ADAPTADO DE: ALVES, ÉRICA VALERIA; BRITO, MÁRCIA
REGINA FERREIRA. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A
SOLUÇÃO DE PROBLEMAS. ANAIS DO VII EBRAPEM:
ENCONTRO BRASILEIRO DE ESTUDANTES DE PÓSGRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA . RIO CLARO:
UNESP, 2003. CD-ROM.
Solução de problemas em Matemática
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (Secretaria de Educação Fundamental,
1997/1998) apontam a solução de problemas como um eixo organizador do processo de
ensino e aprendizagem de Matemática. Assim, essa atividade deve ser a primeira a ser
desenvolvida durante o ensino de um novo conteúdo. A partir da situação-problema, os
estudantes perceberão a necessidade de verificar dentre os conceitos e procedimentos
previamente aprendidos quais são adequados à solução e, caso não encontrem nenhuma
estratégia, um novo conceito ou procedimento é ensinado como uma nova forma de
solucionar o problema. Após a construção desse novo conhecimento, seja conceitual ou
de procedimento, novos problemas, envolvendo contextos diferentes do problema inicial,
devem ser solucionados pelos alunos, a fim de que seja realizada a transferência de
conhecimentos. Alguns princípios devem ser observados ao utilizar a solução de
problemas como recurso para o ensino de Matemática:
• a situação-problema é o ponto de partida da atividade matemática e
não a definição. No processo de ensino e aprendizagem, conceitos
idéias e métodos matemáticos devem ser abordados mediante a
exploração de problemas, ou seja, de situações em que os alunos
precisem desenvolver algum tipo de estratégia para resolvê-las;
• o problema certamente não é um exercício em que o aluno aplica, de
forma quase mecânica, uma fórmula ou um processo operatório. Só há
problema se o aluno for levado a interpretar o enunciado da questão
que lhe é posta e a estruturar a situação que lhe é apresentada;
• aproximações sucessivas de um conceito são construídas para resolver
um certo tipo de problema; num outro momento, o aluno utiliza o que
aprendeu para resolver outros, o que exige transferências,
retificações, rupturas, segundo um processo análogo ao que se pode
observar na História da Matemática;
• um conceito matemático se constrói articulado com outros conceitos,
por meio de uma série de retificações e generalizações. Assim, pode-se
afirmar que o aluno constrói um campo de conceitos que toma sentido
num campo de problemas, e não um conceito isolado em resposta a um
problema particular;
• a resolução de problemas não é uma atividade para ser desenvolvida
em paralelo ou como aplicação da aprendizagem, mas como uma
•
orientação para a aprendizagem, pois proporciona o contexto em que
se pode aprender conceitos, procedimentos e atitudes matemáticas.
(Secretaria de Educação Fundamental, 1998, p. 40 – 41)
Dessa forma, a solução de problemas caracteriza um meio para o ensino de Matemática
bastante eficiente, favorecendo a contextualização do ensino do componente curricular, a
aprendizagem significativa e a formação de atitudes positivas em relação à Matemática.
A ênfase na solução de problemas no ensino de Matemática não é uma proposta
apenas em nível nacional. Em 1980, o NCTM (National Council of Teachers of
Mathematics) apresentou um conjunto de recomendações para o ensino de Matemática
naquela década, chamado Agenda para Ação. Dentre essas recomendações era destacada
a necessidade de focar o ensino de Matemática na solução de problemas (Secretaria de
Educação Fundamental, 1998). No entanto, a idéia de um ensino de Matemática pautado
em problemas do cotidiano do aluno já era sugerida anteriormente por Edward
Thorndike, no livro Uma Nova Metodologia da Aritmética, em 1922. Segundo Brito
(1993) o autor afirmava que
...os velhos métodos ensinavam a aritmética pela própria aritmética, sem
consideração às necessidades da vida. Os novos métodos põem em relevo os
processos que a vida exige e os problemas que ela oferece.(Thorndike, 1922,
in Brito, 1993, p. 38)
Definindo problema...
