ENSINO DE GEOGRAFIA PARA DISCENTES SURDOS
Thiago Rafael Mazzarollo1
Márcia Regina Calegari2
Terezinha Corrêa Lindino3
Eixo temático: ENSINO DE GEOGRAFIA
RESUMO: Este artigo indica a ampliação da discussão sobre métodos didáticos para o ensino de
lateralidade/espacialidade e o uso da linguagem imagética no processo de aprendizagem dos discentes
surdos. Propõe-se, assim, a elaboração de materiais didáticos diversificados sobre os conceitos bases
de Geografia. Para tanto, este estudo fundamenta-se na intersecção entre as pesquisas produzidas sobre
material didático para o ensino de Geografia e a linguagem imagética como recurso para o ensino aos
discentes surdos, ambos existentes na literatura. A desigualdade ou exclusão dos discentes surdos
começa no momento em que ele não é estimulado a ler os códigos a sua volta. Sendo assim, procurouse, neste estudo, corroborar a discussão sobre o uso de materiais didáticos e o uso da linguagem
imagética como recursos ao ensino e à aprendizagem por parte desses discentes.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino de Geografia, Material Didático, Surdos.
1 INTRODUÇÃO
Na atualidade, a inclusão de discentes com alguma especificidade ou deficiência em
escolas regulares é um assunto da moda. Todavia, quando nos deparamos com essa realidade,
observamos que ela pode ser assustadora em virtude do despreparo dos agentes educacionais e
administrativos de uma escola.
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Graduando - UNIOESTE, Mal. Cdo. Rondon – e-mail: [email protected]
Co-orientadora - UNIOESTE, Mal. Cdo. Rondon – e-mail: [email protected]
Orientadora - UNIOESTE, Mal. Cdo. Rondon – e-mail: [email protected]
Desde os primórdios, o modo de pensar e de agir com o diferente dependia da
organização social em seu conjunto. Promulgada pelo Ministério da Educação, a portaria nº
1.793/94 já alertava quanto à necessidade de complementar os currículos de formação de
docentes e outros profissionais que interagem com cadeirantes, cegos, surdos e pessoas com
necessidades educacionais especiais.
A especificidade da Educação Especial procurou, assim, ser entendida com base nos
condicionantes materiais e culturais da organização social brasileira e do contexto da
educação regular. Assim, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDBEN no
9.934/96 procurou assegurar que professores com formação em nível médio ou superior
fossem contratados para o atendimento a cada especialização, além de exigir professores do
ensino regular capacitados para a integração desses discentes e em classes comuns (art. 59).
Apesar da sua obrigatoriedade legal, o atendimento inclusivo ainda encontra-se em
fase inicial, devido à falta de preparo das escolas e, por conseguinte, dos professores
(BRUNO 2007, GLAT e PLETSCH, 2004). Especificamente no caso dos discentes surdos, é
fato que a escola não tem conseguido oferecer as condições necessárias para que estes
estudantes construam o conhecimento.
Neste sentido, a necessidade de se ter um método que atenda às especificidades dos
discentes surdos impulsiona e justifica trabalhos como este. Em especial quando averiguamos
como esta o ensino de Geografia para discentes surdos e nos deparamos com uma realidade
muito difusa. Isto porque, a tese de que discentes surdos enxergam, e por isso podem
entender perfeitamente os mapas, faz do ensino de Geografia uma incógnita a esses discentes.
A partir dessa realidade, este artigo sugere a ampliação da discussão sobre métodos
didáticos para o ensino de lateralidade/espacialidade e o uso da linguagem imagética no
processo de aprendizagem dos discentes surdos. Desta forma, propõe-se a elaboração de
materiais didáticos diversificados sobre os conceitos bases de Geografia e, para tanto, este
estudo fundamenta-se na intersecção entre as pesquisas produzidas sobre material didático
para o ensino de Geografia e a linguagem imagética como recurso para o ensino aos discentes
surdos existentes na literatura.
O levantamento bibliográfico se pautou em conceitos como: Ensino de Geografia,
Linguagem Imagética ou Pedagogia Visual, Material Didático.
