ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA
ALFREDO JOSÉ FERREIRA DIAS
A PARTICIPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NO HAITI PÓSTERREMOTO 2010
Rio de Janeiro
2011
ALFREDO JOSÉ FERREIRA DIAS
A PARTICIPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NO HAITI PÓSTERREMOTO 2010
Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia
apresentada ao Departamento de Estudos da
Escola Superior de Guerra como requisito à
obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de
Política e Estratégia.
Orientadora: Juíza Heloisa Corrêa Da Costa e
Paula
Rio de Janeiro
2011
C2011 ESG
Este trabalho, nos termos de legislação que
resguarda os direitos autorais, é considerado
propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE
GUERRA (ESG). É permitido a transcrição
parcial de textos do trabalho, ou mencionálos, para comentários e citações, desde que
sem propósitos comerciais e que seja feita a
referência
bibliográfica
completa.
Os conceitos expressos neste trabalho são de
responsabilidade do autor e não expressam
qualquer orientação institucional da ESG
_________________________________
Assinatura do autor
Biblioteca General Cordeiro de Farias
Dias, Alfredo José Ferreira
A Participação das Forças Armadas no Haiti, pós-Terremoto 2010 /
Alfredo José Ferreira Dias. Rio de Janeiro: ESG, 2011.
59f.:il
Orientadora: Juíza Heloisa Correa da Costa e Paula
Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia, apresentada ao
Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito
à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e
Estratégia (CAEPE), 2011.
1.MINUSTAH. 2. Ajuda Humanitária. 3. Política Externa. I. Título.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, Inteligência suprema e causa primária de todas as coisas.
Agradeço aos meus pais que me legaram os princípios éticos e morais que sempre
nortearam minha vida pessoal e profissional.
Agradeço a minha eterna e amada, mais do que esposa, companheira e amiga
Margarete, conhecedora das minhas virtudes e defeitos, por ter proporcionado as
condições para que até aqui eu chegasse.
Agradeço aos meus filhos, Amanda e João Felipe, pela compreensão das minhas
ausências, não só para realizar este trabalho, como também pelas inúmeras vezes
que me afastei nos últimos anos, por motivos profissionais.
À Juíza Heloisa Corrêa da Costa e Paula, minha orientadora, por toda a orientação e
compreensão.
Aos
companheiros
estagiários
do
CAEPE/2011,
Desenvolvimento", pelo convívio harmonioso e fraterno.
Enfim, a todos meu muito obrigado!
Turma
"Segurança
e
Uma Nação que confia em seus direitos
em vez de confiar em seus soldados,
engana-se a si mesma e prepara a sua
própria queda".
Rui Barbosa
RESUMO
Em 1804, liderados por Toussaint L´Ouverture, os haitianos romperam mais de dois
séculos de opressão e expulsaram os franceses, constituindo-se no primeiro país
independente da América Latina. A história do Haiti é marcada pelo descaso
internacional, pela corrupção e pela falta de compromisso das autoridades locais
para com o seu povo. Após uma rebelião armada, em fevereiro de 2004, na cidade
de Gonaives, o Presidente Jean Bertrand Aristide partiu para o exílio em aeronave
norte-americana. Com isso, o Conselho de Segurança da ONU autorizou a
constituição da Força Interina Multinacional (MIF, em inglês) liderada pelos Estados
Unidos da América, que em abril do mesmo ano, foi substituída pela Missão das
Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH), comandada por um
General brasileiro. Atualmente o Contingente Militar da Missão é integrado por
militares de 12 (doze) países, totalizando um efetivo de 6700 (seis mil e setecentos)
homens, sendo 2100 (dois mil e cem) dos Batalhões Brasileiros de Força de Paz,
que têm por objetivo permitir a retomada do processo democrático no país. Em 12
de janeiro de 2010, ocorreu um terremoto de magnitude sete na escala Richter,
trazendo caos ao país caribenho que já enfrentava dificuldades na busca da paz
social. Neste contexto, houve uma rápida resposta brasileira a solicitação da ONU,
aumentando o contingente brasileiro e contribuindo no esforço da comunidade
internacional na assistência humanitária ao povo haitiano. O presente trabalho se
propõe a identificar a participação das Forças Armadas (FA) brasileiras no Haiti, pósterremoto 2010. Para tal, pretendeu-se no primeiro capitulo identificar os aspectos
legais relativos à participação das FA brasileiras na MINUSTAH e o processo
decisório para o aumento do efetivo de tropa; em outro capitulo será identificada a
atuação das FA, abordando-se a participação no apoio a ajuda humanitária
internacional e os aspectos operacionais da Missão. Finalmente, serão identificadas
as perspectivas para política externa brasileira. Dessa forma, o trabalho poderá
servir de parâmetro de avaliação para as FA brasileiras definirem procedimentos ou
corrigirem rumos, referentes ao preparo e emprego de tropas em ações de
assistência humanitária internacional, em função das experiências adquiridas no
Haiti.
Palavras-chave: Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti
(MINUSTAH). Forças Armadas. Ajuda Humanitária. Política Externa Brasileira.
RESUMEN
En 1804, guiados por Toussaint L´Ouverture, los haitianos rompieron dos siglos de
opresión y expulsaron a los franceses, constituyéndose en el primer País
independiente de América Latina. La historia de Haití es marcada por la indiferencia
internacional, por la corrupción y por la falta de compromiso de las autoridades
locales con su pueblo. Después de una rebelión armada, en febrero de 2004, en la
ciudad de Gonaïves, el Presidente Jean Bertrand Arístides salió con exilio en una
aeronave norte-americana. Con esta situación, el Consejo de Seguridad de la ONU,
autorizo la constitución de una Fuerza Interina Multinacional (MF, en ingles)
comandada por los Estados Unidos de América, que en abril del mismo año, fue
substituida por la Misión de Naciones Unidas para la Estabilización de Haití
(MINUSTAH), comandada por un General brasileño que tiene como objetivo retornar
el proceso democrático en el país. El 12 de enero de 2010, hubo un terremoto,
ocasionando caos en el país caribeño. En este contexto, hubo una rápida respuesta
brasileña a la solicitud de la ONU, aumentando el contingente brasileño y
contribuyendo con el esfuerzo de la comunidad internacional con asistencia
humanitaria al pueblo haitiano. El presente trabajo tiene como propósito identificar la
participación de las Fuerzas Armadas (FA) brasileñas en Haití pos-terremoto 2010.
Para tal situación, se pretendió en el primer capítulo, identificar los aspectos legales
relativos a la participación de las FA brasileñas en MINUSTAH así como el proceso
de la toma de decisiones para aumentar el efectivo de tropa; en otro capitulo será
identificada la actuación de las FA, enfocando la participación en el apoyo de ayuda
humanitaria internacional y los aspectos operacionales de la Misión. Finalmente,
serán identificadas las perspectivas para la política externa brasileña.
De esta
manera, el trabajo podrá servir de parámetro de evaluación para que las FA
brasileñas definan los procedimientos o corrijan los rumbos en relación a la
preparación y entrenamiento de las tropas en acciones de asistencia humanitaria
internacional, en función de las experiencias adquiridas en Haití.
Palabras llave: Misión de las Naciones Unidas para la Estabilización de Haití
(MINUSTAH). Fuerzas Armadas. Ayuda Humanitaria. Política Externa Brasileña.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Casa Azul antes do Terremoto
30
Figura 2 - Casa Azul pós-terremoto ........................................................................30
Figura 3 - Hospital improvisado no BRABATT ........................................................30
Figura 4 - Consequências do terremoto ..................................................................31
Figura 5 - NDCC “Almirante Sabóia” .......................................................................33
Figura 6 - NDCC “Garcia D`Ávila” ...........................................................................33
Figura 7 - Porta-Aviões “Conte di Cavour” ..............................................................34
Figura 8 - Fase do preparo da Tropa ......................................................................36
Figura 9 - Emprego da tropa com a participação da UNPOL/FPU/PNH .................39
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AGNU
Assembléia-Geral das Nações Unidas
CEMD
Chefe do Etado-Maior de Defesa
COE
Manual de Equipamento de Propriedade dos Contingentes –
Contingent-Owned Equipment Manual
CSNU
Conselho de Segurança das Nações Unidas
DAI
Departamento de Assuntos Internacionais
DPKO
Departamento de Operações de Manutenção da Paz
EMD
Estado-Maior de Defesa
END
Estratégia Nacional de Defesa
GSI
Gabinete de Segurança Institucional
MD
Ministério da Defesa
MF
Ministérios da Fazenda
MINUSTAH Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti
MOU
Memorando de Entendimento – Memorandum of understanding
MP
Militar da Missão Permanente do Brasil junto a ONU
MPOG
Ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão
MRE
Ministério das Relações Exteriores
OMP
Operação de Manutenção da Paz
ONU
Organização das Nações Unidas
SPEAI
Secretaria de Política, Estratégia e Assuntos Internacionais
TCC
Países Contribuintes com Tropa – Troop Contributing Countries
12
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO .............................................................................................11
2
ASPECTOS LEGAIS RELATIVOS À PARTICIPAÇÃO DAS FORÇAS
ARMADAS BRASILEIRAS NA MINUSTAH E O PROCESSO DECISÓRIO
PARA O AUMENTO DO EFETIVO DE TROPA PÓS - TERREMOTO ........16
2.1
AS OPERAÇÕES DE MANUTENÇÃO DA PAZ (OMP) SOB A ÉGIDE DA
ONU .............................................................................................................. 16
LEGISLAÇÃO BRASILEIRAS PARA AS OPERAÇOES DE PAZ .................. 17
LEGISLAÇAO INTERNACIONAL AOS CONTINGENTES MILITARES
BRASILEIROS NO HAITI .............................................................................. 19
Memorando de Entendimento (Memorandum of Understanding–MOU) 21
Acordo sobre o Status da Força (Status of Force Agreement – SOFA)
e Acordo sobre o Status da Missão (Status of Mission Agreement –
SOMA) .......................................................................................................... 21
Regras de Engajamento (Rules of Engagement – ROE) ......................... 22
Orientações para os Países que Contribuem com Tropas para uma
Operação de Manutenção da Paz (Guidelines for Troop Contributing
Countries) .................................................................................................... 23
Procedimentos Operativos Padronizados (Standard Operating
Procedures-SOP) ........................................................................................ 23
PROCESSOS DECISÓRIOS ..................................................................... 24
Descrição do processo .............................................................................. 24
Fase informal .............................................................................................. 24
Fase formal.................................................................................................. 26
Fatos que possibilitaram o reforço de tropa na MINUSTAH ................... 26
2.2
2.3
2.3.1
2.3.2
2.3.3
2.3.4
2.3.5
2.4
2.4.1
2.4.2
2.4.3
2.4.4
3
ATUAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS BRASILEIRAS NO HAITI, PÓSTERREMOTO ...............................................................................................29
3.1
PARTICIPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA ASSISTÊNCIA
HUMANITÁRIA ............................................................................................. 29
ASPECTOS OPERACIONAIS ...................................................................... 35
3.2
4
PERSPECTIVAS PARA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA
DECORRENTE DA PARTICIPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NO
HAITI ............................................................................................................41
4.1
4.2
SÍNTESE HISTÓRICA .................................................................................. 41
VALORIZAÇÃO DO MULTILATERALISMO E RESPEITO AO DIREITO
INTERNACIONAL. ........................................................................................ 44
13
4.3
4.4
4.5
5
CONTRIBUIÇÃO PARA A ELEVAÇÃO DO BRASIL A CATEGORIA DE
MEMBRO PERMANENTE DO CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU. .... 45
POSSIBILIDADE DE OBTENÇÃO DA LIDERANÇA REGIONAL .................. 46
AUMENTO DA PARTICIPAÇÃO BRASILEIRA EM MISSÕES DE PAZ OU
DE AJUDA HUMANITÁRIA INTERNACIONAL ............................................. 47
CONCLUSÃO ..............................................................................................48
REFERÊNCIAS ............................................................................................ 52
ANEXO A - EVENTOS DO REFORÇO DA TROPA NA FORÇA DE PAZ
DA MINUSTAH ............................................................................................. 57
ANEXO B - QUESTIONÁRIO AO EMBAIXADOR BRASILEIRO NO HAITI,
IGOR KIPMAN ............................................................................................. 58
11
1
INTRODUÇÃO
No inicio do século XIX (1804), os haitianos, liderados por Toussaint
L´Ouverture, expulsaram os franceses que exploravam suas terras e dominavam
toda a população negra nativa, rompendo mais de dois séculos de opressão. Assim,
tornaram o Haiti no primeiro país independente da América Latina.
O Haiti é um país caribenho e ocupa o terço ocidental da Ilha Hispaniola (ou
Ilha de São Domingos), fazendo fronteira terrestre com a República Dominicana, a
leste. Possui uma área de 27.750 km² e uma população estimada em 10.000.000
habitantes, no ano de 2010. Cerca de 90% dos haitianos são de ascendência
africana.
