem sido sugerido que a baixa eficiência do soro se deve ao fato
de que, efeitos locais como hiperalgesia e edema, são desenvolvidos de forma extremamente
rápida após a injeção do veneno, além de estarem associados com a liberação de mediadores
endógenos (TREBIEN e CALIXTO, 1989; TEIXEIRA et al., 1994; CHAVES et al., 1995;
CHACUR et al., 2001).
17
1.2 Gênero Bothrops
O gênero Bothrops (jararaca, jararacuçu, urutu, caiçaca) representa o grupo mais
importante de serpentes peçonhentas, com mais de 60 espécies encontradas em todo o
território brasileiro (BRASIL, 2010). Várias toxinas contribuem para o desenvolvimento da
resposta inflamatória local evocada pelo veneno botrópico, como lectinas (LOMONTE et al.,
1990; PANUNTO et al., 2006), fosfolipases A2 (PLA2) (SOARES et al., 2001, CHACUR et
al 2004; QUARTINO, BARRA, FILELIO, 2012), serinoproteinases (PÉREZ et al., 2007) e
metaloproteinases (GUTIÉRREZ et al., 1995; GUTIÉRREZ e RUCAVADO, 2000;
RODRIGUES et al., 2001; ZYCHAR et al., 2010). Além disso, serinoproteinases,
metaloproteinases e lectinas tipo C são algumas classes de proteínas que interferem com
fatores plasmáticos, estimulando seu consumo ou inibição (PAINE et al., 1992; ZINGALI et
al., 1993; SERRANO et al., 1995; CLISSA et al., 2001; PÉREZ et al., 2007).
No gênero Bothrops destaca-se a espécie Bothrops jararaca, a serpente
responsável pela maioria dos casos de envenenamento botrópico nas regiões sul, sudeste e
centro-oeste do país (Fig. 1). É uma espécie de grande capacidade adaptativa, colonizando
áreas silvestres, agrícolas e periurbanas (BRASIL, 2010). O comprimento médio do animal
adulto é de 1 m, embora possa atingir até 1,6 m (CAMPBELL e LAMAR, 2004). Os filhotes
nascem com cerca de 20 cm (MELGAREJO, 2003), alimentando-se geralmente de rãs,
enquanto animais adultos alimentam-se preferencialmente de roedores (SAZIMA, 1991,
1992; CAMPBELL e LAMAR, 2004). É comum recém-nascidos e juvenis apresentarem a
ponta da calda esbranquiçada ou amarelada, passando a adquirir uma cor mais escura, idêntico
ao padrão dos animais adultos, conforme ocorrem mudanças na dieta para animais
endotérmicos, como pequenos mamíferos e aves (SAZIMA, 1991; ANDRADE et al., 1996).
a
b
Figura 1. Serpente Bothrops jararaca. Em A um exemplar de serpente adulta e em B um filhote da espécie.
Fonte: BERNARDI, 2011 (a), ANTUNES, 2010 (b).
18
Vários estudos têm mostrado que o veneno de serpentes é uma mistura complexa
de componentes que têm uma gama diversificada de ações tanto em vítimas humanas quanto
em presas. Estes componentes são proteínas altamente ativas, que tem a função primária de
matar ou imobilizar a presa, bem como ajudar na sua digestão (CHIPPAUX , WILLIAMS,
WHITE, 1991).
As metaloproteinases do veneno de serpentes (SVMPs - Snake Venom
Metalloproteinases) são proteínas multi-domínio que têm sido classificadas com base na
composição do seu domínio (ESCALANTE et al., 2011). Entre as principais
metaloproteinases encontradas no veneno de Bothrops jararaca, encontra-se jararagina, uma
potente metaloproteinase hemorrágica, que além de hemorragia local e sistêmica, promove
inflamação e inibição da agregação plaquetária induzida pelo colágeno (PAINE et al., 1992;
KAMIGUTI, HAY, ZUZEL, 1996; CLISSA et al., 2001; MOURA-DA-SILVA et al., 2001).
Essa toxina é importante na lesão tecidual local que ocorre pela forte ativação da resposta
inflamatória (LAING et al., 2003), através da liberação de mediadores como Fator de Necrose
Tumoral alfa (TNF-α) (MOURA-DA-SILVA et al., 1996). Por outro lado, estudos têm
demonstrado que baixas doses dessa toxina induzem aumento na produção de células
vermelhas do sangue, com acentuada redução de diferentes tipos de leucócitos (MARIA,
VASSÃO, RUIZ, 2003).
Outras metaloproteinases, como os fatores hemorrágicos HF1, HF2 e HF3, são
conhecidos por representarem toxinas altamente hemorrágicas do veneno de B. jararaca
(MANDELBAUM e ASSAKURA, 1988). Botropasina, além de forte ação hemorrágica
(MANDELBAUM e ASSAKURA, 1982), também atua sobre a inibição da agregação
plaquetária (ZINGALI et al., 1993). Enquanto botrojaractivase exerce ação pro-coagulante
através da ativação de protrombina (BERGER, PINTO, GUIMARÃES, 2008).
Recentemente, Silva e colaboradores (2012) caracterizaram BJ-PI2, uma nova
metaloproteinase que, embora não tenha apresentado efeito hemorrágico nem miotóxico,
apresentou atividade fibrinogenolítica capaz de aumentar a permeabilidade vascular e
estimular a migração de células inflamatórias para o tecido lesado.
As disintegrinas constituem outra família importante de proteínas encontradas no
veneno de serpentes. Essas proteínas possuem baixo peso molecular, são ricas em pontes
dissulfeto e contêm uma sequência característica, Arg-Gly-Asp (RGD), entre outras, em seu
sítio ativo, com alta afinidade por integrinas que participam da adesão celular ou da agregação
plaquetária (USAMI et al., 1994).
19
No veneno de B. jararaca, encontram-se as disintegrinas: jararagina C, uma
proteína que corresponde aos domínios disintegrina e domínios ricos em cisteína da
metaloproteinase jararagina, capaz de inibir a agregação plaquetária induzida pelo colágeno
ou pelo ADP (USAMI et al., 1994); jaracetina, uma forma diferente, processada de
jararagina, que modula a ligação do Fator de von Willebrand ao seu receptor, por interação
com o domínio A1 e bloqueia a adesão de plaquetas ao colágeno dependente de α2β1 (LUCA
et al., 1995); jarastatina, que além de um potente inibidor da agregação plaquetária induzida
pela ADP, colágeno e trombina, também ativa neutrófilos e provoca alterações dinâmicas no
sistema de filamentos de actina (COELHO et al., 1999).
A superfamília de proteínas que contém domínios lectina tipo C é um grande
grupo de proteínas extracelulares com diversas funções (ZELENSKY e GREAD, 2005). Nas
serpentes foram descritas pela primeira vez em 1860, quando foi caracterizada a atividade de
aglutinação do veneno de cascavel (KILPATRICK, 2002). As lectinas tipo C do veneno de
serpentes são toxinas importantes na interrupção da via de coagulação da presa ou da vítima,
levando a graves distúrbios hemostáticos, podendo atuar tanto como pró quanto
anticoagulantes, além de agonistas ou antagonistas da agregação plaquetária (ZELENSKY e
GREAD, 2005).
Entre as lectinas tipo C presentes no veneno de B. jararaca podem ser citadas:
botrocetina, toxina que induz agregação plaquetária através da ativação do Fator de von
Willebrand (ANDREWS et al., 1989; USAMI et al., 1993); jararaca GPIb-BP, proteína que
inibe a agregação plaquetária, uma vez que a toxina se liga a glicoproteína GPIb e funciona
como um bloqueador para o receptor do Fator de von Willebrand se ligar ao GPIb
(KAWASAKI et al., 1996); botrojaracina, toxina que exerce efeito anticoagulante por meio
de dois mecanismos distintos: primeiro, através da sua ligação à trombina, inibindo sua
atividade sobre o fibrinogênio e o fator V de ativação da coagulação, e segundo, porque
interage com protrombina, diminuindo sua ativação proteolítica, e consequentemente, a
formação da α-trombina (ZINGALI et al., 1993; MONTEIRO e ZINGALI, 2000).
Fosfolipases A2 (PLA2) representam um grupo de proteínas que catalisam
especificamente a hidrólise da ligação sn-2 éster em glicerofosfolipídios para formar
lisofosfolipídios e ácidos graxos. A superfamília de PLA2 atualmente consiste de 15 grupos e
vários subgrupos e incluem 5 tipos diferentes de enzimas: Fosfolipases A2 secretadas
(sPLA2), Fosfolipases A2 citosólicas (cPLA2), Fosfolipases A2 independentes de Ca2+
(iPLA2), Fosfolipases A2 Acetil-hidrolases do Fator de Agregação Plaquetária e Fosfolipases
A2 lisossomais (SCHALOSKE e DENNIS, 2006).
20
As PLA2 encontradas no veneno de serpentes são sPLA2 e são divididas em dois
grupos (VALENTIN e LAMBEAU, 2000). As PLA2 que pertencem ao grupo 1 são
encontradas em venenos de serpentes da família Elapidae, enquanto as do grupo 2 são
encontradas em venenos de serpentes da família Viperidae. Ambos os grupos apresentam
elevada identidade na sequência dos aminoácidos e apresentam as atividades: neurotóxica,
cardiotóxica, miotóxica, hemolítica, convulsiva, anticoagulante, antiplaquetária, indutora de
edema ou danos teciduais (KINI, 2003).
Contudo, embora PLA2 estejam presente em quantidades expressivas no veneno
de algumas espécies, como B. asper, onde as PLA2 representam entre 15 e 35% das proteínas
do veneno, com forte atividade miotóxica (TONELLO et al., 2012), B. jararaca possui
poucas PLA2 conhecidas. Entre elas estão: BJ-PLA2, uma PLA2 que foi caracterizada pela
atividade inibidora da agregação plaquetária (SERRANO et al., 1999); JAR 10 e JAR 12, que
são PLA2 que possuem maior atividade miotóxica, quando comparadas com as PLA2 JAR 11
e 13, as quais possuem maior atividade fosfolipásica (MOURA-DA-SILVA et al., 2001).
As serinoproteases de serpentes também são proteínas de grande importância no
envenenamento. Elas são encontradas em serpentes das famílias Viperidae, Elapidae e
Colubridae e pertencem a um grupo de proteínas semelhantes à tripsina. De modo geral, as
serinoproteases afetam a agregação plaquetária, a coagulação sanguínea, fibrinólise, o sistema
complemento e a pressão sanguínea. Entre as serinoproteases do veneno de B. jararaca,
podem ser citadas: botrombina, que possui atividade tipo trombina e induz a coagulação a
partir do fibrinogênio (NISHIDA et al., 1994) e PABJ, que possui atividade amidolítica e
indutora da agregação plaquetária (SERRANO et al., 1995).
Os Peptídeos Potencializadores da Bradicinina (BPPs), por sua vez, constituem
um grupo de agentes farmacológicos que agem sobre a bradicinina (BK), e que foram
incialmente isolados do veneno de Bothrops jararaca. O primeiro peptídeo foi caracterizado
em 1965, por Sérgio Henrique Ferreira, e foi denominado Fator Potencializador da
Bradicinina (BPF). A ação do BPF ocorre por meio na inibição de enzimas que normalmente
inativam a BK e também pela inibição da enzima que converte angiotensina I em angiotensina
II (FERREIRA, BARTELT, GREENET, 1970). Tem sido demonstrado que, uma vez que a
ECA (enzima conversora da angiotensina) é inibida, a concentração de angiotensina 2
diminui, enquanto a concentração de bradicinina aumenta, e ambas as reações colaboram para
a redução da hipertensão. Essa descoberta foi fundamental para chegar ao desenvolvimento do
captopril, um potente inibidor da ECA, constituindo a primeira droga anti-hipertensiva
projetada para se ligar ao sítio ativo desta enzima (LANZER et al., 2007).
21
Nucleases (DNAses, RNAses, fosfodiesterases) e nucleotidases (5’-nucleotidases,
ADPases, ATPases) são enzimas amplamente distribuídas no veneno de serpentes
(DHANANJAYA e D’SOUZA, 2010a, b), embora tenham sido pouco estudadas e seu papel
farmacológico não seja claramente definido. Algumas destas enzimas são relatadas por
apresentarem efeito sobre a agregação plaquetária. As 5’-nucleotidases, por exemplo,
catalisam a hidrólise de um nucleotídeo entre um nucleosídeo e um fosfato, e causa a
degradação do ADP, um agonista da agregação plaquetária que é liberado de densos grânulos
de plaquetas por vários agonistas. Consequentemente, a geração de adenosina ajuda a exercer
efeito anti-agregatório sobre as plaquetas humanas, provavelmente pelo aumento dos níveis
intra-plaquetários de AMPc (Monofosfato cíclico de Adenosina) (SÖDERBÄCK et al.,1987).
