UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA LUIZ HENRIQUE BARRETO DE MOURA COSTA A CIDADE DE MANAUS NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL: ONDE ESTÃO OS INIMIGOS? Tubarão 2011 LUIZ HENRIQUE BARRETO DE MOURA COSTA A CIDADE DE MANAUS NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL: ONDE ESTÃO OS INIMIGOS? Monografia apresentada ao Curso de Especialização em História Militar da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Especialista em História Militar. Orientadora: Profa. Dra. Leonora Dahse Nunes Tubarão 2011 LUIZ HENRIQUE BARRETO DE MOURA COSTA A CIDADE DE MANAUS NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL: ONDE ESTÃO OS INIMIGOS? Esta monografia foi julgada adequada à obtenção do título de Especialista em História Militar e aprovada em sua forma final pelo Curso de Especialização em História Militar da Universidade do Sul de Santa Catarina. Tubarão, xx de setembro de 2011. _________________________________________________ Professora e orientadora Dra. Leonora Dahse Nunes Universidade do Sul de Santa Catarina _________________________________________________ Prof. RESUMO A pesquisa analisa, no contexto da Segunda Guerra Mundial, o impacto do conflito em Manaus. Passando pelas mudanças no cotidiano da cidade e nas relações socioeconômicas da região, temos como cerne do trabalho o processo de construção da figura do inimigo na cidade, e, a partir dessa configuração, as modificações nas vidas dos integrantes de comunidades estrangeiras aqui presentes que sofreram represálias por parte do governo brasileiro e da população local. Através de jornais publicados de 1942 a 1944, dos anúncios de filmes e cinejornais exibidos nas salas de cinema em Manaus, fazemos uma análise do discurso que motivou algumas camadas da população a saírem às ruas em protestos, perseguições e quebra-quebras. Também se analisam os motivos e as intenções das vozes que lideraram as multidões. As memórias dessas outras vítimas da guerra e dos memorialistas que viram as ruas de Manaus inflarem-se de sentimento belicoso e registraram tais eventos tão singulares, propiciam uma reflexão sobre experiências individuais que representaram culturas únicas integrando uma coletividade em meio à guerra. Nessa pesquisa, estudamos as reverberações da guerra no cotidiano manauara. Palavras-chave: Guerra. Cinema. Imaginário. Manaus. ABSTRACT The research examines in the context of World War II, the impact of the conflict in Manaus. Through the changes in everyday city and socio-economic relations in the region, we work as the center of the process of construction of the figure of the enemy in the city, and with this configuration, the changes in the lives of members of foreign communities here who suffered reprisals by the Brazilian government and local people. Through the newspapers published from 1942 to 1944, ad films and newsreels shown in theaters in Manaus, we make the rescue of his speech layers of populations to the streets in protests, harassment and smashing, the motives and intentions voices who led the crowds. The memories of these other victims of war and memoirists who have seen the streets of Manaus to inflate feeling belligerent and recorded events such as unique, they reflect an era of our country, when individual experiences integrating unique cultures represented a community in the midst of war. In this rescue, the consequences of war as a social process and institutional. Key-words: War. Movie. Imaginary. Manaus. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................................08 2. CAPÍTULO I – NACIONALISMO E GUERRA NO SÉCULO XX …................ .......13 1.1. O ESTADO BRASILEIRO ..............................................................................................13 1.2. CINEMA E PROPAGANDA ….......................................................................................20 1.3. AS INSTITUIÇÕES E A IMPORTÂNCIA DA BORRACHA …...................................22 3. CAPÍTULO II – A CONSTRUÇÃO DE UM INIMIGO EM MANAUS ….................26 2.1. OS FILMES …..................................................................................................................29 2.2. COTIDIANO E NOTICIÁRIO DE GUERRA ….............................................................35 4. CAPÍTULO III – O AMAZONAS FRENTE À POLÍTICA NACIONAL …...............43 3.1. AÇÕES SOBRE AS COLÔNIAS ALEMÃS, ITALIANAS E JAPONESAS ….............47 5. CONCLUSÃO …................................................................................................................56 REFERÊNCIAS ….................................................................................................................60 ANEXO …...............................................................................................................................65 8 1. INTRODUÇÃO Residindo na cidade de Manaus há cerca de seis anos, não pude deixar de me fascinar pelo lugar e seus encantos que caracterizam a metrópole como símbolo da região Norte do Brasil. Apesar de todos os problemas que uma grande cidade brasileira possui, Manaus tem características singulares que a destacam frente a outras cidades brasileiras. E nesses anos de estudos na área da História, uma coisa ficou patente: a distância, não só do Amazonas como de quase toda a região Norte das demais regiões do país. Uma distância cultural, que transcende as fronteiras naturais, que é profunda e parte do contexto histórico da cidade. O interesse pela História Militar fez-me investigar um pouco do passado dessa região numa época única na história do país. Numa época em que o Brasil viveu um real estado de beligerância. A trajetória de Manaus possui em seu bojo grandes e memoráveis processos sociais ao longo da era moderna. Os que se relacionam com a Segunda Guerra Mundial estão, para mim, entre os mais fascinantes. Episódios estes que fui buscar em depoimentos, jornais da época, revistas e demais periódicos nacionais. Apesar das vicissitudes inexoráveis do tempo, pude reunir um material considerável que chegou mesmo a me surpreender em alguns momentos por me mostrar dados inesperados que, mesmo não estando relacionados diretamente com a pesquisa, contribuíram para enriquecimento sobre o tema. Num primeiro momento, pensei em focalizar o trabalho nas experiências de veteranos de guerra ainda vivos residentes em Manaus, algo que iria me voltar quase que exclusivamente à História Oral. As histórias dos tempos de conflito dos pracinhas brasileiros sempre me chamaram a atenção; contudo, as dificuldades em localizar tais personagens históricos em tempo hábil me fizeram mudar o foco. Nesse meio tempo, andei bastante pelo Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas – IGHA – fotografando inúmeros de seus jornais do início do século XX. E percebi nesses periódicos os vários – e inflamados – anúncios de filmes de guerra para as sessões de cinema da cidade, no período compreendido entre os anos de 1942 e 1945. Revisando esses registros, no intuito de construir um arquivo digital pessoal, constatei uma verdadeira mudança no perfil das linhas de texto nos anúncios. 9 Antes de 1942, quando o Brasil ainda não declarara guerra aos países do Eixo – Alemanha, Itália e Japão – , os anúncios cinematográficos com o tema da guerra, muito comuns à época, eram de certa forma neutros, isto é, não continham em suas entrelinhas um repúdio às ações das forças alemãs e afins, ou mesmo uma proximidade de ideias aos Estados Unidos com quem, mais tarde, o Brasil formaria aliança. Mas, a partir do momento em que o Brasil tornou-se participante oficial do conflito, e inimigo daqueles três países – Alemanha, Itália e Japão –, as notícias em geral, e especificamente os anúncios cinematográficos, mostraram-se recheados de discursos inflamados e altamente tendenciosos a formar em seu público uma opinião que fosse ao encontro da posição oficial do governo brasileiro de então. A partir dessa constatação – uma afinidade aos ideais norte-americanos de liberdade e uma reprovação veemente aos objetivos e práticas das nações do Eixo – procurei entender como, na cidade de Manaus, o povo reagiu a tudo isso. Ficou óbvio que a população local, bem como todo o Brasil, deixou-se levar pela onda que os cobria, principalmente após os primeiros ataques a navios brasileiros em alto-mar. Nesse ínterim, como ficaram os alemães, italianos e japoneses que moravam em Manaus? Como passou a ser a relação entre os estrangeiros presentes em território nacional com o governo e a população local? Há trabalhos que tentam responder essas e outras questões em âmbito regional e nacional, mas nada específico em Manaus. Partindo dessas primeiras indagações, com certa quantidade de material levantado, precisava agora encaixar tais dados numa metodologia que me permitisse desenvolver a temática – Manaus durante a Segunda Guerra Mundial – e alcançar o objetivo principal proposto até então – entender como se deu a construção da figura do inimigo externo em Manaus, através dos periódicos locais e seus anúncios de cinema, e como o sentimento surgido desencadeou na cidade perseguições a núcleos de estrangeiros que residiam na capital amazonense – de uma forma coerente com as fontes disponíveis para responder às perguntas que porventura surgissem mais tarde. Havia então uma metodologia definida: busca e catalogação das fontes escritas feitas primordialmente no IGHA através de horas e horas debruçando-me sobre os jornais e suas notícias relacionadas ao tema, no período de 1942 a 1945; a busca dos memorialistas locais, proeminentes figuras amazonenses que registraram tal época em obras publicadas; havia ainda o desejo de conversar com alguém que tivesse vivido àquela época e pudesse contar mais do que os dados escritos conseguiam dizer. 10 Depois de as fontes serem estabelecidas, faltava uma teoria que me permitisse inserir minha pesquisa inicial no campo da História Militar. Comecei então a buscar autores que me dissessem que o que aconteceu em Manaus na primeira metade da década de 1940 era fruto de algo maior, isto é, que estava inserido dentro de um contexto maior, nacional ou mesmo mundial. Procurei dialogar com obras que inserissem os acontecimentos locais no próprio conceito de guerra, no conceito de modernidade, no conceito de imaginário. Penso que, para realmente entender como esses conceitos abarcam o que aconteceu nas ruas de Manaus no contexto da Segunda Guerra Mundial, é preciso pensar o século XX como um todo, pensar o conceito de medo que se desenvolveu em 1942, desenrolou-se e ressignificou-se até os dias atuais. E para estruturar todas essas ideias, pensei em três capítulos. O primeiro capítulo versa sobre a inserção do Brasil num conflito bélico e a chegada da Segunda Guerra Mundial em Manaus. Partimos das dimensões da guerra pelos nacionalismos de dois séculos no mundo e no Brasil. Como se desenvolveram as ideias de “raça” e “eugenia” na Era Vargas, integrando o Estado brasileiro e o reflexo do Estado Novo em Manaus. A importância que a borracha assumiu ao longo do conflito, transformando a região com as políticas de guerra desenvolvidas no país. Buscamos o entendimento de como, a partir de 1934 com o novo ordenamento institucional, o temor da formação de quistos culturais mobilizou a constituição de uma nação única, baseada na integração e união da população sob um Estado centralizador e autoritário. Manaus sentiu os efeitos da política do Estado Novo desenvolvida através de campanhas nacionalistas, ações institucionais e de caráter repressivo. A integração, como fator de unidade e independência nacional, justificou-se como proposta de eliminar as diferenças étnicas que existiam na população brasileira e de criar uma nação homogênea, com uma única língua e uma única cultura. Assim, afastava-se qualquer perigo da formação de um Estado dentro do Estado, nas regiões coloniais, e contribuía-se para a ampliação de um verdadeiro mercado nacional de mesma língua, gostos e hábitos, onde as diversidades regionais passassem a ser atores coadjuvantes, ao lado do protagonismo reservado à identidade brasileira. Buscamos o entendimento de como foi utilizada a manipulação intelectual, ideológica e legislativa, para introduzir na população brasileira a ideia de amor e pertencimento a uma nação e, por consequência, o sentimento de alteridade ao estrangeiro. 11 O segundo capítulo desenvolve as ideias pertinentes às reverberações do impacto social, político e cultural da inserção do Brasil na contenda, focando a análise dos anúncios cinematográficos dos periódicos locais. A partir desses anúncios, a percepção do público trabalhada de forma oficial pelo Estado brasileiro. Discorremos acerca da construção no imaginário local da figura de um inimigo que precisou existir como resultado do contexto histórico e como reflexo da modernidade e do próprio conceito de Guerra Total, que nos chega até os dias atuais. Vamos buscar os reflexos da guerra nas reações da população civil, como repercutiu no imaginário do povo mediante as leituras diárias de notícias inflamadas com saldos do conflito mundo afora, que, combinado com outros ingredientes, implicou numa onda de movimentos populares que acabou por fazer com que muitos imigrantes alemães, italianos e japoneses fossem expulsos de suas propriedades. Para isso, percebo como primordial verificar o formato dos editoriais dos periódicos que, em seu conteúdo, ressignificavam o conflito mundial nas mentes locais e tornavam-se os propulsores fundamentais do sentimento de alteridade frente aos estrangeiros. Entre os jornais, destacamos o “Diário da Tarde”, publicado diariamente de 1942 a 1945, e “O Jornal” que, a partir de 1942 como o próprio subtítulo confirmava, era o “Matutino de maior circulação em todo o Estado do Amazonas”. Ambos os periódicos editados pelas empresas Archer Pinto. 1 No terceiro capítulo, discorremos sobre os resultados da pesquisa com a análise dos dados coletados ao longo do trabalho. Apresentamos um Brasil que, mesmo tendo o seu território poupado de incessantes bombardeios de artilharia, percebeu a brutalização que a guerra legitimou devido à liberação do potencial latente de crueldade e violência do ser humano. Discutimos os resultados da democratização da guerra em Manaus, pois os campos de batalha não mais se restringiam aos que carregavam armas de fogo, o conflito chegou às populações civis nos grandes e pequenos centros urbanos através da propaganda e mobilizações da indústria bélica. Assim se conduzirá o tratamento da alteridade. Focamos as ações praticadas pelos personagens da história no contexto das instituições sociais em que elas ocorrem, marcando a sua especificidade e analisando atitudes, crenças e a própria racionalidade dos atores. De fato, a alteridade se instaura, sobretudo no plano das significações e deve ser interpretada a partir de um conjunto de informações 1 Aguinaldo Archer Pinto foi o diretor-proprietário de “O Jornal” e “Diário da Tarde”. Não foi político, mas soube conduzir-se convenientemente nas campanhas eleitorais do Amazonas. Os dois periódicos foram fundados em 1930 para darem suporte político à assim chamada Revolução de Vargas. Faleceu em 28 de novembro de 1956. LOBO, Narciso. Duzentos anos de imprensa e a busca do tempo perdido. Revista Brasileira de Ciências da Comunicação. Vol. XXV, n.1, janeiro/junho de 2002. 12 cruzadas sobre práticas efetivas, significados simbólicos e usos situacionais. Produz-se uma narrativa que é também sobre o outro, reconstituído em sua especificidade. Um outro que não é movido pelos mesmos desejos, princípios e razões que nós, leitores do século 21, mas cuja experiência estrutura-se numa lógica própria que será possível entrever. Pensamos o significado social da violência de massa, desencadeada por objetivos nacionalistas e patrióticos, mas também por medo, em que as várias ocorrências são analisadas como integrando um conjunto de eventos do mesmo tipo (pilhagens, quebraquebras etc). Esse tratamento aponta para a necessidade de se identificarem processos subjacentes aos fatos tomados em seu conjunto. Esse enfoque leva de imediato à crítica de explicações que atribuam tais ocorrências a uma suposta irracionalidade ou agressividade próprias das massas, pois, mesmo no caso extremo de violência de origem patriótica e nacionalista, implicada por medos e temores a um inimigo estrangeiro, as multidões não agem de maneira impensada. Elas possuem em certa medida uma percepção de que o que estão fazendo é legítimo, as ocasiões estão de algum modo relacionadas à defesa de sua causa e seu comportamento possui certa estrutura dramática. 2 E por fim, a conclusão, com um posicionamento reflexivo na interpretação crítica das principais ideias apresentadas no texto. Como conflito total, a Segunda Guerra Mundial virou uma guerra popular, tanto porque os civis e a vida civil se tornaram os alvos estratégicos certos, e às vezes principais, quanto porque em guerras democráticas, como na política democrática, os adversários são naturalmente demonizados para fazê-los devidamente odiosos ou pelo menos desprezíveis. 