UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇAO EM CIÊNCIAS VETERINÁRIAS
ANTONIO DE CALAIS JÚNIOR
CARACTERIZAÇÃO HISTOMORFOLÓGICA E HISTOQUÍMICA DE ESÔFAGOS
DE TARTARUGAS VERDES (Chelonia mydas) COM E SEM ALTERAÇÕES NO
LITORAL DO ESPÍRITO SANTO
ALEGRE – ES
2015
ANTONIO DE CALAIS JÚNIOR
CARACTERIZAÇÃO HISTOMORFOLÓGICA E HISTOQUÍMICA DE ESÔFAGOS
DE TARTARUGAS VERDES (Chelonia mydas) COM E SEM ALTERAÇÕES NO
LITORAL DO ESPÍRITO SANTO
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciências Veterinárias do Centro
de Ciências Agrárias da Universidade Federal
do Espírito Santo, como requisito parcial para
obtenção do Título de Mestre em Ciências
Veterinárias, linha de pesquisa em Diagnóstico
e Terapêutica das Enfermidades Clínico
cirúrgicas.
Orientadora: Profª Dra.: Louisiane de Carvalho
Nunes
ALEGRE – ES
2015
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca Setorial de Ciências Agrárias, Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
C141a
Calais Júnior, Antonio de, 1982Caracterização histomorfológica e histoquímica de esôfagos de
tartarugas verdes (Chelonia mydas) com e sem alterações no litoral do
Espírito Santo / Antonio de Calais Júnior. – 2014.
72 f. : il.
Orientadora: Louisiane de Carvalho Nunes.
Dissertação (Mestrado em Ciências Veterinárias) – Universidade
Federal do Espírito Santo, Centro de Ciências Agrárias.
1. Tartaruga verde. 2. Chelonia mydas. 3. Esôfago. 4. Trato
gastrintestinal. 5. Cáseo. 6. Morfologia. I. Nunes, Lousiane de
Carvalho. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de
Ciências Agrárias. III. Título.
CDU: 619
Dedico este trabalho à minha mãe, Alcéa
Rodrigues de Calais e ao meu pai, Antonio de
Calais (in memoriam)
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pelo dom da vida e pela conclusão de mais uma etapa.
A minha mãe por acreditar e apoiar todo esforço de minhas andanças., meus
irmãos por todo apoio em diversas situações, e minha irmã pela confiança e carinho
que lhe são natos.
A minha sobrinha Ana Luiza por toda energia e admiração.
A minhas tias e tios, primas e primos por cada momento fantástico que
passamos.
A Thainá que com seu sorriso fácil me deu a paz que precisava pra continuar.
Magnólia, quanto amor.
A minha orientadora Professora Doutora Louisiane de Carvalho Nunes pela
orientação e paciência na execução desse trabalho, pelo apoio, estímulo e todo
conhecimento transmitido e por mais uma vez ter aceitado o desafio.
A equipe tartaruga, Moara que nos mostrou o caminho, Erika pelo apoio nas
coletas e laboratório, Adriano que perdeu parte de suas férias, Giuliano pelas
necropsias, Letícia que sempre esteve ali pra organizar as coisas e Vanessa pelas
traduções. Sem vocês seria difícil.
A todos que passaram pela República Verdurão por toda descontração
proporcionada e principalmente ao Cupim pela paciência e amizade.
Aos amigos por todo apoio e que mesmo à distância se fazem presentes.
Ao CTA-Meio Ambiente pela oportunidade e estrutura disponibilizadas, aos
amigos da base de Anchieta e IPCMAR.
Ao projeto TAMAR, a Cecília Batistotte por todo ensinamento.
A Professora Doutora Ana Paula Madureira pelo apoio com a estatística.
Ao laboratório do Serviço de Patologia Veterinária da Universidade Estadual
Paulista, campu de Botucatu, SP.
A UFES e ao programa de Pós Graduação em Ciências Veterinárias por ter
me proporcionado essa experiência.
A CAPES pelo apoio financeiro.
“Largue-se e você será muito mais do que
jamais sonhou ser.”
Janis Joplin.
RESUMO
CALAIS JÚNIOR, ANTONIO. Avaliação histomorfológica e histoquímica de
esôfagos de tartarugas verdes (Chelonia mydas) com e sem alterações no
litoral do Espírito Santo. 2015. 74p. Dissertação (Mestrado em Ciências
Veterinárias) - Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal do Espírito Santo,
Alegre, ES, 2015.
A tartaruga verde, Chelonia mydas, é amplamente distribuída pela costa brasileira
sendo escassos estudos sobre morfologia ou enfermidades do trato gastrintestinal.
Objetivou-se caracterizar morfologicamente o esôfago, bem como reconhecer
alterações deste órgão, para determinar possíveis agentes e estabelecer a
patogênese. Utilizaram-se 45 espécimes, sendo 37 animais com e oito sem lesões
macroscópicas
no
esôfago.
O
órgão
foi
retirado
inteiro,
avaliado
macroscopicamente, fixado em formalina a 10% e submetido ao processamento
histológico e histoquímico. O esôfago foi caracterizado como órgão tubular muscular
composto de papilas cônicas que variam de quantidade e tamanho, revestidas por
epitélio estratificado pavimentoso queratinizado e ricas em tecido mixoide. Há
variação nas camadas mucosa, submucosa, muscular externa e serosa entre as
quatro regiões analisadas e glândulas produtoras de muco na mucosa da junção
gastroesofágica. Dos 37 animais com alteração 67,57% (25/37) revelaram lesões
multifocais brancacentas contendo material caseoso, enquanto que 32,43% (12/37)
revelaram lesões focais, localizadas predominantemente na junção gastroesofágica.
Infiltrado inflamatório foi observado em 92% e 62,5% dos animais com e sem lesão,
respectivamente. Observaram-se grumos bacterianos em 56,75% das amostras com
lesão e fragmentos de parasitos adultos em 75,7% com lesão e 37,5% sem lesão.
Em 83,78% e 62,5% dos indivíduos com e sem lesão, respectivamente, foram
identificados parasitos à macroscopia. Houve associação significativa do cáseo à
inflamação, bactérias ou parasitos, porém o parasitismo não influenciou no grau de
obstrução. Conclui-se que as características histomorfológicas do esôfago de C.
mydas são importantes para exercer a função mecânica e proteção deste órgão e
estes animais são acometidos por lesão esofágica com material caseoso que pode
causar obstrução grave.
Palavras-chave: morfologia. tartaruga marinha. trato gastrintestinal
ABSTRACT
CALAIS
JÚNIOR, ANTONIO.
Histomorphological
and
histochemical
characterization of esophagus of green turtles (Chelonia mydas) with and
whitout changes in the coast of Espírito Santo. 2015. 73p. Dissertação (Mestrado
em Ciências Veterinárias) - Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal do
Espírito Santo, Alegre, ES, 2015.
The green turtle, Chelonia mydas, is widely distributed along the Brazilian coast and
there are few studies on morphology, and diseases of the gastrointestinal tract.
Therefore, the aim was to characterize morphologically the esophagus and to
recognize changes of this organ to determine possible agents and establish
pathogenesis. We used 45 specimens of which 37 animals had macroscopic lesions
in the esophagus and eight animals did not exhibit them. The organ was entirely
removed, evaluated macroscopically, then fixed in 10% formalin and subject for
histological and histochemical processing. The esophagus was characterized by a
tubular muscular organ which presents conical papillae that vary on quantity and
size, lined by stratified squamous keratinized epithelium and rich in myxoid tissue.
There is variation in the mucosa, submucosa, external muscle and serous layers
among the four regions analysed and there are mucus-producing glands in the
submucosa of the gastroesophageal junction. Among animals that presented
changes, 67.57% showed multifocal lesions containing caseous material and 32.43%
showed focal lesions. The location predominated in the gastroesophageal junction.
The distribution of the lesion diffuse in 27.02% of the cases, focal in 54.06% and
focally extensive in 18.92%. Inflammatory infiltrate was observed in 92% and 62.5%
of the animals with and without lesions, respectively. Bacterial clumps were observed
in 56.75% of samples having lesion. There were adult parasites fragments in 75.7%
of samples with lesions and 37.5% in samples without lesions. In 83.78% and 62.5%
of samples with or without lesions, respectively, were identified parasites
macroscopically. It is concluded that the histomorphometric characteristics of C.
mydas esophagus are important to engage the mechanical function and protection of
this organ and are affected by esophageal lesions with caseous formation which can
cause severe obstruction.
Key words: morphology. sea turtlle. gastrointestinal tract
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Fotomacrografia do esôfago normal de C. mydas proveniente
do litoral do Espírito Santo evidenciando mucosa constituída de papilas
cônicas, pontiagudas, orientadas caudalmente para o estômago sendo
as papilas delgadas na região proximal (P), aumentadas de diâmetro e
altura na região medial (M), e de número reduzido na região distal (D).
Estreitamento da musculatura caracterizando o esfíncter gástrico
(JGE).........................................................................................................
31
Figura 2. Fotomicrografia do esôfago normal de Chelonia mydas
proveniente do litoral do Espírito Santo evidenciando em A) mucosa
constituída de papilas cônicas revestidas por epitélio estratificado
pavimentoso queratinizado (seta) e compostas por tecido mixoide na
porção proximal (HE). B) camada muscular circular evidenciada pelo
método de Tricrômico de Masson região proximal. C) lâmina própria
aglandular na região distal e espessa camada muscular longitudinal
(seta tracejada) (HE). D) lâmina própria glandular na junção
gastroesofágica
com
glândulas
mucosas
positivas
ao
PAS.
(Barra=500μm)..........................................................................................
34
Figura 3. Fotomacrografia do esôfago com lesão de C. mydas
proveniente do litoral do Espírito Santo evidenciando em A) fricção da
mucosa esofágica embebida em solução salina; B) desprendimento da
mucosa; C) lavagem do material sem a mucosa e D) conteúdo líquido
obtido da lavagem do esôfago, ambos utilizados para a identificação de
parasitos
em
lupa
estereoscópica..........................................................................................
Figura 4. Fotomacrografia do esôfago com e sem lesão de C. mydas
proveniente do litoral do Espírito Santo evidenciando em A) esôfago
normal. B) lesão brancacenta de distribuição multifocal, sem obstrução
de esôfago. C) lesão caseosa de distribuição focal na região distal e
47
junção gastroesofágica. D) obstrução total do lúmen esofágico em
corte transversal.......................................................................................
52
Figura 5. Fotomicrografia do esôfago com lesão de C. mydas
proveniente do litoral do Espírito Santo evidenciando em A) cáseo
(seta) em intensidade discreta aderido à mucosa (HE) (Barra=500m).
B) grumos bacterianos (seta) evidenciados pelo método de Gram
(Barra=500m). C) infiltrado inflamatório mononuclear moderado (seta)
na lâmina própria (PAS) (Barra=100m). D) metaplasia com substituição
do epitélio estratificado pavimentoso queratinizado por epitélio colunar
produtor de muco (seta) (PAS) (Barra=100m)..........................................
56
Figura 6. Fotomicrografia do esôfago com lesão de C. mydas
proveniente do litoral do Espírito Santo evidenciando em A) fragmento
de parasito adulto no interior da glândula esofágica (HE). B) corte
sagital
de
parasito
adulto
no
lúmen
esofágico
(HE).
Barra=100m..............................................................................................
58
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Valores absolutos do comprimento curvilíneo da carapaça
(CCC), largura curvilínea da carapaça (LCC) e do comprimento total do
esôfago
de
C.
mydas
do
litoral
do
Espírito
Santo,
2014.........................................................................................................
28
Tabela 2. Valores médios e desvio padrão do comprimento curvilíneo
da carapaça (CCC), largura curvilínea da carapaça (LCC) e do
comprimento total do esôfago com e sem alterações de C. mydas do
litoral
do
Espírito
Santo,
entre
2013
e
2014.........................................................................................................
48
Tabela 3. Macroscopia, localização, profundidade, extensão e status
de obstrução em C. mydas com lesões esofágicas do litoral do
Espírito
Santo,
entre
2013
e
2014.........................................................................................................