Este, por sua vez, inibe a ativação da agregação plaquetária pela diminuição dos níveis
citosólico de Ca2+, assim, inibindo a liberação de grânulos que poderiam liderar a ativação
adicional de plaquetas (OUYANG e HUANG, 1983).
Recentemente, Santoro e colaboradores (2009) isolaram e caracterizaram pela
primeira vez uma fosfodiesterase do veneno de Bothrops jararaca. A enzima, nomeada NPPBJ, corresponde a uma glicoproteína homodimérica que inibe a agregação plaquetária
induzida pelo ADP.
1.3 Nocicepção e Dor
Sistemas sensoriais têm o papel de informar o encéfalo sobre o estado do
ambiente externo e o meio interno do organismo. A dor é uma percepção oriunda de um
sistema presente em animais altamente evoluídos, conhecido como sistema nociceptivo, que
é, por si só, um componente do conjunto global de controle responsável pela homeostase.
Neste contexto, a dor constitui um alarme que tem o papel de ajudar a proteger o organismo:
tanto provocando reações quanto induzindo comportamentos de esquiva, que atenuam a causa
da dor limitando consequências (potencialmente) danosas (BARS, GOZARIU, CADDEN,
2001).
Segundo a IASP (Associação Internacional para Estudos da Dor), dor pode ser
definida como uma experiência sensorial e emocional, de caráter desagradável, associada a
dano potencial ou real, ou em termos de tal dano (LOESER e MELZACK, 1999). Já a
nocicepção é definida como a detecção do estímulo nocivo e a consequente transmissão das
informações codificadas para os centros nervosos superiores. Assim, dor é, essencialmente,
22
um processo perceptivo, que se origina nestes centros como resultado da atividade nociceptiva
(KIDD e URBAN, 2001).
Considerando que dor é um conceito criado para humanos, onde o caráter
emocional está envolvido, torna difícil a avaliação desse fenômeno em animais, uma vez que
a ausência de comunicação verbal é, sem dúvida, um obstáculo para a avaliação da dor
(BARS, GOZARIU, CADDEN, 2001). Assim, em modelos animais são avaliadas apenas as
respostas nociceptivas desencadeadas pelos estímulos detectados e transmitidos ao longo do
sistema nervoso do animal.
Nesse contexto, a cascata de acontecimentos que levam à integração dos sinais da
dor envolve receptores (nociceptores periféricos), ascendendo caminhos da medula espinal,
estações de retransmissão do cérebro que integram os sinais de dor (localizados
principalmente no tálamo) e locais de projeção cortical (áreas somatossensorial primária e
secundária, bem como o córtex insular e cingular) (Fig. 2) (CALVINO e GRILO, 2006).
Figura 2. Esquema do circuito principal de mediação da dor fisiológica. Fonte: KUNER et al., 2010.
Nota: Heat (Calor), Noxious cold (frio nocivo), Pressure (pressão), Chemical (químico), tactile (tátil), C-fiber
(fibra C), Aδ fiber (fibra Aδ), Aβ fiber (fibra Aβ), spinal cord (medula espinal), Dorsal root ganglion (gânglio da
raiz dorsal), spino-parabrachial tract (trato espinoparabraquial), Lateral spinothalamic tract (trato
espinotalâmico lateral), lateral thalamus (tálamo lateal), limbic centers (centros límbicos), emotional, aversive
(emocional, aversivo), sensory, discriminative (sensorial, discriminativo), brain (cérebro), D (dorsal) e V
(ventral).
23
Perifericamente, os sinais nociceptivos são traduzidos em sinais nervosos pelos
nociceptores, que são terminações nervosas livres de neurônios sensoriais primários
disseminados em toda a pele, músculos, articulações e parede dos órgãos. Esses nociceptores
periféricos podem ser ativados por estimulação direta de agentes térmicos, químicos ou
mecânicos (Fig. 2), ou por moléculas liberadas no local da inflamação, tais como bradicinina,
prostaglandinas, histamina, serotonina e outros. Os sinais nervosos que codificam o estímulo
nociceptivo viajam juntamente de fibras aferentes primárias, nervos sensoriais de pequeno
calibre, que podem ser mielinizadas (fibras Aδ) ou não (fibras C). Estas fibras atingem a
medula espinal através das raízes dorsais dos nervos espinais. Seus axônios centrais terminam
na substância cinzenta do corno dorsal da medula espinal, onde formam sinapses com os
neurônios de segunda-ordem (DRUMMOND e MARQUES, 2005; CALVINO e GRILO,
2006).
As fibras que inervam as regiões da cabeça e do corpo surgem de corpos celulares
dos gânglios trigeminal (TG) e da raiz dorsal (DRG), respectivamente, e podem ser
classificados em três grupos principais com base em critérios anatômicos e funcionais (Fig.
3). As fibras Aβ são fibras de grosso calibre (maior que 10 µm), mielinizadas e de condução
rápida, responsáveis por sensações inócuas, como tato, vibração e pressão. As fibras Aδ são
de diâmetro intermediário (2 a 6 µm), mielinizadas, com velocidade de condução
intermediária, que modulam a primeira fase da dor, podendo ser aguda ou semelhante à
pontada. As fibras C são fibras de pequeno calibre (0,4 a 1,2 µm), não mielinizadas e de
velocidade de condução lenta, responsáveis pela segunda dor ou dor difusa, de queimação
persistente. Na ausência de dano tecidual ou nervoso as fibras Aβ transmitem apenas
informação de estímulos inócuos. Enquanto na informação nociceptiva, normalmente, a
transmissão se dá por meio de fibras do tipo C e Aδ (JULIUS e BASBAUM, 2001;
KLAUMANN, WOUK, SILLAS, 2008).
Os nociceptores das fibras Aδ, assim como a maioria dos nociceptores das fibras
C são polimodais, respondendo a estímulos térmicos e mecânicos nocivos e inócuos. Outros
são mecanicamente insensíveis, embora respondam ao calor nocivo. Contudo, o estímulo
natural de alguns nociceptores é difícil de identificar. Esses constituem os chamados
―nociceptores silenciosos ou dormentes‖ e respondem apenas quando sensibilizados por uma
lesão tecidual (JULIUS e BASBAUM, 2001).
24
Figura 3. Axônios aferentes primários dos nervos periféricos de transmissão do estímulo nociceptivo.
Fonte: JULIUS e BASBAUM, 2001.
Dessa forma, o processo de transmissão do estímulo nociceptivo ocorre por meio
de sinapses entre os dendritos dos neurônios primários, situados no DRG e os neurônios
secundários, localizados no corno dorsal (DH) da medula espinal, os quais pertencem a três
grandes categorias: 1º neurônios de projeção, que transmitem a informação nociceptiva para
centros mais elevados; 2º interneurônios excitatórios, que propagam a informação nociceptiva
para centros de projeção, para outros interneurônios ou ainda para neurônios maiores, que
medeiam reflexos medulares e 3º interneurônios inibitórios, os quais contribuem para o
controle da transmissão sensitiva (DRUMMOND e MARQUES, 2005).
O corno dorsal da substância cinzenta medular é dividido em 10 camadas de
diferentes constituições chamadas lâminas de Rexed. As fibras nociceptivas Aδ e C envolvem
a camada mais externa do corno dorsal (Fig. 4). Elas penetram nessa região
perpendicularmente e terminam nas camadas superficiais (I e II) ou se estendem para as
camadas profundas (V, VI, VII e X). Na substância branca, elas penetram na medula espinal
dando origem a uma bifurcação em forma de Y, onde um ramo ascendente e outro
descendente formam o feixe de Lissauer. Fibras não-nociceptivas, que são grandes e
mielinizadas (Aα e β), contornam de forma tangencial a camada mais externa do corno dorsal,
e em seguida divide-se em um ramo ascendente e um ramo segmentar. Os ramos ascendentes
constituem o sistema lemnisco medial da coluna dorsal, que transmite informação
somatossensorial, enquanto os ramos segmentares terminam nas camadas intermediárias (III e
IV) do corno dorsal (DRUMMOND e MARQUES, 2005; CALVINO e GRILO, 2006).
25
Figura 4. Diagrama de uma seção transversal da medula espinal, onde são mostradas as lâminas dos cornos
dorsal (I-VI), e ventral (VII-IX) , bem como a lâmina do canal ependimário (X). Também está esquematizado a
organização anatômica dos vários tipos de fibras conectados aos neurônios de cada lâmina. Fonte: CALVINO e
GRILO, 2006.
Os axônios das células de projeção (neurônios de segunda ordem), cujos corpos
celulares encontram-se no corno dorsal, ascendem pela medula espinal, sob a forma de feixes
ou tratos, até alcançarem centros nervosos superiores (Fig. 5). O sistema ascendente
nociceptivo constitui um conjunto de seis tratos: espino-talâmico (TST), espino-reticular
(TSR), espino-mesencefálico (TMS), sistema pós-sináptico da coluna dorsal (SPCD), também
conhecido como trato de segunda ordem da coluna dorsal, trato espino-cervical (TSC) e
sistema ascendente multi-sináptico próprio-espinal (SAMP) (DRUMMOND e MARQUES,
2005).
O trato espino-talâmico é considerado a via nociceptiva ascendente mais
importante, onde os corpos celulares originários se situam basicamente nas lâminas I e IV-VI.
Neste trato, os neurônios sensoriais multimodais projetam-se para o tálamo lateral e têm sido
implicados no processamento de aspectos sensoriais e característicos da dor. Por outro lado, a
face medial do trato espinotalâmico e do trato espinoparabraquial projetam para estruturas
límbicas e para o tálamo medial e acredita-se que medeiem os componentes emocionais e
aversivos da dor (CALVINO e GRILO, 2006; KUNER et al., 2010).
O hipotálamo está envolvido no controle do sistema nervoso autônomo nas
respostas à dor e na liberação de hormônios que contribuem para controlar a tensão. O
complexo amigdalóide, que é parte da estrutura límbica, recebe informação transmitida pelo
núcleo parabraquial lateral. Esta via pode estar envolvido na resposta afetiva e emocional de
respostas à dor. O segmento terminal das vias envolvidas na integração de estímulos
nociceptivos, consiste de neurônios localizados em duas partes diferentes do tálamo. Os
26
neurônios do tálamo ventroposterolateral projetam seus axônios nas áreas somatossensorial
S1 e S2 do córtex parietal, onde as características do sinal nociceptivo são decifradas, levando
à gênese da percepção da dor (localização, qualidade, intensidade e duração). Já neurônios no
tálamo medial projetam seus axônios para o córtex frontal, córtex insular e córtex cingular
anterior, onde geram as respostas emocionais mais complexas da dor (CALVINO e GRILO,
2006; KUNER et al., 2010).
Figura 5. Via ascendente da dor. As sensações de dor, temperatura e pressão, abaixo da cabeça, são
transmitidos para o córtex somatossensorial primário (giro pós-central) pelo sistema ântero-lateral (tratos
espinotalâmico e espinorreticular). Os fascículos gracilis e cuneatus do sistema lemnisco da medula transmitem
sensações proprioceptivas, vibratórios, e táteis para o tálamo (núcleo póstero ventral), enquanto o sistema
cervical lateral medeia algumas sensações proprioceptivas, de toque e vibração (as linhas azul e roxa mostram
estes duas vias). Em última análise, estas fibras ascender como vias paralelas para o tálamo, e posteriormente,
para o córtex. Fonte: HANSEN e KOEPPEN, 2002.
27
Por sua vez, a modulação da resposta nociceptiva corresponde ao processo pelo
qual a transmissão é facilitada ou inibida. Um mecanismo fundamental nesse processo ocorre
na região da medula espinal e é conhecido como teoria de controle do portão, proposto por
Melzack e Wall (1965). Segundo essa teoria há um equilíbrio entre dois tipos de influências
exercidas sobre neurônios nociceptivos espinais inespecíficos (neurônios ―T‖), cujos axônios
constituem os tratos ascendentes espinotalâmico e espinorreticulares. As influências de
ativação são transmitidas pelas fibras nociceptivas Aδ e C provenientes de neurônios
periféricos segmentais. Em contrapartida, as influências inibitórias são transmitidas através de
fibras Aα e Aβ, provenientes de neurônios segmentares periféricos, ou de neurônios nãonociceptivos, a partir de neurônios supra-espinais. Assim, a dor é percebida apenas quando o
neurônio T é ativado, ou seja, quando o saldo fica a favor de influências excitatórias, seja pela
atividade excessiva da fibra nociceptiva ou pela deficiência inibitória.
