CANELA OBJETIVOS Nesta aula sobre a canela, os objetivos são: apresentar a classe dos produtos naturais aromáticos; estudar a estrutura dos hidrocarbonetos aromáticos e dos fenóis; correlacionar a estrutura química destas classes com suas propriedades físico-químicas; estudar a nomenclatura destas classes; propor atividades interdisciplinares envolvendo os assuntos abordados. CANELA, CRAVO E BAUNILHA A fênix é uma ave mitológica, que simboliza a transformação e o renascimento, e os primeiros cristãos a utilizaram como um símbolo da ressurreição de Jesus. A origem deste mito remonta à Grécia Antiga e ao Egito: acreditava-se que essa ave de penas vermelhas e douradas tinha um canto muito belo, que porém se tornava tão triste quando sua vida estava próxima ao fim que os outros animais morriam só de ouvi-lo. Quando chegava o momento de sua morte, ela mesma montava uma pira com canela, sálvia e mirra, deitava-se nela e se consumia em fogo. Eis que, então, das cinzas, surgia nova fênix, que levava os restos mortais de sua antecessora para a cidade egípcia de Heliópolis, depositando-os no Altar do Sol. O termo especiaria designa uma série de produtos de origem vegetal que possuem como característica comum a capacidade de conferir sabores e odores agradáveis aos alimentos; no passado, ajudavam a mascarar seu estado de decomposição. Além disso, possuem emprego na preparação de ungüentos e outros produtos farmacêuticos, devido às suas propriedades farmacológicas. A importância histórica do comércio das especiarias é imensa, pois foi a partir do bloqueio das rotas terrestres de comércio entre a Europa e o Oriente, depois da tomada de Constantinopla pelos turcos, em 1453, que portugueses e espanhóis lançaram-se ao mar para encontrar novas rotas, o que possibilitou a colonização da África Subsaariana, a descoberta e colonização das Américas e a expansão do Império Português pela Ásia, levando consigo o cristianismo até o Japão. Posteriormente, ingleses, franceses e holandeses lançaram-se nesse comércio, fortalecendo seus impérios e disseminando suas culturas por diversas partes do mundo. Muitas são as espécies vegetais que compõem o grupo das especiarias. Entre as principais estão as pimentas, a canela, o cravo, a noz moscada, o gengibre e o cominho, todas oriundas do continente asiático. O continente americano, entretanto, também forneceu ao mundo algumas novas especiarias, dentre as quais se destaca a baunilha, muito utilizada na confecção de doces, bolos e biscoitos e para flavorizar chocolates. A canela (Cinnamomum zeylanicum) é uma laurácea originária do Sri Lanka (daí o nome canela do Ceilão, antigo nome desse país); é a parte interna da casca do seu tronco que é empregada como especiaria, sendo rica em um óleo essencial composto principalmente de cinamaldeído. Empregada desde a Antiguidade, seu uso está relatado na Bíblia (Êxodo 30, 23); seu nome se origina do grego kinnamon, que é, provavelmente, uma corruptela do nome local da planta, kayu manis, ou seja, madeira doce. Foi a especiaria mais utilizada na Europa, chegando a valer 10 gramas de ouro por quilograma, e seu comércio foi dominado pelos portugueses até o século XVII, quando os holandeses tomaram os entrepostos comerciais lusos na Ásia. Posteriormente foi aclimatada em outras regiões do mundo, como na Indonésia e no Brasil, neste último como uma tentativa portuguesa de rivalizar com o monopólio holandês. Há ainda outra planta que fornece uma especiaria semelhante à canela: a cássia (Cinnamomum cassia) ou canela da China, que é de valor comercial inferior à canela do Ceilão. É muito empregada na culinária para a preparação de chás e doces, mas também confere sabor incomparável