1 CAMINHOS DA AUTONOMIA DA ESCOLA NAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS DE PERNAMBUCO Luís Carlos Marques Sousa I – CONTEXTUALIZAÇÃO DO TRABALHO Na atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – a Lei 9.394/96 – a autonomia da escola é apresentada como uma diretriz de política educacional a ser implementada por toda a extensão da rede escolar pública do nosso país, notadamente no nível da educação básica. Com efeito, este diploma legal estabelece que “os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram, progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público”. (LDB, art. 15). Diante desta determinação, o Estado de Pernambuco também foi instado a incorporar o princípio da autonomia escolar nas políticas educacionais formuladas a partir de então. Resultante de várias investigações que temos realizado no âmbito dos nossos estudos de pós-graduação (SOUSA, 2002 e SOUSA, 2006), bem como de outros nos quais continuamos a acompanhar as políticas educacionais implementadas no sistema educacional de Pernambuco (SOUSA, 2004; SOUSA 2005 e SOUSA, 2007), o presente trabalho tem como foco os caminhos que o princípio da autonomia da escola vem trilhando nestas mesmas políticas, nestes últimos treze anos1. Fundamentalmente, do ponto de vista metodológico, tais estudos têm enveredado pela abordagem qualitativa e, do ponto de vista dos procedimentos técnicos, caracterizam-se em pesquisa documental. Neste sentido, foram estudos feitos a partir de dados coletados nos documentos de políticas educacionais desta unidade federativa, destacando-se os seguintes: o Plano Estadual de Educação/1996-1998 (GOVERNO..., 1996), os Cadernos de Gestão (SECRETARIA..., 1997a, SECRETARIA...1997b e SECRETARIA...1998), o Plano Plurianual 2000-2003 (GOVERNO..., 2003, o Plano Estadual de Educação/2000-2009 1 Aliado ao aspecto temporal, as gestões de governo de Pernambuco também serviram de parâmetro político para o enquadramento dos nossos trabalhos sobre a autonomia da escola nesta mesma unidade federativa. 2 (SECRETARIA..., 2001), o Projeto Escola Democrática (2002), e o Programa de Modernização da Gestão Pública (2007). II - AUTONOMIA DA ESCOLA EM DIFERENTES PROJETOS SOCIOPOLÍTICOS E EDUCACIONAIS Dentre as diversas lutas que têm sido empreendidas pelos educadores e setores sociais progressistas destaca-se a defesa da autonomia da escola para que essa instituição possa cumprir seus objetivos educacionais. Já no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, publicado em 1932, podemos encontrar, por extensão, a defesa de que a escola pública seja dotada de “uma ampla autonomia técnica, administrativa e econômica” (MANIFESTO..., 1994, p. 61.) Acompanhando as vicissitudes históricas que marcaram a trajetória da sociedade brasileira (do Estado Novo aos nossos dias), a autonomia escolar tem ocupado diferentes espaços no debate sobre a educação nacional. No atual cenário educacional brasileiro, este princípio pode ser visto em dois diferentes olhares e concepções: i) de um lado, sendo vista como condição fundamental para a gestão democrática da escola. Iniciando nos Pioneiros da Educação Nova, esta é a concepção defendida pelos educadores e suas entidades representativas e, ainda, por setores/segmentos sociais que compreendem que a luta pela democratização da sociedade brasileira também passa pela defesa da educação e da escola pública, gratuita e democrática. ii) de outro lado, apresentada como uma estratégia a partir da qual a escola é induzida a buscar os meios necessários para a sua manutenção e, ainda, é responsabilizada para atingir os índices de eficiência estabelecidos pelo poder público. Escudada sob o pretexto de descentralização, esta é a proposta constante nas políticas educacionais de corte neoliberal. Tais diferentes perspectivas não existem isoladamente. Ao contrário, elas integram um espectro mais amplo de proposições. São partes constitutivas de antagônicos projetos sociopolíticos assentados em postulados teóricos que lhes dão sustentação e, ainda, possuem específicas intencionalidades a serem perseguidas. São os projetos sociopolítico emancipatório e sociopolítico neoliberal. Por si, estas distintas perspectivas anunciam a existência de uma problemática envolvendo tanto as concepções quanto as materializações da