O tamanho das aranhas influencia a precisão na construção de teias
orbiculares?
Tiago Jordão Porto, Caroline Corrêa Nóbrega, Daniel Caetano da Silva e José Domingos Ribeiro Neto
possível que exista uma pressão seletiva
Introdução
Nas espécies de invertebrados
direcionando a manutenção de cérebros
ocorre um grande incremento em
funcionalmente
tamanho durante o desenvolvimento
menos sinapses, no estágios imaturos
ontogenético, desde a eclosão dos ovos
com
até a fase adulta (Ruppert et al. 2005).
(Spruston & Stuart in press). No
As estruturas corporais dos indivíduos
entanto, a menor atividade do cérebro
nos primeiros ínstares são menores do
dos jovens poderia impedir a realização
que as estruturas dos indivíduos adultos
de alguns atos comportamentais típicos
da
entanto,
de adultos (Durst et al. 1994; Seid et al.
diferentemente das demais estruturas
2005), ou reduzir a capacidade de
corporais, o cérebro é um órgão que não
expressar comportamentos complexos
cresce em número de células durante o
desempenhados por adultos da mesma
desenvolvimento.
espécie.
mesma
espécie.
No
Sendo
assim,
o
cérebro de um indivíduo jovem é
mais
reduzido
simples,
tamanho
com
corporal
Diversos trabalhos têm tentado
proporcionalmente maior do que o de
relacionar
um indivíduo adulto de uma mesma
complexidade
espécie (Beutel et al. 2005).
(Eisenberg 1981, Eisenberg & Wilson
O maior tamanho relativo do
tamanho
objetiva
energético
considerado
maior
corpo
e
comportamental
1978). No entanto, não há definição
cérebro dos jovens demanda um gasto
proporcionalmente
do
para
o
um
que
deve
ser
comportamento
para manutenção e atividade deste
complexo, o que dificulta a escolha de
órgão (Niven et al. 2007). O benefício
características mensuráveis para avaliar
resultante da utilização plena do cérebro
a
pelos indivíduos jovens pode não
tamanho corporal (Vollrath 1992; Healy
compensar a energia necessária para a
& Rowe 2006). Sendo assim, estudar
manutenção deste órgão. Portanto, é
essa relação requer a utilização de
relação
ente
comportamento
e
1
características
comportamentais
facilmente mensuráveis e sujeitas às
do que aranhas maiores de uma mesma
espécie.
mesmas limitações impostas por um
cérebro funcionalmente menos ativo
Métodos
(Eberhard 2007). A capacidade de um
Realizamos o estudo na Reserva
indivíduo de repetir precisamente uma
do
certa sequência comportamental, por
pertencente
exemplo, é uma variável adequada para
Biológica de Fragmentos Florestais
estudar este efeito (Eberhard 2007).
(PDBFF),
Km
41
ao
(2°24’S,
59°43’O),
Projeto
Dinâmica
localizada
na
Amazônia
As teias orbiculares construídas
Central. A reserva está situada a 80 km
pela maioria das aranhas Orbiculariae
ao norte de Manaus e abrange uma área
são
de aproximadamente 10.000 ha de
resultado
comportamentais
de
sequências
precisas,
sendo,
floresta contínua de terra firme.
portanto, manifestações da capacidade
Utilizamos como modelo de
do sistema nervoso e das decisões
estudo a aranha Cyclosa sp., encontrada
comportamentais
próxima as trilhas da reserva. Para
(Blackledge
1998).
destas
Em
aranhas
todas
as
encontrar as aranhas, percorremos as
espécies do grupo Orbicularie, os
trilhas
jovens eclodem com um tamanho
stabilimenta, uma estrutura construída
corporal diminuto, muito menor do que
por detritos, seda e restos de presas
um indivíduo adulto, e em todos os
característica das espécies do gênero
estádios constroem teias orbiculares.
Cyclosa (Foelix, 1982). Ao encontrar o
Assim, a construção de teias orbiculares
stabilimentum, polvilhamos amido de
é um bom modelo para estudar a
milho para facilitar a visualização da
influência da funcionalidade do cérebro
teia orbicular e fotografamos uma
na
repetir
porção distal da teia que continha o
comportamentos de forma precisa, pois
maior raio, pelo menos dois raios
a teia é o testemunho desta habilidade.
adjacentes e 11 espiras. Em seguida,
Neste sentido, nosso objetivo foi testar
coletamos e fixamos a aranha em álcool
se aranhas menores são menos precisas
70% e, posteriormente, as fotografamos.
na fixação das espirais viscosas nos
Medimos o comprimento do corpo da
raios durante a construção de suas teias
aranha (abdômen e cefalotórax) com o
capacidade
de
procurando
visualmente
os
2
software ImageTool® (Wilcox et al.
evidente uma distribuição bimodal dos
2002). Para determinarmos as classes de
dados de tamanho. Com isto, dividimos
tamanho das aranhas a serem utilizadas
as aranhas nas classes de tamanho
nas
pequeno (de 0,5 a 2,5 mm) e grande (de
análises,
construímos
um
histograma (Figura 1), em que ficou
2,6 a 5 mm).
