CENTRO BR ASILEIRO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS ARTIGOS VOLUME 4 - Edição Especial - ANO VI - 2011 www.cebri.org.br Primeiro Fórum de MERCOSUL: Diálogo com o Brasil: Uma visão estratégica às o Brasil na nova ordem vésperas de seu 20º global aniversário Quem Somos O Centro Brasileiro de Relações Internacionais - CEBRI, sediado no Rio de Janeiro, é uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), independente, multidisciplinar e apartidária, formada com o objetivo de promover estudos e debates sobre temas prioritários da política externa brasileira e das relações internacionais em geral. Criado em 1998 por um grupo de intelectuais, empresários, autoridades governamentais e acadêmicos, o CEBRI tornouse rapidamente uma referência nacional na promoção de encontros de alto nível, conferências e seminários internacionais. O Centro atua como um think tank de políticas públicas na área externa do País. Sua Missão é criar um espaço para estudos e debates, onde a sociedade brasileira possa discutir temas relativos às relações internacionais e à política externa, com conseqüente influência no processo decisório governamental e na atuação brasileira em negociações internacionais. Em recente pesquisa, a Universidade da Pensilvânia apontou o CEBRI como o 36° mais importante think tank do mundo e o 3° da América Latina. A pesquisa distingue a capacidade do Centro de reunir prestigiosos acadêmicos e analistas; e de produzir conhecimento por meio da reflexão, do debate e de publicações sobre temas de política externa. O CEBRI produz igualmente informação e conhecimento específico na área externa e propostas para a elaboração de políticas públicas. Linhas de pesquisa resultam em estudos, boletins, relatórios, newsletters e outros produtos específicos para instituições e empresas patrocinadoras. Conselho Curador Presidente de Honra Fernando Henrique Cardoso Vice-Presidentes Natos Daniel Miguel Klabin José Botafogo Gonçalves Luiz Felipe Lampreia Presidente Luiz Augusto de Castro Neves Vice-Presidente Tomas Zinner Conselheiros Armando Mariante Carlos Mariani Bittencourt Célio Borja Celso Lafer Claudio Frischtak Gelson Fonseca Junior Georges Landau Henrique Rzezinski José Aldo Rebelo Figueiredo José Luiz Alquéres José Pio Borges de Castro Filho Marcelo de Paiva Abreu Marco Aurélio Garcia Marcos Castrioto de Azambuja Marcus Vinícius Pratini de Moraes Maria Regina Soares de Lima Pedro Malan Roberto Abdenur Roberto Teixeira da Costa Ronaldo Veirano Sebastião do Rego Barros Vitor Hallack Winston Fritsch Diretora Fatima Berardinelli Prof. Gilberto Martino Jannuzzi Antonio José Ferreira Simões Primeiro Fórum de Diálogo comDe o Brasil: o Brasil na nova ordem global CEBRI Artigos Volume 4 - Edição Especial - Ano VI - 2011 Primeiro Fórum de Diálogo com o Brasil: o Brasil na nova ordem global Em parceria com German Institute of Global and Area Studies (GIGA) 3 Antonio Ferreira Simões Primeiro Fórum de Diálogo comJosé o Brasil: o Brasil na nova ordem global 4 Antonio Ferreira Simões Primeiro Primeiro Fórum Fórum de deDiálogo Diálogo com comJosé ooBrasil: Brasil: Brasil: OO o Brasil Brasil na na nova nova ordem ordem global global Índice 1.Interesses Brasileiros, Estratégias e Parcerias em Política Energética Gilberto De Martino Jannuzzi 7 2.Mudança do Clima: políticas públicas no Brasil entre desenvolvimento e proteção ambiental? Imme Scholz13 3.Interesses Brasileiros, Estratégias e Parcerias em Política Climática Jacques Marcovitch25 4.Energia Brasileira: estratégias e parcerias Mariana Carpes33 5.Estratégias e Parcerias Brasileiras na Ordem Global em Transformação Miriam Gomes Saraiva36 6.Brasil e Segurança Internacional Monica Herz44 7.Interesses Brasileiros, Estratégias em Política Financeira Renato Baumann56 8.Comentário à contribuição de Renato Baumann sobre: “Interesses brasileiros e estratégias em política financeira” Barbara Fritz62 9.Interesses Brasileiros, Estratégias e Parcerias em Política Comercial Ricardo Sennes65 10.Cometario a la presentación realizada por Ricardo Sennes sobre: “Interesses brasileiros, estratégias e parcerias em política comercial” Claudia Zilla75 5 Prof. Gilberto De Martino Jannuzzi Antonio José Ferreira Simões Primeiro Fórum de diálogo Diálogo com comBrasil o Brasil: - “O oBrasil Brasil na nanova novaordem ordemglobal” global Interesses Brasileiros, Estratégias e Parcerias em Política Energética Prof. Gilberto De Martino Jannuzzi1 O setor energético do Brasil tem uma vantagem enorme na sua configuração que lhe confere um destacado lugar em termos de participação de fontes renováveis. Enquanto que a média mundial é de 13%, e nos países do OECD cerca de 7%, as fontes renováveis representam 46% do consumo energético nacional (BEN, 2009). Em um contexto internacional onde se busca aumentar a participação e integração cada vez maior de fontes renováveis nos sistemas de energia, isso dá ao país uma liderança no desenvolvimento de algumas tecnologias e na expertise de gerenciar um sistema de energia moderno, complexo e com alta participação de fontes renováveis. No entanto é necessário destacar que existe uma grande concentração em torno da biomassa (lenha/bagaço, carvão vegetal e etanol) e hidroeletricidade. A estratégia da política energética nacional atual tem se pautado em promover maior diversificação das fontes de suprimento, ainda muito restrita a esses energéticos citados e derivados de petróleo. Isso implica em novos desafios e envolvem aspectos de domínio e inovação tecnológico, reformas regulatórias, incentivos a novas tecnologias e mecanismos de mercado, iniciativas que por si próprias significam inovações na própria política energética brasileira. A política energética nacional começa também a enfrentar novos problemas. As taxas de crescimento da demanda de energia e em particular da eletricidade tem sido elevadas como apontam os planos oficiais PNE 2030 e PDE 2019, Plano Nacional de Energia para 2030 e Plano Decenal de Energia para 2019, respectivamente. O atendimento dessa crescente demanda através da expansão de fontes renováveis convencionais como hidroeletricidade e cana de açúcar já apresentam problemas grandes especialmente na esfera socioambiental. Professor Adjunto em Sistemas Energéticos da Faculdade de Engenharia Mecânica e Coordenador do NIPE - Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético da Universidade de Campinas – UNICAMP. 1 7 Prof. Gilberto Martino Jannuzzi Antonio De José Ferreira Simões As recentes descobertas de jazidas de petróleo colocarão o país em um nova situação não vivenciada na sua história: a de ser um expressivo exportador de petróleo. As implicações dos impactos da exploração desses recursos tanto para a política energética nacional como para a própria economia ainda necessitam de maiores reflexões. Outros desafios, ainda, referem-se a necessidade de assegurar a garantia de suprimento, acesso aos serviços modernos de energia a toda população de um país continental e com forte segmentação regional e social. Ao mesmo tempo, deve-se buscar modicidade de preços ao consumidor final. Estratégias Apesar do PNE 2030 projetar uma redução da participação das fontes energéticas renováveis, as revisões subsequentes que aparecem no PDE 2019 e no novo PNE 2035, com projeções sugerem uma manutenção dos valores atualmente verificados. Isso significa uma retomada de uma política energética interessada em tecnologias mais limpas e fontes renováveis. Existe, portanto o interesse em promover maior participação de fontes como eólica, solar e biomassa, que hoje representam menos que 5% da capacidade instalada de eletricidade do país. Essas tecnologias ainda apresentam desafios em termos de custos, necessidades de reformas regulatórias, capacitação da indústria nacional e inclusive do próprio setor energético em planejar e operar com novas tecnologias e fontes com maiores características de sazonalidade e intermitência. O governo brasileiro tem declarado seu interesse e comprometimento em se perseguir estratégias para estabilizar emissões oriundas do setor energético e a própria sociedade brasileira vem exercendo fortes pressões contra a contínua utilização do potencial hidroelétrico da região amazônica e utilização de terras para biomassa de cana. É possível apontar algumas condições favoráveis a essa estratégia. A partir das reformas setoriais realizadas a partir da década de 90, foram criados fundos públicos para financiar a modernização e desenvolvimento tecnológico do setor energético. Mais recentemente 8 Antonio José Ferreira Simões O Brasil na Brasil nova ordem global Primeiro Fórum de diálogo Diálogo com com o Brasil: - “O oBrasil Brasil na nanova novaordem ordemglobal” global tem surgido investidores aportando capital de risco e empreendedores privados que vem investindo em alguns segmentos de tecnologias de energia, notadamente biomassa e energia solar fotovoltaica. Diversos projetos MDL tem explorado o oportunidades com a maior utilização de gás de aterro e projetos de energia a partir de biomassa. As agências regulatórias ANEEL e ANP vem recentemente atuando de maneira mais inovadora para considerar maior inserção de fontes alternativas para geração de eletricidade e biocombustíveis, eliminando progressivamente importantes barreira e auxiliando também na tarefa de redução de custos e tramitação de licenciamento. Eficiência energética As expectativas de crescimento econômico nas próximas décadas estão fortemente vinculadas à expansão da oferta e ainda são tímidas as considerações sobre as possibilidade de busca de maior eficiência energética da nossa economia. Maior controle do crescimento da demanda de energia através de políticas públicas de eficiência energética ainda é feita de maneira tímida, mas deverá fazer parte de uma estratégia para possibilitar a manutenção de uma matriz energética com forte participação de fontes renováveis. Eficiência energética não é uma novidade no Brasil. Diversas iniciativas na área de eficiência energética vem sendo executadas por agentes públicos e privados desde a década de 80. Atualmente esta em curso a elaboração de um Plano Nacional de Eficiência Energética – PNEf, sob a liderança do Ministério das Minas e Energia – MME. Todavia, esses movimentos não tem sido acompanhados por uma infraestrutura institucional para coordenação e inserção na própria política energética nacional, que vem sendo ainda fortemente centrada em uma política de oferta de energia. 9 Prof. Gilberto Martino Jannuzzi Antonio De José Ferreira Simões Parcerias em política energética a) Parcerias internas As preocupações socioambientais e a própria politica nacional de mudanças climáticas levarão a maior interlocução entre áreas da administração federal que até agora possuem ações compartimentalizadas a procurarem atuação conjunta. A política energética brasileira deverá buscar cada vez maior sinergia com a política ambiental, com a política de ciência e tecnologia e política industrial. O próprio Plano Nacional de Mudanças Climáticas contempla diversas ações atinentes ao setor energético. Existe o interesse em desenvolver a pesquisa e indústria nacional para atender os planos futuros de energia no que se refere a tecnologias de energia que o país necessitará no futuro. b) Parcerias externas O país está bem posicionado para oferecer sua experiência em política energética, tecnologias e serviços relacionados em diversas áreas para outros países do Sul. Algumas delas se referem às chamadas tecnologias sociais², aos biocombustíveis de primeira geração, sistemas de cogeração e sua integração. Processos de cultivo de biomassa, sua conversão em carvão vegetal e utilização em setores modernos da economia são outras oportunidades interessantes para serem transferidas para diversos outros países em desenvolvimento. Essas são áreas onde existe um domínio nacional e deverão levar o país a buscar mercados e parceiros externos. Mesmo considerando países industrializados, o Brasil tem conhecimento, tecnologia e capacitação industrial em algumas áreas. O país tem amplo domínio em toda a cadeia de produção de biocombustíveis de primeira geração (etanol) e apresenta alguns avanços nas tecnologias de segunda geração, onde maior cooperação poderá ser fundamental para o país mais rapidamente dominar esse conhecimento. Na área de processos de conversão de biomassa para carvão vegetal, sistemas ²Aqui entendidas não só as tecnologias envolvidas mas também os programas de disseminação de sistemas de aquecimento solar para consumidores de baixa renda, LPG e programas de eletrificação rural. 10 O Brasil naBrasil nova ordem global Antonio José Ferreira Simões Primeiro Fórum de diálogo Diálogo com com o Brasil: - “O oBrasil Brasil na nanova novaordem ordemglobal” global avançados de cogeração a partir de biomassa, o país também possui expertise para exportar para países industrializados. Por outro lado, o Brasil necessita participar cada vez mais do aprendizado e compartilhar o desenvolvimento de algumas tecnologias que serão necessárias para seu futuro, especialmente relacionadas a fontes eólica e solar (fotovoltaica e solar térmica), armazenagem de energia, redes inteligentes, integração de sistemas energéticos com veículos elétricos, entre outros. Maior cooperação é também necessária nos aspectos relacionados a regulação técnica econômica de mercados de energia, gerenciamento de sistemas energéticos com alta participação de fontes intermitentes. c) Cooperação Alemanha-Brasil Vemos com otimismo a perspectiva de uma efetiva cooperação mútua entre o Brasil e a Alemanha no campo da política energética, em particular com relação com relação ao desenvolvimento de mercado para energia eólica e solar e eficiência energética. A experiência alemã é relevante não somente nos aspectos de desenvolvimento tecnológico, mas também nas suas dimensões relacionadas com a introdução de mecanismos regulatórios, incentivos econômicos para criação de mercados para essas tecnologias e desenvolvimento da indústria local. Considerações finais O sucesso de políticas públicas para acelerar a introdução de modernas tecnologias de conversão de energia com menor impacto ambiental no Brasil dependerá estritamente da coordenação de pelo menos três áreas que ainda possuem tratamento compartimentalizado no país: a política climática, política energética e política de ciência e tecnologia. Acreditamos que maior intercâmbio de experiência sobre política energética entre o Brasil e demais países poderá ser mutuamente benéfico para se buscar maior sustentabilidade para o setor energético. 11 Prof. Gilberto De Martino Jannuzzi Referências Bibliográficas - EPE, Empresa de Pesquisa Energética, e Ministério de Minas e Energia (MME). “Plano Decenal de Expansão de Energia 2019-PDE 2019,” 2010. - EPE, Empresa de Pesquisa Energética, e Ministério de Minas e Energia (MME). “Plano Nacional de Energia 2030,” 2007. - Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima. Plano Nacional sobre Mudança do Clima - PNMC Brasil, 2008. - CGEE, Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. “Estudos Temáticos e de Futuro”. Brasília, 2007. - CGEE, Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. “Energias do Futuro”. Brasília: 131p, junho 2008. - CGEE, Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. “Integração de Agenda: Mudanças Climáticas Energia e Desenvolvimento”. Brasília: 118p, junho 2009. - CGEE, Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, 2009. “Oportunidades para a Difusão de Tecnologias de Energia Limpas: Subsídios para a Participação Nacional na Conferência de Mudança do Clima”. Brasília: 82p, dezembro 2009. 12 O Brasil naBrasil nova ordem global Antonio José Ferreira Simões Primeiro Fórum de diálogo Diálogo com com o Brasil: - “O oBrasil Brasil na nanova novaordem ordemglobal” global Mudança do Clima: políticas públicas no Brasil entre desenvolvimento e proteção ambiental? Imme Scholz1 Introdução Desde a crise financeira de 2008, os governos europeus estão presenciando com assombro uma queda acelerada do seu poder econômico relativo e, de maneira concomitante, de seu poder político de proposição e negociação a nível global. Isto tem sido especialmente claro nas negociações no âmbito da UNFCCC, da convenção marco das Nações Unidas sobre a mudança do clima. A recessão econômica no contexto da crise financeira impõe limites muito estreitos aos orçamentos públicos dos países do euro, o que reduz tanto a capacidade de investimentos públicos (nos sistemas energéticos domésticos e na cooperação internacional) como a vontade de correr riscos para o crescimento econômico a curto prazo. Problemas semelhantes tem ocorrido também nos EUA e no Japão (exacerbados pelos custos da catástrofe nuclear de Fukushima em 2011). No âmbito da política global sobre a mudança climática, esta situação se traduz em uma paralisação das negociações sobre o Protocolo de Kyoto: dos países industrializados, com obrigação de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa, apenas a União Europeia (UE) está disposta a se comprometer a uma segunda fase, enquanto os EUA, o Japão e o Canadá estão fora. Mas dentro da UE as controvérsias sobre a importância da política climática também é forte: em 2011, não tem sido possível convencer aos estados membros nem de aumentar a taxa de redução das emissões de 20 a 30% até 2020 (ano de referência: 1990), nem de adotar o ‘Roadmap for moving to a competitive low-carbon economy in 2050’. O conselho “reconheceu” os objetivos de reduzir A autora é socióloga com doutorado da Universidade Livre de Berlim. Ela é vice-diretora do Instituto Alemão de Desenvolvimento (Deutsches Institut für Entwicklungspolitik, DIE) sediado em Bonn, Alemanha. 1 13 Antonio José Ferreira Simões Imme Scholz as emissões em 40% até 2030, 60% até 2040 e em 80% até 2050. Mas o conselho também enfatizou “the need for a balanced approach that respects the principles of ‘polluter pays’, cost-effectiveness, fairness and solidarity in the distribution of additional efforts and benefits between member states”2 . A UE, em seus debates internos, reproduz então o debate global entre países ricos e pobres sobre como definir as obrigações de grandes emissores do passado e do futuro, e como distribuir os custos e benefícios. Esse debate interno e os apelos à ação dos outros grandes emissores mostram a debilidade europeia. Nesse contexto, Connie Hedegard, membro da Comissão Europeia responsável pela política sobre mudança do clima, recentemente falou numa entrevista concedida a um jornal australiano: “Para quê estender o nosso compromisso (com o Protocolo de Kyoto) se nenhuma das grandes economias está disposta a colaborar, senão hoje, então no futuro? (...) A Europa apenas representa 11% das emissões globais. O que farão os outro 89%?”3 Esse posicionamento foi corroborado pelo comunicado do Conselho de ministros de Ambiente da UE (10 de outubro de 2011) que afirma que o protocolo de Kyoto “continuará existindo desde que os EUA e as economias emergentes se comprometam agora a participar de um acordo mais amplo, no futuro. (...)” O acordo futuro, querem os europeus, terá que ter compromissos de cortes para todas as grandes economias. Mas respeitaria o princípio das‚ responsabilidades comuns, porém diferenciadas, que diz que a responsabilidade pelo aquecimento da Terra, e a resposta dos países ao problema, tem que ser diferente, conforme o país. Os compromissos de Europa e EUA, por exemplo, não seriam os mesmos dos de Brasil, Índia e China.4 O Brasil faz parte do grupo BASIC, com China, Índia e África do Sul, que se reúne regularmente desde 2009, para definir bases e ações conjuntas na política do clima. Um fato importante é que os quatro países possuem políticas nacionais que especificam objetivos e ações voluntárias para reduzir as suas emissões de gases estufa. Dessa maneira, os países do grupo BASIC cumpriram com o compromisso assinado em 2007 em Bali na conferência da UNFCCC: as grandes economias entre os países em http://consilium.europa.eu/uedocs/cms_data/docs/pressdata/en/envir/122956.pdf (12.10.2011) http://ec.europa.eu/commission_2010-2014/hedegaard/headlines/news/2011-09-07_01_en.htm (12.10.2011) 4 Veja Daniela Chiaretti: “UE dá ultimato e exige compromisso de China e EUA para renovar Kyoto”, Valor Econômico, 11/10/2011 (13.10.2011). 