autonomia escolar nas políticas educacionais e no cotidiano das unidades de ensino que 3 compõem o sistema público de ensino do nosso País e, neste, a particularidade do sistema educacional de Pernambuco. É possível pensar, sonhar em autonomia da escola e, mais precisamente, da escola pública? Sem sombra de dúvidas, indagar sobre tal possibilidade é o caminho inicial a ser feito sobre a autonomia da escola. A tal indagação Silva (1996 ) responde de modo afirmativo lembrando que a escola é, antes de tudo, um espaço humano. Ao dizer que a escola é um espaço humano, este autor também afirma: Entre os diversos atributos que se pode predicar à escola, um certamente, é aceito por todos os que a conhecem: a escola é um lugar de esperança, de desejo. Dizer que a escola é um lugar de esperança significa considerá-la como um lugar essencialmente humano, uma vez que a esperança é qualidade só possível aos homens (SILVA, 1996, p. 52). Olhando por outro ângulo, a busca da autonomia para a escola, bem como os consequentes debates sobre tal tema, não podem ser vistos e tratados como sendo um modismo, uma vez que, como alerta Gadotti (2000, p. 35), juntamente com a gestão democrática da escola, a autonomia escolar faz parte da própria natureza do ato pedagógico. Por sua vez, Barroso (2000, p. 18) recorda: A autonomia das escolas não constitui, portanto, um fim em si mesmo, mas um meio de a escola realizar, em melhores condições, as suas finalidades, que são, como se sabe, mas convém lembrar, a formação das crianças e dos jovens que freqüentam as nossas escolas. Entre os autores é consensual de que a autonomia da escola contempla três grandes vertentes ou dimensões: administrativa, financeira e pedagógica. Entretanto, vale ressaltar, são três aspectos constitutivos de uma mesma realidade e, ainda, eles devem ser vistos e trabalhados de forma integrada. A respeito das razões pelas quais o princípio da autonomia da escola deve ser buscado e defendido há, entre os educadores e os pesquisadores, uma compreensão que consideramos como sendo o elemento que, de modo mais efetivo, confere um caráter progressista à autonomia escolar, ou seja: ele é um suporte necessário para que possa ocorrer uma efetiva democratização da gestão da educação e da escola. Como afirma Cury (1993, p. 66), “sem autonomia fica difícil imaginar por onde se pode implementar uma gestão democrática”. Para Lima (2001, p. 75), “uma escola (mais) democrática é, por definição, uma escola (mais) autônoma, em graus e extensão variáveis e sempre em processo”. Sendo um projeto a acontecer mediante processos participativos, a conquista da autonomia por parte da escola é vista como algo que poderá resultar em um novo tipo de relacionamento entre o sistema educacional e a escola, o que equivaleria a uma revolução 4 coperniciana no cenário educacional (CABRAL NETO, 1997, p. 194), dado que iria exigir “a transformação das estruturas dos sistemas no sentido de alterar um relacionamento políticoadministrativo que trata a escola como periferia do sistema, sem poder de decisão”. (MENDONÇA, 2001, p. 15). Desta forma, espera-se que ocorra uma mudança de postura da administração pública central e intermediária de ensino, que deixe de tutelar as escolas, baixando continuamente normas sobre métodos de trabalho a serem seguidos, para assumir uma atitude de liderança, de estímulo às inovações e de apoio aos estudos e projetos de pesquisa realizados para a renovação educacional (BARBOSA, 1999, p. 224). Para (SOUSA 2006), a autonomia escolar se configura como A possibilidade de a escola, enquanto unidade de um sistema sócio-político com o qual mantém relação de dependência, movendo-se nas dimensões administrativa, pedagógica e financeira, elaborar e implementar um projeto político-pedagógico em vista da consecução dos seus objetivos e finalidades educacionais. Nessa conceituação está subjacente o entendimento de que a concretização da autonomia da escola não é algo automático e sua materialização é possível em determinado contexto socioeconômico, histórico, cultural e político desde que não se constitua num processo apenas outorgado, mas sim, também envolva um movimento de busca por parte dos atores sociais que integram a comunidade escolar. Convém ressaltar que a luta pela autonomia escolar constitui-se, também, numa