51
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13
2 REVISÃO DE LITERATURA .................................................................................. 15
2.1 Chelonia mydas ............................................................................................................... 15
2.2 Principais doenças e agentes etiológicos em tartarugas marinhas ........................ 17
2.3 Anatomia e histologia do esôfago de Chelonia mydas ............................................. 20
2.4 Lesões esofágicas de Chelonia mydas ....................................................................... 21
CAPÍTULO 1 ............................................................................................................. 22
RESUMO................................................................................................................... 23
ABSTRACT............................................................................................................... 24
4 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 25
5 MATERIAL E MÉTODOS ....................................................................................... 26
6 RESULTADOS E DISCUSSÃO.............................................................................. 28
7 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 36
8 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 36
CAPÍTULO 2 ............................................................................................................. 40
RESUMO................................................................................................................... 41
ABSTRACT............................................................................................................... 42
10 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 43
11 MATERIAL E MÉTODOS ..................................................................................... 44
12 RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................ 48
13 CONCLUSÕES .................................................................................................... 60
14 REFERÊNCIAS .................................................................................................... 60
15 CONCLUSÕES GERAIS ..................................................................................... 63
16 REFERENCIAS GERAIS ..................................................................................... 64
13
1 INTRODUÇÃO
As tartarugas verdes (Chelonia mydas) pertencem à família Cheloniidae e
habitam os oceanos tropicais e subtropicais sendo encontradas nos Oceanos
Atlântico, Pacífico e Índico (ERNST; BARBOUR, 1989). Apresentam carapaça com
coloração enegrecida nos filhotes, café nos indivíduos jovens e uma ampla
variedade de cores em indivíduos com maturidade completa, sendo geralmente café
ou amarelo creme (PRITCHARD; MORTIMER, 2000), ou ainda apresentam-se em
tons que variam do oliva ao marrom; com formato oval e margem ocasionalmente
ondulada e possuem quatro pares de escudos costais (ERNST; BARBOUR, 1989).
A tartaruga verde é a espécie que apresenta hábitos mais costeiros, utilizando
inclusive estuários de rios e lagos (HIRTH, 1997). Fazem uso do litoral brasileiro
para alimentação e desova, sendo as áreas prioritárias, as ilhas oceânicas de
Trindade no estado do Espírito Santo (MOREIRA et al., 1995), Atol das Rocas no
Estado do Rio Grande do Norte (GROSSMAN et al., 2003), e Fernando de Noronha
no estado de Pernambuco (BELLINI; SANCHES 1996). Além das ilhas, áreas
secundárias de desova ocorrem no litoral norte do estado da Bahia, e,
esporadicamente, são encontrados ninhos na costa do Espírito Santo, Sergipe e Rio
Grande do Norte (ALMEIDA et al., 2011).
Devido à ação antrópica, populações de tartarugas verdes se encontram no
status de globalmente em perigo levando à preocupação com o futuro da espécie
(SEMINOFF, 2004). Fatores de mortalidade natural incluem a destruição de ovos na
praia por inundação ou erosão, predação em todas as fases da vida, temperaturas
extremas, e doenças (LUTZ; MUSICK; WYNEKEN, 2003).
Os principais fatores antrópicos que causam impacto negativo nas populações
de tartarugas marinhas são: movimentação da areia da praia (extração de areia e
aterros); foto poluição; tráfego de veículos; uso da praia por banhistas; portos,
ancoradouros; processo de edificação na orla (hotéis e condomínios); e a extração
(produção e distribuição) de petróleo e gás (ALMEIDA et al., 2011). Associados a
pesca comercial, a captura incidental em redes de pesca industrial e artesanal,
destruição de habitat de alimentação e reprodução, além do impacto nas áreas de
desova e roubo de ovos (LÓPEZ-MENDILAHARSU et al., 2007).
14
As enfermidades que acometem as tartarugas marinhas não estão totalmente
elucidadas, sendo, dessa forma, necessários estudos que visem conhecer o padrão
das doenças e o estado de saúde de suas populações que, assim como outros
grupos de vertebrados, são susceptíveis a agentes patogênicos bacterianos,
fúngicos, virais e parasitários que podem causar moléstias e até levar a óbito
(ECKERT et al., 2000), além do fato de que esta espécie apresenta o maior número
de indivíduos juvenis mortos encalhados ao longo da costa brasileira em decorrência
do aumento da pesca costeira de emalhe (ALMEIDA et al., 2011).
Também é importante destacar que o uso de artefatos de pesca como anzóis
resulta em lesões traumáticas principalmente no esôfago que evoluem para infecção
bacteriana secundária (ÓROS et al., 2005). Por outro lado, outras lesões esofágicas
associadas a infecção bacteriana tem sido relatadas em tartarugas marinhas
(GLAZEBROOK; CAMPBELL, 1990; TORRENT et al., 2002). Segundo Santoro et al.
(2007)
as
esofagites
nesta
espécie
são
associadas
ao
parasitismo
por
Rameshwarotrema uterocrescens.
Sabe-se que a região costeira e de ilhas no estado do Espírito Santo, está
entre as principais áreas de vivência das tartarugas marinhas principalmente as da
espécie C. mydas (ALMEIDA et al., 2011) e existem poucos relatos sobre as
características normais e alterações do esôfago nesta espécie. Assim, este estudo
teve por objetivo caracterizar morfologicamente o esôfago normal bem como
reconhecer as alterações deste órgão em tartarugas verdes (C. mydas). Desta
forma, espera-se contribuir com a identificação de possíveis agentes etiológicos,
bem como o estabelecimento de mecanismos de formação das lesões e, assim,
contribuir com a melhoria da qualidade de vida dos indivíduos desta espécie.
15
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 Chelonia mydas
Conhecidas popularmente como tartaruga verde ou aruanã, a espécie
Chelonia mydas, é amplamente distribuída pelos mares desde os trópicos até as
zonas temperadas, sendo a espécie de tartaruga marinha que apresenta hábitos
mais costeiros, com relatos de ocorrência em estuários de rios e lagos. Os principais
sítios de desova são as ilhas oceânicas, Ilha da Trindade (ES), Atol das Rocas (RN)
e Fernando de Noronha (PE). No Brasil, áreas secundárias de desova ocorrem no
litoral norte do estado da Bahia, nos estados do Espírito Santo, Sergipe e Rio
Grande do Norte (ALMEIDA et al., 2011).
O nome tartaruga verde advém da coloração esverdeada de sua gordura e
não está relacionado à aparência exterior, o que revela uma circunstância de
conhecimento da espécie através da caça para consumo humano (PRITCHARD;
TREBBAU, 1984; HIRTH, 1997). Essas tartarugas podem ultrapassar os 360 kg de
peso (HICKMAN et al., 2010).
Pertencem à família Cheloniidae e habitam os oceanos tropicais e
subtropicais, encontradas nos Oceanos Atlântico, Pacífico e Índico (ERNST;
BARBOUR, 1989). Apesar da diminuição das populações, a espécie mantém muitos
traços de sua distribuição histórica o que inclui áreas de alimentação, corredores de
migração e praias de nidificação que são intercaladas ao longo dos oceanos
(HIRTH, 1997).
Adaptações nos membros para a natação (PRITCHARD, 1997), a disposição
hidrodinâmica da carapaça (WYNEKEN, 2001) e a especialização das glândulas
lacrimais na excreção do excesso de sal ingerido (LUTZ e MUSICK, 1997), os torna
uma classe de répteis essencialmente marinhos (WYNEKEN, 2001).
As tartarugas verdes se distinguem de outras espécies de tartarugas
marinhas devido a presença de um único par de escamas pré-frontais entre os
olhos, carapaça com coloração enegrecida nos filhotes, café nos indivíduos jovens e
uma ampla variedade em indivíduos com maturidade completa, sendo geralmente
café, amarelo creme (PRITCHARD; MORTIMER, 2000) ou tons que variam do oliva
16
ao marrom; com formato oval e margem ocasionalmente ondulada, possui quatro
pares de escudos costais (ERNST; BARBOUR, 1989).
O plastrão evidencia coloração brancacenta nos filhotes e amarelada em
indivíduos adultos. A cabeça, com até 15 cm de largura, possui formato
arredondado, quatro pares de escamas pós-orbitais um par de escamas pré-frontais
e uma mandíbula serrilhada (PRITCHARD; TREBBAU, 1984; ERNST; BARBOUR,
1989; PRITCHARD; MORTIMER, 2000).
O acasalamento ocorre no mar durante a estação reprodutiva em que a corte
pode ser realizada por vários machos simultaneamente (até cinco). O macho se
posiciona sobre a fêmea utilizando as unhas presentes nas nadadeiras anteriores
para manter-se fixo à carapaça da fêmea (ERNST; BARBOUR, 1989).
As tartarugas marinhas, em geral, apresentam maturação tardia e ciclo de
vida longo, havendo assim um aumento do risco de morte antes da reprodução
(HEPPEL et al., 2003). Este ciclo de vida complexo contribui para tornar esses
indivíduos ainda mais suscetíveis às ameaças oferecidas, que ocorrem tanto nas
praias de nidificação como no ambiente marinho (BOLTEN, 2003).
Especulações sobre as taxas de crescimento durante a fase oceânica
sugerem que um animal com 30 centímetros de comprimento total de carapaça, com
hábitos costeiros recentes, passou entre 3 a 5 anos no ambiente oceânico (ZUG;
GLOR, 1998).
O período de três gerações ultrapassa facilmente os 100 anos (SEMINOFF,
2004) e, durante todo o seu ciclo de vida, ocupa vários nichos ecológicos, a saber. A
fase juvenil oceânica, na qual se acredita que as jovens tartarugas derivam seguindo
as principais correntes oceânicas superficiais, uma fase nerítica subsequente,
quando os animais atingem certo tamanho e se movimentam para zonas de
alimentação em regiões costeiras, e a fase de migrações em larga escala entre
áreas de alimentação e reprodução quando atingem a maturidade sexual (BOLTEN,
2003).
O ciclo de vida complexo, as grandes distâncias e barreiras geográficas e/ou
temporais exigem
uma
investigação
indireta
e
detalhada
(como
análises
moleculares), a fim de auxiliar na elucidação de muitos aspectos da história de vida
destes indivíduos para que dessa forma seja possível estabelecer parâmetros da
estrutura populacional, filogeografia, sistemática e origem (AVISE, 2007).
Pelo fato das áreas prioritárias de reprodução se localizarem em ilhas
17
oceânicas isoladas, os indivíduos da espécie C. mydas sofreram menor impacto de
predação sobre ovos e fêmeas que outras espécies que desovam prioritariamente
em regiões costeiras. Estas ilhas utilizadas para desova não estão sujeitas à
ocupação desordenada observada nas zonas costeiras. (ALMEIDA et al., 2011). A
ideia de que tartarugas verdes retornam para postura no mesmo trecho da praia
onde nasceram tem sido apoiada por comparações de DNA mitocondrial de herança
materna (MEYLAN; BOWEN; AVISE, 1990).
As tartarugas verdes permanecem em corais, esponjas e superfícies rochosas
quando não estão à deriva e, este tipo de habitat é importante quando adjacente às
áreas de alimentação. A existência de corredores de migração entre os habitats de
alimentação e as praias de nidificação também são importantes para as tartarugas
uma vez que a reprodução pode acontecer nesses locais (WITHERINGTON;
HERREN; BRESETTE, 2006).
Devido suas funções ecológicas, as tartarugas são extremamente importantes
no equilíbrio do ecossistema marinho contribuindo para a saúde e manutenção dos
recifes de corais, estuários e praias arenosas (ECKERT et al., 2000). Ocorrências
não reprodutivas desta espécie são registradas em praticamente toda a costa e
também nas ilhas do Brasil (ALMEIDA et al., 2011).
2.2 Principais doenças e agentes etiológicos em tartarugas marinhas
Geralmente, as doenças observadas em tartarugas são causadas por
parasitas e microrganismos, incluindo fungos, vírus e bactérias (CHUEN-IM et al.,
2010) e, algumas dessas enfermidades, ocorrem naturalmente e são observadas em
tartarugas de vida livre e cativas. Outras condições, como certas deficiências
nutricionais, são essencialmente resultado da prolongada manutenção em cativeiro
para reabilitação (GEORGE, 1997).
A combinação de um tegumento resistente e competente sistema imune
minimiza as oportunidades para microrganismos patológicos penetrarem e
colonizarem tecidos de tartarugas marinhas (GEORGE, 1997). Estudos sugerem que
a infecção bacteriana está associada com doenças secundárias, tanto em vida livre
18
quanto em animais de cativeiro (AGUIRRE et al., 1994; RAIDAL et al., 1998; WORK
et al., 2003). Lesões traumáticas e aspiração da água do mar são as principais rotas
pelas quais microrganismos entram no corpo de uma tartaruga (GEORGE, 1997).
As bactérias parecem desempenhar um papel muito importante em doenças
de tartarugas marinhas, tanto como patógenos primários quanto secundário
(COOPER; JACKSON, 1983).
Bactérias gram-negativas são mais comumente implicadas como patogênicas
a despeito das bactérias gram-positivas que geralmente não apresentam
patogenicidade habitando o organismo sem causar danos. No entanto, algumas
bactérias gram-positivas podem causar doença (MADER e DIVERS, 2013).