A história do Haiti é marcada pelo descaso internacional, pela corrupção e
pela falta de compromisso das autoridades locais para com o seu povo. Iniciou a
década de 1990 elegendo o ex-padre Jean Bertrand Aristide para ocupar a
Presidência da República nele depositando todas as suas esperanças para superar
seus graves problemas políticos, econômicos, psicossociais e militares. O pais já era
o mais pobre das Américas, com uma devastação ambiental descontrolada,
desemprego atingindo 70% de sua população economicamente ativa, expectativa de
vida na faixa dos 51 anos, com 80 % da população sobrevivendo abaixo da linha da
pobreza e com doenças endêmicas avassaladoras.
Aristide assumiu o poder em 1991 e um ano depois foi derrubado por um
golpe de Estado, liderado por militares. A Anistia Internacional estima em 5.000 os
mortos pela junta militar entre 1991 e 1994. O boicote da comunidade internacional
ao regime imposto agravou ainda mais as condições socioeconômicas da
população. Em outubro de 1994, em decorrência do contínuo fluxo de imigrantes
haitianos que tentavam chegar às costas dos Estados Unidos, tropas norteamericanas, com autorização do Conselho de Segurança (CS) da ONU,
desembarcaram no país e reinstalaram Aristide no poder. Em 1995, Aristide aboliu
as Forcas Armadas, com o apoio dos Estados Unidos. A falta de planejamento desta
ação jogaria milhares de ex-militares no abandono, criando um grave foco de
tensão. Aristide concluiu seu período de governo e foi substituído por René Préval,
que governou a país de 1995 a 2001.
12
A instabilidade política acentuou-se a partir de 2001 quando Aristides
regressou à presidência do país, com mandato até 2006. Após duas tentativas de
golpes de estado, a repressão à oposição aumentou, com o uso, pelo governo, de
“chiméres”, grupos armados apoiados pelo governo e por setores pró-Aristide da
Polícia Nacional do Haiti (PNH). O governo passou a se apoiar em grupos armados
que, muitas vezes com a conivência das autoridades, voltavam-se também para o
banditismo e o tráfico de drogas.
Durante seu novo mandato, Aristide revelou-se um Iíder populista,
despreparado para a função, vulnerável à corrupção e à tentação do uso arbitrário
do poder. Temeroso de um novo golpe militar, armou sua base eleitoral nas
comunidades pobres da capital, Porto Príncipe, especialmente nos bairros de Bel Air
e Cite Soleil.
A despeito de várias iniciativas diplomáticas do Mercado Comum e
Comunidade do Caribe (CARICOM) e da OEA, uma rebelião armada eclodiu em
fevereiro de 2004 na cidade de Gonaives, espalhando-se rapidamente pelo país. Na
iminência das forças rebeldes entrarem na capital, Porto Príncipe, na manhã de 29
de fevereiro de 2004, o Presidente Aristide partiu para o exílio na República CentroAfricana em aeronave norte-americana. Sua renúncia se deu em meio a amplas
denúncias de corrupção.
O então Primeiro-Ministro Yvon Neptune tomou a iniciativa de implementar
uma variante de um pIano proposto pela CARICOM para a instalação de um
Governo Transitório. Assumiu o cargo de Presidente o então Presidente da Corte
Suprema de Justiça, Boniface Alexandre. Na noite de 29 de fevereiro, o
Representante Permanente do Haiti junto às Nações Unidas submeteu ao Conselho
de Segurança cópia da carta de renúncia de Aristide e um pedido de assistência ao
país. Na mesma noite foi aprovada, pelo CS da ONU, a Resolução 1529 (2004), que
autorizou tropas estrangeiras a entrarem em território haitiano, amparadas no
Capitulo VII da Carta das Nações Unidas, por um período máximo de 3 (três) meses.
Foi então organizada a Força Interina Multinacional (MIF), liderada pelos Estados
Unidos da América (EUA) e integrada também por militares de Canadá, França e
Chile. A MIF era composta por cerca de 3.400 (três mil e quatrocentos) militares, dos
quais 1.800 (mil e oitocentos) norte-americanos, 800 (oitocentos) franceses, 460
(quatrocentos e sessenta) canadenses e 340 (trezentos e quarenta) chilenos. A MIF
se deslocou prontamente para o Haiti e, em lá chegando, restabeleceu a ordem e
13
permitiu a posse do Governo Provisório, com o apoio do empresariado local e dos
governos dos países interventores.
Sentindo a necessidade de prosseguir com sua presença no país, a ONU
por meio de seu CS, criou em 30 de abril de 2004, pela Resolução 1542, a Missão
das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH) para, atuando sob o
escopo do Capitulo VII da Carta das Nações Unidas, substituir a MIF e permitir a
retomada do processo democrático, assegurando um ambiente seguro e estável no
país.
O Brasil, por sua importância estratégica na America Latina, foi convidado a
liderar o contingente militar da MINUSTAH. Após estudar o pedido, o Governo
brasileiro decidiu optar pela participação e, em junho de 2004, despachou seu
primeiro contingente para o país caribenho, integrado por 1200 (mil e duzentos)
homens, para um período inicial de 6 (seis) meses. lndicou também o comandante
militar da missão, General-de-Divisão Augusto Heleno Ribeiro Pereira, que passou a
comandar o Contingente Militar, integrado por militares de 12 (doze) países,
totalizando um efetivo de 6700 (seis mil e setecentos) homens.
Eleito em 7 de fevereiro de 2006, René Préval só foi declarado vitorioso
após intervenção do Governo brasileiro, que sugeriu a anulação da contagem de
votos brancos e nulos, sob suspeita de fraude, para evitar um recrudescimento da
violência.
O Brasil encontra-se, atualmente, com seu 15° contingente operando no
Haiti e a missão tem significado uma oportunidade de emprego real da tropa em
assistência humanitária internacional e operações urbanas, com a utilização de
material moderno e com o desenvolvimento de doutrina própria para combate nesse
tipo de ambiente. Tudo isso tem motivado e renovado o ânimo dos militares que
participam da missão, inclusive com oportunidades de colocar em prática os
ensinamentos no Brasil, nas Operações de Garantia da Lei e da Ordem, em vigor
atualmente no conjunto de favelas do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro - RJ.
O Haiti
tem sofrido sérios revezes em relação à crise interna, com
dificuldades no fornecimento de alimentos, falta de saneamento básico, desemprego
e grande devastação provocada pelo furação de 2008, que deixou milhares de
haitianos desabrigados.
Aliado a estes fatos, em 12 de janeiro de 2010, ocorreu um terremoto de
magnitude 7 na escala Richter.
14
Um grande terremoto de magnitude 7,0 na escala Richter atingiu o Haiti, o
país mais pobre da América, por volta das 19h50 (horário de Brasília) desta
terça-feira (12). [...] Ainda não há números oficiais de vítimas e prejuízos,
mas os relatos que chegam pelas agências de notícias informam que
diversos edifícios desabaram no país, inclusive o palácio presidencial da
capital Porto Príncipe. (UOL NOTÍCIAS, 2010)
O terremoto de proporções catastróficas trouxe caos ao país caribenho que
já enfrentava dificuldades na busca da paz social. Foi um grande desafio para as
tropas de Operações de Paz, principalmente para o Brasil, líder da MINUSTAH e
representado por um Batalhão de Infantaria de Força de Paz.
As Forças Armadas norte-americanas, com sua grande capacidade logística,
assumiram, temporariamente, o protagonismo das ações de ajuda, viabilizando uma
rápida resposta. Conforme comentou o General-de-Divisão P. K. Keen, em texto
publicado na revista Military Review:
Para salvar vidas, na ocorrência de qualquer desastre natural, é
fundamental que se reaja com rapidez e eficácia. No Haiti, essa
necessidade ficou ainda mais clara, devido à devastação do terremoto e à
incapacidade de resposta do governo haitiano. (KEEN , 2011, p. 68)
Neste contexto, houve uma rápida resposta brasileira à solicitação da ONU,
aumentando o contingente brasileiro e contribuindo no esforço da comunidade
internacional na assistência humanitária ao povo haitiano. Essa política trouxe
diversos questionamentos e a possibilidade de formular o problema deste trabalho1:
em que medida a participação das Forças Armadas brasileiras foi importante nas
ações de assistência humanitária no Haiti pós- terremoto 2010 e qual o impacto na
política externa brasileira.
Em face ao problema levantado acima, formularam-se as seguintes
hipóteses para comprovação (ou não):
H1. A participação das Forças Armadas brasileiras no Haiti, pós - terremoto
2010, foi significativa para a consecução dos objetivos da assistência humanitária
internacional naquele país.
H2. No contexto das ações de assistência humanitária, a participação das
Forças Armadas brasileiras no Haiti, pós - terremoto 2010, possibilitaram uma maior
projeção internacional do Brasil.
1
Problema proposto no Projeto de Pesquisa apresentado pelo autor, em 18 Abr. 2011, como prérequisito para a matrícula em programa de pós-graduação lato sensu em Altos Estudos de Política e
Estratégia.
15
H3. As estruturas atuais das Forças Armadas brasileiras, de pessoal e
material, não são suficientes para o emprego efetivo em ações de assistência
humanitária internacional.
Para tal, pretendeu-se no primeiro capítulo identificar os aspectos legais
relativos à participação das Forças Armadas brasileiras na MINUSTAH e o processo
decisório para o aumento do efetivo de tropa pós – terremoto.
Em outro capitulo, será identificada a atuação das Forças Armadas
brasileiras no Haiti, pós- terremoto, abordando-se a participação no apoio à ajuda
humanitária internacional e os aspectos operacionais da Missão.
No terceiro e último capítulo, serão identificadas as perspectivas para
política externa brasileira, decorrentes da participação das F A brasileiras no Haiti.
A metodologia utilizada foi a de pesquisa qualitativa, bibliográfica e
exploratória. Para isso, a coleta dos dados ocorreu por meio de pesquisa
bibliográfica em consulta a obras literárias, em relatórios dos contingentes brasileiros
no Haiti, pós-terremoto de 2010, pesquisa de campo, utilizando como instrumento
questionários com perguntas abertas e fechadas acerca do tema, informações
disponíveis na internet e palestras proferidas na Escola Superior de Guerra.
Dessa forma, o título escolhido poderá servir de parâmetro de avaliação para
as Forças Armadas brasileiras definirem procedimentos ou corrigirem rumos,
referentes ao preparo e emprego de tropas em ações de assistência humanitária
internacional, em função das experiências adquiridas no Haiti.
16
2
ASPECTOS LEGAIS RELATIVOS À PARTICIPAÇÃO DAS FORÇAS
ARMADAS BRASILEIRAS NA MINUSTAH E O PROCESSO DECISÓRIO
PARA O AUMENTO DO EFETIVO DE TROPA PÓS - TERREMOTO
O propósito deste capítulo é discutir os aspectos legais relativos à
participação das Forças Armadas brasileiras na MINUSTAH. Inicialmente,
serão abordadas algumas peculiaridades das operações de manutenção da
paz
e
as
especificidades
jurídicas
da
missão
brasileira
no
Haiti.
Posteriormente, serão descritas as fases do processo decisório de alto nível
que culminou com o aumento de tropas no Haiti, pós - terremoto.
2.1
AS OPERAÇÕES DE MANUTENÇÃO DA PAZ (OMP) SOB A ÉGIDE DA ONU
De acordo com a classificação proposta por Boutros -Ghali, em seu
documento “Uma Agenda para a Paz”, a ONU considera
Peace -Keeping
(Manutenção da Paz) um dos instrumentos apropriados para a prevenção ou
solução dos conflitos internacionais. Portanto, trata -se da presença da ONU
na área de conflito, normalmente envolvendo pessoal civil e militar, com o
consentimento das partes em litígio, a fim de implementar ou monitorar a
implementação de acordos relacionados ao conflito e sua solução, ou para
assegurar o provimento de ajuda humanitária.
O que tipifica inequivocamente uma operação de manutenção de paz
é o consentimento, das principais partes em conflito para a sua realização.
Atualmente as operações de manutenção da paz apresentam as
seguintes características:
-
normalmente ocorrem como resposta a conflitos intra -estatais, ao
invés de interestatais;
-
contemplam variadas tarefas, de cunho militar, civil e humanitário;
-
têm composição variada, com elementos organizacionais militares e
civis;
-
seu mandato é reajustado ao longo do tempo; e
-
desenvolvem-se em ambiente multipolar, não somente em relação às
organizações participantes da missão, como também pela presença
de beligerantes não-estatais (milícias, bandos, tribos e outros).
17
Desse modo, as “tarefas básicas de uma OMP são: criar um ambiente
seguro e estável, facilitar o processo político e assegurar as atividades das
Nações Unidas e outros atores.
Não existe uma organização padrão para as missões de manutenção
da paz. O chefe de toda a missão será o Representante Especial do
Secretário-Geral da ONU (Special Representative of the Secretary-General –
SRSG), que se reporta diretamente ao Secretário-Geral. Normalmente, serão
criados componentes em correspondência às diversas vertentes que a
missão possuir (militar, de observação militar, humanitário, eleitoral, político
e outros).
Além daqueles, a missão também deverá contar com um componente
administrativo dirigido por um Chief Administrative Officer (CAO), que
proporcionará todo o apoio logístico, financeiro e administrativo aos demais
componentes.