estratégia que contribui para uma luta mais ampla, ou seja, o empenho por uma escola pública democrática e de qualidade social. Em contraponto, no contexto das políticas educacionais neoliberais que vêm sendo implementadas no cenário educacional brasileiro, a autonomia da escola é algo estrategicamente acolhida sob o pretexto de propiciar mais eficiência e eficácia ao sistema de ensino, tornando-se, então, uma concessão do poder político. Esta modalidade de autonomia se configura como uma outorga bastante restritiva uma que Delimita seu sentido à autonomia financeira – para cobrança de taxas, mensalidade e constituição de parcerias – e administrativas – para imprimir agilidade e flexibilidade às tarefas cotidianas (...). Trata-se, portanto, de uma autonomia limitada, uma vez que diz menos respeito à liberdade das instituições e mais à responsabilidade sobre o que fizeram e o que deixaram de fazer (SHIROMA et alii, 2000, p. 119). Na perspectiva neoliberal, a autonomia escolar é apresentada como uma dinâmica à qual todos os atores sociais da escola são chamados a participar. Entretanto, é um estilo de participação utilizado pelo poder público para diminuir seu papel de promotor e financiador da escola pública e, de certa forma, fazer a sociedade assumir tal ônus. É, ainda, uma 5 pseudoparticipação, já que o poder de decisão sobre a vida escolar fica situado em instâncias externas à escola. Com este direcionamento da participação, a autonomia da escola também fica bastante comprometida na medida em que a comunidade escolar é desvirtuada de um importante e fundamental processo de construção da autonomia: a elaboração e implementação do Projeto Político-Pedagógico para, em lugar deste, concentrar suas energias na confecção do Projeto de Desenvolvimento da Escola, o PDE o qual se caracteriza por ser “um plano de metas, calcado no pragmatismo de resultados estatísticos e na paranóia da otimização, da eficiência a qualquer custo”. (MELO 2000, p. 247). Mesmo que o registro feito pela LDBEN 9394/96 sobre a autonomia da escola não deixe de representar certo avanço (por fazer parte da agenda de um importante documento direcionador das políticas educacionais em nosso País), seja observado que as disposições deste referencial legislativo a respeito desta matéria (artigos 12, 14 e 15) estão bastante sintonizadas com o contexto das políticas neoliberais dado o caráter restritivo que elas apresentam acerca deste princípio educativo. De acordo com a análise de Gonçalves (1995), a proposta de autonomia restrita à dimensão da eficiência consubstancia a idéia neoliberal de Estado, ou seja, o Estado mínimo através do qual se dá a relativização da forma pública de educação. Em relação à dimensão pedagógica da autonomia, esta tem sido permitida, desde que seja condicionada aos critérios de produtividade definidos pelos órgãos centrais do sistema educacional2. Entretanto, esta não pode ser considerada como expressão da autonomia necessária para que a escola seja democrática. Como podemos perceber, a autonomia da escola, na perspectiva neoliberal, em muito se distancia da compreensão de que a escola necessita de uma real autonomia a partir da qual seja possível a sua condução democrática e, por conseguinte, a consecução dos seus objetivos e finalidades educacionais. Vale ressaltar que a caracterização neoliberal da autonomia da escola em muito difere das concepções e das práticas defendidas e ensaiadas pelos educadores e pelos setores sociais progressistas, uma vez que se configura como em uma ressignificação da autonomia da escola, que respalda o Estado (na perspectiva neoliberal) no processo de escamotear sua 2 Analisando a implementação da autonomia nas escolas públicas do município de Maringá (Paraná), Gonçalves (1995) identificou que, ao contrário de contribuir para a democratização da gestão da escola, a experiência ali realizada, ao mesmo tempo em que induziu a uma velada privatização do ensino, também foi portadora de um significado autoritário na medida em que estava sendo retomada a lógica empresarial no trato das questões de organização escolar, em detrimento da própria natureza do processo pedagógico. 