PARTICIPAÇÃO: QUANTO MAIS MELHOR?
A participação tem figurado como premissa nos projetos de desenvolvimento rural.
No caso do trabalho com comunidades tradicionais, a participação mostra-se como
estratégia que promete encaminhar soluções às dificuldades locais sem incorrer na
simples assimilação de modelos externos (aculturação). Ao tratar-se das referências
teórico-metodológicas acessadas para orientar a participação em projetos verifica-se
que tendem a estabelecer uma normatividade comum, sem ênfase na distinção
segundo a especificidade cultural do grupo trabalhado. É usual preconizar-se, por
exemplo, a participação direta dos membros de dada comunidade e avaliar-se o tipo
de participação dentro de um referencial escalar (passiva, no fornecimento de
informações, por consulta, por incentivos materiais, funcional, interativa e automobilização), onde o ideal corresponde ao paulatino avanço para níveis mais
elevados. Porém, mais participação seria sempre melhor? Neste cenário, o objetivo
deste trabalho é discutir esta questão a partir de revisão bibliográfica sobre a
questão da participação na intervenção junto a populações tradicionais e um estudo
de caso junto à populações indígenas Mbya Guarani. Para tal, se utilizou as
observações que foram realizadas em dois períodos, compreendidos nos meses de
outubro/2008 e agosto/2009, durante o acompanhamento do projeto de
desenvolvimento sustentável denominado “Desarrollo Sostenible del Pueblo Mbya
Guaraní de Caazapa – Seguridad alimentaria, abastecimiento de agua potable,
producción agroforestal, artesanal y apícola”, o qual foi elaborado e tem sido
executado na região leste do Paraguai, mais especificamente, no Departamento de
Caazapá. O projeto almeja promover a construção de bases para o uso sustentável
dos recursos naturais comuns nas comunidades Ytu e Ypeti, ambas da etnia Mbya
Guarani. Mesmo que a intervenção participativa represente a concretização de
princípios amplamente aceitos e valorizados como a igualdade entre os homens e o
amplo diálogo no encaminhamento das questões coletivas, alguns autores advertem
para a questão da justificação da intervenção, ressaltando a dificuldade de
compreensão dos mundos de vida alheios (QUINTANA, 2007). Vernooy (2006) se
refere à complexidade que envolve a gestão comunitária dos recursos naturais,
entendendo que, transversalmente ás novas formas de manejo propostas pelos
agentes externos, encontram-se as tradicionais normas organizacionais das
comunidades como, por exemplo, as identidades sociais, as funções e relações
negociadas por características de gênero, parentesco, etnicidade, idade, etc, que, de
alguma forma, foram construídas por cada vertente sócio-cultural. Salienta que as
normas organizacionais das comunidades constituem estratégias autoreguladoras
de seus sistemas, mas que, sob a ótica de perspectivas ocidentalizadas podem ser
encaradas como elementos de desigualdade. Neste sentido, o trabalho atenta-se
para os desafios da interculturalidade, a qual ressalta Little (2005), criticando a
abordagem realizada pelo “projetismo”, que já nos pequenos detalhes característicos
de seu processo demonstra a dificuldade de promover relações interculturais
simétricas. Em diálogo crítico sobre participação e estratégias de resolução de
conflitos em projetos de manejo de recursos e desenvolvimento participativo Buckles
e Chevalier (2000) comentam sobre a necessidade de trabalhar a participação sem
que esta seja o estopim para a formação de novos conflitos, visto que as
comunidades
tradicionais
possuem estruturas
políticas
próprias
para
encaminhamento de problemas coletivos. No caso do projeto junto à comunidade
Mbya Guarani, entendeu-se que os agentes buscam promover a participação, na
medida em que ela seja possível. Tal postura implica o reconhecimento de que a
participação é uma estratégia desejável na medida em que possibilita que as
intervenções resguardem os interesses daqueles que estão envolvidos nestes
projetos, mas que seus limites existem e derivam, inicialmente, da intrínseca
dificuldade de comunicação e diálogo existente entre os indivíduos, que utilizam,
geralmente, posturas defensivas nos relações interpessoais, principalmente quando
este contato e/ou convívio esteja em estágios iniciais e se refira a relações com
agentes de outras culturas. Embora a aplicação do princípio da participação pareça
justificável no caso examinado e na maioria das iniciativas de manejo comunitário de
recursos naturais questiona-se a utilização acrítica deste princípio e sua derivação
em um único modelo de intervenção (de diagnóstico e planejamento participativo).
Cabe reconhecer que a participação pode ser tanto participação por representação
(lideranças) quanto direta (dos membros da comunidade), interativa ou por automobilização, fortalecer ou questionar as estruturas políticas estabelecidas. Dada a
importância que vêm assumindo as iniciativas de manejo comunitário de recursos
enquanto estratégias de desenvolvimento para populações tradicionais, entende-se
que haveria de conceder-se maior ênfase à problematização das referências que
vem balizando a intervenção junto a estes grupos sociais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BUCKLES, D., CHEVALIER J.M. El manejo de los conflitos: una perspectiva
heterocultural. In:__ Cultivar la paz. Conflicto y colaboración en
el manejo de los recursos naturales. Centro Internacional de Investigaciones para
el Desarrollo, Ottawa, Canadá, 2000. Cap. 1, p. 15–48.
LITTLE, P. E. Indigenous peoples and sustainable development subprojects in
Brazilian Amazonia: the challenges of interculturality, Law & Policy – Baldy Center
for Law and Social Policy and Blackwell Publishing Ltd. 2005. vol. 27, Nº 3, 450-468.
QUINTANA, R.D. Intervenir o no intervenir en el desarrollo: es, o no es la cuestión.
Cuadernos de Desarrollo Rural, Pontificia Universidad Javeriana, Bogotá,
Colombia, 2007. Julio - Deciembre, nº 59, p. 63–86.
VERNOOY, R. La Calidad de la Participación: Reflexiones Fundamentales Acerca
de la Toma de Decisiones, Contexto y Metas. In:__ Investigación y Desarrollo
Participativo para la Agricultura y el Manejo Sostenible de Recursos Naturales:
Libro de Consulta. Volumen 1: Comprendiendo. Investigación y Desarrollo
Participativo. Perspectivas de los Usuarios con la Investigación y el Desarrollo
Agrícola - Centro Internacional de la Papa, Laguna, Filipinas y Centro Internacional
de Investigaciones para el Desarrollo, Ottawa, Canadá, 2006. Cap. 4, p. 37-47.
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Participação: quanto mais melhor?