O
componente
militar,
normalmente
multinacional,
será
comandado por um Force Commander (FC). Se houver um componente de
observadores militares, ele será comandado por um Chief Military Observer
(CMO), podendo estar o CMO subordinado ao FC ou ao SRSG. Também é
muito comum a constituição de um componente de polícia , conhecido como
CIVPOL.
Atualmente, a ONU está muito bem estruturada para organizar e
controlar as operações de manutenção da paz, tanto em termos institucionais
quanto organizacionais. Ela conta com o Departamento de Opera ções de
Manutenção da Paz (Department of Peacekeeping Operations – DPKO), que
exerce efetivo controle sobre o transcurso da missão, em todas as suas
vertentes.
Este
controle
se
estende
desde
o
acompanhamento
do
cumprimento das tarefas atribuídas aos diversos componentes até os
mínimos detalhes logísticos e administrativos.
2.2
LEGISLAÇÃO BRASILEIRAS PARA AS OPERAÇOES DE PAZ
No seu preâmbulo, a Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988 identifica como fundamento da sociedade brasileira “a harmonia
social comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução
pacífica das controvérsias” e cita, no seu Art. 4º, os princípios que regem
suas relações internacionais, dentre eles: “II - prevalência dos direitos
18
humanos; III - autodeterminação dos povos; IV – não-intervenção; Vigualdade entre os Estados; VI - defesa da paz; VII - solução pacífica dos
conflitos; [...] IX – cooperação entre os povos para o progresso da
humanidade”.
A Política de Defesa Nacional, aprovada pelo Decreto nº 5.484, de 30
junho de 2005, busca interpretar a Constituição prevendo que o Brasil atuará
na comunidade internacional sob a égide de organismos multilaterais,
respeitando os princípios constitucionais e participará de operações de paz,
visando a contribuir para a paz e a segurança internacionais. Traça como
objetivo a contribuição para a manutenção da paz e da segurança
internacionais (BRASIL, 2005, p. 14), orientando intensificar a participação
em ações humanitárias e em missões de paz sob a égide de organismos
multilaterais,
visando
ampliar
a
projeção
do
país
e
reafirmar
seu
compromisso com a defesa da paz e com a cooperação entre os povos
(BRASIL, 2005, p. 17). Indica, também, diretriz estratégica de participar de
missões de paz e ações humanitárias, de acordo com os interesses nacionais
(BRASIL, 2005, p. 21).
A Estratégia Nacional de Defesa, aprovada pelo Decreto nº 6.703, de
18 dez 2008, prevê como diretriz “preparar as Forças Armadas para
desempenharem responsabilidades crescentes em operações de manutenção
da paz”.
A atuação das Forças Armadas Brasileiras em OMP encontra amparo
legal nos documentos já citados e sua forma é dada na Lei Complementar nº
97, de 9 jun1999 (BRASIL, 1999), que dispõe sobre a organização, preparo e
emprego
das
Forças.
Atribui
ao
Estado-Maior
de
Defesa
(Art.
11)
competência para elaborar o planejamento do emprego combinado das
Forças Armadas e assessorar o Ministro de Estado da Defesa na atuação de
forças brasileiras em operações de paz.
A lei nº 2.953, de 17 nov 1956 (BRASIL, 1956), fixa normas para
remessa de tropas brasileiras para o exterior. Esta Lei determina, por
exemplo, que o envio de tropas brasileiras ao exterior depende de aprovação
do Congresso Nacional, mesmo quando se refere a obrigações assumidas
pelo Brasil como membro de organizações internacionais.
19
O MD, criado pela Emenda Constitucional nº 23, de 02 set 1999,
passou, nesta data, exercer o controle do envio de tropas e militares para
missões de paz.
No anexo III do Regimento interno do Estado-Maior de Defesa (EMD)
da Portaria Normativa nº 1.672/MD, ficou estabelecido no Art. 1º as seguintes
competências para o EMD:
I – formular a doutrina e o planejamento do emprego combinado das
Forças Armadas; [...]
VII – propor diretrizes para a atuação das Forças Armadas em
operações de manutenção da paz, bem como acompanhá-las no nível
político-estratégico.
O emprego de tropa das Forças Armadas em OMP é tratado pelo
EMD. O emprego de observadores, oficiais de ligação, oficiais de estado maior e até comandantes da Força de Paz, como os Force Commander, em
OMP, conhecidas na ONU como missões individuais, é tratado pelo
Departamento de Assuntos Internacionais/ Secretaria de Política e Estratégia
e Assuntos Internacionais (DAI/SPEAI).
Quanto à designação e ao preparo de todos os elementos, sejam
missões individuais ou coletivas, a seleção é feita em regime de voluntariado
e o adestramento corre por conta de cada Força Armada, conforme preconiza
o Art. 13 da Lei Complementar nº 97, de 9 jun 1999 (BRASIL, 1999).
2.3
LEGISLAÇAO INTERNACIONAL
BRASILEIROS NO HAITI
AOS
CONTINGENTES
MILITARES
A Carta, assinada em São Francisco (EUA) no dia 26 de junho de
1945, é o documento base para todos os trabalhos das Nações Unidas, que
foram fundadas para “salvar sucessivas gerações do flagelo da guerra”
(UNITED NATIONS, 2008, p. 13). As atividades da ONU relacionadas à
manutenção da paz, embora não explicitamente previsto na Carta, evoluíram
para uma das principais ferramentas utilizadas pela Organização para
alcançar este objetivo.
A Carta confere ao Conselho de Segurança da ONU (CSNU) a
responsabilidade
principal
pela
manutenção
da
paz e
da
segurança
internacionais. Para cumprir o seu papel, o CS pode tomar uma série de
20
medidas, que incluem o estabelecimento de uma OMP, com base legal nos
capítulos VI, VII e VIII.
Enquanto o capítulo VI trata da “Solução Pacífica de Controvérsias”, o
capítulo VII dispõe sobre as “Ações com respeito à Ameaça à Paz, Ruptura
da Paz e Atos de Agressão”. O capítulo VIII prevê o envolvimento de
organizações regionais na manutenção da paz e da segurança internacionais,
desde que as atividades desenvolvidas sejam coerentes com os propósitos e
princípios delineados na Carta (UNITED NATIONS, 2008, p. 13).
As OMP não estão previstas na Carta. Contudo, o CS considera o
assunto como sendo um capítulo seis e meio, sintomaticamente colocado
entre o capítulo VI e o VII, que prevê a utilização de meios mais coercitivos,
tais como o recurso, em extremo, de forças militares.
As OMP são referendadas pelo CSNU, que decide o mandato, a
composição da força que será enviada para o terreno e o orçamento da
operação. As Nações Unidas não possuem um exército próprio, sendo os
Estados que fornecem os contingentes necessários à operação. A direção
política e executiva da operação no terreno cabe ao DPKO, subor dinado ao
Secretário Geral.
O
tempo
necessário
para
constituir uma
missão
pode
variar,
sobretudo, consoante a vontade política dos Estados em contribuírem com
tropas. É importante ressaltar que uma resolução do CSNU que dê início a
uma operação de paz com respaldo no Capítulo VII da Carta das Nações
Unidas não a transforma automaticamente em uma imposição da paz. É certo
que todas as operações de imposição da paz são amparadas pelo referido
capítulo, porém tem sido observada uma tendência, por parte do CSNU , de
amparar as operações de manutenção da paz também nesse mesmo
capítulo, particularmente nas missões em que exista um risco mais elevado
para a força de paz.
Assim procedendo, o CSNU garantiu ao contingente militar br asileiro
no Haiti, pertencente à
MINUSTAH, por intermédio da Resolução nº 1542
(2004), o pleno exercício do direito de autodefesa e, também, um poder
coercitivo ampliado, de forma a favorecer o cumprimento do mandato contido
na resolução.
21
Além da referida Resolução, o componente militar br asileiro está
amparado por um arcabouço legal, sem o qual o Brasil e a própria ONU
poderiam ser alvo de processos judiciais das mais diversas naturezas. Este
arcabouço é constituído por um conjunto de documentos, dentre os quais se
destacam os que serão descritos a seguir.
2.3.1 Memorando de Entendimento (Memorandum of Understanding –
MOU)
O MOU é um documento que expressa um acordo entre um Estado membro e a ONU, sendo utilizado nas inúmeras atividades da organização.
No caso das operações de manutenção da paz, é empregado para regular o
entendimento bilateral entre a ONU e cada um dos países que enviarão
tropas ou outros meios militares para a missão. O documento deixa claro o
que a ONU espera do país contribuinte e vice-versa, em termos de efetivos e
capacidades. Os aspectos admistrativos e financeiros são contemplados.
As capacidades requeridas e os reembolsos a serem recebidos pelo
país participante, constantes do MOU, são baseados em um conjunto de
normas da ONU hoje consolidadas sob a forma de um manual d enominado
Manual on Policies and Procedures Concerning Reimbursement and Control
of
Contingent-Owned
Equipment
of
Troop-Contributors Participating
in
Peacekeeping Missions, mais conhecido como Manual COE.
2.3.2 Acordo sobre o Status da Força (Status of Force Agreement –
SOFA) e Acordo sobre o Status da Missão (Status of Mission
Agreement – SOMA)
Tão logo a operação seja autorizada pelo CSNU, a ONU tentará
estabelecer um SOFA ou SOMA com o país-anfitrião, o primeiro abrangendo
somente a presença dos contingentes da operação e o último abarcando
todos os componentes civis e militares da missão, cobrindo, dentre outros, os
seguintes aspectos:
-
o status da operação e de seus membros;
-
a responsabilidade pela jurisdição civil e criminal sobre os membros
da operação;
-
taxas, impostos e regulações fiscais aplicáveis aos membros da
operação;
22
-
liberdade de movimento, incluindo o uso de rodovias, aquavias,
instalações portuárias e aeroportos;
-
fornecimento de água, eletricidade e outros serviços públicos;
-
pessoal localmente recrutado (conhecido como Local Staff);
-
solução de disputas e reclamos;
-
proteção do pessoal da ONU; e
-
aspectos de ligação (ONU – governo local).
A importância do SOFA/SOMA reside na capacidade de regular o
relacionamento entre a força de paz e o país-anfitrião.
A existência de um SOFA/SOMA não eximirá a ONU de proceder às
investigações, porém facultará à organização a prerrogativa de, uma vez
comprovada a culpabilidade de alguns de seus membros em episódios como
os acima descritos, promover a repatriação dos cu lpados a seus países de
origem, para julgamento e punição em conformidade com o direito interno
desses países. Caso contrário, teriam que ser entregues à justiça do país anfitrião.
2.3.3 Regras de Engajamento (Rules of Engagement – ROE)
As ROE definem os parâmetros que orientarão o modo como a força
de paz operará, particularmente quando se encontrar, como o próprio nome
já prenuncia, em situação de engajamento contra forças hostis. Relembra -se
que, mesmo em uma operação de manutenção da paz, poderá haver
indivíduos ou grupos minoritários que sejam contrários à missão, ou
situações específicas nas quais as condições de segurança da força se
deteriorem inesperadamente, exigindo o uso da força por parte dos
contingentes integrantes da missão, em nome de sua autodef esa ou defesa
das pessoas e bens sob responsabilidade da ONU.
As ROE são elaboradas pelo Comandante da Força, após consulta
aos contingentes nacionais componentes, cabendo ao DPKO sua aprovação
final. São formuladas com base nos seguintes princípios:
-
uso da força somente quando necessário;
-
uso da força mínima requerida;
-
resposta proporcional;
-
interrupção do uso da força quando cessar a hostilidade;
23
-
identificação positiva do alvo; e
-
minimização do dano colateral.
2.3.4 Orientações para os Países que Contribuem com Tropas para uma
Operação de Manutenção da Paz (Guidelines for Troop
Contributing Countries)
Este
documento,
informalmente
conhecido
como
Guidelines,
é
preparado para cada missão de paz, embora normalmente apresente
estrutura e conteúdo relativamente padronizados. Nele estão regulados todos
os procedimentos aplicáveis às tropas participantes de uma operação de
manutenção da paz.
Seu conteúdo geralmente abrange as informações gerais a respeito
do país-anfitrião, o mandato recebido do CSNU, os objetivos gerai s da
operação e os aspectos operativos, organizacionais, logísticos e financeiros
da missão. Avultam de importância os aspectos administrativos e financeiros,
pois neles serão abordados os direitos, deveres e procedimentos dos
contingentes militares perante a ONU, aprofundando o contido no MOU.
2.3.5 Procedimentos Operativos
Procedures-SOP)
Os
chamados
SOP,
como
Padronizados
seu
nome
(Standard
indica,
Operating
padronizam
os
procedimentos individuais e coletivos das tropas quando inseridas em
operações de manutenção da paz. Esses procedimentos estão fartamente
documentados nas publicações e no material de instrução e adestramento
produzidos pelo DPKO.
Seu descumprimento deixa o militar ou o contingente “a descoberto”,
sem o respaldo da ONU. Supondo-se, por exemplo, que ocorra a morte de
civis em um episódio em que um ou mais SOP tenham sido negligenciados,
os militares participantes da ação poderão ser responsabilizados pela
fatalidade.
Da mesma forma, as indenizações previstas no caso de falecimento
ou ferimento grave de um militar, em situação similar, provavelmente não
serão pagas ou no mínimo exigirão um esforço processual por parte do
governo do militar vitimado.
