1 Assistência de enfermagem a usuários de cocaína e crack1. Nursing assistance to users of cocaine and crack Asistencia de enfermería a los usuarios de cocaína y crack Souza Lilian Regina da Silva, Rocha Maria Francisca Ribeiro 2, Brasileiro Marislei Espíndula3. Assistência de enfermagem a usuários de cocaína e crack. Revista Eletrônica de Enfermagem do Centro de Estudos de Enfermagem e Nutrição [serial on-line] 2013 ago-dez 4(4) 1-15. Available from: <http://www.ceen.com.br/revistaeletronica>. Resumo Objetivo: identificar, nas pesquisas, as alterações clínicas apresentadas por usuários de cocaína e crack e a atuação do enfermeiro nesse processo. Materiais e Método: estudo do tipo exploratório, bibligráfico com análise integrativa, qualitativa da literatura disponível em bibliotecas convencionais e virtuais. Resultados: identificou-se que o uso de cocaína e crack traz inúmeras alterações psicossociais, tais como criminalidade e conflito familiar e clínicas, tais como cardiovasculares e neurológicas e que a atuação do enfermeiro está voltada para a promoção, prevenção, reabilitação e a integração social do paciente. Conclusão: A enfermagem é a profissão com maior campo de atuação neste âmbito, e tem, portanto, de se capacitar para entender o fenômeno das drogas em todas as fases do problema, com estratégias de superação e enfrentamento do uso/abuso de drogas. Descritores: Drogas, Cocaína/Crack, Enfermagem, Assistência. Summary Objective: To identify the research nurses' actions, difficulties and barriers in assisting users of cocaine and crack. Materials and Methods: This exploratory, integrative literature review with qualitative literature available in conventional libraries and virtual. Results: identified that the use of cocaine and crack brings numerous psychosocial changes, such as crime and family conflict and clinics, such as cardiovascular, neurological and the nurse´s role is focused on the promotion, prevention, rehabilitation and social integration of the patient. Conclusion: Nursing 1 Artigo apresentado ao Curso de Pós-Graduação em Enfermagem em Urgência e Emergência, turma nº 15, do Centro de Estudos de Enfermagem e Nutrição/Pontifícia Universidade Católica de Goiás. 2 Enfermeiras, especialistas em Urgência e Emergência, e-mail: [email protected], [email protected] 3 Doutora em Ciências da Saúde – FM-UFG, Doutora – PUC-Go, Mestre em Enfermagem - UFMG, Enfermeira, Docente do CEEN, e-mail: [email protected] 2 is a profession with a higher playing field in this area, and therefore has to be trained to understand the phenomenon of drugs in all phases of the problem, and coping strategies to overcome the use/abuse of drugs. Descriptors: Drugs, Cocaine / Crack, Nursing Assistance. Resumen Objetivo: Identificar las acciones de los enfermeiros de investigación, las dificultades y obstáculos en la asistencia a los usuários de cocaína y crack. Materiales y métodos: estudio exploratorio, com bibliográfico análisis integrador, la literatura cualitativa disponible em las bibliotecas convencionales y virtuales. Resultados: identifico que el uso de la cocaína y el crack trae numerosos câmbios psicosociales, como la delincuencia y el conflito familiar y las clínicas, com el cardiovascular, neurológica y la función de la enfermeira se centra em la promoción, la prevención, la rehabilitación y la integración social del paciente. Conclusión: La enfermería es uma profesión com um campo de juego más alto em esta área, y por lo tanto tiene que ser entrenado para entender el fenómeno de las drogas en todas las fases del problema, y las estratégias de afrontamiento para superar el uso/abuso de drogas. Palabras clave: Drogas, Cocaína/Crack, Asistencia de Enfermería. 1 Introdução O interesse ou motivação do presente estudo surgiu com a preocupação de identificar as dificuldades da enfermagem em abordar e prestar a assistência aos usuários de drogas cocaína/crack, uma vez que o enfermeiro apresenta-se como autor estratégico nas ações voltadas para o tema, no sentido de buscar abordagens que ampliem o olhar e as possibilidades de intervenção. O fenômeno do uso abusivo de substâncias psicoativas na sociedade atual tem se constituído problemática acentuadamente complexa e, embora as transformações históricoculturais e as inovações científico-tecnológicas tenham sido marcantes nos últimos anos, as concepções e modelos de abordagem prática de tal fenômeno não têm avançado significativamente e requerem estudos e reflexões relacionados às intervenções, bem como às políticas e saberes teóricos que têm subsidiados as mesmas¹. Drogas são definidas como