INSTRUÇÃO: As questões de números 01 a 03 tomam por base um fragmento da crônica Conversa de Bastidores, do ficcionista brasileiro Graciliano Ramos (1892-1953), e um trecho da narrativa O Burrinho Pedrês, do ficcionista brasileiro João Guimarães Rosa (1908-1967). Conversa de Bastidores [...] Em fim de 1944, Ildefonso Falcão, aqui de passagem, apresentou-me J. Guimarães Rosa, secretário de embaixada, recém-chegado da Europa. — O senhor figurou num júri que julgou um livro meu em 1938. — Como era o seu pseudônimo? — Viator. — Ah! O senhor é o médico mineiro que andei procurando. Ildefonso Falcão ignorava que Rosa fosse médico, mineiro e literato. Fiz camaradagem rápida com o secretário de embaixada. — Sabe que votei contra o seu livro? — Sei, respondeu-me sem nenhum ressentimento. Achando-me diante de uma inteligência livre de mesquinhez, estendi-me sobre os defeitos que guardara na memória. Rosa concordou comigo. Havia suprimido os contos mais fracos. E emendara os restantes, vagaroso, alheio aos futuros leitores e à crítica. [...] Vejo agora, relendo Sagarana (Editora Universal — Rio — 1946), que o volume de quinhentas páginas emagreceu bastante e muita consistência ganhou em longa e paciente depuração. Eliminaram-se três histórias, capinaram-se diversas coisas nocivas. As partes boas se aperfeiçoaram: O Burrinho Pedrês, A Volta do Marido Pródigo, Duelo, Corpo Fechado, sobretudo Hora e Vez de Augusto Matraga, que me faz desejar ver Rosa dedicar-se ao romance. Achariam aí campo mais vasto as suas admiráveis qualidades: a vigilância na observação, que o leva a não desprezar minúcias na aparência insignificante, uma honestidade quase mórbida ao reproduzir os fatos. Já em 1938 eu havia atentado nesse rigor, indicara a Prudente de Morais numerosos versos para efeito onomatopaico intercalados na prosa. [...] A arte de Rosa é terrivelmente difícil. Esse antimodernista repele o improviso. Com imenso esforço escolhe palavras simples e nos dá impressão de vida numa nesga de caatinga, num gesto de caboclo, uma conversa cheia de provérbios matutos. O seu diálogo é rebuscadamente natural: desdenha o recurso ingênuo de cortar ss, ll e rr finais, deturpar flexões, e aproximar-se, tanto quanto possível, da língua do interior. Devo acrescentar que Rosa é um animalista notável: fervilham bichos no livro, não convenções de apólogo, mas irracionais, direitos exibidos com peladuras, esparavões e os necessários movimentos de orelha e de rabos. Talvez o hábito de examinar essas criaturas haja aconselhado o meu amigo a trabalhar com lentidão bovina. Certamente ele fará um romance, romance que não lerei, pois, se for começado agora, estará pronto em 1956, quando os meus ossos começarem a esfarelar-se. (Graciliano Ramos, Conversa de bastidores. In: Linhas tortas) O Burrinho Pedrês [...] Nenhum perigo, por ora, com os dois lados da estrada tapados pelas cercas. Mas o gado gordo, na marcha contraída, se desordena em turbulências. Ainda não abaixaram as cabeças, e o trote é duro, sob vez de aguilhoadas e gritos. — Mais depressa, é para esmoer?! — ralha o Major. — Boiada boa!... Galhudos, gaiolos, estrelos, espácios, combucos, cubetos, lobunos, lompardos, caldeiros, cambraias, chamurros, churriados, corombos, cornetos, bocalvos, borralhos, chumbados, chitados, vareiros, silveiros... E os tocos da testa do mocho macheado, e as armas antigas do boi cornalão... — P’ra trás, boi-vaca! — Repele Juca... Viu a brabeza dos olhos? Vai com sangue no cangote... — Só ruindade e mais ruindade, de em-desde o redemunho da testa até na volta português/redação 2 da pá! Este eu não vou perder de olho, que ele é boi espirrador... Apuram o passo, por entre campinas ricas, onde pastam ou ruminam outros mil e mais bois. Mas os vaqueiros não esmorecem nos eias e cantigas, porque a boiada ainda tem passagens inquietantes: alarga-se e recomprime-se, sem motivo, e mesmo dentro da multidão movediça há giros estranhos, que não os deslocamentos normais do gado em marcha – quando sempre alguns disputam a colocação na vanguarda, outros