às carnes. Canela da China em pau Canela do Ceilão Outra especiaria asiática muito apreciada é o cravo da Índia (Syzygium aromaticum), uma mirtácea originária da atual Indonésia e depois aclimatada em Madagascar, no Brasil (sul da Bahia) e no Caribe. Os botões secos de suas flores são empregados na culinária (doces, salgados e bebidas) e na confecção de um tipo de cigarro muito comum na Indonésia. Seu óleo essencial, rico em eugenol, é empregado em Odontologia devido às suas propriedades anti-sépticas. A colheita do cravo é feita quando o botão está maduro, porém sem que ainda tenha se aberto, e pode ser feita manualmente (processo mais caro) ou pela aspersão de etileno, que induz o amadurecimento e a queda dos botões, que são recolhidos em lonas colocadas no chão. Uma vez que seu cultivo no Brasil é feito no sul da Bahia, está associado à cultura cacaueira, e o ápice cultural desta associação está no famoso romance de Jorge Amado, Gabriela Cravo e Canela, em que política, culinária e romance se misturam magistralmente. http://www.flickr.com/photos/bibi/336869613/ Cravo da Índia Syzygium Beijinho de coco aromaticum A baunilha (Vanilla fragrans), única orquidácea de emprego alimentício, era usada pelos astecas para a aromatização do chocolate, preparado por eles como bebida. Essa planta produz vagens (em espanhol vaina, de onde se originou vainilla e, depois, em português, baunilha) alongadas, cheias de pequenas sementes, ricas em um aldeído fenólico chamado vanilina, empregadas no preparo de pratos deliciosos e sofisticados. Devido ao alto preço das vagens de baunilha, popularmente se emprega a chamada essência de baunilha, que é um macerado alcoólico dessas vagens. Também é utilizada a vanilina sintética para conferir aroma de baunilha a bolos e outros produtos de panificação. O sabor doce e inebriante da baunilha também foi empregado por José de Alencar para descrever o hálito de Iracema (cujo nome é um anagrama de América), índia virgem que se apaixona pelo português colonizador Martim, de quem gera Moacir antes de morrer de tristeza pela ausência do seu amado, em uma história que é uma metáfora da descoberta e colonização do Brasil e à miscigenação racial e cultural dos indígenas com os portugueses, com a conseqüente perda da mítica inocência associada aos povos ameríndios. http://www.flickr.com/photos/carobe/214564172/ http://www.flickr.com/photos/484033619_f58d2d1931 Baunilha Fava de baunilha CINAMALDEÍDO, EUGENOL E VANILINA Os principais componentes dos óleos essenciais de canela, cravo e baunilha são compostos aromáticos: o cinamaldeído, o eugenol e a vanilina, respectivamente. O cinamaldeído é um líquido amarelo, que compõe cerca de 90% do óleo essencial de canela; foi produzido pela primeira vez em 1884, por Eugéne Péligot e Jean-Baptiste Dumas, famoso químico francês a quem se deve também a descoberta das aminas e do antraceno, além de ter sido um dos mentores de Pasteur. Na natureza encontra-se somente seu isômero E (para definir a estereoquímica absoluta de ligações duplas não devemos empregar o termo trans), embora seja possível obter o isômero Z por síntese. CHO Cinamaldeído O cinamaldeído apresenta atividade fungicida e inseticida, podendo ser utilizado também em produtos para educação sanitária de cães e gatos. Em contato com a pele, pode provocar irritações. O eugenol, presente no cravo da Índia, é um fenol, ou seja, apresenta um grupo hidroxila ligado diretamente a um anel aromático. Ele pode constituir cerca de 80% do óleo de cravo, sendo este empregado como analgésico, anti-séptico, no tratamento de distúrbios do aparelho digestivo (náuseas, flatulência) e até mesmo como afrodisíaco. OMe OH Eugenol Fenóis