3 No caso do Brasil, é de fundamental importância compreender essa demonização do “outro” para se perceber a construção da representação do inimigo dentro do conceito de representação da nova história cultural, 4 pois o nacionalismo brasileiro 5 na Era Vargas como dimensão da guerra nesse período 6 ampliou a alteridade aos povos alemães, italianos e japoneses. 2 DAVIS, Natalie Zemon. Culturas do Povo: sociedade e cultura no início da França moderna. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. 3 HOBSBAWM, Eric J. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914 – 1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 4 PESAVENTO, Sandra J. História e História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. 5 CARNEIRO, M. Luiza Tucci. Sob a máscara do nacionalismo – Autoritarismo e antisemitismo na Era Vargas (1930-1945). São Paulo: Universidade de São Paulo. Disponível em: <http://www.tau.ac.il/eial/l_1/carneiro.htm>. Acesso em 28 maio 2011. 6 OLIVEIRA, Lucia Lippi. O Pensamento de Azevedo Amaral In: OLIVEIRA, Lucia Lippi; VELLOSO, Mônica; GOMES, Ângela Maria de Castro. Ideologia e Poder no Estado Novo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1982. 13 CAPÍTULO 1 NACIONALISMO E GUERRA NO SÉCULO XX O sentido histórico de um conceito é, às vezes, mais profundo que a sua definição e, outras vezes, mais superficial que a sua adoção pelo senso comum. A palavra “guerra” carrega justamente esta ambiguidade. Alguns homens pensaram sobre a guerra, sua natureza e significados, como meros observadores. Outros, como Karl von Clausewitz, militar e teórico prussiano, produziram sua perspectiva histórica sobre a essência da guerra partindo da própria experiência no campo de batalha. No pensamento de Clausewitz, a partir da sua obra “Da Guerra”,7 percebe-se, a partir da modernidade, que a política passou a caminhar, através do Estado nacional, articulada à guerra como um continuum. O conceito moderno de guerra se multiplica, foge ao seu contexto social, reproduz-se em outras ideias e ações. No rastro das palavras de Geoffrey Parker, reafirmamos que “toda cultura desenvolve seu próprio modelo de guerra”.8 Com isso, estabelecemos o vínculo entre o combate e as formas de significação do mesmo. As práticas militares diferem das representações elaboradas acerca delas, mas somente possuem sentido quando inseridas em um discurso. Nesses termos, diante da inevitabilidade da ressignificação, interessa-nos perceber o modelo ocidental de guerra, o qual delineou-se ao longo da Segunda Guerra Mundial, entendido como produto historiográfico que visa sustentar a supremacia militar do ocidente e, a partir daí, o conceito de guerra que chega a cidade de Manaus. 1.1. O ESTADO BRASILEIRO 7 CLAUSEWITZ, Karl von. Da Guerra. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1979. PARKER, Geoffrey. The Cambridge history of warfare. Cambridge: Cambrige Press, 2005. Apud SANTANNA, Henrique Modanez. Dispositivos táticos na segunda guerra púnica e a questão do militarismo cívico na obra de Políbio. 2008. 93f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia. Universidade Federal de Goiás. 8 14 O início do século XX, em todo o mundo, foi marcado por grandes crises e desilusões.9 Os movimentos de caráter nacionalista que apelavam para os traços culturais de cada povo tomavam forma. Sob inúmeros pretextos, inclusive o de reconstruir a nação ameaçada pelos perigos comunistas, amarelos ou semitas, as ideias autoritárias e nacionalistas foram se constituindo no Brasil ao longo das décadas de 1930 e 1940. As críticas às ideias liberais iniciadas em 1930 criaram condições para o avanço e fortalecimento da argumentação nacionalista conservadora no bojo da sociedade civil, representada, de um lado, pela Igreja Católica e, de outro, pela Ação Integralista Brasileira (AIB), liderada por Plínio Salgado. A Igreja Católica tentava garantir seu espaço-símbolo, marcada pelo pensamento radical de Jackson de Figueiredo, Leonel Franca e Alceu Amoroso Lima, - conhecido como Tristão de Atayde -. Tais pensadores expressavam conceitos de Nação a partir da busca por um passado comum e nas crenças em tradições e valores deste passado. Segundo Luiza Carneiro,10 o nacionalismo endossado por Jackson de Figueiredo, desde os anos 20, chamava a atenção para alguns perigos ameaçadores à nossa tradição católica, alertando contra a presença do protestantismo, além de posicionar-se contra a invasão da maçonaria e do judaísmo. Alceu Amoroso Lima, em consonância com este pensamento, tornou-se figura de destaque entre os intelectuais de seu tempo, e nos anos 30 não só aderiu ao movimento integralista, como se tornou o representante leigo autorizado pela Igreja junto ao governo Vargas. Defendeu em 1931, ao lado de Francisco Campos, a instituição do ensino religioso nas escolas públicas, saindo vitorioso desta empreitada em 1934, com a instituição do ensino religioso facultativo, de acordo com a Constituição daquele ano. Propondo algo semelhante ao fascismo italiano, Plínio Salgado, por sua vez, opinava sobre a necessidade de se dar um objetivo geral ao povo brasileiro, sendo o ideal nacionalista o único com capacidade para desenvolver a Nação. Possuía como pressuposto básico a afirmação do privilégio do Estado autoritário e nacionalista na ação política, tendo o governante do Estado como líder. Através do lema “Deus, Pátria e Família”, o Integralismo arregimentou militantes católicos, assim como, pela sua atitude anticomunista, aglutinou conservadores, 9 D'ASSUNÇÃO, Maria Celina. O Estado Livro. Rio de Janeiro: Jorge Hazar, 2000. CARNEIRO, M. Luiza Tucci. Sob a máscara do nacionalismo – Autoritarismo e antissemitismo na Era Vargas (1930-1945). São Paulo: Universidade de São Paulo. Artigo de Internet. Disponível em <http://www.tau.ac.il/eial/I_1/carneiro.htm>. Acesso em 28 jun 2011. 10 15 representantes da classe média urbana (funcionários públicos, comerciários e profissionais liberais) e, em menor escala, operários e militares. A história da AIB conta com vários conflitos entre os Integralistas e os movimentos democráticos que ocorriam no Brasil. Na época da Intentona Comunista, em 1935, a AIB apoia oficialmente o governo na repressão ao movimento esquerdista, mas apesar deste apoio, começou a desarticular-se a partir do golpe do Estado Novo. A AIB tenta reagir contra sua aniquilação, empreendendo um frustrado Golpe de Estado em 1938, resultando em perseguições e consequente exílio de seus integrantes. O autoritarismo do Estado Novo se desenvolve, portanto, como única forma possível de assegurar, por meios políticos, a coesão do povo brasileiro. Assim, nacionalismo e autoritarismo são complementares na formação de um Estado Nacional. No nacionalismo, o que prepondera é o instinto da raça e da terra, corporificando-se no desenvolvimento do progresso material e moral do país, assim como na proteção e valorização do Homem Brasileiro.11 O nacionalismo legitimava a soberania do Estado, garantindo-lhe liberdade de ação sobre o território nacional, tornando possível a construção da nacionalidade através de programas políticos – controle da imigração, educação, e propaganda política foram alguns dos meios eleitos para se atingir a formação de um consenso. O governo ditatorial de Vargas dedicou-se à elaboração de um projeto contra a entrada de estrangeiros em prol da nacionalização dos núcleos de colonização. Luiza Carneiro12 afirma que neste contexto aflorou um antissemitismo possível de ser classificado como xenófobo e político, e a assimilação das minorias étnicas, linguísticas e culturais que se haviam instalado no Brasil nas décadas anteriores transformou-se em questão de segurança nacional, ameaçando a ordem social e a formação da consciência patriótica brasileira. Questionou-se o problema da mestiçagem das raças, da eugenia, do perigo dos quistos raciais e da necessidade de um rígido controle da imigração. Neste clima de contestações, Oliveira Vianna se destacou com teses como Raça e Assimilação, de 1932. Em busca do sentimento nacional e da formação da "mística de superioridade", Vianna propôs, em 1936, o Plano Nacional de Educação e a Constituição. Redigida por Francisco Campos, a Constituição de 1937, baseada, com pequenas exceções, nas Cartas de países onde imperavam regimes de força como Alemanha, Itália, Portugal, 11 12 OLIVEIRA, Lucia Lippi. O Pensamento de Azevedo Amaral, In: Op. Cit., p. 57. CARNEIRO, M. Luiza Tucci. Op. cit., p. 10. 16 Polônia e Áustria, propunha-se a dissolução dos quistos raciais nipônicos e germânicos, considerados como um perigo militar, entre outras medidas nacionalizantes. A compreensão da educação como instrumento para a construção da nacionalidade brasileira foi de fundamental importância para o governo Vargas, justamente pelo Brasil ser formado, na sua maioria, por imigrantes, o que tornava difícil a formação de uma unidade nacional dado o possível desenvolvimento de diferentes nacionalidades dentro do Brasil. Não havia, espaço, dentro do Estado Novo, para a convivência com grupos culturais estrangeiros fortes e estruturados nas regiões de colonização. Conforme nos afirma Simon Schwartzman: Mencionada e incluída na pauta de discussões desde o início do século, a questão da nacionalização do ensino encontraria no Estado Novo o momento decisivo de sua resolução. Não é absolutamente gratuito este fato, não é por acaso que só sob o regime autoritário estadonovista tenha sido possível chegar a uma política agressiva de cunho gravemente repressor. De um lado havia a disposição do governo de enfrentar resistências à imposição de procedimentos coercitivos; de outro, uma conjuntura onde toda ideologia dominante estava fundamentada na afirmação da nacionalidade, de construção e consolidação do Estado Nacional. 13 A premissa básica envolveu uma educação nacional, que era compreendida através da construção de certas práticas disciplinares da vida, introjetadas regularmente no cotidiano, criando uma espécie de consciência cívica. Pedia-se que as escolas produzissem cidadãos cujas atitudes conduzissem ao desenvolvimento nacional. Os técnicos experimentavam novas abordagens que visavam a nacionalização da cultura e a difusão emocional de valores nacionais. O Ministério da Educação, chefiado por Gustavo Capanema, de 1934 a 1945, trabalhou de muitas maneiras para inculcar os valores do regime, e não só para aumentar a rede de escolas públicas. Recuperaram-se valores, dentre os quais o culto aos heróis, líderes e símbolos da Pátria, à nacionalidade, à moral, ao trabalho e aos valores do catolicismo tradicional, considerados primordiais. Neste sentido, pátria, homem, e Família tornaram-se motivos de uma insistente propaganda. Estilizava-se o perfil de um Brasil novo e melhor, direcionado por um ufanismo patriótico. O lugar do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) neste 13 SCHWARTMANN, Simon. Tempos de Capanema. São Paulo: Paz e Terra, Fundação Getúlio Vargas, 2000. p. 91. 17 projeto é de importância decisiva, já que se constitui em um dos mecanismos fundamentais da difusão da imagem do Estado Novo. O Estado Novo conseguiu, através de reiteração, cooptação e omissão de questões específicas ou contraditórias, impedir o desenvolvimento de uma postura crítica ou revoltosa por parte da sociedade civil. Produziu uma massa enorme de discursos de cunho nacionalista que pregavam a unidade nacional, a adequação da cultura e das instituições à realidade brasileira, utilizando todos os recursos nacionais neste sentido, visando atingir um desenvolvimento econômico, político e social. No seu estudo, especificamente voltado para o discurso estadonovista, Sandra Leidens demonstra que: A meta principal do nacionalismo determinava a identificação de todos os membros de uma sociedade que teriam destino comum, com raízes no passado, as quais emergiriam no presente para apontar a construção de um destino único. A coletividade histórica era intrínseca à vida da nação, entendida como um conjunto de valores morais constitutivos de um todo orgânico e que só teriam projeção por intermédio da ação do estado. O Estado era o receptáculo da moral, responsável pela manutenção da ordem e protetor da virtude cívica e da consciência imanente da coletividade. 14 Reiteramos que, como o autoritarismo privilegia o papel do dirigente da nação, Getúlio Vargas é o eixo de onde irradia a direção do Estado, sendo a unidade nacional resultado de seu esforço pessoal. Seria ele o estadista capaz de reunir ao seu redor as prerrogativas que a época exigia, no qual o discurso nacionalista, segundo Leidens, conseguiu projetar a sua figura em toda a sua potencialidade de liderança, representando a personificação da coletividade no governo. O conjunto da sociedade reagiu bem às medidas nacionalistas, não tendo ocorrido manifestações contundentes contra as ações governamentais. Inclusive, quando declarou guerra aos países do Eixo, Vargas o fez com o apoio à população, e quando ocorreu o envio de tropas para participar da Segunda Guerra Mundial, pôde vangloriar-se de estar enviando soldados de cada um dos estados brasileiros, asseverando a unificação nacional. O período de 1937 a 1945 no Brasil se caracteriza por apresentar uma nova feição política, evidentemente autoritária. Nesse momento, a figura de um Presidente Ditador aparece em cena – Getúlio Vargas, centralizador, nacionalista e apoiado pelas Forças 14 LEIDENS, Sandra Maria. O discurso estadonovista: retórica e realidade. Dissertação (Mestrado em História). Programa de Pós Graduação em História, PUCRS, Porto Alegre, 1993, PUCRS. p. 17. 18 Armadas, à frente da Ditadura do Estado Novo. Defendendo ideias associadas ao reforço da unidade nacional, da centralização de poderes, da crítica ao sistema de representação individual em favor da representação das classes, da sobreposição das necessidades coletivas aos direitos individuais, o 10 de novembro de 1937, com o golpe que estabelece o Estado Novo, é o corolário de medidas adotadas desde 1930. Essas características do período em questão não são explicadas apenas por circunstâncias sociopolíticas favoráveis, mas são frutos de um projeto político-ideológico préelaborado que, bem articulado, soube capitalizar acontecimentos, reforçar situações, convencendo da preeminência de uma nova ordem, definindo uma nova estrutura nacional centrada na unidade da nação e no fortalecimento do Estado. Antes de seguirmos, cabe-nos um questionamento: que circunstâncias gerais de uma nação podem levá-la à guerra? Apenas para destacar algumas, podemos lembrar que forças econômicas já ocasionaram duas grandes guerras mundiais; catástrofes naturais geraram conflitos, além de lutas por independência terem tumultuado tanto nações do Ocidente como do Oriente. Contudo, neste trabalho, consideraremos os valores nacionalistas como base para o engajamento de uma nação e seu dirigente à guerra. Eli Diniz15 caracteriza a Era Vargas como um período de transição política e social na história brasileira. Isto é facilmente compreendido quando observamos que, em seu estudo, esse autor traça uma análise que atesta as mudanças ocorridas ao longo do primeiro governo Vargas, de 1930 a 1945, as quais teriam se dado a partir da transformação de um sistema econômico de base agroexportadora para uma sociedade onde estavam semeados os pressupostos de uma base urbano industrial. Politicamente, a mudança estaria representada na inserção de novos atores no panorama estatal, interessados no desenvolvimento de um mercado interno, sem desalojar as antigas elites voltadas para o mercado externo. O Estado que nasce em 1930 não vai representar os interesses exclusivos de qualquer setor da sociedade, mas buscará assumir o papel de árbitro das diferentes disputas regionais, que embora ainda representativas, perderam seu poder. A figura de Getúlio Vargas, central neste período, é das mais controversas na história brasileira, tanto do ponto de vista de líder como a respeito do seu legado político-social. Conciliador, politicamente articulado, de fácil acesso, autoritário, centralizador, “pai dos pobres”, maquiavélico, dominador e 15 DINIZ, Eli. Engenharia Institucional e Políticas Públicas: dos conselhos técnicos às câmaras setoriais. In: PANDOLFI, Dulce (Org.). Repensando o estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999. 