De acordo com esse modelo, a ativação de fibras Aα e Aβ aumenta a atividade
inibitória de interneurônios, fechando o portão e bloqueando a transmissão de sinais
nociceptivos para estruturas supra-espinais (levando a analgesia), enquanto a ativação de
fibras nociceptivas Aδ e C, através da inibição da atividade de interneurônios inibitórios,
podem abrir o portão, facilitando a transmissão de sinais nociceptivos para estruturas supraespinais (levando a dor). Este mecanismo de regulação espinal é controlada pelas influências
descendentes de estruturas supra-espinais (CALVINO e GRILO, 2006).
O sistema descendente (supra-espinal), também conhecido como ―sistema de
analgesia‖, provém de muitas regiões do cérebro e desempenha um papel fundamental na
determinação da experiência, tanto da dor aguda quanto da dor crônica (Fig. 6). O controle
descendente vem principalmente da Substância Cinzenta Periaquidutal (PAG) no mesencéfalo
e da Medula Ventromedial Rostral (RVM), que compreende o Núcleo Magno da Rafe (NRM)
e o paragigantocelular e núcleo gigantocelular. A estimulação dos neurônios nestas estruturas
induz analgesia relacionada ao efeito inibitório de tratos serotoninérgicos descendentes sobre
neurônios nociceptivos espinais inespecíficos, cujo resultado é o bloqueio da transmissão de
sinais nociceptivos (HEINRICHER et al., 2009).
Além disso, muitos estudos tem mostrado o papel do sistema noradrenérgico
descendente inibitório do locus ceruleus e locus subceruleus. A presença de receptores
noradrenérgicos α-2 nas lâminas II e IV do corno dorsal, contribuem com essa via através da
ativação desses receptores a partir da liberação de noradrenalina (MILLAN, 2002).
28
Figura 6. Via descendente da dor. Os neurônios da Substância Cinzenta Periaquedutal (PAG) do mesencéfalo
se comunicam com o Núcleo Magno da Rafe na medula e na formação reticular lateral. Neurônios dessas áreas
descem até a medula espinal e fazem sinapse com interneurônios inibitórios que liberam o neurotransmissor
opiáceo endógeno encefalina. Estes, por sua vez, fazem sinapse com os terminais do axônio dos neurônios
aferentes para diminuir a liberação de substância P e os corpos celulares e dendritos de neurônios de segunda
ordem para induzir potenciais pós-sinápticos inibitórios. Fonte: Adaptado de KANDEL, 2003.
A sinalização nociceptiva é crucial para o corpo escapar de danos e finalmente
para a sua sobrevivência. No entanto, sob certas circunstâncias psicológicas ou patológicas,
esta sinalização pode iniciar uma alteração no estímulo sensorial, causando dor que já não é
benéfica ao organismo. Esta alteração pode ser parcial, neste caso, a estimulação dos
terminais sensoriais periféricos causam respostas exageradas, provocando, assim, dor frente a
estímulos que normalmente não produzem dor (alodinia), ou gerando dor num nível maior do
que o normal frente ao estímulo doloroso (hiperalgesia) (LINLEY et al., 2010).
1.4 Dor inflamatória
O processo inflamatório ocorre como uma resposta do organismo à injúria
tecidual e caracteriza-se por um fenômeno complexo, dinâmico e multimediado
29
(CARVALHO e LEMÔNICA, 1998). A injúria tecidual está comumente associada com a
sensação dolorosa, a qual é desencadeada em virtude da redução do limiar doloroso frente a
estímulos térmicos, mecânicos ou químicos que ocorrem em função da sensibilização dos
nociceptores (hiperalgesia) (RIEDEL e NEECK, 2001). Durante o processo, ocorre uma
complexa cascata de eventos bioquímicos e celulares, que incluem: extravasamento de
fluídos, ativação enzimática, migração celular, liberação de mediadores, sensibilização e
ativação de receptores, lise tecidual e reparo (BECKER, 1983; PIPER, 1983).
Assim, a sensibilização dos nociceptores ou hiperalgesia é um evento comum na
dor inflamatória e se deve, pelo menos em parte, à ação de mediadores inflamatórios
(FERREIRA, LORENZETI e CORREA, 1978). Frequentemente, o dano tecidual é
acompanhado pelo acúmulo de mediadores endógenos liberados a partir de nociceptores
ativados ou de células não-neuronais que residem no interior ou se infiltram no local da lesão
(incluindo mastócitos, basófilos, plaquetas, macrófagos, neutrófilos, células endoteliais,
queratinócitos e fibroblastos) (BASBAUM, 2009). Coletivamente esses mediadores são
referidos como ―sopa inflamatória‖ e representam um grande conjunto de moléculas de
sinalização, incluindo neurotransmissores, peptídeos (substância P, CGRP, bradicinina),
eicosinóides e lipídios relacionados (prostaglandinas (PGs), tromboxanos, leucotrienos,
endocanabinóides), neurotrofinas, citocinas e quimiocinas, bem como proteases extracelulares
e prótons, responsáveis pela amplificação e manutenção do processo inflamatório (Fig. 7)
(BASBAUM, 2009).
A ação dos mediadores inflamatórios sobre neurônios sensoriais é mediada por
seus receptores específicos, que se dividem em três categorias gerais: 1- receptores acoplados
à proteína G (GPCR, como os receptores da bradicinina, B1 e B2; receptores ativados por
protease, PAR1-3; receptor de histamina, H1, etc.); 2- receptores de tirosina-quinase
(receptores de fatores de crescimento, TrkA e TrkB ) e 3- receptores ionotrópicos/canais de
íons (receptores purinérgicos P2X e canais sensíveis a ácido, ASICs ). Nos dois primeiros
casos, a ativação dos receptores por seus respectivos mediadores inflamatórios promove a
cascata de sinalização celular específica que tem como alvo canais de íons, ao passo que no
terceiro exemplo, os receptores são os próprios canais iônicos. Como consequência da ação
dos mediadores inflamatórios, ocorre: despolarização, diminuição do limiar de disparo do
potencial de ação, atraso na repolarização e, como resultado final, hipersensibilidade e maior
excitabilidade dos neurônios sensoriais (LINLEY et al., 2010).
Quando ocorre a liberação de mediadores inflamatórios a partir de macrófagos,
mastócitos, células endoteliais ou nervos traumatizados, a ativação dos nociceptores (fibras
30
Aδ e C) facilita a transmissão dolorosa e as alterações inflamatórias periféricas e,
consequentemente, o quadro de hiperalgesia (KRAYCHETE, CALASANS, VALENTE,
2006). Entretanto, enquanto algumas substâncias (histamina e bradicina) são capazes de
estimular diretamente os nociceptores, outras, como as prostaglandinas, são capazes apenas de
sensibilizá-los. Em virtude dessa sensibilização, as prostaglandinas reduzem o limiar de
excitabilidade dos receptores, facilitando a atividade de substâncias notoriamente álgicas
(histamina e bradicinina), motivo pelo qual as prostaglandinas são denominadas substâncias
hiperalgésicas (MONCADA, FERREIRA, VANE, 1978).
Figura 7. Mediadores periféricos da inflamação. A lesão tecidual promove a liberação de mediadores
inflamatórios pela ativação de nociceptores ou células não-neuronais que residem no interior ou se infiltram no
local da lesão, incluindo mastócitos, basófilos, plaquetas, macrófagos, neutrófilos, células endoteliais,
queratinócitos, histamina, glutamato, ATP, adenosina, substância P, peptídeo relacionado ao gene da calcitonina
(CGRP), bradicinina, eicosanóides, prostaglandinas, tromboxanos, leucotrienos, endocanabinóides, Fator de
Crescimento do Nervo (NGF), Fator de Necrose Tumoral α (TNF-α), interleucina-1β (IL-1β), proteases
extracelulares e prótons. Esses fatores agem diretamente sobre os nociceptores pela ligação a um ou mais
receptores de superfície celular, incluindo receptores acoplados à proteína G (GPCR), canais TRP, canais de íons
sensíveis à ácido (ASIC), canais de potássio de dois poros (K 2P) e receptores tirosina quinase (RTK), como
representado no terminal do nociceptor periférico. Fonte: BASBAUM, 2009.
Dentre os mediadores inflamatórios, destacam-se a bradicinina, a prostaglandina
E2, o fator de crescimento nervoso (NGF) e as interleucinas pró-inflamatórias, uma vez que
exercem papel fundamental na nocicepção periférica (CHUANG et al., 2001). As
prostaglandinas, a exemplo da PGE2, constituem potentes mediadores envolvidos na
inflamação e na dor, onde promovem hiperalgesia, vasodilatação e em combinação com
outros agentes, extravasamento de fluídos para o tecido adjacente (formação de edema)
(JAMES et al., 2001). Quanto as interleucinas pró-inflamatórias, embora existam evidências
31
que suportem uma ação direta sobre os nociceptores, sua contribuição primária para a
hiperalgesia resulta da potenciação da resposta inflamatória e aumento na produção de
agentes pro-algésicos (como PGs, NGF, BK e prótons extracelulares) (BASBAUM, 2009). Já
o Fator de Crescimento do Nervo tem seus níveis substancialmente aumentados durante a
inflamação e ao interagir com receptores tirosina quinase A (TrKA) aumenta a síntese de SP e
CGRP nos aferentes primários. Além disso, o NGF pode ainda atuar sobre mastócitos, e
assim, ativar e sensibilizar terminações sensoriais através da degranulação destas células
(SCHAIBLE e RICHTER, 2004).
Na dor inflamatória, a bradicinina ativa numerosas fibras Aδ e C e os sensibiliza a
estímulos mecânicos e térmicos (LIANG et al,. 2001). A ativação dos nociceptores causa dor
evidente e imediata, enquanto o processo de sensibilização dos nociceptores é responsável
pelo desenvolvimento da hiperalgesia inflamatória (FERREIRA, LORENZETTI, POOLE,
1993). Dray e Perkins (1993) sugerem que os receptores BK2 iniciam a parte mais
significativa do estágio inicial da dor inflamatória, com receptores BK1 sendo responsáveis
pela manutenção do estado de hiperalgesia durante a inflamação e lesão.
A bradicinina estimula a produção e liberação de uma série de produtos
endógenos, incluindo prostanóides (PGE2, PGI2) de muitos tipos de células e neurônios
simpáticos e citocinas (IL-1 e TNF-α) a partir de macrófagos (DRAY e PERKINS, 1993). A
ativação de fibras sensoriais pela BK também provoca a liberação de neuropeptídeos, como a
substância P, neuroquinina A e CGRP (GEPPETTI et al., 1990). Estes peptídeos contribuem
com os efeitos pró-inflamatórios locais e promovem a sensibilização do nociceptor. A
substância P e o CGRP estimulam células endoteliais vasculares a liberarem óxido nítrico do
músculo liso e, assim, promovem aumento do fluxo sanguíneo no tecido e induzem um surto
inflamatório em função da dilatação das arteríolas. Além disso, a substância P contrai
endotélio e induz edema neurogênico, provocado pelo extravasamento de plasma (DRAY e
PERKINS, 1993). A substância P e a neuroquinina A além de induzir a degranulação de
mastócitos também provocam a liberação de histamina. Outros fatores transmitidos pelo
sangue, como histamina e ATP (a partir de plaquetas), podem ter acesso aos nociceptores e
contribuir para a sua sensibilização (RUEFF e DRAY, 1992; TAIWO e LEVINE, 1992).
Assim, os nociceptores podem ser ativados por uma grande variedade de
estímulos, sejam térmicos, mecânicos ou químicos. Uma característica única do nociceptores
é que o ganho da transdução do sinal pode ser aumentado ou sensibilizado por mediadores
inflamatórios, que são liberados durante a lesão de tecidos, estresse metabólico e na
inflamação. Os efeitos desses mediadores inflamatórios sobre os nociceptores são comumente
32
produzidos pela ativação ou sensibilização de canais iônicos da membrana presentes em
nociceptores terminais, através da ação da cascata de segundos mensageiros iniciados pelo
receptor (HUANG, ZHANG, McNAUGHTON 2006). Portanto, significativa atenção deve ser
dada a canais iônicos, como os membros da família TRP, que servem de receptores para uma
variedade de produtos que ativam nociceptores para induzir dor e inflamação (WANG e
WOOLF, 2005).
Nesse contexto, o receptor de potencial transitório Anquirina tipo 1 (TRPA1), um
membro da larga família TRP, funciona como um canal de cátion não-seletivo, permeável ao
Ca2+, que desempenha um relente papel no mecanismo da dor. Estruturalmente, TRPA1 é
uma proteína com seis domínios transmembrana e pelo menos 14 repetições anquirina na
porção N-terminal intracelular (Fig. 7). Em sua configuração funcional, formam tetrâmeros
por meio da interação das regiões do poro permeáveis ao cátion, localizadas entre o 5º e o 6º
domínio transmembrana das subunidades do canal. Considerando que os outros TRPs tem
apenas de 0 à 8 repetições anquirina, as 14 repetições anquirina do TRPA1 fazem deste canal
um membro TRP incomum (LAPOINTE e ALTIER, 2011).