possuem propriedades antioxidantes devido à sua capacidade de doar um hidrogênio para radicais livres mais reativos, formando um radical estabilizado por ressonância, menos reativo. Por esse motivo, derivados fenólicos são empregados na indústria cosmética para combater os efeitos de envelhecimento celular causados por radicais livres, como nos cremes anti-rugas. Outro fenol de alto poder antioxidante é a vitamina E ou tocoferol. Ela possui papel fundamental na prevenção da peroxidação dos lipídeos presentes na membrana celular, atuando em conjunto com a vitamina C ou ácido ascórbico, um agente antioxidante de natureza enólica. Observando suas estruturas, você pode verificar que, enquanto o tocoferol é uma vitamina lipossolúvel, o ácido ascórbico possui alta hidrofilicidade, agindo primordialmente no citoplasma celular e sendo responsável também pela regeneração da vitamina E oxidada. HO O OH HO OH O O OH α-Tocoferol (Vitamina E) Ácido ascórbico (Vitamina C) O eugenol também se encontra presente na Aniba canelilla, planta que deu origem ao mito do País da Canela, que se situaria a leste da Cordilheira dos Andes e que levou os irmãos Pizarro e Francisco Orellana a uma expedição que teve como conseqüência a primeira navegação do Rio Amazonas por um homem branco (Orellana). A vanilina, por sua vez, é um aldeído fenólico. Esse sólido branco cristalino foi isolado primeiramente por Nicolas-Theodore Gobley em 1858 pela recristalização do sólido obtido pela evaporação do etanol do extrato de baunilha. Alguns anos mais tarde, em 1874, Tiemman e Haarmann sintetizaram a vanilina a partir de um derivado natural do eugenol, a coniferina, enquanto a síntese a partir do guaiacol foi desenvolvida em 1876 por Reimer. A vanilina sintética comercializada atualmente se origina do guaiacol originário da indústria petroquímica ou de ligninas residuais da indústria de papel. CHO OMe OH Vanilina Diversos produtos naturais apresentam o núcleo estrutural da vanilina e possuem atividade farmacológica mediada por um nociceptor (receptor de dor) específico, denominado receptor vanilóide (VR1). Entre essas substâncias temos a capsaicina, obtida da pimenta malagueta; o ligante endógeno desse receptor é a anandamida, que não possui o núcleo vanilóide em sua estrutura! Novos ligantes desse receptor poderão se tornar fármacos úteis no tratamento da dor, vindo a substituir os atuais analgésicos, como o ácido acetilsalicílico, popularmente conhecido como Aspirina®, que são inibidores da biossíntese de prostaglandinas. CO2H O O Ácido acetilsalicílico AROMATICIDADE O que o cinamaldeído, o eugenol e a vanilina possuem em comum em suas estruturas? Eles apresentam um anel aromático, ou seja, um anel de seis átomos de carbono contendo três ligações duplas. Mas o que caracteriza um anel aromático? Antes de mais nada, para ser aromático, um composto não precisa ter odor algum; na verdade, alguns compostos aromáticos possuem odor muito desagradável! Esse termo foi empregado primeiramente por Hoffmann em 1855 para designar compostos contendo o anel fenila. Mas o que caracteriza esses compostos é uma estabilidade química superior àquela esperada quando comparada à dos compostos não aromáticos. Por exemplo, quando se mede o calor de hidrogenação do cicloexeno, encontrase o valor de 120 kJ/mol; o valor esperado para o benzeno seria de 360 kJ/mol. Entretanto, o calor de hidrogenação medido para a conversão de benzeno em cicloexano é de 208 kJ/mol, ou seja, 152 kJ/mol a menos que o esperado, e ainda menor que o calor de hidrogenação do cicloexadieno, que é de 231 kJ/mol. Assim, verifica-se menor liberação de calor na conversão de benzeno em cicloexano do que o esperado, considerando