2 3 14 Antonio José Ferreira Simões Primeiro Fórum de diálogo Diálogo com comBrasil o Brasil: - “O oBrasil Brasilna nanova novaordem ordemglobal” global desenvolvimento aceitaram atividades voluntárias para reduzir suas emissões em relação ao crescimento econômico e do consumo de energia, segundo a recomendação do IPCC (painel intergovernamental sobre a mudança climática) para atingir o objetivo de limitar o aquecimento global a 2°C. Essas políticas refletem também o significado atribuído à transformação do sistema energético e econômico para o desenvolvimento do país. A China, claramente considera o desenvolvimento de uma economia de baixas emissões como tema chave – é nessa área onde ocorrera a competição tecnológica e econômica entre as grandes potências. A Índia compartilha essa convicção, mas no Brasil, a situação é diferente, devido às diferencias entre as principais fontes das emissões de gases de efeito estufa: na China e na Índia, é a geração de energia, baseada no carvão, enquanto no Brasil, 55% das emissões provem do desmatamento e 14% da agricultura. No restante do artigo, tentaremos de traçar os fundamentos da política brasileira sobre mudança do clima, de analisa-la no contexto da estratégia brasileira de crescimento econômico e de formular uma resposta às seguintes perguntas: A política do clima brasileira reflete uma mudança de rumo no modelo de desenvolvimento econômico? Quais as oportunidades e as tensões entre a política climática e a política econômica? Em que medida a mudança climática põe em perigo o desenvolvimento do Brasil? A política nacional sobre mudança do clima do Brasil O Brasil foi o primeiro assinante de UNFCCC em 1992, e nos anos seguintes participou sempre de maneira ativa e propositiva nas negociações internacionais, com negociadores de alto nível científico e diplomático. Assim, uma das contribuições mais notáveis do Brasil tem sido o desenho do mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL) que incentiva o investimento em tecnologias de baixas emissões em países em desenvolvimento e que facilitou a adoção do Protocolo de Kyoto. A política nacional sobre mudança do clima foi instituída em dezembro de 2009. O seu principal objetivo (Art. 12) é adotar „como compromisso nacional voluntário, ações de mitigação das emissões 15 Antonio José Ferreira Simões Imme Scholz de gases de efeito estufa, com vistas em reduzir entre 36,1% (trinta e seis inteiros e um décimo por cento) e 38,9% (trinta e oito inteiros e nove décimos por cento) suas emissões projetadas até 20205. O plano nacional de ação formulado em 2008 inclui os seguintes objetivos e medidas 6: - Reduzir as taxas de desmatamento na Amazônia em um 70% até 2017. Na conferência da UNFCCC em Copenhague 2009, o governo Lula anunciou uma nova meta de 80% até 2020. Para financiar as atividades necessárias foi estabelecido o Fundo Amazônia no BNDES que conta com doações da Noruega e da Alemanha; - Aumentar a eficiência energética em 10% até 2030; - Manter ou elevar a percentagem de energia renovável na geração de eletricidade: até 2030, gerar 11,4% da eletricidade através da cogeração (queima de bagaço na produção de etanol); construir hidrelétricas na Amazônia; aumentar a geração através da energia eólica e fotovoltaica; - Incrementar o uso de agro combustíveis, sobretudo etanol e biodiesel; - Reduzir as emissões da agricultura, transformando os sistemas de produção e recuperando pastagens degradadas. O Brasil também anunciou em Copenhague a criação de um fundo de USD 5 bilhões para apoiar medidas de adaptação em países pobres vulneráveis aos impactos da mudança climática. O Brasil também ofereceu aos vizinhos na Amazônia e aos países da África central o uso dos seus satélites para monitorar a cobertura vegetal. Até um 20% dos meios financeiros do Fundo Amazônia poderão ser aplicados nos países da Amazônia para apoiar o combate ao desmatamento.7 A adoção da política nacional do clima indica uma mudança significativa na política exterior brasileira em relação a questões da política ambiental internacional. Os seus princípios desde a primeira Lei Nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009. Veja Governo Federal / Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima, Plano Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC – Brasil, Brasília 2008. 7 Veja Ronie Lima, “Dilma e Minc anunciam US$ 5 bilhões do Brasil para países pobres”, in: www.mma.gov.br/sitio/ index.php?ido=ascom.noticiaMMA&idEstrutura=8&codigo=5456 (3.2.2010). 5 6 16 O Brasil naBrasil nova ordem global Antonio José Ferreira Simões Primeiro Fórum de diálogo Diálogo com com o Brasil: - “O oBrasil Brasil na nanova novaordem ordemglobal” global conferência da ONU sobre meio ambiente em 1972 foram:8 - prioridade à soberania nacional e às prioridades nacionais de desenvolvimento, em detrimento da responsabilidade comum para a proteção de bens ambientais públicos globais (percebida como responsabilidade primordial dos países ricos). Desde essa perspectiva, o Brasil sempre se recusou a desenvolver princípios internacionais obrigatórios para a política florestal; - exigir ações preliminares dos países ricos, e amarrar as ações dos países em desenvolvimento a um financiamento adequado internacional; - identificar os países ricos geralmente como os poluidores principais, diretamente ou indiretamente através da distribuição global desigual do poder econômico e político; - no transcurso do processo de modernização, eventuais problemas ambientais serão resolvidos através do crescimento econômico e da introdução de tecnologias modernas. Aqui podemos constatar uma mudança no pensamento: Através de medidas nacionais voluntárias, proclamadas como compromisso no contexto de negociações internacionais, o Brasil agora contribui ativamente na manutenção de bens globais públicos como o clima. Em geral, o governo brasileiro espera que o plano de ação reduzira as emissões até 2020 entre 36 e 39%, em comparação com o cenário business as usual. No Brasil, esse cálculo foi imediatamente criticado: o governo foi acusado de ter exagerado as emissões no cenário business as usual, e assim de ter exagerado o potencial de redução delas. A Folha de São Paulo mencionou um estudo do Banco Mundial que calcula o volume de emissões até 2030 de 1,7 bilhões de toneladas de CO2, enquanto o governo brasileiro tinha calculado 2,2 bilhões de toneladas até 2020.9 Mas usando os cálculos do IPCC (redução das emissões em 15-30% até 2020 em comparação com business as usual), outros Veja Roberto Guimarães / Joana Bezerra / Roberto Pascarella, “Agenda internacional de meio ambiente: continuidade e mudança da posição do Brasil nas negociações internacionais entre 1972 e os dias de hoje”, Rio de Janeiro 2009 (mimeo). 9 Veja Marta Salomon, “Brasil inflou dado de emissão de CO2 para 2020, sugere estudo”, in: Folha Online, 24.11.2009, http://www1.folha.uol.com.br/folha/ambiente/ult10007u656701.shtml (3.2.2010). 8 17 Antonio José Ferreira Simões Imme Scholz julgam as medidas brasileiras como sendo adequadas.10 Mas outros acham que objetivos mais ambiciosos seriam possíveis de atingir: em 2009, McKinsey publicou um estudo com propostas para a transição rumo a uma economia de baixo carbono.11 As propostas incluem reduzir as emissões até 2030 em 70%. O maior potencial reside, segundo McKinsey, no desmatamento evitado que teria um custo de 8 €/t CO2 e que representa 72% do potencial total de redução. Será que a política nacional do clima também inclui uma maior prioridade para objetivos ambientais nas estratégias de desenvolvimento? Discutimos essa hipótese na próxima secção. Tensões entre a PBNMC e a estratégia nacional de desenvolvimento O sucesso econômico do Brasil nos últimos anos tem vários origens: o crescimento das exportações e da agricultura, o Plano Real, e uma política econômica que favorece a integração ativa no mercado mundial, a privatização das grandes empresas estatais e a desregulação do mercado laboral. A participação da agricultura no PIB brasileiro é de 25% se incluirmos os insumos. O setor cresce mais rapidamente do que a economia como um todo e produz 36% das exportações.12 O país e o maior produtor global de cana de açúcar, café, frutos tropicais e concentrado de laranja. É o segundo produtor de soja (somente ultrapassado pelos EUA), e um dos maiores produtores de milho, algodão, cacau, tabaco e madeira. O Brasil tem o maior rebanho bovino do mundo, com 170 milhões de cabeças.13 O crescimento da agricultura foi produzido pela expansão da área sob lavoura desde os anos 1970s e pelos avanços na pesquisa agrária (EMBRAPA). Adaptações genéticas nas semilhas facilitaram o uso da terra no centro-oeste – essa região hoje produz mais de 40% da colheita nacional de grãos. Segundo o ministério da agricultura, ao redor de 60% do incremento de produtividade na agricultura Veja http://www.climateactiontracker.org/country.php?id=1266 (3.2.2010). Veja McKinsey&Company, “Pathways to a Low-Carbon Economy for Brazil”, sem ano. 12 Veja “Aquecimento global e a nova geografia da produção agrícola no Brasil”, EMBRAPA/UNICAMP, São Paulo 2009, p. 14. 13 Veja Background note Brazil, in: www.state.gov/r/pa/ei/bgn/35640.htm#econ (12.2.2010). 10 11 18 O Brasil naBrasil nova ordem global Antonio José Ferreira Simões Primeiro Fórum de diálogo Diálogo com com o Brasil: - “O oBrasil Brasil na nanova novaordem ordemglobal” global se devem à pesquisa.14 A expansão da área sob lavoura ainda não concluiu no Brasil. A Amazônia é considerada a fronteira agrícola principal por muitos investidores que apostam no gado e na soja. A expansão da cana de açúcar tem promovido este processo de maneira indireta. Reduzir as emissões através da redução da taxa de desmatamento entra em conflito com a estratégia dos atores privados de aumentar a área agrícola naquela região com os preços de terra mais baixos e com instituições públicas frágeis, encarregadas de vigilar as áreas protegidas e de implementar o zoneamento agroecológico e as leis de proteção ambiental (incluindo o código florestal). Desde os anos 1990 o desmatamento da Amazônia para pastagem apresenta uma alta dinâmica que é independente de investimentos públicos. A rede de estradas na região é construída por donos de serrarias, fazendeiros e produtores de soja. Sobretudo o escoamento da soja para os mercados externos tem motivado a construção privada de hidrovias, estradas e portos. Desde a crise da vaca louca, as importações europeias de carne bovina e de soja do Brasil tem aumentado significativamente. A produção de carne na UE depende de importações de ração: 75% da ração rica em proteína (sobretudo soja) é importada15. A Amazônia ainda não é um grande exportador de bens agrícolas. Contudo, a soja está crescendo ao redor de Santarém, e a Amazônia também está sendo considerada para a produção de agro combustíveis. As medidas do governo brasileiro para proteger a Amazônia tem sido melhoradas, mas existem incoerências entre os planos ambientais para a região (áreas protegidas, concessões florestais) e os planos na área da energia e do transporte (construção de hidroelétricas, gasodutos, estradas). Um 80% do desmatamento ocorre ao redor das estradas. Desde 2004, a taxa de desmatamento tem sido muito baixa, o ministério do meio ambiente reforçou suas medidas de controle. Mas o desmatamento disparou Veja “Aquecimento global e a nova geografia da produção agrícola no Brasil”, EMBRAPA/UNICAMP, São Paulo 2009, p. 15 f. 15 Veja Westhoek, H. et al., “The Protein Puzzle: The consumption and production of meat, dairy and fish in the European Union”, The Hague: PBL Netherlands Environmental Assessment Agency, 2011 14 19 Antonio José Ferreira Simões Imme Scholz após a decisão do congresso de mudar o código florestal e reduzir a percentagem das áreas privadas a não serem desmatadas de 80 a 50%. Isso aponta a fraquezas institucionais sérias na Amazônia. Um grande investimento público na Amazônia, a hidroelétrica de Belo Monte no Xingú, perto de Altamira, é um caso exemplar: a hidroelétrica produzirá energia para o crescimento da economia nacional, mas do ponto de vista local ela é julgada como séria ameaça à supervivência dos Juruna que moram na volta grande do Xingú que no futuro receberá muito menos agua que agora. A migração de trabalhadores a Altamira também e vista como ameaça à integridade da floresta na área. Na bacia do Xingú existe uma das maiores áreas indígenas do Brasil, estabelecida após a quase extinção dos Kranhacãrore no transcurso da construção da BR-163 e o deslocamento forçado deles a outra área. A pavimentação da BR-163 foi decidida pela União para facilitar o escoamento da soja pelo porto de Santarém. Esses dois grandes projetos – Belo Monte e a BR-163 – vão demonstrar qual o balanço que a União vá tirar entre objetivos sociais, econômicos e ambientais.16 A União tem os instrumentos necessários para evitar os processos espontâneos de migração e desmatamento que tradicionalmente têm acompanhado os grandes projetos na Amazônia. Esses instrumentos incluem o controle das áreas protegidas e das concessões florestais e investimentos no desenvolvimento local e um planejamento para acomodar os migrantes em áreas determinadas, com infraestrutura social e econômica. Mas dos meios financeiros incluídos no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) previstos para atividades do Ministério do Meio Ambiente na Amazônia apenas 20% foram efetivamente gastos entre 2005-2008.17 O estudo de McKinsey também menciona o investimento no desenvolvimento local como fundamental para reduzir a taxa de desmatamento, mas o calculo dos custos não reflete esses investimentos. O estudo calcula € 5,7 bilhões anuais para o desenvolvimento local (1% do PIB brasileiro). O PAC também é a fonte principal para financiar energias renováveis e eficiência energética. Veja também Imme Scholz: “Environmental policy co-operation among organised civil society, national public actors and international actors in the Brazilian Amazon”, in: European Journal of Development Research 17 (4), 2004, p. 681705 17 Veja IPEA, “Brasil em desenvolvimento. Estado, planejamento e políticas públicas”, Brasília 2009, p.382-396. 16 20 O Brasil naBrasil nova ordem global Antonio José Ferreira Simões Primeiro Fórum de diálogo Diálogo com com o Brasil: - “O oBrasil Brasil na nanova novaordem ordemglobal” global 65% das despesas no PAC estão previstas para a infraestrutura do gás natural e do petróleo. As despesas para a energia eólica e solar são muito menores. O governo brasileiro e a administração pública têm consciência dos riscos da trajetória de desenvolvimento da economia brasileira para a implementação da política nacional do clima. Uma das medidas nesse contexto foi a criação no ministério da fazenda do grupo de trabalho permanente sobre política econômica no contexto da política do clima. O objetivo do grupo é desenvolver instrumentos ambientais e de mercado para implementar a política do clima. Um instrumento importante poderia ser o comitê interministerial de questões da mudança climática. Riscos da mudança climática para o crescimento econômico no Brasil No final de 2009, foi publicado um estudo sobre a economia da mudança do clima no Brasil que analisa os riscos para a economia brasileira. O estudo foi coordenado por Jacques Marcovitch da USP e elaborado pelas melhores instituições de pesquisa do Brasil.18 O estudo mostrou que uma política econômica que inclui medidas de mitigação das emissões conduz a um maior produto interno bruto do que sem. O estudo também analisou os impactos da mudança do clima no Brasil, em particular sobre a energia, a água e a agricultura. Os resultados principais dessa análise mostram que uma política ativa de reduzir as emissões globais está no interesse direto do Brasil: - Os impactos da mudança do clima podem reduzir o PIB brasileiro até 2050 entre 0,5 e - “As regiões mais vulneráveis à mudança do clima no Brasil seriam a Amazônia e o 2,3%. Nordeste”, quer dizer nas regiões com maior incidência de pobreza. - Na Amazônia, “o aquecimento pode chegar a 7-8°C em 2100, o que prenuncia uma alteração radical da floresta amazônica – a chamada ‘savanização’. Estima-se que as mudanças climáticas Veja Jacques Marcovitch, “Economia da Mudança do Clima no Brasil: custos e oportunidades”, Rio de Janeiro, 2009, in: www.economiadoclima.org.br (3.2.2010). 18 21 Antonio José Ferreira Simões Imme Scholz resultariam em redução de 40% da cobertura florestal na região sul-sudeste-leste da Amazônia, que será substituída pelo bioma savana”. - No Nordeste, as chuvas tenderiam a diminuir consideravelmente até 2100, causando perdas agrícolas em todos os estados da região e reduzindo a capacidade de manter rebanhos bovinos. A vazão de rios em bacias do Nordeste poderá diminuir o que afetará “bacias importantes para a geração de energia, como a do Parnaíba e a do Atlântico Leste, com redução de vazões de até 90% entre 2070 e 2100”. - “Haveria perdas expressivas para a agricultura em todos os estados, com exceção dos mais frios no Sul-Sudeste, que passariam a ter temperaturas mais amenas.” - Haverá uma “perda de confiabilidade no sistema de geração de energia hidrelétrica, com redução de 31,5% a 29,3% da energia firme. Os impactos mais pronunciados ocorreriam nas regiões Norte e Nordeste. No Sul e no Sudeste os impactos se mostrariam mínimos ou positivos, mas neste caso não compensariam as perdas do Norte e do Nordeste.”19 Conclusão e novas perguntas No contexto da análise, a política nacional da mudança do clima pode ser considerada um primeiror passo muito importante. Mas tem duas perspectivas que justificam metas mais ambiciosas: a prevenção de mudanças climáticas perigosas (além de 1,5 ou 2°C) e o efeito cumulativo entre a mudança climática e mudanças globais em outras áreas (perda de biodiversidade, mudanças na cobertura vegetal, a acidificação dos oceanos).20 Por exemplo, a política energética do Brasil prevê que as emissões dobrarão até 2030 (em comparação com 2006). Já hoje as emissões per capita do Brasil devidas à energia são de 7,5 toneladas de CO2. O WBGU (um conselho científico sobre mudanças globais do governo federal da Alemanha, veja www.wbgu.de) calcula que na segunda metade do século, as emissões médias per capita deverão ser inferiores a 2 toneladas se pretendemos limitar o aquecimento 19 20 Resumo executivo do estudo “Economia da mudança do clima no Brasil: custos e oportunidades” (2009). Ver Johan Rockström et al. “A safe operating space for humanity”, in: Nature, 24.9.2009, p. 472-475. 