Figure 8. Representação esquemática de um TRPA1 humano. Cada subunidade é composta por seis
domínios transmembrana (S1-S-6) cujos domínios C- e N-terminais são voltados para o citosol. A calda aminoterminal tem várias repetições de domínios anquirina (círculos azuis). A região do poro é localizada entre o
quinto e o sexto domínio de cada subunidade do canal. Os resíduos de cisteína são identificados como essenciais
para a ativação covalente do TRPA1 e são mostradas em verde. Fonte: LAPOINTE e ALTIER, 2011.
TRPA1 foi inicialmente identificado em fibroblastos humanos por Jaquemar e
colaboradores em 1999. Estudos posteriores mostraram que TRPA1 também é expresso em
neurônios sensoriais do gânglio da raiz dorsal, do gânglio nodoso e neurônios do gânglio
trigeminal (SHELDON e STUCKY, 2011). Este canal pode ser ativado por um número de
compostos naturais pungentes (mostarda, wasabi, raiz-forte, óleo de gaultéria, canela, alho),
irritantes ambientais (emissões do escapamento de veículos e gás lacrimogêneo), formalina,
bem como por agentes pro-algésicos endógenos, e temperaturas inferiores ou iguais à 17º C
33
(limiar do frio nocivo humano) (BANDELL et al., 2004; BAUTISTA et al., 2006; FEIN,
2011).
Inicialmente foi proposto que TRPA1 fosse um receptor para o frio nocivo. Essa
hipótese da participação de TRPA1 na dor foi reforçada pela descoberta da co-expressão
destes receptores com TRPV1 em alguns neurônios de pequeno diâmetro que contêm a
substância P e o peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP), sugerindo sua
expressão em fibras Aδ e C, as quais são altamente sensíveis a estímulos nocivos. TRPA1 é
capaz de mediar a dor aguda e inflamatória, pelo menos em parte, por meio do cruzamento
com as vias de sinalização induzido por um peptídeo pró-inflamatório, a bradicinina
(ATOYAN, SHANDER, BOTCHKAREVA 2009). Por outro lado, investigações dos
mecanismos de dor inflamatória e neuropática tem revelado que TRPA1 pode tornar-se um
potencial e interessante alvo para o controle persistente da dor (ANDRADE et al., 2012).
Vários mediadores pró-inflamatórios, incluindo prostaglandinas e produtos do
estresse oxidativo, tem sido relacionados à ativação direta do TRPA1 através da modificação
covalente dos resíduos de cisteína desses canais. Subsequente à ativação do TRPA1, o
aumento intracelular de Ca2+ induz a liberação de neuropeptídios periféricos (substância P,
CGRP), purinas e outros transmissores das terminações da fibra do nervo sensibilizadas, que
resultam na inflamação neurogênica e na hipersensibilidade. É interessante ressaltar que o
Ca2+ não representa apenas um intermediário que inicia eventos mediados pelo TRPA1, mas
também age como um modulador direto da atividade do canal (BAUTISTA et al., 2006;
LAPOINTE e ALTIER, 2011).
Há muitas evidências de que a função e expressão de TRPA1 também são
moduladas durante inflamação ou lesão do tecido. A sensibilização do TRPA1 pela BK é
mediada pelo receptor B2 da BK (B2K) que está envolvido na via dependente de PLC
(Fosfolipase C) (Fig. 8). Uma das consequências da ativação da PLC é a quebra de PIP 2
(Fosfatidil Inositol-4,5-bifosfato) em DAG (Diacilglicerol) e IP3 (Inositol Trifosfato). IP3
libera o Ca2+ das cisternas, enquanto o DAG ativa a PKC (Proteína Quinase C) e pode
também ser convertida para ácido araquidônico pela lipase DAG. Contudo, a PKC não
contribui para a ativação da sensibilização de TRPA1, o que é diferente do TRPV1. Tem sido
mostrado que sensibilização da atividade do TRPA1 pela PLC é mediada pela ativação do
PAR-2 (Receptor-2 ativado por protease), mas não por um mecanismo dependente de PKC
(BANDELL et al., 2004).
Os canais TRPV1 e TRPA1 são interdependentemente regulados pela ativação do
B2K e agem em conjunto para produzir hiperalgesia. PIP2 tem sido sugerido como um
34
inibidor endógeno do TRPA1, contudo, pela quebra de PIP2, a PLC bloqueia seu efeito
inibidor sobre o TRPA1, e assim, sensibiliza o canal. DAG também pode estar envolvido
neste processo, tanto pela ativação direta do TRPA1, como pela mediação da fosforilação do
TRPA1 dependente de PKC. PKA também tem sido sugerida como uma molécula de
sinalização intermediária na sensibilização do TRPA1 mediado pela BK, pela fosforilação
direta do canal. Durante condições inflamatórias, a atividade do TRPA1 é regulada por vários
mecanismos, como a modulação do tráfego para a membrana (LAPOINTE e ALTIER, 2011).
Figura 9. Modulação da atividade e tráfego do TRPA1. (1) Ativação de PKA e da PKC pela PAR-2 ou B2R
induz o tráfego de TRPA1 para a membrana plasmática. (2) A ativação de TRPA1 é potencializada pela
fosforilação dependente de PKA e PKC. (3) A ativação PLC pela PAR-2 ou B2R aumenta a atividade do TRPA1
pela liberação da inibição do canal mediado pela PIP2. (4) DAG modula a atividade do TRPA1 diretamente pela
ativação do canal ou de maneira dependente de PKC. B 2R (Receptor B2 da bradicinina), DAG (Diacilglicerol),
PAR-2 (Receptor-2 ativado por protease), PKA (Proteína Quinase A), protein kinase C, PKC (Proteína Quinase
C), PIP2 (Fosfatidilinositol), PLC (Fosfolipase C). Fonte: LAPOINTE e ALTIER, 2011.
1.5 Plantas Medicinais
De acordo com a OMS pelo menos 80% das pessoas que vivem em países
emergentes dependem de plantas medicinais para cuidados básicos da saúde. Além disso,
considerando o custo na aquisição de medicamentos sintéticos, os efeitos colaterais
associados ao seu uso, e a crença de que produtos naturais constituem fonte de cura para
muitas doenças, pode-se observar que houve maior interesse na utilização de plantas e
extratos de plantas nos últimos anos (BOUKHATEM et al., 2013).
35
É sabido que as plantas medicinais representam uma das mais importantes fontes
de princípios ativos, sendo que pelo menos 40 % das drogas modernas são derivadas de
materiais vegetais. O conhecimento empírico baseado nos benefícios das plantas, juntamente
com fracionamento e isolamento de substâncias naturais, representa uma fonte potencial na
identificação de novos compostos que podem ser utilizados na clínica (RAJASEKARAN et
al., 2013).
O uso de plantas na cura dos mais diversos males é tradicionalmente conhecido e
utilizado há centenas de anos pela humanidade. Os curandeiros (médicos tradicionais) têm
uma longa história do seu próprio diagnóstico e sistema de tratamento, os quais foram
adquiridos a partir de seus ancestrais (SAMY, MANIKANDAN, AL QAHTANI, 2013). Na
região amazônica essa prática é utilizada principalmente entre os povos indígenas e
ribeirinhos, que são por excelência, conhecedores naturais das florestas e das propriedades
medicinais dos vegetais (GUARIM NETO, 1987; MARASCHIN e VERPOORTE, 1999).
A medicina tradicional também é de grande importância no tratamento de
acidentes provocados por serpentes venenosas, especialmente em países em desenvolvimento.
Diversas espécies vegetais são utilizadas com essa finalidade por comunidades que não
dispõem de acesso imediato à soroterapia (CARVALHO et al., 2013). Além disso, novas
tendências na terapia de envenenamentos sugerem que pode ser possível interferir nas lesões
locais dos tecidos e nos efeitos sistêmicos do veneno, não só através da soroterapia, mas
também modulando alguns mediadores inflamatórios produzidos pelo paciente como
consequência do envenenamento (GUTIERREZ et al., 2007).
A literatura dispõe de diversos trabalhos que foram realizados com plantas
medicinais e mostra que é possível minimizar ou impedir os danos causados pelas toxinas de
serpentes. Experimentos realizados com o extrato metanólico de Dipteryx alata, por exemplo,
exibiram efeito contra as ações neurotóxica e miotóxica do veneno de Bothrops jararacussu, e
o efeito inibitório do extrato parece ser aumentado pela presença de taninos (NAZATO et al.,
2010). Farrapo e colaboradores (2011) também atribuem aos taninos encontrados no extrato
das cascas de Plathymenia reticulata o efeito antimiotóxico causado pelo veneno de B.
jararacussu. Estudos in vitro utilizando o extrato de Marsypianthes chamaedrys exibiram
atividade antifosfolipase A2 e anticoagulante, enquanto testes in vivo inibiram a migração
leucocitária e a liberação das citocinas pro-inflamatórias IL-6 e TNF-α, em experimentos
realizados com o veneno de Bothrops atrox (MAGALHÃES et al., 2011).
Mors e colaboradores (1989) mostraram que o flavonóide wedelolactona inibe o
efeito miotóxico e neurotóxico do veneno de Crotalus durissus terrificus. Estudos posteriores
36
mostraram que o extrato da mesma planta diminui as atividades miotóxica e hemorrágica do
veneno das serpentes Bothrops jararaca, Bothrops jararacussu e Lachesis muta (MELO, et
al., 1994). Recentemente, os flavonóides da planta Eclipta alba (wedelolactona e
dimetilwedelolactona) foram relatados por sua capacidade de inibir a atividade miotóxica
induzida pelas fosfolipases A2 básicas do veneno de Crotalus durissus terrificus (CB) e
Bothrops jararacussu (BthTX-I e II) (DIOGO, et al., 2009).
O flavonóide Wedelolactona demonstrou ser ativo contra venenos crotálicos e
botrópicos. Este flavonóide, isolado de Eclipta prostrata, e alguns de seus derivados
sintéticos, estão entre os produtos mais ativos. Além disso, tanto a wedelolactona quanto seus
análogos são capazes de antagonizar a liberação da creatina quinase induzida por B.
jararacussu no músculo esquelético (SOARES et al., 2009).
1.6 Óleos Essenciais
De acordo com a Farmacopéia Européia óleos essenciais são extratos de plantas
aromáticas obtidos por processos destilação a vapor. Esses compostos podem ser encontrados
em todas as estruturas vegetais, especialmente em folhas, flores e frutos, tendo menor
incidência em outras estruturas como raízes, rizomas, lenhos, córtex ou sementes. Sua
ocorrência é ampla e se dá em diversos gêneros de plantas superiores e inferiores, além de
também serem encontradas em microorganismos (BIZZO, HOVELL, REZENDE, 2009;
SOUSA et al., 2011).
Em geral, são constituídos por substâncias de baixo peso molecular,
principalmente misturas de fenilpropanóides e terpenóides (especialmente monoterpenos e
sesquiterpenos), bem como seus derivados oxigenados, tais como álcoois, aldeídos e acetonas.
Na medicina popular os óleos essenciais são utilizados contra vários tipos de doenças e
também são de grande importância na indústria alimentícia, de cosméticos e indústria
farmacêutica (SIMÕES et al., 2004; COELHO et al, 2012).
Os óleos essenciais exibem uma notável variedade de atividade farmacológica. O
número de estudos clínicos e pré-clínicos sobre óleos essenciais e seus constituintes vem
aumentando a cada ano. Esta classe de produtos naturais tem atraído o interesse de muitos
pesquisadores que investigam o seu potencial como medicamentos afim de que possam ser
utilizados no tratamento de várias doenças. Além disso, muitas substâncias bioativas são
sintetizadas a partir de compostos químicos encontrados em óleos essenciais. Estudos das
37
atividades farmacológicas dos óleos essenciais têm sido cientificamente demonstrados e dão
suporte às ações anti-inflamatória e antinociceptiva de seus componentes (ALI et al., 2012).
Os componentes dos óleos essenciais podem ser agrupados em duas séries
majoritárias, baseados em suas características funcionais: uma delas, a série aromática, é
constituída por derivados do fenilpropano (oriundos do metabolismo do ácido chiquímico)
formados por reações de transaminação enzimática da fenilanina, cujos derivados mais
comuns são as cumarinas e alguns aldeídos aromáticos, por outro lado, a série terpênica,
representa a série quantitativamente mais numerosa e qualitativamente mais variada, onde são
encontrados os monoterpenos e os sesquiterpenos (HENRIQUES et al., 2009).