Em estudo realizando o cultivo a partir de lesões em diferentes órgãos de
tartarugas, constatou-se a presença de Staphylococcus spp., Citrobacter freundii,
Micrococcus spp., Edwardsiella spp., Aeromonas hydrophila, Aureobacterium spp.,
Vibrio parahaemolyticus, Streptococcus do grupo C, e Corynebacterium spp.,
implicados como sendo as mais comumente encontradas em lesões de tartarugas
marinhas (CHUEN-IM et al., 2010)
Infecção em tartarugas marinhas por fungos tem sido considerada como
oportunista, causada normalmente por organismos saprófitas que invadem o tecido
vivo estritamente sob circunstâncias favoráveis (MADER e DIVERS, 2013). Acreditase que as infecções fúngicas em tartarugas ocorram mais comumente em indivíduos
cativos do que em exemplares de vida livre (RAND; WILES, 1987). Enquanto que
em mamíferos existem vários tipos de fungos identificados como patogênicos, em
répteis, nenhum foi claramente identificado como substancialmente patogênico e
esse grupo de agentes tem sido considerado como oportunista (MADER e DIVERS,
2013). O gênero Fusarium até então tem sido considerado o principal agente
patogênico nas infecções em tartarugas marinhas (ALFARO et al., 2010).
Entre todas as famílias de vírus descritas em animais, apenas 6 ocorrem em
quelônios (MADER e DIVERS, 2013). Duas delas são bem documentadas em
tartarugas marinhas, Herpesviridae e Papillomaviridae e, novos estudos estão sendo
realizados com quatro outras famílias: Iridoviridae, Reoviridae, Retroviridae e
Togaviridae que também infectam quelônios (ALFARO et al., 2010).
Em tecido neoplásico de tartarugas marinhas foram isolados alguns tipos de
retrovírus, adenovírus, herpesvírus, poliomavírus e papilomavírus (ENE et al., 2005).
Todavia, a ação ou reação a fatores ambientais e a predisposição genética também
19
tem sido consideradas como possíveis causas para o desenvolvimento neoplásico
(AGUIRRE; LUTZ, 2004).
Fibropapilomatose é uma doença neoplásica debilitante que é conhecida por
causar morbidade e mortalidade em tartarugas marinhas em vários locais ao redor
do mundo. É caracterizada pela presença de massas tumorais cutâneas e/ou
viscerais, sendo que a maioria dos casos registrados é em tartarugas da espécie C.
mydas (AGUIRRE; LUTZ, 2004). Sabe se, no entanto, que esta doença não é
necessariamente fatal, pois pode ocorrer regressão espontânea dos tumores
(LIMPUS et al., 2005). Por outro lado, é apontada como uma das causas mais
importantes de redução populacional de C. mydas juntamente com a captura
incidental e deve-se considerar que as tartarugas jovens acometidas muitas vezes
não sobrevivem à fase adulta e, consequentemente, deixam de contribuir para a
perpetuação da espécie (ROSSI, 2007).
Em tartarugas marinhas a infecção por vírus pode causar danos celulares que
permite a infecção secundária e/ou oportunista por outros agentes patogênicos,
especialmente bactérias e fungos (ALFARO et al., 2010).
Poucos dados estão disponíveis sobre o ciclo de vida do parasito; a forma
como a infestação afeta a saúde do hospedeiro, o crescimento e o desempenho
reprodutivo; ou efeitos sobre a estrutura e dinâmica da população (ZUG et al., 2001),
embora o parasitismo esteja extremamente difundido e comum entre tartarugas
marinhas e novas espécies são continuamente descritas (WERNECK, 2011).
Entre os répteis, as tartarugas são os que possuem a mais rica e maior
comunidade de helmintos (AHO, 1990). Dentre os helmintos parasitos de tartarugas
marinhas na Costa brasileira, apenas nematóides e trematódeos foram relatados.
Entre os nematóides, três espécies foram encontradas em C. mydas: Kathlania
leptura, Sulcascaris sulcata e Tonaudia freitasi Vicente e Santos, 1968 (Vicente et
al., 1993). Werneck et al. (2008) relataram a ocorrência de S. sulcata e K. leptura em
indivíduos juvenis de C. caretta e discorrem sobre a grade diversidade de
trematódeos mais comumente estudados em C. mydas.
Estudo realizado por Thatcher (1997) relata alguns trematódeos neotropicais
parasitando indivíduos da espécie Chelonia mydas: Orchidasma amphiorchis,
Metacetabulum invaginatum, Pronocephalus. crassum, Pronocephalus.
Pronocephalus.
obliquus,
longiusculus, Cricocephalus albus, Polyangium linguatula e
Neoctangium travassosi.
20
2.3 Anatomia e histologia do esôfago de Chelonia mydas
O sistema digestivo dos vertebrados apresenta adaptações estruturais e
funcionais de acordo com os hábitos alimentares (SECOR, 2005). As tartarugas
verdes apresentam indícios de onivoria em sua fase pelágica, com tendências
carnívoras,
tornando-se
substancialmente
herbívoras
na
fase
juvenil
e
permanecendo na fase adulta (CHEVALIER; LARTIGES, 2001; FIDELIS; BALLABIO;
GUEBERT, 2005). Dessa forma, Chelonia mydas é a única espécie de quelônios
marinhos com hábitos herbívoros (BRAND-GARDNER et al., 1999).
O esôfago consiste de um órgão tubular musculomembranoso, localizado
medialmente na região cervical, pende lateralmente para a esquerda na região
celomática, onde se encontra a região cardíaca (MAGALHÃES et al., 2012). A
mucosa esofágica é caracterizada por papilas pontiagudas em toda sua extensão
(papilas esofágicas) e estas são orientadas no sentido do estômago e
presumidamente desempenham a função de manter o alimento, enquanto o excesso
de água é expelido antes de engolir (WYNEKEN, 2001). Essas papilas tornam-se
progressivamente maiores em direção à região caudal do esôfago. Um estreitamento
da musculatura é observado no limite de transição entre o esôfago e o estômago,
esta transição é marcada internamente pela ausência de papilas e pelo esfíncter
gastroesofágico (MAGALHÃES et al., 2012).
O esôfago é revestido por epitélio estratificado escamoso queratinizado que
recobre e possui a função de proteção contra o atrito gerado pela passagem dos
alimentos (MAGALHÃES et al., 2010). A lâmina própria é aglandular e formada por
tecido conjuntivo frouxo. Não são evidenciadas muscular da mucosa e submucosa e
a camada muscular é formada por musculatura estriada organizada em feixes em
uma única camada, dispostos longitudinalmente contendo abundante tecido
conjuntivo frouxo entre os feixes. A camada externa apresenta-se como adventícia
na porção cranial, e serosa na porção caudal (MAGALHÃES et al., 2012).
21
2.4 Lesões esofágicas de Chelonia mydas
Segundo Pont e Alegre (2000) e Di Bello, Valastro e Staffieri (2006) a ingestão
do anzol pode ocasionar lesões traumáticas no trato gastrointestinal, e inclusive
levar ao óbito em alguns casos. Assim, Orós et al. (2005) avaliaram os achados de
necropsia em indivíduos com lesão devido a ingestão de linhas de pesca e anzol e
verificaram processo inflamatório agudo associado a esofagite fibrinosa ulcerativa e
esofagite traumática com perfuração. Estas lesões foram caracterizadas pela
ulceração da mucosa esofágica contendo um revestimento eosinofílico de aspecto
fibrilar, infiltração de granulócitos degenerados, presença de bactérias na lâmina
própria e/ ou submucosa e uma camada subjacente de células gigantes
multinucleadas.
Por outro lado, Tomas et al. (2001) e Alegre et al. (2006) afirmaram que
tartarugas marinhas são aparentemente capazes de viver com lesões consideráveis
no trato gastrointestinal, causadas pela ingestão de anzóis.
Santoro et al. (2007) associaram a esofagite em tartarugas ao parasito
Rameshwarotrema uterocrescens, um trematódeo da classe Digenea, ordem
Pronocephalidae. Estes mesmos autores caracterizaram as lesões do esôfago como
placas multifocais amareladas variando de 0,5 cm a 1 cm revelando ao corte
espaços císticos contendo material caseoso amarelado revestido por tecido
conjuntivo
tecido.
Histologicamente,
os
espaços
císticos
observados
macroscopicamente correspondiam a glândulas esofágicas ectásicas e inflamadas
com a presença dos trematódeos.
Bindaco et al. (2014) afirmaram que no litoral do Espírito Santo tem sido
frequente a ocorrência de encalhes de animais apresentando lesões esofágicas
associadas ou não à presença de conteúdo caseoso que, em alguns casos, levam à
obstrução total do tubo digestório (dados ainda não publicados)1.
Nota-se escassez de estudos a respeito da morfologia normal do esôfago
desses animais bem como dos processos patológicos envolvidos, sendo importante
pesquisas que elucidem as causas e mecanismos de formação desses processos
uma vez que pode comprometer o desenvolvimento e sobrevivência dos indivíduos.
1
Trabalho de pesquisa sendo desenvolvido por Adriano Stelzer Bindaco et al., no Laboratório
de Patologia Animal da Universidade Federal do Espírito Santo, a partir de 2014.
22
CAPÍTULO 1
CARACTERIZAÇÃO MORFOLÓGICA DO ESÔFAGO DE TARTARUGAS VERDES
(Chelonia mydas)
Artigo a ser submetido à publicação no periódico Pesquisa Veterinária Brasileira
23
3
Cap.
1
–
CARACTERIZAÇÃO
MORFOLÓGICA
DO
ESÔFAGO
DE
TARTARUGAS VERDES (Chelonia mydas)
MORPHOLOGIC CHARACTERIZATION OF ESOPHAGUS OF GREEN TURTLE
(Chelonia mydas)
Antonio de Calais Júnior1, Louisiane de Carvalho Nunes2*
1
Mestrando em Ciências Veterinárias, Universidade Federal do Espírito Santo,
Alegre, Espírito Santo, Brasil.
2
Professora PhD em Patologia Animal da Universidade Federal do Espírito Santo,
Alegre, Espírito Santo, Brasil.
* Autor para contato: [email protected]
RESUMO
A tartaruga verde, Chelonia mydas (Linnaeus, 1758), é a mais comum na região
costeira do Brasil e a compreensão da morfologia e de processos fisiológicos
básicos nestes organismos é importante podendo fornecer subsídios para estudos
evolutivos sobre a espécie. O objetivo deste trabalho foi descrever a morfologia do
esôfago de C. mydas com a finalidade de produzir informações que possibilitem
análises
comparativas
com
outros
quelônios.
Utilizaram-se
oito
animais,
provenientes do litoral do Espírito Santo, no período de setembro a novembro de
2014. Obtiveram-se dados de comprimento curvilíneo da carapaça (CCC) e largura
curvilínea da carapaça (LCC). O esôfago foi retirado desde a inserção da orofaringe
até a porção inicial do estômago para avaliação histomorfológica e medida do
comprimento. Foram avaliadas quatro regiões do esôfago. O órgão inteiro foi fixado
em formalina a 10% e, posteriormente, foi colhido um fragmento de cada região para
processamento histológico e coloração pelas técnicas Hematoxilina e Eosina (HE),
Tricrômico de Masson e Ácido Periódico-Schiff (PAS). Os animais juvenis possuíam
CCC médio de 38,8±6,43 cm e LCC média de 35,6±6,59 cm; o animal adulto mediu
102,3 cm de CCC e 96,9 cm de LCC. O comprimento médio do esôfago foi de
20,47±1,56 nos juvenis, e total de 55,6 cm no adulto. Observou-se que o esôfago de
C. mydas é um órgão tubular muscular constituído de papilas cônicas que variam de
quantidade e tamanho, à medida que se aproximam do estômago, revestidas por
24
epitélio estratificado pavimentoso queratinizado e ricas em tecido mixoide. Há
variação nas camadas mucosa, muscular externa e serosa entre as regiões do
esôfago e há presença de glândulas produtoras de muco na mucosa da região da
junção gastroesofágica. As características histomorfológicas do esôfago de C.
mydas são importantes para exercer a função mecânica e de proteção da mucosa
deste órgão.
Palavras chave: morfologia. quelônios. tubo digestório
ABSTRACT
The green turtle, Chelonia mydas (Linnaeus, 1758) is the most common in the
coastal region of the Brazilian continental sea and understanding the morphology and
basic physiological processes in these organisms is extremely important and can
provide support for evolutionary studies on the species. The objective of this study
was to describe the morphology of C. mydas' esophagus in order to produce data
that allows comparative analyses with other turtles. It was used eight specimens of C.
mydas from the coast of Espírito Santo during the period from September to
November 2014. We obtained the curved carapace length (CCL) and curved
carapace width (CCW) in centimeters. The esophagus was completely removed from
the insertion region of the oropharynx to the initial portion of stomach for macroscopic
and microscopic evaluation. Measurement on the length and description of the
structures in four regions of the esophagus were performed. The entire organ was
fixed in 10% formalin and then it was collected a fragment of one centimeter in
diameter for histological processing and staining by hematoxylin and eosin (HE),
Masson and periodic acid-Schiff (PAS) techniques. Juvenile animals had average
CCL of 38.8 ± 6.43 cm and average CCW of 35.6 ± 6.59 cm; the adult animal
measured CCL of 102.3 cm and CCW of 96.9 cm. The average length of the
esophagus was 20.47 ± 1.56 in youth, and total 55.6 cm in the adult. It was observed
that C. mydas' esophagus is a tubular muscular organ which consists of conical
papillae that vary on quantity and size as they approach the stomach, lined by
stratified squamous keratinized epithelium and rich in myxoid tissue. There is
variation in the mucosal, submucosal, external muscle and serous layers among the
four regions of the esophagus and there are mucus-producing glands in the
submucosa of the gastroesophageal junction region. The histomorphometric
characteristics of C. mydas' esophagus are important to engage the mechanical
25
function and mucosal protection of this organ.