substâncias consumidas por qualquer forma de administração, que alteram o humor, o nível de percepção ou o funcionamento do sistema 3 nervoso central. Estas drogas podem ser lícitas ou ilícitas, desde medicamentos, álcool, até maconha, crack, solventes e outras. Sabe-se que a cocaína é uma substância com propriedades estimulantes, extraída das folhas do arbustro da coca (Erythroxylon coca) originado de regiões dos Andes, sendo Bolívia, o Peru e a Colômbia seus principais produtores. Pode ser encontrada em duas formas distintas: alcalóide purificado, base livre, e o sal de hidrocloreto. A primeira pode ser usada por via oral, venosa ou intranasal; a base livre é a mistura da cocaína com amônia e o bicarbonato de sódio, usada para fumar e mais conhecida como crack, considerada a forma mais potente da droga2-3. Nas salas de emergência, a cocaína é responsável por 30% a 40% das admissões relacionadas a drogas ilícitas, 10% entre todos os tipos de drogas e 0,5% das admissões totais. As complicações relacionadas ao consumo de cocaína capazes de levar o indivíduo à atenção médica (e de enfermagem) são habitualmente agudas e individuais. Os usuários de cocaína e crack têm muita dificuldade na busca de tratamento especializado, pois não reconhecem o problema, enfrentam preconceitos pela ilegalidade da droga ligada à criminalidade, o acesso ao tratamento é difícil e os serviços especializados não oferecem a intervenção ajustada às suas necessidades4. De acordo com o II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil realizado em 2005 nas 108 maiores cidades do país, 0,7% da população adulto relatava já ter feito uso de crack pelo menos uma vez na vida, o que significa um contingente de mais de 380 mil pessoas. A maior porcentagem de uso de crack na vida foi encontrada entre homens, na faixa etária de 25 a 34 anos, constituindo 3,2% da população adulta ou cerca de 193 mil pessoas. Embora usuários de crack se encontrem em todas as regiões, as regiões sul e sudeste concentram a maioria dos usuários5. Considerando esse um problema complexo e reconhecendo a necessidade de superar o atraso histórico relacionado às políticas públicas de enfrentamento dos problemas de saúde decorrentes do uso de drogas e álcool, o Ministério da saúde definiu uma política para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas. Atualmente esta política é o marco no campo das ações que garantem a oferta de serviços tanto aos portadores de transtornos mentais quanto aos indivíduos com problemas que envolvem o álcool e outras drogas. A política em questão possui como diretrizes: a atenção integral à saúde de consumidores de álcool e outras drogas (prevenção, promoção e proteção); modelos de atenção psicossocial, como o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e redes assistenciais; controle de entorpecentes e substâncias que produzem dependência física ou psíquica; e padronização de serviços de atenção à dependência química6. 4 Dentre os profissionais de saúde, os enfermeiros são os que mantém contato maior com os usuários dos serviços de saúde e têm grande potencial para reconhecer os problemas relacionados ao uso de drogas e desenvolver ações assistenciais7. Apesar disso, muitos profissionais de enfermagem ainda enfrentam dificuldades nesse tipo de cuidado. Diante disso surge o questionamento: quais as manifestações psicossociais, clínicas e a assistência de enfermagem aos usuários de cocaína e crack? 2 Objetivos Identificar as alterações psicossociais e clínicas apresentadas pelos usuários de cocaína e crack e a atuação do enfermeiro nesse processo. 3 Materiais e Método Trata-se de um estudo do tipo bibliográfico, exploratório, descritivo com análise integrativa. O estudo bibliográfico se baseia para explicar um problema a partir de referências teóricas publicadas em artigos, livros, dissertações e teses, buscando conhecer e analisar as contribuições científicas sobre determinado assunto, tema ou problema. O estudo descritivoexploratório trata-se do estudo e descrição das características, propriedades ou relações existentes na comunidade, grupo ou realidade pesquisada, favorece uma pesquisa mais ampla e completa, as tarefas da formulação clara do problema e da hipótese como tentativa de solução8. A revisão integrativa inclui a análise de pesquisas relevantes que dão suporte para a tomada de decisão e a melhoria da prática clínica, possibilitando a síntese do estado do conhecimento de um determinado assunto, além de apontar lacunas do conhecimento que precisam ser preenchidas com a realização de novos estudos. Este método de pesquisa permite a síntese