19 voluntarista, são algumas das muitas maneiras de se descrever o dirigente, que esteve no poder durante 20 anos. Durante o primeiro governo Vargas (1930 – 1945), três momentos distintos são identificados: o Governo Provisório (1930-1934), em que Vargas é o Presidente líder de uma Revolução bem-sucedida que, independente da ausência de um projeto político definitivo, tinha caráter reformador. Buscava-se instaurar um novo padrão de relacionamento entre as diferentes camadas produtoras da sociedade, impondo limites às classes dominantes e ao seu poder, ampliando direitos civis e políticos para os novos segmentos sociais; o Constitucional (1934-1937), que já apresenta um Vargas eleito por via indireta, respaldado por uma constituição, comprometido com um projeto democrático; e finalmente o Estado Novo, a partir do Golpe de 1937, quando, apoiado pelas Forças Armadas, Getúlio se mantém no poder e a democracia recebe uma nova definição com a virada autoritária. Um dos principais impactos ocorridos com o Golpe, segundo Eli Diniz, 16 se deu no plano político-institucional, atingindo a estrutura do Estado e suas relações com a sociedade, de maneira que: Construiu-se de fato um novo arcabouço político-institucional que permitiu aumentar o poder interventor do estado e expandir a capacidade de incorporação do sistema político, abrindo espaço para a representação dos interesses dos novos atores ligados à ordem industrial emergente e quebrando a rigidez da estrutura de poder pré-existente.17 Esse esforço de centralização de poder na esfera nacional teve a criação de interventorias como um de seus suportes, buscando viabilizar a implementação de um projeto nacional superior às rivalidades das elites regionais, aliado à expansão dos poderes legislativos do Executivo e levado às últimas consequências com o fechamento do Congresso e eliminação dos partidos políticos. A partir de uma reforma de Estado, a nacionalização da política se manifestou em diferentes áreas, onde as principais decisões relativas à economia cafeeira ou industrial, trabalhismo ou sociedade, passaram a depender do governo federal. A nova ordem institucional resultou numa nova forma de articular e implementar políticas públicas: de dentro da alta cúpula do governo. O autoritarismo, ideologicamente, legitimaria este novo 16 17 Idem. Ibidem, p. 25. 20 governo, ressaltando o papel regenerador e integrador do Estado centralizado, inspirado na unidade nacional. Em 1930, nasce no Brasil um estado que buscou a nacionalização política e social, a qual somente se tornou possível a partir de 1937, período no qual o governo autoritário e nacionalista foi a maneira escolhida para assegurar a coesão do povo brasileiro. Essa coesão foi baseada nos valores como grande força agindo sobre a comunidade, em nome da qual o homem estaria pronto a sacrificar qualquer interesse pessoal. No Brasil de 1942, a coletividade apoiou a participação brasileira na guerra a partir da cólera, da aceitação dos riscos e do estouro da violência, após o ataque alemão aos navios mercantes brasileiros. Essa pressão para a participação efetiva na guerra fazia parte do projeto político-ideológico do governo, que aproveitou a situação como forma de fortalecer a unidade nacional. A partir da criação de aparatos próprios para a difusão ideológica Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), por exemplo - o governo foi capaz de difundir a imagem do Estado Novo, já que a imprensa era o lócus da produção principal dos elementos do discurso difundidos pelos demais meios de comunicação, e, a partir de 1942, conscientizou e mobilizou a sociedade brasileira a favor da participação brasileira na Segunda Guerra Mundial. A pressão, num caso típico de um governo de natureza ditatorial como o de Vargas, o qual, detendo o monopólio da imprensa, foi capaz de escolher o inimigo estrangeiro, produziu o furor da violência, proveniente do insulto desse estrangeiro. Um dos tipos de situação insuportável para a coletividade manauara, e brasileira de forma geral, envolveu a ação do estrangeiro alemão, contra a comunidade brasileira, até então pacífica, indispondo a população por atingir seus valores essenciais. Sendo assim, a decisão dos homens no poder, combinada pela grande aceitação de riscos pelo povo – em função dos seus valores –, não determinaram a guerra, mas a tornaram possível. Isso como resultado de uma sociedade cuja estrutura nos explica além das circunstâncias, uma sociedade hierárquica, sob julgo de um poder autoritário, que exalta e produz um sentimento nacionalista que foi ameaçado durante a guerra. 1.2. CINEMA E PROPAGANDA 21 A propaganda político-ideológica difundida a partir do governo autoritário de Getúlio Vargas funcionava como força de pressão para impulsionar a população a favor da participação brasileira na Segunda Guerra Mundial. A população, com sua indignação asseverada pelo afundamento dos navios mercantes por submarinos alemães, já estava imbuída de espíritos revanchistas. E esse espírito foi influenciado de forma categórica pelos meios de comunicação e propaganda como o cinema. O domínio do cinema norte-americano na exibição de filmes nas salas de projeção brasileiras se consolidou após o advento da Primeira Guerra Mundial, quando a produção cinematográfica europeia entrou em colapso devido ao fim do conflito. Apesar do domínio dos Estados Unidos na distribuição de películas para o mercado cinematográfico brasileiro, entretanto, os filmes europeus continuaram a serem exibidos para o público dos cinemas manauenses: Os militares identificavam a produção em massa das indústrias de bugigangas dos norte-americanos com os desvarios de uma sociedade excessivamente materializada e mercantilizada. Naquele momento [início da Segunda Guerra Mundial], o modelo autárquico experimentado pela Alemanha nazista era um paradigma aparentemente mais adequado para muitos militares brasileiros.18 Ao analisar as fontes percebe-se que a política desenvolvida pelo Governo de Getúlio Vargas, através do DIP e da censura cinematográfica, repercutiu na exibição de filmes nazi-fascistas, seguindo direcionamentos, às vezes dúbio, às vezes tendencioso para os países do Eixo. Augusto (1989), ao trabalhar com o momento político vivido pelo Brasil no início da Segunda Guerra, descreve a política desempenhada por Vargas em relação aos Estados Unidos e Alemanha. O governo brasileiro namora o Eixo e barganha com os ianques. Militares simpatizantes da ordem e do progresso nazi-fascistas fazem ponto no clube Germânia, na praia do Flamengo, enquanto Oswaldo Aranha cuida de nossa proeminência nos quadro da Política da Boa Vizinhança, parcialmente tecida por Franklin Roosevelt e Nelson Rockefeller. O general Góes Monteiro, eminência verde-oliva de Getúlio, convoca os empresários 18 TOTA, Antonio Pedro. O imperialismo sedutor: a americanização do Brasil na época da Segunda Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 23. 22 do rádio e da imprensa para um conselho: menos notícia sobre a Inglaterra, 19 mais apreço pela Alemanha. Enquanto Vargas fazia jogo duplo e alianças para barganhar com os dois países, através de medidas mais propensas aos regimes totalitários europeus, o reflexo dessa política pode ser visto no cinema a partir dos filmes exibidos nas salas de projeção da cidade de Manaus. Apesar da maioria das películas serem de procedência norte-americana, verificou-se que a exibição dos filmes alemães e italianos não se extinguiu e possuíam um público que apreciava a arte desenvolvida pela UFA alemã, assunto que será abordado mais adiante. 1.3. AS INSTITUIÇÕES E A IMPORTÂNCIA DA BORRACHA No plano político, o Brasil vivia sob a ditadura do Estado Novo. Diniz (1986) propõe a discussão da centralização do poder sobre dois enfoques: a primeira, explorada pela ideologia oficial, focaliza o fortalecimento do poder Executivo “contra a ação desagregadora do privatismo e do localismo”; sendo que a segunda visualiza a política nacional constituída desde o golpe do Estado Novo, em 10 de novembro de 1937, como um processo de centralização ainda maior do poder de decisão do Estado como representante dos anseios da nação. Destacando as transformações econômicas e sociais e a crise política e hegemônica com o embate entre os setores das classes dominantes ocorridas durante as décadas de vinte e trinta, favoreceu-se a implantação do estado autoritário e a promulgação da Constituição em benefício do fortalecimento do poder Executivo. Suas análises se detiveram sobre o segundo enfoque e as características dessa organização estatal redimensionaram sua atuação: A centralização e o aumento do grau de coerção do Estado não eliminaram, entretanto, uma tendência inaugural com a vitória do movimento de trinta, de combinar uma estrutura de poder elitista com uma base de sustentação policlassista, como forma de conferir certo grau de legitimidade ao sistema político em fase de reestruturação. 20 19 AUGUSTO, Sérgio. Este mundo é um pandeiro: a chanchada de Getúlio a JK. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 32. 20 DINIZ, Eli. O Estado Novo: estrutura de poder. Relações de classes. In: História geral da civilização brasileira: o Brasil republicano. 3. ed. São Paulo: DIFEL, 1986, cap. 2, p. 77-120. 23 Com o Estado centralizado, o controle dos meios de comunicação se intensificou, culminando com a criação do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) em 1939. A estrutura de governo criada desde o movimento de trinta possibilitou condições de criação de diversos órgãos ligados ao governo federal com a finalidade de atrelar e utilizar o rádio, o cinema e a imprensa como instrumentos de propaganda. 21 A propaganda do regime de Vargas se desenvolveu através do DEIP e visou orientar o homem amazônico e estimular sua adesão com as realizações do Estado Novo. Álvaro Maia, como interventor (1937-1945) fiel ao projeto estadonovista, desempenhou o papel de doutrinador político e endossou a defesa da “batalha da borracha”, proposta do Estado Novo como uma “política colonizadora” e nacional para a Amazônia. A interventoria amazonense atuou intensamente na propaganda do regime, fazendo a mitificação do Estado através da figura do chefe, identificado com a nação. Através de projetos corporativistas, desenvolveu uma política de colonização necessária à conquista territorial. Álvaro Maia admitiu a necessidade de braços nordestinos ou de outros brasileiros que pretendessem trabalhar nos seringais, pois acreditava que o incremento da produção de borracha impediria o êxodo das populações interioranas. 22 A matriz regionalista do “novo seringueiro” adquiriu respaldo com a reativação da produção da borracha baseada ainda no extrativismo adquirindo a dimensão de uma batalha. A deflagração de guerra na Europa proporcionou à economia industrial dos Estados Unidos graves problemas de fornecimento, sendo o de borracha o mais crítico. Não haviam sido feitas reservas de borracha, embora alguns funcionários governamentais tivessem previsto a escassez. Descobriu-se que as companhias químicas não tinham uma ideia clara sobre a produção de borracha sintética, pois se deixaram enganar por seus parceiros de cartel alemães. Iniciou-se, portanto, uma busca frenética em várias frentes destinadas a obter os fornecimentos necessários. Uma dessas frentes era o Brasil, onde, como subitamente se lembrou, a Ford possuía dois vastos seringais e onde trezentos milhões de seringueiras nativas 21 “A maioria dos autores reconhece que o Estado decorrente da revolução de 1930 criou uma prole de aparelhos propagandísticos, do qual o DIP foi o filho mais ilustre”. SOUZA, José Inácio de Melo. O estado contra os meios de comunicação (1889-1945). São Paulo: Annablume: Fapesp, 2003, p. 13. 22 SANTOS, Eloina Monteiro. Uma Liderança Política Cabloca. Manaus: Ed. Da Universidade do Amazonas, 1997. p. 114. 24 estavam em condições de serem exploradas, só faltando um preço compensador e uma supervisão americana.23 Os Acordos de Washington é como ficaram conhecidos os entendimentos entre os Estados Unidos e o Brasil. Incluíram o café, borracha, minérios e outros produtos e abrangeram o período de 1942 a 1947, durante o qual a produção, comercialização, industrialização da borracha extrativa passaram a ser controladas pelo governo federal. Tais acordos visaram reativar a produção da borracha extrativa, em crise por três décadas, de forma a aumentar os excedentes exportáveis para os Estados Unidos. Com a entrada dos Estados Unidos na guerra em 7 de dezembro de 1941 e os ataques simultâneos dos japoneses às colônias inglesas, francesas e holandesas, percebeu-se a necessidade imediata de borracha. A despeito de progressos consideráveis na química de borracha artificial em outros países, notadamente na União Soviética e na Alemanha, quase não se produzia borracha artificial nos Estados Unidos. Além disso, as características do produto artificial eram tais que se fazia necessário, na maioria das explicações, misturá-lo com borracha natural. Portanto, o estoque de borracha acumulado no início da guerra minguava rapidamente. Depois da entrada dos Estados Unidos no conflito, o governo britânico concordou com um pool da borracha que fornecesse aos americanos uma parte da produção das plantações que ainda estavam em mãos dos ingleses no Ceilão e na Índia. Mas esse fornecimento, juntamente com a produção da propriedade liberiana da Firestone, não devia atingir mais de 115.000 toneladas por ano, menos de 10% das necessidades projetadas para o tempo de guerra.24 Os entendimentos de 3 de março de 1942 se limitaram a dois pontos iniciais: 1) o Import and Export Bank concedeu créditos de 100 milhões de dólares para a mobilização de recursos; 2) o Rubber Reserve Company ofereceu 5 milhões de dólares para incentivo da produção. O impulso econômico incentivou a criação e o desenvolvimento de uma série de órgãos burocráticos, limitados a áreas determinadas: Instituto Agronômico do Norte, Superintendência de Abastecimento do Vale Amazônico (SAVA), Banco de Crédito da Borracha, Saneamento do Vale Amazônico, Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia, 23 DEAN, Warren. A luta pela borracha no Brasil: um estudo de história ecológica. São Paulo: Nobel, 1989. p. 131. 24 Dean, Warren. op. cit. p. 138. 25 contratos de trabalho-padrão e Serviço de Navegação da Amazônia e de Administração do Porto do Pará. O governo brasileiro rompeu relações com as potências do Eixo no dia 28 de janeiro de 1942. Já instituíra um sistema de preferências em defesa dos fabricantes nacionais de borracha, que forneciam o essencial das peças de reposição e pneus, e assumira o controle de toda a venda do produto. Em 3 de março de 1942, o Brasil firmou acordo com o governo dos Estados Unidos para participar de um esforço conjunto destinado a aumentar a produção de borracha. Os brasileiros só remeteriam o que excedesse a suas necessidades e receberiam assistência financeira e material para proporcionar a infra-estrutura necessária à expansão do comércio. Os Acordos de Washington proporcionaram à região a montagem de um esquema institucional que deveria servir de apoio para a reativação dos seringais nativos. Tal esquema fez parte da política de colonização marcada pela intenção de conquista territorial e de integração espacial do país. Neste momento, Álvaro Maia, à frente da interventoria amazonense, assumiu, em conformidade com o Estado Novo, a defesa da “Batalha da Borracha”, doutrinando seringalistas e seringueiros sob o pretexto de produzir mais borracha para a guerra.25 25 Santos, E. M. op. cit. p. 120. 26 CAPÍTULO 2 A CONSTRUÇÃO DE UM INIMIGO EM MANAUS O continente europeu estava vivendo momentos conturbados em sua política internacional em fins da década de trinta, uma vez que se prenunciava um conflito armado entre seus países devido à progressiva mobilização do exército do Terceiro Reich que visava a expansão territorial do regime nazista alemão. 26 Tomando por base as ideias trabalhadas por Ferro (1992) a respeito da Segunda Guerra, poder-se-ia dizer que, no campo da propaganda, pela postura tomada pelo governo norte-americano em relação ao nazismo, “o importante é que nos Estados Unidos foram feitos vários filmes antifascistas bem antes do país entrar em guerra”. 27 Para o autor, a propaganda antinazista desenvolvida pelo governo dos Estados Unidos definiu o posicionamento da classe artística de Hollywood em relação aos regimes totalitários. No segundo semestre de 1939 e no ano de 1940, as informações sobre o conflito foram transmitidas, como já visto anteriormente, pelas lentes cinematográficas dos países Aliados através dos cinejornais. Não foram encontrados nos periódicos locais nem anúncios nem registros da exibição de filmes alemães e italianos. No entanto, no ano de 1941, os cinejornais produzidos pela UFA alemã voltaram a ser exibidos nas salas de projeção de Manaus. 