7
Pequeno
Grande
Númerode
deindivíduos
indivíduos
Número
6
5
4
3
2
1
0
0,5 0,75 1,0 1,25 1,5 1,75 2,0 2,25 2,5 2,75 3,0 3,25 3,53,75 4,0 4,25 4,54,75 5,0
Comprimento da aranha (mm)
Figura 1. Número de indivíduos de Cyclosa sp. coletados em relação ao comprimento. As barras cinzas
representam a classe das aranhas pequenas e as barras brancas representam a classe das aranhas grandes.
O comprimento total do corpo representa o comprimento do abdômen somado ao do cefalotórax.
A partir da fotografia das teias,
Eberhard (2007). Segundo esse índice,
escolhemos o maior raio e dois raios
quanto
adjacentes (esquerda e direita) para
construção da teia, maior o índice de
medir a distância entre 11 espiras
imprecisão. Assim, esperamos que as
consecutivas de cada raio com o
aranhas pequenas tenham um índice de
software ImageTool® (Wilcox et al.
imprecisão maior na construção das
2002). Com isto, calculamos o índice de
teias do que aranhas grandes.
imprecisão
(Figura
2)
maior
a
imprecisão
na
conforme
3
Maior raio
an =
b=
S n − S n +1
medS i
med _ ar( i −1) + med _ ar( i ) + med _ ar(i +1)
3
Figura 2. Índice de imprecisão proposto por Eberhard (2007). S é a distância ente espiras consecutivas,
medSi é a mediana de S para um dado raio. Com isto, obtivemos 10 valores de a para cada raio. Então,
calculamos a mediana (med_a) dos raios. Com a mediana de cada raio, pudemos obter o Índice de
imprecisão (b) da teia.
apresentaram imprecisão média de 0,24
Resultados
As
aranhas
apresentaram
imprecisão
pequenas
(±0,06). A imprecisão na construção da
média
teia foi similar nos dois grupos de
(±desvio padrão) de 0,25 (±0,08),
aranhas
enquanto
Figura 3).
as
aranhas
grandes
(t=0,175;
g.l.=27;
p=0,46;
0.32
0.30
Índice de imprecisão
0.28
0.26
0.24
0.22
0.20
0.18
Pequeno
Grande
Classe de tamanho
Figura 3: Média do índice de imprecisão para as classes de tamanho pequeno e grande. Os pontos
representam as médias do índice de imprecisão e as barras representam o intervalo de 95% de confiança.
4
sobrevivência
Discussão
O fato de indivíduos pequenos
apresentarem imprecisão
desde
os
primeiros
estádios, uma vez que pode estar
semelhante
relacionada à eficiência de captura de
aos indivíduos grandes mostra que a
presas. Entretanto, a única característica
capacidade de repetir o movimento de
da teia que teve sua influência na
colocação de espiras não é influenciada
captura de presas investigada foi a
pelo
distância entre espiras colocadas nos
tamanho
resultado,
das
aranhas.
Esse
indica
que
portanto,
raios
(Blackledge
&
Zevenbergen
indivíduos jovens têm a mesma precisão
2006). Nesse trabalho, os autores
na execução de comportamentos que
encontraram
indivíduos mais velhos.
distância entre espiras em uma teia,
A menor precisão em aranhas
pequenas indicaria uma simplificação
do sistema nervoso. A similaridade
que
quanto
menor
a
maior o tempo que a presa permaneceu
retida.