as ligações duplas do benzeno como isoladas. Isso pressupõe interação entre essas ligações, provendo o composto de uma estabilidade adicional que, para ser rompida pela hidrogenação ao cicloexano, leva ao consumo de parte da energia que teoricamente seria liberada. A diferença entre o calor de hidrogenação teórico e o experimental do benzeno (152 kJ/mol) é definida como a energia de ressonância do benzeno. H2 ∆Ho = - 120 kJ/mol H2 ∆Ho = - 231 kJ/mol H2 ∆Ho = - 208 kJ/mol Outra propriedade interessante do benzeno e dos demais compostos aromáticos é sua reatividade diferenciada em comparação com os alcenos: enquanto estes últimos reagem com bromo (Br2) para gerar produtos de adição, os compostos aromáticos fornecem produtos de substituição, sem que ocorra diminuição do número de ligações π no produto formado. Br Br2 Br Br2 Br Observe, ainda, que todas as ligações do benzeno possuem o mesmo tamanho (1,39 Å), intermediário entre o tamanho de uma ligação C-C (1.47 Å) e uma ligação C=C (1.33 Å). Por isso, a estrutura do benzeno mostrou- se um desafio para os químicos ao longo de anos. Kekulé foi o primeiro a propor uma estrutura compatível com a reatividade do benzeno, sugerindo uma estrutura cíclica de seis carbonos com ligações duplas alternadas. Entretanto, podem ser desenhadas duas estruturas de Kekulé para o benzeno: O composto real é, na verdade, um híbrido dessas duas formas hipotéticas, que contribuem igualmente para explicar suas propriedades químicas: Essa estabilidade adicional do benzeno se deve, então, à delocalização de suas ligações duplas, formando um sistema conjugado. Essa característica é comum a todos os compostos aromáticos, que, para serem classificados como tal, devem: a. possuir um sistema cíclico e fechado (completamente conjugado) de elétrons π; b. ser planar (para garantir a conjugação entre as ligações π); c. obedecer à regra de Hückel, que diz que o número de elétrons no sistema conjugado deve ser igual a 4n + 2, sendo n um número inteiro. Veja exemplos: 4n+2=6 4n = 4 n=1 4 n + 2 = 10 4n = 8 n=2 Agora observe estes outros compostos: 4n+2=4 4n = 2 n = 1/2 4n+2=8 4n = 6 n = 3/2 Esses compostos, que não obedecem à regra de Hückel, são denominados antiaromáticos. Eles possuem alta reatividade e, em muitos casos, não existem em forma planar, como ocorre com o ciclooctatetraeno: Íons também podem ser aromáticos ou antiaromáticos: + - 4n+2=2 4n = 0 n=o Aromático 4n+2=4 4n = 2 n = 1/2 Antiaromático Isso explica a acidez incomum de certos hidrocarbonetos: H H - H pKa = 16 4n+2=6 4n = 4 n=1 Aromático Neste último exemplo, você pode perceber que o ciclopentadieno possui acidez semelhante ao etanol, que forma como base conjugada o etóxido, base estabilizada pela eletronegatividade do átomo que fica com a carga negativa (oxigênio). A acidez incomum do ciclopentadieno pode ser explicada pela estabilidade da sua base conjugada, o ânion ciclopentadienila, que é aromático. Compostos heterocíclicos também podem ser aromáticos, contando ou não com a participação de pares eletrônicos livres dos heteroátomos: +O :O - +O - +O +O - Furano 4 e- π + 2 e- n N Piridina 6 e- π NOMENCLATURA DE FENÓIS A nomenclatura de fenóis é simples: basta colocar o nome dos grupamentos ligados ao anel aromático com suas respectivas posições e acrescentar o termo fenol: OH OH OH F Cl 2-Etilfenol 4-Clorofenol NO2 3-Fluoro-4-nitrofenol No caso de haver grupos de maior prioridade ligados ao anel (ácidos carboxílicos e derivados, aldeídos e cetonas), o grupamento fenol será indicado pelo prefixo hidroxi, acrescido de sua posição relativa ao grupo de maior prioridade: O O OH O OH 2-Hidroxibenzoato de metila (Salicilato de metila) 3-Hidroxiacetofenona