X Encontro Nacional de Educação Matemática
Educação Matemática, Cultura e Diversidade
Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010
ANÁLISE APRIORI DOS PASSEIOS ALEATÓRIOS DA MÔNICA
Camila Macedo Lima Nagamine
Universidade Estadual de Santa Cruz-UESC- DCET
[email protected]
Afonso Henriques
Universidade Estadual de Santa Cruz-UESC- DCET
[email protected]
Irene Maurício Cazorla
Universidade Estadual de Santa Cruz-UESC- DCET
[email protected]
Resumo: Os “Passeios Aleatórios da Mônica - PAM” é uma sequência didática que
permite explorar o conhecimento dos conceitos básicos da teoria de probabilidades. Essa é
organizada em quatro sessões: a primeira permite verificar as concepções prévias dos
sujeitos em relação à probabilidade; a segunda, o impacto da experimentação aleatória e a
estimativa de probabilidade pela freqüência relativa; a terceira recorre à modelagem
matemática, utilizando a árvore de possibilidades, que fornece a probabilidade teórica ou
laplaciana e, a quarta, solicita a tomada de decisão diante destas três formas de atribuir
probabilidades. Nesse trabalho apresentamos a análise apriori das duas primeiras sessões.
Como referencial teórico utilizamos a Teoria Antropológica da Didática.
Palavras-chave: Ensino de Probabilidade; Análise Praxeológica; Educação Básica;
AVALE.
INTRODUÇÃO
Os “Passeios Aleatórios da Mônica - PAM” é uma sequência didática (SD)
adaptada por Cazorla e Santana (2006) para o ensino de probabilidades na Educação
Básica, a partir do trabalho de Fernandez e Fernandez (1999), que a propuseram para o
ensino da distribuição Binomial no Ensino Superior.
Essa sequência permite avaliar/trabalhar as noções elementares da teoria de
probabilidades: eventos, espaço amostral, probabilidade de eventos simples; tabela de
distribuição de freqüência, gráficos de barras; experimento determinístico e aleatório;
probabilidade frequentista (freqüência relativa); probabilidade teórica a partir da árvore de
possibilidades, padrões observados e esperados, dentre outros.
A PAM faz parte do “Ambiente Virtual de Apoio ao Letramento Estatístico –
AVALE”, que é um projeto de pesquisa e desenvolvimento da Universidade Estadual de
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Santa Cruz - UESC, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia –
FAPESB. Os pesquisadores do AVALE estão construindo e disponibilizando, nesse
ambiente, diversas sequências didáticas (SD) para trabalhar tópicos de Probabilidade e
Estatística, na Educação Básica, tanto no ambiente papel-e-lápis, quanto no virtual.
O processo de validação da eficácia das SDs, propostas no AVALE, está sendo
realizado utilizando-se diversos arcabouços teóricos-metodológicos, visando seu
aperfeiçoamento e adoção autônoma pelos professores nas escolas. Um desses arcabouços
é a Teoria Antropológica da Didática – TAD (CHEVALARD, 1992).
Neste trabalho não nos detemos em apresentar essa teoria e sim, um fragmento de
uma análise apriori da PAM utilizando as noções de uma de suas vertentes.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Uma das vertentes da teoria antropológica da didática consiste na abordagem
praxeológica, que coloca em evidência as quatro seguintes noções: Tarefa (T) contendo ao
menos uma tarefa t; a Técnica ( ) que é uma maneira de fazer ou realizar um tipo de tarefa
T. A Tecnologia (θ) que é um discurso racional (o logôs) que tem por objetivo justificar a
técnica , garantindo que esta permite realizar as tarefas do tipo T. A Tecnologia exerce
também a função de explicar, tornando compreensível a Técnica. A quarta e última noção
denominada Teoria, representada por
, tem como função de justificar e tornar
compreensível uma tecnologia θ. As quatro noções descrevem uma organização
praxeológica completa [T/ / / ], decomponível em dois blocos [T/ ] e [ / ], constituindo
respectivamente, o saber-fazer [praxe] e o ambiente tecnológico-teórico [logos].