2 GEOGRADIA E SURDEZ
É sabido que o papel fundamental da escola é inserir todo discente na sociedade, tendo
por base os conhecimentos apreendidos neste estabelecimento de ensino. Todavia, ainda não
há consenso de como isso ocorra, pois vários estudos mostram que os meios de como esses
conhecimentos se constituirão nos discentes. Conforme os estudos de Vygotski (1987, 1988)
sobre pensamento e linguagem, no que tange à aprendizagem dos discentes surdos.
Quando colocamos em foco os discentes com alguma necessidade especial, esse
questionamento se soma à necessidade de se encontrar um meio para suprir as dificuldades
pessoais e depois as educacionais.
A inexistência da linguagem nos primeiros anos de vida é o primeiro entrave biológico
para as crianças surdas no que tange ao desenvolvimento cognitivo e emocional. Como este
processo não se inicia pela fala, o domínio em LIBRAS deveria oportunizar e garantir ao
discente surdo a possibilidade de adquirir outro tipo de linguagem nesse período. Ou seja,
torna-se necessário entender que o fato de se ensinar uma língua é mais do que expor o
discente surdo a dados linguísticos. É um processo de (re)organização constante e dinâmica
do eu e do outro.
Desse modo, em vez de se inscrever a língua no plano biológico (porque mental),
dever-se-ia situá-la no espaço dialógico (porque social). Bakhtin (2004), como interlocutor
teórico dessa filosofia, afirma que a verdadeira substância da língua não está nem no sistema
abstrato das formas linguísticas (no universo lexical, nos fonemas, nos morfemas, nas flexões
etc.) e nem está alojada no psiquismo individual de cada pessoa. Sua essência não é nem o ato
psicofisiológico que a produz nem a enunciação monológica. Na verdade, a substância da
língua é o ato dialógico em seu acontecimento concreto. Entretanto, qualquer diálogo, além de
ser ele próprio histórica e socialmente determinado, evidencia a história da própria linguagem.
Neste sentido, no caso dos discentes surdos, esse processo se apresenta por meio da LIBRAS
(Língua Brasileira de Sinais) repassada pelo interprete. Ou seja, cabe ressalta que a
[...] LIBRAS é uma língua de modalidade gestual-visual que utiliza como
comunicação movimentos gestuais expressões faciais/corporais que são
percebidas pela visão. (PARANÁ, 1994 p. 97).
Mas, a LIBRAS não é o único entrave no processo de ensinagem. Para alguns
professores, as próprias mudanças e adaptações de como ensinar são tarefas difíceis de
realizar. Nota-se que muitos professores acreditam ser mais viável abrir o livro e seguir a
ordem que o mesmo oferece.
Observa-se que, com a adoção do livro e de metodologias tradicionais, nega-se aos
discentes surdos “[...] o acesso a práticas linguísticas significativas que os auxiliassem a
perceber o sentido na aprendizagem de uma segunda língua” (FERNANDES, 1998, p.163),
como possibilidade diferenciada de construção gerada por uma forma de organização
cognitiva necessária para se compreender a Geografia.
Em outras palavras, a resistência quando se indica a utilização de materiais didáticos
diversificados, sob a justificativa de falta de tempo e de criatividade para desenvolver,
incentiva a análise de uma série de matérias que ajudariam no melhoramento das aulas.
Muitas vezes, esses materiais estão na própria biblioteca da escola. São mapas, cartas, croquis
que poderiam estar sendo utilizados na ensinagem de conceitos geográficos.
Especificamente para discentes surdos, tais materiais didáticos, aliados a linguagem
imagética, descritos por Capello (2007), podem vir a facilitar o seu processo de ensino e
aprendizagem. Em outras palavras, o uso de materiais didáticos auxilia não só os discentes,
mas também o interprete4, que muitas vezes se vê impotente na explicação de determinados
conceitos. Ainda, ajuda na interação dos conteúdos e prioriza a experiência, transcendendo o
espaço da sala de aula e da própria escola.
Piletti defende que
Tais materiais podem ser instrumentos auxiliares do professor no
processo de ensino-aprendizagem, desde que não se constituam num
fim em si, mas num meio. (1985, p. 181).