Key words: alimentary canal. chelonian. morphology
4 INTRODUÇÃO
As tartarugas marinhas são classificadas em duas famílias taxonômicas,
Cheloniidae com seis espécies e Dermochelyiidae com uma única espécie
(PRITCHARD, 1997). Destas, cinco são encontradas ao longo da costa brasileira e a
tartaruga verde, Chelonia mydas (Linnaeus, 1758); é a mais comum na região
costeira do mar continental do Brasil (ALMEIDA et al., 2011).
A espécie apresenta distribuição cosmopolita e é encontrada em águas
tropicais e temperadas (MÀRQUEZ, 1990), e no Brasil, a espécie desova
principalmente nas ilhas oceânicas, como Fernando de Noronha (PE), Trindade (ES)
e Atol das Rocas (RN) (SPOTILA, 2004), e possui como áreas secundárias o litoral
norte do estado da Bahia, nos estados do Espírito Santo, Sergipe e Rio Grande do
Norte (ALMEIDA et al., 2011).
Vítimas de capturas acidentais, as tartarugas apresentam taxas consideráveis
de mortalidade de espécies não alvo (LEWISON et al., 2004). Dessa forma, observase um declínio global nas populações, em que seis das sete espécies são
categorizadas como vulneráveis, em perigo ou criticamente ameaçadas na Lista
Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos
Naturais - IUCN (IUCN, 2015). Segundo Wallace et al. (2010) capturas por pesca
acidental são as maiores ameaças para a conservação desses indivíduos com
relatos de aproximadamente 85000 animais capturados incidentalmente em todo o
mundo no período de 1990 a 2008. Entretanto essas estimativas são limitadas
devido à baixa confiabilidade das informações globais e a inexistência de relatos
sobre as capturas em pescas de pequena escala (WALLACE et al., 2010; CASALE,
2011), associados a falta de dados sobre a taxa de sobrevivência de animais
liberados (MANGEL et al., 2011).
Desta forma, a compreensão de processos fisiológicos básicos nos
organismos é de extrema importância na aquisição de conhecimentos ecológicos e
evolutivos para aplicação de correto manejo e atividades conservacionistas (SOUZA,
2004).
O sistema digestivo dos répteis contém todas as estruturas presentes em
26
outros vertebrados superiores (PUTTERILL; SOLEY, 2003), entretanto, estudo
realizado por Silva (2004) evidenciou que a morfologia é diretamente relacionada
aos hábitos alimentares específicos.
Em quelônios o trato gastrointestinal é anatomicamente diversificado e a
grande
variedade
de
répteis exige
mais estudos para compreensão
de
particularidades anatômicas (COSTA et al., 2009). O esôfago é um tubo muscular
cuja função é transportar o alimento da boca ao estômago e, de um modo geral,
contém as mesmas camadas que o restante do trato digestório (JUNQUEIRA;
CARNEIRO, 2013), entretanto, em tartarugas marinhas, apresenta papilas
fortemente queratinizadas que protegem a mucosa da dieta abrasiva, e também
pode atuar como dispositivos de filtragem (ELLIOTT, 2007).
Estudos morfológicos sobre o trato digestivo das tartarugas marinhas podem
produzir informações que permitirão análises comparativas com outros quelônios, e
também fornecer subsídios para futuros estudos evolutivos sobre o grupo,
especialmente as que dizem respeito a adaptações relacionadas com os hábitos
alimentares (MAGALHÃES et al., 2012).
O objetivo deste trabalho foi descrever a morfologia do esôfago de Chelonia
mydas com a finalidade de produzir informações que possibilitem análises
comparativas com outros quelônios.
5 MATERIAL E MÉTODOS
No presente estudo foram utilizados oito espécimes de C. mydas (sete juvenis
e um adulto), provenientes da base veterinária da empresa CTA Meio Ambiente,
localizada no município de Anchieta, ES. Todos os animais recebidos pela empresa
foram provenientes do Projeto de Monitoramento de Praias da Bacia do Espírito
Santo (como requisito do IBAMA para o processo de licenciamento ambiental).
Todo protocolo experimental adotado possui autorização número 39329-1, do
Sistema e Informação em Biodiversidade (SisBio), vinculado ao Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) do Ministério do Meio
Ambiente (MMA).
Com o intuito de minimizar a avaliação de animais com alterações
cadavéricas significativas, utilizaram-se somente os animais mortos há menos de
seis horas que não apresentaram, ao exame macroscópico, lesão esofágica. Assim,
27
coletou-se material apenas dos cadáveres que morreram durante o transporte do
local de encalhe até a base ou dos animais que foram recebidos vivos na base para
tratamento e vieram a óbito no período de setembro a novembro de 2014.
Os cadáveres foram submetidos à avaliação biométrica utilizando-se fita
métrica e obtidos os dados de comprimento curvilíneo da carapaça (CCC) e largura
curvilínea da carapaça (LCC) em centímetro. Em seguida foram necropsiados no
Setor de Necroscopia da empresa CTA seguindo a técnica de Wyneken (2001). O
esôfago foi retirado completo desde a região de inserção da orofaringe até a porção
inicial do estômago para avaliação macro e microscópica.
Para a avaliação macroscópica o esôfago foi aberto na porção dorsal e
obteve-se o comprimento total do órgão. Também foram avaliadas a presença,
distribuição
e
formato
das
papilas
esofágicas,
bem
como
do
esfincter
gastroesofágico. Foi feita a descrição morfológica das estruturas observadas, de
acordo com a divisão de Junqueira e Carneiro (2013), sendo definidas quatro
regiões, a saber: 1) junção gastroesofágica; 2) porção distal do esôfago; 3) porção
medial e 4) porção proximal. Todo material foi fotodocumentado e, em seguida,
fixado em formalina a 10%.
O material fixado foi encaminhado ao Laboratório de Patologia Animal da
Universidade Federal do Espírito Santo e identificado com a letra “P”, referente à
material de pesquisa, seguido da sequencia numérica de registro do setor e ano. De
cada porção do esôfago foi colhido um fragmento de 1cmx1cm para processamento
histológico de rotina: desidratação (em uma série de concentração crescente de
etanol de 70° GL a 100° GL), diafanização em xilol, impregnação e inclusão em
parafina para obtenção de cortes histológicos de 3 μm de espessura em micrótomo
manual. As lâminas com os fragmentos foram coradas pelas técnicas Hematoxilina e
Eosina (HE), Tricrômico de Masson e Ácido Periódico-Schiff (PAS).
A avaliação microscópica foi feita levando-se em consideração as quatro
camadas do tubo digestório, a saber: mucosa, submucosa, muscular externa e
serosa ou adventícia. Todas as lâminas foram observadas e fotomicrografadas
respectivamente com câmera digital Sony SteaddyShot DSC-W610 acoplada em
microscópio óptico Bel A17.1026.
A análise estatística foi feita pelo método descritivo com os dados expressos
em porcentagem.
28
6 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dentre os animais avaliados observou-se que os animais juvenis possuíam CCC
médio de 38,8±6,43 cm e LCC média de 35,6±6,59 cm enquanto que o animal adulto
mediu 102,3 cm de CCC e 96,9 cm de LCC. Observou-se que o comprimento médio
do esôfago foi de 20,47±1,56 nos animais juvenis e total de 55,6 cm no animal adulto
(Tabela 1).
Tabela 1. Valores absolutos do comprimento curvilíneo da carapaça (CCC), largura
curvilínea da carapaça (LCC) e do comprimento total do esôfago de C. mydas do
litoral do Espírito Santo, 2014.
Número da amostra
CCC (cm)
LCC (cm)
Comprimento total do
esôfago (cm)
P95/14
47,6
43,5
22,2
P97/14
42,2
36,6
21,9
P118/14
36,5
36,1
20,6
P123/14
39,6
36,9
21,3
P124/14
33,9
32,4
18,8
P125/14
43,6
41,0
20,5
P128/14
102,3
96,9
55,6
P129/14
28,5
23,1
*CCC: comprimento curvilíneo da carapaça; LCC: largura curvilínea da carapaça
18,0
O comprimento médio do esôfago de C. mydas citado por Magalhães et al.
(2010; 2012) foi de 19,32 ± 4,09 cm. Esses dados são semelhantes aos valores de
comprimento médio de esôfago obtidos neste estudo se forem considerados apenas
os animais juvenis. No entanto, o comprimento do esôfago encontrado em um
animal adulto por Magalhães et al. (2010) foi de 24,70 sendo o CCC e LCC deste
animal de 108,20 cm e 106,50 cm, respectivamente. Este dado apresenta-se muito
discrepante quando comparado com o tamanho do esôfago do animal adulto
avaliado no presente estudo. Segundo Eckert (1993) uma tartaruga verde
considerada adulta apresenta comprimento curvilíneo de carparaça de 85 cm e
hábitos alimentares essencialmente herbívoros, porém, não existem dados na
literatura que justifiquem esta diferença no comprimento do órgão em animais
adultos, dessa forma, é de extrema necessidade a realização de novos estudos a
fim de se obter mais parâmetros com o intuito de esclarecer essas divergências.
29
Em estudo realizado por Nakashima (2008), os exemplares analisados
apresentaram medidas de comprimento curvilíneo da carapaça variando entre 26 e
67 cm sendo considerados todos juvenis e apresentaram uma dieta onívora, ainda
que composta principalmente por matéria vegetal, consistindo basicamente de algas
e matéria animal, indicando que as tartarugas-verdes analisadas estavam no período
de mudança de hábitos alimentares, carnívoro para herbívoro.
De acordo com Lahanas et al., (1998) ainda é pouco o conhecimento sobre os
hábitos alimentares das tartarugas verdes durante a fase de vida oceânica, em que
os indivíduos são considerados filhotes, entretanto, juvenis desenvolvem uma
estratégia de alimentação oportunista, predando organismos planctônicos muitas
vezes agregada em zonas frontais (BOLTEN, 2003). Estudo realizado por Pupo,
Soto e Hanasaki (2006), confirmaram que, com exceção da tartaruga-oliva e da
tartaruga-de-couro, todas as outras que ocorrem na costa brasileira preferem águas
rasas para alimentação isto torna muito comum a presença de tartarugas próximas à
costa, e as consequentes capturas incidentais.
Acredita-se que a ausência de dados em tartarugas verdes adultas seja
devido ao baixo índice de encalhe destes animais e, segundo Guebert (2008), os
indivíduos juvenis aparecem em maior frequência e, por isto, estão sujeitos a taxas
de mortalidade diferenciadas em relação aos adultos. Além disto, em estudo anterior,
Guebert et al. (2007) afirmaram que os animais adultos estão presentes na área,
contudo os registros de mortalidade são pouco frequentes o que nos indica que
talvez os adultos não sofram os mesmos impactos que os juvenis.
Pupo, Soto e Hanasaki (2006), observaram que as tartarugas capturadas
incidentalmente pela pesca artesanal na Ilha de Santa Catarina apresentavam um
CCC entre 52 cm e 58 cm o que indicou a ocorrência de tartarugas juvenis, sendo a
maioria delas C. mydas e Caretta caretta. Dados semelhantes foram encontrados
por Rosa (2005) no Paraná; Bahia e Bondioli (2010) em São Paulo e Awabid;
Siciliano e Di Beneditto (2013) no Rio de Janeiro.
Em relação à anatomia do esôfago de C. mydas verificou-se em todos os
casos (100%) que se trata de um órgão tubular muscular localizado medialmente na
região cervical com desvio lateral para a esquerda na cavidade celomática próximo
ao coração. Estes dados já foram descritos em C. mydas por Magalhães et al.
(2012) e por Magalhães (2010) em Podocnemis sextuberculata e Podocnemis
dumerilianus.
30
Pinheiro et al. (2010) descreveram as características do esôfago de
Mesoclemmys vanderhaegei que é contínuo caudalmente à cavidade oral.
Apresenta-se como uma estrutura tubular, inicialmente localizada dorsalmente à
traqueia (segmento cervical), desviando-se levemente para a direita à medida que se
direciona caudalmente e por fim, posicionando-se à esquerda da traqueia e
dorsalmente ao coração, ao entrar na cavidade celomática, imediatamente antes de
desembocar no estômago formando o segmento celomático.
Embora em tartarugas verdes não existam relatos de utilização dos termos
esôfago cervical e esôfago celomático, anatomicamente também é possível
identificar essas duas porções.