Monoterpenos voláteis e sesquiterpenos (contendo 10 e 15 carbonos,
respectivamente) são os principais constituintes de óleos essenciais e são característicos de
plantas pertencentes às ordens Magnoliales, Laurales, Austrabaileyales e Piperales (JUDD et
al, 2002). Entre os terpenóides, os monoterpenos representam os componentes mais
abundantes, com cerca de 90 % dos óleos (SOUSA et al., 2011).
1.7 Família Piperaceae
A família Piperaceae é composta por 14 gêneros e mais de 1.950 espécies
descritas. Piper é o maior gênero da família, com cerca de 1.000 espécies, amplamente
distribuído nas regiões tropicais e subtropicais (MABBERLEY, 1997). No Brasil são
encontradas cerca de 260 espécies (GUIMARÃES e GIORDANO, 2004). Estudos químicos
realizados em algumas dessas espécies demonstraram que elas contêm diversos metabolitos
secundários, incluindo: lignanas, neolignanas, terpenos, chalconas, flavonas, alcalóides,
amidas e propenilfenóis (PARMAR, et al., 1997; NAVICKIENE et al., 2000 ; FACUNDO e
MORAIS, 2003; BEZERRA et al., 2008; BOKESCH et al., 2011; XIE et al., 2011). Além
disso, algumas espécies de Piper têm demonstrado possuir vários efeitos biológicos, tais
como imunomodulador (MAJDALAWIEH e CARR, 2010), anti-inflamatório (ZAKARIA et
al., 2010), antinociceptivo (RODRIGUES et al., 2009), antipirético (SIREERATAWONG et
al., 2010), antifúngico (KOROISHI et al., 2008), citotóxico (BEZERRA et al., 2007), antitumoral (BEZERRA et al., 2006), gastroprotetor (MORIKAWA et al., 2004), ansiolítico
(FELIPE et al., 2007), antidepressivo (XIE et al., 2011) e antídoto para picada de cobra
(NÚÑEZ et al., 2005).
Piper aleyreanum é um membro da família Piperaceae popularmente conhecido
como: ―João brandinho‖, ―pimenta longa,‖ ―pimenta longa da mata‖, ―pimenta de cobra‖,
38
usado na medicina popular como imunomodulador, analgésico e antidepressivo (FACUNDO
et al., 2012).
Comunidades ribeirinhas da região amazônica, que não dispõem de tratamento
médico imediato, fazem uso da espécie Piper aleyreanum como antídoto para a mordida de
cobra, tanto pela via oral, quanto na forma de cataplasma no local da picada (GUIMARÃES e
GIORDANO, 2004). A planta é utilizada com o objetivo de diminuir os efeitos provocados
pelas toxinas do veneno e promover alívio para as vítimas, embora ainda não tenham sido
realizados estudos que atestem o efeito antiofídico da mesma.
Alguns aspectos da correlação entre a neutralização do veneno de serpentes e a
ação farmacológica associada com as propriedades anti-inflamatórias do gênero Piper já
foram testados com o veneno de espécies do gênero Bothrops com resultados promissores
(NÚÑEZ et al., 2005).
Embora sejam conhecidos os efeitos farmacológicos de diversas espécies do
gênero Piper, poucos estudos são relatados na literatura referente às propriedades terapêuticas
desta espécie. No campo da fitoquímica, um estudo realizado por Facundo (2005)
caracterizou o óleo essencial das folhas de P. aleyreanum, onde observou uma predominância
de transcariofileno, limoneno e muuroleno. Posteriormente, Facundo e colaboradores (2007)
identificaram, na mesma parte da planta, as substâncias: β-pineno, isocariofileno e βcariofileno. Andrade e colaboradores (2009), analisando a composição de P. aleyreanum
observaram a presença de δ-elemeno, β-elemeno, germacreno D e biciclogermacreno.
Em 2010, Silva e colaboradores demonstraram que polifenóis obtidos de P.
aleyreanum exercem efeito antioxidante. Estudos recentes mostraram ainda que Piper
aleyreanum exerce significativo efeito antinociceptivo, anti-inflamatório e gastroprotetor em
modelos animais (LIMA et al., 2012).
39
2. OBJETIVOS
2.1 Objetivo Geral
 Avaliar o efeito antinociceptivo do óleo essencial de P. aleyreanum na
hiperalgesia induzida pelo veneno de Bothrops jararaca.
2.2 Objetivos Específicos
 Avaliar o envolvimento de receptores TRPA1 no efeito antinociceptivo do óleo
essencial de P. aleyreanum.
 Avaliar o envolvimento de receptores TRPA1 na modulação da hiperalgesia
induzida pelo veneno de B. jararaca.
40
3. MATERIAL E MÉTODOS
3.1 Análise Fitoquímica
A investigação química dos constituintes voláteis de Piper aleyreanum C.DC
(PIPERACEAE) foi realizada previamente no Laboratório de Pesquisa em Química de
Produtos Naturais (LPQPN) da Universidade Federal de Rondônia, UNIR, Porto Velho, RO,
por Lima e colaboradores (2012). Portanto, o óleo essencial utilizado neste trabalho dá
continuidade às pesquisas iniciadas pelo grupo.
3.1.1 Coleta e identificação da planta
A espécie P. aleyreanum foi coletada na região de mata situada na BR 319 no Km
15 sentido Humaitá/AM em Porto Velho-Rondônia, no dia de 23 de março de 2008. A
identificação da espécie foi realizada pela confecção de exsicata e o envio desta, ao Herbário
do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA), onde encontra-se depositada sob o
número 223303.
3.2 Análise Farmacológica
Os estudos farmacológicos foram conduzidos no Laboratório de Neurobiologia da
Dor e Inflamação, do Departamento de Ciências Fisiológicas, Centro de Ciências Biológicas,
da Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC, Florianópolis – SC.
3.2.1 Animais
Os experimentos foram realizados utilizando camundongos Swiss fêmeas adultas,
de aproximadamente 2 meses de idade, pesando entre 25 e 35g, provenientes do biotério
central da Universidade Federal de Santa Catarina.
No biotério do Laboratório de
Neurobiologia da Dor e da Inflamação (LANDI), os animais foram acomodados em caixas de
polipropileno (41x34x16), com tampa superior de aço inox, contendo espaço para água e
ração, acomodados em estantes ventiladas da marca Alesco. O número de animais foi limitado
a 15 por caixa, proporcionando um alojamento cômodo dentro da área exigida pela espécie.
Antes da realização dos experimentos, os animais foram ambientados no biotério por pelo
41
menos 1 semana, mantidos sob ciclo claro/escuro de 12 h (luzes acesas às 06:00 h), com livre
acesso à água e comida. A temperatura foi mantida a 22±2 º C e os animais foram
ambientados às condições laboratoriais durante pelo menos uma hora antes dos testes. Foram
realizados os experimentos de 8:00-18:00, cada animal foi utilizado apenas uma vez durante o
estudo e imediatamente após o experimento os animais foram eutanaziados por asfixia com
CO2 (Dióxido de Carbono). Os experimentos foram conduzidos de acordo com as normas de
cuidado com animais de laboratório, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Animal da
Universidade Federal de Santa Catarina (protocolo número PP00467). O número de animais
utilizados e a intensidade dos estímulos nocivos foram os mínimos necessários para a
obtenção de dados fiáveis (ZIMMERMANN, 1983).
3.2.2 Veneno
O veneno de Bothops jararaca (BjV) foi fornecido pelo Laboratório de
Herpetologia do Instituto Butantan, São Paulo, Brasil, onde foi obtido por extração manual a
partir espécimes adultos. O veneno foi liofilizado, mantido a -20° C e dissolvido em solução
salina estéril no momento do uso.
3.2.3 Nocicepção induzida pelo veneno de Bothrops jararaca
Para avaliar a nocicepção causada pela injeção intraplantar (i.pl.) do BjV,
camundongos foram injetados com 20 µL de solução salina estéril (NaCl a 0,15 M) (animais
controle) ou 20 µL de solução salina contendo 1 µg do BjV na superfície subplantar da pata
traseira direita. A pata contralateral não foi injetada. Os camundongos receberam OEPa (100
mg/kg, i.g.), dexametasona (2mg/kg, s.c.), indometacina (10 mg/kg, i.p.) ou veículo (Tween
1% + salina,10ml/kg, i.g.), 60, 120, 30 e 60 min. respectivamente, antes da injeção do BjV.
Após a injeção intraplantar do veneno, os camundongos foram colocados imediatamente em
um funil de vidro (20 cm de diâmetro), e o tempo gasto para lamber a pata injetada foi
marcado com o auxílio de um cronômetro durante vinte minutos. O método é descrito pela
primeira vez na avaliação da nocicepção espontânea induzida por veneno de serpente. A dose
de 1 µg do BjV foi escolhida com base em resultados prévios obtidos no laboratório (dados
não publicados) e por ser uma dose que não causa hemorragia (PÉREZ et al., 1998).
42
3.2.4 Atividade edematogênica
A atividade edematogênica induzida pela injeção de BjV foi avaliada como
descrito anteriormente por Carneiro e colaboradores (2002). Os camundongos foram injetados
na região subplantar da pata direita com 20 µL de solução salina estéril (0,15 M NaCl)
contendo 1 µg de BjV. A pata contralateral recebeu o mesmo volume de solução salina estéril
como controle. Os camundongos foram tratados com OEPa (100 mg/kg, i.g.), dexametasona
(2mg/kg, s.c.), indometacina (10 mg/kg, i.p.) ou veículo (10ml/kg, i.g) 60, 120, 30 e 60 min.
respectivamente, antes da injeção do veneno. O edema da pata foi avaliado com o auxílio de
um micrômetro 1 h após a injeção do veneno. Os resultados foram expressos como a
diferença entre o volume das patas injetadas com veneno e salina.
Neste experimento também foi avaliada a variação de temperatura da pata
provocada pela injeção intraplantar do BjV. A temperatura da pata foi avaliada com o auxilio
de um termômetro digital (Thermosensor Mallory). Cada pata foi medida três vezes
consecutivas e o resultado foi expresso como a diferença da média da temperatura da pata
antes e depois da injeção do BjV.
3.2.5 Alodinia mecânica
O teste de von Frey foi utilizado para avaliar o limiar de dor mecânica antes, e
novamente, em diferentes tempos após a injeção intraplantar de 1 µg do BjV. A alodinia
mecânica foi avaliada como descrito anteriormente por NUCCI e colaboradores (2012). Os
camundongos foram aclimatados em caixas claras individuais (9x7x11 cm3) sob uma
plataforma (70x40 cm) com malha de metal de 6 mm, elevada para permitir o acesso à
superfície ventral das patas traseiras. A pata traseira direita foi estimulada com uma pressão
constante de 0.4 g pelo filamento de von Frey (VFF) (Stoelting, Chicago, EUA). A frequência
de resposta de 10 aplicações foi utilizada como o comportamento nociceptivo. Os resultados
foram expressos como a porcentagem da resposta de retirada. No dia anterior à avaliação, os
animais foram submetidos ao teste para caracterizar a resposta de perfil basal. Foram
selecionados apenas os animais que apresentaram uma taxa de resposta de cerca de 20 %. No
dia da avaliação os animais foram pré-tratados com OEPa (100 mg/kg, i.g.), dexametasona
(2mg/kg, s.c.), indometacina (10 mg/kg, i.p.) ou veículo (10ml/kg, i.g.) 60, 120, 30 e 60 min.
respectivamente, antes da injeção i.pl. do BjV. O efeito antinociceptivo foi avaliado 0.5, 1 , 2,
3, 4 e 5 horas após a injeção do veneno. Os animais do grupo controle receberam um volume
similar de veículo (10 ml/Kg, i.g.).
43
3.2.6 Alodinia térmica
Para avaliar a alodinia térmica ao estímulo frio e quente em camundongos, foi
usado o método de analgesia da placa fria/quente de acordo com uma pequena modificação do
método descrito por Bennett e Xie (1988). Os camundongos foram colocados em câmaras de
plástico transparente (7x9x11 cm3) sob uma superfície elevada. Para analisar a alodinia
térmica ao frio, camundongos foram colocados sobre a placa fria (10±1º C), e para analisar a
alodínia térmica ao calor, camundongos foram colocados sobre a placa quente (48±1º C). Os
camundongos foram tratados com OEPa (100 mg/kg, i.g.), dexametasona (2mg/kg, s.c.),
indometacina (10 mg/kg, i.p.) ou veículo (10ml/kg, i.g.) 60, 120, 30 e 60 min.
respectivamente, antes da injeção i.pl. do BjV. A nocicepção foi avaliada pela latência de
retirada pata traseira direita. A latência de corte para o teste de placa fria foi de 120 segundos
e para a placa quente foi de 60 segundos. O comportamento nociceptivo foi avaliado 1 hora
após a injeção do BjV.