Nesse trabalho as tarefas (T) estão associadas à estória que constitui a PAM e é
composta por quatro tipos de tarefas (T1, T2, T3 e T4) que sugerem a organização da SD
em quatro sessões. A primeira (T1) compreende a leitura da estória e a concepção intuitiva
de probabilidade. A segunda (T2) é subdividida em duas partes: experimentação e
organização em tabelas e gráficos, apresentando a probabilidade frequentista. A terceira
(T3) corresponde à modelagem matemática a partir da árvore de possibilidades, que
permite encontrar a probabilidade teórica (clássica ou laplaciana) e, a quarta (T4) solicita a
tomada de decisões sobre as três formas de atribuir probabilidade a este experimento
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aleatório. Conforme sublinhamos anteriormente, nesse trabalho apresentamos, apenas, a
análise apriori das duas primeiras sessões, como segue.
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Sessão I: a estória e as concepções prévias de probabilidade
Essa sessão compreende a leitura da estória (T1) e é constituída por seis subtarefas
(t) que têm por objetivo analisar as concepções intuitivas de probabilidade.
A estória dos Passeios Aleatórios da Mônica
A Mônica e seus amigos moram no mesmo bairro. A distância da casa da Mônica
para a casa de Horácio, Cebolinha, Magali, Cascão e Bidu é de quatro quarteirões,
conforme ilustra a Figura 1. A Mônica costumava visitar seus amigos durante os dias da
semana em uma ordem pré-estabelecida: segunda-feira, Horácio; terça-feira, Cebolinha;
quarta-feira, Magali; quinta-feira, Cascão e sexta-feira, Bidu. Para tornar mais
emocionantes os encontros, a turma combinou que a sorte escolhesse o amigo a ser
visitado pela Mônica. Para isso, na saída de sua casa e a cada cruzamento, Mônica deve
jogar uma moeda; se sair cara (C), andará um quarteirão para o Norte, se sair coroa (X),
um quarteirão para o Leste. Cada jogada representa um quarteirão de percurso. Mônica
deve jogar a moeda quatro vezes para poder chegar à casa dos amigos.
Figura 1: Cartaz dos Passeios Aleatórios da Mônica.
Subtarefa (t1): Revelar a diferença entre a forma antiga da Mônica visitar seus
amigos e a nova forma. É uma tarefa puramente teórica cuja realização (τ) da mesma
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depende essencialmente dos conhecimentos prévios (conceito de aleatoriedade) e
competência de interpretação de textos por parte do sujeito. A partir da estória, o sujeito
deve mobilizar competências para distinguir experimentos determinísticos ( ) (forma
antiga) e aleatórios (nova forma). Subtarefa (t2): Apresentar os possíveis resultados
alcançáveis ao lançar uma moeda. A realização (τ) dessa tarefa depende das características
da moeda, que gera o espaço amostral
={C, X}. Subtarefa (t3): Revelar a chance de sair
cara ou de sair coroa. A técnica (τ) que permite realizar essa tarefa é análoga a
considerada na primeira tarefa. Com efeito, na maior parte dos casos o sujeito desenvolve
competências em torno de espaços equiprováveis, pois assume que a moeda é honesta.
Consequentemente atribui ½ para a chance de cara e ½ para a chance de coroa. Ao assumir
essa postura, o sujeito mobiliza “inconscientemente” uma série de propriedades e axiomas,
tais como: C e X como eventos mutuamente excludentes e sua união compõe o espaço
amostral, isto é, trata-se de uma partição do espaço amostral. Logo se a probabilidade de
cara é ½, então como coroa é o evento complementar de cara, a sua probabilidade será 1 –
½. Também a probabilidade da união de dois eventos mutuamente excludentes é igual a
soma de suas probabilidades.
Subtarefa (t4): Decidir se todos os amigos têm a mesma chance de serem visitados
ou não. Essa tarefa consiste em checar o quanto o sujeito é impregnado pela concepção de
eqüiprobabilidade (τ), isto é, se são cinco amigos, então a chance é um quinto (1/5). Se esta
for a resposta, significa que o sujeito não percebe que os caminhos são igualmente
equiprováveis, mas o amigos não, pois eles têm um número diferente de caminhos que
levam a Mônica para visitá-los. Ou seja, apesar de técnica (τ) ser a mesma utilizada na t3, a
tecnologia (θ) muda, pois, o espaço amostral não é composto pelos amigos, e sim, pelos
possíveis caminhos, decorrentes do lançamento da moeda quatro vezes. Nesse caso seria
evidência da ausência de competência na interpretação do problema.