6 desresponsabilização para com a educação pública. Em tal autonomia ocorre a descentralização de tarefas e atribuições, mas não o poder, e, ainda, à comunidade escolar é delegada a tarefa da resolução dos problemas que afetam a escola pública, os quais vão desde as instalações físicas deficientes dos prédios escolares, passam pelas precárias condições de trabalho dos educadores e se estendem pelos altos índices de baixo rendimento e evasão escolar. Enfim, é uma autonomia que não convém à democratização da educação e da escola por favorecer a perda do caráter público da educação e da escola que devem ser mantidas pelo poder público. III – CAMINHOS DA AUTONOMIA EDUCACIONAIS DE PERNAMBUCO DA ESCOLA NAS POLÍTICAS Tomando-se por base os Planos Estaduais de Educação de Pernambuco, até antes à promulgação da atual LDBEN, os documentos de política educacional desta unidade federativa fazem uma menção muito vaga sobre o princípio da autonomia da escola. É o caso, por exemplo, do Plano Estadual de Educação de 1996-1999 (PEE/1996 –1999) que se limita a afirmar que a escola é uma “instituição que, não obstante gozar de autonomia relativa, articula-se a uma estrutura governamental mais ampla”. (GOVERNO..., 1996, p. 26). Neste documento, o Projeto Político-Pedagógico aparece como uma das ações voltadas para a melhoria da gestão escolar e o governo de então (governo Miguel Arraes, 1996/99) se comprometeu em incentivar “para que cada escola formulasse, com o conjunto da comunidade escolar, o seu projeto pedagógico e o vivenciasse, tomando como referência a política estadual de educação”. (idem, p. 36). Apesar desta inclusão do Projeto PolíticoPedagógico no PEE/1996-1999 e do compromisso do governo estadual de incentivar a sua elaboração na rede escolar pública estadual, em nenhum momento tal documento estabeleceu uma conexão explícita entre o Projeto Político-Pedagógico e a autonomia escolar. Considerando-se que (i) a autonomia da escola, desde a década de 1930, já vinha fazendo parte das bandeiras de luta dos educadores e pesquisadores progressistas, (ii) a gestão de governo de Miguel Arraes se autoproclamava como progressista (iii) e a Secretaria de Educação de Pernambuco estava sob a liderança de uma educadora e intelectual conhecida por seus posicionamentos progressistas (a professora Silke Weber), é possível afirmarmos que houve um atraso na incorporação do princípio da autonomia da escola nos documentos de 7 políticas educacionais de Pernambuco, na perspectiva da democratização da educação e da escola. Com efeito, somente a partir da LDBEN 9394/96 foi que, de forma explícita, os documentos de políticas educacionais deste Estado acolheram o princípio da autonomia escolar com as configurações que serão vistas a seguir. Elaborados pela Diretoria de Coordenação e Organização Escolar (órgão da Secretaria de Educação de Pernambuco), ainda no governo de Miguel Arraes, foram publicados três subsídios, intitulados “Cadernos de Gestão”. Com esses materiais percebe-se um novo direcionamento no trato da autonomia da escola na política educacional pernambucana, uma vez que eles expressavam concepções e orientações que davam suporte à implementação dessa autonomia, na perspectiva de poder ser viabilizada a democratização da gestão escolar. Como consta no 1º. Caderno de Gestão (SECRETARIA..., 1997), o Projeto Político-Pedagógico, juntamente com o Conselho Escolar, é apresentado como um instrumento necessário para a construção da autonomia da escola e, ainda, como forma colegiada de gestão democrática. Aliás, a gestão democrática da escola constituía-se no tema nucleador das reflexões dos citados “Cadernos de Gestão”. Além do avanço representado pelo estabelecimento de um nexo entre o Projeto Político-Pedagógico e a autonomia da escola, destacamos como positivo no processo de implementação dos projetos político-pedagógicos no sistema público de ensino de Pernambuco a ênfase dada aos documentos de política educacional (no final do governo Arraes) para que as unidades escolares elaborassem o Projeto Político-Pedagógico na perspectiva do “exercício da cidadania e da participação na construção de uma escola como direito social, público e subjetivo”. (GOVERNO..., 1997, mimeog.). Também expressando um compromisso do governo de então, através dos órgãos de gerenciamento do sistema educacional estadual, podemos constatar que grande parte do “Caderno de Gestão 1” consta de orientações bastante precisas para que as escolas públicas elaborassem seus Projetos Político-Pedagógicos. Com a elaboração e publicação do Plano Plurianual/2000-2003 (GOVERNO..., 2003), do governo Jarbas Vasconcelos, a gestão escolar (juntamente com a democratização da política educacional) é anunciada como uma diretriz da administração para o setor educacional, setor este assumido, no discurso, como uma das suas prioridades. 