3.2.7 Envolvimento de canais TRPA1
Para investigar se canais TRPA1 constituem alvos potenciais específicos para
ação antinociceptiva do OEPa, foi testado o efeito do óleo essencial na resposta nociceptiva
induzida pelo ativador desse canal, conforme descrito anteriormente por Córdova e
colaboradores (2011). Os animais foram tratados com OEPa (100 mg/kg, i.g.), dexametasona
(2mg/kg, s.c.), indometacina (10 mg/kg, i.p.) ou cânfora (7,6 mg/kg, s.c.), utilizada como
controle positivo, 60, 120, 30 e 30 min., respectivamente, antes da injeção i.pl. de
cinamaldeído (10 nmol/pata). Os animais foram colocados em câmaras individuais (funis de
vidro transparente, 20 cm de diâmetro) e aclimatados durante pelo menos 20 minutos antes da
injeção do agente algogênico ou veículo. O comportamento nociceptivo foi observado e
contado por 5 minutos após a injeção de cinamaldeído.
Em outro conjunto de experimentos, para verificar se receptores TRPA1 estão
envolvidos no processo nociceptivo induzido pelo veneno, testamos o efeito da cânfora na
nocicepção induzida pelo BjV. Os animais foram tratados com cânfora (30 e 100 mg/kg, s.c.),
30 minutos antes da injeção i.pl. do BjV. Os animais foram colocados em câmaras individuais
(funis de vidro transparente, 20 cm de diâmetro) e aclimatados durante pelo menos 20
minutos antes da injeção do agente algogênico ou veículo. O comportamento nociceptivo foi
observado e contado por 20 minutos após a injeção do BjV.
44
3.2.8 Nocicepção induzida por BK, PGE2, PMA e FSK
O possível efeito antinociceptivo do OEPa foi avaliado como descrito
anteriormente (CÓRDOVA et al., 2011; KASSUYA et al., 2007; NASCIMENTO et al., 2010).
Os animais foram aclimatados em câmaras claras individuais (9x7x11 cm3). OEPa
(100mg/kg, i.g.) ou veículo (10ml/kg, v.o) foi administrado 60 min antes da injeção i.pl. do
agente álgico. Após o tratamento com OEPa os camundongos receberam 20 µL de bradicinina
(BK - 10 nmol/pata), prostaglandina E2 (PGE2 - 3 nmol/pata), miristato-acetato de forbol
(PMA - 50 nmol/pata) ou forskolina (FSK - 10 nmol/pata) na superfície subplantar da pata
traseira direita. A pata contralateral não foi injetada. O comportamento nociceptivo foi
observado e contabilizado durante 10 min após as injeções de BK e FSK, 15 min após a
injeção de PGE2 e no intervalo entre 15 e 45 min após a injeção de PMA.
3.3 Análise Estatística
Os dados foram expressos como a média ± erro padrão da média (E.P.M.). Para
análise estatística dos dados de decurso temporal foi utilizada análise de variância (ANOVA)
de duas vias seguida do teste de Bonferroni para múltiplas comparações. A análise estatística
dos demais dados foi realizada utilizando ANOVA de uma via seguida do teste de Newman
Keuls. Em todas as análises valores de P < 0,05 foram considerados estatisticamente
significativos. Para o cálculo estatístico foi utilizado o programa Graph-Pad Prisma 5 (San
Diego, CA, EUA).
45
4. RESULTADOS
4.1 Extração do Óleo Essencial e Análise
A análise química do OEPa utilizado neste estudo identificou 35 compostos, o que
representa 81,7% do teor total de óleo. Óxido de cariofileno (11,5%), β-pineno (9%),
espatulenol (6,7%), canfeno (5,2%), β-eleneno (4,7%), mirteno (4,2%), verbenona (3,3%) e
pinocarvona (3,1 %) foram considerados os principais constituintes, conforme é mostrado na
tabela 1 (Anexo).
4.2 Caracterização da hiperalgesia induzida pelo BjV
A injeção i.pl. do BjV (1 µg/pata) causou redução do limiar de dor (hiperalgesia) e
aumento do volume da pata (Fig. 10). No modelo de dor espontânea, aqui mostrado pela
primeira vez utilizando o BjV, foi observado que o pré-tratamento com o OEPa (0.01 – 100
mg/kg, i.g.) (Fig. 10a) exerceu um significativo efeito antinociceptivo. A inibição observada
para a dose de 100 mg/kg foi de 57±7%, sendo esta a dose escolhida para ser utilizada ao
longo dos testes. Uma diminuição estatisticamente significativa da hiperalgesia induzida pelo
BjV também foi observada nos grupos tratados com dexametasona (60±4%) e indometacina
(66±4%) (Fig. 10b), aqui utilizados como controle positivo. Entretanto, nenhum dos
tratamentos realizados provocou alteração, de forma significativa, na resposta edematogênica
(Fig. 10c) induzida pelo veneno. Por outro lado, houve redução da temperatura da pata (Fig.
10d) apenas a partir do tratamento com indometacina. A injeção de salina (controle negativo)
não modificou o limiar de dor dos animais.
4.3 Alodínia mecânica
A injeção intraplantar de BjV (1 µg/pata) induz alodínia mecânica (Fig. 11). A
alodínia teve início a partir da injeção do BjV e manteve-se por 6 h, desaparecendo
completamente após 24 h (Fig. 11a). A alodínia apresentou um pico na 1ª h e persistiu até a 3ª
h, e não foi expressiva a partir da 8ª h. O pré-tratamento com o OEPa (100 mg/kg, i.g.)
reduziu significativamente a alodínia a partir de 30 minutos (91±5%) e seu efeito persistiu
por até 2 h (79±6%) após a injeção do veneno (Fig. 11b). O grupo tratado com dexametasona
(2 mg/kg, s.c.) também foi significativo de 30 minutos (84±8%) até 2 h (53±12%), enquanto
o grupo tratado com indometacina (10 mg/kg, i.p.), teve efeito no intervalo de 30 minutos
(54±14%) até 3 h (51±17%).
46
Figura 10. Efeito do OEPa na hiperalgesia induzida pelo BjV. O gráfico A mostra a curva dose-resposta. O
gráfico B mostra o efeito do tratamento com OEPa, Dexametasona e Indometacina. O gráfico C mostra a
avaliação do edema de pata. O gráfico D mostra a variação de temperatura da pata provocada pela injeção do
veneno. Os camundongos foram tratados com OEPa (100 mg/kg, i.g.), dexametasona (2mg/kg, s.c.),
indometacina (10 mg/kg, i.p.) 60 min, 120 e 30 min. respectivamente, antes da injeção i.pl. de BjV (1 µg/pata).
Cada coluna representa a média ± E.P.M. (n=10). Os valores do grupo salina (S) indicam a administração do
veículo (salina e Tween 80, 10ml/kg), e os asteriscos denotam os níveis de significância ***P<0.001 quando
comparados com o grupo controle ou ## P < 0.01 e ### P < 0.001 quando comparados com o grupo salina.
ANOVA de uma via seguida do teste post hoc de Newman-Keuls.
47
Fig. 11. Decurso temporal da alodínia induzida pelo BjV. O gráfico A mostra a alodínia induzida pelo BjV. O
gráfico B mostra o efeito do OEPa na alodínia mecânica induzida pelo BjV. Os camundongos foram tratados
com OEPa (100 mg/kg, i.g.), dexametasona (2mg/kg, s.c.) ou indometacina (10 mg/kg, i.p.), 60 min, 120 e 30
min. respectivamente, antes da injeção i.pl. de BjV (1 µg/pata). Cada coluna representa a média ± E.P.M. (n=8).
Os valores do grupo salina (S) indicam a administração do veículo (salina e Tween 80, 10ml/kg), e os asteriscos
denotam os níveis de significância **P<0.01 e ***P<0.001 quando comparados com o grupo controle ou ### P
< 0.001 quando comparados com o grupo salina. ANOVA de duas vias seguida do teste post hoc de Bonferroni.
4.4 Alodinia térmica
A injeção intraplantar do BjV (1 µg/pata) induz alodinia térmica (Fig. 12). Os
resultados mostraram que a injeção i.pl. do veneno reduziu o período de latência dos animais
expostos tanto à placa fria (Fig. 12a) quanto à placa quente (Fig. 12b). e mostrou ainda que o
pré-tratamento com OEPa (100 mg/kg, i.g.), dexametasona (2mg/kg, s.c.) ou indometacina
(10 mg/kg, i.p.) reduziu significativamente a hipersensibilidade ao frio e ao calor induzida
pelo BjV, aumentando o período de latência e diminuindo o tempo total de reação dos animais
submetidos ao teste.
A
120
***
***
***
100
80
###
60
40
20
0
S
C
Dexa
Indo
OEPa
Bjv (1µg/pata)
Alodinia ao Calor
Latência de Retirada da Pata (s)
Alodinia ao Frio
Latência de Retirada da Pata (s)
48
B
***
50
40
30
20
*
*
Indo
OEPa
##
10
0
S
C
Dexa
Bjv (1µg/pata)
Figura 12. Efeito do OEPa na alodinia térmica induzida pela injeção i.pl. de BjV. Os limiares nociceptivos
induzidos pela injeção i.pl. do BjV foram avaliados como o limiar de retirada da pata no ensaio das placas: fria
(10° C/120s) (gráfico A) e quente (48° C/60s) (gráfico B). Os camundongos foram tratados com OEPa (100
mg/kg, i.g.), dexametasona (2mg/kg, s.c.) ou indometacina (10 mg/kg, i.p.), 60 min, 120 and 30 min,
respectivamente, antes da injeção i.pl. de BjV (1 µg/pata). Cada coluna representa a média ± E.P.M. (n=8). Os
valores do grupo salina (S) indicam a administração do veículo (salina e Tween 80, 10ml/kg), e os asteriscos
denotam os níveis de significância *P<0.05 e ***P<0.001 quando comparados com o grupo controle ou ## P <
0.01 e ### P < 0.001 quando comparados com o grupo salina. ANOVA de uma via seguida do teste post hoc de
Newman-Keuls.
4.5 Envolvimento de canais TRPA1
A injeção i.pl. de cinamaldeído (agonista do receptor TRPA1) induz hiperalgesia
e alodínia ao frio (Fig. 13). Aqui, foi mostrado que o tratamento com OEPa (100 mg/kg, i.g.)
reduziu significativamente o efeito da nocicepção provocada pela injeção i.pl. de
cinamaldeído (10 nmol/pata) de forma semelhante ao tratamento realizado com cânfora
(antagonista do receptor TRPA1) (Fig. 13a), assim como os tratamentos feitos com
dexametasona (2mg/kg, s.c.) e indometacina (10 mg/kg, i.p.). Os dados mostram ainda que a
nocicepção causada pela injeção i.pl. do BjV também pode ser reduzida através do tratamento
com cânfora (30-100 mg/kg) (Fig. 13b).
49
Figura 13. Envolvimento de TRPA1 na modulação da hiperalgesia induzida pela injeção i.pl. de BjV. O
gráfico A mostra o efeito do OEPa na nocicepção espontânea induzida pela injeção i.pl. de cinamaldeído e o
gráfico B mostra o efeito da cânfora (CF) na nocicepção espontânea induzida pela injeção i.pl. de BjV. Os
camundongos foram tratados com OEPa (100 mg/kg, i.g.), dexametasona (2mg/kg, s.c.), indometacina (10
mg/kg, i.p.), ou cânfora (CF) (7,6-100 mg/kg, s.c.), 60, 120 e 30 e 30 min. respectivamente, antes da injeção i.pl.
de cinamaldeído (10 nmol/pata) ou BjV (1 µg/pata). Cada coluna representa a média ± E.P.M. (n=8). Os valores
do grupo salina (S) indicam a administração do veículo na pata (20µL/sítio), e os asteriscos denotam os níveis de
significância **P<0.01 e ***P<0.001 quando comparados com o grupo controle ou ### P < 0.001 quando
comparados com o grupo salina. ANOVA de uma via seguida do teste post hoc de Newman-Keuls.