24
2.4 PROCESSOS DECISÓRIOS
O objetivo específico deste subtítulo é identificar o processo decisório
de alto nível que culminou no aumento de tropas no Haiti. Para isto, será
descrito o processo decisório e identificado os fatos ocorridos nas diferentes
instâncias do Governo.
2.4.1 Descrição do processo
O processo decisório modelado no Brasil para a participação em uma
operação de manutenção da paz pode se iniciar antes ou depois da decisão
de se estabelecer uma missão desse tipo, tomada na ONU. Didaticamente, o
processo decisório pode ser fracionado em duas fases 2, uma fase informal e
uma fase formal, cuja divisão pode não ser tão nítida.
A primeira fase caracteriza a consulta da ONU ao Governo Brasileiro
sobre a possibilidade, ou não, de atender a solicitação do Secretariado da
ONU na participação em uma operação de paz. O objetivo da fase é evitar o
desgaste diplomático de uma resposta negativa formal.
A fase formal, só se inicia após uma sinalização positiva quanto ao
atendimento do pleito formulado, caracteriza a formalização dos contatos e
por oficializar e documentar o processo. Percorre -se, nesta fase, o rito
processual do relacionamento Brasil-ONU, assim como os processos
normativos internos do Governo Brasileiro e da ONU.
2.4.2 Fase informal
Inicia-se a fase quando a ONU estabelece contato com o Governo
Brasileiro, através da Missão Permanente do Brasil junto a ONU, mediante
uma consulta informal do Secretariado da ONU, normalmente algum setor do
DPKO, sobre uma determinada demanda. Essa consulta pode ser feita em
diferentes níveis de acesso e de interlocutores.
Pode haver contato:
– do Chefe do DPKO com o Representante Permanente do Brasil
junto à ONU
2
3
(opção menos utilizada);
Apresentação do MD – EMD na Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica, aos
estagiários do Curso de Política e Estratégia Aeroespacial, realizada em 15 abr. 2009.
3
Título pelo qual é conhecido o Embaixador do Brasil junto à ONU e Chefe da Missão Permanente
do Brasil junto à ONU (MP).
25
– do Chefe do OMA 4 (Assessor Militar da ONU) com o Conselheiro
Militar da Missão Permanente; e
– dos Chefes dos Serviços subordinados ao OMA, ou de integrantes
dos mesmos, com diplomatas ou com os assessores do Conselheiro Militar.
É usual emitir nota verbal 5 para a Missão Militar Permanente do Brasil
junto a ONU, endereçada ao Embaixador, ou ao Conselheiro.
O Embaixador encaminha a consulta ao Ministério das Relações
Exteriores, normalmente via telegrama, com o máximo de informações
possíveis e, também, com algum assessoramento pertinente que, por sua
vez, repassa a consulta ao Ministério da Defesa. Usualmente, devido à
urgência, há, também, comunicação do Conselheiro Militar diretamente com o
Secretário de Política Estratégia e Assuntos Internacionais do MD (SPEAI) e
com o Chefe do Estado-Maior de Defesa (CEMD), por meio de fax, visando
adiantar as tratativas. Tais consultas são levadas às Forças para avaliação
da disponibilidade de meios, ou seja, pessoal, equipamentos e capacidade de
manter o apoio logístico.
Por sua vez, o MRE faz gestões junto aos Ministérios da Fazenda
(MF) e Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) para verificar a
disponibilidade de recursos financeiros a serem inte grados ao orçamento de
modo a sustentar a nova missão.
Com uma visão completa a respeito do tema e ciente de todas as
implicações, o Presidente da República é consultado e poderá emprestar seu
peso político à decisão de empregar tropas. Tal consulta virá do Ministro de
Estado das Relações Exteriores acompanhado, ou não , do Ministro de Estado
da Defesa. Pode haver reavaliações de disponibilidade de recursos, tanto
financeiros quanto de pessoal e material após esta consulta.
Com a resposta afirmativa do mandatário da nação, o MRE faz
contato informal com a ONU, através da MP. Caso negativo, o processo se
4
Escritório de Assuntos Militares (Office of Military Affaires – OMA), um dos quatro escritórios
subordinados ao DPKO. Seu Chefe é contratado pela ONU, indicado pelos estados membros e escolhido pelo
DPKO. O cargo deve ser ocupado por um
Tenente-General (três estrelas). Trata-se do cargo de maior nível a ser ocupado por um militar na
Organização, é também conhecido como Assessor Militar da ONU.
5
Documento usado na ONU para comunicação com setores das Missões Permanentes dos
diversos países.
26
encerra. Cabe ressaltar, aqui, a relevância da consideração política nesse
momento. A resposta de retorno deve ser consistente e racional, sob pena de
comprometer a credibilidade não só dos interlocutores, mas do Estado
Brasileiro junto à ONU.
2.4.3 Fase formal
A fase formal do processo decisório tem início após o MRE ter
comunicado à ONU que concorda com a participação militar do Brasil na
missão em pauta. A ONU formaliza a consulta enviando documentação à MP.
É comum que alguns aspectos sejam mais detalhados em razão do
aprofundamento das análises.
O documento recebido na MP é encaminhado ao MRE, acompanhado
de novas observações e assessoramentos. Da mesma forma que na consulta
informal, o MD e as Forças podem receber o acionamento em canal paralelo.
O MRE, por sua vez, retransmite ao MD. Os dois ministros elaboram uma
Exposição de Motivos Interministerial ao Presidente da República expondo a
intenção de enviar as tropas.
Na Presidência da República, particularmente na Casa Civil, é
elaborada uma Mensagem ao Congresso Nacional que encaminha a
Exposição de Motivos para cumprir o previsto na lei nº 2.953, de 17 nov.
1956, para que o Congresso possa autorizar o envio de tropa brasileira
armada ao exterior.
Após tramitação interna, o Congresso Nacional autoriza o Presidente
a enviar tropas ao exterior, mediante um Decreto Legislativo, por sua vez, o
Presidente emite um Decreto Presidencial, determinando as providências
pertinentes por parte do Poder Executivo. O Ministro da Defesa, então,
elabora a Diretriz Ministerial contendo todos os dados necessários à missão.
2.4.4 Fatos que possibilitaram o reforço de tropa na MINUSTAH
Conforme podemos extrair do Apêndice A – Eventos do reforço da
tropa na MINUSTAH – o processo decisório foi cumprido de forma bastante
acelerada, sobrepondo-se as fases informal e formal.
Logo após o terremoto no Haiti, o Conselho de Segurança da ONU
adotou a Resolução n° 1908, ampliando os componentes milit ar e policial
27
para fazer face às novas demandas de segurança e humanitárias. A fase
informal já havia começado. O Fax n° 017, do Conselheiro Militar, mostra que
autoridades governamentais já tratavam dos requisitos operacionais para a
tropa a ser desdobrada, denotando certo avanço nas conversações.
No dia 20 de janeiro, oito dias após o sinistro, o Conselheiro Militar da
MP solicitava a formalização do oferecimento da tropa, fato concretizado no
Fax nº 017, do CEMD, onde está acertado o oferecimento de um b atalhão
constituído por 900 militares, o BRABATT 2 6.
O Alte Zuccaro (apud EDSON, 2010, p 43) esclarece, em sua
entrevista, que “o Brasil foi consultado pelo DPKO que o Ministro da Defesa
entendeu ser possível esta participação, indo despachar com o Presid ente da
República”, passo nítido da fase informal.
No dia seguinte, 21 Jan 2010, fora enviado ao Congresso Nacional a
Mensagem Presidencial submetendo à apreciação da casa a Exposição de
Motivos dos Ministros de Estado da Defesa e das Relações Exteriores,
relativa
ao
aumento
do
contingente
brasileiro
para
a
MINUSTAH,
caracterizando a fase formal do processo. Logicamente, pode -se inferir que
os demais passos da fase já haviam sido adotados, quais sejam, a consulta
formal da ONU à MP e a própria Exposição de Motivos Interministerial.
Em 25 Jan 2010, cinco dias após o envio da Mensagem Presidencial,
o Congresso autorizou o envio da tropa, emitindo Decreto Legislativo nº 75.
No dia seguinte, o Presidente da República assina a Medida
Provisória nº 480, abrindo crédito extraordinário, caracterizando, também, as
conversações informais com o setor orçamentário do governo.
Pode-se depreender da entrevista com o Alte Zuccaro (apud EDSON,
2010, p 43) que as Forças foram consultadas efetivamente. O Exército se
prontificou a oferecer os 900 militares e a Marinha ofereceu, inicialmente, 90
homens, mais tarde, ofereceu até 400 homens. O Chefe do Estado -Maior de
Defesa chegou à conclusão que o Brasil poderia oferecer mais do que a ONU
havia solicitado, então levou para o Ministro um contingente de 1300 homens.
Por sua vez, o Ministro decidiu oferecer só 900 para a ONU, mas decidiu,
6
Nome pelo qual ficou conhecido, na ONU, o 2º Batalhão Brasileiro da Força de Paz do Haiti é, na
realidade uma abreviatura de Brazilian Battalion 2.
28
também, manter o adicional de 400 em condições de pronto oferecimento, o
que está configurado no efetivo (1300) aprovado pelo Congresso Nacional.
A composição do reforço de tropa ficou sendo: 809 militares do
Exército; um militar da FAB; e 90 fuzileiros navais.
Outro fato interessante foi o estabelecimento de um Gabinete de Crise
no Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. Apesar
da decisão de enviar o BRABATT 2 pouco ter a haver com suas decisões, é
licito supor que ajudou a manter na pauta governamental o problema do Haiti,
sem o qual outros problemas poderiam tê-lo ofuscado. No Gabinete de Crise
foram discutidas e decididas várias ações de caráter humanitárias, em
benefício do povo haitiano.
29
3
ATUAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS BRASILEIRAS NO HAITI, PÓSTERREMOTO 2010
Este capítulo tem como propósito a analise da atuação das FA no Haiti, pós-
terremoto, abordando-se a participação no apoio a ajuda humanitária internacional e
os aspectos operacionais da Missão.
Como foi visto no capítulo anterior, processo decisório, o Brasil atendeu a
solicitação da ONU, em aumentar o efetivo do 12º Contingente brasileiro no Haiti
para atender as necessidades de ajuda humanitária, enviando outro Batalhão,
composto por 900 homens e todos os materiais de emprego militar necessários
(viaturas, armamentos, munições e equipamentos diversos).
3.1
PARTICIPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NA ASSISTÊNCIA HUMANITÁRIA
Logo após a hecatombe, visitaram o Haiti o Ministro da Defesa Nelson
Jobim, em companhia dos Comandantes do Exército, General Enzo Martins Peri, da
Marinha, Almirante Júlio Soares de Moura Neto, equipes dos Ministérios da Defesa e
das Relações Exteriores para avaliar a situação.
Frente ao evento e à demanda de apoio imediato, o governo brasileiro
iniciou um plano emergencial, elaborado e coordenado pelo Gabinete de Segurança
Institucional da Presidência da República, o qual estabeleceu um Gabinete de Crise
para enfrentar os problemas mais graves então identificados.
Tal plano focava o sepultamento dos mortos, socorro médico aos feridos,
remoção de destroços, reforço da segurança nessas operações, apoio às tropas
brasileiras em missão naquele país e distribuição de suprimentos de todos os tipos.
Sobre a estratégia traçada pela comitiva brasileira no Haiti, após reuniões
com comandantes militares do Haiti, a imprensa publicou o seguinte:
“[...]. De acordo com o Ministério da Defesa, 15 engenheiros serão enviados
ao Haiti para reforçar o Batalhão de Engenharia do Exército, que também
vai receber equipamentos pesados da construtora OAS, que realiza obras
no país, para auxiliar na retirada dos escombros e desobstrução das ruas,
principalmente para garantir o acesso da ajuda humanitária e serviços de
resgate.
Os engenheiros brasileiros também ajudarão no sepultamento dos corpos.
A grande quantidade de mortos espalhados pelas ruas preocupa as
autoridades pelo risco de epidemias e contaminação. O governo brasileiro
vai sugerir às autoridades haitianas a indicação de um local para construção
de um cemitério.
[...]Um total de 46 militares - entre médicos e enfermeiros - deve integrar o
hospital de campanha montado pelo governo brasileiro. Também serão
30
enviados equipamentos para centro cirúrgico, unidade de terapia intensiva
(UTI), aparelho para raio-X, laboratório e módulos para atendimento
ambulatorial[...]
Disponível
em:
<http://www.informes.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id
=2335:governo-brasileiro-detalha-plano-de-ajuda-ao-haiti&catid=1:latestnews&Itemid=108>- Acesso em 01ago.2011.
A primeira providência tomada pela tropa brasileira no Haiti, após o
terremoto, foi a tentativa de salvar os militares que haviam ficado presos nos
escombros do Hotel Cristopher (sede da MINUSTAH) e na Casa Azul (prédio que
abrigava um grupo de combate do EB), além de recolher os corpos dos militares
mortos.