de múltiplos estudos publicados e possibilita conclusões gerais a respeito de uma particular área de estudo9. Após a definição do tema foi feita uma busca em bases de dados virtuais em saúde, especificamente na Biblioteca Virtual de Saúde - Bireme. Foram utilizados os descritores: drogas, cocaína/crack, enfermagem, assistência . O passo seguinte foi uma leitura exploratória das publicações apresentadas no Sistema Latino-Americano e do Caribe de informação em Ciências da Saúde - LILACS, National Library of Medicine – MEDLINE e Bancos de Dados em Enfermagem – BDENF, Scientific Electronic Library online – Scielo, banco de teses USP. Os 5 critérios de inclusão foram: serem publicados nos últimos dez anos e responderem aos objetivos do estudo. Foram excluídos os anteriores a 2002 ou que não respondiam aos objetivos. Realizada a leitura exploratória e seleção do material, principiou a leitura reflexiva, por meio da leitura das obras selecionadas, o que envolve um esforço reflexivo que se manifesta por meio das operações de análise, comparação, diferenciação, síntese e julgamento, apropriação dos dados referentes ao assunto ou problema da pesquisa8. Após a leitura reflexiva, iniciou-se a leitura interpretativa que oferece as informações que transmite, qual o seu problema, suas hipóteses, suas teses, suas provas e suas conclusões. O julgamento das ideias é aplicado na solução dos problemas formulados na pesquisa. Na leitura interpretativa houve uma busca mais ampla de resultados, pois ajustaram o problema da pesquisa a possíveis soluções. Feita a leitura interpretativa se iniciou a tomada de apontamentos que se referiram a anotações que consideravam o problema da pesquisa, ressalvando as ideias principais e dados mais importantes8. A partir das anotações da tomada de apontamentos, foram confeccionados fichamentos, em fichas estruturadas em um documento do Microsoft word, que objetivaram a identificação das obras consultadas, o registro do conteúdo das obras, o registro dos comentários acerca das obras e ordenação dos registros. Os fichamentos propiciaram a construção lógica do trabalho, que consistiram na coordenação das ideias que acataram os objetivos da pesquisa. Todo o processo de leitura e análise possibilitou a criação de duas categorias. A seguir, os dados apresentados foram submetidos à análise de conteúdo. Posteriormente, os resultados foram discutidos com o suporte de outros estudos provenientes de revistas científicas e livros, para a construção do relatório final e publicação do trabalho no formato Vancouver. 4 Resultados e Discussão Nos últimos dez anos ao se buscar as Bases de Dados Virtuais em Saúde, tais como a LILACS, MEDLINE, SCIELO e revistas tais como FEN e REBEn utilizando-se as palavras-chave: Drogas, Cocaína/Crack, Enfermagem, Assistência encontrou-se 26 artigos publicados entre 2004 e 2012. Foram excluídos 9, por não se encaixarem ao tema, sendo, portanto, incluídos neste estudo 17 publicações. Após a leitura exploratória dos mesmos, foi possível identificar a visão de diversos autores a respeito da assistência de enfermagem aos usuários de cocaína e crack. 6 4.1 Alterações psicossociais e clínicas decorrentes do uso e/ou abuso de substância psicoativas cocaína e crack. Dos onze artigos encontrados, sete abordam as questões que envolvem o contato com a cocaína e crack, e as alterações clínicas causadas pelo uso e/ou abuso das mesmas, conforme é possível verificar nas falas dos autores abaixo: Apesar do uso da droga ter sempre existido, a toxicomania (primeiro termo empregado para se referir à dependência de drogas) corresponde a um fenômeno da modernidade. “O crescimento do interesse público e governamental com relação ao uso e abuso de substâncias psicoativas se dá devido à relação entre o consumo dessas substâncias e a criminalidade, violência, morbimortalidade e, consequentemente, os elevados custos para o serviço público de saúde e previdência social”10. Geralmente, existe um conjunto de fatores que acabam predispondo à utilização de drogas. “O uso do crack se alastrou em decorrência da tolerância e/ou efeitos agradáveis, fácil administração, custo baixo, alto potencial de dependência, via segura em relação à infecção pelo HIV”11. A identificação de uma sequência de uso de drogas tem sido a preocupação de muitos pesquisadores. “Quando se procura refletir sobre os motivos que podem levar uma pessoa a consumir drogas, torna-se importante ressaltar que não são pequenos motivos, ou uma única causa isolada, que levam o indivíduo a utilizar algum tipo de substância psicoativa. Geralmente, existe um conjunto de fatores