28 O avanço alemão no decorrer dos primeiros anos da guerra foi surpreendente, anexando diversos territórios que se submeteram às forças das armas do Terceiro Reich. Esses avanços foram registrados pelos cinegrafistas alemães incumbidos de filmar o que se passava no front de guerra. As atualidades [jornais cinematográficos produzidos pelo regime nazista] são elaboradas com cuidado, como verdadeiros filmes de 26 Diversas questões podem ser discutidas para entender a posição belicosa da Alemanha durante a década de trinta. Contudo, um dos fatos destacados pelos historiadores seria os tratados prejudiciais – imposição dos países vencedores no fim da Primeira Guerra – aos interesses da Alemanha. HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX (1914 – 1991). Tradução de Marcos Satarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. VIGEVANI, Tullo. Origem e desenvolvimento da Segunda Guerra Mundial: considerações sobre a querela dos historiadores. In: COGGIOLA, Osvaldo. Segunda Guerra Mundial: um balanço histórico. São Paulo: Xamã: Universidade de São Paulo. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de História, 1995. 27 FERRO, Marc. História da Segunda Guerra Mundial. Tradução: Mauro Lando e Isa Mara Lando. 2ª ed. São Paulo: Editora Ática, 1997. 28 Vide ANEXO A. 27 ficção, tendo, por exemplo, a música em sintonia com as pistas de som. A partir do verão de 1942 elas perdem um pouco da criatividade, mas continuam sendo as mais bem feitas de todas as atualidades de guerra. É verdade que os alemães dispõem de meios materiais consideráveis – dezenas de equipes de cameramen – enquanto as produtoras particulares inglesas e americanas tinham equipes menos numerosas e menores.29 A participação do alto comando alemão demonstrava o interesse estatal nas informações transmitidas, repassando através dos cinejornais os ideais propagados pela Alemanha nazista. Pode-se verificar a complacência da ditadura varguista com os ideais nazistas por meio da liberação dos filmes e cinejornais alemães. A partir de 1942, as tensões se acirraram entre os países americanos, em sua maioria, e os países que compunham o Eixo – Alemanha, Itália e Japão –, devido ao ataque à base norte-americana de Pearl Harbor pelos japoneses. Desde o início da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos promoveram a política de boa vizinhança com o Brasil com o intuito de cooptá-lo para o bloco antinazista. Com a agressão ao vizinho do norte, a pressão aumentou para que o Brasil acabasse com a “neutralidade” e rompesse as relações com a Alemanha, Itália e o Japão. A ideia fascista de influenciar politicamente o Brasil se desenvolveu e se consolidou no decorrer dos anos 30. Nesse período também, o governo fascista acreditava ter encontrado uma maneira de superar as deficiências que haviam prejudicado os esforços italianos no passado: a criação de uma ponte ideológica entre os dois países, que serviria para compensar quaisquer debilidades italianas para sustentar seus esforços hegemônicos no país. A expansão ideológica do fascismo seria a grande arma de ação da Itália no Brasil e na América Latina em geral. Esse interesse da Itália fascista por uma hegemonia política no Brasil era bastante teórico e condicionado pelas prioridades e pelos recursos italianos – tanto que a ameaça italiana nunca foi levada tão a sério, por brasileiros e americanos, como a alemã. O fato, porém, é que essa pretensão existia e, para atendê-la, o governo italiano dispunha, no Brasil, de um tripé formado por três polos: a coletividade italiana, a propaganda direta e o seu intenso relacionamento com o fascismo brasileiro representado pelo Integralismo e, em menor escala, com o regime do Estado Novo de Getúlio Vargas. 29 FERRO, M. op. cit., p. 26. 28 O primeiro instrumento de ação italiana era a propaganda direta da ideologia fascista entre a opinião pública brasileira. Essa propaganda foi mais característica a partir da segunda metade da década de 30. Faz-se necessário saber a que propósito servia, dentro dos interesses italianos, esse esforço de propaganda da Itália. A propaganda italiana era muito genérica e visava mais uma difusão do fascismo e a fabricação de uma imagem positiva para ele no país que realmente uma busca de influência direta. De um lado, é uma realidade que o fascismo procurava difundir sua imagem, em termos genéricos, no Brasil, também para seus fins de obtenção de um consenso externo para o regime, que sua política de propaganda foi cautelosa e muitas vezes contraditória – para evitar danos no relacionamento com o governo do Rio de Janeiro – e que encontrou enormes dificuldades em sua execução. Em última instância, porém, parece estar presente, como pano de fundo, o desejo italiano de usar a propaganda cultural e de difusão do fascismo como instrumento de penetração política capaz de influir em senso fascista e pró-Itália a política interna e externa do Brasil. Dentre tantos outros acontecimentos relacionados à guerra, nos anos iniciais percebe-se que para a cidade de Manaus, assim como para todo o Brasil, o conflito tomara grandes proporções no continente europeu, porém não oferecia perigo iminente. Nos periódicos citadinos, a guerra era noticiada constantemente, bem como nos cinemas, que progressivamente aumentaram a quantidade de filmes e cinejornais referentes ao conflito. Contudo, esse estado de relativa paz modificou-se ao longo do ano de 1942. Primeiro, em virtude do rompimento das relações diplomáticas com os países do Eixo, em 28 de janeiro de 1942; segundo, em razão dos afundamentos dos navios brasileiros, a partir de fevereiro de 1942, por submarinos alemães. 30 A mobilização para a guerra levou a diversas manifestações populares a favor de atitudes energéticas por parte do governo brasileiro. Diante da conjuntura, os debates relacionados ao cinema, nos periódicos, procuraram demonstrar o bom relacionamento existente entre o Brasil e os Estados Unidos e a consonância cultural compartilhada entre as duas nações. É importante perceber a interação entre os segmentos sociais, redatores de periódicos, exibidores de salas de projeção, produtores de cinema e poder público para que se 30 SILVA, Hélio. 1942: guerra no continente. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1972. O autor faz inicialmente uma cronologia dos fatos ocorridos nos anos de 1939 e 1942. No histórico apresentado, as agressões nazistas começam com o afundamento do navio mercante brasileiro Buarque, em 15 de fevereiro de 1942, pelo submarino alemão U-432. Sucessivamente outros navios foram sendo bombardeados pelos submarinos e navios dos países do Eixo na costa americana. 29 possa apreender a intervenção durante a Segunda Guerra, uma vez que, para se concretizar a propaganda contra os países do Eixo, esses segmentos vão agir em conjunto para informar e influenciar a população citadina. Nos Estados Unidos, o governo Roosevelt (1933-1945) utilizou o cinema para fins políticos. Hollywood comungando com os interesses do governo mesclou a produção de filmes, ora voltados para o entretenimento, ora para a propaganda política. Com o início da guerra e a entrada do país em dezembro de 1941, o cinema serviu com grande valor aos interesses norte-americanos no conflito.31 Em Manaus, a exibição de filmes concernentes ao conflito mundial aumentou consideravelmente durante os anos de 1943 e 1944. A atuação das empresas donas das salas de projeção endossou plenamente o esforço de guerra empreendido pelo estado brasileiro. Houve mobilização da população manauense contra os ataques aos navios brasileiros, bem como ao inimigo externo, representado pelos espiões da Quinta Coluna. Representando os ideais da nação brasileira, a juventude estudantil incorporou o sentimento de luta contra os inimigos dos países Aliados. A passeata dos estudantes – 4 de julho de 1942 – envolveria as escolas da cidade e outros setores da sociedade, como os comerciários, fazendo parte da grande mobilização popular ocorrida em todo o Brasil para a declaração de guerra à Alemanha, Itália e Japão.32 2.1. OS FILMES Desde antes da Segunda Guerra, o direcionamento político do governo dos Estados Unidos foi de repulsa aos ideais políticos do regime nazista alemão, deixando evidente na opinião pública do país o quanto era preciso combater o sistema político antidemocrático da Alemanha. Contudo, até o rompimento do Brasil com os países do Eixo, a 31 “Considerando que a indústria provou a sua habilidade de informar e entreter, juntamente com a aprovação de seu compromisso em assumir um papel mais agressivo de propaganda. Roosevelt estava confiante na agenda política e militar do seu governo e nos interesses comerciais que levariam Hollywood a trabalhar em união com o governo”. FERREIRA,Wagner Pinheiro. Guerra das imagens: cinema e política nos governos de Adolf Hitler e Franklin D. Roosevelt (1933-1945). Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003, p. 107. 32 Vide Anexo B. 30 propaganda feita na cidade de Manaus limitava-se à exaltação do sistema político norteamericano, seu estilo de vida e suas forças militares. Tomando como exemplo os filmes e cinejornais exibidos nas salas de cinema da cidade, percebemos o delineamento oriundo de Hollywood. Em 1941, alguns anúncios engendraram esse circuito, descrevendo as “façanhas” do exército norte-americano na defesa de seu país. Como primeiro exemplo, pode-se citar o filme “A Enfermeira Edith Cavell”, 33 exibido em outubro de 1941. A RKO-Radio apresenta ANNA NEAGLE, GEORGE SANDERS, MAY ROBSON, Edna May Oliver e Zazú Pitts, em: A ENFERMEIRA EDITH CAVELL. A história dramática da enfermeira inglesa que foi executada na Bélgica pelo exército de ocupação durante a Grande Guerra, pelo crime de humanismo. UMA PÁGINA DA HISTÓRIA QUE ABALOU O MUNDO. UMA MULHER CONTRA UM EXÉRCITO! - Abrem a sessão: o desenho colorido de Wast Disney - “PATINHO FEIO”, “FOX JORNAL N° 70”, contendo as últimas novidades internacionais, e o “CINE JORNAL BRASILEIRO N° 184”, complemento nacional da D. F. B.34 Os temas históricos, principalmente os referentes à Primeira Guerra Mundial, foram muito utilizados na composição dos enredos cinematográficos e também os mais exibidos nos cinemas da cidade no segundo semestre de 1941. Serviram para propagar, implicitamente, as atrocidades cometidas pelos alemães. A figura feminina representava a sutileza do confronto com o perigo nazista, tendo como princípios o amor à pátria e à família, misturados com o sentimento de nobreza e de compaixão. Nada melhor para causar impacto na população do que uma injustiça cometida contra uma pessoa, ainda mais se ela tinha como função zelar pela vida de outras. A película foi entendida como propaganda política dos Aliados, pois a “barbaridade” cometida pelos alemães, na Primeira Guerra, também podia ser antecipada para o segundo conflito. O filme foi produzido pela RKO, empresa que compunha a indústria cinematográfica hollywoodiana, demonstrando o compromisso assumido por esse seguimento na campanha contra o nazismo. Mesmo de forma implícita, o filme repassava os ideais encampados pelos países liberal-democratas. 33 34 O Jornal – Manaus, 12 de outubro de 1941, p. 06. Ibid, p. 06. 31 Desse mesmo gênero sobre a Primeira Guerra pode-se citar o filme “Regimento Heróico”,35 exibido em julho de 1941. Nele o anúncio chamava a atenção novamente para a grandiosidade dos soldados norte-americanos que lutaram no continente europeu. O grandioso filme da Warner Bros: Com JAMES CAGNEY, PAT O' BRIEN, GEORGE BRENT, BIG BOY WILLIAM e outros. O mais famoso regimento do universo em emoções e gargalhadas.36 Nesses anúncios, algumas mudanças na política externa brasileira já apresentavam uma tendência para a adesão à Política de Boa Vizinhança propagada pelos Estados Unidos no continente americano, a exaltação da nação norte-americana começou a tomar forma de aliança política. Esses filmes continham em seu enredo a propaganda política implícita de seus países de origem, condizentes com a censura imposta pelo Departamento de Imprensa e Propaganda e a política de “neutralidade” desenvolvida pelo governo do Estado Novo. Porém, essa política foi alterada com o ataque japonês a Pearl Harbor e a entrada dos Estados Unidos na Guerra. Portanto, os anúncios dos filmes e cinejornais exibidos nos cinemas da cidade de Manaus tiveram participação importante na transmissão de informações sobre a guerra. Hollywood desempenhou um papel significativo na construção do imaginário sobre o conflito, sutil e gradualmente construindo as imagens dos eventuais aliados e potenciais inimigos, direcionando inicialmente para a política de Boa Vizinhança e “respeitando” a condição da “neutralidade” brasileira. Leite (2003) em seus estudos sobre cinema questiona se essa arte manipula a realidade. Para ele, os filmes, ao fazerem uma representação da realidade, iludem o público com a falsa aparência de estar diante daquilo que existe efetivamente, ou seja, reproduzindo com fidelidade o que aconteceu. Contudo, a arte objetiva e neutra reproduzida pelas câmeras cinematográficas foi questionada, pois: Não proporcionavam o registro da realidade, uma vez que as imagens produzidas eram o resultado de escolhas feitas pelos fotógrafos e 35 36 O Jornal – Manaus, 09 de julho de 1941, p. 04. Ibid, p. 04. 32 cineastas e que tais escolhas eram condicionadas por seus interesses, suas crenças, seus valores...37 A causa propagada pela película tinha como principal articulador o governo dos Estados Unidos e seu principal representante no mundo do cinema: Hollywood. A causa da democracia em luta contra os estados totalitários viabilizava diversos utensílios para a construção dos enredos cinematográficos, que tinha em vista retratar de forma mais autêntica possível a postura do inimigo para estimular o público em geral a absorver esses ideais em proveito da campanha Aliada na guerra. No decorrer do conflito a necessidade de tomar o cinema uma obrigação para a população manauense e também de reconhecer as temáticas da Segunda Guerra Mundial, pertinentes aos sentimentos nacionalistas e patrióticos que envolviam os ideais de liberdade democrática apresentados pelos filmes hollywoodianos, foi bastante explorado pelas empresas proprietárias das salas de cinema e outros órgãos estatais. Os anúncios referentes aos cinejornais também mudaram sua postura quanto à forma de escrevê-los. Até o fim da “neutralidade” brasileira, em 1942, os textos se referiam às atualidades cinematográficas sem definir explicitamente para qual tendência política se direcionavam na guerra. No entanto, essa política foi reformulada com a entrada do Brasil na guerra e assim deixando definido quem eram os inimigos e os aliados. Nessa nova fase da guerra os Aliados passaram a vigorar triunfantes nas batalhas. As vitórias contra a Alemanha, Itália e Japão foram exaltadas pelos anúncios dos cinemas, fossem transmitidas através dos cinejornais ou dos filmes, caracterizando a luta patriótica pela liberdade, as triunfantes vitórias e a coragem dos combatentes entre outras qualidades atribuídas aos países aliados do Brasil no conflito. No lado oposto, os inimigos da democracia foram assinalados como causadores da penúria. Na luta contra os regimes totalitários não era apenas o filme ou a reportagem cinematográfica que tinha importância, os anúncios transmitiram com intensidade ao público a propaganda retratada nas telas dos cinemas. Procuraram chamar a atenção para os horrores e as misérias ocasionadas pelo nazismo, enfatizando nos anúncios palavras que desqualificavam o inimigo, fossem eles alemães, italianos ou japoneses. Com o lado definido no conflito houve benefício mútuo – entre os governos dos Estados Unidos e do Brasil – com a utilização do cinema na propagação dos ideais políticos 37 LEITE, Sidney Ferreira. O cinema manipula a realidade? São Paulo: Paulus, 2003, p. 16. 33 condizentes com a democracia, embora o Brasil vivesse sob a ditadura do Estado Novo. Para eles, a figura do oponente estava bem retratada pelos Estados Totalitários e o combate no campo das imagens parecia efetivar a participação da população manauense na guerra. O perigo dos espiões nazistas e da quinta-coluna levou a exibição de vários filmes que retratavam esses personagens históricos. O medo constituído pela população brasileira do perigo representado por esses personagens foi reforçado pelas películas norte-americanas. A peleja que acometia os países livres a defenderem suas aspirações contra os crimes praticados pelas nações do Eixo, encontrou no campo cinematográfico um importante aliado, levando multidões a conceberem as propostas políticas expostas nos filmes como verdades incondicionais. A repercussão dos filmes de propaganda norte-americana foi bastante evidenciada nos anos finais da Segunda Guerra Mundial. O “mal” passou a ser encarnado nos governos nazi-fascistas alemão e italiano. Esses governos eram símbolos de desenvolvimento e organização para o Estado brasileiro, mas nesse momento passaram a ser representados como ditaduras que promoviam a guerra e espalhavam o terror, ameaçando as nações livres das Américas. Outro anúncio significativo para se entender o papel desses filmes na manipulação da opinião pública foi a da película “E as luzes brilharão outra vez”, que mostrava a resistência francesa contra a opressão imposta pelo nazismo alemão. “[...] E AS LUZES BRILHARAM OUTRA VEZ” É a história de amor e sacrifícios vivida na França que a “Grande” Alemanha tenta, em vão, aniquilar...Paris dominada, e não conquistada, pelos “Suaves” nazistas é teatro de um romance que a Gestapo tenta aniquilar.38 A Gestapo representava a tirania nazista na repressão contra os países invadidos, personificando o mal quando aniquilava o “amor e sacrifícios” nos seus lares, escolas, hospitais etc. Esse anúncio parecia ser um aviso para a população do que poderia acontecer caso a Alemanha invadisse o Brasil, estimulando o sentimento antigermânico e fortalecendo o estado de guerra no cotidiano da cidade de Manaus. A luta travada nas telas dos cinemas refletia nos anúncios com toques sensacionalistas para chamar a atenção do público. Era 38 O Jornal – Manaus, 06 de junho de 1943, p.04. 