ÁREA TEMÁTICA: ST3 Pobreza, Exclusão Social e Políticas Sociais PROCESSOS DE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO REGIONAL SUSTENTÁVEL ANJOS, Maria de Fátima Mestranda em Desenvolvimento Regional Sustentável Universidade Federal do Ceará - Campus do Cariri [email protected] NASCIMENTO, Verônica Salgueiro Professor Doutora Universidade Federal do Ceará [email protected] 2 de 12 Resumo O presente trabalho apresenta uma discussão sobre o processo de aprendizagem e desenvolvimento regional sustentável na perspectiva do ser jovem no Semiárido do Nordeste do Brasil. Considera-se o processo de aprendizagem como uma possibilidade de superação das situações de vulnerabilidades vivenciadas pelos jovens do Semiárido, bem como o desenvolvimento de capacidades para viver e se desenvolver na região e contribuir para o desenvolvimento local. Considera-se importante se ampliar essas discussões contribuindo para a importância da educação para a sustentabilidade na direção do desenvolvimento de habilidades criativas, participativas e de significação da vida, como mecanismo de superação dos desafios enfrentados pelos jovens do Semiárido. Abstract This paper presents a discussion about the process of learning and sustainable regional development in the perspective of being young in Semi-arid Northeastern Region of Brazil. It is the process of learning as a possibility of overcoming situations of vulnerabilities experienced by young people of the Semi-arid, as well as the development of abilities to live and to develop in the region and contribute to local development. It is important to extend these discussions, contributing to the importance of education for sustainability in the direction of the development of creative abilities, participative and meaning of life, as a mechanism of overcoming the challenges faced by youth of the Semi-arid. Palavras-chave: Juventude. Semiárido. Aprendizagem. Desenvolvimento Regional Sustentável. Keywords: Youth. Semi-arid. Learning. Regional Sustainable Development. [ PAP1033 ] 3 de 12 1.Introdução O presente artigo se baseia na pesquisa de mestrado que se encontra em andamento, em Desenvolvimento Regional Sustentável, e tem como tema: O que significa ser jovem no Semiárido: suas contribuições para o Desenvolvimento Regional Sustentável. Trata-se aqui sobre o processo de aprendizagem de jovens participantes da Fundação Casa Grande. Este trabalho se propõe a um olhar para juventude em suas construções de conhecimentos que favoreçam a superação dos desafios vivenciados por eles na região onde vivem. Buscando compreende-los como sujeitos sociais que constroem uma forma de ser jovens no Semiárido. O interesse pela dimensão humana do desenvolvimento regional sustentável e o olhar voltado para a juventude constitui-se no objetivo de investigação da existência de uma aprendizagem significativa para a juventude e favorável ao desenvolvimento sustentável na região do Semiárido. Este trabalho se desenvolve a partir das experiências realizadas com os jovens pela Fundação Casa Grande, situada na Cidade de Nova Olinda a 393 km de Fortaleza, geograficamente localizada na microrregião do Cariri, Sul do Ceará, Semiárido caririense. A Fundação Casa Grande é uma instituição não governamental de educação e formação de crianças e jovens nas áreas da educação não formal, cultura e comunicação, onde se busca analisar a relação do processo de aprendizagem como mecanismo de superação dos desafios locais enfrentados pelos jovens com o desenvolvimento da região. Buscando relacionar a problemática da construção de uma aprendizagem que seja significativa para os jovens do Semiárido com a proposta do Desenvolvimento Regional Sustentável, recorre-se aos conceitos de desenvolvimento sustentável, que Segundo Chacon (2007), este conceito se expressa de forma ampla, abrangendo as questões econômicas como bases fundamentais de direitos humanos, as vantagens da ciência e da tecnologia e as relações interculturais. Conforme o documento da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura [UNESCO] (2005 - 2014) sobre a Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável, os conceitos de desenvolvimento sustentável estão vinculados aos diferentes modelos econômicos e sociais, nestes modelos os temas giram em torno de quem tem o controle legítimo, o acesso e o uso dos recursos naturais. Assim, para a UNESCO, o ser humano é o elemento de fundamental importância para o processo de desenvolvimento sustentável porque ele envolve questões de direitos, responsabilidades, papeis sociais e relações pessoais. Neste sentido busca-se sistematizar o processo de aprendizagem desempenhado pelos jovens da Fundação Casa Grande e suas contribuições para o desenvolvimento