Os materiais didáticos visuais (linguagem imagética) podem diminuir o tempo de
ensinagem e aumentar a duração da aprendizagem, já que proporciona uma maior relação
entre os assuntos trabalhados e aprimora o ato de pensar e reter os conhecimentos. Neste
sentido, o material adotado não deve ser um acumulo de informações desordenadas, mas sim,
deve desenvolver um algo a mais para os discentes surdos.
Além dos materiais didáticos, o uso do próprio corpo como um recurso didático poder
ser outro facilitador para o discente surdo. A linguagem imagética, ou a pedagogia visual, é
uma linguagem não verbal cuja técnica se baseia no entendimento e representação de gestos
pelo corpo5 humano.
4
Vale ressaltar que o fato de se ter um interprete em sala a não resolve a aprendizagem, por parte do discente
surdo. O trabalho do interprete é somente o de fazer a ponte entre o professor e o discente.
5
O corpo como meio de se transformar no objeto a ser explicado.
Esta forma de comunicação, por ser considerada livre, pode até mesmo ser utilizada
por um professor em sala, mesmo sem ele conhecer a LIBRAS. Segundo Gonçalves e Ferraz
(2009, p. 03),
Os professores e a escola, como um todo, ainda se baseiam na lógica do
mundo verbal, da palavra hegemonicamente detentora da ordem explicativa
do mundo, como caminho para a formação dos valores e habilidades nos
alunos. Já estes exercitam e vivenciam um cotidiano em que a imagem e não
a palavra é a detentora desse processo de aprendizagem e interação social.
Torna-se, portanto, urgente e necessário que a escola se abra para esta nova
linguagem como forma de capacitar os alunos ao melhor exercício crítico
desta frente ao mundo, não se deixando levar pelo mero impacto
espetacularizante que esta proporciona. (...) As imagens se apresentam como
signos inferindo associações na relação que o aluno faz com a representação
pictórica. Essas relações são alimentadas pela capacidade de representar uma
linguagem que o ser humano desenvolveu a partir de seus próprios sentidos
ao longo do tempo. O modo de representação, visto como prática humana,
está inserido no sistema social, econômico e cultural que revela o contexto
explicitamente, de um povo assim representado.
O texto não verbal representa mais um tipo de linguagem quando se trata de discentes
surdos, uma vez que se associa e produz ideias novas a partir de inferências que nos mostra a
proximidade e a comparação entre objetos e situações distantes. Os autores afirmam que “das
experiências humanas cotidianas é que nascem os textos não verbais e, por causa deles, a
leitura” (GONÇALVES & FERRAZ, 2009, p. 04).
Porém, na maioria das instituições de ensino regular (que compõem o ensino básico),
os professores não conhecem a língua de sinais e acabam utilizando uma forma de
comunicação bimodal para ensinar - isto é, usam a fala e alguns sinais que conhecem
concomitantes. Essa estratégia faz com que o discente surdo ou fixe seu olhar para as mãos do
docente ou para seus lábios, situação vivida recorrentemente por Surdos em escolas regulares.
As dificuldades de aprendizagem podem estar diretamente relacionadas com a falsa
decorrência de problemas cognitivos. “Tais formas de pensar são calcadas em falsas
definições, que arrasam a expectativa em relação às capacidades dos surdos, e reforçam
crenças preconceituosas em relação à surdez”. (BOTELHO, 2002, p.20).
Assim, podemos entender que a leitura imagética que o discente surdo faz do texto não
verbal será o seu impulsionador para a construção da imaginação e da memória, interferindo
diretamente em seu comportamento que recriará essa mesma memória quando acrescentada
de situações atuais, dando sentido aos fenômenos apreendidos.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A atual política nacional de educação preconiza a educação integradora, ou seja,
aquela organizada para atender a todos. (ALENCAR, 1994). Essa política tem sustentação em
documentos como a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), resultado de uma
conferência realizada em Salamanca (Espanha), em junho de 1994, com a presença da Unesco
e de centenas de representações governamentais internacionais.