22 O Brasil naBrasil nova ordem global Antonio José Ferreira Simões Primeiro Fórum de diálogo Diálogo com com o Brasil: - “O oBrasil Brasil na nanova novaordem ordemglobal” global médio global a 2°C.21 Dessa perspectiva, seria recomendável definir um incremento muito maior a curto prazo da energia eólica e solar e de outras fontes renováveis. Isso também ajudaria a evitar os efeitos negativos das grandes hidroelétricas na Amazônia. Além disso, é necessário pensar no aumento da eficiência energética. Aqui existem os maiores potenciais para reduzir as emissões. A infraestrutura urbana e a eficiência energética dos prédios são áreas de maior importância, elas não são mencionadas no estudo da USP e merecem maior atenção. Na área de transporte, existem opções (ferrovias, transporte público urbano) que reduzem o transporte individual e o consumo de (agro) combustíveis. Finalmente, o Brasil (e mais ainda a Alemanha) também precisa pensar em estilos de vida, padrões de consumo e de produção compatíveis com um mundo com uma maior população, mas com um espaço ambiental reduzido e cada vez mais frágil. Um dado interessante mostra que o público brasileiro está disposto em repensar o padrão de desenvolvimento do país: Em 2001 e 2008, o CEBRI fez um levantamento entre as pessoas que influem de maneira decisiva sobre a política exterior (legislativo, executivo, jornalistas, ONGs, acadêmicos, setor privado). Os resultados desse estudo mostram que a proteção ambiental e a política do clima são considerados como importantes, tanto a nível internacional como regional. O estudo diferencia entre ameaças, objetivos da política exterior e temas da agenda multilateral. Nas três áreas, a mudança climática aparece fortemente:22 - Das três ameaças mais importantes, o aquecimento global é mencionado por 65% dos entrevistados (em comparação: 64% mencionam o tráfico internacional de drogas e 50% o protecionismo comercial dos países ricos); - Entre os nove objetivos considerados como “extremadamente importantes”, figuram a Wissenschaftlicher Beirat der Bundesregierung globale Umweltveränderungen, “Solving the climate dilemma: The budget approach”, Berlin 2009. 22 Amaury de Souza, “Brazil’s international agenda revisited: perceptions of the Brazilian foreign policy community”, CEBRI, 2008, resumo executivo. 21 23 Antonio José Ferreira Simões Imme Scholz cooperação com os países vizinhos para proteger a Amazônia (57%), e a proteção ambiental (62%). - O meio ambiente e a mudança climática são os novos temas que emergem na agenda multilateral: 66% dos entrevistados apoiam a coordenação internacional para a proteção ambiental (74% em 2011); e 90% acham que todos os países e não apenas os países industrializados devem reduzir suas emissões de gases de efeito estufa (81% em 2001). Como resultado direto dessas preocupações, cresceu o apoio à inclusão de cláusulas em tratados de livre comércio para a proteção de direitos de trabalhadores e do meio ambiente (66% em 2008, 31% em 2001). O resultado desse levantamento é auspicioso para o papel internacional do Brasil – se for traduzido em iniciativas de política exterior na região e a nível internacional. Quais as alianças de atores que se comprometem com essa agenda? Qual a base doméstica dessa agenda, em termos de política econômica e social? E qual a influência dos parceiros no grupo BASIC e dos debates na aliança com Índia e África do Sul no grupo IBSA sobre a definição de políticas exteriores nessas áreas e de estratégias internas de desenvolvimento, nas áreas de energia, agricultura e infraestrutura urbana? E qual o papel da parceria com Alemanha nesse contexto? O levantamento do CEBRI é negativo: Somente uma minoria dos entrevistados espera que a Alemanha ganhe importância para o Brasil (28% em 2008, contra 64% em 2001; no caso dos EUA, a queda também é brusca com 15% em 2008 contra 49% em 2001). A Alemanha é um dos poucos países que aposta na energia renovável para o seu futuro, e que deixou a energia nuclear de lado para o uso doméstico (e a Siemens decidiu vender a sua secção nuclear). A Alemanha vê no Brasil um parceiro importante para sua política do clima; qual o futuro real dessa expectativa? Esses são temas que merecem ser estudados no Brasil e na Alemanha. 24 O Brasil naBrasil nova ordem global Antonio José Ferreira Simões Primeiro Fórum de diálogo Diálogo com com o Brasil: - “O oBrasil Brasil na nanova novaordem ordemglobal” global Interesses Brasileiros, Estratégias e Parcerias em Política Climática Prof. Jacques Marcovitch1 Em política climática, o Brasil sempre vinculou os seus interesses ao interesse planetário expresso em fóruns multilaterais. A estratégia ambiental brasileira está centrada na Amazônia e sua floresta gigante que, além dos benefícios internos, reais e potenciais, também contribuem para a regulação do clima global. O desmatamento do grande bioma, objeto em Copenhague das metas voluntárias de redução, formuladas pelo governo brasileiro, representa um sério risco de intensificação das catástrofes naturais decorrentes das mudanças climáticas. Além de fixar importantes aspectos e as principais variáveis da política climática brasileira, o estudo A Economia das Mudanças Climáticas no Brasil reuniu pesquisadores de 11 grandes instituições científicas em nosso país. Vão pontuados aqui alguns itens a serem focalizados, com apoio nas abordagens daquele documento. No Brasil, a mudança do clima poderá causar redução entre 15% e 20% das áreas de florestas e matas localizadas nos estabelecimentos agrícolas, que cederiam espaço para outros usos, dependendo do cenário e do horizonte temporal considerados. A conversão das áreas florestais deverá ocorrer sobretudo para o uso na pecuária, com aumento de área de pastagens entre 7% e 11%. (EMCB, cap. 3, pg. 34). Em vista disso, recomenda-se adotar políticas de ordenamento de uso de solo para garantir o cumprimento das metas de redução de desmatamento definidas pelo governo brasileiro. O zoneamento ecológico-econômico e agrícola, no plano estadual, pode ser um instrumento poderoso para conter a conversão de áreas de floresta nas propriedades e direcionar a produção agropecuária para áreas abandonadas ou de Jacques Marcovitch é professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) e do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da Universidade de São Paulo. 1 25 Antonio José Ferreira Simões Prof. Jacques Marcovitch pastagens degradadas, se o poder público providenciar também financiamento e assistência técnica para tornar sua utilização rentável. (EMCB, cap. 3, pg. 34). Perdas de espécies. Uma perda de 12% das espécies de vertebrados da região mais biodiversa do planeta já seria um valor expressivo, mas, quando associado ao desmatamento projetado, o impacto da mudança do clima na biodiversidade leva a um quadro catastrófico de extinção de cerca de um terço das espécies. Valor dos serviços dos ecossistemas. Foram utilizados os valores encontrados por Costanza et al. (1997), entre os quais o bioma Floresta assume um valor presente médio de US$ 742 por hectare por ano. Ajustando este valor em função da escassez relativa utilizando a curva Função ecológica que relaciona a redução da área de um bioma com o número de espécies perdidas espécie-área, foram obtidos valores médios atuais de US$ 591/ha/ano para a floresta amazônica. Projeções dos biomas. Estima-se que a mudança do clima resultará em redução de 40% da cobertura florestal na região sul-sudeste-leste da Amazônia, que será substituída pelo bioma savana em 2100, no cenário A2-BR. Produtividade primária líquida. A região mais afetada é o sul-sudeste-leste da Amazônia. Os estados do Pará e de Mato Grosso são os mais afetados negativamente. Valor dos serviços do ecossistema. A projeção final é que o impacto da mudança do clima fique entre US $ 14 bilhões (cenário B1) e US $ 26 bilhões (cenário A2-BR) por ano no fim deste século. É importante observar que tais impactos são medidos onde os serviços são gerados, não necessariamente consumidos. Grande parte do valor da Amazônia está relacionada a serviços de caráter regional e global, como seu papel na regulação do ciclo hídrico regional (com influência no cinturão agrícola do Centro-Sul do país) e no armazenamento de carbono. (EMCB, cap. 3, pag. 36/37) Estratégias No Brasil, estima-se que o desmatamento na Amazônia seja responsável hoje por cerca de 60% das 26 O Brasil naBrasil nova ordem global Antonio José Ferreira Simões Primeiro Fórum de diálogo Diálogo com com o Brasil: - “O oBrasil Brasil na nanova novaordem ordemglobal” global emissões nacionais, o que representa enorme potencial para atividades de mitigação. Para reduzir tais emissões, um sistema de remuneração e incentivos em parcerias com outros países está sendo negociado. Um pagamento em quantia pelo menos igual à atual renda gerada pelo desmatamento seria recebido, e a comunidade mundial reduziria as emissões de carbono a um custo menor. Este mecanismo, denominado REDD (redução de emissões de desmatamento e degradação de florestas), será novamente abordado mais adiante. A taxação de carbono, uma das alternativas em debate na negociação internacional sobre emissões, tem como objetivo controlar a expansão ou reduzir o nível das emissões de gases do efeito estufa na economia. Pode ser uma forma eficiente de atingir metas de redução de emissões nos processos produtivos das firmas e no consumo das famílias. Os setores mais prejudicados no nível de atividade por uma taxação de US$ 50/tonelada foram aço, equipamentos de transporte, extração mineral, produtos químicos e refino. O ranking setorial pouco se altera no caso das tarifas de US$ 10 e US$ 20. Pecuária, agricultura, alimentos e serviços foram relativamente beneficiados, seja porque são pouco intensivos no uso de combustíveis, seja pelo impacto positivo do subsídio ao consumo das famílias. (EMCB, cap. 6, pag. 67) Embora a taxação permita reduzir emissões de gases do efeito estufa e seja também uma política relativamente simples de implementar, não é possível garantir que o nível de emissões se estabilize em um patamar considerado razoável nos próximos anos. Uma trajetória de crescimento acelerado da economia brasileira nas próximas décadas, mesmo com os impactos da crise financeira mundial a partir de 2008, requer que os níveis de emissão sejam acompanhados com atenção e que políticas de mitigação sejam ajustadas ao longo dessa trajetória. Cabe ressalvar novamente que não se levaram em conta as emissões decorrentes do desmatamento. A modelagem adequada de sua relação com a atividade econômica demanda estudos mais detalhados. Os impactos regionais das políticas de mitigação devem ser um ponto relevante na formulação de políticas e foco relevante de pesquisa econômica no futuro. (EMCB, cap. 6, pag. 68) 27 Prof. Jacques Marcovitch Antonio José Ferreira Simões Parcerias em política climática a) Parcerias internas A Lei Federal de Mudanças Climáticas no Brasil e a legislação vigente em sua principal Unidade Federativa, São Paulo, consagram o princípio de indução e incentivos às empresas para a redução do desflorestamento. Não há, na Lei Federal, sanções fiscais ou quaisquer outras medidas punitivas. Centra-se, toda ela, em benefícios e incentivos. Dentre aqueles que interessam mais diretamente aos agentes econômicos, destacamos o estímulo o mercado de redução de emissões, fomento às atividades sustentáveis, linhas de crédito e financiamentos específicos e medidas tributárias (isenções e alíquotas diferenciadas) para estimular a redução de emissões. A Política Estadual de São Paulo para Mudanças Climáticas (PEMC) prevê 20% de redução de emissões de CO2 equivalente até o ano de 2020, com base no inventário de 2005. Aspectos indutores à inovação Esfera Federal: Promoção de pesquisas e difusão de tecnologias, processos e práticas; Instrumentos econômicos, financeiros e fiscais; Cooperação internacional e regional; Utilização de programas já existentes; Preferência nas licitações e nas concorrências públicas. Esfera Estadual Paulista: Instituição de planos e programas de estímulo à inovação e transferência tecnológica e programas de incentivo econômico a prevenção e adaptação às mudanças climáticas e crédito à economia verde. Pagamento por serviços ambientais, que faz parte do Programa de Remanescentes Florestais (PRF). b) Parcerias externas O conceito de “floresta em pé” já é consensual entre o governo federal e os governos estaduais da Amazônia. Estes governos regionais sempre defenderam a implantação do mecanismo REDD, já 28 O Brasil naBrasil nova ordem global Antonio José Ferreira Simões Primeiro Fórum de diálogo Diálogo com com o Brasil: - “O oBrasil Brasil na nanova novaordem ordemglobal” global referido, com argumentos que somente em 2010 lograram sensibilizar o governo central. Os líderes da Amazônia, em síntese, apresentam as ponderações que se seguem. A Amazônia já tem projetos em andamento que mostram a viabilidade e os benefícios socioambientais do REDD. A inclusão do REDD no mercado de carbono não impede que sejam feitas, também, doações governamentais dos países poluidores para os países pobres ou em desenvolvimento, como no caso do Fundo Amazônia. Reduzir a zero o desmatamento é bom para a Amazônia e para o Brasil por várias razões. Manteria em funcionamento a mega “bomba d´água” que alimenta com chuvas boa parte do Brasil. Isto é bom para a produção agropecuária, a geração de energia elétrica e o abastecimento urbano de água. Manter a floresta em pé é também essencial para a vida das populações amazônicas. Por outro lado, se reduzíssemos a zero o desmatamento, nossa melhor ‘imagem ambiental’ favoreceria o comércio exterior e, com isso, nossas exportações de carne, soja, etanol etc., teriam melhor acesso aos mercados internacionais. Sairíamos da posição de 4º para o 17º lugar no ranking internacional de emissões de gases efeito estufa. O Brasil tem aproveitado muito pouco as oportunidades do mercado global de carbono. Dele o Brasil participa com cerca de 3%, enquanto a China tem uma participação de 84% (dados de 2008). O mercado de carbono deve alcançar cerca de US$ 2,1 trilhões por ano em 2020 e 14,9 trilhões em 2050. O estudo mostrou que um preço médio de REDD na Amazônia de US$ 3 por tonelada de carbono, aproximadamente US$ 450 por hectare, desestimularia entre 70% e 80% da criação de gado na Amazônia. Ao preço médio de US$ 50 por tonelada de carbono, seria possível reduzir em 95% o desmatamento. O valor presente da tonelada de carbono contida na floresta na verdade foi calculado entre US$ 0,17 a US$ 0,41, se forem preservados 70% a 85% dos previstos 183 milhões de hectares a serem desmatados até 2050. (EMCB, cap. 7, pag. 74) 29 Prof. Jacques Marcovitch Antonio José Ferreira Simões c) Cooperação Alemanha-Brasil Vemos com otimismo a perspectiva de uma efetiva cooperação mútua entre o Brasil e a Alemanha no campo das políticas do clima, com ênfase nas questões ligadas às florestas tropicais. Além das oportunidades criadas pela implantação do mecanismo REDD e ampliação do MDL, há um amplo espaço para o aproveitamento, pelo Brasil, da tecnologia inovadora, voltada para a economia de baixo carbono, que venha a ser desenvolvida neste grande centro europeu de pesquisa. Considerações finais Cabe reiterar que o Brasil, desde a COP realizada em Kyoto (1997), vem dando mostras de que, em políticas para controle do clima, seus interesses se harmonizam com o ideário firmado no Protocolo então aprovado. As estratégias do Estado brasileiro nesta matéria, salvo dificuldades eventuais não embargadoras destes propósitos, têm como diretriz uma clara posição de combate ao aquecimento global. Neste mesmo sentido, tanto externa quanto internamente evoluem parcerias e outras iniciativas que comprovam o nosso engajamento na batalha pela sustentabilidade. Uma eficaz e engenhosa proposta consagrada em Kyoto foi o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que autoriza os países desenvolvidos a computar, em parte de suas metas, redução de emissões obtida nos projetos sustentáveis em países não inteiramente desenvolvidos. É o que se pode chamar de solução de mercado para a questão do clima. O Brasil teve papel destacado nessa formulação. O MDL é uma proposta brasileira. O protagonismo do Brasil nas discussões multilaterais sobre o meio ambiente, igualmente ganhou força nas Conferências das Partes em Copenhague. Ali foram anunciadas metas voluntárias e ambiciosas do governo brasileiro para a redução do desmatamento da Amazônia, que responde por mais de 60% das nossas emissões de gases de efeito estufa. Estas metas vêm se cumprindo à risca desde então e os nossos compromissos nesta área demandarão, até 2020, investimentos da ordem de R$120 bilhões. No final de 2010, com a credibilidade ganha pelo fiel cumprimento das metas, o Brasil 30 O Brasil naBrasil nova ordem global Antonio José Ferreira Simões Primeiro Fórum de diálogo Diálogo com com o Brasil: - “O oBrasil Brasil na nanova novaordem ordemglobal” global contribuiu decisivamente para a declaração final da COP-16. Esta declaração trouxe, como vimos, a fixação de regras para a implementação do mecanismo REDD. Se há uma política pública inviável sem parceria efetiva entre governo e sociedade civil, esta é a que se refere às mudanças climáticas. Nenhum governo central poderá implementar sozinho, internamente, uma correta estratégia nesta linha, caso dispense o engajamento de governos estaduais ou municipais, das empresas, das organizações não-governamentais. E, no plano externo, sem o crivo das outras nações em consensos definidos nos fóruns multilaterais. A natureza global dos fenômenos climáticos e suas formas de controle sugerem um intenso diálogo, também global, como fator determinante e indispensável. 31 Prof. Jacques Marcovitch Antonio José Ferreira Simões Referências Bibliográficas - A Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa e a Legislação Brasileira, trabalho final da disciplina Estratégias Empresariais e Mudanças Climáticas, do programa de Pós-Graduação em Administração da FEA/USP, oferecida em 2010. - Economia da Mudança do Clima no Brasil: Custos e Oportunidades, editado por Sergio Margulis e Carolina Burle Schmidt Dubeux; coordenação geral Jacques Marcovitch. São Paulo: IBEP Gráfica, 2010. 