Figura 1 - Casa Azul antes do Terremoto
Figura 2 - Casa Azul pós-terremoto
Imediatamente após o terremoto, começaram chegar inúmeros feridos,
alguns mutilados, procurando atendimento médico na Base do BRABATT, sendo
necessário montar um hospital improvisado para atendimento dos casos mais
graves.O efetivo de médicos e enfermeiros foi considerado insuficiente para o
atendimento à grande quantidade de vítimas.
Figura 3 - Hospital improvisado no BRABATT
31
Para atender o plano de emergência traçado pelo Gabinete de Crise, a partir
do dia 14 de janeiro de 2010, foi estabelecida uma ponte-aérea de suprimentos entre
o Brasil e o Haiti, visando ao transporte de víveres, remédios e os mais diversos
materiais de apoio, para atender à população local. Ainda, foram enviadas equipes
de resgate e o Hospital de Campanha da FAB (HCAMP), juntamente com o suporte
necessário à sua manutenção, para um período inicial de 45 dias. Paralelamente,
foram repatriados civis sobreviventes e os corpos dos militares brasileiros falecidos
em decorrência desta catástrofe.
De acordo com Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados
(UNHCR), por ocasião do terremoto, estima-se que morreram cerca de 217.000
pessoas, além de mais de três milhões de pessoas (1/3 da população) que foram
diretamente afetadas pela catástrofe, e da destruição de cerca de 1,3 milhões de
casas. Estimou-se ainda que cerca de 500.000 pessoas foram obrigadas a se
refugiar fora da capital Port-au-Principe.
Figura 4 - Consequências do terremoto
As Forças Armadas brasileiras desenvolveram esforços para apoiar a
população desabrigada em relação às necessidades básicas. A distribuição de
barracas, material de higiene, alimentos e outros, provenientes do Brasil, foi
32
realizada na área de responsabilidade do contingente brasileiro em Port-au-Principe.
Contudo, por determinação da MINUSTAH, foram realizadas atividades de
segurança em outras áreas e nos comboios que transportavam itens de ajuda
humanitária.
Segundo relatório da FAB, foram transportadas, 2.759,88 toneladas de ajuda
humanitária (alimentos, remédios, itens de primeira necessidade) e apoio ao
contingente do MINUSTAH, no ano de 2010, com aeronaves C-130 (Hércules),
KC137, C-105 (Amazonas) e C-99. Foram voadas, em 2010, 3.769 horas no apoio
ao terremoto do Haiti e ao contingente da MINUSTAH. Ressalta-se que cerca de
2.000 horas foram efetivadas no apoio ao terremoto.
Comparativamente, foram transportadas cerca de 370 toneladas de
equipamentos e materiais no apoio aos contingentes do MINUSTAH, em 2009. No
primeiro semestre de 2010, o volume de carga transportada ampliou-se em quase
sete vezes em relação a 2009, totalizando 2759 toneladas de apoio logístico.
Nota-se que a média de transporte de carga aérea, no período de 2004 a
2009, ampliou-se com a disponibilização de horas de vôo na faixa de 800 horas
anuais, para um grande incremento que totalizou cerca de 3.700 horas, só no
primeiro semestre de 2010. Além do transporte logístico, foram utilizadas aeronaves
de transporte de pessoal (C-99, C-130 e KC-137), para o translado de pessoal
especializado, autoridades brasileiras e corpos de militares e civis brasileiros.
Entre janeiro e maio de 2010, foram efetuados mais de 50.000
procedimentos de enfermagem, cerca de 20.000 atendimentos pelo Hospital de
Campanha da FAB, além de ultrassonografias, exames de RX, laboratoriais e
atendimentos odontológicos.
De acordo com o relatório da MB, o Grupamento Operativo dos Fuzileiros
Navais, integrante do BRABATT1, foi aumentado em
90 homens (3 oficiais e 87
praças), 4 Vtr ½ Ton TNE Land Rover, 1 Vtr 5 Ton UNIMOG e 2 VBTP Piranha IIIC.
E no período de 29 de janeiro a 8 de junho, os Navio de Desembarque de Carros de
Combate (NDCC) “Almirante Sabóia” e o NDCC “Garcia D´Ávila, realizaram cada
um duas viagens ao Haiti e transportaram juntos 1087,893 Ton de carga para a
33
tropa (viaturas, geradores, alimentos, etc) e 1021,623 Ton de carga para ajuda
humanitária (colchões, material de higiene, gêneros alimentícios etc), sendo 6,2 Ton
de água doada pelo Suriname, perfazendo um total de 2109,516 Ton de carga.
Figura 5 - NDCC “Almirante Sabóia”
Figura 6 - NDCC “Garcia D`Ávila”
Cabe ressaltar, também, o emprego conjunto da Marinha Brasileira com a
Marinha Italiana, contribuindo para projetar o Brasil no cenário internacional:
[...] A Itália – retomando as palavras do Ministro italiano das Relações
Exteriores Franco Frattini – está profundamente próxima ao povo do Haiti
tão duramente atingido por esta terrível catástrofe e não poupará esforços
para estar concretamente perto ao povo do Haiti. Desde as primeiras horas
o Governo italiano ativou-se para adquirir informações e organizar as
primeiras operações de socorro, mantendo uma estreita coordenação
com as Nações Unidas e com os principais parceiros, entre os quais
em especial o Brasil.
Neste quadro de forte empenho, o Governo italiano resolveu enviar para o
Haiti o Porta-Aviões “Conte di Cavour” da Marinha Militar Italiana, com a
finalidade de fornecer uma base de apoio para as esquadras de operadores
italianos e de outros Países parceiros presente. A embarcação partiu na
última terça-feira 19 de janeiro.
A decisão do Governo italiano relativa ao envio do Porta-Aviões “Conte di
Cavour”, no âmbito de uma operação humanitária conjunta entre a Itália e o
Brasil...
Esta colaboração constitui um reconhecimento por parte da Itália do forte
empenho do Governo brasileiro na assistência humanitária em favor da
população da ilha caribenha. A mesma, outrossim, integra-se plenamente
com os esforços italianos em favor do Haiti e insere-se no quadro de uma
geral retomada da cooperação entre Itália e o Brasil em todos os setores...
A contribuição brasileira será constituída por:
1 Helicóptero AS 332 F1 “Super Puma” + tripulação e suporte (6 oficiais, 26
suboficiais, graduados de tropa e comuns); 1 Helicóptero AS 350/355
“Ecureuil” + tripulação e suporte (3 oficiais, 10 suboficiais, graduados de
tropa e comuns); Esquadra para evacuação de área: 1 oficial médico, 2
suboficiais; Pessoal médico e para-médico militar.
Os equipamentos sanitários serão empregados conjuntamente pelo pessoal
italiano e brasileiro no hospital do Porta-Aviões “Conte di Cavour”.Grifo
nosso.
34
Figura 7 : Porta-Aviões “Conte di Cavour”
Segundo o relatório da Marinha do Brasil:
[...] O MMI “CAVOUR”, além de porta-aviões, é um navio de múltiplo
emprego logístico, tendo sido considerado, em sua concepção, seu uso em
operações humanitárias e de suporte às operações militares. A área médica
do MMI “CAVOUR” é composta, principalmente, por uma secretaria; uma
sala de Suporte Avançado de Vida - SAV; um consultório médico anexo,
com medicamentos de pronto uso e rede de frios; três enfermarias com 4
beliches (8 leitos) cada; tomógrafo digital (fig. 2) e Raios-X (fig. 3);
complexo cirúrgico composto de chefia de enfermagem, UTI com 8 leitos,
sala de banho para queimados e com fraturas expostas, sala de parada
(SAV); e duas salas cirúrgicas radioprotegidas. Nas cobertas abaixo conta,
ainda, com consultório odontológico, laboratório de análises clínicas - LAC e
paióis de medicamentos. Com exceção das duas aeronaves brasileiras,
Super Puma e Esquilo, empregadas na operação, todo material empregado
foi italiano.
Na tripulação italiana havia uma equipe de mergulhadores, com um
Capitão-de-Fragata Médico com o Curso Especial de Medicina de
Submarino e Escafandria para Oficiais (MEDSEK), e uma câmara
hiperbárica móvel. A presença desta unidade hiperbárica facilitou o
referenciamento de pacientes, para revitalização de tecidos comprometidos.
O navio permaneceu fundeado durante toda comissão. Foram realizados
1.400 atendimentos, sendo 739 na localidade de Saint Marc e 661 na
localidade de Jéremie. A média foi de 36 atendimentos/dia, tendo sido
realizadas 35 tomografias, 44 ultrassonografias e 81 raios-X.[...]
Com isso, pode-se afirmar que a situação de pronto emprego das tropas do
EB , as aeronaves da FAB e seu H Camp, os Navios de Desembarque de Carros de
Combate (NDCC) “Almirante Sabóia” e NDCC “Garcia D´Ávila” e do Corpo de
Fuzileiro Navais permitiram ao Brasil participar da assistência humanitária
internacional realizada no Haiti, contribuindo para a projeção do Poder Nacional (
soft power projection).
A Escola Superior de Guerra define Poder Nacional como sendo:
35
[...] o processo pelo qual a Nação aumenta, de forma pacífica, sua influência
no cenário internacional, por intermédio da manifestação produzida com
recursos de todas as Expressões de seu Poder Nacional. (ESG, 2009)
3.2
ASPECTOS OPERACIONAIS
Os Batalhões de Infantaria de Força de Paz, paralelamente às atividades de
assistência humanitária, continuaram garantindo um ambiente seguro e estável no
país vitimado, não havendo portanto solução de continuidade no cumprimento da
missão. As atividades foram facilitadas devido o aumento do efetivo das tropas
brasileiras no Haiti representada pelo BRABATT2.
Sobre a atuação das Forças Armadas brasileiras, o Embaixador Igor Kipman
afirma em sua entrevista:
“[...] As Forças Armadas brasileiras, em sua participação na Missão das
Nações Unidas para a Estabilização no Haiti – MINUSTAH – têm
desempenhado papel central na manutenção de um ambiente estável e
seguro no Haiti, em especial em sua Capital, Porto Príncipe, onde se
encontram suas áreas de operação. Não fora por esta garantia, os grandes
avanços alcançados após o terremoto no campo da democracia e do
Estado de Direito não teriam sido possíveis, como a realização de eleições
livres e democráticas, que conduziram ao Governo do Haiti um candidato da
oposição. Não podem ser tampouco esquecidas as Ações Cívico Sociais –
ACISOs – levadas frequentemente a cabo por todas as unidades brasileiras
que integram a MINUSTAH e que aliviam as precárias condições em que
vive grande parte da população da capital do país. Em relação à resposta
específica aos danos provocados pelo terremoto não posso deixar de
destacar o trabalho realizado pelo Companhia de Engenharia do Exército
brasileiro – BRAENGCOY – desde a remoção de escombros, pavimentação
de vias públicas (em parceria com a Agência Brasileira de Cooperação do
Ministério das Relações Exteriores), perfuração de poços artesianos,
recuperação de pontes etc.(Kipman, 2011)
Vale ressaltar que o sucesso do emprego da tropa no Haiti se deve em
grande parte aos treinamentos realizados na Fase de Preparação da Tropa, ainda
no Brasil, nos seis meses que antecedem o início da Missão.
A preparação da tropa militar brasileira para as Operações de Paz obedece
a critérios consolidados, adquiridos ao longo das missões anteriores, que são
repassados a cada novo contingente, resultando excelentes resultados na fase do
emprego.
36
A ONU considera os países participantes como responsáveis direto pela
instrução individual e pelo adestramento das unidades na Missão, os quais devem
obedecer às orientações contidas no UN Standardized Training Module7 - STM.
Cada Força Armada é a responsável pela preparação8 técnico profissional
de seu contingente, abrangendo instruções gerais9, que envolve os procedimentos,
leis, regras da ONU; e particulares10, que aborda informações sobre a missão, clima
do país, costumes da população etc.
Figura 8 : Fase do preparo da Tropa
Como já mencionado, ao término do processo decisório o Ministério da
Defesa emitiu uma Diretriz Ministerial estabelecendo orientações gerais para os
Comandos das Forças relativas ao emprego da tropa.
Iniciada a operação militar, o EMD coordenará os sistemas operacionais de
Comando e Controle, Inteligência e, principalmente, Logística. Este último,
por meio do Centro de Coordenação Logístico (CCL), com sede no Rio de
Janeiro, e com a participação das três Forças, realiza as atividades de
integração de modais de transporte com a priorização de embarque, ouvido
o Contingente, para que seja feito o suprimento e o ressuprimento do
contingente empregado, incluídas as atividades aduaneiras referentes aos
materiais e equipamentos destinados às tropas. (BRASIL, 2009, p.20)
7
Módulos de Treinamentos Padronizados [tradução nossa].
Conforme do Manual do Ministério da Defesa MD33_M_01(Brasil, 2006, p.31).
9
Também conhecida como preparação completa.
10
Também conhecido como preparação específica.
8
37
No âmbito das Forças Armadas, o Comando de Operações Terrestre
(COTER11) do EB e a Força de Fuzileiros da Esquadra, subordinada ao Comando de
Operações Navais, são os órgãos responsáveis por orientar o preparo e coordenar o
emprego, assim como, conduzir as avaliações da tropa em missão de paz.