Observou-se que nas porções proximal, medial e distal, a mucosa esofágica é
caracterizada por papilas em formato de cone, pontiagudas, orientadas caudalmente
para o estômago. Notou-se que estas papilas são delgadas e numerosas na porção
proximal e aumentam de comprimento e diâmetro à medida que chegam à região
medial, entretanto, há variação quanto à sua distribuição e quantidade na região
distal do esôfago, tornando-se menos numerosas. Na junção gastroesofágica
observou-se ausência das papilas cônicas pontiagudas, presença de pregas
reticulares longitudinais e um estreitamento da musculatura caracterizando o
esfincter gástrico (Figura 1).
31
Figura 1. Fotomacrografia do esôfago normal de C. mydas proveniente do litoral do
Espírito Santo evidenciando mucosa constituída de papilas cônicas, pontiagudas,
orientadas caudalmente para o estômago sendo as papilas delgadas na região
proximal (P), aumentadas de diâmetro e altura na região medial (M), e de número
reduzido na região distal (D). Estreitamento da musculatura caracterizando o
esfíncter gástrico (JGE).
Magalhães et al. (2012) obtiveram dados semelhantes ao estudar a
morfologia do tubo digestório de C. mydas. Entretanto estes autores observaram
uma região em forma de bolsa em dois animais, caracterizando um divertículo
esofágico, o que não foi verificado neste estudo. Porém, não se sabe, se o
divertículo aparece normalmente em alguns indivíduos ou se está relacionado a
algum processo patológico prévio.
Em estudo realizado em Caretta caretta e Orlitia borneensis por meio de
endoscopia observaram-se papilas ao longo do esôfago que tornavam-se ausentes
na região de transição para o esfíncter gastroesofágico evidenciando uma mucosa
pregueada (PRESSLER et al., 2003). Aspectos anatômicos distintos foram
32
verificados no esôfago de Mesoclemmys vanderhaegei em que a mucosa do
segmento cervical é lisa e à medida que se direciona caudalmente, próximo ao
estômago, apresenta pregas orientadas longitudinalmente (PINHEIRO et al., 2010).
Valente et al., (2006) associou as papilas esofágicas macroscopicamente às
papilas encontradas na mucosa bucal de bovinos e ovinos e, segundo Lutz e Musick
(1997), a contração do esôfago tem função de expelir o excesso de água pela
cavidade oral e narinas tendo essas papilas a função de reter o alimento sólido
ingerido e que durante esse processo o esfíncter gastroesofágico se contrai evitando
a passagem de conteúdo para o estômago.
Entretanto, Macedo et al., (2011) afirmaram que a presença das papilas
queratinizadas e voltadas para a parte interna do aparelho digestório, é um
agravante anatômico em relação à ingestão de resíduos sólidos pelas tartarugas
marinhas, uma vez que, como adaptação à alimentação no ambiente aquático,
impedem o refluxo fazendo com que resíduo seja mantido. Esta característica as
torna diferente de outras espécies de tetrápodes marinhos como os pinguins-demagalhães (Spheniscus magelanicus) que têm a possibilidade de regurgitar os
dejetos anteriormente ingeridos (TOURINHO; SUL; FILLMANN, 2010).
Histologicamente, as quatro regiões do esôfago avaliadas neste estudo
apresentaram três camadas distintas: mucosa, muscular externa e serosa. Não se
observaram as camadas muscular da mucosa e submucosa distintas.
Magalhães et al. (2010) também verificaram ausência de muscular da mucosa
e submucosa no esôfago de C. mydas e, de acordo com Elliott (2007), há ausência
da muscular da mucosa do esôfago em muitas espécies de répteis, mas pode ser
encontrada em algumas espécies de tartarugas. Entretanto, Sikiwat et al., (2013) o
esôfago de C. mydas juvenil é recoberto por epitélio estratificado escamoso que
protege o lúmen esofágico e é sustentado por submucosa de tecido conjuntivo
frouxo circundado por musculatura lisa disposta circularmente para permitir a
passagem do alimento.
Na
porção
junção
gastroesofágica
observou-se
mucosa
pregueada
constituída por epitélio estratificado pavimentoso queratinizado e lâmina própria de
tecido conjuntivo frouxo contendo vasos sanguíneos, nódulos linfoides e glândulas
produtoras de muco, positivas ao PAS (Figura 2D). A camada muscular externa é
composta por músculo estriado esquelético sendo a camada mais interna de
disposição longitudinal e a mais externa circular. A camada de musculatura
33
longitudinal é bastante espessa e a circular bem delgada nesta porção. A serosa é
composta por tecido conjuntivo frouxo revestida por mesotélio.
A porção distal revelou mucosa constituída por papilas cônicas pontiagudas
em quantidade moderada revestidas por epitélio estratificado pavimentoso
queratinizado. A lâmina própria é semelhante à porção da junção gastroesofágica
mas não possui glândulas mucosas (Figura 2C). A camada muscular externa é
composta por músculo estriado esquelético sendo a camada mais interna de
disposição longitudinal e a mais externa circular com distribuição semelhante à
região anterior.
As porções proximal e medial revelaram mucosa constituída por papilas
cônicas pontiagudas revestidas por epitélio estratificado pavimentoso queratinizado.
Na lâmina própria há abundante tecido conjuntivo mixoide sustentando as papilas.
Também não se verificaram estruturas glandulares. A camada muscular externa é
composta por músculo estriado esquelético sendo a camada mais interna de
disposição circular e a mais externa longitudinal, diferindo-se das demais porções
(Figura 2A e 2B). A serosa é composta por tecido conjuntivo denso. Observou-se
ainda que na porção proximal as papilas cônicas pontiagudas cornificadas
apresentaram-se mais delgadas e mais baixas em relação às da região medial e no
início da porção proximal há adventícia em vez de serosa.
Em relação à disposição das camadas musculares observou-se uma variação
entre as regiões do esôfago. Sabe-se que a camada muscular circular tem por
função auxiliar na constrição do órgão enquanto que a longitudinal auxilia na
dilatação do lúmen. Desta forma, acredita-se que nas regiões proximal e medial haja
maior capacidade constritora e, na região distal, maior dilatação para propulsão do
alimento.
A existência de tecido mixomatoso no interior das papilas cônicas chamadas
de “espinhos esofágicos” foi feita por Dunlap (1955) citado por Vogt, Sever, e Moreira
(1998) em estudo com tartarugas gigantes (Dermochelys coriacea). Em C. mydas
não existem citações deste componente.
Vale ressaltar que o tecido mixoide é rico em ácido hialurônico e, portanto,
seria melhor evidenciado por técnicas histoquímicas como o Alcian Blue que cora
mucinas ácidas. Entretanto, neste estudo utilizou-se apenas o PAS que cora
positivamente mucinas neutras, mesmo assim, foi possível identificar o tecido
mixoide no interior das papilas. Acredita-se que este tecido facilite a movimentação
34
destas na porção anterior do esôfago.
Figura 2. Fotomicrografia do esôfago normal de Chelonia mydas proveniente do
litoral do Espírito Santo evidenciando em A) mucosa constituída de papilas cônicas
revestidas por epitélio estratificado pavimentoso queratinizado (seta) e compostas
por tecido mixoide na porção proximal (HE). B) camada muscular circular
evidenciada pelo método de Tricrômico de Masson região proximal. C) lâmina
própria aglandular na região distal e espessa camada muscular longitudinal (seta
tracejada) (HE). D) lâmina própria glandular na junção gastroesofágica com
glândulas mucosas positivas ao PAS. (Barra=500μm).
Alguns aspectos diferentes dos encontrados neste estudo foram descritos por
Magalhães et al. (2010) em C. mydas que afirmaram que histologicamente o
esôfago apresenta mucosa pregueada, com lâmina própria aglandular, formada por
tecido conjuntivo frouxo e afirmaram que a ausência de glândulas, indica que esse
órgão apresenta apenas função mecânica. Descreveram também que a camada
muscular é formada por musculatura estriada organizadas em feixes em uma única
35
camada, dispostos longitudinalmente contendo abundante tecido conjuntivo frouxo
entre os feixes. Acredita-se que a ausência da descrição do exato local de coleta das
amostras, esteja diretamente relacionada às diferenças histológicas observadas.
É possível afirmar com os dados do presente estudo que o esôfago de C.
mydas possui função mecânica devido à queratinização do epitélio e do tecido
mixoide existente na lâmina própria que sustenta as papilas cônicas. Além da
produção de muco pelas glândulas esofágicas da lâmina própria da mucosa na
junção gastroesofágica, confirmadas pela reação positiva ao PAS, que certamente
auxiliam na propagação do alimento para o estômago.
Estes achados foram confirmados por Junqueira e Carneiro (2013) que
citaram que a secreção produzida pelas glândulas esofágicas, tem por função
facilitar o transporte do alimento e proteger a mucosa. Entretanto, estes autores
observaram as glândulas mucosas do esôfago na submucosa de outras espécies.
A presença das glândulas esofágicas em C. mydas também foi descrita por
Santoro et al. (2007) que verificaram um parasito trematoda no interior das glândulas
causando esofagite e adenite. Entretanto, afirmaram que as lesões são frequentes
na região distal do esôfago e demonstraram a presença de placas brancacentas em
uma porção do órgão contendo pregas longitudinais sem papilas cônicas. É possível
que a região citada pelos autores como distal seja a mesma que, neste estudo,
denominou-se junção gastroesofágica, uma vez que não há papilas cônicas e sim
pregas reticulares longitudinais. Estes achados também permitiram confirmar que
estes animais possuem estruturas glandulares no esôfago.
Em estudo com esôfago de Kinosternon scorpioides Pereira et al. (2005)
encontraram que as glândulas secretam glicosaminoglicanas e sugeriram que estas
seriam funcionais na proteção da mucosa contra abrasão.
Em outro estudo com as características do esôfago de Phrynops geoffroanus
verificou-se também algumas diferenças histológicas sendo as principais: a presença
de glândulas bem definidas no epitélio e lâmina própria bem vascularizada na base
do epitélio (VIEIRA-LOPES et al., 2014). Acredita-se que os hábitos alimentares dos
cágados possam estar diretamente relacionados às características histológicas do
esôfago como o hábito de ingerir organismos vivos, pois, de uma maneira geral,
segundo Souza (2004), as espécies de cágados podem ser consideradas
onicarnívoras.
Nesse mesmo contexto, Magalhães (2010) também evidenciou muitos
36
aspectos distintos em cágados como a mucosa revestida por dois tipos distintos de
epitélio, epitélio estratificado pavimentoso e epitélio estratificado cilíndrico. Também
verificou que no epitélio estratificado cilíndrico há presença de células superficiais
mucosas com reação positiva ao PAS e não foi evidenciada a muscular da mucosa.
A submucosa é aglandular e a camada muscular externa é disposta em feixes de
músculo intercalados com feixes de conjuntivo frouxo, composta de músculo liso.
Desta forma é possível sugerir que as diferenças histológicas neste órgão são
decorrentes dos hábitos alimentares dos animais.
7 CONCLUSÃO
O esôfago de C. mydas é um órgão tubular muscular constituído de papilas
cônicas que variam de quantidade e tamanho, à medida em que se aproximam do
estômago, revestidas por epitélio estratificado pavimentoso queratinizado e ricas em
tecido mixoide. Há variação nas camadas mucosa, muscular externa e serosa e há
presença de glândulas produtoras de muco na mucosa da região da junção
gastroesofágica. As características histomorfológicas do esôfago de C. mydas são
importantes para exercer as funções mecânica e de proteção da mucosa deste
órgão.
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40
CAPÍTULO 2
AVALIAÇÃO ANATOMO-PATOLÓGICA E HISTOQUÍMICA DE LESÕES
ESOFÁGICAS DE TARTARUGAS VERDES (Chelonia mydas) NO LITORAL DO
ESPÍRITO SANTO
Artigo a ser submetido à publicação no periódico Journal of Wildlife Diseases
41
9 Cap. 2 – AVALIAÇÃO ANATOMO-PATOLÓGICA E HISTOQUÍMICA DE LESÕES
ESOFÁGICAS DE TARTARUGAS VERDES (Chelonia mydas) NO LITORAL DO
ESPÍRITO SANTO
ANATOMOPATHOLOGICAL
AND
HISTOCHEMICAL
EVALUATION
OF
ESOPHAGEAL INJURY OF GREEN TURTLE (Chelonia mydas) IN THE COAST
OF ESPÍRITO SANTO
Antonio de Calais Júnior1, Louisiane de Carvalho Nunes2*, Ana Paula Madureira3
1
Mestrando em Ciências Veterinárias, Universidade Federal do Espírito Santo,
Alegre, Espírito Santo, Brasil.
2
Professora PhD em Patologia Animal da Universidade Federal do Espírito Santo,
Alegre, Espírito Santo, Brasil.
3
Professora Dra. da Universidade Federal de São João Del Rei, São João Del Rei,
Minas Gerais, Brasil.
* Autor para contato: [email protected]
RESUMO
A tartaruga verde, Chelonia mydas, é amplamente distribuída pela costa brasileira e
ainda são escassos os estudos sobre as enfermidades do trato gastrintestinal que
acometem
esses
animais.