82 p. - MARCOVITCH, Jacques. Para Mudar o Futuro: Mudanças Climáticas, Políticas Públicas e Estratégias Empresariais. São Paulo, Edusp/Saraiva, 2006, 368 p. - A Gestão da Amazônia: Ações Empresariais, Políticas Públicas, Estudos e Propostas. São Paulo, Edusp, 2011, 312p. 32 O Brasil naBrasil nova ordem global Antonio José Ferreira Simões Primeiro Fórum de diálogo Diálogo com com o Brasil: - “O oBrasil Brasil na nanova novaordem ordemglobal” global Energia Brasileira: estratégias e parcerias Mariana Carpes1 Comentário O Brasil possui grande potencial energético, quer do ponto de vista das matérias primas disponíveis – petróleo, urânio, cana-de-açúcar, água- quer do ponto de vista tecnológico, o que confere ao país um papel de destaque nos cenários regional e internacional, bem como permite maior autonomia para o desenvolvimento econômico nacional. Do ponto de vista estratégico, a discussão energética convida a uma análise multifacetada da política externa brasileira na medida em que pode ser considerada como ponte/instrumento na promoção de outras áreas, tais como aquelas abordadas nesse workshop. É, pois, considerando a política energética em sua interface com outras áreas que tecerei alguns breves comentários destacando o potencial do petróleo e do urânio. Uma das mais recentes descobertas brasileiras na área de energia, as reservas do pré-sal, está para redefinir o papel internacional do país no setor. Durante o governo Lula, o Brasil vivenciou duas importantes conquistas na área energética relacionadas ao petróleo; a auto-suficiência e a descoberta das reservas do pré-sal que abriu ao país a possibilidade de participar do mercado de exportação do produto. Em si essa última novidade já poderia ser considerada de grande vantagem para o comércio exterior do país, mas apresenta algumas características que a tornam ainda mais estratégica. A primeira diz respeito ao aumento progressivo da demanda internacional por energia, amplamente impulsionada pelo crescimento chinês, mas também pelo de outros países emergentes, o que assegura mercado para o produto brasileiro. Relacionado a isso, a segunda característica é a estabilidade 1 Doutoranda no GIGA - German Institut of Global and Area Studies em Hamburgo 33 Mariana Carpes Antonio José Ferreira Simões regional sul-americana, comparativamente vantajosa em relação a instabilidade do Oriente Médio que torna o preço do barril de petróleo constantemente susceptível a variações que são antes de ordem política do que de mercado. A terceira característica é a estabilidade política brasileira e a confiabilidade adquirida pelo país como parceiro comercial frente a um perfil ideológico e instável de Bolívia e Venezuela. E, finalmente, mas não menos relevante a própria imagem consolidada pela Petrobrás como empresa com autonomia de decisão, capacidade de gestão de negócios e alto investimento tecnológico na área de prospecção contam a favor do Brasil numa parceria comercial de petróleo. Além disso, as novas descobertas trazem fôlego à indústria nacional, sobretudo a naval, aumentando a oferta de empregos diretos e indiretos no país, uma demanda doméstica constante. Além do pré-sal, o programa nuclear brasileiro também apresenta potencialidade para a área comercial que diz respeito ao possível ingresso do país no restrito mercado internacional de urânio enriquecido. Com apenas parte do território nacional prospectado (30%), o Brasil é dono da sexta maior reserva de urânio do mundo, possui tecnologia para o seu enriquecimento e o domínio do ciclo do combustível. Por essas razões, a revisão do programa nuclear brasileiro incluiu como cenário possível à participação internacional do Brasil no setor, trabalhando com a hipótese de oferecer serviços no setor, em etapas do ciclo de enriquecimento. Essa fonte de energia, que responde por menos de 3% da matriz nacional, possui interfaces relevantes para as estratégias brasileiras relacionadas às políticas climáticas e de defesa. Ainda que seja uma parcela muito reduzida da matriz energética brasileira, contribui para a produção de energia mais limpa do ponto de vista da emissão de gases do efeito estufa, o que se adequa as demandas internacionais para o controle do aquecimento global. Paralelamente, desempenha papel importante na indústria de defesa na construção do submarino a propulsão nuclear, considerado importante instrumento para o monitoramento da costa brasileira e arma de dissuasão. A matéria nuclear também cumpre papel importante nas parcerias estratégicas internacionais e regionais do país com destaque para o acordo entre Brasil e Franca em defesa e aos recentes docu34 O Brasil naBrasil nova ordem global Antonio José Ferreira Simões Primeiro Fórum de diálogo Diálogo com com o Brasil: - “O oBrasil Brasil na nanova novaordem ordemglobal” global mentos assinados com a já parceira Argentina para o aprofundamento da cooperação no setor. Uma das ambições presentes nessa parceira é a possibilidade futura de enriquecimento conjunto de urânio visando o mercado energético regional, além da construção de dois reatores de pesquisa. Cabe ainda mencionar os projetos relacionados ao Acordo Regional de Cooperação para a Promoção da Ciência e da Tecnologia Nuclear na América Latina e Caribe (ARCAL) no qual o Brasil desempenha relevante papel na difusão de conhecimento cujas aplicações na área civil incluem indústria, medicina e agricultura. Finalmente vale mencionar as demais fontes alternativas para a geração de energia como o etanol, a solar, a eólica, por exemplo, que abrem um horizonte de cooperações internacionais estimulando a pesquisa científica e o desenvolvimento nacional de novas tecnologias. Ainda, projetam o país em alguns dos principais debates da governança global contemporânea, tais como o desenvolvimento sustentável, a preservação ambiental e mudança climática, aspecto que agrega valor simbólico a um país cuja trajetória internacional esteve tradicionalmente orientada pela busca de prestígio e pelo reconhecimento da grandeza nacional e que se coaduna hoje com uma política externa que busca aprofundar um papel responsável do Brasil em relação aos mecanismos de governança regional. Pergunta: Considerando juntamente o cenário regional que indiscutivelmente desempenha um papel central na agenda brasileira de política externa, como o senhor vê as possibilidades/potencialidades de cooperação energética entre Brasil e demais países sul-americanos em fontes renováveis. E como isso pode refletir positivamente sobre a imagem internacional do Brasil? 35 Mariana Carpes Miriam Gomes Saraiva Antonio José Ferreira Simões Estratégias e parcerias brasileiras na ordem global em transformação Miriam Gomes Saraiva1 Continuidade e descontinuidade na política externa brasileira Em termos gerais, a política externa brasileira é identificada pela continuidade. Como pano de fundo para esta perspectiva, pode ser identificado, por um lado, um discurso político que defende a continuidade e, por outro, algumas crenças que orientam sua evolução há muitos anos: a autonomia, a ação universalista e a ideia de que o país virá a ocupar um lugar de mais destaque na política internacional.2 Estas crenças podem ser identificadas com uma corporação diplomática estruturada; a forte concentração do processo de formulação da política externa com a presença histórica do Itamaraty enquanto burocracia especializada contribuiu para um comportamento mais estável pautado em princípios de longo prazo. Mas a perspectiva de continuidade convive com descontinuidades. As opções podem orientar-se para estratégias de caráter mais multipolar ou de buscar ganhos relativos no cenário internacional; para preferência por uma atuação mais autônoma ou por liderar iniciativas de países do Sul; ou para um comportamento do país como skateholder ou como revisionista soft.3 O conceito de autonomia assumiu diferentes abordagens no decorrer dos últimos anos.4 Nestes casos, as alternativas foram definidas a partir do contexto internacional, da estratégia de desenvolvimento nacional e de determinados cálculos dos formuladores de política externa que variaram de acordo com a visão política e a percepção destes formuladores do que seriam os interesses nacionais e da conjuntura internacional. Estas alternativas Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais/Universidade do Estado do Rio de Janeiro A ideia da continuidade é adotada pelo diplomacia brasileira como um dado, entendendo os ganhos políticos que esta crença pode trazer. 3 Maria Regina Soares de Lima, expondo sobre “As bases conceituais da Política Externa Brasileira” no Seminário Iniciativa México Brasil, LACC/FIU, Miami, 13 de maio de 2010 . 4 Autonomia vis a vis o exterior, autonomia pela participação, autonomia pela integração, autonomia pela diversidade. 1 2 36 O Brasil naBrasil nova ordem global Antonio José Ferreira Simões Primeiro Fórum de diálogo Diálogo com com o Brasil: - “O oBrasil Brasil na nanova novaordem ordemglobal” global têm influência sobre a escolha dos parceiros externos por parte da diplomacia brasileira. Nos marcos do Itamaraty, encontram-se basicamente duas correntes de pensamento com percepções diferentes sobre estratégias e parcerias externas. Os institucionalistas pragmáticos, predominante durante o governo de F.H.Cardoso, caracterizam-se por ter preferência por um processo de abertura econômica condicionada e por dar maior importância ao apoio do Brasil aos regimes internacionais em vigência. Esta postura identifica a regulamentação das relações internacionais como um cenário favorável ao desenvolvimento econômico brasileiro. Defende também uma estratégia de uma inserção internacional do país a partir de uma nova visão do conceito de autonomia, aonde os valores globais devem ser defendidos por todos. Neste caso, a autonomia comportaria um país integrado à ordem internacional que empreenderia suas iniciativas frente a diferentes temas nos marcos das instituições internacionais e suas parcerias se orientariam para os países defensores desta ordem. A ascensão do governo de Lula, por outro lado, reforçou a atuação da corrente autonomista; o grupo consolidou-se como principal formulador da política externa brasileira desde então. Seu traço mais marcante é a defesa de uma projeção mais autônoma e proativa do Brasil na política internacional a partir de um multilateralismo de caráter defensivo. Dentro desta perspectiva eles defendem uma reforma da dinâmica das instituições internacionais no sentido de criar espaços de atuação para o país. Nos marcos de um comportamento baseado no revisionismo soft da ordem internacional, os autonomistas têm preocupações de caráter político-estratégico, no que se refere ao embate Norte/Sul, e buscam estabelecer parcerias com outros países considerados emergentes que teriam características comuns com o Brasil. A construção da liderança regional e a ascensão para a posição de potência global são seus objetivos principais. Em grande medida, são tributários do desenvolvimentismo no campo econômico e buscam uma estratégia de inserção econômica internacional orientada para o intercâmbio tecnológico e na expansão das empresas brasileiras principalmente em países da América do Sul e África. A ascensão de Lula trouxe porém uma variante no processo de formulação da política externa. 37 Miriam Saraiva AntonioGomes José Ferreira Simões Trouxe para o bojo do processo uma nova corrente de pensamento na área de política externa, com poucos vínculos históricos com a diplomacia, mas que, durante o governo de Lula estabeleceu um diálogo importante com o Itamaraty e exerceu alguma influência em decisões de política externa. Sua origem está em acadêmicos e lideranças políticas, sobretudo do PT. O Programa de Governo do PT para o mandato de 2003-2006 apontava um projeto de política externa orientado para a integração regional com base em uma identidade sul americana como elemento capaz de impulsionar o desenvolvimento, e destacava contribuição do país para a diminuição das tensões internacionais e para a construção de um mundo mais equilibrado. A articulação entre os autonomistas, do Itamaraty e este grupo vinculado ao PT foi possibilitada pelo interesse de Lula no campo de política externa e por sua ativa diplomacia presidencial. Esta composição trouxe uma descontinuidade na visão de mundo e nas estratégicas adotadas pela diplomacia brasileira, levando o país a um movimento de fortalecimento de sua presença internacional no papel de global player. Governo Lula: a ascensão do Brasil na política internacional O discurso de posse de Lula da Silva destaca a ideia de mudança, mas as novidades em política externa não se colocam a partir de uma ruptura e vão sendo sentidas aos poucos no decorrer dos dois mandatos. Embora haja havido continuidade nas crenças e na utilização da política externa como instrumento para conseguir insumos para o desenvolvimento, os autonomistas trouxeram uma descontinuidade na visão de mundo, nas estratégicas adotadas e alternativas de parcerias. Em termos econômicos, o governo do presidente Lula teve início sem mudar a estratégia de abertura condicionada assumida pelo governo anterior, mas foi re-introduzindo elementos próprios ao desenvolvimentismo, como as iniciativas para o reforço da infraestrutura e um projeto de fortalecimento da industrialização com perspectivas de avanços tecnológicos em algumas áreas. Externamente empreendeu uma política forte de busca de mercados para as exportações do país, assim como de acordos de cooperação tec38 O Brasil naBrasil nova ordem global Antonio José Ferreira Simões Primeiro Fórum de diálogo Diálogo com com o Brasil: - “O oBrasil Brasil na nanova novaordem ordemglobal” global nológica de diferentes tipos. Na esfera da política internacional, o cenário de 2003 é favorável a mudanças. O ataque de 11 de Setembro abriu novas perspectivas de fragmentação da ordem com espaços para a modificação do peso de seus atores no processo de conformação das regras do jogo. Em termos de América do Sul, nos anos 2000 o liberalismo vem mostrando suas limitações na região e novos governos de caráter anti-liberais foram eleitos reforçando as tendências à mudança. A crise financeira de 2008 abateu, sobretudo sobre as economias centrais abrindo espaços para maior destaque no campo econômico para os chamados BRICs, que não foram afetados na mesma medida pela crise. A ascensão da corrente autonomista diminuiu a convicção nos regimes internacionais, que foi substituída por um comportamento ativo com vistas a modificá-los em favor dos países do Sul ou em benefício próprio. A liderança regional e a ascensão como potência de corte globalista através de uma reorganização das instituições internacionais a partir de padrões mais inclusivos foram objetivos claros. Com vistas a implementar este projeto, a diplomacia brasileira atuou em diversos campos e com diferentes tipos de parcerias. No campo econômico, adotou uma estratégica proativa nos foros internacionais. Manteve com os Estados Unidos e países europeus diferenças em relação às normas do comércio internacional, e mais particularmente com os Estados Unidos no que diz respeito aos processos de integração nas Américas. Na esfera regional, obstaculizou as negociações para a formação da ALCA e, nos marcos do bi regionalismo Mercosul-UE, manteve suas exigências nas negociações do acordo de associação entre os dois blocos. Por um lado, a participação mais autônoma do Brasil criou novas áreas de atrito com os Estados Unidos, mas que foram tratadas com baixo perfil. Por outro lado, as negociações com a Europa dividiram-se entre negociações comerciais difíceis com a União Europeia representada pela Comissão (identificada pela diplomacia brasileira como ator complexo e de pouca mobilidade em função de seu baixo winset nas negociações externas), e negociações bilaterais com alguns Estados europeus concentradas mais em investimentos e compra de tecnologia. O crescimento e a estabilidade econômica do país contribuíram para que fosse reconhecido como interlocutor pelos 39 Miriam Saraiva AntonioGomes José Ferreira Simões países do Norte. Na dimensão multilateral, o governo de Lula assumiu uma atuação forte na OMC, através de ação conjunta com outros países em desenvolvimento. O primeiro G-20, formado por países do Sul, tornou-se um instrumento importante na estratégia brasileira. Conseguiu vincular o desfecho da Rodada de Doha às negociações agrícolas. O Fórum IBSA (Índia, Brasil e África do Sul) foi criado, com vistas a debater questões relacionadas à ordem internacional, às Nações Unidas e à tecnologia – estes países foram identificados como principais parceiros de eventual reformulação da ordem internacional. Mais recentemente, o Itamaraty buscou aproveitar todos os espaços abertos pela classificação do Brasil como parte dos BRICs aonde, além dos temas tratados no Fórum IBSA, esforços para se ordenar os fluxos de capitais também foram implementados. Neste processo, a China consolidou sua posição de destacado parceiro comercial brasileiro. Nos dois casos, caminham juntas as aspirações revisionistas tanto políticas quanto econômicas, aonde outros países emergentes são vistos como “iguais” e, portanto, como potencialmente os principais parceiros da estratégia brasileira. O ativismo no sentido de maior presença internacional cresceu de forma significativa com a participação proativa do Brasil em foros multilaterais como o convite reiterado para participar junto com outros países emergentes de reuniões do G-7 + Rússia, e no exemplo do novo Grupo dos 20, formado com vistas a combater a crise financeira internacional. Em termos políticos, a maior meta da diplomacia brasileira foi a reforma das Nações Unidas e, no seu bojo, a aceitação do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança. A estratégia adotada neste campo foi à aproximação com o maior número possível de países que tivessem o mesmo objetivo, como no caso da Índia, África do Sul, Alemanha e Japão. Outra estratégica de buscar apoio dentre os membros permanentes atuais também foi implementada. O insucesso deste projeto incentivou a diplomacia brasileira a atuar em diferentes fóruns multilaterais como as negociações sobre a mudança do clima (através do BASIC) e a questão energética. Lula muniu-se de forte diplomacia presidencial para projetar a imagem do Brasil em outros cenários, como o Oriente Médio. 