Subtarefa (t5): Imaginar o lançamento de uma moeda 4 vezes e observar como são
as notados os resultados. É uma tarefa elementar que requer identificar a maneira (τ) como
o sujeito representa uma sucessão de eventos aleatórios. Nesse caso, é possível observar os
seguintes registros: XXCC, (X, X, C, C); coroa, coroa, cara, cara; duas caras e duas coroas.
Os dois primeiros são registros institucionalizados, o terceiro é aceitável, porém evidencia
uma incompreensão do enunciado e o quarto registro não explicita a ordem da ocorrência
dos eventos.
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Seção II: a experimentação aleatória e a probabilidade frequentista
Essa seção tem por finalidade verificar o impacto dos resultados da experimentação
aleatória nas concepções prévias de probabilidade e é composta de duas sub-sessões. A
primeira compreende a realização do processo experimental e a segunda, a organização dos
dados em dois tipos de registros semióticos: a Tabela de Distribuição de Frequência (TDF)
e o gráfico de barras.
II.1 – Realização do processo experimental, a probabilidade frequentista
Subtarefa (t1): Distribuir moedas aos sujeitos. Para Mônica visitar um amigo, os
sujeitos devem lançar uma moeda quatro vezes, denominado experimento. Se sair cara
(C), Mônica andará um quarteirão para o Norte, se sair coroa (X), um quarteirão para o
Leste. Os sujeitos devem repetir esse experimento trinta vezes e anotarem os resultados no
Quadro 1. Por exemplo, se sair a seqüência: cara, cara, coroa, cara, anotar na coluna a
sequência: CCXC e na coluna do amigo visitado: Cebolinha. A realização (τ) dessa tarefa
consiste no lançamento da moeda, o registro dos respectivos resultados dos eventos, assim
como a identificação do amigo a ser visitado, pela coordenação entre o resultado do
lançamento da moeda e o caminho percorrido. Esta tarefa não demanda de nenhuma
competência cognitiva, apenas da coordenação de resultados e registros. Crianças pequenas
podem apresentar dificuldades na identificação do resultado e o caminho a ser percorrido.
Subtarefa (t2): Selecionar um resultado obtido em t1 e desenhar no cartaz o
caminho percorrido pela Mônica. A técnica (τ) consiste na representação gráfica do
caminho percorrido pela Mônica para visitar um dos amigos. O interesse é observar a
coordenação entre o registro simbólico e o gráfico.
Subtarefa (t3): Quem tem mais chance de ser visitado Magali ou Horácio? A
observação-comparação de freqüências absolutas é uma das técnicas (τ) que permite
realizar essa tarefa. Assim, observando os resultados obtidos em t1 espera-se que a Magali
seja a mais visitada e que o Horário o menos visitado, ou até não ser visitado.
Naturalmente, espera-se que a Magali seja a mais visitada, assim o sujeito tenderá a formar
sua opinião de acordo com os resultados da experimentação.
Subtarefa (t4): Decidir quem tem mais chance de ser visitado Horácio ou Bidu? A
técnica (τ) é a mesma da tarefa anterior. Porém, o sujeito é confrontado com uma tarefa na
qual os dois personagens têm a mesma probabilidade que é a menor de todas. Como a
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amostra (nº de repetições do experimento) é pequena (trinta, 30), corre-se o risco que
nenhum dos dois seja visitado ou um seja mais visitado do que o outro.
Subtarefa (t5): Existe a chance da Mônica não visitar algum amigo? Aqui, a
técnica (τ) consiste na observação-identificação de ausência de algum amigo no resultado
obtido na tarefa 1, caso isso ocorra na experimentação, poderá induzir o sujeito desatento a
concluir que sim. Contudo, essa técnica é errada, pois para resolver esta tarefa o sujeito
tem que pensar em termos de possibilidades e não calcar sua opinião pelo resultado da
experimentação aleatória.
Subtarefa (t6): Verificar se depois da realização do experimento, se os sujeitos
mudariam de opinião na seguinte questão: todos os amigos têm a mesma chance de serem
visitados? A técnica (τ) para realizar essa tarefa consiste na comparação de concepção de
probabilidades obtidas em t4 da Sessão I com a obtida nesta tarefa. Assim, analisando os
resultados da experimentação o sujeito deverá rever sua primeira concepção de
probabilidade e mudar, caso ache necessário.
II.2 – Organizar os resultados da experimentação em uma tabela e representá-los
graficamente.