8 Certamente em consonância com as diretrizes formuladas no Plano Plurianual 2000-2003, há no Plano Estadual de Educação/2000-2009 (GOVERNO..., 2001) um capítulo especificamente dedicado à “Gestão e fortalecimento da autonomia da escola”. Neste Plano (PEE/2000-2009), as formulações sobre a autonomia da escola não explicitam sua compreensão como um princípio de sustentação da gestão democrática, como o é apontado por Gadotti (2000). Ao contrário, a autonomia escolar é focalizada como sendo algo decorrente das “transformações do mundo atual e das exigências impostas pela sociedade” (GOVERNO..., 2001, p 76) e da determinação da LDBEN 9.396/96. Na proposta apresentada para o fortalecimento da autonomia escolar é anunciado que tal processo seria feito através do “fortalecimento dos órgãos estudantis, da formação à distância e em serviço de suas lideranças, voltadas para o desenvolvimento de competências nas áreas disciplinares – Eixos Pedagógico, Administrativo e Relacional”. (GOVERNO..., 2001, p. 76). Desta forma, entendemos que este dado expressa um desencontro do governo de então em relação à construção histórica feita pelos educadores e forças sociais progressistas nas últimas duas décadas sobre a autonomia da escola. Com efeito, para Machado (1997), Paro (1998), Cavagnari (1998) e VEIGA (1998), dentre outros, é por meio da participação dos atores sociais envolvidos no processo educativo na construção de um projeto políticopedagógico que, fundamentalmente, ocorre o fortalecimento da autonomia da escola. Na secção dos “Objetivos e Metas” do PPE 2000-2009, o fortalecimento da autonomia da escola também é apresentado como resultado da revitalização “em dois anos” das instituições do Conselho Escolar/UEX, Associação de Pais e Grêmios Estudantis” (GOVERNO..., 2001, p. 77), através da “participação da sociedade na gestão das escolas”. (Ibid.). Esta formulação tem o mérito de parecer reparar o equívoco da compreensão anteriormente analisada sobre o fortalecimento da autonomia escolar. Entretanto, além de apontar para a possibilidade de o PEE/2000-2009 ter sido escrito por mãos com diferentes concepções, crenças e valores, esta formulação cometeu outro equívoco ao juntar o Conselho Escolar com a Unidade Executora/UEx, como se fossem duas organizações similares. Em Pernambuco, essa fusão pode ser vista como um dos fatores responsáveis pelo enfraquecimento do Conselho Escolar na rede pública de ensino, uma vez que as escolas se viram premidas a dar mais atenção para o funcionamento (por sinal, complexo e burocrático) das UExs por conta da necessidade de garantir o recebimento de recursos financeiros do Governo federal. Como é sabido, a Unidade Executora é, na verdade, uma das estratégias do 9 Governo federal visando à descentralização dos recursos do FNDE. Entretanto, sob o intuito de repassar dinheiro diretamente para a escola, a medida representa uma recentralização das decisões na esfera federal e contribui para que, gradativamente, seja anulada a governabilidade dos estados sobre decisões que afetam o próprio pacto federativo. (VIEIRA & ALBUQUERQUE, 2002, p. 87) A respeito da dimensão financeira da autonomia da escola, o PEE/2000-2009 (p. 78) formula que sua ampliação será feita “por meio do repasse de recursos diretamente às escolas para pequenas despesas de manutenção e cumprimento de sua proposta pedagógica”. Considerando que a prática de repasse de recursos diretamente à escola, há certo tempo, já vinha sendo adotada no sistema público de ensino de Pernambuco, como chamar essa medida de ampliação da autonomia financeira da escola quando, na verdade, apenas ratificou uma prática já existente? Utilizando-nos da análise de Martins (2002, p. 127), encaramos que essa “transferência de recursos para a escola – ainda que em pequena proporção diante de suas necessidades – constitui um processo de desconcentração, e não de descentralização”, pois a autonomia financeira da