que, ao atuarem no contexto no qual está inserida uma determinada pessoa, acaba predispondo-a a utilização de drogas. O abuso de drogas e a dependência química são sintomas da crise familiar, social e individual, decorrente do modo de organização das sociedades industrializadas que, centradas no consumo, concebem o uso de drogas como oportunidade para obter prazer, permitir a evasão imediata do sofrimento ou, ainda, como forma de contestação/transgressão às normas vigentes”10-12. De acordo com algumas literaturas a cocaína, a heroína e a maconha são as drogas mais utilizadas de modo abusivo e não aprovado. “A Cocaína é a droga que mais motiva o atendimento de emergência é a principal causa de óbito. Quando a cocaína é fumada na forma de crack, o vapor aspirado é rapidamente absorvido pelos pulmões, alcançando o cérebro em 6 a 8 segundos. Quando a droga é injetada nas veias demora de 16 a 20 segundo e quando cheirada demora de 3 a 5 minutos para atingir o mesmo efeito. Fumar o crack é a via mais rápida de fazer com que a droga chegue ao cérebro e provavelmente esta é a razão para a rápida progressão para a dependência. Comparando o uso de crack com outras formas de uso da cocaína, há uma proporção maior de uso intenso e de aumento da fissura entre os que usam crack” 3-13. 7 As complicações agudas relacionadas ao consumo de cocaína capazes de levar o indivíduo à atenção médica são individuais. “Dentre essas complicações, a overdose é a mais conhecida e considerada emergência médica. São sinais clínicos de overdose de cocaína: palpitações, sudorese, cefaleia, tremores, ansiedade, hiperventilação, espamos musculares e sinais de superestimulação adrenérgica como midríase, taquicardia, hipertensão, arritmia e hipertermia. Pode evoluir para crises convulsivas, angina do peito com ou sem infarto, hemorragias intracraniana e rabdomiólise, levando à morte frequentemente por insuficiência cardíaca e/ou insuficiência respiratória”4. A cocaína afeta o cérebro de diversas maneiras. “As Complicações psiquiátricas são o principal motivo de busca por atenção médica entre usuários de cocaína destacando-se, entre elas, episódios de pânico, depressão e psicose. Os sintomas psicóticos delírios paranoides e alucinações podem desaparecer espontaneamente após algumas horas, mas agitações extremas podem necessitar de sedação. Sintomas agressivos estão mais relacionados ao uso de crack que a outras vias de uso da cocaína. Dentre as complicações neurológicas do uso do crack as principais são acidente vascular cerebral, dor de cabeça, tonteira, inflamações dos vasos cerebrais, atrofia cerebral e convulsões”13. Dentre alguns estudos, “as complicações cardiovasculares decorrentes do uso de cocaína são as mais frequentes entre as não-psiquiátricas, sendo a angina do peito a que atinge maior taxa, presente em 10% dos usuários. O infarto agudo do miocárdio não é tão frequente. Cerca de um terço dos acidentes vasculares cerebrais em adultos jovens está associado ao consumo de drogas, sendo que, entre os indivíduos de 20 a 30 anos, esse índice chega a 90%. A convulsão, a complicação neurológica mais comum, atinge uma pequena parte dos usuários de cocaína que procuram as salas de emergência”4. A descrição de um quadro bem definido de abstinência, assim como sua duração ainda não é consenso. “Em geral o quadro de abstinência da cocaína é descrito como trifásico. A primeira fase, denominada “crash”, tem duração de horas a cinco dias e se caracteriza por fissura intensa no início, irritabilidade e agitação, evoluindo para hipersonolência, depressão, anedonia e exaustão, acompanhados de uma redução na fissura. Abstinência é a segunda fase, que se inicia com a reemergência da fissura e sintomas depressivos e ansiosos, podendo durar até dez semanas. Após este período, há a terceira fase, quando há uma redução gradativa da fissura e tendência a normalização do humor, sono e ansiedade” 14. O pulmão é o principal órgão exposto aos produtos da queima do crack. “Quanto às complicações pulmonares decorrentes do uso agudo de crack, os sintomas mais comuns, que se desenvolvem horas após o uso, são: dor torácica, dispneia, tosse seca ou com eliminação de sangue e/ou material escuro (resíduo da combustão) e febre. A agressão térmica, a inalação de impurezas, o efeito anestésico local e a vasoconstricção, que causam inflamação e 8 necrose, são os principais responsáveis pelas lesões das vias aéreas. Hemoptiase ocorre em 6% a 26% dos usuários. Derrames pleurais também podem estar presentes” 4. Os autores citados concordam que a avaliação inicial é muito importante e o atendimento aos