procuram o centro, e muitos se deixam levar, empurrados, sobrenadando quase, com os mais fracos rolando para os lados e os mais pesados tardando para trás, no coice da procissão. — Eh, boi lá!... Eh-ê-ê-eh, boi!... Tou! Tou! Tou... As ancas balançam, e as vagas de dorsos, das vacas e touros, batendo com as caudas, mugindo no meio, na massa embolada, com atritos de couros, estralos de guampas, estrondos e baques, e o berro queixoso do gado junqueira, de chifres imensos, com muita tristeza, saudade dos campos, querência dos pastos de lá do sertão... “Um boi preto, um boi pintado, cada um tem sua cor. Cada coração um jeito de mostrar o seu amor.” Boi bem bravo, bate baixo, bota baba, boi berrando... Dança doido, dá de duro, dá de dentro, dá direito... Vai, vem, volta, vem na vara, vai não volta, vai varando... “Todo passarinh’ do mato tem seu pio diferente. Cantiga de amor doído não carece ter rompante...”. Pouco a pouco, porém, os rostos se desempanam e os homens tomam gesto de repouso nas selas, satisfeitos. Que de trinta, trezentos ou três mil, só está quase pronta a boiada quando as alimárias se aglutinam em bicho inteiro — centopeia —, mesmo prestes assim para surpresas más. (João Guimarães Rosa, O burrinho pedrês. In: Sagarana) Questão 1 No artigo Conversa de Bastidores, publicado em 1946, Graciliano Ramos revela haver votado em Maria Perigosa, de Luís Jardim, e não em Contos, de Viator (pseudônimo de Guimarães Rosa), no desempate final de um concurso promovido em 1938 pela Editora José Olympio. Sem desanimar com a derrota, Guimarães Rosa veio a publicar seu livro, com modificações, em 1946, sob o título de Sagarana, que o revelou como um dos maiores escritores da modernidade no Brasil. Releia as duas passagens e, a seguir, a) interprete o que quer dizer Graciliano, no contexto, com a expressão “achando-me diante de uma inteligência livre de mesquinhez”; b) localize, numa das cinco falas de personagens do fragmento de Guimarães Rosa, um exemplo que confirme a observação de Graciliano, de que o autor de Sagarana, ao representar tais falas, “desdenha o recurso ingênuo de cortar ss, ll e rr finais”. Resposta a) Embora Guimarães Rosa tivesse consciência de que Graciliano Ramos votara contra ele no concurso de contos, não tinha ressentimentos e aceitou, de bom grado, os comentários feitos pelo autor de Vidas Secas. b) O autor escreve os “rr”, “ll” e “ss” como em “esmoe r ”, “brabeza dos olhos”, “perder de olho”, “ele é boi espirrador”. Questão 2 O estilo narrativo de Guimarães Rosa, como o próprio Graciliano lembra em seu artigo, é caracterizado, entre outros aspectos, pelo alto índice de musicalidade, pelo recurso a procedimentos rítmicos e rímicos característicos da poesia, como por exemplo no nono parágrafo, que pode ser lido como uma seqüência de 16 versos de cinco sílabas (As ancas balançam,/e as vagas de dorsos,/das vacas e touros,/batendo com as caudas,/etc.) ou de 8 versos de onze sílabas (As ancas balançam, e as vagas de dorsos,/das vacas e touros, batendo com as caudas,/etc.). Depois de observar atentamente este comentário e os exemplos, português/redação 3 a) indique, no trecho de O Burrinho Pedrês, outro parágrafo que possa ser integralmente lido sob a forma de versos regulares; b) estabeleça, com base em sua leitura, o número de sílabas de cada verso e o número de versos que tal parágrafo contém. Resposta a) “Boi bem bravo, / bate baixo, / bota baba, / boi berrando... / Dança doido, / dá de duro, / dá de dentro, / dá direito... / Vai, vem, volta, / vem na vara, / vai não volta, / vai varando... b) São doze versos de três sílabas poéticas. Obs.: uma outra possibilidade de leitura é considerar o parágrafo formado por seis versos de sete sílabas: “Boi bem bravo, bate baixo, / bota baba, boi berrando... / Dança doido, dá de duro, / dá de dentro, dá direito... / Vai, vem, volta, vem na vara, / vai não volta, vai varando... Questão 3 na, do poeta parnasiano brasileiro Luís Guimarães Júnior (1845-1898). Soneto Deserta a casa está... Entrei chorando, De quarto em quarto, em busca de ilusões! Por toda a parte as pálidas visões! Por toda a parte as lágrimas falando! 