da região. A visão de juventude adotada não é a de filhos órfãos, ou população carente necessitada do apoio do Estado, mas uma juventude como sujeitos sociais capazes de reconhecer a responsabilidade do Estado que deve garantir as condições para exercício da cidadania das populações jovens pelo cumprimento da pauta dos direitos humanos fundamentais como os serviços de educação e saúde; e suas responsabilidades com seu próprio processo de aprendizagem. Visão fundamentada nos princípios éticos da consciência crítica, responsabilidade, autonomia e solidariedade. O problema desta pesquisa questiona: em que medida programa de formação de jovens na Fundação Casa Grande coopera para o desenvolvimento da juventude em sua região? Quais são as contribuições dos jovens para o debate sobre o Desenvolvimento Regional Sustentável? É possível “Ser Mais” nas condições contextuais do Semiárido? Para a realização deste trabalho, adota-se a perspectiva do desenvolvimento de uma aprendizagem significativa para os jovens e as contribuições desta aprendizagem para a região do Semiárido. 2. Metodologia Tem-se por objetivo identificar os significados construídos pelos jovens sobre a vida no Semiárido e suas contribuições para a proposta do Desenvolvimento Regional Sustentável. Para isto focaliza-se na juventude do Semiárido caririense inserida no projeto de educação alternativa da Fundação Casa Grande, onde se desenvolve uma aprendizagem vivencial e inculturada. Na hipótese que se faz esta aprendizagem poderá 4 de 12 significar a vida dos jovens tornando-os aptos a criar condições para viver e se desenvolver na sua região de origem. Nesta perspectiva a pesquisa segue perguntando quem são estes jovens? Como constroem seu modo de vida no Semiárido? O cenário desta pesquisa se projeta na Região do Semiárido caririense, Cidade de Nova Olinda, Sul do Ceará, onde a juventude inserida no projeto da Fundação Casa Grande são os atores colaboradores a partir de suas contribuições com a proposta do Desenvolvimento Regional Sustentável. Escolheu-se a Fundação Casa Grande como espaço de investigação por ser uma instituição reconhecida no Brasil e no exterior por entidades como: Fundo das Nações Unidas para a Infância[UNICEF]; Ministério da Cultura do Brasil; Time Warner; Secretaria da Cultura do Ceará; ACMP - Associação Cearense do Mistério Público; Children´s World; Grupo Cultural Afro Reggae e Banco do Brasil, pelo trabalho que desenvolve com crianças e jovens nas áreas de educação não formal, cultura e comunicação (www.fundacaocasagrande.org.br). Segundo a Organização das Nações Unidas [ONU], as Organizações Não Governamentais [ONGs] são atores importantes no processo de Desenvolvimento para a Sustentabilidade porque podem realizar um trabalho de educação no contexto não formal onde se desenvolve uma aprendizagem para ações participativas (UNESCO, 2005). Para atingir os objetivos propostos, vem-se realizando uma pesquisa qualitativa, já que dispõe de uma série de métodos para coletas de dados, entre eles optou-se pelos seguintes procedimentos: A realização de uma sequência de visitas para conhecimento do espaço; inserção no ambiente institucional; aproximação dos jovens e observação do cotidiano e atuação destes nas atividades da instituição. Com esta finalidade, houve um período de convivência e participação nas atividades da organização. Os primeiros dados emergem da atuação dos jovens na Instituição onde se observou uma participação caracterizada pelo desempenho responsável, comprometido e qualificado dos jovens, assumindo atividades desde a limpeza do ambiente, recepção de turistas, programas de rádio, entrevistas, fotografias, filmagens, cerimônia de evento e composição de mesa de debate. Nesta etapa da pesquisa, foi utilizado o diário de campo como recurso para registros das observações sobre o objeto de investigação, um instrumento para documentar o processo de abordagem da pesquisa, as experiências e os problemas enfrentado no campo. O diário deve favorecer a coleta de dados e as reflexões do pesquisador sobre suas próprias atitudes em campo, é um instrumento que deve permanecer diariamente com o pesquisador em campo (Flick, 2009). A segunda etapa dá continuidade às atividades de coleta de dados onde é utilizado um instrumento específico de investigação conhecido como técnica de roda de conversa. Lembrando Paulo Freire e o ato democrático de falar, a roda de conversa promove a democratização da fala. É um dispositivo pedagógico que tem por objetivo a construção de ideias em torno de um tema gerador. Realiza-se de forma organizada para que todos os membros do grupo tenham a oportunidade de expor suas ideias sem serem interrompidos, desta forma todos no grupo devem falar