34 preciso que a população incorporasse o anseio da luta pela liberdade e constituísse no seu imaginário o esforço de guerra do front interno.39 A empreitada norte-americana no combate aos países do Eixo definiu claramente a política estabelecida por Hollywood na produção cinematográfica. O perigo não vinha somente da Europa, mas também do continente asiático na figura dos “maléficos” japoneses. A exibição dos filmes anti-japoneses não ocorreu de maneira tão intensa como a propaganda contra os alemães, porém foram importantes para se compreender que o cinema se empenhou em caracterizar todos os países que compunham o Eixo, como inimigos da democracia e da liberdade tão almejadas pelo governo dos Estados Unidos e por Hollywood. Note-se que as “maldades” empreendidas pelos regimes totalitários europeus ganharam a devida atenção a partir de 1942, pois, até então, eram pouco divulgadas na imprensa local, bem como nos cinemas através dos filmes e cinejornais, em virtude da política empreendida pelo Brasil nos anos iniciais da guerra. Com o inimigo declarado, logo as manifestações de desagrado ocorreram e a imagem do inimigo ganhou contornos maléficos. No período da Segunda Guerra, caracterizar o inimigo fazia parte da política desenvolvida pelo governo Roosevelt, através de Hollywood, para que tivesse resultado a propaganda política empreendida nos filmes: Quando os países estão em crise ou em perigo de guerra, há uma necessidade crescente de simplificar as coisas. O outro lado fica totalmente mau, a própria causa é indiscutivelmente justa, e todos se juntam em volta dos símbolos da unidade. Os conflitos sociais estão rapidamente resolvidos ou disfarçados. As pessoas parecem muitas vezes desenvolver uma forte necessidade de perder suas complexidades individuais numa identidade nacional mais simples. Nesses tempos inseguros a propaganda política é mais eficiente. 40 Silvana Mesquita, ao estudar em sua Dissertação a política cultural no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial, através das ações do OCIAA - Office for Coordination of Commercial Affairs – e o papel das Seleções Reader’s Digest, enfoca no segundo capítulo a intervenção do Office, a partir dos relatórios da Divisão de Filmes, no Brasil, com a criação de Comitês ligados ao Departamento de Estado dos EUA. Sendo que, em relação ao cinema, a 39 CYTRYNOWICZ, Roney. Guerra sem guerra: a mobilização e o cotidiano em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Geração Editorial: Editora da Universidade de São Paulo, 2000. 40 FURHAMMAR, Leif e ISAKSSON, Fulke. Cinema e Política. Tradução de Júlio Cezar Montenegro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976, p. 187. 35 Divisão Cinematográfica e os Jornais Cinematográficos procuraram na produção das películas: (1) Conseguir a inclusão de material favorável aos EUA nos rolos de filmes exportados para a América Latina; (2) Incluir material favorável das Repúblicas americanas nos rolos de filmes exportados para o sul, para agradar os Latinos-Americanos e, ao mesmo tempo, fazer com que esses vissem o que as outras nações no Hemisfério faziam para eliminar a Ameaça do Eixo; (3) Eliminar material desfavorável aos EUA e das outras Repúblicas americanas dos rolos de filmes indo para o sul; (4) Inserir mais histórias sobre a América Latina em filmes distribuídos nos EUA para fazer com que os cidadãos americanos fiquem familiarizados com seus vizinhos do Hemisfério; (5) Eliminar as fitas do Eixo. 41 A evocação do sentimento patriótico parecia ser o ponto principal para atrair a população para as sessões de cinema, ressaltando a participação das diversas classes sociais, já que a luta contra o inimigo externo deveria minorar os conflitos de classe. Concomitantemente, o segundo semestre de 1942 foi marcado pela “caça” aos espiões nazistas, representados pela Quinta Coluna, a atuação da polícia manauense na repressão de qualquer atividade ou manifestação favorável ao Eixo e a exibição de filmes antinazistas nos cinemas da cidade. Em outras palavras, havia todo um aparato ideológico para representar de forma bem definida a figura do inimigo comum a todos os brasileiros. 2.2. COTIDIANO E NOTICIÁRIO DE GUERRA Quando nos referimos ao cinema durante a Segunda Guerra Mundial, é obrigatório falar do cotidiano nas salas de projeção, a influencia dos filmes hollywoodianos, a veiculação das informações sobre o conflito através dos cinejornais e filmes de longas metragens, a propaganda dos países em guerra e a participação do poder público e outros setores sociais e estatais comprometidos, direta ou indiretamente, no conflito. Afinal, o cinema tornava-se espaço de sociabilidade e propaganda frente à sociedade. Nessa perspectiva, as exibições dos filmes referentes à guerra e a utilização das 41 MESQUITA, Silvana de Queiroz Nery. A Política Cultural norte-americana no Brasil: o caso do OCIAA e o papel das Seleções Reader’s Digest 1940-1946. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, 2002, p. 70-71. 36 salas de projeção modificaram-se no decorrer do conflito, assumindo inicialmente uma postura “neutra”, e com a entrada do Brasil na guerra, esta nação veio a aderir à política antinazista dos países Aliados. Esses discursos procuraram enfatizar a política de Boa Vizinhança encampada pelo governo norte-americano e pelos principais estúdios cinematográficos dos Estados Unidos. Percebemos que se construiu no período estudado uma relação do cinema com os interesses diversos da sociedade, ganhando, durante o conflito, destaque por ser um dos principais meios de comunicação de massa utilizados na propagação de ideais e interesses políticos.42 Em seu livro “Cinema e História”, 43 Ferro (1992) traz diversos ensaios nos quais o cinema é visto por dirigentes políticos como um meio de propaganda que, bem utilizado, pode ter grande efeito na sociedade, sendo que trabalha o cinema como agente da história. [O filme] está sendo observado não como uma obra de arte, mas sim como um produto, uma imagem-objeto, cujas significações não são somente cinematográficas. Ele não vale somente por aquilo que testemunha, mas também pela abordagem sócio-histórica que autoriza.44 Foi no livro “Cinema e Política”, 45 que Leif Furhammar e Folke Isaksson procuraram discutir o cinema a partir da primeira guerra, como instrumento político com fins de propaganda. Segundo eles, “(...) geralmente os filmes de propaganda são tanto um meio de explorar um dado clima de opinião como o de exercer uma influência (...)”.46 Por isso, a importância de analisar o momento histórico, social, político e cultural para travar o debate entre cinema e história. Trabalhar com o contexto da Segunda Guerra Mundial tem um significado muito importante, porque, mesmo estando distante do conflito, foi criado na capital amazonense um estado de pavor pela população – bem como no Brasil de uma forma geral – devido ao suposto perigo iminente de invasão pelo Exército do Terceiro Reich. Roney Cytrynowicz (2000, p. 85), em seu trabalho discute as informações divulgadas no cotidiano da cidade de São Paulo enfatizando “a utilização da imagem da guerra em meio a uma trama urbana. Imagem distante, remota, aproximada da cidade e (re?) 42 COSTA, Antônio. Compreender o cinema. Tradução: Nilson Moulin Louzado. Rio de Janeiro: Globo, 1987. 43 44 45 46 FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. Ibid, p. 87. FURHAMMAR, Leif e ISAKSSON, Fulke. op. cit. Ibid, p. 13. 37 calcada em fantasias produzidas em São Paulo para criar sensações de guerra”. 47 As informações veiculadas pelo rádio, impressos e cinemas reproduziram diversas fantasias sobre o perigo nazista existente no país. Sem dúvida, o cinema era utilizado como um componente estratégico no conflito para criar comoção e propagar as ideologias dos países em guerra. Segundo Virilio (1993, p. 15), os filmes foram importantes instrumentos de guerra. À medida que os modernos combatentes estão decididos a invadir a totalidade destes campos, impõe-se a idéia de que o verdadeiro filme de guerra não deve necessariamente mostrar cenas de guerra em si ou de batalhas. O cinema entra para a categoria das armas a partir do momento em que está apto a criar a surpresa técnica ou psicológica.48 O desenvolvimento do cinema como arma de propaganda ocorre concomitantemente com a indústria bélica, devido o fato do cinema ser considerado como uma importante arma psicológica e de representação durante os conflitos, viabilizando mais uma frente de combate, destacando outros filmes que não falam necessariamente sobre o conflito, todavia criavam certa comoção social. Pesquisar o cinema como frente de combate, sua representação psicológica perante o público que freqüentava as salas exibidoras durante a Segunda Guerra e os filmes sobre o conflito, como forma de propaganda dos países envolvidos na guerra, tem uma visibilidade bastante significativa em Manaus. A imprensa local publicava diversos anúncios e artigos sobre as películas de guerra. Verificou-se, então, a partir da análise das fontes históricas, que assim como na Primeira Guerra, momento em que o cinema propaganda “engatinhava” para se firmar, na Segunda Guerra os países beligerantes tiveram um amadurecimento e avanço na utilização do cinema como instrumento político de propaganda. O domínio de Hollywood sobre o público dos cinemas brasileiros não se deu de imediato com a criação do cinema. Desde sua aparição em Manaus até a Primeira Guerra Mundial os filmes europeus dominaram o mercado cinematográfico brasileiro. Os filmes vindos da França e da Inglaterra, e até mesmo da Alemanha, faziam sucesso perante o público 47 48 CYTRYNOWICZ, R. op. cit., p. 85. VIRILIO, Paul. Guerra e cinema. São Paulo: Scritta Editorial, 1993, p. 15 38 manauense. Nesse período, o cinema norte-americano ainda estava constituindo sua base de dominação, que veio se concretizar nos anos posteriores ao final do primeiro conflito. Durante a Segunda Guerra Mundial, nos anúncios dos filmes e suas descrições, verifica-se em seu conteúdo um intenso caráter de propaganda, colocando os países do Eixo como grandes “demônios” a serem exorcizados do mundo. A democracia era o grande baluarte da luta contra o nazi-fascismo. Assim, o cinema passou a fazer parte do ambiente citadino, caracterizando sua atuação junto ao público como uma relação amorosa parecida com os filmes de Hollywood, imaginário na sua criação e real para quem assistia. É notório, nos anúncios e artigos referentes aos filmes de guerra, o caráter político e de propaganda desenvolvido principalmente por Hollywood dentro do contexto da Segunda Guerra Mundial. Vê-se tal caráter na política getulista, refletida nos anúncios diante do contexto do conflito, pois houve interferência por parte do Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda na exibição de filmes e cinejornais nos cinemas de Manaus. Com essa análise, pôde-se verificar, inicialmente, uma ligação entre os países do eixo com o Brasil, a partir da liberação de filmes vindos da Alemanha e Itália, e depois da declaração de guerra a esses países, a proibição. E por último, a propaganda antinazista pelos Estados Unidos nos cinemas manauenses. O papel desempenhado pelo cinema nos anos iniciais, como o de apenas mostrar imagens em movimento ou, posteriormente, servir como propagador de moda logo foi percebido como um importante instrumento de divulgação de idéias políticas que durante a Primeira Guerra serviu como veículo de informação, através de cinejornais, e também de propaganda dos países beligerantes, uma vez que seus governos patrocinavam a produção de filmes com conteúdos de propaganda política e social. No decorrer da Primeira Guerra Mundial a maioria dos filmes exibidos nas salas de cinema em Belém vinha da Europa. Nesse momento, não havia filmes vindos dos Estados Unidos com grande repercussão. Assim explica Jean-Claude Bernadet: (...) até a guerra de 1914/18, o domínio fica com a França, Itália, Alemanha, Suécia e Dinamarca. Após a guerra, com o enfraquecimento das cinematografias europeias, é a vez dos Estados Unidos que se instalam e até hoje continuam instalados (...).49 49 BERNADET, Jean-Claude. Cinema Brasileiro: proposta para uma história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 12. 39 Ao trabalhar com o cinema durante a Segunda Guerra, deve-se mencionar o mérito da indústria criada em torno do ícone produtor de filmes que se tornou Hollywood e a criação dos símbolos humanos em que se transformaram astros e estrelas cultuados em várias partes do globo. A produção cinematográfica desenvolvida nos Estados Unidos criou um sistema de divisão industrial que envolveu desde a produção, distribuição e exibição e incorporou diversos países. O Brasil passou a ser rota importante para essa indústria durante o segundo conflito que, em grande parte, consumiu os filmes vindos da grande fábrica de ilusões. Os artistas tiveram grande importância para a consolidação do cinema e durante a Segunda Guerra Mundial serviram para diversos propósitos políticos, emocionais e de propaganda dos países envolvidos no conflito. Fossem elas utilizadas na política de boa vizinhança ou na propaganda beligerante norte-americana, as estrelas aproveitavam seu carisma para cooperar com os esforços de guerra e comover as platéias adeptas dos ideais democráticos. A euforia criada com a declaração de guerra do Brasil aos países do Eixo em 1942 e as derrotas sofridas pelos exércitos da Alemanha, Itália e Japão pelos Aliados já havia amenizado o perigo de uma invasão nazista no ano de 1944. A rotina dos cidadãos voltava ao normal, porém a guerra não havia terminado e o inimigo ainda não estava rendido. Assim, havia suspense e euforia na oportunidade para acompanhar o desenrolar do confronto nas salas de projeção. Retrocedendo até o ano de 1939, poder-se-ia dizer que a guerra estava longe, não somente por envolver inicialmente apenas os países da Europa, mas porque não afetou inicialmente o cotidiano dos citadinos manauenses. 50 A “neutralidade” brasileira colocava a nação em uma posição de espectador dos eventos mundiais e, como bons espectadores, nada melhor que uma tela branca em um salão escuro para tomar ciência do conflito. A condição de “neutralidade” brasileira permitiu às empresas produtoras a distribuição de filmes informativos sobre as ações militares. O papel exercido pela produção cinematográfica não coube somente aos cinejornais, mas também aos filmes longas-metragens 50 A guerra começou com a ocupação da Polônia pelos exércitos em 1º de setembro de 1939. Inicialmente confrontaram-se diretamente as principais potências europeias, de um lado Alemanha e Itália (Eixo) e de outro, Inglaterra e França (Aliados), tendo a União Soviética assinado em agosto de 1939 o tratado de Molotov-Ribbentrop com a Alemanha de não agressão. Configurou-se em um primeiro momento como uma guerra europeia, posteriormente o conflito se expandiu para outras nações do mundo. VIGEVANI, op. cit., p. 1535. 40 que atuaram de forma expressiva na tentativa da construção social de pensamentos e tendências no decorrer do conflito. A “imparcialidade” das reportagens estava sob a tutela do Estado Brasileiro que proibia qualquer manifestação explícita através dos filmes que pudessem difamar a imagem de algum país com o qual tivesse relações diplomáticas. As outras reportagens faziam parte do contexto factual da guerra e da atitude das produtoras cinematográficas de Hollywood em relação às atividades dos Aliados e sua resistência em relação ao Estado Alemão. 