4.6 Via de sinalização
Os resultados da Fig. 14 mostram que a administração i.pl. de bradicinina (10
nmol/pata), prostaglandina E2 (3 nmol/pata), miristato-acetato de forbol (50 nmol/pata) e
forskolina (10 nmol/pata) aumentou significativamente a sensibilidade da pata dos
camundongos quando avaliados na nocicepção espontânea. Além disso, o pré-tratamento dos
animais com OEPa (100 mg/kg, i.g.) reduziu a nocicepção espontânea (72±11%) e o edema
(41±6%) induzidos pela injeção i.pl. de bradicinina (Fig. 14a, b), e a nocicepção espontânea
induzida pela injeção de i.pl. de miristato-acetato de forbol (44±10%), quando comparados
com o grupo tratado com veículo. Entretanto, não houve alteração na nocicepção nem
atividade edematogênica causados pela injeção i.pl. de prostaglandina E2 e forskolina.
50
Figura 14. Envolvimento do OEPa na via de sinalização da Bradicina e da PGE-2. O gráfico A mostra o
efeito do OEPa (100 mg/kg, i.g.) na nocicepção e o gráfico B na atividade edematogênica induzidos pela injeção
i.pl. de bradicinina (10 nmol/sítio) e PGE-2 (3 nmol/sítio) na pata de camundongos. Cada coluna representa a
média ± E.P.M. (n=8). Os valores do grupo controle (colunas pretas) indicam a administração do veículo (salina
e Tween 80, 10ml/kg), e os asteriscos denotam os níveis de significância *P<0.05 e ***P<0.001 quando
comparados com o grupo controle. Teste t de Student.
51
5. DISCUSSÃO
Populações tradicionais e grupos indígenas que não dispõem de rápido acesso à
terapia convencional (soroterapia), fazem uso de plantas medicinais no tratamento de
envenenamentos provocados por mordida de serpente. No entanto, na maioria dos casos, é
necessária a validação científica de suas propriedades antiofídicas (DE PAULA et al., 2010).
Na literatura, são encontrados muitos exemplos de plantas medicinais usadas na medicina
popular e acredita-se que 80% da população mundial utiliza plantas medicinais como o
tratamento de primeira escolha em casos de envenenamento (MORS et al., 2000).
Estudos têm mostrado que os constituintes químicos de plantas medicinais (os
metabólitos secundários), podem neutralizar os efeitos provocados pelo veneno de serpentes
(MORS et al., 2000). Além disso, as plantas medicinais representam uma fonte de compostos
bioativos capazes de auxiliar diretamente no tratamento de vítimas de envenenamento ofídico,
ou indiretamente, como complemento da soroterapia convencional (SOARES et al., 2005).
Soares e colaboradores (2009) reuniram 850 espécies de 138 famílias de plantas
usadas etnobotânica e farmacologicamente ou confirmadas por ensaios biológicos. As plantas
que foram usadas contra o veneno de B. jararaca são citadas contra os efeitos: miotóxicos
(MELO et al., 1994), miotóxicos e hemorrágicos (MORS et al., 1991; MELO et al., 1994),
hemorrágicos e letais (FERREIRA et al., 1992), tóxicos (RUPPELT et al., 1990, 1991;
PEREIRA et al., 1992), letais (PEREIRA et al., 1991, 1996), azocaseinolítico e
fibrinocoagulação (CASTRO et al., 2003).
Estudos realizados com o veneno de B. jararaca mostraram que um flavonóide
sintético, denominado LQB93, exerce efeito anti-hemorrágico na pele de camundongos, além
de efeito antimiotóxico em modelos in vitro utilizando o veneno de B. jararacussu (MELO et
al., 2010). Recentemente Faioli e colaboradores (2013) analisaram o potencial do extrato de
dez esponjas marinhas na inibição dos efeitos causados pelos venenos das serpentes B.
jararaca e Lachesis muta, e mostraram que todos os extratos foram capazes de inibir a
proteólise e a hemólise de ambos os venenos. Mostraram ainda que Petromica citrina, inibiu a
letalidade, a hemorragia, a coagulação e a hemólise induzida por ambos os venenos, enquanto
as outras esponjas inibiram apenas a hemorragia induzida pelo veneno de B. jararaca.
A partir da caracterização do perfil químico do óleo essencial de Piper
aleyreanum pode-se observar que os componentes majoritários eram constituídos por
sesquiterpenos e monoterpenos, conforme demonstrado previamente (LIMA et al., 2012).
Neste estudo, foi demonstrado que o óleo essencial desempenha considerada ação na
52
hiperalgesia e na alodínia induzidas pelo veneno de Bothrops jararaca. Contudo, não são
encontrados estudos na literatura que mostrem o potencial farmacológico de óleos essenciais
frente aos efeitos causados pelo veneno de serpentes. Por outro lado, alguns constituintes de
óleos essenciais já foram testados isoladamente e desempenham ações potentes como
analgésicos e podem ser úteis em fins terapêuticos (SOUSA et al., 2011).
Entre os componentes dos óleos essenciais, os monoterpenos representam uma
classe importante de substâncias que exibem propriedades farmacológicas como: atividade
antimicrobiana, antioxidante, analgésica e anti-tumoral, bem como efeito sobre o sistema
vascular e SNC (Sistema Nervoso Central). (+)-Canfeno, ρ-cimeno e acetato geranil são
monoterpenos que foram relatados por apresentarem forte atividade em processos
relacionados à dor e a inflamação. Estes compostos são encontrados no óleo essencial de
várias espécies de plantas e estão presentes, em quantidades significativas, em uma grande
variedade de produtos (QUINTANS-JÚNIOR et al., 2013). De fato, estudos realizados por
Lima e colaboradores (2012) têm mostrado que terpenóides presentes no óleo essencial de
Piper aleyreanum exercem forte efeito antinociceptivo e anti-inflamatório e contribuem para
os efeitos aqui observados.
Por sua vez, o veneno de B. jararaca é conhecido por causar inflamação local e
dor intensa (MELO et al., 2010; YAMASHITA et al., 2011). Contudo, apesar da importância
clínica da dor observada durante o envenenamento, os mecanismos envolvidos na hiperalgesia
induzida pelo veneno de Bothrops jararaca ainda são pouco conhecidos. Os resultados aqui
apresentados mostraram que o veneno de B. jararaca causa hiperalgesia duradoura na pata de
camundongos e estes dados estão de acordo com aqueles obtidos por Teixeira e colaboradores
(1994), que relataram que o veneno de B. jararaca causa hiperalgesia na pata de ratos. Estes
autores mostraram ainda que a hiperalgesia induzida pelo veneno se mantém independente da
resposta edematogênica, por meio de um processo mediado por prostaglandinas, leucotrienos
e PAF.
Estudos realizados por Rocha e colaboradores (2000) sugerem que a hiperalgesia
é causada por metaloproteinases presentes no veneno, uma vez que o tratamento com EDTA,
um quelante metálico, elimina o efeito da hiperalgesia causada pelo veneno de B. jararaca.
Entretanto, até o momento não se conhece todas as metaloproteinases que podem ser
responsáveis pela indução da hiperalgesia. Por outro lado, a jararagina é um exemplo de
metaloproteinase P-III que constitui a maior parte do veneno de B. jararaca (MOURA-DASILVA et al., 2003). Dale e colaboradores (2004) demonstraram que a jararagina induz
hiperalgesia e edema na pata de ratos, e que estes efeitos estão associados com a atividade
53
catalítica da metaloproteinase dependente de zinco, uma vez que o EDTA e o peptídeo
sintético mS100A9p inibiram ambas as atividades. Também foi demonstrada a habilidade do
veneno de B. jararaca em induzir hiperalgesia na pata de ratos através da ativação direta de
mastócitos (BONAVITA et al., 2006).
Recentemente, Yamashita e colaboradores (2011) demonstraram que a
administração intraplantar de plaquetas (inteiras ou lisadas) produz hiperalgesia em ratos, e
que esta é inibida pela pré-incubação com fosfatase alcalina. Estes dados mostram que a
trombocitopenia ou inibição da função plaquetária reduz a hiperalgesia induzida pelo veneno
de B. jararaca, e mostra ainda que as plaquetas secretam per se compostos fosforilados
envolvidos na mediação da dor.
Os resultados aqui apresentados mostraram que a hiperalgesia e a alodínia
mecânica causadas pela injeção intraplantar de BjV foram significativamente reduzidos pelo
tratamento com o OEPa. Além disso, o uso de drogas anti-inflamatórias, como dexametasona,
um glicocorticóide amplamente usado na clínica médica (GOPPELT-STRUEBE, 1997), e
indometacina, um potente anti-inflamatório não esteroidal (SUMM e EVERS, 2013),
mostram que a hiperalgesia envolve a participação de prostaglandinas, conforme já é bem
estabelecido na literatura (TREBIEN e CALIXTO, 1989, TEIXEIRA et al., 1994). Contudo,
considerando o amplo espectro de ação das drogas e a mistura complexa dos componentes do
veneno torna difícil a elucidação da via pela qual este fenômeno ocorre. Por outro lado, PGE2
é um potente mediador envolvido na inflamação e na dor (JAMES et al., 2001), e seu
aumento tem sido demonstrado no envenenamento provocado pela serpente B. jararaca
(MOREIRA et al., 2007).
Em contrapartida, não foi possível observar redução da atividade edematogênica a
partir do tratamento com o óleo essencial, nem tampouco nos tratamentos utilizando
dexametasona e indometacina, drogas anti-inflamatórias já conhecidas por atuar na redução
deste efeito, como tem sido demonstrado em estudos anteriores (TREBIEN e CALIXTO,
1989; ARAÚJO et al., 2007; CHAVES et al., 1995; CARNEIRO et al., 2002; PATRÃONETO et al., 2013). Esses dados, porém, mostram que a hiperalgesia desenvolve-se por um
mecanismo diferente da resposta edematogênica, como já havia sido proposto anteriormente
(TEIXEIRA et al., 1994). Além disso, diferenças no mecanismo de ação dos venenos podem
estar relacionadas às toxinas ativas e podem justificar resultados distintos.
Estudos têm mostrado que o edema pode ser causado tanto por metaloproteinases
(CHAVES et al., 1995) quanto PLA2 presentes no veneno, os quais liberam ácido
araquidônico de fosfolipídios nas membranas das células, iniciando a via que provoca a
54
síntese de prostaglandinas (LOMONTE et al., 1993). PLA2 isoladas do veneno de B. asper,
por exemplo, estão direta e indiretamente relacionadas com a formação de edema induzido
por este veneno (LOMONTE et al., 1993; CHAVES et al., 1998), e compreendem
aproximadamente 30% do veneno bruto da serpente (GUTIÉRREZ e LOMONTE, 1995).
Considerando que PLA2 são as enzimas chave envolvidas na iniciação de toda a cascata de
eicosanóides (SERHAN, 1994), é possível que PLA2 do veneno possam iniciar um relevante
papel na expressão de COX logo após a injeção do veneno de B. asper. Em contrapartida, o
veneno de B. jararaca não contém quantidades significativas de PLA2 (MOURA-DA-SILVA
et al., 1990), e metaloproteinases parecem ser o principal componente envolvido no evento
inflamatório induzido pelo veneno (COSTA et al., 2002; DALE et al., 2004).
Além disso, um estudo mostrou que triazóis e seus derivados podem proteger a
integridade dos tecidos contra lesões hemorrágicas provocadas tanto pelo veneno de B.
jararaca quanto de B. jararacussu, além de exercer atividade antiedematogênica induzida
pelo veneno de B. jararaca, mas não por B. jararacussu, uma vez que constitui outro veneno
rico em PLA2 (DOMINGOS et al., 2013).
Assim, as metaloproteinases do veneno de serpentes (SVMP), apesar de serem
conhecidas por induzir hemorragia e mionecrose, também podem iniciar um importante papel
na complexa e multifatorial resposta inflamatória característica do envenenamento viperídeo
(TEIXEIRA et al., 2005). Gutiérrez e colaboradores (1995) deram a primeira evidência de
que SVMP causa inflamação quando mostraram que BaP1, uma metaloproteinase P-1 isolada
do veneno de Bothrops asper, causa edema na pata de camundongos. Posteriormente,
Fernandes e colaboradores (2006) mostraram que BaP1 induz marcada infiltração leucocitária
na cavidade peritoneal de camundongos com predominância de neutrófilos nos estágios
iniciais da reação. Esses autores observaram que esse efeito está relacionado à capacidade das
metaloproteinases em aumentar a regulação da expressão de moléculas de adesão dos
leucócitos, além de induzir a liberação de citocinas inflamatórias como IL-1 e TNF-α.
Estudos realizados com metaloproteinases do veneno de B. jararaca, têm
mostrado que a jararagina induz aumento no influxo de leucócitos por meio de um mecanismo
dependente da presença de macrófagos e da atividade proteolítica desta metaloproteinase
(COSTA et al., 2002). Outros experimentos tem mostrado ainda que jararagina pode
estimular diretamente o aumento de TNF-α, IL-1 e IL-6 a partir de macrófagos (CLISSA et
al., 2001), sugerindo que estas células são importantes alvos para as metaloproteinases,
embora a ligação da célula ao sítio da proteína ainda não tenha sido caracterizada.