escola estaria sendo realizada dentro de limites bastante estreitos. Ainda que tenhamos de ser cautelosos no que diz respeito à análise sobre a autonomia da escola nas políticas educacionais de Pernambuco, nos dois últimos anos (correspondentes ao Governo Eduardo Campos), por se tratar de um Programa ainda em fase de implantação (Programa de Modernização da Gestão Pública/Metas para a Educação (SECRETARIA..,), porém, por outro lado, não podemos deixar de registrar algumas preocupações que apontam para a possibilidade de poucos avanços para a autonomia escolar no quadriênio 2007-2010, pelas seguintes razões: 1ª) a vigência do atual Plano de Educação de Pernambuco que, como visto anteriormente, do ponto de vista da democratização da escola apresenta concepções de autonomia da escola bastante frágeis; 2ª) a continuidade da execução do Projeto Integrado de Desenvolvimento e Melhoria da Qualidade da Educação de Pernambuco/EDUC, o qual equaciona a melhoria da autonomia da escola à preparação obrigatória do Plano de Desenvolvimento Escolar (SECRETARIA..., 2004, p. 18); 10 3ª) a ampliação da rede estadual do ensino médio para o formato dos chamados Centros Experimentais de Ensino3, os quais, por natureza organizacional, estão eliminados da realização de um considerável mecanismo de expressão da autonomia escolar, ou seja, a eleição para diretor de escola4; 4ª) A manutenção da Unidade Executora nas escolas da rede estadual. Esta instituição, em decorrência da necessidade de discussão sobre a aplicação de recursos oriundos do Programa Dinheiro Direto na Escola/PDDE, termina, na prática, por tornar secundários o papel e o funcionamento do Conselho Escolar. Nossas primeiras análises do Programa de Modernização da Gestão Pública/Metas para a Educação (PMGP-ME), associadas ao acompanhamento que vimos fazendo em relação às ações governamentais para o setor educacional nesta unidade federativa, sinalizam para a identificação de uma série de posicionamentos que corroboram a implementação de uma autonomia escolar alinhada às concepções das políticas educacionais neoliberais. O PMGP-ME é bastante explícito em apontar seu foco na obtenção de resultados pragmáticos. Neste sentido, as falas do governador e do secretário de educação estão bastante sintonizadas quando o primeiro diz que “estamos implantando um Modelo de Gestão que tem foco em resultados e que na área de Educação significa o modelo mais eficaz para alcançarmos melhores indicadores sociais (SECRETARIA..., 2007, p. 3), e o segundo, após apontar algumas ações pontuais que vêm sendo realizadas pela Secretaria de Educação em vista de melhoria do suporte necessário para o desenvolvimento da rede escolar, afirma que Essas ações constituem em uma via de mão dupla , onde o Estado fornece as condições mínimas para viabilizar o processo ensino-aprendizagem e ao mesmo tempo cobra resultados5. Esse princípio do Programa de Modernização da Gestão Pública é o meio mais eficaz para o Estado alcançar os objetivos desejados, definindo para cada escola metas para serem cumpridas de forma que a unidade evolua em relação a ela mesma (Id., p. 5). 3 Na atual gestão governamental este tipo de estabelecimento de ensino vem sendo chamado de Escolas de Referência de Ensino Médio as quais também se destacam pela oferta de jornada escolar ampliada. 4 No ano de 2005, os Centros Experimentais totalizavam 17 unidades. Da gestão do governo Jarbas Vasconcelos para o segundo ano do mandato do atual governador (Eduardo Campos) foram ampliados para 51 unidades com matrícula de 18.200 alunos. Neste governo, até o final da sua gestão (2010), há a intenção de ser elevado para 160 o número de escolas deste tipo. 5 O grifo é nosso. 