O salicilato de metila é muito utilizado na preparação de antiinflamatórios de uso local. Tem odor muito característico e é inibidor da biossíntese de prostaglandinas, substâncias que sensibilizam os receptores da dor, fazendo com que estímulos que antes não eram reconhecidos como dolorosos passem a ser percebidos dessa forma no tecido inflamado. Diversos fenóis possuem nomes vulgares amplamente usados: OH OH OH OH OH OH o-Cresol Catecol Resorcinol OH Hidroquinona No caso de fenóis contendo mais de um grupamento hiodroxila, a nomenclatura oficial deve ser dada a partir do nome do hidrocarboneto correspondente, acrescido do sufixo –ol, com a indicação das posições e do número de hidroxilas antecedendo este sufixo. Se houver um outro substituinte de maior prioridade, o fenol deve ser representado pelo prefixo hidroxi. OH OH OH OH SO3H Benzeno-1,3-diol Ácido 2,4-dihidroxibenzenossulfônico Cresóis são fenóis derivados do tolueno muito utilizados como desinfetantes em soluções chamadas creolinas. São corrosivos e tóxicos se inalados, podendo levar até mesmo à morte. Podem ser encontrados na natureza em madeiras e no alcatrão de hulha, entre outras fontes. A hidroquinona é um fenol muito utilizado em cosméticos, devido à sua capacidade de reduzir o grau de pigmentação da pele. PROPRIEDADES FÍSICO-QUÍMICAS DOS FENÓIS Fenóis apresentam propriedades físico-químicas como ponto de fusão, ponto de ebulição e solubilidade fortemente influenciadas pela presença do grupamento hidroxila, capaz de formar ligações hidrogênio. Assim, como esperado, fenóis possuem ponto de fusão e de ebulição, bem como solubilidade em água, maior que os hidrocarbonetos aromáticos correspondentes: Nome Estrutura Ponto de Ponto de Solubilidade Fusão (oC) Ebulição em água (oC) OH Fenol Benzeno 40-42 182 8,3 5,5 80 0,017 OH 32-34 191 2,5 -93 111 0,053 95-96 278-280 0,087 β-Naftol 122-123 285-286 0,074 Naftaleno 80-82 218 0,003 o-Cresol Tolueno OH α-Naftol OH Entretanto, a formação de ligações hidrogênio intramoleculares reduz os valores dessas propriedades físico-químicas, por reduzir as interações intermoleculares: Estrutura OH OH F F Nome 4-Fluorofenol 2-Fluorofenol Ponto de 46-48 16 185 150-152 6 1,32 fusão (oC) Ponto de ebulição (oC) Solubilidade em água A propriedade mais marcante dos fenóis, no entanto, é sua acidez: OH Estrutura OH OH OH OH Cl NO2 p- p- Clorofenol Nitrofenol 9,38 7,15 O Nome Fenol p- p-Cresol Metoxifenol pKa 9,89 10,21 10,17 Fenóis são ácidos porque suas bases conjugadas são estabilizadas por ressonância: OH O O O O - B- - BH - Assim, grupamentos que retirem elétrons do anel aromático por meio de efeitos eletrônicos aumentam a acidez dos fenóis, enquanto grupos doadores de elétrons reduzem-na: OH O O - B+ N -O O O O O - BH + N -O O -O N + O -O N + O -O N + O -O Uma forma de ressonância adicional = maior estabilidade da base conjugada = maior acidez do fenol N O O O O OH O - B- - BH O O O O Nesta forma de ressonância, a carga negativa se localiza no carbono vizinho ao grupo doador de elétrons = aumento da densidade eletrônica do carbono = menor estabilidade da base conjugada = menor acidez do fenol Entretanto, fenóis são ácidos mais fracos que ácidos carboxílicos: OH Estrutura CO2H Nome Fenol Ácido benzóico pKa 9,89 4,19 Se a base conjugada de um fenol (fenolato) possui maior número de formas de ressonância que um carboxilato (base conjugada de um ácido carboxílico), por que isso ocorre? Porque as formas de ressonância de um carboxilato são equivalentes, e em ambas a carga se delocaliza entre átomos de oxigênio, mais eletronegativos que o carbono, estabilizando melhor essa carga que as formas de ressonância do fenolato, em que a carga se distribui