A ELEGIA LATINA
MÁRCIA REGINA DE FARIA DA SILVA (FFP-UERJ E UERJ)
Atualmente, a elegia é considerada um gênero de poesia relacionado aos problemas amorosos ou à melancolia. Porém em sua
origem, ela era uma poesia composta dos chamados dísticos elegíacos, ou seja, um hexâmetro e um pentâmetro. Segundo Spalding a
elegia era “.... transição do ritmo uniforme da epopéia para a variedade quase infinita dos sistemas líricos; era, portanto, a mediadora
entre epopéia e poesia lírica” (Spalding, [s.d.], p. 76). Além disso, se
distancia da épica, especialmente, pelo subjetivismo e espontaneidade.
Na Grécia, se desenvolve como forma poética já no século VII
a.C., sendo usado o dístico elegíaco em inscrições ou em poemas
cantados ao som da flauta. Quanto aos temas tratados eram muito
variados: celebrações religiosas, feitos militares, dedicatórias, epitáfios, etc., não podendo, pois, ser classificada como elegia, através
somente desse prisma. Nesta época, vemos como adeptos dessa poesia Calino, Tirteu e Mimnerno, porém o tema amoroso não era o
principal, só tendo sido tratado pelo terceiro poeta. Contudo, não se
pode esquecer que René Martin e Jacques Gaillard (Martin, e Gaillard, 1981, p. 107-11) nos dizem que, na Grécia Antiga, a elegia não
foi propriamente um gênero literário, pois os poemas em dísticos
elegíacos não tinham unidade de tema nem de tom e, por isso, pode-
riam ser considerados como sátiras, epigramas, poesia didática, mas
não verdadeiramente elegias.
Foi no período Alexandrino que a elegia se tornou popular, através de autores como Calímaco e Fílitas. Nessas poesias a preocupação com a forma é fundamental, entrando em tensão com a matéria, gerando o problema entre inspiração e artificialismo. Nessa poesia a temática amorosa era muito ligada a heróis e heroínas mitológicos. Foram justamente esses elegíacos que influenciaram a elegia
romana.
Em Roma, o primeiro a se destacar nesse estilo foi Catulo, poeta nascido provavelmente por volta de 84 a.C. em Verona, jovem
ainda foi para Roma, onde esbanjou o dinheiro de sua família rica
com amores fáceis, a beber nas tabernas, enfim, nos prazeres de uma
vida alegre e irrefletida.
Apaixonou-se por Lésbia, nome que ele deu à mulher amada,
que seria provavelmente Clódia, irmã do tribuno Clódio e esposa de
Quinto Metelo Céler, célebre por sua infidelidade. Com o rompimento definitivo do romance, Catulo, em 57, foi para a Ásia na comitiva
do propretor Mêmio e visitou o túmulo de seu irmão. Na volta foi
para sua casa de campo em Sírmio, onde morreu, provavelmente em
54 a.C.
Escreveu 116 poemas que nos chegaram, porém não obedecendo a uma ordem cronológica e sim à forma métrica e à extensão
destas composições. Esse Liber pode ser dividido em três partes: os
primeiros sessenta poemas são basicamente epigramas em vários
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metros e duas odes sáficas (11 e 51); os poemas de 61 a 68 são chamados carmina docta, pois são composições imitadas ou traduzidas
dos poetas alexandrinos como “A cabeleira de Berenice” ou o
“Epitalâmio de Tétis e Peleu”; o terceiro grupo (de 69 a 116) é muito
parecido com o primeiro pelo argumento, forma-se de epigramas em
dísticos elegíacos. Nas primeira e terceira partes encontramos poemas a Lésbia, falando dos amores de Catulo e de suas desilusões,
bem como das traições de Lébia; a seus amigos, que são poesia alegres e graciosas; a seus inimigos que são investidas violentas, por
vezes, grosseiras; e outras poesias pessoais.
Catulo foi o primeiro grande poeta de amor latino. Utiliza os
mais variados metros e sua linguagem varia dependendo do tema,
desde a vulgar e grosseira até a elevada. Preocupa-se sempre com a
forma do poema e mesmo nas poesias imitadas dos alexandrinos,
coloca uma nova força e uma alma latina, tornando-as originais.