e ser ouvidos. Nas rodas de conversas, as falas são motivadas ou provocadas a partir de um roteiro de questões preparadas com antecedência sobre o tema da investigação. Todas as falas são gravadas, inclusive a colocação das questões. A realização da gravação deve ser autorizada pelo grupo com antecedência. O local deve ser uma sala em ambiente tranquilo, todos os participantes sentados em círculo, ou em volta de uma mesa. No caso de o grupo usar uma mesa, o coordenador do grupo, no caso o pesquisador, não deve sentar-se à cabeceira. É necessário evitar quaisquer sinais de autoridade e criar um clima leve, acolhedor e motivado. (Miotello, 2010). Nesta busca de aproximação do objeto de estudo, recorre-se às concepções de Educação Libertadora de Paulo Freire e a Socio interacionista de Lev Vygotsky, que se justifica pela contribuição que elas oferecem à compreensão do objeto de estudo. Vygotsky oferece um embasamento para se entender do processo de aprendizagem participativa. Para este autor, o desenvolvimento humano se dá através da aprendizagem processada na relação do indivíduo com o meio social em que vive através das interações sociais e da cultura que é um elemento inspirador da vida em sociedade. Assim, uma das funções básicas da socialização é favorecer o processo de aprendizagem e significação da vida e das coisas que a cercam. Desta forma, a aprendizagem significativa não é construída no isolamento, ela está vinculada ao desenvolvimento da 5 de 12 socialização enquanto participação autêntica em que o ser humano transforma o meio e é transformado por ele. A contribuição de Freire (2011) se apresenta na forma da Educação Libertadora como processo de superação da dominação e desenvolvimento da capacidade ética de pensar sobre o próprio processo no contexto social, o que inclui: a) a incompletude como possibilidade de continuar crescendo e repensando a própria vida; b) a autonomia para atuar independentemente do controle dos outros, compreender sua distinção em relação aos demais e agir com responsabilidade, o que supõe a valorização da fala, do diálogo e da interação com o outro para se perceber a si mesmo; c) a amorosidade pode ser entendida como forma de se estabelecer novas relações consigo mesmo, com os outros e com a natureza, o que possibilitará melhores condições de vida para a humanidade. Este é um caminho apontado por Freire na busca da construção do “Ser Mais” proposição que segundo o autor, só se justifica pela solidariedade e humanização nunca pelo isolamento, nem pelo individualismo o que converge para a construção de uma aprendizagem significativa e suas variáveis como a participação e a cidadania. Freire (2011) e Vygotsky como citado em Rego, 2010) defendem que o ser humano se constrói na relação com os outros seres humanos, as duas proposições convergem para a formação de sujeitos sociais autônomos e participativos. Busca-se o apoio destas duas concepções na perspectiva de poder sistematizar o aprendizado na vida dos jovens a partir dos aspectos pessoal, social e cultural, entendendo a significação da vida como educação para cidadania humanizada resultado de um processo de aprendizagem significativa. 3.Juventude e Aprendizagem para a Sustentabilidade Neste item, reflete-se sobre juventude e aprendizagem na perspectiva da educação para sustentabilidade, da formação para o exercício da cidadania e da permanência da juventude no Semiárido, concebendo-o como lugar de possibilidades para os jovens. É uma perspectiva que envolve as questões de direito, protagonismo e participação, as discussões que envolvem a juventude devem estar relacionadas à educação como um direito dos jovens e como ato político que não se restringe ao âmbito da escola, mas se amplia para a sociedade. Neste sentido, a aprendizagem da educação para sustentabilidade deve se empenhar na formação de sujeitos sociais participativos e na promoção de oportunidades para a melhoria das condições de vida da juventude. Discutir sobre juventude exige uma compreensão das concepções recorrentes a ela transmitida de forma geral pela sociedade. Estas concepções apresentam a juventude como um momento de transição para a vida adulta que corresponde a uma fase de preparação para a integração na vida social através do aprendizado da cultura. Para Dayrell (2007), compreender a juventude no contexto social atual exige que se conheçam as diversas imagens que revelam a concepção sobre ela no momento atual. Uma primeira imagem socialmente mais enraizada é da juventude como fase transitória em que o jovem é alguém com um potencial para o futuro, portanto, alguém de quem se espera ações futuras, não considerando o seu presente. A segunda imagem atribuída aos jovens é a de uma visão romântica