05 Vejo meu pai na sala, caminhando, Da luz da tarde aos tépidos clarões, De minha mãe escuto as orações Na alcova, aonde ajoelhei rezando. Brincam minhas irmãs (doce lembrança!...), 10 Na sala de jantar... Ai! mocidade, És tão veloz, e o tempo não descansa! Oh! sonhos, sonhos meus de claridade! Como é tardia a última esperança!... Meu Deus, como é tamanha esta saudade!... (José Bonifácio, o Moço. Poesias. São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1962) Muitas palavras podem atuar nas frases como representantes de diferentes classes e exercer, portanto, diferentes funções sintáticas. Tendo em mente esta informação, a) determine, com base em características formais da frase em que se encontra, a classe de palavras em que se enquadra a palavra eias, empregada por Guimarães Rosa no sétimo parágrafo do trecho citado; b) considerando que, no quarto período do antepenúltimo parágrafo de seu texto, Graciliano Ramos representou três palavras visualmente por meio das letras dobradas rr, ll e ss, reescreva esse período, substituindo tais letras dobradas pelas palavras correspondentes. Resposta a) eias, acompanhada do determinante (em) + os, adquire o valor morfológico de substantivo, por um processo de derivação imprópria. b) erres, eles e esses. INSTRUÇÃO: As questões de números 04 a 07 tomam por base o poema Soneto, do poeta romântico brasileiro José Bonifácio, o Moço (1827-1886), e o poema Visita à Casa Pater- Visita à Casa Paterna Como a ave que volta ao ninho antigo, Depois de um longo e tenebroso inverno, Eu quis também rever o lar paterno, O meu primeiro e virginal abrigo: 05 Entrei. Um Gênio carinhoso e amigo, O fantasma, talvez, do amor materno, Tomou-me as mãos, — olhou-me, grave e [terno, E, passo a passo, caminhou comigo. Era esta a sala... (Oh! se me lembro! e [quanto!) 10 Em que da luz noturna à claridade, Minhas irmãs e minha mãe... O pranto Jorrou-me em ondas... Resistir quem há-de? Uma ilusão gemia em cada canto, Chorava em cada canto uma saudade. (Luís Guimarães Junior, Sonetos e Rimas) Questão 4 Em nota de rodapé ao Soneto de José Bonifácio, o Moço, os organizadores da edição mencionada, Alfredo Bosi e Nilo Scalzo, fazem o português/redação 4 seguinte comentário: “Talvez tenha-se inspirado neste soneto o parnasiano Luís Guimarães Jr., ao compor o famoso ‘Visita à casa paterna’.” Releia os poemas atentamente e, em seguida, a) enuncie o tema comum aos dois textos; b) indique dois aspectos da forma poemática (versificação, rimas, estrofes) em que haja identidade entre os dois poemas. Resposta a) reescreva-as na ordem que seus termos apresentariam de acordo com o padrão mencionado; b) demonstre as identidades que há entre as duas orações no que diz respeito às funções sintáticas dos termos que as constituem. Resposta a) Minhas irmãs brincam na sala de jantar. Uma saudade chorava em cada canto. b) A estrutura de ambas é: a) Saudade. b) Os dois poemas são escritos em decassílabos, apresentam a forma de soneto (dois quartetos e dois tercetos) e rimas em ABBA (nos quartetos) e CDC DCD (nos tercetos). Questão 5 Uma das semelhanças mais notáveis entre os dois poemas está justamente nas personagens evocadas: pai, mãe, irmãs. Com base nesta informação, a) estabeleça a diferença entre Soneto e Visita à Casa Paterna quanto ao modo de aludirem ao pai de família; b) aponte, no poema de Luís Guimarães Jr., uma personagem que não é referida no de José Bonifácio. Resposta a) No texto de José Bonifácio, o pai é lembrado como presença física: “Vejo meu pai na sala, caminhando, / Da luz da tarde aos tépidos clarões”. No poema de Luís Guimarães Junior, o pai é figura de uma sociedade patriarcal, o qual impregna o ambiente, sentido mesmo em sua ausência. b) O Gênio (ou o fantasma). Questão 7 José Bonifácio, o Moço, era um poeta romântico, enquanto Luís Guimarães Jr. era um parnasiano com raízes românticas. Os dois poemas apresentam características que servem de exemplo para tais observações. Levando em conta este comentário, a) identifique um traço típico da poética romântica presente nos dois poemas; b) aponte, em Visita à Casa Paterna, um aspecto característico da concepção parnasiana de poesia. Resposta Questão 6 a) Além do tema da saudade, podem ser mencionados a subjetividade e o sentimentalismo. b) Rigor formal: l soneto finalizado por chave de ouro; l predomínio de rimas ricas: antigo (adj.)