51 Os jornais de guerra perduraram até o final da Segunda Guerra Mundial, mas a partir de 1941, foram dividindo espaço nas telas das salas de projeção da cidade como veículos de informação e grau de importância com as películas de longa metragem. Nos anos de 1939 e 1940, poucos foram os filmes referentes ao conflito que passaram nos cinemas da capital amazonense. No entanto, desde o início, os anúncios das películas produzidas por Hollywood ressaltaram como temas principais o drama patriótico, a apresentação do poderio bélico dos Estados Unidos e os ideais de liberdade. Como já evidenciada neste trabalho, a cinematografia produzida por Hollywood dominava os cinemas brasileiros com filmes propagando os ideais norte-americanos a respeito do estilo de vida e da estrutura política democrática. No decorrer da Segunda Guerra a indústria cinematográfica norte-americana logo identificou seus inimigos nazistas e se posicionou através da produção de várias películas contra os regimes totalitários. Porém, antes do rompimento das relações diplomáticas e a declaração de guerra do Brasil aos países do Eixo, os filmes antinazistas foram proibidos pela censura do DIP, pois feria a política de “neutralidade” desenvolvida pelo governo brasileiro. Somente os cinejornais de atualidades sobre a guerra e os filmes de cunho patriótico e militar foram liberados para exibição nos anos iniciais do conflito. Nos cinemas da capital amazonense o rompimento das relações diplomáticas com os países nazi-fascistas, em 1942, foi refletido com a liberação das películas antinazistas pelo 51 O avanço vertiginoso dos exércitos nazistas, bem mais aparelhados militarmente, não encontrou grandes resistências no continente europeu no decorrer dos anos de 1939, 40 e 41. Fora a ilha inglesa que mantinha resistência a distância, os outros países que se contrapuseram à Alemanha foram derrotados “para fins práticos a guerra na Europa acabara. Mesmo que a Alemanha não pudesse invadir a Grã-Bretanha, devido ao duplo obstáculo do mar e da Real Força Aérea, não havia possibilidade de uma guerra em que os britânicos pudessem e tornar ao continente europeu, quanto mais derrotar a Alemanha. Os meses de 1940-1, quando a GrãBretanha ficou sozinha, são um momento maravilhoso na história do povo britânico, ou pelo menos dos que tiveram a sorte de vivê-los, mas as possibilidades do país eram exíguas”. HOBSBAWM, E. op. cit., p. 46. 41 governo do Estado Novo. Filmes de comédia, ação, guerra, drama, desenhos e outros gêneros serviram para a propaganda dos Estados Unidos contra o inimigo nazista. Retomando as ideias discutidas por Furhammar e Isaksson, ao trabalhar os filmes com propósitos políticos e como arma de propaganda, os autores ressaltam a importância de elementos como surpresa, ameaça, aventura, amor, morte para tornar os filmes de propagandas mais eficazes na transmissão de mensagens políticas. Sendo assim, a propaganda tem a intenção de forçar as pessoas a aderirem a um ideal específico, devido à manipulação da imagem cinematográfica transformar a realidade de acordo com os interesses de quem produziu as películas. Os autores alertam que mesmo os documentários ou reportagens de guerra tendem a atuar como filmes de propaganda por apresentarem apenas um lado da verdade. 52 Em Manaus, apesar do fim da neutralidade brasileira, poder-se-ia dizer que a propaganda explícita antinazista através dos filmes iniciou a partir do dia 25 de agosto de 1942, quando foi publicado um artigo sobre o primeiro filme de propaganda contra o regime totalitário do Reich que seria exibido nas salas de projeção da cidade, sendo que o artigo tem grande importância para demonstrar a mudança ocorrida na política do DIP, e do DEIP do Amazonas, quanto à liberação das películas. Com o título “O QUE TEM SIDO A ALEMANHA NAZISTA!”, o artigo enfatizava: Toda a história de 70 milhões de pessoas, sintetizadas nos mais dramáticos episódios de sete criaturas, sete almas venturosas e despreocupadas que uma estranha fatalidade à miséria, vítimas do despotismo, da intriga e da ambição... Neste horrível regime, demonstrando toda a perversidade de seus chefes e o meio pelo qual se espalhou pela Alemanha, graças ao gênio de Frank Borsage, foi fielmente passado para a tela com o título 'TEMPESTADES D'ALMA' e a empresa Fontenele não mediu sacrifícios a fim de contratá-lo para exibição em suas casas de diversão, para que o nosso público tenha a oportunidade de apreciar na tela o que é o horror da forma de governo implantada por Hitler! 'TEMPESTADES D'ALMA' será exibido de sexta a Domingo próximos no cine Politeama.53 O reconhecimento da importância do cinema na luta contra o inimigo, transmitindo imagens aos países Aliados do “regimen de escravidão total” imposto à Europa 52 53 FURHAMMAR, e ISAKSSON, op. cit., p. 145-159. O Jornal – Manaus, 25 de agosto de 1942, p. 04. 42 pelos estados totalitários da Alemanha e Itália – na Ásia esse papel foi desempenhado pelo Japão –, favoreceu a absorção dos ideais democráticos propagados pelos Estados Unidos, estimulando os brasileiros a assistirem as películas contra as nações do Eixo. Conforme pesquisou Tota (2000) a respeito da americanização do Brasil na época da Segunda Guerra Mundial, com a política de “neutralidade” implementada pelo governo dos Estados Unidos nos anos iniciais da Segunda Guerra e a apreensão do presidente Roosevelt em manter a política isolacionista em relação à Europa, as atenções voltaram-se para a defesa e a cooperação no continente americano. Com a vitória nas eleições de 1940, Roosevelt fortaleceu suas bases políticas ganhando um aliado de peso: Nelson Rockefeller. 54 Continua explicando o autor, que a preocupação do governo norte-americano com a expansão das ideologias socialistas e nazi-fascistas na América Latina, fez com que sua atuação se intensificasse nessa parte do continente. Com grande poder econômico e boas articulações políticas, Nelson Rockefeller conseguiu a criação, em 16 de agosto de 1940, do Office for Coordination of Commercial Affairs (OCIAA). A atuação do Office estimulou as relações comerciais entre as Américas do norte e do sul, bem como procurou propagar o modo de vida norte-americano, intimamente relacionado ao liberalismo e à democracia vivida nos Estados Unidos. Destacou-se para esses fins a Divisão de Cinema do OCIAA, que, além de investir na produção de filmes, voltou-se para exibi-los na América Latina. 54 TOTA, Antonio Pedro. O imperialismo sedutor: a americanização do Brasil na época da Segunda Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 41-72. 43 CAPÍTULO 3 O AMAZONAS FRENTE À POLÍTICA NACIONAL As notícias sobre a “tragédia internacional” pela qual passava o continente europeu eram veiculadas diariamente pelos periódicos de Manaus com bastante ênfase. Apesar disso, as reportagens sobre os artistas de cinema pareciam confortar os momentos conturbados daqueles anos, o que no decorrer da guerra configurou-se como política de boa vizinhança, empreendida pelo governo dos Estados Unidos para cooptar o Brasil na luta contra o Eixo.55 A “decisão” de Hollywood fazia arte da política desenvolvida pelo governo dos Estados Unidos de estabelecer o intercâmbio cultural, com pretensões políticas. Para Tota (2000), a participação do “Motion Picture” foi primordial para a americanização do Brasil durante a Segunda Guerra Mundial e os filmes essenciais para a divulgação do estilo de vida norte-americano (american way of life) e sua propagação para a América Latina.56 Para o historiador, na luta das democracias contra o Eixo, a participação do Brasil tinha relevância, pois significava um ponto de apoio importante na América Latina, além do que o Presidente Vargas demonstrava-se propenso às idéias nazi-fascistas. Portanto, interessava ao Estado norte-americano investir em uma política de boa vizinhança com o Brasil, intensificada com a atuação do “Office of the Coordinator of InterAmerican Affairs” sob a liderança de Nelson Rockefeller. O Office desenvolveu uma política amistosa, procurando propagar nos Estados Unidos o que a América Latinha tinha de interessante, especialmente o Brasil, tendo como instrumento o cinema. 55 Carlos Guilherme Mota, em um artigo sobre cultura e política de boa vizinhança entre Brasil e Estados Unidos, afirma que a vinda dos artistas Genevieve Naylor e Misha Rezmikoff tinha como objetivo conhecer a cultura brasileira e aproximar, politicamente e culturalmente, os dois paises durante a Segunda Guerra. “Em plena Segunda Guerra Mundial (1939-1945), tornava-se imperioso o estreitamento das relações interamericanas, o fortalecimento da união pan-americana no confronto com o assustadoramente crescente esquema bélico-industrial do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Voltaram-se as idéias de integração continental, os ideais expressos na velha Doutrina Monroe do século passado, a impressão forte que nossos povos têm uma história em comum, além de um passado colonial semelhante. A Política de Boa Vizinhança nasce nesse contexto internacional: o Brasil de Getúlio Vargas e do Estado Novo que oscilara entre as duas forças – Aliados versus Eixo – inclino-se finalmente para os primeiros. Não sem alguma pressão, inclusive por parte do próprio presidente Franklin Delano Roosevelt”. MOTA, Carlos Guilherme. Cultura e política de boa vizinhança: dois artistas norte-americanos no Brasil. In: COGGIOLA, Osvaldo. Segunda Guerra Mundial: um balanço histórico. São Paulo: Xamã: Universidade de São Paulo. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de História, 1995, p. 489-501. 56 TOTA, Antonio Pedro. O imperialismo sedutor: a americanização do Brasil na época da Segunda Guerra. São Paulo. Companhia das Letras, 2000. 44 No período da Segunda Guerra, a produção cinematográfica norte-americana já havia se consolidado perante o público brasileiro e os esforços empreendidos pelos estúdios na divulgação dos ideais democráticos americanos foram visíveis na relação entre Brasil e Estados Unidos. Contudo, inclusive com a vinda de artistas de Hollywood para o Brasil, para difundir os produtos culturais nacionais. Essas “trocas culturais” serviram para difundir perante a sociedade brasileira a boa relação existente entre as duas nações. Entretanto, percebe-se a intenção política por trás dessas trocas, pois após a entrada dos Estados Unidos na guerra – e posteriormente no Brasil – ficou mais explícito na imprensa o interesse de ambos em tirar proveito da política de boa vizinhança no decorrer do conflito. Ao iniciar a Segunda Guerra Mundial em setembro de 1939, as salas de projeção de Manaus serviram como veículo de informação do conflito com a exibição de cinejornais e filmes referentes ao conflito. Assim como os jornais e revistas da época, o rádio e o cinema foram utilizados como propagadores de ideais políticos, sendo que dentro ou fora dos filmes os artistas contribuíram com o esforço de guerra, ora servindo nas fileiras militares como soldados, ora atrás das câmeras com filmes de propaganda. Nos idos de 1944, a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial já era iminente e suas tropas se preparavam para ir ao continente europeu lutar a favor da democracia contra os inimigos nazistas. Cada nova invasão, derrota, avanço, recuo ou bombardeio era esperado com entusiasmo por muitos, que buscavam nos diferentes meios de comunicação uma forma de informação sobe o assunto. Cytrynowicz (2000) afirma que ao trabalhar com o tema do cotidiano, durante a Segunda Guerra Mundial em São Paulo, deve-se compreender as intenções do governo brasileiro de criar um clima de guerra mobilizando a população sem que realmente esteja sofrendo qualquer tipo de ataque inimigo e para isso, o rádio e o cinema sem dúvida contribuíram significativamente para criar esse sentimento. A guerra para o Brasil, para São Paulo, mesmo quando estava formalmente declarada a guerra entre Brasil, Alemanha, Japão e Itália, foi uma notícia contada pelo rádio (como seriam depois, essencialmente, imagens de cinema norte-americano). 57 57 CYTRYNOWICZ, op. cit., p. 47. 45 O estado de guerra mobilizou as várias cidades do Brasil na luta contra o perigo nazi-fascista, sendo que, para esse autor, o perigo da invasão inimiga era muito mais notícia nos meios de comunicação do que a certeza de uma ofensiva. Percebe-se na análise da documentação que o cinema desde o primórdio do conflito foi utilizado como meio de divulgação das movimentações bélicas dos países envolvidos diretamente no conflito. No entanto, como a maioria dos filmes exibidos nas salas de projeção da cidade de Manaus era de precedência norte-americana, pode-se afirmar que nos ideais propagados através das telas ecoavam a política de boa vizinhança pregada pelo governo dos Estados Unidos. No final de 1941, um evento da Segunda Guerra Mundial mudaria definitivamente a política de “neutralidade” brasileira. Com o ataque a Pearl Harbor, às 6 horas da manhã do dia 7 de dezembro, os Estados Unidos declararam guerra aos países do Eixo, acabando com sua política externa de “neutralidade” e lutando ao lado dos Aliados. Consequentemente, a pressão norte-americana para que o Brasil se posicionasse a favor do seu “irmão maior” do continente aumentou, influenciando a tomada de posição do governo de Getúlio Vargas. 58 As repercussões desse evento logo se fizeram visíveis na política externa brasileira. No final de janeiro de 1942, o Brasil rompia relações diplomáticas com os alemães e começava a se preparar para o confronto. O perigo da guerra “européia” chegava ao Brasil e a mobilização cívica contra o perigo nazista tomou conta das ruas com passeatas a favor da democracia. Os primeiros passos haviam sido dados para um empreendimento poderoso na luta contra os países totalitários. Os filmes de propaganda antinazistas ganharam espaço no circuito de exibição dos cinemas manauenses. As películas que tiveram grande repercussão na imprensa brasileira ganhavam destaque ao serem exibidos nos cinemas locais. O circuito de exibição de filmes seguia uma rota sul/sudeste em direção ao nordeste/norte; sendo assim, essas películas ao chegarem em Manaus já tinham se tornadas referências nos principais cinemas brasileiros. O filme Tempestade d’Alma teve sua estreia no dia 24 de julho de 1942. A película possuía os elementos necessários para que atraísse a atenção do público: um enredo 58 O ataque a Pearl Harbor conjuntamente com os afundamentos dos navios brasileiros pelos nazistas foram os motivos oficiais que levaram a nação brasileira a declarar guerra aos regimes totalitários. Contudo, a política de boa vizinhança desenvolvida pelo governo norte-americano nos anos iniciais do conflito já demonstrava a importância do Brasil para a proteção do continente americano. 46 propício para a situação em que a guerra se encontrava – contando a participação do Brasil no conflito – e um belo romance para agradar a maioria do público que gostava do gênero. A participação da população comparecendo ao cinema para assistir ao filme parecia demonstrar a importância da indústria cinematográfica para a atualidade da guerra, bem como a aceitação e reconhecimento da película para o maior entendimento do regime nazista. Porém, esse entendimento se caracterizava pela visão dos Aliados em relação ao conflito, procurando demonstrar os horrores proporcionados pelo regime totalitário alemão. Anteriormente, falamos acerca da importância do cinema para o Estado Novo como instrumento de educação. O cinema voltado para fins instrutivos fazia parte do debate dos intelectuais e dos órgãos governamentais. A compreensão em relação ao cinema girava em torno do seu valor para a propaganda dos países civilizados, por isso a preocupação quanto à nacionalização e o fomento da indústria cinematográfica brasileira, para que esta viesse a atender aos interesses diversos, tanto dos produtores quanto do governo. Ao analisar a relação entre Estado e cinema no Brasil, Simis (1996) trabalha com as teorias debatidas desde o final da República Velha, em relação à utilização do cinema como meio de propaganda do estado brasileiro. Esse debate vai ser adensado com a participação de vários intelectuais e políticos após a implantação do governo de Getúlio Vargas, em 1930. Nesse caso, visava-se não só o cinema com função educativa para a sociedade brasileira, mas também “contribuir para unir e entrelaçar as forças vivas da nação”.59 Como visto anteriormente, o cinema tinha como função estabelecer a comunicação entre as diversas regiões brasileiras, despertando assim o sentimento patriótico, desvinculando as diferenças de classe existentes no Brasil em prol da integração da nação, tendo como porta voz o Estado. Não por acaso, durante o Estado Novo, período em que Getúlio Vargas buscou fazer-se o centro político, único árbitro e salvador dos extremismos da direita e da esquerda, mais do que fora como presidente provisório ou presidente constitucional, a máquina da propaganda expandiuse e aperfeiçoou o controle das informações, com a realização de filmes que 59 Anita Simis trabalha com os discursos apresentados por alguns intelectuais brasileiros, antes e depois da “Revolução de 30”, a respeito da utilização do cinema como ferramenta para o desenvolvimento da educação. Para a autora, o governo de Getúlio Vargas compreendeu a importância do cinema para a propaganda do Estado Novo. SIMIS, Anita. Estado e cinema no Brasil. São Paulo: ANNABLUME, 1996, p. 43. 