estabelecida nos anos 60 pela indústria cultural a serviço do mercado de consumo direcionado à juventude explorando-a como um tempo de liberdade e prazer manifestado no consumo de produtos da moda desde roupas, acessórios, música, idéias e decisões. Assim os jovens se tornam consumidores da moda vivendo uma fase divertida de liberdade, prazer e pouca responsabilidade. A terceira imagem de concepção da juventude analisada por Dayrell é a da juventude como fase de conflitos e inconstâncias desencadeados pelo processo de maturação hormonal. Estas imagens são modelos socialmente construídos, e por isto, tornam mais exigentes as formas de investigação das configurações com que os jovens arquitetam suas experiências. Desta forma se faz importante evidenciar os formatos em que jovens constroem suas experiências de vida e aprendizagem embasada em valores diferenciados dos padrões do mercado de produção e consumo. Neste mesmo sentido, Ozella (2002) escreve sobre a adolescência e discute a concepção em vigor na psicologia como algo ainda ligada aos estereótipos emergente da psicanálise que representa a adolescência 6 de 12 como etapa de perturbações vinculadas ao desenvolvimento da sexualidade, portanto, uma fase de conflitos, rebeldias, instabilidades, confusões e difícil constituição de identidade. São características atribuídas aos adolescentes e assimiladas como “uma síndrome normal da adolescência”(idem, p. 21). Para este autor, é necessário se encontrar construções teóricas que possa superar “a visão naturalizante e patologizante da adolescência presente na psicologia”(idem, ibidem). Seguindo uma visão sócio-histórica, Bock (1997, como citado em Ozella, 2002, p. 22)“propõe uma reflexão de que só é possível compreender qualquer fato a partir de sua inserção na totalidade, na qual este fato foi produzido. Totalidade esta que o constitui e lhe dá sentido”. Nesta perspectiva, a compreensão da adolescência, ou da juventude deve se reger pela realidade onde ela vive inserida desde suas origens, sua cultura e condição social que a constituiu como pessoas com uma identidade. É esta identidade que favorecerá a compreensão da adolescência, ou, da juventude como uma categoria social que mesmo sendo constituída no regime da sociedade capitalista, e assim sendo se orienta para as necessidades deste modelo como as questões de trabalho e consumo, a juventude exige um tempo de estudo e aprendizagem e pode mudar a orientação de seu desenvolvimento conforme espaço geográfico e realidade social em que se encontre (Ozella, 2002). Mas de que juventude se está discutindo? O Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA] (2006) e o documento do UNICEF em 2011 sobre a situação da adolescência brasileira mostram que a visão mais recente sobre a juventude a concebe como sendo sujeito de direitos e volta-se para os adolescentes em situação de pobreza e exclusão social. Assim se define o modelo de juventude com quem se investiga os mecanismos utilizados por estes em sua região para significar suas vidas e o lugar onde vivem, uma vez que permanecem resistindo de forma positiva às condições desafiadoras e limitadoras de oportunidades. Este problema envolve significativamente a questão da aprendizagem como recurso para o desenvolvimento de habilidades para superação das vulnerabilidades vivenciadas por estes jovens. O quadro a seguir (UNICEF, 2011) apresenta a situação da adolescência de 12 a 17 anos de idade na Região Nordeste em 2009. REALIDADE % Adolescentes que não estudam nem trabalham 6,1 Adolescentes em extremamente pobres famílias 32,0 Adolescentes que só trabalham 3,5 Adolescentes que já tiveram filhos 3,0 Adolescentes com ensino fundamental 34,4 concluído Adolescentes que frequentam o ensino 39,2 médio Adolescentes que abandonaram o 16,4 ensino médio Adolescentes não alfabetizados 2,9 Homicídio entre adolescentes 24,0 A posição da UNESCO no documento “Década das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável 2005 a 2014” mostra que o respeito pela dignidade e pelos direitos humanos se efetivará através de um pacto por respeito à vida, justiça social e equidade econômica. Assim, é necessário compromisso e responsabilidade dos gestores políticos, respeito aos princípios da democracia, à diversidade cultural e aos potenciais próprios de cada região. Para exigir dos governos a devida coerência no cumprimento das políticas públicas, é preciso se vivenciar um processo de educação que cumpra o papel fundamental de preparar cidadãos para promoção das transformações sociais necessárias (UNESCO, 2005). 