Para a realização das atividades listadas acima, o COTER conta com uma
Divisão de Missões de Paz que é encarregada de planejar e coordenar a
mobilização, o preparo, o acompanhamento e o apoio às missões em andamento.
Na busca de melhor atender a demanda daqueles que estão no exterior, foi criado o
Grupo de Acompanhamento e Apoio às Missões de Paz no Âmbito da Força
Terrestre (GAAPAZ)12.
Atualmente, o preparo do contingente tem duração, em média, de 14
semanas de instrução, que inclui, além da instrução militar para a tropa, estágios de
comandante e estado-maior, estágios de comandantes de fração, estágios
específicos e exercícios de avaliação. A instrução militar é executada nas
Organizações de Origem dos militares, com concentrações periódicas para
padronização. (BRASIL, 2009, Anexo I)
O Centro de Instrução de Operações de Paz (CI Op Paz)13 é responsável
pelos estágios de comandantes e estado-maior e pelos exercícios de avaliação, que
caracteriza o término da Fase do Preparo.
O Cel Lourenço, oficial de Logística do BRABATT2, descreve em seu TCC
(em fase de elaboração)14:
“[...] Devido a exigüidade de tempo e por necessidade de emprego imediato,
o BRABATT2, não realizou a preparação preconizada. Além disso, as
atividades administrativo-logísticas demandariam emprego de parcela
significativa do batalhão. Deve-se somar que não havia espaço de tempo
útil para reunir o material, necessário para a preparação, como munição,
equipamentos e outros. Assim, o COTER adotou como estratégia
11
De acordo com a Portaria nº 020-EME, de 10 Mar. 2006, o COTER é o grande planejar e
coordenador do emprego da tropa em missão de paz, sendo responsável pela preparação, emprego
e desmobilização.
12
O GAAPAZ foi criado pela Portaria n 481 do Comandante do Exército, de 11 Ago.2004.
Em 15 de junho de 2010, o Centro de Instrução de Operações de Paz teve alterada a sua
denominação para Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB), com a finalidade de
preparar militares e civis brasileiros e de nações amigas a serem enviados em missões de paz .
13
14
A participação do Brasil em Operações de Paz: o impacto estratégico do maior envolvimento do
Exército Brasileiro no período pós-terremoto do Haiti, de autoria de Fernando Lourenço da , a ser
editado pela ECEME, Nov. 2011.
38
determinar a seleção de voluntários que já tivessem experiência em Missão
de Paz, preferencialmente no Haiti.
Porém, não foi possível reunir 100% de efetivo com experiência. Cerca de
50% dos Cabos e Soldados e 30% dos Subtenentes e Sargentos, das mais
diversas regiões do País, não tinham participado de Missão de Paz. A tropa
foi para o Haiti com uma semana de treinamento básico.
Contudo, não houve perda da eficiência e eficácia no emprego. Os militares
rapidamente adaptaram-se a missão, desdobrando-se para realizar as
tarefas com igual resultado do BRABATT1. Houve uma grande superação,
força de vontade, motivação e determinação de ultrapassar as dificuldades.
Deve-se citar que não havia tempos mortos no BRABATT2, pois nos
intervalos do combate, a tropa era empregada nas atividades de montar a
infra-estrutura do acampamento. Barracas eram erguidas, fundações
cimentadas, linhas de transmissão montadas, tubulações enterradas e
outras tantas tarefas necessárias. Mas, mesmo com toda essa gama de
serviço, não houve uma missão operacional que deixou de ser executada.
Conclui-se, então, que houve impacto positivo na estratégia adotada pelo
COTER para o desdobramento do BRABATT2, pois mesmo sem a
preparação preconizada do contingente, não houve perda na
operacionalidade. A tropa brasileira soube representar o País, superando as
adversidades de um Haiti destruído e a grande demanda de atividades
operacionais, com elevada eficiência e eficácia, permitindo inferir que o
nível de instrução militar brasileiro é elevado, com seus quadros de elevada
capacidade.
A Fase de Emprego das Forças brasileiras, pós-terremoto, caracterizou-se
por inúmeros desafios a serem vencidos. De acordo com o Cel Ajax Porto Pinheiro,
ex-comandante do BRABATT1, em entrevista a revista Dialogo, Vol 20 Nr 2 de
2010):
[...] Há quatro fatores clássicos de decisão: missão, inimigo,terreno e meios.
Aqui não tem inimigo, tem força adversa, que são o crime organizado,as
gangues e as quadrilhas. Antes do terremoto, os criminosos mais perigosos
estavam presos e os que estavam soltos eram um efetivo pequeno e
desmantelado. Com a queda dos presídios durante o terremoto, cerca de
4500 fugiram, ou seja, o quesito forças adversas mudou.
O terreno também mudou. O exemplo clássico é Bel Air, onde havia ruas
onde fazíamos patrulhas e hoje já não fazemos mais porque não podemos
passar devido aos destroços ou não interessa mais passar porque não mora
mais ninguém lá. Com os novos militares que chegaram de outros países,
especialmente EUA e Canadá, tivemos que rever nossas estratégias e fazer
novos planejamentos. Com isso tudo, mudou nossa missão também. Nós
cuidávamos principalmente da segurança. Hoje em dia metade da tropa faz
ajuda humanitária – que sempre existiu- e metade trabalha na segurança[...]
Após a chegada do BRABATT2 e um criterioso estudo de situação, o
comando da MINUSTAH dividiu a área de operações brasileira no Haiti, entre os
dois Batalhões, facilitando as ações de ajuda humanitária e de segurança.
A liberação de aproximadamente 4500 presidiários, em decorrência da
destruição dos presídios ou mesmo pela liberação voluntária por parte da Polícia
Nacional do Haiti (PNH), devido as notícias da possibilidade da ocorrência de um
39
“tsunami”, logo após o terremoto e a possibilidade da ocorrência de saques em
estabelecimentos comerciais ou no depósito da WFP15, motivaram o BRABATT a
adotar medidas de intensificação de patrulhamentos a pé, motorizados e
mecanizados, na sua área de responsabilidade, aplicando o princípio da massa 16.
Muitas operações de patrulhamento foram e ainda são realizadas, nos dias atuais,
com a participação da Força Policial da ONU e da PNH, possibilitando maior
integração, troca de conhecimentos na área de segurança e estreitamento dos laços
de amizade entre as forças policiais com o contingente brasileiro, com resultados
bastante positivos na diminuição de ações criminosas por parte das Forças
Adversas.
Figura 9 : Emprego da tropa com a participação de policiais da ONU da PNH
Ademais, houve a necessidade da realização de inúmeras operações de
Reconhecimento Especializado, aéreo e terrestre, para levantamento e atualização
do Banco de Dados Operacionais, relativos a infra-estrutura (energia, transporte,
comunicações, saúde), possíveis locais de abrigos temporários, para montagem dos
chamados IDP Camps17, sendo os mais conhecidos o de Camp de Boulos no bairro
de Cite Militaire; Tabarre Issa em Tabarre; Boliman Brant e Jean Marrie Vicent em
15
Fundada em 1963 a World Food Programme (WFP) O PAM (Programa Alimentar Mundial), é a agência das
Nações Unidas responsável pela ajuda alimentar - é considerada a maior organização humanitária do mundo.
16
Os meios devem ser concentrados para que se possa obter superioridade decisive sobre o inimigo, no
momento e loca mais favoráveis as ações que se têm em vista.
17
IDP Camps – Campo de Civis Deslocados – tradução nossa.
40
Delmas, este último, com 50 mil famílias cadastradas. Os reconhecimentos também
tinham por objetivos: encontrar possíveis locais de homizios das forças adversas; a
escolhas de locais de apoio para as Operações Militares; a verificação da situação
dos locais de votação, visando a atualização do Plano da Eleições de 2010, já
previstas antes do terremoto.
Por
outro
lado,
as
experiências
das
Forças
Armadas
no
Haiti,
particularmente dos Batalhões de Infantaria de Força de Paz estão sendo muito
úteis para a sociedade brasileira. O Comandante do Exército, Gen Enzo Peri em
entrevista ao Jornal O Globo, em 13 de maio de 2011 respondeu ao
seguinte
questionamento:
[...] É possível ver no Alemão e no Haiti laboratórios para um novo modelo
de segurança pública?
General Enzo: Naturalmente. No Alemão, criou-se uma situação totalmente
diferente, inédita. No Haiti, costumamos dizer que é parecido, mas não é
igual. Lá é pobreza absoluta, país estrangeiro, e temos o comando da ONU.
No início, demos certo no Haiti porque a preparação normal dos nossos
homens de infantaria inclui combates em localidades e eventualmente
operações de polícia. Depois, claro, passamos a dar treinamento específico
às tropas destinadas ao Haiti. Um treinamento que dura seis meses. No
Alemão, entramos inicialmente com os paraquedistas, tropa altamente
preparada para situações como aquela. Depois, nos valemos de soldados
que tinham atuado no Haiti. E, como no Haiti, resolvemos dar treinamento
específico a quem vai trabalhar no Alemão. Essa tropa da Brigada de
Infantaria Leve, de Campinas, foi devidamente preparada para o serviço. O
básico um soldado já tem, que é a instrução militar. É preciso, no entanto,
que ele treine a ação de polícia. Numa comunidade como o Alemão, ele não
estará lidando com o inimigo. Eventualmente, terá um criminoso pela frente.
Ou não. Disponível em <http://noticia-online2.blogspot.com/2011/05/15-demaio-de-2011-o-globo.html>Acesso em 13 ago. 2011.
Desse modo, as iniciativas desenvolvidas pelo Brasil, por intermédio de suas
Forças Armadas para atender as necessidades iniciais advindas da catástrofe no
Haiti e a manutenção de um ambiente seguro e estável, assegurando o
restabelecimento do ordenamento institucional, o controle de abusos aos Direitos
Humanos e o desarmamento de bandos armados, permitiram a eleição de Michel
Martelly, que no dia 14 de maio de 2011 recebeu a faixa presidencial de René
Preval. Este ato ficou marcado na história do país, pois é a primeira vez que um
presidente democraticamente eleito passou o poder a um líder escolhido da mesma
forma e vindo da oposição.
41
4
PERSPECTIVAS PARA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA DECORRENTE
DA PARTICIPAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS BRASILEIRAS NO HAITI
Este capítulo tem por objetivo apresentar algumas idéias relacionadas
aos possíveis efeitos da participação das Forças Armadas no Haiti sobre a
política externa brasileira, em especial as oportunidades advindas de
emprego do Poder Militar naquele país.
Para tanto, inicialmente apresentar-se-á uma breve síntese histórica
da política externa brasileira, sob o víeis de assistência humanitária
internacional, seguida de algumas perspectivas para a política externa
brasileira, a saber: possibilidade de obtenção da liderança regional;
valorização
do
multilateralismo
e
respeito
ao
Direito
Internacional;
contribuição para a Elevação do Brasil a Categoria de Membro Permanente
do Conselho de Segurança da ONU; e aumento da participação brasileira em
missões de Paz ou de ajuda humanitária internacional.
4.1
SÍNTESE HISTÓRICA
A política externa brasileira, ao longo do tempo, tem passado por
distintas fases, devido a alternância de seus Objetivos Nacionais a serem
alcançados ou preservados em decorrência da interação com outros Estados.
No período do Império e nos primeiros anos da República, a prioridade foi à
fixação das fronteiras, mediante o uso intensivo do princípio de uti possidetis.
A conclusão deste processo, com solução pel a via pacífica das controvérsias,
na primeira década do século XX, é atribuída a José Maria da Silva
Paranhos, o Barão de Rio de Branco, considerado o patrono da diplomacia
brasileira.
Vencida essa etapa, o caminho trilhado foi o da paulatina integração
regional,
com
principalmente,
vistas
ao
ao
abrandamento
desenvolvimento
de
potenciais
econômico
do
rivalida des
espaço
e,
nacional
consolidado. A América do Sul passou, pois, a constituir um espaço
pacificado e a via natural para a inserção do país no meio internacional.
A partir da década de 1990, em decorrência do fim da Guerra Fria, o
sistema internacional sofreu mudanças em sua dinâmica de funcionamento
42
que podem ser percebidas através do fortalecimento do multilateralismo e
das organizações internacionais, principalmente das Nações Unidas.
No final do século XX, as constantes violações dos Direitos Humanos
passaram a se relacionar com os conceitos de ameaça à paz e à segurança
internacionais. Neste momento, quando a proteção destes direitos passa a
não ser de domínio exclusivo dos Estados, as resoluções do Conse lho de
Segurança e da Assembléia Geral contribuíram para a formação de um
Direito Internacional consuetudinário: o direito de assistência humanitária,
que
consiste
em
Governamentais,
“um
direito
Organizações
subjetivo
que
internacionais
as
e
Organizações
Estados
Não -
Estrangeiros
possuem de prestar assistência humanitária às vítimas de violações de
conflitos internos, catástrofes humanitárias e naturais” (SANTOS, 2009,
p.13).
Diante desse contexto, como explica Santos (2009), os princípios de
soberania, autodeterminação dos povos e territorialidade foram relativizados
e deixando, aos poucos, de ser um entrave para a proteção da dignidade
humana.
De acordo com o Ministério de Relações Exteriores.