Seu poemas 65 traz características alexandrinas, como perífrases e tradição mitológica, além disso liga-se a temática da dor ligada
à morte do irmão, trazendo juntamente os temas da ausência, da perda e da falta, através de um discurso avaliativo. O tom é subjetivo e
humano, expressando todo seu sentimento e, especialmente, sua limitação enquanto ser humano. O poema apresenta dois semas: vida, do
qual o fio condutor é a comunicação com o amigo a quem dirige o
poema e o sema morte representado pelo irmão.
As elegias 66 e 68, trazem consigo o cerne da poesia erótica e
amorosa que será plenamente desenvolvido na época de Augusto.
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O I século a.C. foi um período conturbado, em Roma, época
de guerras civis, porém, após a vitória de Augusto, foi também um
período de paz, portanto propício à poesia subjetiva e, especialmente,
amorosa. Como diz Mlle A. Guillemin “poesia de paz, poesia de amor...” (Guillemin, 1939, p. 2881). E, assim, desenvolveu-se a poesia
elegíaca romana. Segundo Grimal (1978, p. 117-8), foi a chegada de
Partênio de Nice à Roma que precipitou o desenvolvimento da elegia, pois transmitiu aos romanos, inclusive a Catulo, seus conhecimentos sobre Calímaco, além de escrever para Cornélio Galo, o primeiro
elegíaco da época de Augusto, cuja obra se perdeu, uma obra em
prosa intitulada “As paixões de amor”, com muitas histórias de amor,
pouco conhecidas, tiradas de autores gregos. Talvez isto explique o
fato de muitas das referências mitológicas feitas pelos poetas elegíacos romanos serem quase desconhecidas.
No período augustano, especialmente, com Tibulo, Propércio e
Ovídio, a elegia ganha caráter de um gênero elevado que quer a imortalidade. Esses poetas escrevem livros inteiros de elegias, normalmente dedicados a uma mulher, como Délia, em Tibulo e Cíntia,
em Propércio, sendo que estes pseudônimos, nem em um, nem em
outro deixa transparecer a identidade de suas amadas.
Segundo nos afirma George Luck, há três tipos de “mulheres
na elegia” (Luck,, p. 451):
1) a matrona, a mulher casada que desfruta de certa independência,
como Cornélia (Prop., 4,11).
1
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Cf. “Poésie de la paix, poésie de l’amour...”
2) a femme entretenue que pode estar casada porém mais provavelmente será solteira ou divorciada e que tem relações firmes que duram meses ou anos.
3) a meretrix, a prostituta com a qual os homens têm encontros breves, casuais.
Observamos que os poemas para o primeiro tipo de mulher
não eram comuns. Porém a maior parte dos poemas pretendem um
fim específico que é a conquista da mulher amada. Há, também, a
temática da infidelidade feminina, quando o poeta traz à tona os defeitos da amada.
Outro tema relacionado ao amor, que era comum na poesia helenística, porém não tem o mesmo papel na romana, é o homossexualismo, que se pode ver na esfera do mito no poema I, 20 de Propércio.
Aprofundemos um pouco nossa reflexão sobre os autores
mencionados.
Tibulo nasceu em Roma pelo ano 54 a.C. e morreu em torno
de 19 a.C., fez parte da expedição de Messala na África, porém optou
pela vida no campo, onde encontrava tranqüilidade e paz. Teve influência dos poetas alexandrinos, mas compôs poesias sinceras e calorosas. Escreveu quatro livros de Elegias que são em sua maioria dedicados a duas mulheres, Délia ou Nêmesis, cortesã de grande beleza. Privilegia o campo, como na elegia I do liber secundus, as paisagens rústicas, o sentimento religioso, especialmente louvando divin5
dades campestres, como Spes na elegia I do liber primus e Baco e
Ceres na elegia I do liber secundus.
Suas elegias amorosas são marcadas pela ausência da amada e
pelo tom melancólico. Nega o heroísmo e apresenta o campo como
lugar em que o amor pode ser realizado plenamente.
Propércio nasceu na Úmbria, provavelmente em Assis, por
volta do ano 47 a.C. e morreu em torno de 15 ou 14 a.C.. Acredita-se
que as terras de sua família , como as de Virgílio, tenham sido confiscadas, após a guerra de Filipos. Além disso, outra desgraça caiu
sobre ele e sua família, deixando profundas marcas em suas poesias:
a guerra de Perúsia, que destruiu sua terra natal. Seu pai morreu
quando era ainda muito jovem. Logo após, foi para Roma, onde dedicou-se à poesia. Após a publicação de seu primeiro livro, ao qual
deu o nome de Monobiblos, foi acolhido no Círculo de Mecenas,
contando, assim, com a proteção de Augusto.