7 de 12 Falar em educação, neste sentido, é ponderar sobre aprendizagem e desenvolvimento, na concepção defendida pela UNESCO, em que a educação para o desenvolvimento sustentável é entendida como um processo de aprendizagem que vai à além do âmbito pessoal, expressando-se na forma de participação ativa e construção de novos meios de organização social, recomendando o respeito pelos direitos humanos como condição essencial para o desenvolvimento. É esta concepção que deve guiar as formulações dos procedimentos que favoreçam a aprendizagem estabelecendo uma compreensão de desenvolvimento embasado nos direitos do cidadão. Assim, a educação deve favorecer a construção de conhecimentos e habilidades dos jovens para criação de alternativas sustentáveis e lutar por seus direitos, como o de poder viver e se desenvolver em sua região. Neste sentido, a concepção de Educação Libertadora de Paulo Freire, contribui com uma reflexão que vai além da educação formal, dos limites da escola e da sala de aula e se incorpora nas práticas educativas não formais que realizam uma aprendizagem para ações significativas que aqui se chama de aprendizagem significativa. O que então se constitui em uma aprendizagem significativa? Para Freire, o aprendizado tornase significativo quando proporciona ação reflexiva voltada à qualidade do ser humano e à superação de suas vulnerabilidades, o que Amartya Sen chama de falta de liberdade, ou falta das condições básicas de manutenção da vida como habitação, saúde e educação. (SEN, 2010). Esta concepção de educação libertadora é uma ação comprometida com as classes populares através do aprendizado do protagonismo e da participação dos aprendentes. O protagonismo é o elemento fundamental para libertação, ou superação dos desafios sociais vivenciados pela juventude e deve ser aprendido, ou exercitado através da participação e do envolvimento coletivo pela ação reflexiva e fundamentada em conteúdos geradores. Este aprendizado pode ir além das fronteiras individuais e construir conhecimentos amplos que perceba além do local, da classe e da condição de gênero. Conhecimento que embase o protagonismo e a significação da vida da juventude. Este será o resultado de um aprendizado significativo que é também responsável e cidadão, realizado pelo prazer de aprender e sentir-se empoderado pelo conhecimento, saber aprendido e compartilhado, um saber que move, entusiasma e orienta para o desenvolvimento de habilidades criativas (Freire, 2011). A abordagem histórico-cultural de Vygotsky tem maior ênfase nas qualidades humanas e capacidades de realizar transformações pela inserção participativa nos contextos sociais, culturais e históricos. Nesta perspectiva, torna-se importante enfatizar a crítica de Vygotsky às práticas educativas limitadas por processos descontextualizados que não focalizam os potenciais e as possibilidades emergentes nos locais de atuação. Um exemplo da eficácia deste princípio “são as campanhas de alfabetização desenvolvida por Paulo Freire em países do terceiro mundo. Freire adaptou seus métodos educacionais ao contexto histórico e cultural de seus alunos” (Cole,1991, p.148). É, portanto, papel da educação promover a cidadania e a participação da juventude como sujeito de direito, o que requer um programa educativo que responda às necessidades próprias da região e favoreça aos jovens o desenvolvimento de competências para que possam gerar oportunidades econômicas, expandindo os meios de manutenção da vida e do desenvolvimento. Na perspectiva do Semiárido como lugar de possibilidades para a juventude, a aprendizagem no contexto não formal proporcionada por organizações não governamentais que tem a comunidade como espaço de realização, em termos de coerência poderá seguir a lógica da visão do Instituto Nacional do Semiárido [INSA] (2011), de que a construção do saber no Semiárido deve se voltar para a identificação e exploração dos valores e potenciais da Região, assumindo a semiaridez como uma identidade cultural. Para isto a educação tem um papel indispensável com o compromisso de proporcionar aos jovens a apropriação de direitos e a formação de responsabilidades orientados para novas relações, estabelecimento de compromissos comuns, conhecimento, oportunidades de desenvolvimento e integração social. Nesta direção, a participação é uma forma de educação, já que “a existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco pode nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras com que os homens transformam o mundo”(Freire, 2011, p.108). Para o educador, a palavra tem sentido de vida e se expressa na participação não só através da fala, mas do trabalho, das relações, da palavra como diálogo e interação entre as pessoas. Isso porque a participação não 8 de 12 se faz apenas de lutas de reivindicação de direitos, mas envolve também a interação social. Neste sentido, a dialogicidade cobra