40 O Brasil naBrasil nova ordem global Antonio José Ferreira Simões Primeiro Fórum de diálogo Diálogo com com o Brasil: - “O oBrasil Brasil na nanova novaordem ordemglobal” global Em uma estratégia de revisionismo das instituições a partir da visão autonomista, os apoios necessários foram diversos. Obama não tem política para América Latina, o que aumentou as oportunidades para uma política brasileira autônoma na região. A diplomacia brasileira incrementou a aproximação com países europeus nos marcos do projeto brasileiro de global player, onde uma aliança com os Estados Unidos (identificado como gestor da ordem atual) não se colocava. A Europa é identificada como um aliado importante em uma revisão da ordem internacional, embora com interesses muito mais divergentes que no caso dos parceiros emergentes. Desde a visão europeia, o Brasil poderia contribuir para a estabilidade na América do Sul. Este movimento foi coroado com a assinatura da parceria estratégica UE-Brasil. Foi clara a importância dada aos parceiros menores e os esforços de incluí-los em uma estratégia mais global. Através da cooperação sul-sul, o governo brasileiro reforçou seus laços bilaterais com países sul americanos e africanos. Se com parceiros emergentes de outros continentes foram incrementados o intercâmbio tecnológico e as ações conjuntas nos foros multilaterais, em relação a parceiros da região e países africanos a prioridade foi dada à cooperação técnica e financeira e à “não-indiferença”. Estes países foram receptores de empresas brasileiras das áreas de empreendimentos e petróleo. Houve um reforço importante da presença brasileira na África, assim como foram criados mecanismos de contato como as cúpulas América do Sul-África e América do Sul-Oriente Médio. Destes parceiros, a diplomacia brasileira espera o apoio a suas iniciativas internacionais. Em relação à América do Sul vem à tona o debate sobre o binômio liderança regional/projeção global. Trata-se de duas estratégias complementares, mas que podem existir de forma independente. A construção da liderança brasileira na América do Sul vem sendo marcada pelo segundo tipo de cooperação, dentro dos padrões de soft power. O governo brasileiro busca articular processo de cooperação/ integração regional de baixa institucionalidade com o bilateralismo, e a Unasul é um mecanismo que atende a objetivo. É um canal através do qual a diplomacia brasileira atua para construir posições comuns com os países vizinhos frente a situações de crise, buscando sempre ocupar o papel principal 41 Miriam Saraiva AntonioGomes José Ferreira Simões em seu interior. Progressivamente, o governo brasileiro vem também aceitando a perspectiva do país exercer o papel de paymaster na região, bancando alguns dos custos de um processo de integração. A cooperação ao desenvolvimento em alguns setores começa a ser implementada com países vizinhos através do financiamento de obras de infraestrutura e da cooperação técnica e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social passou a dar financiamentos para obras de infraestrutura em outros países sul americanos, conduzidas por empresas brasileiras. Nos marcos do projeto de revisão da ordem internacional, a integração brasileira com a região vem sendo identificada com o caminho para melhor inserção internacional, que possibilitaria a realização do potencial brasileiro de formação de um bloco capaz de exercer maior influência internacional. O Mercosul, por fim, deixou de ter um papel importante em uma estratégia mais global. Pode ser visto dentro da perspectiva sul americana. O fortalecimento da economia brasileira e a projeção do país no cenário internacional trouxeram para a diplomacia brasileira novas áreas de atuação que não foram acompanhadas pela Argentina. A diplomacia brasileira vem atuando em diferentes fóruns multilaterais sem nenhuma articulação com o país vizinho. No entanto, o processo de integração com os vizinhos ao sul segue sendo uma política de estado. Além do Parlamento do Mercosul, a cooperação entre diferentes ministérios (educação, cultura energia, trabalho) vem crescendo. E, sobretudo, manter a Argentina dentro de laços de cooperação é importante para o projeto brasileiro; o renascimento de uma rivalidade entre os países seria corrosivo para a liderança brasileira na região, e dificultaria também a projeção global. Novas expectativas com o governo de Dilma Rousseff O cenário atual é de defesa da continuidade nos discursos diplomáticos. Em seus dois primeiros meses, o governo de Dilma Rousseff parece significar a manutenção dos padrões atuais da política externa. Os autonomistas mantiveram sua predominância dentro do Itamaraty. A trajetória reformista frente às instituições internacionais vem sendo mantida. Mas sua trajetória já começou a mostrar 42 O Brasil naBrasil nova ordem global Antonio José Ferreira Simões Primeiro Fórum de diálogo Diálogo com com o Brasil: - “O oBrasil Brasil na nanova novaordem ordemglobal” global inflexões no que diz respeito ao processo de formulação de política externa que já apresentaram impactos nas relações com os Estados Unidos e na questão do respeito aos direitos humanos. Vigevani e Cepaluni defendem a existência, em termos teóricos, de modificações na política externa em nível de “mudança de tonalidade e de ênfase (ajustes)”, que não chegam necessariamente a alterar a forma de inserção internacional do país.5 Neste caso, embora haja continuidade na utilização da política externa como instrumento para conseguir insumos para o desenvolvimento, assim como na visão de mundo e na estratégia de inserção externa revisionista seguida durante o governo de Lula, já podem ser identificados ajustes de ênfase e de estilo. A diplomacia presidencial, ao que tudo indica, será reduzida, assim como o papel da presidência como elemento equilibrador de diferentes visões de política externa. A tendência é o Itamaraty recuperar a centralidade em detrimento do grupo identificado aqui como vinculado ao PT. No interior da corrente autonomista, por seu turno, os grupos que ascenderam a cargos decisórios têm menos resistência a uma identificação com o Ocidente o e dão preferência a um comportamento mais pragmático frente a temas polêmicos que marcam a política internacional. Na medida em que a nova presidente for se assentando, pode trazer novidades no campo de política externa. Vigevani, Tullo & Cepaluni, Gabriel. A política externa de Lula da Silva: a estratégia da autonomia pela diversificação. Contexto Internacional vol 29 n.2., jul.dez./2007, p.293-335. 5 43 Monica HerzSimões Antonio José Ferreira Brasil e Segurança Internacional Monica Herz1 Introdução Este breve texto apresentará a interpretação das elites governantes no Brasil sobre a inserção do país na esfera da segurança internacional salientando a definição de ameaças e a visão dos limites e possibilidades do país diante dos mecanismos de governança nesta dimensão. Depois do fim da ditadura no Brasil os governos eleitos buscaram uma estratégia de inserção que incluiu a aceitação dos regimes internacionais, a participação em operações de paz da ONU e um maior envolvimento em negociações comerciais multilaterais, além de uma ênfase na estabilidade regional em substituição à competição existente no cone sul durante o período anterior. Observamos elementos de continuidade que, contudo não devem impedir que captemos as significativas diferenças entre os dois mais longos governos do período democrático: aquele presidido por Fernando Henrique Cardoso e aquele presidido por Luís Inácio Lula da Silva. A tradição realista, segundo a qual as normas internacionais são criadas na medida em que expressam os interesses dos Estados mais poderosos no sistema internacional e a ordem neste sistema somente pode ser produzida quando existe congruência entre a estrutura das instituições internacionais e a distribuição de poder tem sido um dos pilares da perspectiva brasileira sobre o sistema internacional. Os pressupostos realistas funcionam para compreensão do sistema internacional e como lente para alocação do país na hierarquia de poder regional ou global. Assim na condição de uma potencia média com capacidades potenciais, mas ainda não realizadas, a política externa aceita as normas geradas no centro do sistema e ao mesmo tempo busca os meios para garantir uma participação maior em fóruns globais. 1 Instituto de Relações Internacionais PUC-Rio 44 O Brasil naBrasil nova ordem global Antonio José Ferreira Simões Primeiro Fórum de diálogo Diálogo com com o Brasil: - “O oBrasil Brasil na nanova novaordem ordemglobal” global Por outro lado, a ênfase nas instituições internacionais permite ao país aumentar sua influencia na arena internacional e proteger suas prerrogativas soberanas. Princípios universalistas e legalistas e a lógica da reciprocidade são vistos como cruciais para garantir maior autonomia para um ator na situação brasileira. Essa postura foi adotada em áreas diversas como negociações comerciais na Organização Internacional do Comércio, regimes ambientais e de direitos humanos e mecanismos de controle de armas e desarmamento. O Brasil hoje respeita quase todas as normas formais e informais, tratados e regras que governam, em embora de forma limitada, as relações internacionais. Ao mesmo tempo, os governos nacionais têm buscado maior participação em fóruns globais, sendo um acento permanente no Conselho de Segurança da ONU considerado uma prioridade. Mesmo na esfera regional, onde o país tem uma posição hegemônica, a presença dos Estados Unidos ressalta a importância das instituições de caráter universal. Ao mesmo tempo, o tamanho do país, sua população, nível de industrialização, participação no comércio global geram a expectativa de que o Brasil deveria ter um papel mais central nas relações internacionais, percebendo-se assim uma dissonância entre o potencial do país e seu poder real. O interesse em construir alianças estratégicas diversificadas e de participar de diferentes grupos de negociação é expressão dessa percepção. O governo Lula especificamente buscou uma política externa mais assertiva investindo de forma clara em relações diversificadas e alianças estratégicas com países já estabelecidos, como potências importantes como a França ou potências emergentes como a Índia. A formação do G20 em Cancun em 2003 e as parcerias com a África do Sul e a Índia através do fórum de diálogo IBSA, com os países BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul), o investimento em relações bilaterais com países da África, Ásia e Oriente Médio são expressões dessa tendência. A influência realista e a ênfase no multilateralismo foram mantidas, mas um descontentamento muito mais significativo como o papel do país no cenário internacional pode ser observado. Essa postura teve claras repercussões para a política de segurança em foco aqui. Consequentemente gastos militares aumentaram e o tema tem sido debati45 Monica HerzSimões Antonio José Ferreira do no país de forma mais intensa. Em média os gastos militares durante os anos 1990 representaram 1,3% do PIB, mas em 2008-2009 chegaram a 1,5 % do PIB e em 2010-11 chegarão a 3,02 % do PIB. Um esforço modesto de modernização das forças armadas pode assim ser observado (Military Balance 2011 p.392). As forças armadas são ainda de pequeno porte, considerando o tamanho do país, mas a América Latina é a região do planeta com nível de conflito mais baixo, e, mesmo durante o período de ditadura militar os orçamentos eram bastante restritos, sendo o investimento em planos de industrialização privilegiados. Contudo essa situação tende a se modificar e a Estratégia Nacional de Defesa de 2008 projeta um plano de 20 anos de reconstrução da capacidade militar. Devemos lembrar que as relações internacionais do Brasil foram marcadas pela tradição de resolução pacífica de conflitos, com apreço pela capacidade diplomática da elite governante. A Guerra do Paraguai foi a última disputa militarizada territorial no qual o país se envolveu e as fronteiras foram de uma forma geral negociadas pelo Barão do Rio Branco ainda no século XIX. A ausência de rivalidades religiosas ou étnicas ou a persistência de separatismos regionais após o período de pacificação da regência também devem ser ressaltadas. A internacionalização da segurança nas últimas décadas e a ampliação do conceito de segurança modificaram essa situação. As fronteiras entre o nacional e o internacional, entre questões de segurança e questões sociais, políticas e econômicas estão mais fluidas e os objetos de referencia para o debate sobre segurança são diversos, não mais se restringindo ao Estado. Neste texto eu gostaria de salientar quatro características da política de segurança internacional que podem ser observadas nos últimos oito anos e que deverão ser consideradas no processo de reconstrução da capacidade militar do país: 1- A redefinição das ameaças que passam a se concentrar na região amazônica e no Atlântico Sul 2- A crítica ao Regime de Não Proliferação Nuclear; 3- A participação em operações de paz e 4- A liderança na América do Sul. 46 O Brasil naBrasil nova ordem global Antonio José Ferreira Simões Primeiro Fórum de diálogo Diálogo com com o Brasil: - “O oBrasil Brasil na nanova novaordem ordemglobal” global Definindo ameaças A definição de ameaças é afetada pelo legado histórico mencionado anteriormente de definição pacífica de fronteiras, pela preocupação com partes do país onde a presença do Estado é frágil e com o acesso aos recursos naturais, em particular aqueles vinculados ao setor energético, além da redefinição do conceito de segurança como mencionado acima. Durante muito tempo a elite governante brasileira considerou a Argentina a maior fonte de ameaça externa, contudo a vasta região amazônica, que consiste de 61% do território nacional, e suas fronteiras porosas, tornaram-se a maior preocupação durante o século XX e desde os anos 1980 o foco na região tem crescido sistematicamente, tendo as forças armadas sido transferidas de acordo com essa lógica. A região tem ainda uma infra-estrutura pouco desenvolvida, as relações entre o poder local e o sistema federativo não foram ainda bem resolvidas e as características da natureza da região dificultam o acesso, sendo assim ainda um problema o exercício da soberania do Estado. Diversas ameaças, como o desrespeito às fronteiras, atividades econômicas ilegais, tráfego de drogas, ou mesmo a presença de organizações não governamentais internacionais são consideradas parte de um conjunto de ameaças. Atividades ilegais incluem a exploração de minas e madeiras, o desrespeito às regras de proteção da floresta e contrabando. A conexão entre a violência urbana e as atividades de atores transnacionais torna o tema foco de debate público intenso. O Sistema de Proteção da Amazônia e o Sistema de Vigilância da Amazônia foram criados pelo governo federal para lidar com essas ameaças. Os projetos visam produzir informação, particularmente sobre biodiversidade e atividades ilegais, gerar ação estratégica e integrada do governo, estimular o desenvolvimento e garantir o exercício da soberania. O movimento no sentido de aumentar o grau de integração dos países amazônicos também pode ser compreendido neste contexto. A estrada Manaus Boa Vista-Caracas e o gasoduto Brasil-Bolívia são exemplos desta política. O controle do Atlântico Sul, frequentemente referido como Amazônia Azul, é outro objetivo 47 Monica HerzSimões Antonio José Ferreira central da política de segurança brasileira. A proteção dos recursos naturais (petróleo e gás) na região é um foco central desta política. A influência na África, particularmente de língua portuguesa, é parte deste cenário (Flemes; Radseck,2009). O envolvimento de países do Atlântico Norte na região é visto como uma ameaça, buscando-se a definição de uma zona de influência internacionalmente aceita. A administração de Fernando H. Cardoso introduziu a ameaça terrorista ao discurso oficial sobre ameaças à segurança nacional, embora de forma periférica. O terrorismo foi definido como crime e a legislação domestica estabelece que operações financeiras possam perder prerrogativas de informação restrita caso o crime seja detectado. O Brasil coopera com os Estados Unidos e os países da União Europeia nesta esfera e ratificou nove dentre as 12 convenções sobre o tema. O aparato estatal está ativamente envolvido no Grupo Permanente de Trabalho do Mercosul sobre Terrorismo (com a Argentina, o Chile, o Paraguai, e a Bolívia) e com o subgrupo sobre questões financeiras ligadas ao terrorismo. Operações financeiras são monitoradas e uma unidade de inteligência (COAF) foi criada. A chamada área de tríplice fronteira, uma região definida como local associado ao terrorismo pelo governo norte americano tem merecido atenção das autoridades nacionais, embora o governo não admita a presença destas atividades na região. Ademais a definição de terrorismo como atividade não gera uma lista de organizações categorizadas como terroristas. Essas definições de ameaça pelo Estado permitiram às forças armadas encontrar um novo papel no contexto pós Guerra Fria. A democratização do país e o fim da rivalidade com a Argentina gerou um debate sobre o papel das forças armadas e o desenho das ameaças as quais estas devem estar aptas a responder. A crescente percepção de ameaça emanando da Amazônia e do Atlântico Sul, a forte identidade corporativa das forças armadas, a efetividade do discurso de defesa da soberania nacional no país e o novo papel das operações de paz no cenário internacional permitiram um lento movimento de definição de uma política de segurança. Os militares brasileiros têm se envolvido em programas de ação civil, de educação, de saúde e na construção de estradas, em acordo com uma definição ampliada de segurança, buscando-se conectar a lógica do desenvolvimento e da segurança. 48 O Brasil naBrasil nova ordem global Antonio José Ferreira Simões Primeiro Fórum de diálogo Diálogo com com o Brasil: - “O oBrasil Brasil na nanova novaordem ordemglobal” global Operações de paz O novo papel das operações de paz no pós Guerra Fria colocou esta prática no centro do debate sobre a ONU e o sistema de segurança coletivo que esta suporta. Militares brasileiros tem participado de operações de paz desde sua gênese nos anos 1950. O apoio ao sistema de segurança coletivo é expresso na participação em operações de paz que tendem a ser tratadas na atualidade como uma das atividades prioritárias das forças armadas (Kenkel 2010). Observa-se no período a diversificação e aumento da participação brasileira. Operações militares conjuntas que recriam operações de paz têm sido realizadas na América Latina, e tropas, pessoal médico, policiais, especialistas em eleições têm sido enviados para a África, América Central, Europa e Ásia. Mudanças de doutrina têm sido implementadas, possibilitando a adaptação a esse envolvimento. A Política Nacional de Defesa de 2008 enfatiza a relevância da participação brasileira em processos de decisão internacionais e sua colaboração para garantir a paz e a segurança internacionais. O documento faz referencia à contribuição ativa do Brasil para a construção de uma ordem internacional baseada na lei e que promove a paz regional e universal, além do desenvolvimento sustentável. Assim, embora a crença de que o principal papel das forças armadas está em sua capacidade dissuasiva para manutenção da soberania e integridade territorial, operações de paz adquiriram um lugar fundamental no processo de redefinição dos objetivos e identidade das forças armadas. Ao mesmo tempo, desde o final da Guerra Fria, a mudança do escopo e natureza das operações de paz tem gerado preocupação no país, particularmente quando as resoluções que definem seus mandados são baseadas no capítulo VII da Carta da ONU. No entanto, o movimento de ampliação das atividades e funções das operações tem sido recebido positivamente pela elite governante brasileira, e, assim sendo, atividades de construção de nações são normalmente apoiadas. A participação brasileira nas operações no Timor Leste e Haiti marcam uma descontinuidade na política adotada, já que duas das operações no Timor Leste (INTERFET 1999 e UNMISET 49 Monica HerzSimões Antonio José Ferreira 2002) e a operação no Haiti são baseadas no capítulo VII da Carta da ONU. Neste último caso a liderança da operação cabe ao Brasil, permitindo ao país exercitar seu papel de liderança regional e administrador da segurança internacional (Cavalcante 2010). No momento o Brasil está envolvido em nove operações (MINURSO; MINUSTAH; UNFICYP; UNMIL;UNMIN; UNMIS; UNMIT; UNOCI,UNIFIL) (tropas enviadas: Nepal- 6, Timor Leste - 4, Haiti - 2188, Saara Ocidental- 11, Costa do Marfim - 4, Libéria - 20, Líbano - 9 ). A participação em atividades de treinamento em 2010 inclui a UNITAS ATLANTIC na Argentina, que ocorreu em maio, Parceria das Américas, que ocorreu no Peru em julho, PANAMAX 2010, que ocorreu no Panamá em agosto e ATLASUR, que ocorreu na Argentina em novembro. Crítica ao regime de não proliferação de armas nucleares O conceito de não proliferação se tornou bastante relevante no período pós Guerra Fria para os países mais poderosos do sistema internacional. O desmantelamento da União Soviética, o renascimento nuclear, a preocupação com a segurança de instalações nucleares nos países menos desenvolvidos, a associação entre terrorismo e armas de destruição em massa transferiram o regime de não proliferação nuclear para o centro do debate sobre segurança internacional. A existência de um regime gerado durante a Guerra Fria levou atores poderosos a concentrarem seus esforços no fortalecimento do mesmo. Contudo, a legitimidade do regime é frágil, tendo em vista a ausência de um movimento em direção a desnuclearização, a natureza discriminatória das normas estabelecidas e o temor de que estas possam ser utilizadas para limitar o acesso a tecnologias de uso dual. O regime foi aceito pelo Brasil nos anos 1990, mas a natureza temporária do status quo atual é constantemente reiterada. A constituição de 1988 permite atividades nucleares apenas para fins pacíficos e quando aprovadas pelo Congresso Nacional. Em 1991, Brasil, Argentina, a Agencia Atômica Internacional e a ABBAC (Agencia Argentino-Brasileiro de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares) assinaram um acordo que sinalizou o fim da competição nuclear entre os dois países latino 50 O Brasil naBrasil nova ordem global Monica Herz Antonio José Ferreira Simões Primeiro Fórum de diálogo Diálogo com com o Brasil: - “O oBrasil Brasil na nanova novaordem ordemglobal” global americanos. A decisão de se tornar membro pleno do Tratado de Tlatelolco (Tratado de Proibição de Armas Nucleares na América Latina e no Caribe) foi tomada em 1994, em 1995 o Congresso aprovou a legislação sobre exportação de materiais nucleares que permitiu ao país tornar-se membro do Grupo de Supridores Nucleares e finalmente em setembro de 1998 o TNP foi assinado. Essa perspectiva se adaptava bem aos planos de crescimento no campo nuclear. O renascimento nuclear gera possibilidades lucrativas para um país com grandes reservas de uranio como o Brasil. Dois reatores nucleares geram hoje 3% da eletricidade no país, um terceiro reator está em construção e outros estão planejados de acordo com uma estratégia de manutenção da diversidade da matriz energética do país. A partir da mesma lógica em setembro de 2008, Brasil e Argentina assinaram um acordo para a criação do Comitê Binacional de Energia Nuclear, visando o desenvolvimento do enriquecimento de urânio, a produção de suprimentos médicos radiológicos, o desenvolvimento de novas aplicações para agricultura e a construção de reatores nucleares (Patti 2003). O documento de 2008, citado anteriormente, que menciona o submarino nuclear, a completa nacionalização do ciclo de produção de combustível nuclear, a necessidade de mapear, explorar e utilizar as reservas de uranio e desenvolver a tecnologia de reatores expressa a relevância do tema no país. A natureza discriminatória do Regime de Não Proliferação Nuclear e a necessidade de realizar movimentos em direção ao desarmamento é um tema que tem sido discutido por diversos setores da sociedade brasileira ao longo das últimas décadas. Contudo, o tema teve maior ressonância no contexto do governo Lula. O incidente relativo às inspeções da Agencia Atômica Internacional em Resende,2 as observações de membros do governo como o então Ministro da Ciência e Tecnologia Roberto Amaral3 , do vice-presidente José de Alencar4 ou do Embaixador Samuel Pinheiro GuimaEntre março e novembro de 2004 negociações entre a Agência e o governo brasileiro levaram a um novo ajuste de procedimentos para inspeções. 