No ensino de Matemática a solução de problemas, tradicionalmente tem sido uma
atividade desenvolvida após o ensino de um conceito, como forma de aplicação do
conteúdo desenvolvido. Essa prática, denominada solução de “problemas-tipo”
(Krutetskii, 1976), na realidade, constitui uma resolução de exercícios. A distinção entre
um problema e um exercício é feita do ponto de vista de quem executa a tarefa. A partir
do momento que o sujeito dispõe das estratégias de solução e apenas aplica-as às
diferentes situações propostas, ele resolve um exercício (Pozo, 1998).
Segundo Mayer (1992), existem diferentes definições para problema, sendo que
na maioria delas, consiste de uma situação, verbal ou não, apresentada em um estado
inicial determinado e, que se deseja estar em outro estado distinto e, não há uma
estratégia direta e óbvia para deslocar-se de um estado ao outro.
Díaz e Poblete (1995) definiram problema como uma tarefa que requer solução
sob condições específicas, onde o sujeito compreende a tarefa, mas não dispõe de
estratégia imediata para a solução e é então, motivado a procurar a solução. Uma
característica dessa tarefa é que ela requer, do sujeito, a capacidade de transformar os
elementos do enunciado verbal em expressões matemáticas. Henderson e Pingry (1953)
diferenciaram duas conceituações para problema: a primeira, e mais comum, é aquela
segundo a qual um problema é uma questão proposta que pede uma resposta ou solução;
o segundo conceito, apesar de admitir a necessidade de uma questão a ser solucionada,
requer ainda que esta situação seja inédita para o sujeito, ou seja, sua solução não esteja
imediatamente disponível, enfatizando que o que pode ser um problema para um
indivíduo pode não ser um problema para um outro; ou ainda, um problema hoje para
um indivíduo em particular, pode não ser um problema para ele amanhã. E para que um
sujeito aprenda a resolver problemas existe um único modo: resolvendo-o e estudando o
procedimento.
No entanto, não existe um consenso sobre o papel desempenhado pela solução de
problemas. Diferentemente dos autores anteriormente citados, Gagné (1974) considera a
solução de problemas o tipo mais elevado de aprendizagem, onde um sujeito, a partir da
combinação de conceitos e princípios já aprendidos, elabora novos conceitos e princípios,
visando solucionar as situações propostas, propiciando a aquisição de uma maior reserva
de habilidades.
Polya (1986), por sua vez, enfatizou a heurística da solução de problemas. Com o
objetivo de aperfeiçoar o desempenho dos estudantes nessas atividades, o autor elaborou
uma lista de indagações e sugestões, visando orientar a seqüência correta de operações
para solucionar um problema. Nessa lista, o autor dividiu o processo de solução em
quatro fases distintas, a saber: primeiro, a compreensão do problema a partir de questões
acerca dos fatos que são conhecidos, dos que são desconhecidos e sob que condições
apresentam-se; a segunda fase caracteriza-se pela necessidade de se estabelecer um plano
para a solução, buscando na memória o que existe de soluções de problemas correlatos;
na terceira fase o plano é executado, sendo que cada passo da execução deve ser passível
de verificação; e finalmente, a solução obtida deve ser examinada, procurando se utilizar
do resultado ou método na solução de outros problemas.
Krutetskii (1976), definiu o estado de prontidão para a atividade matemática
como a situação em que o sujeito tem facilidade para executar uma determinada
atividade, em particular, a solução de um problema matemático, quando possui alguns
fatores favoráveis a esta atividade. Esses fatores são divididos em dois grandes grupos: a
habilidade para realizar a atividade com êxito e algumas condições psicológicas
necessárias para a realização da atividade com sucesso. Essas condições seriam
compostas por uma atitude positiva em relação à atividade (interesses, inclinações),
alguns traços da personalidade, o estado mental do sujeito e os conhecimentos, hábitos e
destrezas prévios do sujeito.
O processo de solução de problemas...
A solução de problemas é um processo composto por três diferentes estágios
básicos da atividade mental, sendo que, algumas habilidades estão relacionadas a cada
um desses estágios:
1. Obtenção da informação matemática:
Refere-se à habilidade para formalizar a percepção do material
matemático e para compreender a estrutura formal do problema.