Outra
possibilidade
é
que
entre os índices, entretanto, não exclui a
aranhas jovens não possuam adaptações
possibilidade de que a simplificação
que minimizem o gasto energético com
tenha
áreas
a manutenção do sistema nervoso. Caso
específicas do cérebro, não associadas
isso ocorra, é possível que os animais
ao comportamento avaliado. Assim,
mais jovens vivam em um constante
essa redução de sinapses pode não ter
estado de limitação nutricional, se
afetado comportamentos essenciais à
tornando mais vulneráveis em períodos
sobrevivência, como a construção de
de escassez de presas. Neste sentido,
teias. É possível, no entanto, que o
futuros trabalhos poderiam avaliar se
aumento
animais
ocorrido
de
apenas
tamanho
em
durante
o
menores
gastam
desenvolvimento permita o aumento do
proporcionalmente mais energia na
repertório comportamental e aumento
manutenção do sistema nervoso que
da precisão em comportamentos mais
animais
importantes para etapas posteriores do
proporcionalmente, conseguem capturar
ciclo de vida.
mais presas que os maiores.
A precisão na colocação das
grandes,
Estudos
que
ou
avaliaram
se,
a
espiras, possivelmente, representa um
influência do tamanho corporal sobre o
comportamento
comportamento não mostraram nenhum
essencial
à
5
padrão
evidente
1981,
Blackledge, T.A. 1998. Stabilimentum
1978).
variation and foraging success in
Provavelmente, o principal fator que
Argiope aurantia and Argiope
implicou
trifasciata (Araneae: Araneidae).
Eisenger
(Eisenger
&
na
Wilson
inconsistência
dos
resultados destes trabalhos é o conceito
Journal of Zoology, 246:21-27.
de complexidade comportamental, que
Blackledge, T.A. & J.M. Zevenbergen.
não pode ser facilmente definido ou
2006. Mesh width influences
mensurado (Eberhard 2007). Afirmar
prey retention in spider orb
que uma dada seqüência de movimentos
webs. Ethology, 112:1194-1201
é mais ou menos complexa que outra,
Durst, C., S. Eichmüller & R. Menzel.
sem estabelecer critérios para essa
1994.
classificação, não é informativo. Assim,
experience lead to increased
faz-se
variáveis
volumes of subcompartments of
mensuráveis e objetivas para tratar
the honeybee mushroom body.
questões de limitação comportamental a
Behavioural
fim de possibilitar a comparação entre
62:259-263.
necessário
utilizar
diferentes estudos e o desenvolvimento
de padrões robustos.
Development
Neural
and
Biology,
Eberhard, W.G. 2007. Miniaturized orbweaving
spiders:
behavioural
precision is not limited by small
size. Proceedings of the Royal
Agradecimento
Agradecemos
ao
Marcelo
Society B, 274:2203-2209.
Gonzaga pela orientação, ao Paulinho
Eisenberg, J.G. & D.E. Wilson. 1978.
pelas contribuições com o trabalho e ao
Relative brain size and feeding
Eduardo
strategies in the Chiroptera.
“Passivo”
pela
ajuda
na
formatação dos gráficos.
Evolution 32:740-751.
Eisenberg, J.G. 1981. The mammalian
Referências
radiations. An analysis of trends
Beutel, R.G., H. Pohl & F. Hunefeld.
in evolution, adaptation and
2005 Strepsipteran brains and
behaviour. Chicago: University
effects
of Chicago Press.
of
miniaturization
(Insecta). Arthropod Structure
Development, 34:301-313.
6
Foelix, R. F. Biology of spiders. 1982.
Massachusetts:
Harvard
University Press.
Spruston, M. & G. Stuart. In press.
Dendrites. New York: Oxford
University Press.
Healy, S.D. & C. Rowe. 2006. A
Vollrath,
F.
1992.
Analysis
and
critique of comparative studies
interpretation
of brain size. Proceedings of the
exploration and web-building
Royal Society B, 274:453-464.
behavior. Advanced Study of
Niven, J.E., J.C. Anderson & S.B.
of
orb
spider
Behaviour, 21:147-199.
Laughlin.
2007.
Energy
Wilcox, D., B. Dove, D. McDavid & D.
information
trade-offs
during
Greer. 2002. Image Tool for
signal transmission by single
Windows.
sensory receptors. PLoS Biology,
UTHSCSA.
San
Antonio:
5:116.
Ruppert, E.E., R.S. Fox & R.D. Barnes.
2005.
Zoologia
dos
Invertebrados. São Paulo: Roca.
Scholes III, E. 2008. Evolution of the
courtship phenotype in the bird
of paradise genus Parotia (Aves:
Paradisaeidae):
phylogeny,
Biological
homology,
and
modularity.
Journal
of
the
Linnean Society, 94:491-504.
Seid, M.A., K.M. Harris & J.F.
Traniello.
2005.
Age-related
changes in the number and
structure of synapses in the lip
region of the mushroom bodies
in the ant Pheidole dentata.
Journal
of
Comparative
Neurobiology, 488: 269-277.
7
Download

Relatório