3 O Ministro deixou o governo depois de fazer observações que permitiam inferir que adquirir armas nucleares era um caminho possível para o Brasil. “Brazil´s Nuclear Ambitions” May 6 2004 available in Center for Defense Information http://www.cdi.org/index.cfm. 4 “José de Alencar Defende que Brasil tenha bomba atômica”, Estado de São Paulo 24 de setembro 2009. 2 51 Monica HerzSimões Antonio José Ferreira rães5 são exemplos desta tendência. A completa desnuclearização é um conceito central para a posição oficial do governo em relação ao regime. O banimento de armas químicas é visto como um modelo a ser seguido. Qualquer tentativa de conectar a não proliferação a limitações ao acesso a tecnologia são consideradas inaceitáveis. O argumento que qualifica o agente que possui ou utiliza armas como racional ou irracional, ético ou antiético presente no discurso dos governos norte-americanos desde o governo Reagan é obviamente um fator de deslegitimação do regime. Ademais os casos de Israel e da Índia são repetidamente mencionados como exemplos da falta de coerência do regime e de sua operacionalização. Assim, após os testes nucleares paquistaneses e indianos em 1998, o Brasil tornou-se parte da Coalizão da Nova Agenda no contexto da qual diversas propostas para a desnuclearização global tem sido discutidas, incluindo o processo de 13 passos para o desarmamento nuclear posteriormente incluído no documento final da Conferência de Revisão do TNP de 2000. A decisão de não aderir ao Protocolo Adicional ao Acordo de Salvaguardas 6 está no centro da política nuclear brasileira. O argumento oficial afirma que nenhum acordo adicional para não proliferação faz sentido sem que um avanço no campo da desnuclearização ocorra, que o país está proibido de ter armas nucleares pela sua própria constituição e pelo Tratado de Tlatelolco. Em maio de 2010 o Brasil, a Turquia e o Irã assinaram um acordo para a troca de combustível nuclear. O mesmo previa a transferência de uranio enriquecido para a Turquia e posteriormente para a França e para a Rússia. O material seria finalmente devolvido ao Iran para uso em atividades civis sob supervisão da Agencia Atômica Internacional. Em contraste com essa tentativa de resolver os conflitos entre o Iran e a Agencia e diversas potências de forma negociada, o Conselho de Segurança da ONU, com voto contrário do Brasil e Turquia, aprovou novas sanções contra o país. Esse episódio colocou o Brasil por um breve momento no centro do debate sobre o regime e sobre a posição do Irã, tendo a postura brasileira se confrontado com a opção preferencial das potencias ocidentais e da Rússia. Ministério das Relações Exteriores, Posição do Brasil sobre Desarmamento e Não Proliferação Nuclear, nota n. 525 www.mre.gov.br 6 O Protocolo Adicional foi adotado em 1997 pela Agencia Atômica Internacional visando ampliar o acesso à informação sobre instalações nucleares 5 52 O Brasil naBrasil nova ordem global Antonio José Ferreira Simões Primeiro Fórum de diálogo Diálogo com com o Brasil: - “O oBrasil Brasil na nanova novaordem ordemglobal” global A proposta do acordo foi resultado da opção por um papel como mediador das relações entre os países do sul e as potências ocidentais e das mudanças na distribuição de poder no sistema internacional. Por outro lado, havia um entendimento comum aos três países partes do acordo de maio de que o controle sobre o ciclo do combustível nuclear é um direito de qualquer país que possa desenvolver a tecnologia e de fato o acordo explicitamente endossa o direito do Irã de enriquecer uranio. Este caso é assim a expressão mais recente da tendência da elite governante brasileira de adotar uma postura crítica, embora sem oposição radical, ao Regime de Não Proliferação Nuclear, e, em particular, ao tratamento dado ao mesmo nos últimos dez anos. Liderança na América do Sul A América do Sul é vista como a base a partir da qual o Brasil lança-se como possível potência mundial. Assim, o país tem sido caracterizado pela elite dominante como hegemônico em um contexto regional de estabilidade, democracia e paz, preparado assim, para buscar projetar-se em outras regiões. Uma das marcas da política externa brasileira no período pós Guerra Fria é o movimento em direção a um maior envolvimento e cooperação na América do Sul (Bernal-Meza 2002). A dimensão regional é concebida inicialmente nos anos 1990 em termos da necessidade de integração física, ou seja, no campo da comunicação, transporte e energia (Galvão 2009). O fim da rivalidade entre Brasil e Argentina, a criação do Mercosul, a proposta de criação de um tratado de livre comércio na América do Sul7 , as iniciativas associadas à maior integração física e econômica com os países Andinos e Amazônicos são parte deste cenário. Desde o governo Itamar Franco (1992-1993), a política externa tem enfatizado a cooperação regional na América do Sul (Hurrell 1998) e um investimento continuo nesta direção pode ser observado. Durante o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (1996-2000) uma postura de liderança mais clara pode ser detectada e a agenda regional foi ampliada para o campo estratégico e político no período Lula. O papel de mediador regional, como ocorreu no caso da disputa territorial A proposta de criação de uma área de livre comércio em 1994 foi lançada como uma alternativa a proposta de Washington de criar uma Área de Livre Comércio nas Américas 7 53 Monica HerzSimões Antonio José Ferreira entre o Peru e o Equador (Herz & Nogueira 2002) e a crise política no Paraguai em 1996, é a imagem que se busca ressaltar. As profundas transformações sociais e políticas que ocorrem em países da região e o consequente realinhamento na esfera internacional, a Guerra na Colômbia, conflitos entre a Colômbia e o Equador, entre a Colômbia e a Venezuela, as atividades ilícitas do crime transnacional são desafios para a liderança brasileira. Durante os últimos oito anos o Brasil esteve envolvido em atividades de governança regional lidando com crises domésticas, ameaças transnacionais e conflitos inter-estatais (Flemes 2009). O esforço para criação de instituições regionais voltadas para a segurança levou a formação do Conselho de Defesa Sul Americano em 2009. A organização é um espaço importante para administração de conflitos e para a coordenação do desenvolvimento de uma indústria bélica sul-americana. O Mercosul também está envolvido na luta contra ameaças transnacionais através de sua Conferência de Ministros do Interior, gerando coordenação entre forças policiais e o compartilhamento de informações. O governo esteve também envolvido em formas de cooperação no continente latino americano como um todo. O mecanismo 2x9, criado para a coordenação de políticas no Haiti permite o encontro de representantes dos governos dos países contribuindo com tropas para a operação de paz (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Equador, Guatemala,Paraguai, Peru e Uruguai). Finalmente relações bilaterais também contribuem para a cooperação regional através de medidas de confiança mútua, luta contra drogas e cooperação militar. 54 O Brasil na José nova ordem globalna nova ordem global Antonio Ferreira Simões Primeiro Fórum de Diálogo com o Brasil: o Brasil Referências Bibliográficas - Bernal-Meza, Raúl (2002), Políticas Exteriores Comparadas de Argentina y Brasil haciaelMercosur, in Marcos Costa Lima Y Marcelo de Almeida Medeiros (ed.) O Mercosul no limiar do século XXI, São Paulo, Cortez Editora/CLACSO, pp.42-52. - Bernal-Meza.Raúl (2002), Las Políticas Exteriores de Argentina y Brasil durante los anos 90:Coincidencias e diferencias, Carta Internacional, n.88, junho, pp.7-10. - Cavalcante, Fernando (2010),Rendering peacekeeping instrumental? The Brazilian approach to United Nations peacekeeping during the Lula da Silva years (2003-2010) - Revista Brasileira de Politica Internacional vol.53 no.2 Brasília - Flemes, Daniel (2009), Brazilian Foreign Policy in the Changing World Order, South African Journal of International Affairs v.16 n.2 pp.161-182. - Flemes, Daniel and Michael Radseck (2009), Creating Multilevel Security Governance in South America GIGA Working Papers n.117. - Herz, M. and Pontes Nogueira, J. 2002. Ecuador vs. Peru: Peacemaking Amid Rivalry. Boulder, CO: Lynne Rienner Publishers. - Hurrell, Andrew. 2010. “Brazil and the New Global Order” Current History, 109 (724): 60-68. - Kenkel, K. 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Esse movimento antecedeu a aceleração da abertura comercial. Esta teve início cauteloso no início de 1988, mas apenas a partir da alteração dos cronogramas de redução de alíquotas em 1990 e depois em 1994 é que começou a realmente afetar a alocação de recursos. A convivência mais intensa com os mercados internacionais de bens, serviços e capitais, em paralelo a uma política de flexibilidade cambial, impôs à economia brasileira uma agenda nova. Desde o final da década de 90 as variações nos fluxos de recursos externos passaram a sobre-determinar a taxa real de câmbio e com isso o próprio dinamismo da balança comercial, entre outros efeitos. Como corolário ganhou importância, para o país, a possibilidade de influenciar os movimentos dos fluxos de recursos e as condições gerais para concessão de crédito. A economia brasileira promoveu forte ajuste em suas contas externas ao longo da década de 2000, mas ficou claro que num contexto internacional de baixo grau de disciplina dos movimentos de capital os graus de liberdade para as políticas nacionais são relativamente limitados. Como consequência, passou-se a observar um grau de pró-atividade mais pronunciado por parte dos negociadores brasileiros nos foros onde pode haver influência sobre os movimentos de capital. IPEA e Universidade de Brasília. Nota preparada para apresentação e debate no Seminário O Brasil na Nova Ordem Global, realizado em Hamburgo, 14-15 de abril de 2011. As opiniões aqui são inteiramente de responsabilidade pessoal e podem não corresponder à posição oficial dessas instituições. 1 56 Renato Antonio Ferreira Simões Primeiro Fórum de Diálogo comJosé o Baumann Brasil: o Brasil na nova ordem global É importante registrar que essa não é uma excentricidade nacional, mas correspondeu a manifestações semelhantes de parte de outras economias emergentes, assim como de parte de algumas agências multilaterais. Esta nota procura identificar os interesses brasileiros no tocante às questões financeiras internacionais e mostrar algumas das estratégias adotadas. O argumento é apresentado em quatro itens, relativos aos interesses brasileiros a curto, médio e longo prazo, e às estratégias adotadas até aqui. Interesses a curto prazo O Brasil tem sido um dos países mais afetados pela pressão baixista sobre a taxa de câmbio, em função de apresentar nos últimos anos um crescimento razoável do PIB, de oferecer oportunidade para ganhos financeiros relacionados com as elevadas taxas de juros internas. Além disso, a economia brasileira tem se mostrado atraente para o investimento externo direto, em função de uma política macroeconômica relativamente estável, de apresentar bons indicadores de solvência e liquidez externas, das expectativas de crescimento do produto nos próximos anos. A isso se somam novas oportunidades potenciais, abertas com a perspectiva de exploração de óleo no pré-sal, e com a realização, no país, da próxima Copa do Mundo de futebol e da Olimpíada (além dos Jogos Militares). Nesse contexto, chama a atenção ainda o fato de que por não haver restrição de liquidez no mercado internacional, diversas empresas brasileiras têm captado recursos no exterior, para aproveitar as condições mais favoráveis de custos, o que reforça a entrada de divisas, que pressiona ainda mais a taxa de câmbio no mercado local de divisas. Isso gera – da perspectiva brasileira – uma preocupação em procurar ajustar o nível de liquidez no mercado internacional. O atual excesso de liquidez – reforçado pela decisão norte-americana de elevar a oferta monetária – tem contribuído para alimentar um processo inflacionário. Nada indica que haverá em curto prazo (1º. semestre) modificação na postura do Federal Reserve, tendo em vista o ritmo lento de recuperação da atividade e a geração de empregos abaixo do esperado e desejável. 57 Renato Antonio José Baumann Ferreira Simões Isso tem estimulado movimentos especulativos com ´commodities`, elevando seus preços, assim como movimentos de arbitragem de juros, gerando enormes entradas de divisas nas economias em desenvolvimento, sobretudo aquelas com expectativa de crescimento, estabilidade política e elevadas taxas de juros, como a economia brasileira. A curto prazo, portanto, a preocupação maior do ponto de vista de política financeira externa é procurar os meios para promover um ajuste no excesso de liquidez de dólares, como forma de permitir à autoridade monetária nacional maiores graus de ingerência na determinação da taxa de câmbio. Em paralelo, há grande preocupação em não se permitir o avanço de iniciativas heterodoxas que levem a controles das variações de preços de ´commodities` de forma a afetar negativamente os resultados comerciais do país. Este é um tema surgido no âmbito do G-20, e o argumento do Brasil e de outros países exportadores desses produtos é de que se há necessidade de se criar algum mecanismo de influência sobre os preços, que ele opere em ambas direções, ajustando os preços nos movimentos de alta como de baixa excessiva. Interesses a médio prazo Como já dito, a preocupação com a liquidez no mercado internacional de divisas não é uma particularidade brasileira, mas é clara e explicitamente compartilhada por outras economias em desenvolvimento. A agenda de médio prazo nesse sentido compreende, por exemplo, o interesse compartilhado com diversos países em regular a movimentação financeira nos paraísos fiscais, como forma de reduzir os canais de transmissão de movimentos financeiros e aumentar o grau de transparência dessas movimentações. Também em médio prazo existe o propósito de alterar o perfil de governança nos principais organismos multilaterais. É reconhecido que as estruturas vigentes refletem uma situação já ultrapassada, e não correspondem ao efetivo peso econômico das principais economias. Por essa linha de 58 Renato Antonio Ferreira Simões Primeiro Fórum de Diálogo comJosé o Baumann Brasil: o Brasil na nova ordem global argumentação as economias em desenvolvimento deveriam ter mais peso no processo decisório desses organismos. Inclusive porque a atuação dessas instituições pode contribuir para a maior ou menor disciplina no mercado de capitais, assim como pode contribuir para a liquidez disponível nesses mercados. Segue-se como instrumento importante de política externa a articulação com outros países em desenvolvimento para conseguir aumentar o número de quotas no Banco Mundial e no FMI. O Brasil é um dos países participantes do chamado G-20, que se pretende passe a ser a instância maior de coordenação macroeconômica, em substituição ao antigo G-8. Esse espaço negociador é ainda uma criatura em formação e em processo de amadurecimento. Mas tem havido claramente uma pró-atividade no G-20 em relação às paridades cambiais, e os negociadores brasileiros não se caracterizam por sua passividade no tema. A questão premente de se promover um realinhamento de paridades, em particular com a revalorização de algumas moedas cuja paridade se supõe está proporcionando a alguns países um ganho extra em termos de competitividade no comércio internacional, tem dado origem a um paradoxo, na atuação brasileira. Na maior parte das vezes a articulação das posições brasileiras no grupo é mais negociada com os demais BRICs do que com os países vizinhos na América Latina ou com os países industrializados. No entanto, o tema cambial tem levado o Brasil a uma adesão de fato à posição norteamericana de condenar a China. Mais recentemente, o Brasil e a Argentina sinalizaram uma postura comum em relação às tentativas de disciplinar os preços de ´commodities`, uma vez que ambos são fortes exportadores desse tipo de produtos e uma imposição de mecanismo regulador de preços ao nível internacional pode implicar perdas significativas. A agenda de médio prazo compreende ainda um interesse crescente em regular o investimento direto externo, via acordos de propriedade intelectual e acordos de proteção ao investimento, em função da crescente presença de empresas brasileiras em atuação no exterior. 