pacientes usuários de drogas deve-se privilegiar a avaliação de risco, visando à resolução dos problemas emergenciais, que favoreçam o equilíbrio mental do paciente, por meio de uma postura ativa, antecipando situações de risco ou resolvendo-as prontamente, a fim de evitar a reinstalação do consumo. Diante do grau de desestruturação social, econômica, familiar e psicológico do usuário dessas drogas faz-se necessário uma equipe multiprofissional estruturada, capacitada e especializada para intervir de forma eficaz sendo capaz de identificar os casos precocemente. As substâncias psicoativas causam inúmeras alterações psicossociais e clínicas. Dentre as psicossociais estão a criminalidade, violência, morbimortalidade, crise familiar, social e individual, prazer, evasão do sofrimento e como forma de transgressão às normas vigente. As alterações clínicas apresentadas são a modificação no funcionamento do cérebro e alteração no comportamento, e cada droga provoca quadros clínicos diferentes, possuem características farmacológicas específicas e, portanto, exige terapêutica própria. No entanto, existe um plano de tratamento que pode ser comum para as dependências químicas em geral: mudança do estilo de vida. Tal tratamento deve visar à promoção de abstinência, o tratamento de quadros clínicos e a prevenção de recaídas, deve ter seu foco na motivação do indivíduo e contar com a participação da família. Por outro lado, nem sempre o enfermeiro da emergência dispõe de equipe suficiente para atender esses pacientes com alterações clínicas e comportamentais. Assim, as manifestações orgânicas ou fisiológicas são atendidas, mas as comportamentais são negligenciadas. O atendimento de enfermagem ao usuário de crack e cocaína, na emergência é, portanto incompleto. 4.2 A importância da Assistência de Enfermagem aos usuários de cocaína e crack. Dos doze artigos encontrados, cinco estão em consenso quanto à importância da assistência dos enfermeiros no atendimento aos usuários de drogas, conforme é possível verificar nas falas dos autores abaixo: O uso abusivo de drogas é um dos principais problemas de saúde pública em todo mundo. O problema com uso de drogas é fruto de um contexto socioeconômico, político e cultural que vem interferindo na escolha do sujeito, portanto deve ser compreendido como um problema multidimensional e global, não se restringindo à relação entre o indivíduo e o consumo de substâncias psicoativas. “Destaca-se que os profissionais de enfermagem são 9 agente-chave no processo da transformação social dos países, participando no desenho e na implantação de programas e projetos de promoção de saúde, prevenção do uso e abuso de álcool e outras drogas e integração social” 6. Nesta linha de pensamento, “o enfermeiro apresenta – se como ator estratégico nas ações voltadas para este tema, no sentido de buscar abordagens que ampliem o olhar e as possibilidades de intervenção, sobretudo no nível de prevenção e promoção á saúde. Deste modo, envolve uma sensibilização para as causas e consequências do problema num entendimento biopsicossocial, oferece informações sobre as substâncias psicoativas e os problemas relacionados ao uso, e proporciona oportunidades para explorar as perdas e ganhos em nível pessoal e social quando se escolhe ou se abdica do uso de drogas”15. Sabe-se que o tratamento aos usuários de drogas é um processo longo e doloroso tanto ao usuário quanto a família que acompanha. “A enfermagem tem um papel importante e fundamental e pode encorajar o paciente nos momentos de maior angústia e solidão. Tem como papel, trabalhar o psicológico do paciente e dos familiares, com as orientações sobre a doença em si e seu tratamento, com a retomada de suas atividades sociais”16. Dentre os segmentos da sociedade, o uso dessas substâncias entre os adolescentes se faz de forma preocupante uma vez que o primeiro contato com as drogas ocorre muitas vezes na adolescência. “Para a enfermagem, o estudo das drogas na adolescência é de fundamental importância já que a ela possui significante papel tanto na prevenção quanto na promoção da saúde através de atividades educativas e conscientização com os adolescentes e familiares a fim de esclarecer dúvidas, mas sem deixar de considerar o raciocínio crítico do adolescente e desenvolver nele uma cultura prevencionista com relação ao uso e abuso de drogas quer sejam elas lícitas ou ilícitas”2. Diante do fenômeno das drogas, “os enfermeiros são profissionais com amplas possibilidades de acesso aos indivíduos envolvidos com drogas em todas as fases do problema, o que caracteriza a importância de inclusão destes nas