O objetivo básico dessa declaração é promover a educação para todos. (PERLIN e
QUADROS, 1997). Tal declaração deu força às discussões que confrontam e contrapõem a
educação inclusiva e a educação especial para o atendimento às pessoas com necessidades
especiais. Contudo, a proposta da educação integradora, praticada há pelo menos três décadas
no Brasil, é criticada por muitos, pois se entende que nela subjaz a ideia de que é o indivíduo
quem deve se adaptar à escola e, por conseguinte, devendo ser inserido em um ambiente
educacional o menos restritivo possível.
Nesse sentido, a busca pela qualidade de ensino é ainda um entrave na educação
brasileira. Essa busca se distancia mais quando se trata de discentes surdos. A desigualdade
ou exclusão desses discentes começa no momento em que ele não é estimulado a ler os
códigos a sua volta. Muito mais quando esse entorno significa o seu espaço geográfico. Este
artigo procurou colaborar com a discussão sobre o uso de materiais didáticos e o uso da
linguagem imagética como recursos ao ensino e à aprendizagem por parte dos discentes
surdos. Defende-se que, para ocorrer o desenvolvimento da leitura do texto imagético, há a
necessidade de se aprimorar as habilidades desse discente.
Entende-se que, por meio das relações apresentadas sobre os conceitos apreendidos em
Geografia, a interação entre o discente surdo, o interprete e o professor será fidedigna, pois
descreverá o que os rodeiam.
Sabemos das dificuldades que a educação passa, mas cabe aos agentes participantes
deste contexto, mesmo que de forma particular, investir dentro da sala de aula. Sabemos ainda
que toda proposta seja passível de falha, mas procurou-se, neste artigo, defender o uso de
materiais didático aliados à linguagem imagética como um dos caminhos para facilitar e
incentivar o trabalho docente em sala de aula.
REFERÊNCIAS
ALENCAR, E. M. L. S. de (org.). Tendências atuais e desafios da educação especial.
Brasília: MEC, 1994. Série Atualidades Pedagógicas.
BAKTHIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara
Freteshi Vieira, 11 ed. São Paulo: Hucitec, 2004.
BOTELHO, P. Linguagem e letramento na educação dos surdos. Ideologias e práticas
pedagógicas. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
BRASIL. Ministério da Educação. Lei n. 9394. Estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 Dez. 1996.
BRASIL. Ministério da Educação. LEI N.º 10.436. Dispõe sobre a Língua Brasileira de
Sinais - Libras e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 de abril de
2002.
BRUNO, M. M. G. Educação Inclusiva: Componente da Formação de Educadores. Revista
Benjamin Constant, edição 38, Dez. 2007.
CAPELLO, Ana Regina, Pedagogia Visual / Sinal na Educação de Surdos. In: Ronice Müller
de Quadros, Estudos Surdos II, Rio de Janeiro: Arara Azul, 2007.
FERNANDES, S. F. Surdez e linguagens: é possível o diálogo entre as diferenças?. 1998.
GLAT, R.; PLETSCH, M. D. O papel da universidade frente às políticas públicas para
educação inclusiva. Revista Benjamin Constant, edição 29, p. 3-8, Dez. 2004.
GONÇALVES & FERRAZ. A Linguagem Imagética na Escola e no Ensino da Geografia. In:
X Encontro Nacional de Prática de Ensino de Geografia, 2009, Porto Alegre. Anais do X
ENPEG.
PARANÁ, Governo do Estado do. Diretrizes Curriculares da Educação Básica
(Geografia). Paraná, 1994.
PERLIN, G.T.T. e QUADROS, R.M. Educação de surdos em escola inclusiva?. Revista
Espaço, vol. 7. Rio de Janeiro: Ines, 1997.
PILETTI, Claudino. Didática Especial, 2º edição. São Paulo: Ática, 1985.
UNESCO. Declaração de Salamanca e Linha de ação sobre necessidades educativas
especiais. Brasília: Corde, 1994.
VYGOTSKI, L. A formação social da mente. SP: Martins Fontes, 1987.
_____________. Pensamento e linguagem. SP: Martins Fontes, 1988.
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