59 Renato Antonio José Baumann Ferreira Simões Interesses a longo prazo Os objetivos de longo prazo da economia brasileira com relação à política financeira não são claros, mas é possível supor ao menos dois. Primeiro, contar com um cenário internacional em que as condições sejam as mais equânimes possíveis, com regras claras e com a participação ampliada de novas moedas – em particular de algumas economias emergentes - como reserva de valor e meio de troca. Esse pode vir a ser um sub-produto do processo de aproximação com os demais países do grupo BRICs. Segundo, a economia brasileira pretende consolidar um grau significativo de integração ao nível regional, com ganhos de complementaridade produtiva entre as economias do Cone Sul. Uma ferramenta nesse sentido é a consolidação e ampliação da política que permite o uso de moedas nacionais no comércio regional no MERCOSUL. Mas até aqui o baixo nível de coordenação macro é um elemento limitador, assim como existem poucos mecanismos de coordenação monetária e financeira ao nível sub-regional. Estratégias Entre as estratégias adotadas pelo Brasil para atender a seus interesses destaca-se, nos últimos anos, a articulação com outros países em desenvolvimento para conseguir aumentar o número de quotas de participação no Banco Mundial e no FMI. Essa articulação tem sido exitosa, como sabido, tendo o país conseguido o segundo maior aumento de participação, atrás apenas dos ganhos obtidos pela China. E esse é um processo que deve prosseguir, com eventuais aumentos de participação a serem obtidos nas alterações previstas para os próximos dois anos. Isso aumenta o poder de voto desses países e sua margem para influenciar a atuação desses organismos. O Brasil tem contribuído para alterar o cenário financeiro internacional ao participar ativamente da iniciativa de redução da dívida externa dos países mais endividados. 60 Renato Antonio Ferreira Simões Primeiro Fórum de Diálogo comJosé o Baumann Brasil: o Brasil na nova ordem global Como já mencionado, o país tem procurado apresentar uma postura ativa nas reuniões do G-20, no que se refere a diversos aspectos da governabilidade internacional. Note-se que os debates no âmbito desse grupo em relação ao cenário financeiro têm lugar em paralelo aos debates no Conselho de Estabilidade Financeira (FSB) e no Comitê de Supervisão Bancária de Basiléia, onde se negociam as normas de regulação e supervisão do sistema financeiro. Essa postura é consistente com um posicionamento de longa data, em que alguns brasileiros – não necessariamente representantes do governo, mas indivíduos com experiência de gestão de política macro – têm participado em algumas iniciativas, como o chamado Grupo dos 24, onde se discutiram temas relacionados com o cenário financeiro global. No âmbito regional o Brasil tem sido ativo nas discussões pós-Cúpula de Monterrey, quando se enfatizou a necessidade de a América Latina poder contar com mecanismos de financiamento de longo prazo. A postura brasileira tem se refletido no aumento de participação em organismos como a CAF, na participação nos debates sobre a criação de novas unidades de financiamento, a exemplo do Banco do Sul, assim como na criação de novas linhas de crédito no âmbito do BNDES, para projetos em países vizinhos. Por último, mas não menos importante, o Brasil criou seu ´fundo soberano` com recursos em montante significativo. À diferença dos outros países que têm fundos semelhantes, o Brasil não dispõe de poupança interna elevada nem de excedentes comerciais ocasionais, derivados de exportações de ´commodities`. No caso brasileiro o fundo foi criado com base em recursos fiscais, aparentemente como um instrumento adicional para ajudar a controlar a taxa de câmbio.2 Para uma análise da racionalidade econômica dos fundos soberanos de diversos países ver Andre Simas Magalhães, Determinantes dos Fundos Soberanos de Investimentos e o caso Brasileiro, dissertação de Mestrado em Economia do Setor Público, Departamento de Economia, Universidade de Brasília, Dezembro de 2010. 2 61 Renato Barbara Fritz Antonio José Baumann Ferreira Simões Comentário à contribuição de Renato Baumann sobre “Interesses brasileiros e estratégias em política financeira” Barbara Fritz1 É um prazer enorme comentar a excelente apresentação de Renato Baumann. Esta parte do diagnóstico de que o Brasil, dado seu elevado grau de abertura aos fluxos de capital internacionais, junto a um forte ajuste de suas contas externas ao longo da última década, ficou mais claro a possibilidade e necessidade de influenciar os movimentos dos fluxos de recursos e as condições gerais para concessão de crédito. A partir deste diagnóstico, identifica praticamente todos os temas e pontos de interesses brasileiros relevantes no tocante às questões financeiras internacionais e mostrar algumas das estratégias adotadas, diferenciadas por interesses de curto, médio e longo prazo. No que refere ao curto e médio prazo, discute de um lado o papel crescentemente proativo e relevante do Brasil na reorganização da arquitetura financeira global e especialmente no G20, junto a uma aproximação das posições e estratégias dos chamados BRICS neste contexto. Isto inclui, entre outras, a defesa de liberdade de definição de políticas de regulação de fluxos de capital internacionais. De outro lado, lembra à posição brasileira bastante harmonizada com a dos Estados Unidos em relação à política cambial da China. Ao que refere a definição de interesses de longo prazo, que por razoes naturais são os mais difíceis de apontar, menciona dois aspectos com os quais outra vez estou de pleno acordo: o interesse por regras claras e uma participação ampliada das novas moedas, e uma maior integração regional. Em seguida, vou primeiro buscar adicionar a esta analise, seguindo a explorar as razoes desta ambiguidade da posição brasileira no curto e médio prazo em função de sua própria constelação macFreie Universität Berlin. Comentário para apresentação e debate no Seminário “O Brasil na Sua Nova Ordem Global”, realizado em Hamburgo, 14-15 de abril de 2011. 1 62 O Brasil naBrasil nova ordem global Antonio José Ferreira Simões Primeiro Fórum de diálogo Diálogo com com o Brasil: - “O oBrasil Brasil na nanova novaordem ordemglobal” global roeconômica e monetária a curto e médio prazo. Segundo, em base da crise recente do Euro, comentarei brevemente sobre as condições de longo prazo de uma intensificada integração regional. No que concerne o primeiro aspecto, quero apontar para o a inércia do nível elevado da taxa real de juros brasileiros que, em comparação mundial, representa uma das mais altas do mundo. Estes, especialmente no contexto atual causam um forte influxo de capital internacional, junto a uma significativa revaluação da taxa de cambio. Com isto, os esforços de limitação destes influxos parecem dar resultados somente parciais e de curto prazo. Independentemente dos argumentos de justificação desta taxa de juros elevada – seja por dominância fiscal, ou por falta de reformas estruturais do manejo da dívida pública brasileira – fica comprometida de certa forma a posição de defesa de liberdade de definição de politicas de manejo da conta de capital de agentes públicos brasileiros junto aos outros países BRIC frente aos organismos multilaterais, especialmente o FMI. Enquanto neste aspecto o Brasil formalmente está alinhado aos seus novos parceiros estratégicos no âmbito da nova ordem financeira global, ficam mais claras as diferenças entre os países emergentes, especialmente os BRIC, em relação ao manejo direto da taxa de cambio. Aqui, a pressão revaluadora destes fluxos internacionais, junto a uma ampla liberalização da conta de capital, ajudou a colocar o Brasil em uma posição de competitividade reduzida, especialmente em comparação com a China e outros países asiáticos com altos níveis de exportação e estratégias de sub-valorização de suas moedas. Chegando a realizar um manejo mais equilibrada de sua política monetária à vista da taxa cambial, o Brasil teria mais espaço em alinhar-se com os países emergentes também em relação a reforma do sistema monetário global, incluindo a regulação das taxas de cambio a nível internacional. Meu segundo comentário visa às perspectivas do Brasil de aprofundar sua cooperação econômica regional, seguindo uma relevante tendência global de usar a integração regional como meio de proteção contra choques de volatilidade global.2 Concordo plenamente com o diagnostico de Renato BauVer UNTAD 2011: Regional Monetary Cooperation and Growth-Enhancing Policies: The New Challenges for Latin America and the Caribbean. Study prepared by the secretariat of the United Nations Conference on Trade and Development 2 63 Barbara Fritz Antonio José Ferreira Simões mann no que concerne a falta de coordenação macroeconômica como causa fundamental da limitada integração econômica brasileira com seus vizinhos. Especialmente em consequência da crise financeira global, podemos observar uma serie de iniciativas pequenas de cooperação monetária e financeira na região, como por exemplo, o Banco del Sur e o Sistema de Pagos em Moeda Local entre Argentina e Brasil. Estas devem ser consideradas relevantes, entre outras razoes, em função de seu processo de aprendizagem e de construção gradual de confiança mutua dos países membros é necessário ter uma visão de longo prazo para a finalidade da cooperação e integração econômica. Porém, a experiência do Euro primeiro mostra que cooperação e integração monetária por si não resultam automaticamente em maior crescimento ou igualdade entre os membros. Segundo, a crise atual de alguns países membros provenientes do sul da área do Euro demonstra que os pré-requisitos para uma moeda comum parecem ir muito além de uma coordenação das políticas fiscais e de um sistema de controle e alertas eficiente. Deveriam provavelmente incluir também uma coordenação adequada das políticas salariais e de rendas, dos balanços externos intra-regionais, e provavelmente uma estreita coordenação dos mercados de dívida pública entre os países membros, o que significa uma redução ainda significadamente maior do espaço de manobra em termos de políticas econômicas a nível nacional deu que hoje realizado na região do Euro. Com isto fica relevante pensar desde hoje que grau de coordenação econômica o Brasil está disposto a acordar com quais países vizinhos, e quais poderiam ser as formas eficientes de cooperação monetária e financeira aquém de uma moeda única, que sejam capazes de produzir efeitos suficientes em términos de integração econômica, e de uma forma equilibrada para todos os membros envolvidos. 64 O Brasil naBrasil nova ordem global Antonio José Ferreira Simões Primeiro Fórum de diálogo Diálogo com com o Brasil: - “O oBrasil Brasil na nanova novaordem ordemglobal” global Interesses brasileiros, estratégias e parcerias em política comercial Ricardo Sennes1 Introdução O Brasil tem apresentado nos últimos 7 anos um desempenho notável. Se após o Plano Real em 1993 o país passou a ser capaz de controlar a inflação, as contas públicas e recuperar sua capacidade de planejamento e coordenação macro-econômica, mas com baixíssimo crescimento econômico, foi após 2002 que o país logrou combinar estabilidade com crescimento acelerado. As projeções atuais sobre o crescimento do Brasil indicam que o país deve crescer nos próximos 5 anos a uma taxa próxima de 5% ao ano. A apresentação irá argumentar que esse ciclo de crescimento econômico acelerado está fortemente associado ao dinamismo do mercado doméstico de bens de consumo, da demanda externa por commodities, ao aumento do investimento público e a reestruturação de renda e do perfil do mercado interno, porém comporta algumas características dúbias com relação ao salto tecnológico e de agregação de valor do setor produtivo. O caso da relação comercial do Brasil com a China é ilustrativo desse processo. Os dados elaborados pelo Ministério da Fazenda e pelo BNDES mostram que desde 2004, a base para esse crescimento do PIB está sendo a demanda interna. Ao contrário de outros países emergentes, cujo crescimento econômico está puxado pela alta taxa de investimento, no Brasil a alta demanda por bens de consumos duráveis e não duráveis é o elemento chave dessa equação. Diretor da Prospectiva Consultoria Brasileira de Assuntos Internacionais e professor doutor da Pontificia Universidade Católica (Puc). 1 65 Antonio José Ferreira Simões Ricardo Sennes Gráfico 1 - Decomposição do crescimento do PIB (% a.a.) Nota:*Estimativas Ministério da Fazenda. Fonte: IBGE. Elaboração: Ministério da Fazenda + BNDES, 2010. Do ponto de vista dos ingressos de Investimento Externo Direto (IED) no país estão se concentrando principalmente no setor de serviços. Entre 2007 e 2009, sua participação saiu de 49,1% para 53,6%. A indústria aumentou sua participação de 36,1% para 45,5% e a indústria extrativa mineral, a agricultura e a pecuária tiveram sua participação reduzida de 14,8% para um por cento no total dos IEDs. Parte significativa desses investimentos está voltado para setores non-tradable, tais como telecom, distribuição, entre outros no setor de serviços, e setores de bens de consumo duráveis no setor industrial. Essas prioridades estão refletidas nas projeções do BNDES. Segundo relatório do banco, o investimento no Brasil nos próximos anos será dinamizado por cinco grandes vetores: petróleo e gás, energia elétrica, logística, construção habitacional e agronegócios. Em termos de volumes de investimentos se destacam os setores de óleo e gás e eletricidade. Em termos de taxas de crescimento do investimento destacam-se os setores de óleo e gás, ferrovias e portos. 66 Ricardo Sennes Antonio Ferreira Simões Primeiro Fórum de Diálogo comJosé o Brasil: o Brasil na nova ordem global Tabela 1 - Perspectivas do investimento Fonte: BNDES 2010. Dessa forma, o ciclo e o dinamismo econômico do Brasil nos últimos anos têm sido sustentado de maneira destacada por setores de baixa intensidade tecnológica e baixo valor agregado. Ademais, o próprio governo tem colocado o foco no mercado doméstico e nos investimentos em infra-estrutura, mas os setores escolhidos como prioritários para incentivos, em detrimento dos setores de maior intensidade tecnológica e de maior valor agregado. As projeções para os próximos anos tendem a indicar a permanência dessas tendências. No campo externo a dinâmica do país também indica tendências contraditórias. Se de um lado o fôlego das exportações brasileiras de bens tem sido sustentável, por outro as importações tem crescidos a taxas expressivas, e as exportações de bens de maior valor agregado tem perdido aceleradamente seu dinamismo. A balança comercial brasileira vem obtendo saldo positivo desde 2000, sendo que as impor- 67 Antonio José Ferreira Simões Ricardo Sennes tações cresceram mais do que as exportações a partir de 2006. Ou seja, o saldo positivo está em trajetória decrescente desde então. Em 1998, a maior participação nos produtos exportados eram os de baixa tecnologia incorporada (32,0%), seguido dos produtos com média-alta tecnologia (25,9%) e em terceiro lugar os produtos não industrializados (19,4%). Em pouco mais de dez anos, essa composição alterou-se, chegando a 2009 com os produtos não industrializados como principal componente das exportações (31,0%), seguido dos produtos com baixa tecnologia incorporada (28,9%) e em terceiro lugar os produtos dos setores com média alta tecnologia (18,1%) (Fonte: BCB). Parte desse fenômeno está relacionada ao câmbio. A forte valorização do câmbio que está ocorrendo desde 2002, quando o dólar chegou a valer R$ 3,8 e iniciou sua trajetória de queda até o início da crise em 2008, mas com retorno à queda já em 2009, chegando a valer, em novembro de 2010, R$ 1,71. A apreciação do Real tem sido particularmente negativo para as exportações de setores de média e baixa intensidade tecnológica, sendo mais maléfico para aqueles produtos pouco diferenciados. O efeito do câmbio tem sido menos danoso ás exportações de commodities pois a alta dos preços internacionais desses setores tendem a compensar as perdas de competitividade cambial. Em termos de destino, a China passou a se destacar como o principal importador de produtos brasileiros, posto que, tradicionalmente, era ocupado pelos Estados Unidos. A crise norte-americana, no entanto, e o forte crescimento chinês alteraram esse quadro. Devido ao fator temporal dos eventos citados, não é possível considerar ainda que a China se consolidará como principal compradora de produtos brasileiros. 68 Ricardo Sennes Antonio Ferreira Simões Primeiro Fórum de Diálogo comJosé o Brasil: o Brasil na nova ordem global Brasil – Exportações 2009 - 10 Principais Destinos Fonte: Alice Web - MDIC As compras da China puxam as importações provenientes da Ásia, configurando esse como o principal continente destino das exportações brasileiras. O processo de liberalização comerciais regional e de integração produtiva na América Latina é um dos principais fatores que explicam que cerca de 23% das exportações do Brasil são regionalizadas. Gráfico 2 - Destinos (2009) - Blocos econômicos Fonte: SECEX - MDIC 69 Antonio José Ferreira Simões Ricardo Sennes Os produtos manufaturados exportados pelo Brasil se destinam, principalmente, à América Latina, como reflexo do processo de liberalização do comércio regional, assim como de ampliação das vantagens competitivas das empresas instaladas no país, tanto nacionais como estrangeiras, frente as dos países vizinhos. Gráfico 3 - Composição das exportações por bloco ecnômico (%) Fonte: SECEX - MDIC A estratégia regional predominante do Brasil, baseada em participar de arranjos regionais rasos e operar efetivamente por meio da lógica do hub-and-spoke, parece bastante adequada diante da grande diversidade de políticas comerciais dos países sul-americanos e dos vários arranjos econômicos regionais existentes. Uma das características mais notáveis da região sul-americana é a sobreposição de vários acordos regionais com escopos temáticos, densidades institucionais e abrangências regionais distintas. Acordos de caráter regional, tal como a Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), o Sistema Econômico Latino-Americano e do Caribe (Sela) e a Iniciativa para Integração Infra estrutural da América do Sul (IIRSA), convivem com arranjos sub-regionais como o Mercosul e a Comunidade 70 Ricardo Sennes Antonio Ferreira Simões Primeiro Fórum de Diálogo comJosé o Brasil: o Brasil na nova ordem global Andina de Nações (CAN), com vários acordos bilaterais tanto previstos no âmbito da Aladi – como os Acordos de Complementação Econômica (ACE) – como fora deles – como acordos em temas como energia, transporte e telecomunicações. Certos países da região não fazem parte dos acordos mais efetivos, como é o caso da Guiana e do Suriname, que são apenas parte da IIRSA. Alguns acordos dispõem de alguma institucionalidade – embora todos sejam intergovernamentais – concretizado em secretárias-gerais de apoio ao conselho de ministros, como Aladi e Mercosul, enquanto outros não dispõem de nenhuma institucionalidade, como é o caso da IIRSA, este basicamente um fórum para coordenação de projetos de infraestrutura. Alguns dispõem de mecanismos de solução de controvérsia – como o Mercosul –, enquanto outros dependem integralmente de arbitragens e mecanismos extraacordos. Alguns países da região praticam padrões tarifários muito baixos – como é o caso do Chile que, embora membro associado do Mercosul, apresenta média tarifária em 2009 de 1,1%, e teto tarifário de 7% –, contra um perfil de tarifas externas do Mercosul cujo modal é de 14% e o teto de 35%. Ao contrário do que ocorre no processo europeu, no qual a convivência de vários arranjos regionais diferentes passa por fases de acomodações e fusões, na América do Sul os diferentes arranjos seguem coexistindo e, por vezes, até competindo entre si. Problemas surgiram no âmbito da Aladi – principal acordo quadro comercial regional – na medida em que este prevê que seus membros devem estender aos seus parceiros regionais tratamento tarifário semelhante ao que concederem para parceiros extra-regionais. Essa questão veio à tona com a entrada do México no North-American Free Trade Agreeement (Nafta), em 1994, zerando suas tarifas de importação para os EUA e Canadá. Na época, o Brasil protestou e chegou a pedir a saída do México da Aladi. Porém, na sequência desse evento, outros países da região iniciaram negociações de livro comércio com os EUA, assim como com países europeus e asiáticos. Esses países lograram firmar acordos mais amplos e profundos – incluindo tarifas mais baixas e temas como comércio de serviços e propriedade intelectual – com países de fora da região do que aqueles existentes com os países da região, como no caso do Chile e o Peru. 71 Antonio José Ferreira Simões Ricardo Sennes Dessa forma, prevalece na região uma sobreposição pouco articulada de acordos que, regra geral, retira do espaço sul-americano a característica de território econômico preferencial homogêneo para seus membros. Visto do Brasil, esse processo corroeu as margens de preferências comerciais que o país dispunha até meados dos anos 1990 na região, mas, ao mesmo tempo, não exigiu do país um padrão de abertura comercial semelhante ao desses parceiros. Ou seja, preferiu perder margem de preferência no acesso a esses mercados do que abrir mão de sua margem de manobra comercial e tarifária. Curioso notar que, diante desse contexto, a estratégia oficial do Brasil tem sido, do lado econômico, liderar o esforço de expansão do Mercosul no sentido da incorporação dos países andinos2 , mas mantendo suas características originais como instituição intergovernamental, razoável grau de flexibilidade em relação aos acordos firmados, baixa coordenação macro e micro-econômica, e com padrões tarifários bastante próximos aos praticados pelo país.3 O Brasil não tem logrado estabelecer negociações no campo comercial com os países vizinhos mais amplas e profundas do que os acordos que esses países têm com terceiros, o que tem deixado o Brasil em uma posição fragilizada para liderar um projeto de integração econômica regional. Embora problemática no campo do comércio de bens, essa posição é particularmente significativa no campo do comércio de serviços, onde o Mercosul dispõem de acordos muito rasos internamente e apenas um acordo-quadro com um dos países associados – o Chile. O Protocolo de Montevidéu – focado em serviços e negociado no âmbito do Mercosul – foi assinado em 1994 e apenas 10 anos depois, em 2005, entrou de fato em vigor, sendo que das cinco listas negociadas, apenas a primeira começou a ser implementada. O Brasil possui vários exemplos de excelência em áreas de serviços e de tecnologia. Serviços de engenharia e construção são os únicos setores na balança de pagamentos do país que são superavitários. Em 1996, Bolívia e Chile tornaram-se associados do Mercosul, e em 2004, por meio de acordo quadro (Decisão CMC Nº 18/04) para entrada no Mercosul dos países andinos, tornaram-se também associados a Venezuela, a Colômbia e o Equador. 