Este
estudo
teve
por
objetivo
caracterizar
morfologicamente as alterações do esôfago de C. mydas a fim de determinar os
possíveis agentes etiológicos envolvidos e estabelecer os mecanismos de formação
das lesões. Utilizaram-se 45 espécimes, sendo 37 animais com e oito animais sem
lesões macroscópicas no esôfago. Os cadáveres foram submetidos à necroscopia e
o esôfago completo foi fixado em formalina a 10% e avaliado macro e
microscopicamente. Utilizou-se os métodos de Hematoxilina e Eosina, Giemsa,
Ácido Periódico-Schiff e Gram. Dos animais com alteração, 67,57% revelaram
lesões multifocais brancacentas contendo material caseoso e 32,43% revelaram
lesões focais. A localização predominou na junção gastroesofágica. Infiltrado
inflamatório foi observado em 92% e 62,5% dos animais com e sem lesão,
respectivamente. Grumos bacterianos foram observados em 56,75% das amostras
com lesão. Observaram-se fragmentos de parasitos adultos em 75,7% das amostras
42
com lesão e 37,5% nas sem lesão. A contagem de parasitos revelou que 83,78% dos
indivíduos com lesão e 62,5% dos indivíduos sem lesão possuíam parasitos. Houve
associação moderada entre a presença de cáseo e inflamação ou bactérias ou
parasitos. No entanto não houve diferença significativa no número de parasitos entre
os diferentes graus de obstrução e a presença de parasitos não influenciou na
ocorrência de obstrução. Conclui-se que C. mydas sofrem de uma lesão esofágica
com formação caseosa que pode causar obstrução grave do trato gastrintestinal.
Está associada à presença de inflamação ou à infecção por bactérias ou à infecção
por parasitos. Embora o parasitismo não influencie no grau de obstrução e também
ocorra nos animais sem lesões caseosas.
Palavras chave: esôfago. obstrução. tartaruga marinha
ABSTRACT
The green turtle, Chelonia mydas, is widely distributed along the Brazilian coast and
there are still few studies on the diseases of the gastrointestinal tract that affect these
animals. This study aimed to characterize morphologically the changes of C. mydas’
esophagus to determine the possible etiologic agents involved and establish the
mechanisms of formation of these lesions. We used 45 specimens of which 37
animals had macroscopic lesions in the esophagus and eight animals did not exhibit
them. The corpses were submitted to necropsy and the complete esophagus was
fixed in 10% formalin and evaluated macro- and microscopically. We used
hematoxylin and eosin, Giemsa, periodic acid-Schiff and Gram staining methods.
Among animals that presented changes, 67.57% showed multifocal lesions
containing caseous material and 32.43% showed focal lesions. The location
predominated in the gastroesophageal junction. Inflammatory infiltrate was observed
in 92% and 62.5% of the animals with and without lesions, respectively. Bacterial
clumps were observed in 56.75% of samples having injury. There were adult
parasites fragments in 75.7% of samples with lesions and 37.5% in samples without
lesions. The parasite count revealed that 83.78% of individuals with injury and 62.5%
of non-injured individuals had parasites. There was a moderate association between
the presence of caseous and inflammation or bacteria or parasites. However there
was no significant difference in the number of parasites between the different
degrees of obstruction and the presence of parasites did not influence the occurrence
43
of obstruction. We conclude that C. mydas suffer from esophageal injury with
caseous formation which can cause severe obstruction of the gastrointestinal tract. It
is associated with the presence of inflammation or bacterial infection or parasite
infection. Although parasitism does not influence the degree of obstruction and also
occurs in animals without caseous lesions.
Key words: esophagus. obstruction. sea turtles
10 INTRODUÇÃO
Conhecidas popularmente como tartaruga verde ou aruanã, a espécie
Chelonia mydas, é amplamente distribuída pelos mares desde os trópicos até as
zonas temperadas, sendo a espécie de tartaruga marinha que apresenta hábitos
mais costeiros, com relatos de ocorrência em estuários de rios e lagos (ALMEIDA et
al., 2011), sendo a Ilha de Trindade no estado do Espírito Santo a região que abriga
a maior colônia reprodutiva desses animais no Brasil (MOREIRA, 2003). Por serem
altamente migratórios e apresentarem um ciclo de vida complexo fazem uso de uma
extensa área geográfica durante as fases de vida (MÁRQUEZ, 1990). Devido a essa
alta mobilidade e complexidade do ciclo de vida, avaliações populacionais
quantitativas são escassas (MEYLAN et al., 1995).
Informações importantes sobre as tartarugas marinhas podem ser obtidas a
partir de animais encalhados nas praias e vários fatores podem influenciar no
encalhe de tartarugas marinhas, tais como a ingestão de plástico, afogamentos em
redes de pesca, ingestão de anzóis e doenças sistêmicas (PINEDO et al 1996;
BUGONI et al., 2001). C. mydas apresenta o maior número de indivíduos juvenis
mortos encalhados ao longo da costa brasileira em decorrência do aumento da
pesca costeira de emalhe (ALMEIDA et al., 2011).
Assim, o conhecimento do estado de saúde das populações é considerado
um imperativo para o desenvolvimento de programas conservação (DEEM et al.,
2001) e as enfermidades que acometem as tartarugas marinhas não estão
totalmente elucidadas, sendo, dessa forma, necessários estudos que visem
conhecer o padrão das doenças e o estado de saúde de suas populações que,
assim como outros grupos de vertebrados, são susceptíveis a agentes patogênicos
bacterianos, fúngicos, virais e parasitários que podem causar moléstias e até levar a
44
óbito (ECKERT et al., 2000).
Neste contexto, Orós et al. (2005) avaliaram os achados de necropsia em
indivíduos com lesão no trato gastrintestinal devido a ingestão de linhas de pesca e
anzol e verificaram processo inflamatório agudo associado a esofagite fibrinosa
ulcerativa e esofagite traumática com perfuração. Sabe-se que a inflamação crônica
surge quando a resposta inflamatória aguda falha em eliminar o estímulo
desencadeador; após episódios repetidos de inflamação aguda ou em resposta a
características bioquímicas ou fatores de virulência particulares do estímulo
desencadeador (MCGAVIN; ZACHARY, 2012).
Entretanto, Tomas et al. (2001) e Alegre et al. (2006) afirmaram que tartarugas
marinhas são aparentemente capazes de viver com lesões consideráveis no trato
gastrointestinal, causadas pela ingestão de anzóis. Por outro lado, a esofagite
descrita em C. mydas foi associada ao parasito Rameshwarotrema uterocrescens
(Santoro et al., 2007).
Diante do exposto, nota-se que muitas enfermidades que ocorrem em C.
mydas ainda não estão totalmente esclarecidas e tem sido grande o número de
animais encalhados desta espécie no litoral do Espírito Santo, o que os torna cada
vez mais vulneráveis à extinção. Assim, este estudo teve por objetivo caracterizar
morfologicamente as alterações do esôfago de C. mydas a fim de determinar os
possíveis agentes etiológicos envolvidos, bem como, estabelecer os mecanismos de
formação das lesões. Desta forma, espera-se contribuir com a melhoria da qualidade
de vida dos indivíduos desta espécie com implantação de programas mais
adequados de tratamento e profilaxia.
11 MATERIAL E MÉTODOS
No presente estudo foram utilizados 45 espécimes de C. mydas, sendo 37
animais com lesões macroscópicas no esôfago e oito animais sem lesões,
provenientes da base veterinária da empresa CTA Meio Ambiente, localizada no
município de Anchieta, ES, entre novembro de 2013 e novembro de 2014. Todos os
animais recebidos pela empresa foram provenientes do Projeto de Monitoramento
de Praias da Bacia do Espírito Santo (como requisito do IBAMA para o processo de
licenciamento ambiental).
45
Todo protocolo experimental adotado possui autorização número 39329-1, do
Sistema e Informação em Biodiversidade (SisBio), vinculado ao Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) do Ministério do Meio
Ambiente (MMA).
Com o intuito de minimizar a avaliação de animais com alterações
cadavéricas significativas, utilizou-se somente os animais mortos há menos de seis
horas. Assim, coletou-se material apenas dos cadáveres que morreram durante o
transporte do local de encalhe até a base ou dos animais que foram recebidos vivos
na base para tratamento e vieram a óbito no período.
Os cadáveres foram submetidos à avaliação biométrica utilizando-se fita
métrica e obtidos os dados de comprimento curvilíneo da carapaça (CCC) e largura
curvilínea da carapaça (LCC) em centímetro. Em seguida foram necropsiados no
Setor de Necroscopia da empresa CTA seguindo a técnica de Wyneken (2001). O
esôfago foi retirado completo desde a região de inserção da orofaringe até a porção
inicial do estômago para avaliação macro e microscópica.
Para a avaliação macroscópica o esôfago foi aberto na porção dorsal e
obteve-se o comprimento total do órgão com auxílio de paquímetro. De cada animal
que apresentou alteração esofágica foi verificado o local (porção de acometimento
no esôfago) e forma de distribuição (multifocal ou focal) e mensuradas, com auxílio
de paquímetro, a extensão e profundidade das lesões. Além disto, foi definido o
status de obstrução esofágica: sem obstrução, com obstrução parcial e com
obstrução total. Em seguida, todos os esôfagos foram fixados em formalina a 10% e
fotodocumentados.
O material fixado foi encaminhado ao Laboratório de Patologia Animal da
Universidade Federal do Espírito Santo e identificado com a letra “P”, referente à
material de pesquisa, seguido da sequencia numérica de registro do setor e ano.
Foram coletados quatro fragmentos por esôfago correspondendo às regiões da
junção gastroesofágica, porção distal, porção medial e porção proximal do esôfago.
Nos esôfagos com alteração, coletou-se a lesão existente em cada região e, nos
esôfagos sem alterações, coletou-se um fragmento aleatório de cada porção. A
divisão por regiões anatômicas foi utilizada apenas para demonstrar o local de
distribuição das lesões no esôfago e os esôfagos normais foram utilizados para
comparação.
Cada fragmento foi colocado em cassete plástico e submetido ao
46
processamento histológico de rotina: desidratação (em uma série de concentração
crescente de etanol de 70° GL a 100° GL), diafanização em xilol, impregnação e
inclusão em parafina para obtenção de cortes histológicos de 3 μm de espessura em
micrótomo manual. As lâminas com os fragmentos foram coradas pelas técnicas de
Hematoxilina e Eosina (HE), Giemsa, Ácido Periódico-Schiff (PAS) e Gram. As
técnicas histoquímicas foram coradas no Laboratório do Serviço de Patologia
Veterinária da Universidade Estadual Paulista, campus de Botucatu, SP.
A avaliação microscópica envolveu a descrição das lesões observadas
utilizando como variáveis: presença de material caseoso, infiltrado inflamatório,
presença de grumos bacterianos e presença de parasitos. Todas as variáveis foram
analisadas quanto à intensidade utilizando critério semiquantitativo baseado em
escores (+) discreta, (++) moderada, (+++) intensa e (-) ausente. Todas as lâminas
foram observadas e fotomicrografadas respectivamente com câmera digital câmera
digital Sony SteaddyShot DSC-W610 acoplada em microscópio óptico Bel A17.1026.
Após a coleta de material histológico o restante do esôfago foi utilizado para
identificação de parasitos. Para isto, a mucosa foi friccionada, embebida em solução
salina (Figura 3A), em seguida, realizou-se o desprendimento da mucosa e a
lavagem novamente com solução salina (Figura 3B). Tanto o material sem a mucosa
(Figura 3C) quanto o conteúdo líquido (Figura 3D) obtido nos dois processos de
lavagem foi avaliado em lupa estereoscópica para a identificação e contagem de
parasitos. A identificação dos parasitos foi realizada no Laboratório de Parasitologia
da Universidade Federal do Espírito Santo.
47
Figura 3. Fotomacrografia do esôfago com lesão de C. mydas proveniente do litoral
do Espírito Santo evidenciando em A) fricção da mucosa esofágica embebida em
solução salina; B) desprendimento da mucosa; C) lavagem do material sem a
mucosa e D) conteúdo líquido obtido da lavagem do esôfago, ambos utilizados para
a identificação de parasitos em lupa estereoscópica.
Todas as variáveis avaliadas no estudo foram analisadas estatisticamente
pelo método descritivo com os dados expressos em porcentagem. Para a
comparação presença de material caseoso, infiltrado inflamatório, presença de
grumos bacterianos e presença de parasitos utilizou-se o teste exato de Fisher e o
coeficiente de V de Cramer. Para avaliação entre o status de obstrução esofágica e
a quantidade de parasitos utilizou-se o teste de correlação de Spearman e a análise
de variância de Kruskall Wallis. Todas as análises foram verificadas em nível de
significância de 5%.
48
12 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dos 45 animais avaliados, 44 foram classificados como juvenis e apenas um
animal como adulto. Os dados do CCC, LCC e comprimento total do esôfago estão
dispostos na Tabela 2.