uma responsabilidade mútua entre as pessoas, um compromisso diante do outro e do espaço comum. Para além do exercício político, social e cidadão, a participação é um direito de exercer a humanização, realizando-se como pessoa que encontra sua completude no encontro com os outros e com o mundo enquanto realidade(Freire, 2011). Este encontro com os outros, com o mundo e consigo mesmo é essencial no aprendizado significativo para a juventude do atual momento histórico. São aspectos da dimensão pessoal como identidade e autoestima; da dimensão social como as relações pautadas em valores humanos de respeito, participação, solidariedade, e capacidade de reconhecer sua semelhança nos outros seres humanos e a dimensão histórica social que exige o aprendizado da ética, da justiça e da igualdade. A aprendizagem destas dimensões é essencial ao processo do desenvolvimento sustentável ao que se faz necessário a desconstrução de paradigmas e a incorporação de novos valores, novos hábitos de vida, novas concepções sobre o modelo social que satisfaça as necessidades e a dignidade humana, e preserve a vida do planeta como garantia da sustentabilidade da vida para todos. Neste sentido algumas reflexões são necessárias por estarem ligadas à discussão sobre o desenvolvimento sustentável. Para Bursztyn (1993), a concepção atual de meio ambiente natural é tratada como recurso ilimitado, numa visão empresarial como uma espécie de setor, ou almoxarifado de onde se pode tirar matéria prima e alimento tratando-a como fonte de recursos naturais. É a ecologia provisionando a economia o que resulta em um processo de exploração da natureza em prol do mercado de consumo em que a lógica é consumir mais para vender mais, assim se torna necessário produzir mais e mais em detrimento do meio ambiente natural e, portanto da vida em sua forma mais ampla. Este processo de exploração e consumo dá origem a outro problema ecológico que é o trato da natureza como depósito de lixo tanto das indústrias quanto dos consumidores, são os esgotos despejados nos rios e os lixões e materiais de refugos que estão se avolumando acima da capacidade de absorção da terra. Segundo ele, a interferência da sociedade moderna e industrial no meio ambiente natural tem transformado ao mesmo tempo a natureza e o homem como parte desta natureza maior, transformações que ocorrem através das relações do homem com seus semelhantes e com o meio ambiente natural em que o ser humano se transforma em um ser cultural que cria suas necessidades para além do que é biologicamente necessário, e de forma ambiciosa está gerando cada vez mais necessidades a serem satisfeitas. Fato que resulta na produção de dejetos do sistema econômico, uma agressão à vida na sua diversidade e forma mais ampla. Diante da visão de posse e controle da natureza como recurso manipulável, compreende-se que o atual modelo econômico se traduz em uma ameaça à vida. Esta questão suscita a reflexão sobre o desenvolvimento sustentável que ocupa um espaço interdisciplinar que diz respeito a diversidades de aspectos relacionados com a existência e a qualidade da vida humana como o intelecto, o espiritual, a ética, a estética e a solidariedade para que a vida na sua concepção maior seja preservada. Citando novamente as questões vinculadas ao modelo econômico e que foram abordadas pela UNESCO no documento Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável, 2005 a 2014, são questões que giram em torno de quem tem o controle legítimo, o acesso e o uso dos recursos naturais. Geram uma preocupação com o elemento humano que frente esta problemática deve assumir o papel de agente principal do processo de desenvolvimento sustentável porque ele envolve questões de direitos, responsabilidade, papeis sociais e relações pessoais (UNESCO, 2005). Os documentos orientados pela Rio – 92, (II Confêrencia das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento humano, realizada no Rio de Janeiro em 1992), convocam, além da Declaração Universal dos Direitos Humanos, também a se criar uma nova concepção de ser humano livre do medo e da miséria, e que de forma digna possa ocupar o centro das preocupações do desenvolvimento sustentável e se constituir como desustentável e a envolvimento da riqueza humana. Isto diz respeito à educação para o desenvolvimento sustentável que consiste em uma aprendizagem para a qual se faz necessário o conhecimento das cinco dimensões para a sustentabilidade no âmbito: social, econômico, ecológico e cultural. Sendo o Desenvolvimento Regional Sustentável uma construção coletiva e uma ação de caráter contínuo, considera-se que a Fundação Casa Grande está contribuindo neste processo através da sua atuação 9 de 12 educativa vivenciando a gestão cultural com a juventude, uma experiência de aprendizagem para ações de manutenção da vida dos jovens no lugar e da conservação das tradições de valores locais através da divulgação e da vivencia da cultura e das riquezas naturais da Chapada do Araripe. Segundo A. Quindins (2011), Diretor da Fundação Casa Grande, “A Casa Grande é um beija flor que suga o néctar da Chapada do Araripe e espalha sobre o seu vale...”