/abrigo (subst.); inverno (subst.)/paterno (adj.); l uso de rima preciosa: há-de/saudade. Para atender a necessidades de ritmo e de rima, os poetas praticam com naturalidade e freqüência inversões e deslocamentos no padrão de disposição dos termos na oração (sujeito, verbo, complementos). Partindo desta constatação, analise a estrutura sintática das frases “Brincam minhas irmãs na sala de jantar” e “Chorava em cada canto uma saudade” e, logo após, As questões de números 08 a 10 tomam por base o poema Lisbon Revisited, do heterônimo Álvaro de Campos do poeta modernista português Fernando Pessoa (1888-1935), e a letra da canção Metamorfose Ambulante, do cantor e compositor brasileiro Raul Seixas (1945-1989). português/redação 5 Lisbon Revisited (1923) Não: não quero nada. Já disse que não quero nada. Não me venham com conclusões! A única conclusão é morrer. 05 Não me tragam estéticas! Não me falem em moral! Tirem-me daqui a metafísica! Não me apregoem sistemas completos, [não me enfileirem conquistas Das ciências (das ciências, Deus meu, das [ciências!) — 10 Das ciências, das artes, da civilização [moderna! Que mal fiz eu aos deuses todos? Se têm a verdade, guardem-na! Sou um técnico, mas tenho técnica só [dentro da técnica. Fora disso sou doido, com todo o direito a [sê-lo. 15 Com todo o direito a sê-lo, ouviram? Não me macem, por amor de Deus! Queriam-me casado, fútil, quotidiano e [tributável? Queriam-me o contrário disto, o contrário [de qualquer coisa? Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, [a vontade. 20 Assim, como sou, tenham paciência! Vão para o diabo sem mim, Ou deixem-me ir sozinho para o diabo! Para que havemos de ir juntos? Não me peguem no braço! 25 Não gosto que me peguem no braço. [Quero ser sozinho. Já disse que sou sozinho! Ah, que maçada quererem que eu seja da [companhia! Ó céu azul — o mesmo da minha infância — Eterna verdade vazia e perfeita! 30 Ó macio Tejo ancestral e mudo, Pequena verdade onde o céu se reflete! Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de [hoje! Nada me dais, nada me tirais, nada sois [que eu me sinta. Deixem-me em paz! Não tardo, que eu [nunca tardo... 35 E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio [quero estar sozinho! (Fernando Pessoa, Ficções do Interlúdio/4: poesias de Álvaro de Campos) Metamorfose Ambulante Prefiro ser essa metamorfose ambulante Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante Do que ter aquela velha opinião formada [sobre tudo Do que ter aquela velha opinião formada [sobre tudo 05 Eu quero dizer agora o oposto do que eu [disse antes Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante Do que ter aquela velha opinião formada [sobre tudo Do que ter aquela velha opinião formada [sobre tudo Sobre o que é o amor 10 Sobre que eu nem sei quem sou Se hoje eu sou estrela amanhã já se apagou Se hoje eu te odeio amanhã lhe tenho amor Lhe tenho amor Lhe tenho horror 15 Lhe faço amor eu sou um ator... É chato chegar a um objetivo num instante Eu quero viver nessa metamorfose [ambulante Do que ter aquela velha opinião formada [sobre tudo 20 Do que ter aquela velha opinião formada [sobre tudo Sobre o que é o amor Sobre que eu nem sei quem sou Se hoje eu sou estrela amanhã já se apagou português/redação 6 Se hoje eu te odeio amanhã lhe tenho amor 25 Lhe tenho amor Lhe tenho horror Lhe faço amor eu sou um ator... Eu vou desdizer aquilo tudo que eu lhe [disse antes 30 Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante Do que ter aquela velha opinião formada [sobre tudo Do que ter aquela velha opinião formada [sobre tudo Do que ter aquela velha opinião