47 procuraram difundir uma imagem carismática de Vargas, caracterizando-o como ser onipresente e onisciente, mas também simples e acessível. 60 Acrescenta a autora que a imagem de Getúlio Vargas estava vinculada ao crescimento do Brasil, sendo que as filmagens produzidas nesse período mostravam o presidente inaugurando obras e serviços públicos, bem como visitando diversos estados e estabelecimentos civis e militares para posteriormente serem editadas e exibidas através de cinejornais patrocinados pelo DIP. Sendo assim, os acontecimentos relacionados às exibições das fitas, fossem elas cinejornais, documentários ou longa metragem, por parte do poder público municipal e estadual em comunhão com as empresas cinematográficas, estavam atrelados a determinados pressupostos do Estado Novo. Destarte, esses eventos foram debatidos posteriormente, vinculados aos desdobramentos e participação do Brasil no conflito, pois essas exibições esporádicas ocorridas nos primeiros anos da Segunda Guerra Mundial irão se intensificar e servir como mais um espaço de organização e difusão de pensamento sobre o conflito. 3.1. AÇÕES SOBRE AS COLÔNIAS ALEMÃS, ITALIANAS E JAPONESAS Em 22 de agosto de 1942, após uma reunião ministerial, o Brasil declarou guerra aos países do Eixo. Com a guerra declarada, a política de nacionalização de Vargas foi posta em prática com o intuito de controlar os núcleos de origem alemã, italiana e japonesa no país. As sociedades e as escolas eram os principais focos. Uma das primeiras ações nesse processo que repercutiu em todo o Brasil foi o fechamento pelo governo do Clube Germânia, localizado na praia do Flamengo nº 132, no Rio de Janeiro. Após o fechamento, o clube foi ocupado pela União Nacional dos Estudantes – UNE.61 60 Ibid, p. 46. Foi a partir desse momento que a UNE e outras entidades estudantis adquiriram certo status, principalmente após as manifestações contra o Eixo. É importante destacar que, passando pelo pedido a Vargas ou pela ocupação direta da sociedade alemã, a UNE evidenciou sua força política no contexto do Estado Novo, tanto que o prédio ficou ocupado pela entidade até seu incêndio, em 1964, pelos militares. Vale observar que, a partir de então, as reivindicações dos estudantes, que eram restritas ao círculo universitário nos primeiros anos de vida da entidade, ganharam dimensão e adesão do povo, que também saiu às ruas para lutar pelo posicionamento do país contra os governos do Eixo. O movimento estudantil organizado saía às ruas para, pela primeira vez, 61 48 O que aconteceu com o Clube Germânia foi o início de um processo que se estendeu por todo o Brasil. Diversos periódicos editados pelas filiais brasileiras do Partido Nazista Alemão62 foram proibidos. O “Aurora Alemã”, por exemplo, com toda a simbologia nazista – águia e suástica – mostrada de forma explícita já na capa, que começou a ser editado um ano antes da ascensão de Hitler, em março de 1932, parou de circular no fim de 1941, no auge da Campanha de Nacionalização varguista, quando foram proibidas aqui publicações impressas em língua estrangeira. Além da divulgação das concepções nazistas, o “Aurora Alemã” relatava o que acontecia na filial do partido no Brasil, e publicava anúncios convidando os leitores a contribuírem financeiramente para o Auxílio de Inverno Alemão, um programa de ajuda para os setores mais pobres da sociedade germânica. Um dos indícios de que setores civis da comunidade alemã estavam envolvidos com o partido, mesmo que indiretamente, é a quantidade de anúncios presentes ao longo desses anos de circulação. Alfaiatarias, relojoarias, consultórios dentários, confeitarias, restaurantes, bares, tinturarias, livrarias, bancos e cervejarias, como a Brahma e a Antarctica, eram alguns dos fiéis anunciantes. Paulatinamente o jornal foi sofrendo as conseqüências da Campanha de Nacionalização deflagrada por Vargas, e abrasileirando-se por gestões do onipresente Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Em setembro de 1941, o título em alemão foi retirado da primeira página. Em novembro, o jornal, agora editado totalmente em português, passou a denominar-se “Aurora Ilustrada”. Demorou pouco para a extinção completa da publicação. Em dezembro do mesmo ano, o “Aurora Alemã” , de triste memória, deixou de circular. Entre as duas guerras mundiais, um novo regime, o fascismo, conduziu os destinos da Itália. Para os emigrantes daquele país espalhados pelo mundo, o fascismo trouxe uma novidade, ou seja, um renovado empenho do governo de Roma para manter os emigrados ligados a seu país de origem e, com isso, conseguir benefícios para a Itália no jogo de poder internacional. A concepção de que os italianos na diáspora – e seus descendentes – deveriam ganhar peso e respaldo da sociedade brasileira. DIETRICH, Ana Maria. Alunos fora do Eixo. Revista de História da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, n. 2, 2007. 62 A primeira filial do Partido Nazista fora da Alemanha foi fundada no Brasil em 1928. O alvo deste agrupamento político – que permaneceu ativo durante dez anos, sem ser incomodado pelas autoridades brasileiras – era a comunidade alemã estabelecida no país. Os participantes, em sua quase totalidade, eram alemães natos, considerados “puros” do ponto de vista da teoria racial divulgada por Hitler. Em seu auge, o partido somou 2.900 integrantes, configurando-se como o maior grupo de nazistas “de carteirinha” fora da Alemanha. DIETRICH, Ana Maria. op. cit., p. 22. 49 manter laços com a pátria distante e defender seus interesses não era propriamente nova. O assunto já era discutido no século XIX. O que o regime fascista fez foi potencializar este pensamento e tentar colocá-la em prática, não sem contradições e problemas. No Brasil, o projeto fascista era que os imigrantes, seus filhos e netos deveriam permanecer vinculados à Itália, obedecendo às ordens de Roma quando fosse necessário, mas, na verdade, nunca se pensou em utilizar essas pessoas como uma “quinta-coluna”63 para, por exemplo, uma possível invasão italiana do Brasil. O governo de Mussolini sabia que a possibilidade de os imigrantes influenciarem realmente a política externa brasileira era bem remota. Ainda assim, foi feito todo um esforço para reuni-los em torno da bandeira italiana e do credo fascista. Para tanto, os admiradores de Mussolini agiram de várias formas. Em primeiro lugar, foram instalados no Brasil órgãos do próprio partido fascista, como os fasci all'estero – grupos de militantes no exterior –, os círculos do Dopolavoro – com a função de organizar o tempo livre dos trabalhadores – e outros. Os fascistas também conseguiram controlar quase todas as escolas e associações da colônia italiana e o grosso da imprensa, incluindo o importante jornal “Fanfulha”, de São Paulo. Através dessa rede, difundiam a sua mensagem às centenas de imigrantes e aos seus descendentes. Havia farta distribuição de jornais, livros e impressos que defendiam Mussolini e divulgavam suas realizações. Exibição de filmes, manifestações patrióticas e outras atividades assistenciais e culturais também faziam parte da estratégia de propaganda. Se a rede fascista conseguiu se expandir substancialmente no Brasil, o retorno, em termos de adesões reais, no entanto, foi pequeno. Não mais do que algumas dezenas de milhares de italianos se filiaram a órgãos fascistas. De modo geral, operários, camponeses e a maioria dos descendentes eram menos inclinados a participar dessas atividades. Depois de certo tempo, a propaganda do regime fascista começou a sair dos limites das coletividades italianas e se dirigir à sociedade brasileira como um todo, com a distribuição de filmes, livros, jornais etc. Filmes italianos começaram a ser exibidos nas principais cidades do país, artigos e fotografias eram distribuídos em massa para jornais locais, e foram criados programas de rádio. Em geral, a sociedade brasileira recebia bem esta propaganda, vendo o fascismo de maneira favorável. O movimento integralista também 63 No Brasil, o nome passou a identificar os espiões a serviço da Alemanha por ocasião da segunda guerra mundial. AZEVEDO, Antonio Carlos do Amaral. Dicionário de Nomes, Termos e Conceitos Históricos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1999. 50 cultivou imensa simpatia e laços sólidos com o regime de Mussolini. Roma chegou a subvencionar o movimento por algum tempo, e muitos filhos ou netos de italianos ingressaram nas fileiras do integralismo. Curiosamente, eles o fizeram tanto por causa da origem – que os fazia ver com admiração e respeito o que acontecia na pátria dos antepassados – como por se considerarem, acima de tudo, brasileiros. Para eles, militar aqui num movimento nacionalista semelhante ao fascismo italiano era uma maneira de reafirmar sua brasilidade sem perder os vínculos com suas raízes. Assim, os italianos e seus filhos residentes no Brasil não se tornaram todos fascistas. No entanto, mesmo sendo poucos os que efetivamente militaram no movimento – e menos ainda no movimento antifascista –, não resta dúvida de que a questão foi central na vida dos italianos naqueles anos e que o regime teve alguma popularidade. Quando o Brasil declarou guerra à Itália, em 1942, muitos italianos e descendentes sofreram perseguições. Embora de menor monta que as infligidas a imigrantes alemães e japoneses, essas represálias não deixaram de ser penosas, provocando marcas na comunidade. Desde os primórdios do século XX, os japoneses eram considerados os “terroristas, fanáticos e suicidas” que pretendiam desencadear um confronto sanguinário a fim de abrir passagem para suas mercadorias baratas e consolidar sua hegemonia na Ásia, e, por ocasião da Segunda Guerra Mundial, tornaram-se o “perigo amarelo”. Mas no Brasil, já em seu início, em 1908, a história da imigração japonesa sempre foi cercada de ambiguidades. Se para os setores ligados à agricultura paulista os imigrantes nipônicos eram considerados os braços que poderiam incrementar as lavouras depois do decréscimo das levas imigratórias europeias, para outros segmentos da sociedade, interessados na “melhoria da raça brasileira”, não passavam de uma raça feia e inferior, que em nada poderia contribuir para a “formação nacional”. Juntamente com outras minorias, os japoneses ocuparam o centro do debate étnico do Estado Novo (1937-1945). As teorias de depuração da raça influenciaram fortemente a discussão acerca das quais seriam os “povos indesejáveis” para o Brasil dentro da política imigratória. Assim, o discurso – embasado em teorias “científicas” - que associava japoneses à degenerescência racial, taras, distúrbios psíquicos, terrorismo e ameaça à soberania nacional transformou-os em “elementos indesejáveis”. 51 Mas foi por ocasião da Segunda Guerra Mundial que cresceu o sentimento antinipônico. Logo após o ataque da Marinha japonesa à base americana de Pearl Harbor, em dezembro de 1941, milhares de imigrantes japoneses e seus descendentes passaram a ser tratados como inimigos de guerra nos Estados Unidos, o que deu início a uma série de ações repressivas. O Departamento de Justiça norte-americano calcula que, na Costa Leste dos Estados Unidos e no Havaí, mais de 120 mil cidadãos de origem japonesa foram enviados para campos de “internamento”. Na América Latina, milhares de imigrantes japoneses e seus descendentes também foram retirados de suas casas e internados nos campos norteamericanos. O “perigo amarelo” também frequentou o imaginário popular no Brasil. A acusação de ser um “quinta-coluna”, ou seja, uma agente ou colaborador de um suposto plano de invasão japonesa – afetou nipônicos e seus descendentes de várias maneiras. Em São Paulo, atribuía-se comumente aos japoneses a culpa de todas as privações que a guerra impunha aos brasileiros, até mesmo o racionamento de alimentos. Segundo alguns jornais, os japoneses eram “vampiros do solo”, praticantes de uma “agricultura predatória”, sendo eles os principais responsáveis pela escassez de gêneros de primeira necessidade de que sofria a população. Combinada a outros ingredientes, esta onda de perseguições acabou por fazer com que muitos imigrantes fossem expulsos da orla marítima brasileira. Essas transferências compulsórias ficaram conhecidas como “evacuações”. No litoral paranaense, imigrantes italianos, alemães e japoneses, chamados de “súditos do Eixo”, foram obrigados, em 25 de setembro de 1942, a desocupar todas as áreas até 60 quilômetros da costa em menos de 24 horas, sob acusação de espionagem e sabotagem. No litoral paulista, consta que cerca de 10 mil imigrantes, dos quais nove mil eram japoneses e os demais alemães e italianos, residentes na Baixada Santista, foram retirados de suas propriedades em 8 de julho de 1943. Muitos imigrantes japoneses retirados do litoral paranaense foram internados em campos de trabalho e, com o término da guerra, abandonados à própria sorte, na mais absoluta miséria. Em Manaus, foi em 1942, com a declaração de guerra do Brasil ao Eixo, que o conflito até então distante, chegou. O alargamento da guerra submarina alemã no Atlântico e a fulminante ofensiva japonesa no Sudeste Asiático provocaram ondas de choque que 52 alcançaram os primeiros navios brasileiros, entre eles, o Baependi, um navio que há muitos anos fazia a cabotagem Rio-Manaus. Não tardou para os jornais manauenses publicarem a notícia e divulgarem a lista dos mortos que continham amazonenses bastante conhecidos na comunidade local. Peres (1984) que escreve sobre o que aconteceu na cidade a partir daqueles primeiros momentos: Divulgada a lista, logo surgiram ajuntamentos espontâneos que rapidamente se transformaram em comícios. Oradores exaltados verberavam não apenas a ação dos submarinos nazistas, mas também os próprios alemães e, por extensão, os italianos e japoneses. Daí aos atos de violência foi um passo. Em poucas horas a cidade foi tomada por um bando de desordeiros que se entregou livremente à depredação e ao saque, como há muitos anos não se via.64 Não havia ainda japoneses na cidade, pois estavam concentrados no Baixo Amazonas. Assim, a fúria popular se abateu sobre os bens de italianos, alemães e pessoas de qualquer nacionalidade conhecidas como germanófilas. O primeiro alvo foi o consulado da Alemanha, situado na Joaquim Nabuco, nos altos do prédio de dois pavimentos, que ainda hoje existe, ao lado da mercearia Renascença, onde vi muitas vezes desfraldada a bandeira alemã com a suástica. Fui testemunha ocular do saque ao consulado, que é das mais remotas lembranças da minha infância. Morava bem perto, em casa dos meus avós maternos, a três quarteirões de distância, na atual rua Huáscar de Figueiredo. Ao tomar acontecimento do que acontecia, corri para o local, em companhia de outros garotos, a tempo de ver homens e mulheres apressados conduzindo baixelas de prata, bacias, panelas, cadeiras e outros objetos, enquanto os móveis pesados, como cristaleiras e guarda-roupas, atirados pelas janelas, vinham estatelar-se na calçada. Quando finalmente chegou um patrulheiro do exército, quase nada restava para ser salvo. 65 As ações nas ruas configuraram-se em passeatas e quebra-quebras dirigidas aos “simpatizantes do Eixo”. O consulado alemão foi o primeiro alvo da população, mas não o único. Na mesma hora, outro bando saqueava o escritório de representação da Bayer, na Quintino Bocaiúva, onde hoje funciona uma loja 64 PERES, Jefferson. Evocação de Manaus como eu a vi ou sonhei. Manaus: Imprensa Oficial, 1984. 65 PERES, J. op. cit., p. 46. 