Subtarefa (t7): Sistematizar os resultados da experimentação na Tabela de
Distribuição de Freqüência – TDF fornecida com total de frequências. A realização desta
tarefa requer mais de uma técnica. A primeira consiste na identificação-contagem (τ1) das
repetições de cada personagem no experimento (t1, sessão II.1) permitindo registrar o no de
vezes que foi visitado cada personagem, ou seja, o registro da frequência absoluta (fi) cuja
a soma corresponde ao número total de repetições do experimento (n), no caso 30. A
segunda (τ2) consiste no cálculo da frequência relativa (hi), obtida pela expressão fi/n. Essa
técnica é fornecida junto com a tabela. Cada hi é obtido recorrendo-se aos resultados
obtidos com τ1 aplicados em fi/n, cuja soma deve ser 1 que corresponde a probabilidade do
espaço amostral. Observa-se que a freqüência relativa (hi) é denominada de probabilidade
frequentista, pois é utilizada como uma estimativa da probabilidade teórica. A terceira (τ3)
consiste na transformação da frequência relativa que está numa escala de zero a um, em
porcentagem (100*hi), numa escala de zero a cem.
Subtarefa (t8): Depois da organização dos resultados na TDF, verificar se os
sujeitos mudariam de opinião na seguinte questão: Todos os amigos têm a mesma chance
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de serem visitados? Aqui a técnica (τ) também consiste na comparação de concepção de
probabilidades obtidas em t4 da Sessão I com a probabilidade frequentista (hi) obtida na
TDF. Dessa forma, comparando ambos os resultados o sujeito que havia respondido de
forma afirmativa “todos os amigos têm a mesma chance de serem visitados” deve refletir
sobre a sua concepção, uma vez que os resultados da experimentação mostrarão evidências
de que isso é pouco provável.
Subtarefa (t8): Distribuir papel de transparência com duas grades para construir
gráficos, bem como canetas de transparência. Representas na grade de cima os dados da
freqüência relativa, constante da TDF. Comparar os resultados com os dos seus colegas.
A técnica (τ) consiste na representação-comparação da frequência relativa. O sujeito
deverá construir um gráfico de barras com a frequência relativa e depois comparar os
resultados com outros colegas. Assim, os sujeitos deverão perceber que raramente haverá
resultados iguais e que a variabilidade dos resultados é devido ao processo de amostragem
aleatória.
CONSIDERAÇÕES GERAIS
A análise apriori das tarefas que constituem a sequência PAM, segundo a TAD se
reveste de maior importância, pois fornece uma análise mais fina e aprofundada de cada
situação, permitindo verificar a adequação das tarefas aos objetivos propostos na SD.
Ao explicitar a técnica e a tecnologia, a TAD permite encontrar possíveis conflitos
na solicitação das tarefas, como por exemplo, a solicitação da mudança ou não de opinião
sobre a questão “Todos os amigos tem a mesma chance de ser visitados?”, não fica
explicito para o sujeito se essa mudança é em relação a opinião na primeira tarefa (T1) ou
se é em relação à tarefa anterior.
Esse resultado nos permite fazer correções e aprimoramento da SD uma vez que,
sendo disponibilizado no AVALE, pressupõe-se que qualquer sujeito seja capaz de ler as
tarefas e respondê-las sem quaisquer ambigüidades, dispensando-se assim, a presença de
um instrutor, ou alguém que tire dúvidas. Além disso, espera-se que a análise apriori
apresentada aqui venha contribuir, não só no desenvolvimento de pesquisas, mas também
no processo ensino/aprendizagem de probabilidades.
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REFERÊNCIAS
CAZORLA, I. M. e SANTANA, E. R. dos S. Tratamento da Informação para o Ensino
Fundamental e Médio (1ed.). Itabuna, Bahia, Brasil: Via Litterarum, 2006.
FERNANDEZ, D. e FERNANDEZ, D. X. O prazer de aprender probabilidade através de
jogos: descobrindo a distribuição Binomial. Anais da Conferencia Internacional
“Experiências e Expectativas do Ensino de Estatística – Desafios para o Século XXI.
Florianópolis, SC, 1999.
CHEVALLARD, Y. (1992). Concepts fondamentaux de la didactique: perspectives
apportées
par
une
approche
anthropologique.
Recherches
en
Didactique
des
Mathématiques, 12 (1), 73-112.
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