formada [sobre tudo Do que ter aquela velha velha velha velha [opinião formada sobre tudo... 35 Do que ter aquela velha velha opinião [formada sobre tudo... Do que ter aquela velha opinião formada [sobre tudo... (Raul Seixas, Os grandes sucessos de Raul Seixas) Questão 8 O poema Lisbon Revisited (1923) e a canção Metamorfose Ambulante (1973) identificam-se por alguns aspectos formais e por focalizarem como tema a atitude de rebeldia do indivíduo aos modelos e padrões culturais que lhe são impostos. Releia-os com atenção e, a seguir, a) servindo-se de uma escala em cujos extremos estejam atitude eufórica (sensação de bem-estar e de alegria) e atitude disfórica (sensação de mal-estar, ansiedade, inquietação), demonstre qual dos dois textos está mais próximo do pólo da atitude disfórica; b) explique em que medida o verso de número 16 de Metamorfose Ambulante sintetiza o conteúdo da canção. Resposta a) A sensação disfórica permeia o poema de Fernando Pessoa, que se porta de forma niilista, rejeitando, de maneira absoluta, o sistema. b) Em “eu sou um ator...”, Raul Seixas sintetiza a idéia de metamorfose, desdobrando-se nas múltiplas faces de um ator. Questão 9 Tanto no poema de Fernando Pessoa como na canção de Raul Seixas se observa o recurso intenso às repetições. Ciente deste fato, a) localize o verso de Metamorfose Ambulante que apresenta repetição insistente de uma mesma palavra e defina o efeito expressivo obtido pelo autor com essa repetição; b) considerando que o advérbio não é uma das palavras mais repetidas ao longo de Lisbon Revisited, estabeleça a relação semântica que a repetição dessa palavra tem com a atitude do eu-poemático ante os padrões sociais. Resposta a) Por um lado, em “Do que ter aquela velha velha velha velha opinião formada sobre tudo”, a repetição insistente de “velha” quebra o andamento sonoro/rítmico mantido nos versos anteriores. Por outro lado, a repetição sugere a idéia de que tudo que é novo em um dado momento torna-se velho no momento seguinte; assim, podemos entender a repetição como uma gradação do velho (do velho de outrora ao velho de ontem). Portanto, para escapar desse processo, é necessário – segundo o autor – ser uma “metamorfose ambulante”. b) O advérbio não traduz essencialmente a idéia de contestação dos valores sociais aos quais o eu-poemático se encontra subjugado. Questão 10 Atentando para o fato de que a função conativa da linguagem é orientada para o destinatário da mensagem, a) identifique o modo verbal que, insistentemente empregado pelo eu-poemático, torna muito intensa a orientação para o destinatário no poema de Fernando Pessoa; b) considerando que, no verso de número 12, Raul Seixas, adotando o uso popular, empregou os pronomes te e lhe para referir-se a uma mesma pessoa, apresente duas alternativas que teria o poeta para escrever esse verso segundo a norma culta. Resposta a) Imperativo. b) Se hoje eu o (a) odeio, amanhã lhe tenho amor. Se hoje eu te odeio, amanhã tenho amor por ti. (Há outras possibilidades.) português/redação 7 INSTRUÇÃO: Leia os seguintes trechos. Não se pode ser sem rebeldia Eu acho que os adultos, pais e professores, deveriam compreender melhor que a rebeldia, afinal, faz parte do processo da autonomia, quer dizer, não é possível ser sem rebeldia. O grande problema está em como amorosamente dar sentido produtivo, dar sentido criador ao ato rebelde e de não acabar com a rebeldia. Tem professores que acham que a única saída para a rebelião, para a rebeldia é a punição, é a castração. Eu confesso que tenho grandes dúvidas em torno da eficácia do castigo. Eu acho que a liberdade não se autentica sem o limite da autoridade, mas o limite que a autoridade se deve propor a si mesma, para propor ao jovem a liberdade, é um limite que necessariamente não se explicita através de castigos. Eu acho que a liberdade precisa de limites, a autoridade inclusive tem a tarefa de propor os limites, mas o que é preciso, ao propor os limites, é propor à liberdade que ela interiorize a necessidade ética do limite, jamais