2. Processamento da informação matemática (que se refere às
seguintes habilidades):
a. Habilidade para pensar logicamente na área das relações
espaciais e quantitativas, números e símbolos alfabéticos e à
habilidade para pensar em símbolos matemáticos.
b. Habilidade para generalizar de forma abrangente e rápida os
conteúdos matemáticos, as relações e as operações.
c. Habilidade para ‘resumir’ os processos matemáticos e os
sistemas correspondentes de operações, além da habilidade para
pensar através de estruturas reduzidas.
d. Flexibilidade dos processos mentais na atividade matemática.
e. Inclinação pela claridade, simplicidade, economia e
racionalidade da solução.
f. Habilidade para uma rápida e livre reconstrução do processo
mental (reversibilidade dos processos mentais no raciocínio
matemático).
3. Retenção da informação matemática:
Refere-se à existência de uma memória matemática (memória
generalizada para relações matemáticas, tipos característicos,
esquemas de argumentos e provas, métodos de resolução de
problemas e princípios de abordagem).
Componente geral sintético:
Refere-se à existência de um tipo de “mente” matemática.
(Krutetskii, 1976; Neumann,1995, p. 69).
Klausmeier e Goodwin (1977) em uma revisão sobre estudos acerca da solução de
problemas apresentaram as fases do processo de solução de problemas propostos por três
autores distintos: Rossman, em 1932, Dewey, em 1933 e, Merrifild et al, em 1960
(Klausmeier e Goodwin, 1977, p. 349). O autor observou que, embora o número de
operações varie em cada seqüência, devido aos diferentes métodos usados nas pesquisas,
a ordem das operações que um sujeito executa ao solucionar um problema é semelhante.
Em primeiro lugar o sujeito percebe a dificuldade da situação; a seguir entra em contato
com o problema a fim de defini-lo; levanta então todos os dados do problema e passa a
selecionar dentre as estratégias já conhecidas a mais adequada à situação. Feito isto,
aplica a estratégia à situação e verifica se a resposta encontrada é a correta:
Tabela 01: Fases da solução de problemas e produção criativa (Klausmeier e Goodwin,
1977, p. 349)
Rossman
Dewey
Merrifield et al.
(1931)
(1933)
(1960)
Necessidade
ou
dificuldade Contato
com
uma Preparação
observada
dificuldade
Problema formulado
Informação recolhida
Localizar e definir o Análise
problema
Sugerir possíveis hipóteses Produção
Soluções formuladas
Elaboração mental
Soluções testadas
Testar hipóteses
Novas idéias formuladas
Novas idéias testadas e aceitas
Verificação
Reaplicação
Mesmo havendo concordância de que um problema caracteriza-se por uma
situação inicial, da qual se deseja partir e, através de uma série de operações sobre a
mesma, chegar a um estado final, existem diferenças entre os problemas escolares ou
acadêmicos e os problemas do cotidiano. Em geral, os problemas do cotidiano são mais
difíceis, pois a quantidade de conhecimentos necessários à sua solução é mais elevada.
Dessa forma, a natureza do problema, e o tipo de conhecimento prévio que o sujeito que
executa a tarefa possui são dois fatores relevantes no estudo dos processos de solução de
problemas.
Ao deparar-se com uma situação-problema, o sujeito busca interpretar a situação.
Essa compreensão do problema pelo sujeito que o soluciona, é chamada de representação
do problema. Essa fase é determinante do grau de dificuldade do problema a ser
solucionado. Como um problema é um conjunto composto por um estado inicial definido,
um estado final desejado, existe uma série de operações possíveis sobre o estado inicial,
visando o estado final. Este conjunto de operações possíveis é denominado espaço de
solução do problema e diferencia os sujeitos mais habilidosos dos menos habilidosos na
atividade: os sujeitos mais habilidosos, a partir de uma representação mais concisa da
situação são capazes de escolher a melhor estratégia de solução, sem ao menos considerar
as demais possíveis, reduzindo o espaço de solução do problema; os sujeitos menos
habilidosos, ao omitir restrições necessárias ou acrescentar restrições desnecessárias à
representação do problema tornam-na menos clara, aumentando o espaço do problema
(Mayer, 1992).