O amor por Cíntia, que, acredita-se, chamava-se Hóstia, mulher cortesã, conhecedora de poesia, música e dança, foi o principal
acontecimento de sua vida e o fundamento da maior parte de seus
poemas. Quanto a isso, podemos citar Ettore Paratore:
Mas Cíntia foi, depois, toda a sua vida [...]. O amor por Cíntia
enche verdadeiramente todo o livro, com excepção das duas elegias finais em que canta livremente o outro sentimento que domina o seu espírito, a dor pela pátria e pela família destruídas.
Mesmo quando censura o amigo Pôntico por escrever carmes épicos, mesmo quando se entretém com o amigo Galo, que é céptico em questões de amor, o pensamento dominante é o de Cíntia:
ele constitui o metro para qualquer outro juízo. (Paratore,1983,
p. 489-90)
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Propércio escreveu quatro livros de Elegia, dos quais os dois
primeiros estão consagrados quase totalmente a Cíntia, enquanto no
III, esta mulher ocupa só a metade dos 25 poemas; nos outros, o poeta fala sobre sua arte e rende homenagem a Augusto e Mecenas, entrando, assim, na temática tão ao gosto dos membros do Círculo ao
qual pertencia, ou seja, a política augustana, com seu louvor à pátria
e o retorno aos costumes. Incorre por este terreno, que não era muito
apreciado por ele, somente após separar-se de Cíntia.
Relativamente ao IV livro, Spalding nos diz:
O livro IV, incompleto (11 elegias), tem tom assaz diferente dos
demais; Propércio quer ser o Calímaco romano e celebrar as antigas lendas da pátria: Roma (1); Vertumno (2); Tarpéia (4); Hércules Sanco (dos sabinos) (9); Júpiter Ferétrio (10)... (Spalding,
[s.d.], p. 175)
No entanto, ocorre a morte de Cíntia, o que traz a esse livro
novamente a questão amorosa, agora num tom lutuoso, cheio de recordações do amor passado, na elegia VII, na qual a visão de Cíntia
lhe aparece. É a fixação do tema da morte da poesia properciana.
Contudo, o poeta encerra o livro unindo a questão amorosa ao patriotismo, com a elegia XI, considerada a “rainha das elegias”, onde
Cornélia, dos infernos, fala ao marido Lúcio Emílio Prado, exaltando-lhe para os principais valores romanos.
Sua obra não é de leitura fácil, além do mais, muitos copistas e
editores emendaram o texto, complicando ainda mais a leitura. Propércio se utiliza muito de fábulas mitológicas, bem ao gosto alexan7
drino, para enaltecer a grandeza de seu amor. É, na verdade, um poeta apaixonado. Segundo Lock (Op. cit., p. 458), Propércio se sente
como um amante romântico que interpreta um papel e para tanto precisa de um ar de mistério, pois o leitor deve ver no poeta um herói
que deseja lutar contra a inveja dos deuses, sendo maior do que o seu
próprio destino. Propércio vê o amor como algo transcendental que
serve para revalorizar outros valores como a nobreza, o poder, a riqueza.
Ao contrário de Tibulo, Propércio é citadino, a paisagem campestre em seus poemas tem um valor mais puramente poético da tradição literária. Ele busca na Mitologia temas para mostrar que seu
amor não é menor do que o dos heróis e deuses, além disso a fidelidade a Cíntia é a marca de toda sua obra. Sua vida foi o amor por
Cíntia, por isso não se estranha o fato de ter Propércio falecido logo
após a morte de sua amada.
Ovídio nasceu a 20 de março de 43 a.C. em Sulmona. Estudou
em Roma, depois em Atenas. Visitou a Ásia e Sicília. Reforça sua
formação em eloqüência estudando com os grandes mestres de retórica do seu tempo, o que exercerá grande influência em toda sua obra. Seu pai queria que se dedicasse ao Direito, mas, depois de ter
exercido alguns cargos públicos, deixou tudo e dedicou-se à poesia,
pois segundo ele: Et quod temptabam scribere uersus erat (Tristes,
IV, 10, 26) “Tudo o que tentava escrever, saía em versos”.