55
Experimentos usando camundongos knockout deficientes em receptores TNF e
IL-6 mostraram que ambos são importantes na formação da necrose induzida pela jararagina,
mas não no edema ou efeito hemorrágico (LAING et al., 2003). Além disso, a migração
leucocitária também pode ocorrer quando o sistema complemento é ativado pelas
metaloproteinases botrópicas (FARSKY et al., 1997, 2000). Em outros venenos botrópicos,
além de metaloproteinases, PLA2 também contribuem para a migração celular.
Em meio ao processo inflamatório, a sensibilização de nociceptores constitui um
acontecimento fundamental no desenvolvimento da dor inflamatória (FERREIRA, 1980).
Estudos propõem que a hiperalgesia causada pelo veneno de B. jararaca é mediada pela
bradicinina, uma vez que seu efeito é bloqueado pelo HOE 140, um antagonista seletivo de
receptores B2 da bradicinina. A participação dessa cinina na hiperalgesia induzida pelo
veneno de B. jararaca foi demonstrada por Chacur e colaboradores (2002). A bradicinina
ativa e sensibiliza receptores de dor (nociceptores), causando hiperalgesia inflamatória
(FERREIRA, 1972; FERREIRA et al., 1978, FERREIRA, 1980). O papel da bradicinina
como mediador do efeito algogênico do veneno botrópico é corroborado por estudos que
mostram a participação desta cinina na hiperalgesia induzida pelo veneno de B. asper
(CHACUR et al., 2001).
É bem estabelecido que a bradicinina é uma das substâncias mais potentes
liberadas em lesões teciduais e na inflamação, onde atua como importante mediador na
hiperalgesia e na dor (DRAY e PERKINS, 1993; COUTURE et al., 2001). Os dados aqui
apresentados, mostram que o tratamento com OEPa é capaz de reverter a nocicepção
espontânea induzida pela injeção intraplantar de BK e PMA. Vários mediadores inflamatórios
produzem nocicepção pela sensibilização de fibras sensoriais espinais e periféricas através da
ativação de proteínas quinase, incluindo a PKC, a PKA e a quinase ativadora de mitógenos
(KOHNO, 2011). Esses resultados sugerem fortemente o envolvimento da PKC, mas não da
PKA na antinocicepção causada pela administração do OEPa e mostram a importância do
papel da BK no efeito algogênico provocado pelo veneno botrópico. Alguns estudos propõem
que na nocicepção a bradicinina se liga ao receptor B2 causando uma ativação direta da PKC
(FERREIRA et al., 2004), sugerindo que isoformas da PKC estão envolvidas na transdução
de sinal do receptor B2. Entretanto, o OEPa não reduziu a nocicepção e o edema induzidos
pela prostaglandina E2, ou forscolina, ambos ativadores indiretos da proteína quinase A
(PARADA et al., 2005), mostrando que o OEPa não atua através desta via inflamatória.
A hipersensibilidade térmica também é característica marcante na resposta
inflamatória (GUNN et al., 2011). Assim, o teste das placas quente e fria foi utilizado com o
56
objetivo de avaliar respostas moduladas e organizadas em níveis supra-espinais frente ao
estímulo nocivo causado pelo BjV. Dessa forma, foi observado que a injeção intraplantar de
BjV induz hipersensibilidade ao calor e ao frio, reduzindo o tempo de latência na retirada da
pata nos testes das placas quente e fria, respectivamente. O tratamento dos animais com OEPa
foi capaz de reduzir a hipersensibilidade térmica causada pelo veneno, tanto na placa fria,
quanto na placa quente, aumentando o limiar de resposta, e consequentemente, abolindo a
alodínia causada pelo veneno. Esses dados sugerem que a ação antinociceptiva do OEPa
ocorre por meio da modulação da informação nociceptiva em níveis superiores do SNC.
Atualmente é bem estabelecido que a percepção térmica esteja relacionada com
receptores que funcionam como sensores de temperatura. Entre estes, os canais TRPV1 e
TRPA1 representam os principais transdutores dos sinais relativos ao calor e ao frio nocivos,
sendo ativados em temperaturas acima de 41ºC e abaixo de 17ºC, respectivamente (WUANG
et al., 2008; PATAPOUTIAN, TATES, WOOLF, 2009). A sensibilização desses canais
parece ser crucial para o desenvolvimento da hipersensibilidade térmica em situações
patológicas (NILIUS, APPENDINO, OWSIANIK, 2012).
Tem sido demonstrado que canais TRPA1 podem ser ativados pela bradicinina,
causando hipersensibilidade mecânica e térmica (POOLE et al., 1999). Estudos realizados por
BANDELL et al. (2004) mostraram que o canal TRPA1 está acoplado à via de sinalização da
bradicinina, e que a fosfolipase C (PLC) é um importante componente para a ativação deste
canal. Estes autores mostraram que a bradicinina estimula diretamente os neurônios
nociceptivos do gânglio da raiz dorsal, e assim, causa hiperalgesia. Bautista e colaboradores
(2006) propõem que a ativação do TRPA1 pela bradicinina ocorre através do aumento de
cálcio intracelular mediado pela PLC e pelo influxo de cálcio através de TRPV1.
Diversos trabalhos têm mostrado que TRPA1 está envolvido na nocicepção e na
dor inflamatória, sugerindo que esta estrutura pode ser um alvo promissor para o
desenvolvimento de agentes analgésicos (BANDELL et al., 2004, BAUTISTA et al., 2006;
BRIERLEY et al., 2009; ANDRADE et al., 2012; HOFFMANN et al., 2013). Assim,
considerando o efeito antinociceptivo do OEPa na dor espontânea, bem como na sua
capacidade de reduzir a hipersensibilidade mecânica e térmica ao frio induzida pelo BjV, foi
investigada a participação de canais TRPA1 no efeito antinociceptivo promovido pelo OEPa.
Os dados mostraram que a hiperalgesia induzida pela injeção intraplantar de
cinamaldeído (agonista do canal TRPA1) foi significativamente reduzida pelo tratamento dos
animais com OEPa, de forma similar ao tratamento com cânfora, um antagonista de canais
TRPA1. Da mesma forma, a hiperalgesia induzida pelo veneno foi significativamente
57
reduzida pelo tratamento com cânfora. Esses dados sugerem que a ação antinociceptiva do
OEPa está relacionada ao bloqueio de canais TRPA1. Além disso, o efeito antinociceptivo
produzido pela cânfora indica que há envolvimento de canais TRPA1 na modulação da
hiperalgesia provocada pelo veneno de B. jararaca.
Devido a grande importância do TRPA1 na dor e na inflamação, teve início a uma
crescente demanda por antagonistas específicos para este canal. Análogos da cânfora exibem
promissores efeitos sobre o TRPA1 e podem levar a um novo terapêutico utilizado no
controle da dor. Por isso, esforços têm sido feitos na tentativa de encontrar alvos terapêuticos
capazes de inibir a atividade de canais TRPA1.
Recentemente, Takaishi e colaboradores (2013) realizaram um estudo de
substâncias análogas à cânfora para identificar antagonistas TRPA1 naturais mais eficazes,
afim de esclarecer a base estrutural da atividade deste canal. Embora vários antagonistas de
TRPA1 já tenham sido relatados por possuírem propriedades analgésicas, como rutênio
vermelho, HC-030031, AMG5445, A967079 e cânfora, a busca por compostos analgésicos
naturais que inibem TRPA1 ainda representa uma condição ideal, levando em consideração a
ocorrência de menores efeitos adversos. A cânfora é um antagonista conhecido de TRPA1 de
ocorrência natural, amplamente utilizado em cosméticos devido seus efeitos adversos serem
mínimos. Entretanto, tanto a cânfora quanto o 1,8-cineol, outro antagonista natural, exibem
fraca atividade inibidora, quando comparados com outros antagonistas de TRPA1, como
como HC-030031, A-967079 e AZ868.
Em conjunto, esses dados evidenciam a importância da busca de um tratamento
alternativo e eficaz contra os efeitos locais do envenenamento ofídico e mostram que a
investigação de extratos vegetais e compostos isolados de plantas constituem uma rica fonte
de moléculas com diversas propriedades farmacológicas. Assim, as plantas surgem como uma
alternativa de tratamento complementar a soroterapia contra danos locais ou como mesmo
como protótipos de novas moléculas antiofídicas capazes de melhorar o tratamento atual.
58
6. CONCLUSÃO
A partir dos resultados apresentados no presente estudo, pode-se concluir que:
 A administração i.g. do OEPa exerce efeito antinociceptivo no modelo de nocicepção
espontânea induzida pelo BjV;
 A administração i.g. do OEPa exerce efeito antinociceptivo na alodínia mecânica
induzida pelo BjV;
 A injeção de BjV na pata de camundongos induz hiperalgesia térmica ao calor e ao
frio, e o seu efeito é revertido pelo tratamento com OEPa, uma vez que aumenta o
tempo de latência dos animais;
 A administração i.g. do OEPa não altera a resposta edematogênica induzida pelo BjV;
 A administração i.g. do OEPa reduz a nocicepção induzida pela injeção i.pl. de
cinamaldeído (agonista TRPA1);
 A administração s.c. de cânfora (antagonista TRPA1) reduz a nocicepção induzida
pela injeção i.pl. de BjV;
 A administração i.g. do OEPa inibe a nocicepção espontânea induzida pela injeção i.p.
de BK, mas não altera a resposta nociceptiva induzida pela PGE2;
 A administração i.g. do OEPa inibe a nocicepção espontânea induzida pela injeção i.p.
de PMA (ativador de PKC), mas não altera a resposta nociceptiva induzida pela FSK
(ativador de PKA);
Juntos esses dados fornecem um suporte científico para o efeito antinociceptivo
do óleo essencial de Piper aleyreanum na hiperalgesia provocada pelo veneno de Bothrops
jararaca, provavelmente a partir do bloqueio de canais TRPA1. Esses resultados dão apoio
experimental para o tratamento realizado pelas comunidades ribeirinhas da região amazônica
que fazem uso dessa planta em suas preparações terapêuticas. Portanto, o OEPa pode
representar um composto de interesse terapêutico, que associado à soroterapia, pode ser
utilizado no tratamento de pacientes vítimas de acidente botrópico. Contudo, estudos
adicionais são necessários para esclarecer o mecanismo exato de como o óleo essencial age no
fenômeno da dor, bem como estudos de toxicidade e estudos clínicos.
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78
ANEXOS
79
Anexo A – Composição química do óleo essencial de Piper aleyreanum.
Tabela 1. Composição química (%) do óleo essencial da parte aérea de Piper aleyreanum.
Constituintes
%
T.R.*
*
Constituintes
%
T.R.
Í.K.**
Tiranton
2,0
3,286
901
acetato de linalil
2,1
16,147
alil-ciclohexano
Canfeno
α-pineno
β-pineno
o-cimeno
Limoneno
Linalol
canfolenal
Norinone
trans-sabinol
cis-verbenol
pinocarvona
Mirtenal
verbenona
γ-muuroleno
selineno
muuroleno
Total identificado
*
0,3
5,2
0,6
9,0
1,6
0,8
0,8
0,8
0,7
0,4
1,0
3,1
4,2
3,3
1,4
0,5
1,4
4,243
5.309
6,208
6,331
7,550
7,822
10,102
10,779
10,196
11,534
11,793
12,088
13,303
13,808
25,077
25,418
25,779
926
954
978
981
1014
1022
1085
1104
1109
1124
1132
1140
1173
1187
1472
1481
1490
elemeno
cubebeno
copaeno
burboneno
cubeneno
elemeno
(E)-β-cariofileno
-muuroleno
cadineno
Elemol
(E)-nerolidol
espatulenol
óxido de cariofileno
viridiflorol
6-epi-cubenol
Isoespatulenol
cadinol
0,3
1,8
1,6
1,2
1,1
4,7
0,9
0,8
2,4
1,5
1,2
6,7
11,5
2,6
1,1
1,2
2,5
81,7
19,719
20,255
21,295
21,578
21,778
21,831
22,898
26,021
26,471
27,676
28,232
28,694
28,801
29,285
30,111
30,563
31,438
T.R.: Tempo de retenção; **I.K: índices kovats (Fonte: LIMA et al., 2012).
Í.K.**
1246
1335
1348
1374
1381
1386
1387
1415
1497
1509
1540
1555
1567
1570
1583
1605
1618
1644
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EFEITO ANTINOCICEPTIVO DO ÓLEO ESSENCIAL DE Piper