Um determinante da representação do problema são os conhecimentos prévios que
o sujeito possui. Ao formar uma representação do problema, ele recupera na memória os
procedimentos adequados aplicáveis à situação e é exatamente essa representação que
orienta a recordação de tais procedimentos (Chi & Glaser, 1992). Ao se deparar com um
problema, o indivíduo recorre aos esquemas que já possui, e que lhe permite formar uma
representação apropriada da situação. Sujeitos habilidosos, ao elaborar a representação do
problema, ativam exatamente os esquemas que contém as informações estritamente
necessárias à solução, enquanto os menos habilidosos ativam esquemas impróprios,
aumentando o espaço de solução e dificultando a obtenção do estado final de solução
desejado.
Considerações finais:
A partir das considerações apresentadas é possível afirmar que, dentro da
Psicologia da Educação Matemática, a solução de problemas é um tema bastante amplo.
Alguns estudos têm abordado o assunto enquanto recurso para o ensino de Matemática.
Esse enfoque dado à solução de problemas coincide com uma das principais
recomendações para o ensino de Matemática na atualidade, pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais. Outros estudos têm focalizado basicamente o desempenho e os
procedimentos utilizados nessas atividades. A partir dessas análises muitas sugestões
foram feitas aos professores de Matemática, de educação básica, visando à melhoria da
aprendizagem escolar.
No entanto, muitos estudos desenvolvidos no PSIEM, que utilizam a solução de
problemas, não foram citados no presente trabalho, por não abordarem o assunto como
tema central. São estudos relacionados a diversos processos cognitivos superiores, tais
como atenção, percepção, memória e representação. Para a análise desses processos
cognitivos são utilizadas algumas tarefas de solução de problemas e, o estudo cuidadoso
do processo tem permitido aos pesquisadores uma melhor compreensão das relações
entre esses processos.
Assim, dentro do PSIEM, a solução de problemas continua sendo uma linha de
pesquisa que muito tem contribuído para a promoção e o desenvolvimento de estudos
interdisciplinares na Educação Matemática, e para um aprofundamento da compreensão
dos aspectos psicológicos do ensino e aprendizagem da Matemática e as implicações
decorrentes disso no ambiente escolar.
Referências:
CHI, M. T. H. & GLASER, R. A. Capacidade para a Solução de Problemas. In
STERNBERG, R.J. As Capacidades Intelectuais Humanas: Uma Abordagem em
Processamento de Informações. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.
DÍAZ, M. V., POBLETE, A. Resolucion de Problemas, Evaluacion y Enseñanza del
Calculo. Zetetiké, n. 4, pp. 51-60, 1995.
GAGNÉ, R. M. Como se realiza a aprendizagem. Traduzido por T. M. R. Tovar. Rio
de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora, 1974.
HENDERSON, K. B. & PINGRY, R. E. Problem Solving in Mathematics. In The
Learning of Mathematics: its Theory and Practice. NCTM, pp. 228-270, 1953.
KLAUSMEIER, H. J.; GOODWINN, W. Manual de Psicologia Educacional.
Tradução: M. C. T. A. Abreu. São Paulo: Harper & Row, 1977.
KRUTETSKII, V. A. The Psychology of Mathematical Abilities in Schoolchildren.
Chicago: The University of Chicago Press, 1976.
MAYER, R. E. A Capacidade para a Matemática. In R. J. Sternberg , As Capacidades
Intelectuais Humanas: Uma Abordagem em Processamento de Informações. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1992.
MAYER, R. E. Thinking, problem solving, cognition. New York: W. H. Freeman and
Company, 1992.
NEUMANN, V. J. G. Um estudo Exploratório sobre as Relações entre o Conceito de
Automatismo da Teoria do Processamento de Informações de Sternberg e o Conceito
de Pensamento Resumido na Teoria das Habilidades Matemáticas de Krutetskii.
Universidade Estadual de Campinas: Dissertação de mestrado, 1995.
POLYA, G. A Arte de Resolver Problemas: Um Novo Aspecto do Método
Matemático. Rio de Janeiro: Editora Interciência, 1986.
POZO, J. I. A solução de problemas: aprender a resolver, resolver para aprender. Trad.
B. A. Neves. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática.
Brasília: MEC/SEF, 1997.
Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática.
Brasília: MEC/SEF, 1998.
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