Ovídio casou-se três vezes e teve uma filha. Em 8 d.C. foi exilado por Augusto na ilha de Tomos, no Ponto Euxino. Ninguém sabe
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a causa do exílio, sabe-se somente que lá morreu, em 17 ou 18 de
nossa era sem conseguir o perdão.
Em sua mocidade, Ovídio escreveu uma tragédia, Medea, da
qual nos chegaram apenas dois versos. Fez parte do círculo de Messala, um círculo poético bastante expressivo, após, é claro, o de Mecenas.
Em sua fase adulta, inicia a composição do primeiro período
de sua obra, intitulado, por Paratore (Op. cit., p. 504 ), de ciclo erótico, todo escrito em dísticos elegíacos. Primeiramente, escreveu os
Amores que são poemas, nos quais o poeta canta sua paixão por Corina, personagem representativa de todas as mulheres que ele amou.
Esta obra possuía inicialmente cinco livros, sendo resumida a três
pelo poeta. Sua obra seguinte, as Heroides, são cartas imaginárias
enviadas por heroínas gregas e romanas a seus amantes, procedente
de diversas fontes, como a de Dido a Enéias que será vista mais adiante; teve influência da retórica e logrou bastante sucesso na época.
A Ars Amandi ou Ars Amatoria, em três livros, explica a arte de amar, poema profundamente licencioso e, por isso, acredita-se que
tenha contribuído para o seu exílio, devido à moral imposta por Augusto. Foi uma das grandes obras de Ovídio, na qual mostra seu engenho e arte com bom-senso e elegância. O Remedium Amoris fala
sobre os meios de se combater o amor, tem, porém, menos méritos
que a Arte de Amar. O Medicamina Faciei é um livro no qual o poeta
versa sobre cosméticos femininos.Após as composições destas obras,
Ovídio passa a sua segunda fase, na qual como nos conta Jean Bayet:
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(...) Ovídio sonhava com obras de maior valor. Trabalhou em
uma Gigantomaquia (...). Reunia qualidades dramáticas, e se achava versado no uso da mitologia: o tema das Metamorfoses lhe
pareceu adequado (...) para um grande poema épico (em hexâmetros). (Bayet, 1985, p. 274).
Assim surgiram As Metamorfoses, em 15 livros. Foi a obra
mais grandiosa de Ovídio, na qual ele narra as mutações da mitologia
até a apoteose de César. Depois começou a escrever os Fastos, que
deveriam ter 12 livros, porém só 6 ficaram prontos, pois foi exilado;
essa obra é uma explicação em versos elegíacos do calendário romano.
Iniciam-se aqui as composições do exílio, onde escreveu Ibis,
durante a viagem, poema imitado de Calímaco; Tristia, em 5 livros,
elegias lastimando o desterro e pedindo perdão; Epistulae ex Ponto,
em 4 livros, tendo a mesma temática da obra anterior, porém apresentando o nome do destinatário. Escreveu ainda, após observar os
costumes em Tomos, a Halieutica, obra didática sobre os peixes do
Mar Negro.
Nas Heroides de Ovídio aborda não mais, como Tibulo, Propércio e ele mesmo nos Amores, a temática da própria paixão e sim
os amores de outras personagens. Nessa obra, Ovídio dá voz às heroínas e aos heróis da mito ou da história para demonstrarem em seus
versos a dor da separação de seus amados ou amadas. Neste sentido,
esta obra remonta à noção própria da elegia, pois apresenta um tom
épico, estando, portanto, no limiar entre épica e lírica.
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Ovídio, através das Heroides, consoante Armando Salvatore
(Salvatore, 1959, p. 238), traz para a elegia uma nova característica, que distingue esse autor em relação aos demais elegíacos, a capacidade de aprofundar e mostrar os sentimentos das mulheres, especialmente, das dores e aflições sentidas com as separações ou abandonos amorosos.
Nesta obra, o poeta consegue obter um dístico elegíaco que se
apresenta no presente, mas que imerge no passado através da recordação que é repleta de nostálgica tristeza.