53 da firma S. Monteiro. O depósito foi inteiramente pilhado, com os saqueadores levando medicamentos em tal quantidade que supriram farmácias domésticas por meses ou anos. Afinal, o que era Bayer era bom, como dizia o comercial. Quanto ao representante, que era o próprio cônsul alemão, chamado Fluger, refugiou-se no porão, sendo removido mais tarde para a Penitenciária, à guisa de proteção. Um outro grupo tentou invadir a Semper, Fáber, uma firma de aviamento situada na Marechal Deodoro, ao lado de J. G. Araújo. Foram enfrentados por dois alemães, Fáber e Kremer, que saíram levemente feridos do entrevero mas conseguiram contê-los até a chegada dos soldados do exército. Frustrados nessa tentativa, dirigiram-se para a firma Bhering, de exportação, instalada mais adiante, num edifício de três pavimentos, com frentes para a Marechal Deodoro e a Eduardo Ribeiro, ao lado do antigo telégrafo. Depois de arrasarem os escritórios, subiram para o último pavimento, onde residia o gerente, o alemão Lindenberg, ainda hoje vivo e forte nos seus setenta anos, destruindo tudo que puderam. Praticamente nada sobrou. Os donos da casa, refugiados no quarto do casal, foram salvos pelo exército no último minuto, quando a porta do cômodo já tinha sido arrombada.66 Todo tipo de estabelecimento comercial de origem alemã ou italiana foi alvo dos populares naquele dia de fúria belicosa por parte dos citadinos. Não era todo proprietário que se refugiava em porões ou quartos trancados, alguns se dispunham a enfrentar a multidão. Ao mesmo tempo, ocorria a tentativa de invasão da Joalheria Pelosi, a maior da cidade, localizada na Sete de Setembro, ao lado da loja 4.400, atual Lobrás, repelida por uma tropa do exército, que feriu alguns manifestantes a coronhadas. Mas a residência do proprietário não escapou. Foi literalmente pilhada e os móveis incendiados no meio da rua. Roberti, em companhia do seu irmão Giusepe Vulcani, vice-cônsul da Itália, buscou refúgio no convento dos frades capuchinhos, na praça de S. Sebastião, de onde saíram para a casa do professor Agnello Bittencourt, na qual ficaram homiziados por três dias. Ironicamente – segundo nos conta o professor Agnello – Giulio Roberti fora vice-cônsul do seu país, posto ao qual resignara por discordar do regime fascista. Mais além a turba conseguiu invadir a casa do alemão Schultz, genro do cônsul, situada na praça da Saudade, onde ainda se encontra, quase na esquina da avenida Epaminondas. A poucos passos do quartel do 27 B.C., os soldados ainda conseguiram salvar alguma coisa, mas não um belo piano de meia calda, completamente destruído.67 Não apenas os “súditos do Eixo” sofreram com as represálias, também os simpatizantes foram perseguidos até em suas residências, independente de nacionalidade. Os 66 67 Ibid, p. 47. Ibid, p. 48. 54 germanófilos, como eram chamados, assumiam uma posição que decorria menos de uma adesão ideológica ao nazismo do que uma exaltada admiração pela Alemanha. Para Jefferson Peres, tal posição era o equivalente a uma atitude emocional, como a de um torcedor de clube de futebol. Ele salienta que antes desses acontecimentos, as pessoas na capital amazonense não faziam segredo de suas convicções, de sorte que os partidários das qualidades britânicas ou das virtudes do povo alemão eram notórios, o que facilitou a “caça às feiticeiras”. Uma das primeiras vítimas foi o advogado Levon Rumian, de origem armênia e perfeitamente integrado à sociedade local, que teve inteiramente saqueada sua residência, nos altos de um prédio de dois pavimentos, na praça João Pessoa, quase esquina da rua Dr. Moreira. Nesta mesma rua, no ferro de engomar que a separa da Floriano Peixoto, quebraram o botequim de um espanhol, que escapou do linchamento refugiado no telhado, de onde atirava pedaços de telhas sobre seus perseguidores. Outro espanhol, o velho Gil, recém-falecido, foi salvo pela intervenção providencial de uma patrulha militar. Já o português Alhadas, que tinha uma loja de redes, perto do Mercado Central, teve seu estabelecimento totalmente arrasado. Dentre os brasileiros, a maior vítima foi o jornalista Aristóphano Antony, diretor e proprietário do jornal A Tarde, que por pouco não teve sua redação invadida e empastelada. Em compensação, foi ele mesmo preso e recolhido ao quartel da Polícia Militar, de onde foi solto seis meses depois, sem julgamento, após um inquérito que apurou a improcedência da denúncia que o levara à prisão. Afinal, estávamos em pleno Estado Novo.68 O autor relata um fato, pouco conhecido, mas importante, porque se mostra esclarecedor. Na véspera do quebra-quebra, d. Márcia Coelho, proprietária da Foto Alemã, um dos principais estúdios da cidade, foi procurada por um professor do Ginásio, seu amigo, que a alertou para o que iria acontecer. Imediatamente, antes mesmo de proceder legalmente à mudança da razão comercial, mandou trocar o nome, pintado na placa da fachada, para Foto Artístico. Graças a essa providência, não foi molestada no dia seguinte. 69 O fato acima relatado é esclarecedor porque mostra conhecimento prévio das ações que se seguiram por parte deste “professor do Ginásio”. As ações praticadas em Manaus – bem como em várias outras cidades do Brasil – tiveram uma lógica própria, desencadeada 68 69 Ibid, p. 51. Ibid, p. 52. 55 pelos “oradores exaltados” em meio à multidão. Davis (1990) analisa o significado social dessa violência de massa: Decifra-se o significado social da violência de massa, desencadeada por objetivos nacionalistas e patrióticos, mas também por temor e medo, em que as várias ocorrências são analisadas como integrando um conjunto de eventos do mesmo tipo (pilhagens, quebra-quebras etc). Esse tratamento aponta para a necessidade de se identificarem processos subjacentes aos fatos tomados em seu conjunto. Esse enfoque leva de imediato à crítica de explicações que atribuam tais ocorrências a uma suposta irracionalidade ou agressividade próprias das massas, pois, mesmo no caso extremo de violência de origem patriótica e nacionalista, implicada por medos e temores a um inimigo estrangeiro, as multidões não agem de maneira impensada. Elas possuem, em certa medida, uma percepção de que o que estão fazendo é legítimo, as ocasiões estão de algum modo relacionadas à defesa de sua causa e seu comportamento possui uma certa estrutura dramática.70 Jefferson Peres ainda nos conta mais daqueles tempos agitados: Esse furacão durou apenas algumas horas. Antes de findar o dia a ordem fora restabelecida e nunca mais as violências se repetiram. Mas italianos, alemães e germanófilos continuaram a sofrer por algum tempo a hostilidade de uma parte da população. Que se manifestava na forma do insulto aberto, da negativa de cumprimento, ou de denúncias anônimas, e nunca provadas, sobre atividades de quinta-colunismo, com mensagens enviadas através de transmissores clandestinos. Contou-me o meu amigo Stefano Gennaro Novellino que seu pai, italiano imigrado há alguns anos, com excelente relacionamento com brasileiros, foi procurado por um respeitável cidadão que, algo envergonhado, lhe comunicou sua decisão de fingir não conhecê-lo até o fim da guerra. Ao que o bom italiano replicou, tranquilamente, que lhe agradeceria se assim o fizesse pelo resto da vida. Outros trataram de se defender, como o proprietário da Vila Itália, conjunto de casas situado na rua 24 de maio, quase esquina com a Costa Azevedo, que logo mudou o nome para Vila Baependi, afixado na forma de um letreiro de ferro ainda existente. 71 Percebemos que, mesmo num único dia, as ruas de Manaus sentiram as reverberações da guerra. O conflito chegou à cidade, ao imaginário do povo, e implicou as ações da população contra estabelecimentos comerciais e residenciais de estrangeiros que, mesmo integrados por completo na comunidade manauense, viram se formar contra si um estranhamento muito forte dessa própria comunidade. A alteridade que se manifestou em 70 71 DAVIS, Natalie Zemon. op. cit., p. 11. PERES, J. op. cit., p. 52. 56 Manaus partiu do que os estrangeiros passaram a significar naquele momento para o povo brasileiro. Cada alemão, italiano e japonês perdeu sua individualidade e passou a ser a própria nação inimiga e infame que afundara navios brasileiros e matara compatriotas amazonenses. Quebraram-se as relações amistosas em nome de algo que agora transcendia o indivíduo e significava a massa, o povo que saía às ruas pela legitimidade e soberania não apenas do Brasil, mas de cada um deles que estavam indignados com os severos reflexos do conflito dentro do país. A propriedade do colono estrangeiro passou a ser o território inimigo a ser conquistado, num movimento que transformou as ruas de Manaus no próprio teatro de guerra. Era o que sentia cada manauense naquele momento. 5. CONCLUSÃO Eric Hobsbawm chamou o século XX de breve, mas uma brevidade capitaneada pela guerra total que, em seu auge, manteve um tal nível de mobilização de massa que só foi suportado por uma economia industrializada de alta produtividade. 72 A Segunda Guerra Mundial configura-se como um conflito transcendente às projeções de poder político, inserindo-se como etapa na competição existente de um sistema internacional, resultante da imbricação dos processos de acumulação de capital e de poder, que se realizam em conjunto e de forma concomitante. Em meio à inserção compulsória dos Estados periféricos no esforço de guerra, consoante os interesses geopolíticos e geo-estratégicos das potências em conflito, há, primordialmente, a verticalização do sistema de poder capitalista, isto é, a hierarquização do sistema internacional, a partir da situação de guerra total. No início da década de 1940, a política, em seu sentido estrito, tornara-se meramente um meio, e não dos mais importantes, para se atingir a vitória na guerra. O Brasil, em reflexo desse sistema internacional cada vez mais belicoso em sua política externa nacional, de forma gradativa e inexorável, inseriu-se na guerra mundial. E com suas capitais não foi diferente. Manaus, a capital amazonense, esteve inserida nesse processo histórico das mais variadas formas possíveis. Inseriu-se politicamente, com os braços do Estado Novo delineando políticas nacionais na região; inseriu-se economicamente, com a batalha da 72 HOBSBAWM, Eric J. op. cit. 57 borracha dominando a cena financeira na Amazônia; inseriu-se social e culturalmente ao processo histórico, recebendo os estrangeiros aliados e execrando aqueles que ocupavam a posição de inimigos. Essas relações últimas que nos interessaram ao longo deste trabalho, partindo do princípio de construção da alteridade ao “outro” desenvolvida em Manaus a partir de 1942. Mostraram-se como primordiais, para uma análise das reações populares contra os alemães, italianos e estrangeiros, as formas como as notícias chegavam a população e, não menos importante, o formato dos editoriais dos periódicos da época que, em seu conteúdo, ressignificavam o conflito mundial nas mentes locais – a mídia como propulsora fundamental na formação de um sentimento de alteridade frente aos estrangeiros. Entre os jornais, destacamos o Diário da Tarde, publicado diariamente de 1942 a 1945, e O Jornal, também de edição diária. E complementares a tais documentos, os registros de memórias publicados de algumas personalidades manauenses, como Jefferson Peres, memorialista que, por sua vez, mostrou-nos a agitação que tomou conta das ruas da cidade. Combinada a outros ingredientes, a onda de manifestações que varreu a cidade acabou por fazer com que muitos imigrantes alemães, italianos e japoneses fossem expulsos de suas propriedades. Mas essa violência de massa não foi algo aleatório, teve um propósito mesmo que inconsciente nas mentes daqueles que marchavam nas ruas. Toda essa violência foi fruto da assim chamada democratização de um conflito que, numa dimensão total, tornouse popular, tanto porque os civis e a vida civil se tornaram os alvos estratégicos certos, e às vezes principais, quanto porque, como dito anteriormente, em guerras democráticas os adversários são naturalmente demonizados para fazê-los devidamente odiosos ou pelo menos desprezíveis. 73 Por isso podemos falar numa guerra institucionalizada, travada além dos campos de batalha oficiais, travada na propaganda junto às populações civis. Vimos acontecer em Manaus o início de um choque cultural como consequência da demonização do “outro”. Um inimigo surgiu, naturalmente em virtude do desenvolvimento de um nacionalismo brasileiro 74 que, na era Vargas, ampliou a alteridade aos povos alemães, italianos e japoneses. 73 HOBSBAWM, Eric J. op. cit. CARNEIRO, M. Luiza Tucci . Sob a mascara do nacionalismo - Autoritarismo e antisemitismo na Era Vargas (1930-1945). São Paulo:Universidade de São Paulo. Disponível em: <http://www.tau.ac.il/eial/l_1/carneiro.htm>. Acesso em 28 maio 2011. 74 58 Assim se conduziu o tratamento da alteridade. Focalizamos as ações praticadas pelos personagens da história no contexto das instituições sociais em que elas ocorreram, marcando a sua especificidade, mas também analisamos as atitudes, as crenças e a própria racionalidade dos atores. De fato, a alteridade se instaurou, sobretudo no plano das significações, e foi interpretada a partir de um conjunto de informações cruzadas sobre práticas efetivas, significados simbólicos e usos situacionais. Produziu-se uma narrativa que é também sobre “o outro”, reconstituído em sua especificidade. Um outro que não é movido pelos mesmos desejos, princípios e razões que nós, leitores do século XXI, mas cuja experiência estrutura-se numa lógica própria que é possível desvendar. Decifrou-se o significado social da violência de massa, desencadeada por objetivos nacionalistas e patrióticos, mas também por temor e medo, em que as várias ocorrências foram analisadas como integrando um conjunto de eventos do mesmo tipo – pilhagens, quebra-quebras etc. Esse tratamento apontou para a necessidade de se identificarem processos subjacentes aos fatos tomados em seu conjunto. Esse enfoque leva de imediato à crítica de explicações que atribuam tais ocorrências a uma suposta irracionalidade ou agressividade próprias das massas, pois, mesmo no caso extremo de violência de origem patriótica e nacionalista, implicada por medos e temores a um inimigo estrangeiro, as multidões não agem de maneira impensada. Elas possuem, em certa medida, uma percepção de que o que estão fazendo é legítimo, as ocasiões estão de algum modo relacionadas à defesa de sua causa e seu comportamento possui certa estrutura dramática. 75 Pensando no passado, olhamos para o lugar em que estamos no presente. O passado guarda processos, ações e atores que, inseridos em contexto, dão significações e legitimidade a questões pertinentes a certos aspectos de nossas vidas. O intuito de realizar este trabalho surgiu, para além das razões descritas na introdução, numa conversa informal com um senhor manauense de quase 90 anos e completamente lúcido. Conversa que aconteceu no início de 2011, e que, lamentavelmente, não foi registrada. O referido senhor, residente em Manaus por toda a vida, relatou-me que, quando criança, cansou de, com os amigos, recolher metal para a campanha dos aliados; não somente isso, disse-me também que presenciou vários apagões elétricos que aconteciam como treinamento para possíveis ataques aéreos. Ele mesmo tocou várias vezes o sino que ficava em frente à sede do jornal “Diário da Tarde” quando uma 75 DAVIS, Natalie Zemon. op. cit. 59 notícia nova surgia; anunciada a manchete, o povo se juntava para ler num quadro negro a novidade. Uma reflexão sobre processos históricos que envolvem conflitos bélicos é sempre pertinente visto que a atualidade ainda é recheada de nações, povos e grupos étnicos em conflito. À medida que analisamos o passado, de alguma forma entendemos o presente e o que a chamada modernidade traz de novidades. Nos dias de hoje, uma população que é bombardeada de informações por parte de uma rede de telecomunicações nem sempre confiável – eu diria quase nunca –, as motivações e implicações de conceitos surgidos recentemente podem variar drasticamente em virtude da fluidez dos processos que esses próprios conceitos determinam. E estes, quase em tempo real, são ressignificados. A guerra se dá nas mais variadas maneiras, declarada ou não, formal ou não, direta ou indireta. Os campos de batalha, desde o início do século XX, não são mais definidos de forma concreta, mudam e se transformam. Os soldados e cidadãos, seus principais atores, são as peças mais voláteis do sistema. Seres humanos reduzidos a estatísticas por decisões puramente políticas e econômicas. O caos sistemático que uma guerra projeta em cada indivíduo, em cada cidadão, em cada combatente, é absoluto e singular. Algo inexplicável e, ao mesmo tempo, memorável. De armas na mão ou não, as pessoas guardam as lembranças de um tempo longínquo quando gente comum fez coisas extraordinárias. 60 REFERÊNCIAS Fontes Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas 1. Jornal DIÁRIO DA TARDE: jornal local e diário. 1. Janeiro a setembro de 1942; 2. Jornal O JORNAL: jornal local e diário. 1. Junho a dezembro de 1941; 2. Janeiro a dezembro de 1942; 3. Janeiro a junho de 1943. 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O Jornal – Manaus, 25 de setembro de 1941, p. 04. 69 ANEXO D Anúncio do cinema AVENIDA sobre o filme “A Enfermeira Edith Cavell” O Jornal – Manaus, 12 de outubro de 1941, p. 06. 70 ANEXO E Anúncio do cinema GUARANI sobre o filme “Regimento Heróico” O Jornal – Manaus, 09 de julho de 1941, p. 04. 71 ANEXO F Anúncio do cinema AVENIDA sobre o filme “E as luzes brilharão outra vez” O Jornal – Manaus, 12 de junho de 1943. 72 ANEXO G Anúncio do cinema POLITEAMA sobre o filme “Tempestades D'alma” O Jornal – Manaus, 25 de agosto de 1942, p. 04. 73 ANEXO H Anúncio da FOTOGRAFIA ALEMÃ O Jornal – Manaus, 15 de junho de 1941, p. 03. 74 ANEXO I A Batalha da Borracha O Jornal – Manaus, 16 de junho de 1943. 75 ANEXO J Notícia sobre a campanha Brasil à fora de perseguição aos estrangeiros simpatizantes ao Eixo. O Jornal – Manaus, 25 de janeiro de 1942. 76 ANEXO K Artigo publicado sobre os colonos japoneses. Diário da Tarde – Manaus, 20 de janeiro de 1942. 77