11 Decorrente do princípio defendido pelo Secretário de Educação compreende-se, então, o estabelecimento de um Sistema de Monitoramente e Avaliação em vista do aferimento “se os resultados obtidos se encontram em consonância com as metas estabelecidas”. (Id, p. 9). Na prática, como temos constatado em base de depoimentos orais de profissionais da rede estadual de ensino, esse monitoramente se reveste de caráter fiscalizador sobre o cotidiano das escolas. Neste sentido, vale salientar que o próprio PMGP-ME apresenta um hierárquico sistema de monitoramento situado no interior da própria escola, passando pelas Gerências Regionais de Educação, prolongando-se na Secretaria Executiva de Gestão Escolar e culminando ma figura do chamado Gestor de Monitoramento (estas duas últimas instâncias estão localizadas no âmbito da Secretaria de Educação). Apesar da apresentação feita como um movimento que vai de “baixo para cima”, tal sistematização esconde toda uma prática de fiscalização e controle sobre a unidade basilar da rede estadual de ensino de Pernambuco. No programa em análise, em uma única vez, a autonomia das escolas é mencionada, e, ainda assim, com uma curiosa referência: como objeto a ser tornado mais atrativo para toda a comunidade escolar (GOVERNO..., 2007, p. 11). Por fim, diversas intervenções do governo Eduardo Campos nas escolas estaduais, resultando na demissão de diretores escolares por razões não suficientemente explicadas, também sinalizam a existência de uma dificuldade governamental em lidar com a temática da autonomia da escola. IV - CONSIDERAÇÕES FINAIS Tendo presentes as análises que foram realizadas sobre os dados expostos neste trabalho é possível compreendermos um desenho de autonomia da escola nas políticas educacionais de Pernambuco, notadamente no âmbito da rede estadual de ensino, em sintonia com as políticas educacionais de corte neoliberal que, desde a década de 1990, vêm sendo implementadas em nosso país. Por outro lado, sinaliza para um movimento de outorga da autonomia ao sistema educacional deste estado brasileiro. Se, por um lado, os dados deste estudo também acenam um horizonte ameaçador para a autonomia da escola na perspectiva do projeto sociopolítico emancipatório, porém, por 12 outro lado, tal realidade não deve ser vista como argumento para a renúncia da defesa da autonomia da escola, na perspectiva progressista, pelas seguintes razões, entre outras: 1ª) a despeito da outorga neoliberal da autonomia escolar, e conforme constatamos em outro estudo (Sousa 2006), os atores sociais da escola pública de Pernambuco têm ensaiado passos para que o percurso da autonomia escola seja caracterizado por processos participativos no interior de cada unidade na qual estudam ou trabalham na medida em que fortalecem as instituições colegiais locais (Conselho Escolar, Grêmio Estudantil...) e assumem os riscos e os sabores da construção e implementação do seu Projeto Político-Pedagógico; 2ª) a defesa da autonomia da escola é uma luta que ultrapassa o imediato, o cotidiano da escola. Ela representa uma importante bandeira a partir da qual, na especificidade do espaço escolar, alunos, pais, professores, pessoal técnico-administrativo, direção e funcionários, aliados a outros setores e segmentos sociais, contribuem para alimentar o debate sobre a relação entre Estado e sociedade a qual, nos termos como está posta e é exercida na atualidade, ainda está muito distante de expressar uma relação que possibilite a concretização da democratização da nossa sociedade brasileira. Enfim, entendemos que, a exemplo de Mendonça (2000, p. 397), a sociedade brasileira, por meio dos seus educadores, dos seus educandos, aliados aos homens e mulheres deste País, também comprometidos com a marcha em direção à democratização, deve considerar que “a autonomia escolar é, ainda, uma importante bandeira pela qual se deve lutar!” 13 REFERÊNCIAS CABRAL NETO, Antonio.. Política educacional no projeto nordeste: discursos, embates e práticas. Natal/RN: EDUFRN, 1997 CAVAGNARI, Luzia Borsato. Projeto Político-pedagógico, autonomia e realidade escolar: entraves e contribuições in: VEIGA, Ilma Passos Alencastro & RESENDE, Lúcia Maria Gonçalves (orgs.). Escola: espaço do projeto político-pedagógico. São Paulo: Papirus, 1998. p. 95 – 112. CURY, Jamil Carlos R. A administração da educação brasileira, a modernização e o neoliberalismo. Revista Brasileira de Administração da Educação. .Brasília, v. 9, n. 1.p. 51 – 70, 1993. GADOTTI, Moacir. Escola cidadã. 6. ed. São Paulo : Cortez, 2000 GONÇALVES, Maria Dativa de Salles. Autonomia da escola e neoliberalismo: Estado e escola pública. In: DIAS, Reginaldo (org.). O público e o privado na educação: a experiência de privatização do ensino em Maringá e temas afins. Maringá: Secretaria de Educação do Município de Maringá, 1995. p. 121 – 137. GONÇALVES, Maria Dativa de Salles. Autonomia da escola e neoliberalismo: Estado e escola pública. In: DIAS, Reginaldo (org.). O público e o privado na educação: a experiência de privatização do ensino em Maringá e temas afins. Maringá: Secretaria de Educação do Município de Maringá, 1995. p. 121 – 137. GOVERNO ESTADUAL DE PERNAMBUCO. Plano Estadual de Educação/1996-1999. Recife, 1996. __________. Plano Plurianual/2004-2007: desenvolvimento com inclusão social. Lei 12.427/ Recife. 