através do medo. A liberdade que não faz uma coisa porque teme o castigo não está “eticizando-se”. É preciso que eu aceite a necessidade ética, aí o limite é compromisso e não mais imposição, é assunção. O castigo não faz isso. O castigo pode criar docilidade, silêncio. Mas os silenciados não mudam o mundo. (Paulo Freire, Pedagogia dos sonhos possíveis. Org. Ana M.A. Freire. Editora Unesp) Autoridade em Ética Pode-se dizer, em tese, que a essência da ética provém da pressão da comunidade sobre o indivíduo. O homem pouco tem de gregário, e nem sempre sente, instintivamente, os desejos comuns a sua grei. Esta, ansiosa para que o indivíduo aja no seu interesse, tem inventado vários artifícios com o fim de harmonizar os interesses individuais com os seus próprios. Um destes é o governo, outro é a lei e o costume, e o outro é a moral. A moral torna-se uma força eficiente de duas maneiras: primeiro, através do louvor e da censura dos que o cercam e das autoridades; e segundo, através do autolouvor e da autocensura, os quais são chamados de “consciência”. Por meio destas várias forças – governo, lei, moral – o interesse da comunidade se faz sentir sobre o indivíduo. [...] Chego agora a meu último problema, que se relaciona com os direitos do indivíduo, em contraposição aos da sociedade. A ética, nós o dissemos, é parte de uma tentativa para tornar o homem mais gregário do que a natureza o fez. As pressões que a moral exerce sobre o indivíduo são, pode-se dizer, devidas ao gregarismo apenas parcial da espécie humana. Mas isto é uma meia verdade. Muitas de suas melhores cousas vêm do fato de não ser ela completamente gregária. O homem tem seu valor intrínseco, e os melhores indivíduos fazem contribuições para o bem geral que não são solicitadas e que, muitas vezes, chegam a sofrer reação por parte do resto da comunidade. É, pois, uma parte essencial da busca do bem geral, o permitir aos indivíduos liberdades que não sejam, evidentemente, maléficas aos outros. É isto que dá origem ao permanente conflito entre a liberdade e a autoridade, e estabelece limites ao princípio de que a autoridade é a fonte da virtude. (Bertrand Russell. A sociedade humana na ética e na política. Título original: Human society in Ethics and Politics. Tradução de Oswaldo de Araujo Souza. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1956) PROPOSIÇÃO A atuação do homem na sociedade, mediada por padrões e modelos de comportamento e sujeita a atritos e tensões entre os interesses da comunidade e os dos indivíduos, pode assumir as mais variadas formas, que vão do puro e simples enquadramento até à mais exacerbada rebeldia. Os dois trechos apresentados focalizam essa questão sob os pontos de vista pedagógico (Paulo Freire) e ético (Bertrand Russell). Tomando como base de reflexão, se achar necessário, os textos mencionados, a letra de Raul Seixas e o poema de Fernando Pessoa (Álvaro de Campos), bem como sua própria português/redação 8 experiência e opinião, escreva uma redação de gênero dissertativo sobre o tema OS PADRÕES SOCIAIS E A LIBERDADE DO INDIVÍDUO. Comentário gem a sociedade e os indivíduos. Entre as posições a serem analisadas estão a de o jovem tender à rebeldia ou à aceitação passiva do que lhe é imposto. Para buscar argumentos fortes e convincentes, o vestibulando contou com dois bons textos que versavam sobre o assunto. Bom tema, embora um tanto complexo. O candidato foi convidado a fazer uma reflexão sobre a aceitação ou a recusa dos valores que re- PORTUGUÊS GRAMÁTICA 25% TEXTO 45% LITERATURA 20% ESTILÍSTICA 10% Questões bem formuladas e bom tema de redação Mantendo sua tradição, a Vunesp realizou um vestibular a partir de textos extensos que se intertextualizam. A prova apresentou questões bem formuladas e, muitas vezes, auto-explicativas. O exame não pecou por dubiedades ou má-formulação de enunciados, equilibrando questões de dificuldade média e baixa. O tema de redação volta-se para a reflexão de valores éticos do indivíduo e da sociedade no que toca ao conformismo ou à rebeldia. Bom tema.