estratégias de enfrentamento do uso/abuso de drogas”16. De acordo com a política do ministério da saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas. “Nos serviços de saúde, o enfermeiro deverá estar atento às possibilidades de detectar precocemente o uso de álcool e outras drogas, a fim de reduzir os possíveis danos, devendo sensibilizar os usuário a buscar alternativas de tratamento, conforme preconiza a política de saúde definida para o campo em questão”17. É importante ressaltar que, “a falta de capacitação e a inexistência de protocolos específicos para a assistência ao usuário de drogas faz com que haja heterogeneidade e falta 10 de continuidade das ações implantadas pela enfermagem. Tal fato prejudica o planejamento, execução e avaliação das ações de enfermagem desenvolvidas junto a estes usuários”6. Os estudos estão em acordo que a qualidade da assistência de enfermagem se concretiza quando o profissional exerce suas funções com conhecimento, habilidade, humanidade e competência para atender as necessidades de saúde e expectativas do ser humano. O papel do enfermeiro é ampliado, e o mesmo insere nas diversas modalidades de atendimento ali existentes. Pode desempenhar importante papel na promoção da saúde diante de vários aspectos, trabalhando na prevenção, na reabilitação e na integração social do paciente. Percebe-se, nos estudos acima, que o enfermeiro tem um papel importante na assistência aos usuários de drogas, e para que possa desenvolver um trabalho satisfatório e eficaz torna-se necessário sua qualificação e preparo para lidar com essa clientela que vem aumentando a procura de atendimento nas unidades de saúde. Uma das formas de melhor a atenção a esses usuários seria a ligação direta entre o enfermeiro da emergência e o enfermeiro da saúde da família para que possam agir de forma integrada. 5 Considerações Finais O objetivo deste trabalho foi identificar as alterações psicossociais e clínicas apresentadas pelos usuários de cocaína e crack e a atuação do enfermeiro nesse processo. Após a análise dos estudos foi possível identificar que as causas da iniciação às drogas e a manutenção deste uso tem sido objetivo de muitas controvérsias que por si só demonstram a complexidade deste fenômeno. A experiência com a atenção a usuários de drogas coloca o enfermeiro face a face com inúmeros desafios. Em primeiro lugar, trabalhar numa perspectiva diferente daquela aprendida na formação acadêmica, altamente prescritiva e centrada na doença. Em segundo lugar, enfrentar a sua própria ansiedade, insegurança, preconceito e até incapacidade para lidar com o usuário de drogas. Em terceiro lugar, programar atividades com base em políticas ministeriais que ainda não estão consolidadas na região e nem valorizadas pelos gestores locais. Em quarto lugar, criar protocolos de atendimento que permitam o monitoramento e avaliação de ações de enfermagem desenvolvidas junto ao usuário de drogas na região. Em quinto lugar, trabalhar em equipe e em rede, de forma a assegurar a integralidade da assistência. Este estudo possibilitou o conhecimento fundamental sobre assistência prestada a pessoas usuárias de drogas com atitudes não julgadoras. Pois, cuidar em enfermagem é, antes 11 de tudo, encontrar-se com. Encontrar-se com uma pessoa, muitas vezes percebida somente como paciente portador de um determinado diagnóstico. Nessa forma de perceber, o outro é reduzido a sintomas ou síndrome, pouco restando da pessoa. Encontrar-se com o outro é encontrar-se com uma história, com uma trajetória, com sonhos, desejos, crenças e descrenças, valores, saberes e expectativas. Reconhecer o outro como sujeito é uma imposição àqueles que desejam exercer sua profissão na assistência ao usuário de drogas. Percebe-se, portanto, a necessidade de preparo dos profissionais de enfermagem para atuarem junto a esta clientela. Esta capacitação deve ocorrer em toda rede de saúde e privilegiar uma abordagem transversal e interdisciplinar dos problemas vivenciados em cada ambiente de trabalho, pois, quando ocorre um aprendizagem significativa, o enfermeiro atua de forma mais criativa e engajada. Os estudos não evidenciam se os problemas psicossociais levam ao uso da droga ou se o uso da droga potencializa os problemas psicossociais. Há que se pesquisar mais. 6 Referência 1. Souza J, Kantorski LP. Embasamento político das concepções e práticas referentes às drogas no Brasil. Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool e Drogas: 2007; 3(2): 2-16. 2. Zeitoune RCG, Ferreira VS, Silveira HS, Domingos AM, Maia AC. 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