[...] a prestação de assistência humanitária pelo Brasil a outr os
países se baseia tanto na não-indiferença quanto na não-ingerência.
Por respeito à soberania dos Estados e em consonância com os
princípios humanitários identificados nas Resoluções 46/182 e
58/114 da Assembléia-Geral das Nações Unidas – a saber,
humanidade, neutralidade, imparcialidade e independência – o
Governo brasileiro presta assistência humanitária mediante
solicitação expressa do país recipiendário, que pode tanto ser
recebida bilateralmente quanto por intermédio de apelos
humanitários elaborados em conjunto com o sistema das Nações
Unidas.
O
Direito
Humanitário
Internacional
(DHI)
prevê
clara
e
especificamente a assistência a populações civis durante situações de
conflito, obrigando os governos e outras partes envolvidas a aceitar a
prestação de Assistência Humanitária.
Embora não tenham sido palcos de guerras convencionais, a América
Latina, especialmente a América Central, e a África o foram de muitas
guerras civis nas décadas de 80 e 90 do século passado. As previsíveis
conseqüências para a população civil demandaram inúmeras operações de
43
assistência humanitária. Estas operações ocorriam, simultaneamente, ou
após operações de manutenção de paz.
Com menor freqüência e intensidade, a América do Sul, também, foi
palco de crises que geraram a concentração de tropas e escaramuças
fronteiriças, como foi o caso Peru versus Equador, na década de noventa.
Atualmente, a atuação da guerrilha na Colômbia tem causado sérios danos à
população civil.
Apesar de haver poucas operações promovidas pela Organização dos
Estados
Americanos
(OEA),
em comparação
com as
Operações
de
Manutenção de Paz da ONU, o Brasil, como assinante da Carta da OEA, tem
sido um parceiro muito ativo nas operações promovidas por aquele
Organismo
Internacional
Regional,
particularmente
em
assistência
humanitária.
A participação do Exército Brasileiro, junto a OEA, ocorreu na Missão
de Auxílio à Remoção de Minas na América Central - (MARMINCA), no inicio
da década de 1990, na Missão de Auxílio à Remoção de Minas na América
do Sul - (MARMINAS), iniciada em 1 de maio 2003 e no Plano Nacional de
Desminagem na Colômbia, criada em 2006, com merecido destaque para
Arma de Engenharia a qual está altamente capacitada para as atividades de
limpeza de campos de minas e, sobretudo, de obras de emergênc ia em
socorro a calamidades públicas.
Existe um potencial considerável, também, nas áreas de saúde, de
transporte e de evacuação, por meio aéreo e marítimo, com utilização dos
meios da Força Aérea Brasileira e da Marinha do Brasil, respectivamente.
Portanto, no Continente Americano, o Brasil, de acordo com os seus
preceitos constitucionais, esteve sempre presente e protagonista nas ações
da OEA e tem potencial para ampliar essas participações.
É importante observar que a assistência humanitária está diretamente
relacionada com a política externa dos países, visto que faz parte das
relações bilaterais ou multilaterais entre países.
Para o MRE, assistência humanitária é:
[...] toda e qualquer ação que contribua, de forma imediata e eficaz,
para prevenir, proteger, preparar, evitar, reduzir, mitigar sofrimento
e auxiliar outros países ou regiões que se encontrem,
momentaneamente ou não, em situações de emergência, de
44
calamidade pública, de risco iminente ou grave ameaça à vida, à
saúde, à garantia dos direitos humanos ou humanitários de sua
população. Disponível em <http://www.itamaraty.gov.br/temas/acao contra-a-fome-e-assistencia-humanitaria/assistenciahumanitaria/view> Acesso em 18 jul. 2011
É nesse contexto que,
após o terremoto do Haiti em 2010, por
solicitação da ONU, o Brasil aumentou o efetivo das tropas da Missão das
Nações Unidas para Estabilização do Haiti (MINUSTAH) em mais 900
homens e, por iniciativa do governo brasileiro, enviou um Hospital de
Campanha da Força Aérea, visando incrementar o esforço humanitário
internacional para reduzir o sofrimento do povo haitiano.
O Embaixador Igor Kipman esclarece, em sua entrevista que:
[...]o Haiti é hoje – e desde 2004 – palco de intensa ação tanto do
Governo brasileiro quanto da sociedade civ il, com amplo reflexo na
imagem do Brasil como ator de primeira grandeza no cenário
internacional.
A reação tempestiva em resposta à emergência
causada pelo terremoto de 12 de janeiro de 2010 foi mais um
capítulo nesse esforço de apoiar o Haiti para que p ossa vencer seus
imensos desafios. A rapidez com que o segundo batalhão brasileiro
foi desdobrado no terreno e a implantação do Hospital de Campanha
da FAB em apenas quatro dias não passaram desapercebidas pela
comunidade internacional e reforçaram a já amplamente reconhecida
atuação do Brasil no Haiti. A atuação brasileira seja em operações
de paz seja em ações de ajuda humanitária em diversos pontos do
globo são testemunho de uma política externa proativa e cada vez
mais participativa em todo o mundo.
4.2
VALORIZAÇÃO DO MULTILATERALISMO E RESPEITO AO DIREITO
INTERNACIONAL.
Uma característica marcante na política externa brasileira é o apreço
pelo multilateralismo, como um meio de atingir os interesses nacionais para
assim influenciar na elaboração das normas internacionais, podendo ser
demonstrado
pela
participação
brasileira
nos
diversos
organismos
intergovernamentais, particularmente da ONU.
No sistema internacional prevalece a assimetria de poder, o que
significa a prevalência das grandes potências na es trutura de poder
internacional. Este ambiente competitivo não é favorável às potências
menores nas quais se inclui o Brasil.
Por não termos alcançado a condição de potência de primeira ordem,
“os foros multilaterais constituem o melhor tabuleiro para o Bra sil exercitar,
45
em nível global, sua competência na defesa dos interesses nacionais”, nas
palavras de Celso Lafer, Ministro das Relações Exteriores de Fernando
Henrique Cardoso. É, assim como o respeito ao Direito Internacional, uma
forma de contrabalançar parcialmente o excedente de poder econômico e
militar dos países mais desenvolvidos.
Recentemente em palestra na ESG, o Subsecretario de Defesa norteamericano para assuntos político-militares Andrew Shapiro, em julho de
2011, afirmou que a participação brasileira no Haiti, pós-terremoto, foi muito
importante para na diminuição do sofrimento dos haitianos e qu e a presença
das
Forças
Armadas
tem
garantido
o
retorno
da
democracia
e
a
implementação de projetos para a recuperação do país.
Assim, a postura brasileira em apoio ao Haiti demonstra a valorização
do multilateralismo e o respeito ao Direito Internacional , pois constituem
imperativos de primeira ordem e trata-se de uma alternativa inexeqüível,
devido a debilidade do nosso poder militar face a países mais desenvolvidos.
4.3
CONTRIBUIÇÃO PARA A ELEVAÇÃO DO BRASIL A CATEGORIA DE
MEMBRO PERMANENTE DO CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU.
Nas últimas décadas, já foram realizadas inúmeras discussões
internacionais a respeito da necessidade de se fazer uma reforma no
Conselho de Segurança da ONU. E o Brasil, juntamente com a Alemanha, a
Índia e o Japão compõe
um grupo, hoje denominado G -4, que pleiteia a
ampliação do CS, com a proposta de
inclusão de seis novos membros
permanentes – os quatro postulantes mais dois países africanos – e quatro
não-permanentes.
O fato de o Brasil ter participado da construção da ONU, ter sido o
país que mais esteve presente no assento não-permanente do Conselho de
Segurança, depois do Japão, a atual projeção internacional, como membro
dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, países que se
destacam no cenário mundial pelo rápido crescimento das suas economias
em desenvolvimento) e
seu papel de mediador internacional, caracterizam
alguns argumentos que poderão ser aproveitados pela diplomacia brasileira
para pleitear um assento permanente no CSNU.
46
A participação em operações de manutenção da paz ou em
assistência humanitária internacional não credencia nenhum país a ascender
à condição de membro permanente do CSNU, particular mente se não dispor
de forte Poder Nacional com destacada Expressão Militar. Contudo, o Brasil
poderá se utilizar dos resultados positivos da missão no Haiti, para
impulsionar o esforço diplomático em prol daquele objetivo de governo.
4.4
POSSIBILIDADE DE OBTENÇÃO DA LIDERANÇA REGIONAL
Dentro de uma dimensão ética da política externa brasileira, o
Governo defende uma ordem estável, pacífica, democrática e de integração
na América Latina.
A Estratégia Nacional de Defesa estabelece como diretriz:
[...]Essa integração na América Latina não somente contribuirá para
a defesa do Brasil, como possibilitará fomentar a cooperação militar
regional e a integração das bases industriais de defesa.
Afastará a sombra de conflitos dentro da região. Com todos os
países avança-se rumo à construção da unidade sul -americana. O
Conselho de Defesa Sul-Americano, em debate na região, criará
mecanismo consultivo que permitirá prevenir conflitos e fomentar a
cooperação militar regional e a integração das bases industriais de
defesa, sem que dele participe país alheio à região.
A criação do Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS), por iniciativa
brasileira, aprovado em 15 de dezembro de 2008, na cúpula extraordinária da
União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) busca fomentar o intercâmbio
no campo da segurança entre os países, tais como a elaboração de políticas
de defesa conjunta, intercâmbio de pessoal entre as Forças Armadas de cada
país, realização de exercícios militares conjuntos, participação em operações
de paz das Nações Unidas, troca de análises sobre os cenários mundiais de
defesa e integração de bases industriais de material bélico e ajuda
coordenada em zonas de desastres naturais.
Vale ressaltar também que a posse de um brasileiro, pela primeira
vez, em uma diretoria da FAO e a participação ativa na campanha de eleição
do presidente do FMI, evidencia que o Brasil é visto como um agente
internacional de atuação política relevante. A rejeição de participação da
ALCA, como bloco econômico americano sob a liderança dos Estados
Unidos, a formação do MERCOSUL, zona de livre comércio sob a liderança
47
do Brasil, e a crescente atuação do Brasil no G20 financeiro e no G20
comercial, pela inclusão da questão dos subsídios agrícolas na pauta da
OMC, sinalizam uma liderança natural do Brasil na America do Sul.
Portanto, a participação de países como Argentina, Uruguai e Chile,
na MINUSTAH, sob a coordenação do Brasil, representa uma importante
iniciativa da cooperação sub-regional, aumentando não só a cooperação
militar entre os países, mas também representando um caminho para o
aumento da cooperação em outras áreas, particularmente a econômica. Com
isso, o Brasil estará reafirmando a liderança regional positiva e não
hegemônica, no cone Sul.
4.5
AUMENTO DA PARTICIPAÇÃO BRASILEIRA EM MISSÕES DE PAZ OU DE
AJUDA HUMANITÁRIA INTERNACIONAL
A experiência adquirida no Haiti e o sucesso das Forças Armadas
brasileiras na missão poderão induzir a ONU a solicitar a participação do
Brasil em outras área, afetadas por catástrofes naturais ou por um alto grau
de instabilidade política, que por vezes resulta em graves conflitos intra estatais, palco preferencial das operações de manutenção da paz da
atualidade, como, por exemplo, o continente africano.
Outrossim, são inequívocas as ligações étnicas e culturais do Brasil,
em particular com os países lusófonos. A participação em missões da ONU
naquele continente constitui, portanto, poderoso instrumento de aproximação
e ajuda, onde, inclusive, podemos prestar múltiplas formas de assistência ,
dadas as precárias condições ali vigentes, sendo mais uma oportunidade
para o estreitamento dos laços de amizade com o Continente Africano , além
de ser uma excelente oportunidade para a atual política externa brasileira .
Essa idéia pode ser reforçada com o pronunciamento do ex-presidente
da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em palestra proferida na ESG em 08
de agosto de 2011, onde afirma que o Brasil deve fortalecer as relações
econômicas e sociais com o continente africano e aumentar a participação
em missões de paz, para preservar a paz mundial.
48
5
CONCLUSÃO
Ao encerrar-se o presente Trabalho de Conclusão de Curso, depois de
ultrapassadas todas as etapas de seu desenvolvimento, é chegado o momento de
sintetizá-lo por meio de uma breve conclusão.
No primeiro capítulo, ficou registrado que a presença militar brasileira no Haiti,
como integrante da MINUSTAH, desde 2004, e o aumento do contingente brasileiro
no Haiti, em decorrência do terremoto de 2010, estão amparados por diversos
documentos e legislações, nacionais e internacionais, que dão respaldo a atuação
das tropas brasileiras, particularmente o MOU, o SOFA/SOMA, as ROE, as
Guidelines e os SOP. Com isso, a pronta resposta brasileira em participar da ajuda
humanitária internacional e a rapidez do processo decisório realizado, em virtude do
bom entrosamento demonstrado no nível político, permitiram ao Brasil expor ao
mundo sua capacidade de reação diante de eventos catastróficos.