entre um átomo de oxigênio e três átomos de carbono: O OH O BBH O -O O OH O O O O - B- - BH - A acidez dos fenóis lhes proporciona efeito corrosivo para a pele, o que permite o uso de alguns deles em tratamentos cosméticos denominados peeling, em que ocorre a remoção das camadas superficiais da pele. COMPOSTOS FENÓLICOS NA NATUREZA Existe um grande número de compostos fenólicos na natureza. Por exemplo, quando vemos flores, frutos e folhas com tons azuis, vermelhos e roxos, estamos observando as colorações que lhes são conferidas pelas antocianinas. Esses compostos pertencem à classe dos flavonóides, produtos naturais fenólicos de grande importância médica e nutricional, encontrados em frutas, verduras, legumes e até mesmo no chocolate. Aliás, você já se perguntou por que as flores e frutos possuem essas cores tão vibrantes? Essas colorações são uma adaptação evolutiva das plantas, visando a atração de insetos e aves para a polinização das flores e para o espalhamento das sementes, como acontece com o murici, possibilitando a perpetuação dessas espécies vegetais. OH HO O OH OH OH O Quercetina Um flavonóide Enquanto grande parte dos flavonóides possui coloração amarela, as antocianinas possuem colorações muito intensas. Isso se deve as fato de serem compostos altamente conjugados, o cátion flavílio é o núcleo estrutural comum a todas as antocianinas. Na natureza, as antocianinas encontram-se normalmente ligadas a açúcares e possuem diversas hidroxilas fenólicas, o que permite diferentes graus de ionização em função do pH do meio (por isso, uma mesma planta pode apresentar flores de colorações diferentes em função do pH do solo onde está plantada). De forma geral, as antocianinas apresentam coloração vermelha em pH ácido e azul em pH básico, daí o nome antocianinas para essa classe de flavonóides (do grego anthos (flor) e kyanos (azul)). Como todos os flavonóides, as antocianinas também possuem atividade antioxidante, auxiliando na prevenção natural de doenças degenerativas como o câncer, a arteriosclerose e a diabetes. Outro fenol natural é o tetraidrocanabinol, também conhecido por ∆9THC. Este fenol é o principal representante da classe dos canabinóides, compostos responsáveis pelos efeitos farmacológicos da maconha (Cannabis sativa), a droga de abuso mais consumida em todo o mundo. OH O ∆9-THC Cannabis sativa http://www.flickr.com/photos/oneras/214006865/ O ∆9-THC promove seus efeitos por ligação a uma proteína chamada receptor CB1. Em certos neurônios, quando o impulso nervoso chega ao botão sináptico, ocorre a liberação do neurotransmissor glutamato, que se liga a seu receptor no neurônio pós-sináptico, promovendo o influxo de íons cálcio. O neurônio pós-sináptico, em resposta, libera, nessa mesma fenda sináptica, os canabinóides endógenos, entre eles a anandamida e o 2araquidonoilglicerídeo; estes se difundem na fenda sináptica até o neurônio pré-sináptico, ligando-se ao receptor CB1 e, com isso, modulam a atividade de liberação de neurotransmissores por esse neurônio. O N OH O OH O OH H Anandamida 2-Araquidonoilglicerídeo Atualmente existem diversas pesquisas visando o uso terapêutico de ∆9-THC e análogos para o tratamento de glaucoma, obesidade e esclerose múltipla, entre outras patologias. Também é mantida a discussão acerca da descriminalização do uso da maconha e até mesmo sobre sua possível legalização; há muitos argumentos e pontos de vista a favor e contra essa legalização e/ou descriminalização. Aqui está uma boa oportunidade de promover um debate de grande importância para nossos jovens alunos durante uma aula de Química, que os ajudaria também a perceber como a disciplina está presente no cotidiano da sociedade!