. Diante destas constatações, torna-se oportuno discutir sobre as possibilidades para a juventude nesta região do Semiárido. 3.1 Possibilidades para a Juventude no Semiárido Para contextualizar este estudo, é importante compreender o Semiárido na sua relevância geográfica, econômica e cultural. Conforme o plano diretor do Instituto Nacional do Semiárido [INSA], o Semiárido brasileiro é um dos mais populosos do mundo, sua área de extensão abrange o Norte do Estado de Minas Gerais e os Sertões dos Estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí. Instituto Nacional do Semiárido (INSA, 2011). Geograficamente, o Semiárido é uma Região onde se instala um conjunto de ecossistemas denominado Caatinga, com grande diversidade ecológica, onde a questão da escassez de água não é consequência da falta de chuvas, mas da distribuição desordenada e ineficiente no armazenamento e nos reservatórios de água, e da falta de políticas de acesso à água existente na região. As chuvas costumam se concentrar em um curto período de tempo e a estiagem se prolonga por um período maior; desta forma, o problema não é a falta de chuvas, mas a irregularidade com que ela se distribui no espaço de tempo. Para o Instituto Nacional do Semiárido [INSA], “as riquezas do Semiárido incluem sua gente, sua biodiversidade, seus recursos minerais e sua diversidade cultural, além de seus produtos, processos, saberes, experiências, inovações e histórias locais” (INSA, 2011, p.15). O cenário desta pesquisa é o Semiárido caririense, parte geográfica limitada à Cidade de Nova Olinda, na Região Sul do Estado do Ceará, onde se situa a Fundação Casa Grande campo de realização deste estudo. Uma região com seus potenciais e seus desafios assim como outras regiões, onde muitos jovens são obrigados a abandonar os estudos para migrar em busca de melhores condições de vida em outros lugares; um lugar aonde o alcoolismo, a prostituição e o consumo de drogas já chegaram fazendo suas vítimas. Com o olhar para juventude deste contexto, procuramos investigar a construção de uma aprendizagem significativa pelos jovens como uma possível forma de superação das condições de vulnerabilidade. Entende-se que o processo de inclusão social se constrói no âmbito da inclusão econômica e educativa, onde o compromisso com melhores condições de vida, segundo Sen (2010, p. 362), “não precisa atuar apenas por meio do Estado; deve envolver também outras instituições: organizações políticas e sociais, disposições de bases comunitárias, instituições não governamental, [...] e entendimento público”, a fim de que possam contribuir na construção de um processo educativo capaz de estimular expectativas econômicas e elevar o nível de capacidades humanas para a promoção do desenvolvimento e integração dos potenciais econômicos e educativos. A UNESCO (2005) enfatiza a importância das ONGs, cujo papel fundamental é a formação das pessoas para o exercício da cidadania através da educação não formal e desenvolvimento de uma aprendizagem para a ação participativa. Com esta orientação, foi realizada uma entrevistada com a Direção da Fundação Casa Grande, sobre o apoio das políticas públicas à Instituição, a política da Casa Grande e o papel dos jovens em relação às políticas a eles destinadas. Em relação ao apoio de políticas públicas, a Instituição Casa Grande tem um convênio com a Prefeitura Municipal e recebe mensalmente o valor de R$ 1.800,00 (um mil e oitocentos reais) para a manutenção básica da Instituição, como o pagamento das contas de uso de energia, água e telefone garantindo a manutenção do funcionamento da Casa e suas relações com o exterior, pois a Casa Grande é uma Instituição que propicia à comunidade atividades de cultura, lazer e desportos. A política da Casa Grande se constitui de educação infantil não formal, profissionalização de jovens em gestão cultural, geração de renda pelos pais através do restaurante da Casa Grande e das pousadas 10 de 12 domiciliares. Há um projeto desenvolvido pela Instituição sobre a Cidade de Nova Olinda e a Região, projeto que consiste em um museu mitológico e arqueológico que desenvolve uma programação de educação patrimonial a partir da casa que deu origem a Cidade de Nova Olinda (Casa Grande), trabalhando com a história da Região e o Patrimônio da Chapada do Araripe. O museu