Tabela 2. Valores médios e desvio padrão do comprimento curvilíneo da carapaça
(CCC), largura curvilínea da carapaça (LCC) e do comprimento total do esôfago com
e sem alterações de C. mydas do litoral do Espírito Santo, entre 2013 e 2014.
Indivíduo
Juvenil
CCC (cm)
LCC (cm)
Comprimento total do
esôfago (cm)
37,15±5,71
34,00±5,11
18,68±2,20
Adulto
102,3
96,9
*CCC: comprimento curvilíneo da carapaça; LCC: largura curvilínea da carapaça
55,6
Estudos sobre a movimentação de C. mydas na costa brasileira mostraram
que o CCC médio de animais juvenis foi de 56,00 cm e a LCC média de 49,75 cm.
Para os animais subadultos foi de 90,5 cm e 82,5 cm e nos animais adultos foi de
111 cm e 102 cm, respectivamente para CCC e LCC (Godley et al., 2003). No
presente estudo verificou-se que os animais juvenis foram menores e sugere-se que
seja devido à movimentação nas proximidades da costa nessa fase de vida. Os
animais maiores geralmente são capturados em áreas mais abrangentes.
Dos 37 animais com lesões esofágicas avaliados 67,57% (25/37) revelaram
lesões multifocais brancacentas contendo material caseoso, enquanto que 32,43%
(12/37) revelaram lesões focais com material caseoso aderido à mucosa esofágica.
As lesões multifocais mediram ≤ 0,1 cm em profundidade e extensão e
apresentavam-se, na maioria das vezes, disseminadas. As lesões focais variaram de
> 0,1 cm a 1,5 cm de profundidade e de 1,3 cm a 8,5 cm de extensão e em 10 casos
foram observadas na região de junção gastroesofágica (Tabela 3).
Em relação ao status de obstrução verificou-se que as lesões multifocais
foram consideradas não obstrutivas. Os animais com lesões de 0,2 cm a 0,97 cm de
profundidade foram considerados com obstrução parcial e as lesões iguais ou
superiores a 0,98 cm de profundidade foram considerados com obstrução total. A
variável profundidade foi mais importante para avaliar o grau de obstrução (Tabela
3).
49
Quando verificado o local de acometimento no esôfago e a distribuição da
lesão pelo órgão observou-se que as lesões foram localizadas na porção medial e
distal em 2,70%(1/37) dos casos, na distal em 16,22% (6/37), na distal e junção
gastroesofágica em 2,70% (1/37) e na junção gastroesofágica em 51,36% (19/37).
Em 27,02% (10/37) não foi possível definir o local exato de acometimento do
esôfago porque as lesões foram disseminadas (Tabela3).
Os esôfagos normais não apresentaram lesão macroscópica. A Figura 4
ilustra os achados macroscópicos dos esôfagos de C. mydas.
A ocorrência de lesões esofágicas em tartarugas marinhas foi descrita por
Orós; Calabuig; Déniz (2004) associada à perfuração do órgão e revelou esofagite
fibrinosa e ulcerativa. Em alguns animais estas lesões traumáticas do esôfago foram
associadas à septicemia induzida por bactérias patogênicas. Também se
observaram lesões associadas à ingestão de óleo caracterizadas por necrose
moderada das células epiteliais superficiais. Outras lesões observadas nestas
tartarugas foram gastroenterite necrosante, hepatite necrosante e tubulonefrose.
Em relação às lesões perfurantes, Casale et al., (2008) citou que estas podem
ser mais graves quando ocorrem na região caudal do esôfago próximas ao coração
e podem causar celomite e morte.
Valente (2007) também descreveu duas mortes em tartarugas pela presença
de anzóis no trato gastrintestinal. Em um dos animais, observou-se fibrose do
esôfago com invaginação do epitélio delimitando o anzol e, no outro animal, houve
necrose intestinal associada à presença de monofilamento de nylon no anzol.
Santos et al. (2011) também verificaram lesões obstrutivas do trato digestório devido
à presença de fio de nylon preso desde o esôfago até a cloaca. Por outro lado, um
estudo realizado em dez animais com ganchos J3 alojados no esôfago proximal para
medial, verificou-se que 50% destes expulsaram os corpos estranhos durante o
período de dois anos sem intervenção médica. Também se verificou, à endoscopia,
que nenhum desses animais apresentou lesão esofágica (ALEGRE et al., 2006).
A ocorrência de lesões esofágicas associadas à debris antropogênicos foi
feita por Hoarau et al. (2014) em Caretta caretta que citaram mortes em dois animais
com debris maiores que 30 gramas. Entretanto, afirmaram que a causa primária de
mortes nestes animais foi atribuída à perfuração do esôfago e estômago associado à
infecção bacteriana.
50
É importante destacar que, neste estudo nenhum dos animais apresentou,
durante a necropsia, qualquer tipo de material antrópico na região da lesão
esofágica que pudesse ser incriminado diretamente como causador da injúria.
Em C. mydas, lesões caracterizadas como placas multifocais amareladas
variando de 0,5 cm a 1 cm revelando ao corte espaços císticos contendo material
caseoso amarelado revestido por tecido conjuntivo que, histologicamente,
correspondiam a glândulas esofágicas ectásicas e inflamadas foram associadas à
presença de parasitos Rameshwarotrema uterocrescens, trematódeos da classe
Digenea, família Pronocephalidae (SANTORO et al., 2007).
No entanto, não existem dados na literatura da presença de material caseoso
abundante com obstrução parcial ou total no esôfago em C. mydas.
51
Tabela 3. Macroscopia, localização, profundidade, extensão e status de obstrução
em C. mydas com lesões esofágicas do litoral do Espírito Santo, entre 2013 e 2014.
Amostra
Descrição
Localização
Profundidade (cm)
Extensão (cm)
Status da obstrução
P13/14
Multifocal
Distal
0,1
0,1
Sem obstrução
P14/14
Focal
Junção
1,1
1,3
Obstrução total
P16/14
Multifocal
Disseminado
0,1
0,1
Sem obstrução
P17/14
Multifocal
Disseminado
0,1
0,1
Sem obstrução
P18/14
Multifocal
Distal
0,1
0,1
Sem obstrução
P19/14
Multifocal
Disseminado
0,1
0,1
Sem obstrução
P20/14
Multifocal
Distal
0,1
0,1
Sem obstrução
P23/14
Multifocal
Distal
0,1
0,1
Sem obstrução
P25/14
Focal
Disseminado
0,2
0,1
Obstrução parcial
P26/14
Focal
Junção
0,99
3,3
Obstrução total
P30/14
Multifocal
Disseminado
0,1
0,1
Sem obstrução
P33/14
Multifocal
Distal
0,1
0,1
Sem obstrução
P34/14
Focal
Junção
1,0
5,1
Obstrução total
P35/14
Multifocal
Junção
0,1
0,1
Sem obstrução
P36/14
Multifocal
Junção
0,1
0,1
Sem obstrução
P37/14
Multifocal
Junção
0,1
0,1
Sem obstrução
P39/14
Focal
Junção
0,98
3,8
Obstrução total
P60/14
Focal
Distal/Junção
0,4
1,3
Obstrução parcial
P65/14
Multifocal
Junção
0,1
0,1
Sem obstrução
P70/14
Focal
Junção
1,1
1,2
Obstrução total
P72/14
Multifocal
Junção
0,1
0,1
Sem obstrução
P73/14
Focal
Junção
1,4
1,2
Obstrução total
P89/14
Multifocal
Medial/Distal
0,1
0,1
Sem obstrução
P90/14
Multifocal
Distal
0,1
0,1
Sem obstrução
P94/14
Multifocal
Disseminado
0,1
0,1
Sem obstrução
P96/14
Multifocal
Junção
0,1
0,1
Sem obstrução
P98/14
Focal
Junção
1,5
4,1
Obstrução total
P99/14
Multifocal
Disseminado
0,1
0,1
Sem obstrução
P100/14
Multifocal
Disseminado
0,1
0,1
Sem obstrução
P101/14
Multifocal
Junção
0,1
0,1
Sem obstrução
P103/14
Multifocal
Junção
0,1
0,1
Sem obstrução
P104/14
Multifocal
Disseminado
0,1
0,1
Sem obstrução
P111/14
Focal
Junção
1,1
8,5
Obstrução total
P113/14
Multifocal
Junção
0,1
0,1
Sem obstrução
P116/14
Focal
Junção
0,5
3,7
Obstrução parcial
P117/14
Multifocal
Disseminado
0,1
0,1
Sem obstrução
P130/14
Focal
Junção
1,1
7,5
Obstrução total
52
Figura 4. Fotomacrografia do esôfago com e sem lesão de C. mydas proveniente do
litoral do Espírito Santo evidenciando em A) esôfago normal. B) lesão brancacenta
de distribuição multifocal, sem obstrução de esôfago. C) lesão caseosa de
distribuição focal na região distal e junção gastroesofágica. D) obstrução total do
lúmen esofágico em corte transversal.
Em relação à avaliação histopatológica do esôfago a presença de material
caseoso foi encontrada em 100% (37/37) das amostras de animais que tinham
lesões macroscópicas sendo 67,6% (25/37) em intensidade discreta, 8,1% (3/37)
moderadas e 24,3% (9/37) intensa. Nos animais sem lesões macroscópicas não foi
observado presença de material caseoso em 100%(8/8) das amostras analisadas
(Figura 5A).
Segundo Montali (1988) a ação de agentes patogênicos extracelulares nos
répteis induz à formação de granulomas heterofílicos, onde se acumulam heterófilos
que degranulam e sofrem subsequente necrose, que, por sua vez, estimula uma
forte resposta de macrófagos. Por outro lado, estes mesmos autores citaram que a
resposta a um agente intracelular formará um granuloma histiocítico e que, durante
53
este processo, os macrófagos centrais também podem sofrer necrose. Assim, ao
contrário dos mamíferos, os répteis não formam exsudato pus líquido, como parte da
resposta inflamatória, mas sim uma massa caseosa que consiste principalmente de
heterófilos degranulados e degenerados. Desta forma confirmou-se a formação de
material caseoso como resposta inflamatória ao agente agressor.
A despeito disso, sabe-se que a inflamação crônica pode ser prejudicial na
medida em que o infiltrado, dentro das áreas de inflamação, ocupa espaço, muitas
vezes deslocando, substituindo ou obstruindo o tecido original. Ao mesmo tempo
novos vasos sanguíneos se formam, os fibroblastos proliferam e depositam colágeno
e, se a lesão se estende, a resposta inflamatória pode afetar a função dos tecidos
e/ou células adjacentes e finalmente afetar a função do órgão como um todo
(MCGAVIN; ZACHARY, 2012). Nos animais que apresentaram cáseo observou-se
ulceração do epitélio e formação de tecido de granulação, que, em alguns casos,
comprimia toda a lâmina própria da mucosa.
Infiltrado inflamatório mononuclear foi observado em 92% (34/37) das
amostras. A intensidade da inflamação foi caracterizada como discreta em 56%
(19/34) dos casos, moderada em 23,5% (8/34) e intensa em 20,5% (7/34). Nos
animais sem lesões macroscópicas observou-se que 62,5% (5/8) apresentaram
infiltrado inflamatório sendo 12,5% (1/8) em intensidade discreta, 37,5% (3/8)
moderadas e 12,5% (1/8) intensa. Em 37,5% desses animais não foi evidenciado
qualquer grau de inflamação (Figura 5C).
Nos animais com infiltrado inflamatório mononuclear foi possível observar
algumas alterações glandulares, como adenite; e do epitélio luminal, como
hiperplasia e metaplasia com transformação do epitélio estratificado pavimentoso
queratinizado em epitélio colunar produtor de muco (Figura 5D).
Quando aplicado o teste exato de Fisher e o coeficiente de V de Cramer e
comparou-se os achados histopatológicos entre os animais com lesão e normais
verificou-se que a presença de cáseo em relação ao infiltrado inflamatório revelaram
associação moderada (P<0,05). Estes dados indicam que a presença do cáseo
poderia estar associada à inflamação. Verificou-se ainda que existe diferença
significativa, em relação ao infiltrado inflamatório e a obstrução esofágica, indicando
que quando não há obstrução grave não há inflamação (P<0,05).
Verificou-se que a presença do material caseoso aderido à mucosa, mesmo
que na forma de lesões puntiformes, é a alteração mais marcante observada nos
54
animais deste estudo. Por outro lado, a inflamação que poderia ser um fator
determinante para a ocorrência do cáseo ocorreu tanto nos indivíduos que possuíam
lesão caseosa quanto os macroscopicamente normais. Isto pode ser justificado pela
ocorrência de infecções discretas que ainda não haviam se manifestado
macroscopicamente ou mesmo clinicamente.
Outro ponto que deve ser considerado é que nos animais em que o cáseo foi
focalmente extenso, causando obstrução total, as lesões inflamatórias foram
discretas. Isto pode ser explicado pela formação de tecido de granulação abaixo da
ulceração da mucosa, causada pela presença do cáseo, com deposição de matriz
extracelular para a reparação do tecido, limitando assim a resposta inflamatória.