3 Argumento semelhante é desenvolvido por Vigevani et al. (2008). 2 72 Ricardo Sennes Antonio Ferreira Simões Primeiro Fórum de Diálogo comJosé o Brasil: o Brasil na nova ordem global No segmento de serviços de Tecnologia da Informação (TI) e BPO (Business Process Outsourcing), área de destaque da inserção internacional da Índia, é outro exemplo de setor onde o Brasil já demonstra grande capacidade competitiva e começa a incrementar suas exportações e internacionalização. Em algumas áreas de software, tais como comando de voz e aplicados a celular são casos também de destaque. Boa parte dos celulares exportados pelo país – o boom recente de exportação de Manaus que atingiu quase US$ 2 bilhões – carregam uma tecnologia embarcada de serviços embora sejam contabilizados como bens. Outro dado relevante sobre a presença regional do Brasil é dos investimentos brasileiros diretos. A presença produtiva de empresas brasileiras no exterior – medida pelo estoque de Investimento Direto Brasileiro (IDB) – começou a ser contabilizado pelo Banco Central do Brasil apenas em 2001. Nesse ano, o Brasil possuía estoque de IBD de pouco menos US$ 50 bilhões, enquanto que em 2006 esse volume foi de US$ 114 bilhões, alta de 129,7%. Nesse processo os países da região ocupam um papel de destaque. Outras iniciativas de acordos comerciais do Brasil na última década não incluíram os blocos: europeu e norte americano, mas buscou-se negociar margens de preferência com países em desenvolvimento, a chamada política Sul-Sul. Nessa dimensão foram abertas frentes com Israel, Marrocos, Países do Golfo, bloco IBAS (Índia, Brasil e África do Sul), entre outras. Desses, apenas a acordo de livre comércio com Israel está em vigor, aprovado e ratificado pelo congresso de ambos países. Essa tendência está sofrendo pequeno ajuste no início do governo de Dilma Roussef, pois o Brasil esta negociando um Acordo Econômico Quadro com os EUA, assim como retomou as negociações com a Mercosul-União Europeia. Mas nos dois casos a chance de sucesso e de relevância econômica e comercial é pequena. Já no campo multilateral, principalmente OMC, outra prioridade do país nas últimas décadas teve o eixo de atuação no setor agrícola (em contraste com as outras frentes – inclusive regional – cujo eixo dinâmico é o setor industrial. A estagnação da Rodada Doha – na qual a diplomacia comercial do Brasil colocou grande peso político – fez com que pouco se alterasse em relação ao quadro dos anos 90. 73 Antonio José Ferreira Simões Ricardo Sennes A exceção nessa dimensão foram os vários painéis abertos pelo Brasil contra a União Europeia e EUA em relação a setores agrícolas. Em todas elas o Brasil logrou vitórias: algodão e suco de laranja com os EUA e açúcar com a União Europeia. Não há dúvidas de que o Brasil passa por um ciclo muito favorável de crescimento econômico com estabilidade macro-econômica. Existe um consenso entre os analistas de que esse ciclo deve se sustentar mais 5 ou 6 anos. As bases desse ciclo são tanto políticas públicas e atuação direta do estado brasileiro na economia, como a atuação contundente de empresas nacionais e estrangeiras operando no país. Também fazem parte dessa dinâmica rápidas mudanças no perfil da distribuição da renda e do consumo na sociedade brasileira. Contudo, alguns sinais estão indicando área de fragilidade desse ciclo. Um deles se relaciona ao baixo dinamismo relativo dos setores de maior intensidade tecnológica e vinculados à inovação, assim como a pouca expressividade das políticas públicas voltadas ao fomento desses setores quando comparados à magnitude dos esforços e recursos alocados nos setores básicos da economia brasileira. A estratégia comercial do Brasil tem buscado compensar parte dessas desvantagens, mas seu sucesso tem sido apenas relativo. 74 O Brasil naBrasil nova ordem global Antonio José Ferreira Simões Primeiro Fórum de diálogo Diálogo com com o Brasil: - “O oBrasil Brasil na nanova novaordem ordemglobal” global Cometario a la presentación realizada por Ricardo Sennes sobre “Interesses brasileiros, estratégias e parcerias em política comercial” Dr. Claudia Zilla1 El presente comentario se propone poner en perspectiva comparativa, regional e internacional, algunas de las afirmaciones realizadas en la presentación de Ricardo Sennes. El crecimiento brasilero a partir de 2002, si bien fue acelerado, estuvo levemente por debajo del promedio latinoamericano, por lo que Brasil no se encuentra dentro de la categoría de países con mayor crecimiento, sino que más bien se mueve en el campo medio. Sin embargo, el efecto de este crecimiento económico sí fue mucho más equitativo en el caso de Brasil que en la mayoría de los demás países de la región, en el sentido de que implicó la incorporación de capas pobres a los sectores económicos medios de la sociedad. A esto contribuyó en gran parte la alta tasa de gasto social que en el período 2000-2008 fue del 21 al 26% del gasto público total, convirtiéndose así en la más alta de América Latina.2 Extendiendo la comparación más allá del continente hacia el resto del mundo, puede comprobarse que la participación brasilera en el producto bruto mundial se mantuvo prácticamente invariable entre 2002 y 2009, siendo ésta de al rededor de 2,9%3. Así, Brasil (junto con América Latina) no logró aprovechar más y mejor que otras regiones (como por ejemplo Asia) la positiva coyuntura internacional existente hasta la crisis financiera y económica mundial. El hecho de que con el correr del tiempo a Brasil no corresponda una porción cada vez mayor de 1 Stiftung Wissenschaft und Politik (SWP) – German Institute for International and Security Affairs, Berlin. 2 Datos de la CEPAL. 3 Datos del IMF: World Economic Outlook Database, Octubre 2010. 75 Antonio José Ferreira Zilla Simões Dr. Claudia la “torta mundial” responde a una variedad de factores que pueden ser resumidos en “baja competitividad”. La productividad sigue siendo baja y bajo es el nivel de ahorro y de inversión en infraestructura, teconología e innovación, como así también en educación. Brasil es el principal destino (33,4%) de las inversiones extranjeras directas (IED) que se realizan en América Latina. A la vez, la participación Brasilera en las inversiones extranjeras directas mundiales ( flows) en el período 2000-2009 se mantuvo estable, correspondiendo a un 2,3%, con pequeñas variaciones en los años intermedios.4 Países como China e India lograron en cambio atraer más capital del exterior, mostrando incluso una tendencia ascendente. Alta burocratización y corrupción diminuyen la atractividad de Brasil como destino de inversiones. Según el Informe del Banco Mundial “Doing Business 2011”5, que se centra el sistema regulatorio comercial y mide la facilidad con que puede hacerse negocios, si bien Brasil se encuentra en el cuarto puesto regional, detrás de Chile (43), Uruguay (124) y Costa Rica (125), a nivel mundial ocupa el puesto nr. 127. En el “Corruption Perception Index 2010” de Transparency Internacional6, Brasil se encuentra en el puesto 69 a nivel mundial, y a nivel latinoamericano por encima, es decir con más corrupción percibida que rn Chile (21), Uruguay (24), Puerto Rico (33) y Costa Rica (41). Brasil no sólo es receptor de capital extranjero sino que también invierte en el exterior. Desde 2006 el país invirtió más capital en el exterior del que recibió en concepto de IED. En el período 20012008, las inversiones de Brasil en América Latina y el Caribe estuvieron concentradas en los países del MERCOSUR (78,6%). El segundo destino más importante fue Chile (7,5%) y la Comunidad Andina (7,5%). De esta forma domina claramente Sudamérica como localización geográfica de las inversiones brasileras. La “sudamericanización” de las empresas brasileras parece fungir como un primer paso en su Datos de UNCTAD World Bank: Doing Business 2011, Online: http://www.doingbusiness.org/reports/doing-business/doing-business-2011 6 Transparency International: Corruption Perception Index 2010, Online: http://www.transparency.org/policy_research/ surveys_indices/cpi/2010/results 4 5 76 Dr. Claudia Antonio José FerreiraZilla Simões Primeiro Fórum de Diálogo com o Brasil: o Brasil na nova ordem global proceso de internacionalización.7 Brasil tiende a invertir en América Latina más bien en adquisiciones (32,1%), ampliaciones (17,3%) y fusiones estratégicas (10,%). Esto indica que la instalación de nuevas plantas con generación de nuevo empleo es muy baja, poco frecuente. El neo activismo industrial brasilero viene asociado a la alta capacidad de lobby de las empresas del país. Su avance en Sudamérica se encuentra en correlación con los procesos de desnacionalización en otros países de la región, como ser la Argentina. Se observa una desarrollo general hacia una interacción de firmas de capital concentrado sin haber significativos avances en la complementación productiva de la subregión. En este sentido, la proyección global de Brasil parece contradecir su proyección regional. Si bien Brasil es el país de la región que más invierte en investigación y desarrollo (seguido por Chile, Argentina, México y Uruguay), en 2007 dicha suma correspondió a 1,1% del PIB – esto indican los datos de un estudio realizado por el Banco Interamericano de Desarrollo (2010). El promedio de los países de la OCDE, por ejemplo, corresponde a más del doble. Mientras que la tasa de crecimiento anual promedio entre 2000 y 2007 fue en América Latina del 7,8%, el incremento en China fue del 22,5%. Este es un dato sumamente relevante si se tiene en cuenta que la inversión en este campo es clave a la hora de promover crecimiento económico a largo plazo generando mayor productividad. En relación a este punto es interesante destacar que mientras en los países de la OCDE son por sobre todo las empresas la que financian la mayor proporción (65%), llegando en el caso de China al 70%, en América Latina, como específicamente en Brasil, el sector empresarial es responsable sólo de poco más del 40% de las inversiones en investigación y tecnología. El restante 60% es asumido por el Estado. Pasando al campo comercial, si bien Brasil es la economía más grande de América Latina, no es la más abierta. Aquí radica una de las razones, por qué la crisis financiera y económica mundial no tuvo graves repercusiones en el país. Ni los aranceles son especialmente bajos ni la cuota de exportación en relación con el producto interno bruto (PBI) es especialmente alta, entre los años 2007 y 2009 ésta Véase para los datos y argumentos que siguen: Daniela Perrota, Gastón Fulgquet y Eugenia Inchauspe 2011: Luces y sombras de la internacionalización de las empresas brasileñas en Sudamérica: ¿integración o interacción?, Documentos, Nueva Sociedad. Online: http://www.riosvivos.org.br/Noticia/Luces+y+sombras+de+la+internacionalizacion++de+las+e mpresas+brasile+as+en+Sudamerica++++integracion+o+interaccion+/16988 7 77 Antonio José Ferreira Zilla Simões Dr. Claudia correspondió el 24.8% (China 58,7%). En términos comparativos, tampoco son muchos los acuerdos de libre comercio que Brasil firmó con otros países. El aumento de las exportaciones estuvo ligado no sólo a la aceleración de la demanda de commodities sino además y más fuertemente al aumento de su precio. Es decir, factor decisivo en este desarrollo fue más el aumento del valor que del volumen de las exportaciones. Principal receptora de commodities de Brasil es Asia, ante todo China. Sie bien los países asiáticos generaron una diversificación en la estructura de socios comerciales de Brasil, ellos implicaron a su vez una concentración de la paleta de productos de exportación en torno a bienes menos elaborados. Así, como se indicó en la ponencia, las materias primas y los productos poco manufacturados fueron ganando terreno frente a los bienes con mayor valor agregado. El vínculo comercial entre Brasil y China reproduce entonces una asimetría tradicional como la que vincula a Brasil con los países industrializados de occidente. Los productos brasileros con mayor valor agregado tienen como destino principal América Latina. Si bien el agrobusiness brasilero está altamente tecnologizado, si nos concentramos en el tipo de producto de exportación, se podría decir que en términos de materias primas Brasil es un “global trader”, pero en el ámbito de las manufacturas no pasa de un “regional trader”. Con todo, la balanza comercial global de Brasil es positiva. Sin embargo, las importaciones están creciendo a un ritmo más acelerado que las exportaciones, por lo que la brecha se está reduciendo. En este sentido es propicio agregar, que la participación brasilera en las importaciones globales pasó del 0,94% en el año 2000 al 1,09% en el año 2009. En el caso de las exportaciones, la proporción se movió del 0,93% al 1,22%. Resumiendo: A nivel comercial mundial el peso de Brasil no ha aumentado significativamente en los últimos 10 años.8 En cuanto a la estrategia regional dominante de Brasil, ésta consiste en participar de una gran variadesd de esquemas de integración y comerciales. Tanto en América Latina como específicamente en el caso de Brasil se pudo observar en los últimos diez años una disminución en el entusiasmo y 8 Datos de IMF: World Economic Outlook Database, Octubre 2010. 78 Dr. Claudia Antonio José FerreiraZilla Simões Primeiro Fórum de Diálogo com o Brasil: o Brasil na nova ordem global compromiso por la liberalización comercial. En el MERCOSUR se priorizó la ampliación por sobre la profundización. Del acquis communitaire, es decir de la normativa común, menos del 40% fue internalizado hasta el momento por los países miembros. Si bien la reciente creación del pequeño fondo para la convergencia estructural del MERCOSUR (FOCEM) presupone un reconocimiento de las asimetrías existentes y de la necesidad de apoyar más intensamente a los países más pequeños, el proceso de bilateralización entre la Argentina y Brasil hace adentro del MERCOSUR se pronunció y los acuerdos proteccionistas ad hoc son cada vez menos una excepción. Aunque el MERCOSUR, como se dijo más arriba, es relevante en términos del destino de las inversiones brasileras, perdió relevancia comercial para el país en dos sentidos: Primero porque disminuyó su peso, pasando a representar sólo el 10% del comercio exterior total de Brasil, cuando en los años 1990 había alcanzado casi el 20%. Segundo, porque el MERCOSUR para Brasil ya no es un trampolín hacia otros mercados o el mercado mundial en el contexto de un regionalismo abierto. Brasil ya no necesita al MERCOSUR para saltar al mundo. Además, con Venezuela incluida, el MERCOSUR se ha vuelto una carga más pesada para cualquier brinco. En el último tiempo el MERCOSR parece haberse vuelto más político que económico. Desde la creación y el protagonismo regional de UNASUR, incluso en lo político, el MERCOSUR parece haber quedado relegado a la sombra de la estrategia subregional de Brasil. Muy a pesar de estos desarrollos, la participación de Brasil en MERCOSUR resulta hoy día una elección irreversible. 79 Publicações CEBRI O CEBRI Artigos é uma publicação trimestral para a discussão de temas da conjuntura internacional. Cada volume é elaborado por um especialista no tema abordado. O CEBRI Dossiê é uma publicação semestral para a reflexão de temas relevantes das relações internacionais como um todo e, em particular, da política externa brasileira. Cada volume é elaborado por um especialista a convite do CEBRI. O CEBRI Tese é uma publicação semestral, cujo objetivo é dar maior visibilidade às teses de doutorado que abordam assuntos internacionais sob novas perspectivas. Cada volume traz uma introdução, a transição da apresentação da tese e do debate subseqüente. O CEBRI Notícias é uma publicação trimestral, com a função de informar à sociedade a respeito das atividades desenvolvidas pelo CEBRI. Instruções aos autores Para ser submetido, o artigo deve conter de 15 a 30 páginas e ser redigido em fonte Times New Roman, tamanho 12, espaçamento 1,5, bem como dispor de resumo/abstract, introdução, conclusão e referências bibliográficas. Os colaboradores devem encaminhar seu trabalho para a sede do CEBRI, localizada à Rua da Candelária, 9 - Grupo 201 - Centro CEP: 20091-020 - Rio de Janeiro / RJ e pelo e-mail: [email protected]. A Equipe CEBRI é responsável por selecionar as colaborações a serem publicadas. O conteúdo dos artigos reflete exclusivamente a opinião dos autores. O uso desse material para fins didáticos é permitido desde que citada a fonte. CENTRO BRASILEIRO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS Rua da Candelária, 9 - Grupo 201 - Centro CEP: 20091-020 - Rio de Janeiro / RJ Tel: +55 21 2206 4444 | Fax: + 55 21 2206 4422 Email: [email protected] www.cebri.org.br