realiza ainda a formação de jovens recepcionistas turísticos com ênfase na cidadania. Quanto à indagação em relação ao papel dos jovens nas políticas públicas, afirmou-se: “não educamos jovens para o sucesso ou para o mundo da política, estamos construindo cidadania, educando jovens para ser cidadãos de paz, política da família, pessoas que saibam se defender das drogas, da violência” (A. Quindins, 2011). A Casa Grande realiza um trabalho que ocupa o tempo dos jovens educando “para a cidadania, autoconfiança e um bom caráter, capaz de coisas como pagar suas contas em dia, ter pensamento próprio e saber fazer suas escolhas com dignidade” (Idem). Em sua fala, o presidente da instituição afirma que o empenho é por uma formação de pessoas com conteúdo e cultura preparadas para o diálogo, um menino, ou menina da Casa Grande deve ser capaz de conviver e se relacionar bem com a sociedade. Construir um projeto de vida para se autossustentar e permanecer na região. O modelo de sustentabilidade da Fundação Casa Grande possibilita o desenvolvimento da juventude. Segundo membro do conselho científico da Instituição, este modelo tem por base a justiça social e a construção de um grupo equânime de gestão familiar que busca proporcionar aos jovens uma interação na comunidade local e fora do Brasil; a construção de projetos de vida a partir da aprendizagem vivenciada na administração da Casa Grande; a experiência com a reserva natural, cultura arqueológica e mitológica e o turismo regional. A contribuição da Casa Grande para a permanência e o desenvolvimento da juventude na região se dá pela construção do sentido de pertencimento, “Sitio simbólico de pertencimento”, é o que faz com os jovens participantes da Fundação Casa Grande queiram permanecer e valorizar sua região e sua cultura, uma questão afetiva de apropriação e pertencimento. O lugar de suas raízes e convivência é também o lugar de seu aprendizado e aplicação de seus saberes. A forma de aprendizagem que se realiza na Casa Grande se apresenta como resultado da pedagogia do aprender a fazer fazendo, aonde se observa a prática de um aprendizado de cerimonialista de uma garota de 11 anos de idade, que desenvolve a função de cerimonialista em um evento realizado pela Instituição, onde se reuniram pessoas de vários locais do País. A mine cerimonialista foi orientada por uma jovem que também é da Instituição, e observou-se que bem maior do que a paciência da sua orientadora foi a determinação, o esforço e a competência do aprendiz. Neste evento foi observado que todas as funções foram desempenhadas pelos jovens e adolescentes, como a limpeza do ambiente, inscrição dos participantes, abertura do evento, cerimônia, composição de mesa de debates, técnica de som e iluminação, documentação em fotografia, filmagem e reportagem, e entrega de certificados. Uma aprendizagem de forma prática, vivencial em que os jovens mais experientes orientam os que estão aprendendo. Neste sentido pode-se dizer que a Fundação Casa Grande contribui para o Desenvolvimento Regional Sustentável através das ações de sua gestão cultural nas artes, educação patrimonial, sustentabilidade financeira e comunicação, onde a experiência do conhecimento dos elementos culturais constrói o diferencial. Um trabalho de regionalização fortalecida pela identidade cultural, uma experiência em que é preciso se desenvolver a idéia de se sair do estágio de consumismo para o estágio de solidariedade, pelo encontro com a natureza enfocando os valores: da beleza geográfica e dos aspectos sociais de um povo tratável e alegre. Assim, a Fundação Casa Grande é um meio para o desenvolvimento da região e não para o seu crescimento. O modelo pretendido não é o da pobreza e nem o do trabalho escravo e exploração da natureza, mas uma forma de possibilitar que as famílias possam manter seus filhos engajados na Casa Grande, que oferece aos jovens uma formação para o receptivo turístico, acervo de material arqueológico e mitológico no Memorial do Homem Kariri, formação em comunicação na Escola de Comunicação da Meninada do Sertão, e conservação da reserva natural no Parque dos Cajueiros, instrumentos de aprendizagem e desenvolvimento que se constituem em possibilidades de estudo, conhecimento, viagens internacionais e oportunidades de trabalho. 11 de 12 Referências Bibliográficas Brasil. (2006).Estatuto da Criança e do Adolescente - Ministério da Saúde (3a ed.). Brasília, DF: Editora do Ministério da Saúde. Bursztyn, M. (Org.). (1993).Para Pensar o Desenvolvimento Sustentável.IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente; ENAP – Fundação Escola Nacional de Administração Pública. São Paulo: Editora Brasiliense. 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