Os processos inflamatórios do esôfago descritos nestes animais incluem a
esofagite fibrinosa e ulcerativa e a perfuração traumática do órgão sendo, na maioria
dos casos, associadas a ingestão de anzóis de pesca (ORÓS, et al. 2005).
As alterações de epitélio associadas à inflamação observadas neste estudo
não foram ainda descritas em C. mydas, desta forma, uma lesão semelhante foi
descrita em humanos conhecida como esôfago de Barret. Rodrigues (2004) citou
que o esôfago de Barret resulta de uma complicação da doença do refluxo
gastroesofágico de longa duração em humanos e é caracterizada pela substituição
do epitélio estratificado pavimentoso por epitélio colunar especializado com células
caliciformes expresso como metaplasia intestinal que representa uma resposta
adaptativa à agressão pelo ácido tendo como principal importância biológica o risco
para câncer.
É importante destacar que, neste estudo, o animal que possuía as lesões
epiteliais mais graves, de hiperplasia e metaplasia mucoide, apresentou obstrução
esofágica total desde a porção proximal até a distal. Entretanto, não é possível
afirmar se a metaplasia contribuiu para o agravamento da lesão obstrutiva.
Os grumos bacterianos foram observados em 56,75% (21/37) das amostras
sendo 95,24% (20/21) das amostras consideradas como infecção discreta, e 4,76%
(1/21) considerada intensa. Os grumos bacterianos foram melhor evidenciados pelos
métodos de Giemsa e Gram e os grupamentos foram observados fortemente
basofílicos sendo considerados gram-positivos (Figura 5B). Nos animais sem lesões
macroscópicas não se observou grumos bacterianos em todas as amostras
analisadas (100%).
55
Quando se comparou os achados histopatológicos entre os animais com
lesão e normais verificou-se que a presença de cáseo em relação à presença de
bactérias também revelou associação moderada (P<0,05), ou seja, a presença de
cáseo poderia estar associada à presença de bactérias.
Comparou-se também a presença de obstrução esofágica com os achados
histopatológicos e, em relação à presença de bactérias, verificou-se que quando
existe lesão macroscópica não há diferença significativa na presença de bactérias
nos diferentes níveis de obstrução (P>0,05). Entretanto verificou-se que quando não
há obstrução também não há presença de bactérias de maneira significativa
(P<0,05). Isto permite inferir que as bactérias são importantes para a formação do
cáseo e da lesão obstrutiva.
Diversas espéceis de bactérias tem sido citados como causadores de infeção
em tartarugas marinhas como Staphylococcus spp., Citrobacter freundii, Micrococcus
spp., Edwardsiella spp., Aeromonas hydrophila, Aureobacterium spp., Vibrio
parahaemolyticus, Streptococcus do grupo C, e Corynebacterium spp. (CHUEM-IM
et al., 2010). Segundo Cooper e Jackson (1983) as bactérias parecem desempenhar
um papel muito importante em doenças nestes animais, tanto como patógenos
primários quanto secundário.
Neste estudo verificou-se que os grumos bacterianos presentes nas lesões
esofágicas foram gram-positivos, entretanto, as bactérias não foram identificadas.
Segundo Mader e Divers (2013) as bactérias gram-negativas são as mais
comumente implicadas como patogênicas a despeito das bactérias gram-positivas
que geralmente não apresentam patogenicidade habitando o organismo sem causar
danos. No entanto, estes mesmos autores citaram que algumas bactérias grampositivas pode causar doença.
Um divertículo esofágico associado a infecção por Aerococcus viridans foi
descrito em Caretta caretta. O divertículo apresentou esofagite fibrinonecrótica
severa difusa com infiltrado de linfócitos, heterofilos e macrófagos na lâmina própria.
Grande número de bactérias Gram positivas foi associado a esta lesão sendo
encontradas no citoplasma de macrófagos na lâmina própria. A camada serosa
revelou serosite granulomatosa multifocal contendo células gigantes multinucleadas
(TORRENT et al., 2002).
56
Figura 5. Fotomicrografia do esôfago com lesão de C. mydas proveniente do litoral
do Espírito Santo evidenciando em A) cáseo (seta) em intensidade discreta aderido à
mucosa (HE) (Barra=500m). B) grumos bacterianos (seta) evidenciados pelo método
de Gram (Barra=500m). C) infiltrado inflamatório mononuclear moderado (seta) na
lâmina própria (PAS) (Barra=100m). D) metaplasia com substituição do epitélio
estratificado pavimentoso queratinizado por epitélio colunar produtor de muco (seta)
(PAS) (Barra=100m).
A presença de fragmentos de parasitos adultos foi observada em 75,7%
(28/37) das amostras sendo 64,3% (18/28) das amostras consideradas como com
intensidade discreta, 28,6% (8/28) como moderada e 7,1% (2/28) intensa (Figura 6).
Em 100% das amostras com lesões macroscópicas foram verificados fragmentos de
ovos de parasitos. Nos animais sem lesões macroscópicas observou-se que 37,5%
(3/8) apresentavam fragmentos de parasitos adultos assim como fragmentos de
ovos. Em 62,5% (5/8) desses animais não se observaram presença de parasitos.
A análise estatística revelou que quando se comparou a presença de cáseo e
a presença de parasitos também houve associação moderada (P<0,05). Estes
57
dados indicam que a presença do cáseo poderia estar associada à presença de
parasitos. Entretanto, também se verificou que quando existe lesão não há diferença
significativa na presença de parasitos nos diferentes graus de obstrução, ou seja, a
presença de parasitos no tecido não influencia o grau de obstrução.
Estes dados confirmam que embora o cáseo possa estar associado à
presença de parasitos, este não seria o fator determinante, uma vez que não
influencia no grau de obstrução. Também é importante frisar que alguns animais
normais também apresentaram parasitos no tecido, mesmo sem nenhuma lesão
macroscópica. Isto aponta para o fato de que os animais podem ter os parasitos sem
ter lesão esofágica macroscópica ou mesmo nenhum sinal clínico de infecção.
Em relação aos fragmentos de ovos de parasitos observados nas amostras,
Johnson et al. (1998) encontraram ovos de trematódeos no fígado, cérebro, baço,
rim, miocárdio, pulmão, pâncreas, testículo e bexiga e associaram à reação
granulomatosa e afirmaram que o tamanho e distribuição dos ovos seria consistente
com Spirorchis sp. Entretanto, Cordeiro-Tapia et al. (2004) relataram que a presença
de ovos nos tecidos, principalmente na ausência de parasitos adultos, dificulta a sua
identificação devendo ser utilizadas técnicas moleculares para a classificação. Desta
forma, os ovos observados nos tecidos neste estudo só podem ser relatados como
fragmentos de ovos de parasitos não sendo possível estabelecer uma classificação
apenas pelo corte histológico.
Lesões de inflamação e ectasia em glândulas esofágicas foram descritas em
C. mydas apenas por Santoro et al. (2007) associadas à presença de parasitos
trematódeos. Wernerck et al., (2011) descreveu vários parasitos trematódeos no
trato gastrintestinal destes animais.
58
Figura 6. Fotomicrografia do esôfago com lesão de C. mydas proveniente do litoral
do Espírito Santo evidenciando em A) fragmento de parasito adulto no interior da
glândula esofágica (HE). B) corte sagital de parasito adulto no lúmen esofágico (HE).
Barra=100m.
INNIS et al. (2009) verificaram em Lepidochelys kempii cistos parasitários
brancos, amarelos ou castanhos de 2 mm a 4 mm de diâmetro nas serosas de vários
órgãos sendo que em 71% dos animais as lesões apareceram no trato
gastrintestinal.
As
lesões
histologicamente
corresponderam
a
granulomas
frequentemente parasitários envolvendo componentes da parede do esôfago,
estômago e intestino em intensidade discreta ou moderada. Em dois espécimes
houveram lesões severas no intestino que consistiram de abscessos e granulomas
heterofílicos contendo bactérias e, nestes mesmos animais, foram encontrados
helmintos.
Em relação à contagem de parasitos nos esôfagos revelou-se que 83,78%
(31/37) dos indivíduos com lesão e 62,5% (5/8) dos indivíduos normais possuíam
parasitos no esôfago. Verificou-se que 2,22% (1/45) dos animais apresentaram 1404
espécimes de parasitos no esôfago, 2,22% (1/45) com 771, 2,22% (1/45) com 377,
2,22% (1/45) com 76, 22,23% (10/45) variando de 28 a 61 parasitos, 48,89% (22/45)
com um a 20 exemplares e em 20,00% (9/45) não foram encontrados parasitos. Vale
ressaltar que apenas em três animais sem lesões de esôfago não se verificaram
parasitos.
A identificação dos parasitos revelou indivíduos de quatro famílias distintas:
Pronocephalidae, Microscaphididae, Cladorchiidae e Rhytidodidae. Os parasitos do
gênero Rameshwarotrema, da família Pronocephalidae foram os mais frequentes.
59
A análise estatística revelou que quando há lesão esofágica não existe
diferença no número de parasitos entre os diferentes graus de obstrução (P>0,05).
A infecção por trematódeos tem sido descrita em tartarugas associada a
várias doenças e suspeita de causa de morte nesses animais (GORDON et al.,
1998). A família Spirorchiidae tem sido amplamente estudada e Chen et al. (2012)
verificaram prevalência de 70% em C. mydas e nenhuma em C. caretta. Os
parasitos foram encontrados em 100% dos animais adultos, 80% dos subadultos e
65% dos animais juvenis. Foram identificados parasitos de três gêneros e quatro
espécies, a saber: Learedius learedi, Hapalotrema postorchis, H. mehrai e
Carettacola hawaiiensis. Os parasitos adultos foram mais observados no coração,
vasos de grande calibre, fígado e intestino. Observou-se ainda resposta inflamatória
ao parasitismo no pulmão, baço, fígado, trato gastrintestinal e rim.
Werneck et al. (2011) encontrou 30 espécies de trematódeos pertencentes a
oito famílias e larvas não identificadas de nematoides em C. mydas. O parasita mais
prevalente foi Learedius learedi com 27,8%, seguida por Cricocephalus albus com
24,0%, Metacetabulum invaginatum e Neoctangium travassosi, ambos com 22,5%, e
Neospirorchis schistosomatoides com 18,3%. A espécie mais abundante foi C. albus
com 23,06 ± 5,64, seguida de N. travasosi 22,86 ± 6,79 e M. invaginatum 14,67±
3,67.
Neste estudo foram identificadas quatro famílias de parasitos, não sendo
verificado nenhum espécime da família Spirorchiidae, considerada a família mais
comum em C. mydas. Também é importante considerar que neste estudo os
parasitos encontrados no esôfago não são visíveis macroscopicamente e foram
localizados bastante aderidos à mucosa ou na lamina própria do órgão, havendo a
necessidade de fricção do tecido para a observação dos mesmos, assim como, do
despredimento da mucosa.
Embora a quantidade de parasitos encontrada em alguns indivíduos tenha
sido elevada, alguns animais normais também revelaram parasitos. Quanto às
diferentes famílias identificadas ainda são poucos os estudos sobre o ciclo de vida e
forma de infecção necessitando de maiores estudos sobre a patogênese.
Diante do exposto nota-se que a resposta inflamatória surge após a agressão,
com o objetivo de eliminar o agente agressor, podendo variar em intensidade e
duração. Portanto, independentemente da causa, em répteis, ocorrerá a formação
de material caseoso porque é uma resposta normal frente a um estímulo.
60
13 CONCLUSÕES
Os dados obtidos permitem concluir que C. mydas sofrem de uma lesão
esofágica caracterizada pela formação de material caseoso aderido à mucosa que
pode ser puntiforme, focal ou focalmente extenso e que causa obstrução grave do
trato gastrintestinal. Esta lesão está associada à presença de inflamação ou à
infecção por bactérias ou à infecção por parasitos. Embora o parasitismo não
influencie no grau de obstrução e também ocorra nos animais sem lesões caseosas.
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63
15 CONCLUSÕES GERAIS
O esôfago de C. mydas é um órgão tubular muscular constituído de papilas
cônicas que variam de quantidade e tamanho, à medida em que se aproximam do
estômago, revestidas por epitélio estratificado pavimentoso queratinizado e ricas em
tecido mixoide. Há variação nas camadas mucosa, muscular externa e serosa e há
presença de glândulas produtoras de muco na mucosa da região da junção
gastroesofágica. As características histomorfológicas do esôfago de C. mydas são
importantes para exercer as funções mecânica e de proteção da mucosa deste
órgão.
Chelonia mydas sofrem de uma lesão esofágica caracterizada pela formação
de material caseoso aderido à mucosa que pode ser puntiforme, focal ou focalmente
extenso e que causa obstrução grave do trato gastrintestinal. Esta lesão está
associada à presença de inflamação ou à infecção por bactérias ou à infecção por
parasitos. Embora o parasitismo não influencie no grau de obstrução e também
ocorra nos animais sem lesões caseosas.
64
16 REFERENCIAS GERAIS
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