O governo brasileiro para enfrentar os problemas mais graves, advindos do
terremoto, montou um Gabinete de Crise, representado por diversos Ministérios, que
estabeleceu um plano emergencial. E no dia 14 de janeiro de 2010, foi estabelecida
uma ponte-aérea de suprimento entre o Brasil e o Haiti, visando o transporte de
víveres, remédios e os mais diversos materiais de apoio, para atender a população
local. Seguiram, também, equipes de resgate e o Hospital de Campanha da Força
Aérea. Paralelamente, foram repatriados civis sobreviventes e os corpos dos
brasileiros falecidos em decorrência da catástrofe.
Entre os meses de janeiro e maio de 2010, foram efetuados mais de 50.000
procedimentos de enfermagem, cerca de 20.000 atendimentos hospitalares no
Hospital de Campanha. Nos aviões da FAB e navios da MB foram transportados,
aproximadamente 4.000 toneladas de carga para ajuda humanitária (barracas,
colchões, material de higiene, gêneros alimentícios, dentre outros), tudo distribuído
pelos dois Batalhões de Infantaria de Força de Paz brasileiros.
Vale ressaltar também o emprego de dois helicópteros da Marinha Brasileira,
com as respectivas tripulações, mais uma equipe médica e enfermeiros que atuaram
embarcados no porta-aviões “Conte di Cavour”da Marinha Italiana e realizaram 1400
atendimentos médicos.
Assim sendo, os dados apresentados permitem a afirmação de que a
participação das Forças Armadas brasileiras, pós-terremoto 2010, foi significativa
49
para a consecução dos objetivos da assistência humanitária internacional, reduzindo
o sofrimento de uma parcela considerável da população haitiana.
Em que pese a fuga de aproximadamente 4500 presidiários, imediatamente
após o terremoto, os Batalhões de Infantaria de Força de Paz continuaram
garantindo um ambiente seguro e estável em suas áreas de responsabilidade,
designadas pela MINUSTAH, não havendo portanto solução de continuidade no
cumprimento da missão.
Quanto aos aspectos operacionais e a atuação da tropa o Embaixador Igor
Kipman relatou o seguinte:
“[...] As Forças Armadas brasileiras, em sua participação na Missão das
Nações Unidas para a Estabilização no Haiti – MINUSTAH – têm
desempenhado papel central na manutenção de um ambiente estável e
seguro no Haiti, em especial em sua Capital, Porto Príncipe, onde se
encontram suas áreas de operação. Não fora por esta garantia, os grandes
avanços alcançados após o terremoto no campo da democracia e do
Estado de Direito não teriam sido possíveis, como a realização de eleições
livres e democráticas, que conduziram ao Governo do Haiti um candidato da
oposição. Não podem ser tampouco esquecidas as Ações Cívico Sociais –
ACISOs – levadas frequentemente a cabo por todas as unidades brasileiras
que integram a MINUSTAH e que aliviam as precárias condições em que
vive grande parte da população da capital do país. Em relação à resposta
específica aos danos provocados pelo terremoto não posso deixar de
destacar o trabalho realizado pelo Companhia de Engenharia do Exército
brasileiro – BRAENGCOY – desde a remoção de escombros, pavimentação
de vias públicas (em parceria com a Agência Brasileira de Cooperação do
Ministério das Relações Exteriores), perfuração de poços artesianos,
recuperação de pontes etc.
Isso se deve em grande parte à excelente preparação técnico - profissional
do contingente, nos seis meses que antecedem a ida para o Haiti, aliado às
características pessoais do militar brasileiro que facilitam o tipo de trabalho lá
desenvolvido. O soldado brasileiro é proveniente de diferentes classes sociais,
dotado de caráter integrador, de fácil relacionamento, de comportamento não
preconceituoso, flexível e afável, tudo isso, aliado à versatilidade no cumprimento de
diferentes tarefas, sejam elas de caráter humanitário ou operacional.
Os ensinamentos colhidos com a participação das Forças Armadas no Haiti,
pós-terremoto, também repercutiram positivamente para a sociedade brasileira,
particularmente na cidade do Rio de Janeiro. A tropa da Brigada de Infantaria
Paraquedista, que atuou no país caribenho, foi a primeira a ser empregada na
50
ocupação do conjunto de favelas
do Complexo do Alemão, como Força de
Pacificação, juntamente com forças policiais do Estado, em dezembro de 2010.
A Política de Defesa Nacional, em conformidade com a Constituição
brasileira, traça como objetivo a contribuição para a manutenção da paz e da
segurança internacionais. Orienta, ainda, intensificar a participação em ações
humanitárias e em missões de paz sob a égide de organismos multilaterais, visando
ampliar a projeção do país e reafirmar seu compromisso com a defesa da paz e com
a cooperação entre os povos.
Neste contexto, a liderança brasileira na MINUSTAH, desde 2004, e a
resposta positiva à solicitação da ONU, num ato de solidariedade, aumentando o
efetivo das Forças Armadas no Haiti com a finalidade de socorrer a população e
manter um ambiente seguro e estável, fortaleceram o reconhecimento e a projeção
do país no cenário internacional.
Desse modo, o Brasil, ao optar por aquelas duas ações, agiu em defesa da
paz regional e dos direitos humanos, pois, se nada fosse feito, poderia haver um
recrudescimento da crise haitiana, aumentando consideravelmente o número de
vitimas.
Com isso, os possíveis reflexos para a política externa brasileira, decorrente
da atuação do emprego do poder militar, a médio ou longo prazo, podem ser
caracterizados pelos seguintes aspectos:
- fortalecimento da liderança regional e da postura nacional diante da
valorização
do
multilateralismo
e
do
respeito
ao
Direito
Internacional,
proporcionando ao país posição destacada nos principais foros internacionais,
particularmente na ONU;
- aumento da participação brasileira em missões de paz ou de ajuda
humanitária, em decorrência dos resultados positivos apresentados na atuação dos
brasileiros na MINUSTAH, reconhecidos internacionalmente e;
- elevação do Brasil à categoria de Membro Permanente do Conselho de
Segurança da ONU, pois a participação na missão é, sem dúvida, um passo
importante nessa direção, ainda que não garanta, por si só, a obtenção desse
objetivo,
pois
dependerá,
naturalmente,
de
muitas
outras
condicionantes,
particularmente do fortalecimento da Expressão Militar do seu Poder Nacional.
51
Finalmente, pode-se afirmar que a atuação das Forças Armadas brasileiras
permite a garantia dos Direitos Humanos e a manutenção de um ambiente seguro e
estável no Haiti, abrindo oportunidades para a democratização do país.
52
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<http://noticias.uol.com.br/ultnot/internacional/2010/01/12/ult1859u2185.jhtm>.
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<http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=1091599
&tit=Ajuda-para-recomeco-vem-de-fora>. Acesso em: 09 abr. 2011.
57
ANEXO A - EVENTOS DO REFORÇO DA TROPA NA FORÇA DE PAZ DA
MINUSTAH
12. Jan. 2010
Terremoto no Haiti.
19. Jan. 2010 Resolução nº 1908, do CSNU, decide ampliar,temporariamente, os
componentes militar e policial da MINUSTAH – S/RES/1908 (2010).
19. Jan. 2010
Fax nº 017, do Conselheiro Militar da MP junto à ONU, para
SPEAI, copia para CEMD, informando a decisão do CSNU e informa requisitos
necessários para tropa para integrar a MINUSTAH.
20. Jan. 2010
Fax nº 019 do Conselheiro Militar da MP junto à ONU, para SPEAI,
copia para CEMD, solicitando formalização do oferecimento de tropa brasileira e
informa FGS solicitou o desdobramento da tropa em no máximo três semanas.
21. Jan. 2010
Mensagem ao Congresso Nacional, do Presidente da República,
submetendo a Exposição de Motivos dos Ministros de Estado da Defesa e das
Relações Exteriores, relativa ao aumento do contingente brasileiro para a Missão de
Estabilização das Nações Unidas no Haiti (MINUSTAH).
22. Jan. 2010
Fax nº 017, do CEMD, para Conselheiro Militar da MP junto à
ONU, formalizando oferta de tropa com composição e prazos de desdobramento.
25. Jan. 2010
Decreto Legislativo nº 75, autoriza o aumento do efetivo do
Contingente Brasileiro para a MINUSTAH.
26. Jan. 2010
Medida Provisória nº 480, abre crédito extraordinário, em favor da
Presidência da República, dos Ministérios […] da Defesa […] para os fins que
especifica.
29. Jan. 2010
Fax nº 021, do Conselheiro Militar da MP junto à ONU, para
SPEAI, copia para CEMD, informa a aceitação da oferta de tropa brasileira.
29. Jan. 2010
Fax nº 022, do Conselheiro Militar da MP junto à ONU, para
CEMD, copia para SPEAI, solicita encaminhar o planejamento do desdobramento do
BRABATT2.
5. Fev. 2010
do MD.
Orientação Complementar nº 11 à Diretriz Ministerial nº 07/2004
30. Mar. 2010
Medida Provisória nº 486, Abre crédito extraordinário, em favor
de diversos órgãos do Poder Executivo.
58
ANEXO B - QUESTIONÁRIO ENVIADO AO EMBAIXADOR BRASILEIRO NO
HAITI, IGOR KIPMAN.
Após o terremoto do Haiti em 2010, por solicitação da ONU, o Brasil aumentou o
efetivo das tropas da Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti
(MINUSTAH) em mais 900 homens, e por iniciativa do governo brasileiro foi enviado
um Hospital de Campanha da Força Aérea, visando incrementar o esforço
humanitário internacional.
1) Na sua opinião, aquelas ações impactaram de alguma forma a política
externa brasileira?
Sem dúvida. O Haiti é hoje – e desde 2004 – palco de intensa ação tanto do
Governo brasileiro quanto da sociedade civil, com amplo reflexo na imagem do
Brasil como ator de primeira grandeza no cenário internacional. A reação
tempestiva em resposta à emergência causada pelo terremoto de 12 de janeiro de
2010 foi mais um capítulo nesse esforço de apoiar o Haiti para que possa vencer
seus imensos desafios. A rapidez com que o segundo batalhão brasileiro foi
desdobrado no terreno e a implantação do Hospital de Campanha da FAB em
apenas quatro dias não passaram desapercebidas pela comunidade internacional e
reforçaram a já amplamente reconhecida atuação do Brasil no Haiti. A atuação
brasileira seja em operações de paz seja em ações de ajuda humanitária em
diversos pontos do globo são testemunho de uma política externa proativa e cada
vez mais participativa em todo o mundo.
2) De que forma V. Exa visualiza a atuação das Forças Armadas brasileiras na
resposta à crise vivida pelo Haiti pós-terremoto 2010 até os dias atuais?
As Forças Armadas brasileiras, em sua participação na Missão das Nações Unidas
para a Estabilização no Haiti – MINUSTAH – têm desempenhado papel central na
manutenção de um ambiente estável e seguro no Haiti, em especial em sua Capital,
Porto Príncipe, onde se encontram suas áreas de operação. Não fora por esta
garantia, os grandes avanços alcançados após o terremoto no campo da
democracia e do Estado de Direito não teriam sido possíveis, como a realização de
eleições livres e democráticas, que conduziram ao Governo do Haiti um candidato
da oposição. Não podem ser tampouco esquecidas as Ações Cívico Sociais –
ACISOs – levadas frequentemente a cabo por todas as unidades brasileiras que
integram a MINUSTAH e que aliviam as precárias condições em que vive grande
parte da população da capital do país. Em relação à resposta específica aos danos
provocados pelo terremoto não posso deixar de destacar o trabalho realizado pelo
Companhia de Engenharia do Exército brasileiro – BRAENGCOY – desde a
remoção de escombros, pavimentação de vias públicas (em parceria com a Agência
Brasileira de Cooperação do Ministério das Relações Exteriores), perfuração de
poços artesianos, recuperação de pontes etc.
59
3) Para atender aos objetivos da política externa brasileira, o Sr considera
importante que as Forças Armadas tenham uma estrutura de pessoal e
material, em condições de pronto emprego, para atender a situações de crise
humanitária internacional?
É extremamente importante, como já foi demonstrado, além do Haiti, no episódio do
terremoto no Chile, também em 2010.
4) O Sr considera que uma possível ampliação da participação das Forças
Armadas em assistência humanitária internacional, enquadrada ou não em
missão de paz, poderá contribuir para a política externa brasileira?
Princípio consagrado durante o Governo do Presidente Lula, a não-indiferença
diante das dificuldades enfrentadas por países que enfrentam calamidades, naturais
ou criadas pelo próprio homem, tem norteado nossa atuação tanto no continente
quanto fora dele. A assistência humanitária internacional é, portanto, elemento
central na atuação do Brasil em política externa e a participação das Forças
Armadas nesse trabalho é, e será sempre, fundamental.
5) V. Exa teria outras considerações julgadas úteis?
A atuação do Brasil, Forças Armadas, Governo em geral e sociedade civil, no Haiti,
a partir de 2004, foi altamente enriquecedora e propiciou a todos os atores
envolvidos extenso aprendizado e crescimento pessoal para todos os indivíduos
envolvidos, que hoje já se aproximam de 20.000. Apesar de ser parte indiscutível de
nossa política externa, não se limita a ela, pois o retorno, intangível desde logo, de
nossa atuação neste país extrapola os objetivos da política externa brasileira.
Download

a participação das forças armadas no haiti pós