Vê-se nestes poemas um aspecto novo em relação à elegia antiga. No carmen 66 de Catulo encontra-se a elegia sob a forma alexandrina que tem como personagens heróis mitológicos, porém, apesar de nas Heroides, os heróis e, principalmente, as heroínas serem
em sua maioria provenientes do mito, Ovidio consegue fazer uma
poesia de cunho pessoal, pois constantemente, observa-se a presença
do poeta através da enorme gama de sentimentos e sensações dadas
às personagens e aos acontecimentos.
As Heroides de Ovídio fundam um novo gênero na poesia latina, pois não eram somente elegias, mas foram escritas em forma de
carta. Diz Kenney a esse respeito:
Para este novo gênero não havia um único modelo grego ou romano. Sua originalidade, por conseguinte, como na mesma elegia
amorosa, consistia na mescla de elementos existentes procedentes
da tradição literária e retórica. (Keney y Clausen, [s.d.], p.
466)
11
Jacobson (Op. cit., p.323) diz, a respeito da originalidade de
Ovídio ao compor as Heroides, que não havia exatamente um modelo helenístico, isto é, uma coleção de poemas de amor epistolares
mitológicos que ele pudesse usar como fonte. Mesmo que existissem
epístolas míticas antes de Ovídio, ele foi o primeiro a perceber que
isto poderia ser visto não como um fenômeno isolado, mas como
uma categoria de poesia nela mesma.
Como já foi mencionado, o material por ele utilizado procedia,
principalmente, da épica grega e da tragédia. Exceção feita à Carta
de Dido a Enéias que se baseia na Eneida e a de Ariadne que se baseia em Catulo. Os temas são os mesmos, o impedimento da paixão
entre o emissor e o destinatário. Com isso, Ovídio apresentou uma
grande variedade de tratamento e de tom para evitar a monotonia.
Assim vê-se que o poeta utiliza uma retórica brilhante e uma narrativa retrospectiva dando realce à situação vivida pela personagem. Além disso, encontra-se um mérito muito grande no poeta que é o de
dar destaque ao aspecto psicológico do sofrimento pelo qual a personagem está passando.
É preciso ainda comentar a respeito das poesias do exílio também compostas em versos elegíacos: as Tristia e as Epistulae ex
Ponto ou Pônticas, pois ambas trazem para os versos elegíacos novas
características, diversas das usadas nas poesias elegíacas dos autores
que antecederam ao poeta. Muitos críticos, como Ettore Paratore,
Tassilo Orpheu Spalding, Jean Bayet, entre outros, consideram essas
obras como uma sucessão monótona de súplicas de perdão ao impe12
rador, porém outros como Paul Harvey, Maria Evangelista dos Santos Silva e E. J. Keney consideram como a expressão mais forte de
sentimentalismo pessoal, que espelha toda a sua amargura e solidão.
Vejamos a respeito da poesia do exílio o que nos diz esse último crítico sobre as Tristia:
(...) nas Tristia escrevia agora in propria persona e com uma
finalidadade estritamente prática em vista: conservar seu nome
ante o público para assegurar que não cairia no esquecimento,
apesar da opinião de Augusto, e acima de tudo indicar com toda a
ênfase possível a falta de uma afirmação aberta ao sepultar no esquecimento em vida ao maior poeta de Roma por sua própria autoridade. (Keney e Clausen, op. cit., p. 489)
E mais adiante sobre as Pônticas:
As críticas que se dirigiram contra a poesia ovidiana no exílio a
considerando “abjeta” ou algo parecido se aplicam com muito
mais força as Epistulae ex Ponto do que as Tristia. Formalmente se diferenciam das Tristia somente por chamarem-se cartas e
citarem os destinatários e não indicam que suas capacidades poéticas o teriam abandonado por completo. Provavelmente tem menos artifício na disposição dos poemas em seus livros, porém as
associações literárias se ampliam, como nas Tristia, em formas
novas e engenhosas para reforçar a contínua súplica (Id., Ibid.,
p. 499)
Apesar de todas as críticas à sua poesia do exílio, Ovídio foi,
sem dúvida, um grande poeta por sua espontaneidade, sua plasticidade na narração, seu estilo ameno, seu bom gosto, sua fantasia e invenção, pelo manejo da língua e pela perfeição técnica. Ele foi um
poeta nato, mas, logicamente, nele não encontraremos a sinceridade
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da paixão de Catulo, nem a grandeza de sentimentos de Vergílio e
Horácio. Sendo, contudo, o poema que melhor representou os hábitos
da corte romana de seu tempo.
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