2003. __________. Plano Estadual de Educação/2000-2009. Recife, 2001 SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DE PERNAMBUCO. Programa de modernização da gestão pública. 2007. Disponível em www.educacao.pe.gov.br; acesso em 18/10/08 LIMA, Licínio C. A escola como organização educativa: uma abordagem sociológica. São Paulo: Cortez, 2001. MANIFESTO DOS EDUCADORES MAIS UMA VEZ CONVOCADOS. In: GHIRALDELLI, Jr., Paulo. História da educação. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1994 MARTINS, Ângela Maria. Autonomia da escola: a (ex) tensão do tema nas políticas públicas. São Paulo: Cortez, 2002. MACHADO, Nilson. Ensaios transversais: cidadania e educação. 2. ed. São Paulo : Escrituras Editora, 1997 14 MELO, Maria Teresa Leitão. Gestão educacional: os desafios do cotidiano escolar. In: FERREIRA, Naura. S. Carapeto (org.). Gestão democrática da educação: atuais tendências, novos desafios. 2a. edição. São Paulo: Cortez, 2000. p. 243 – 254. MENDONÇA, Erasto Fortes. A Regra e o Jogo – democracia e patrimonialismo na educação brasileira. Campinas/SP: FE/UNICAMP, 2001 SECRETARIA DE EDUCAÇÃO E ESPORTES. Cadernos de gestão 1: projeto da escola da vida. Recife: SE, 1997a __________. Cadernos de gestão 2: viver a escola. Recife: SEE, 1997b __________. Cadernos de gestão 3: a escola que construímos. Recife: Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco, 1998 SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DE PERNAMBUCO. Programa de modernização da gestão pública. 2007. Disponível em www.educacao.pe.gov.br; acesso em 18/10/08 SHIROMA, Eneida Oto et al. Política educacional. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. SILVA, Jair Militão. A autonomia da escola pública: a re-humanização da escola. 3. ed. Campinas/São Paulo: Papirus, 1996. SOUSA, Luis Carlos Marques. A autonomia da escola nas políticas educacionais de Pernambuco, de 1995 a 2002. Dissertação de Mestrado. Centro de Educação da UFPB. João Pessoa, 2002 __________. Autonomia da escola: uma re-elaboração dos sonhos e dos anseios por uma escola democrática, o caso de Pernambuco. Revista “ENSAIO – Avaliação e Políticas Públicas em Educação”, n. 42, janeiro/março de 2004 __________. Autonomia da escola: razões e motivações para a continuidade da luta em prol da sua conquista. Comunicação oral no XVII EPENN. Belém/PA, 2005 __________. Autonomia da escola pública: um complexo movimento entre outorga e construção. Tese de doutorado. Programa de Pós-graduação em Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, 2006 __________. Outorga e construção: o complexo movimento da autonomia da escola no atual cenário educacional de Pernambuco. Comunicação oral no 18º EPENN. Maceió/AL, 2007 VEIGA, Ilma Passos (org). Projeto político-pedagógico da escola – uma construção possível. 2a. edição. Campinas/São Paulo: Papirus, 1998. 15 ANEXO – IDENTIFICAÇÃO DO AUTOR E RESUMO- SOUSA, Luis Carlos Marques Sousa Universidade de Pernambuco – Campus de Nazaré da Mata E-mail: [email protected] CAMINHOS DA AUTONOMIA DA ESCOLA NAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS DE PERNAMBUCO Este trabalho apresenta parte de um processo investigativo que vem sendo realizado a respeito dos caminhos percorridos pela autonomia da escola nas políticas educacionais de Pernambuco, de 1996 aos dias atuais. A análise dos dados obtidos junto aos principais documentos de políticas educacionais, emanados de distintas gestões de governo de Pernambuco, aponta para a existência de um processo de outorga de autonomia para as escolas que integram o sistema estadual de ensino desta unidade federativa bastante sintonizado com as postulações de autonomia da escola expressas pelas políticas educacionais de corte neoliberal que foram implementadas em nosso País no decorrer da década de 1990. Palavras-chave: Política educacional - Democratização da gestão escolar - Autonomia da escola – Participação. 16