José Ferreira Pankowski
O conselheiro técnico da Associação dos Criadores de Nelore de Mato Grosso, José
Ferreira Pankowski, é o entrevistado da semana do site da Nelore MT. Ele fala sobre o
desenvolvimento da raça Nelore no Estado e os desafios do setor no melhoramento
genético.
Formado pela PUC do Rio Grande do Sul, no curso de Zootecnia, também é jurado da
ABCZ, técnico de registro, assessor pecuário e assessor de leilão. Morando em Mato
Grosso há 24 anos Ferreira se considera “matucho”, já que nasceu no Rio Grande do
Sul.
Boa leitura.
ACNMT – Qual a sua relação com a raça Nelore?
JOSÉ FERREIRA – Ela é muito grande. Desde que entrei na ABCZ (Associação
Brasileira de Criadores de Zebu), em 89, venho trabalhando com a raça. Um trabalho
que começou com a fundação do Conselho Técnico. Hoje desenvolvo um trabalho de
fazer o gado e ajudar a vender, pois acredito que não adianta ser técnico e não ter a
visão do retorno comercial, isso desanima quem produz. Tem que se fazer um bom
trabalho e agregar valor a esse produto para que o técnico tenha valor e o produtor a
devida valorização.
Na minha visão temos que profissionalizar a pecuária. Muitos produtores ainda se
utilizam do sistema amador, não se envolve, possui outra fonte de renda e usa a
pecuária como uma forma de hobby, lazer, uma alternativa. Mas, nós temos
produtores que vivem da pecuária, que tem que ser remunerado, e são eles que estão
tornando o trabalho mais profissional. Vale ressaltar que o profissionalismo precisa
acontecer em todos os setores do processo, do contábil ao comercial, pois é assim que
se puxa toda cadeia produtiva, tornando-a mais rentável, lucrativa e essa é a intenção.
ACNMT – Qual a sua avaliação técnica da raça Nelore em Mato Grosso?
JOSÉ FERREIRA – Nós temos a fama de ser o maior rebanho, mas temos que
mudar essa ótica e não sermos apenas o maior, mas queremos também ser o melhor.
Hoje seria petulância dizer que somos os melhores porque tem muitos Estados na
nossa frente em termos de qualidade genética. Porém, o trabalho que está se fazendo
aqui nos credência, em curto prazo, a sermos também produtores de qualidade, não
só de números.
Já estamos fazendo julgamentos com o gado de corte, que é para credenciar, agregar
valor ao produtor de corte e não somente o da genética seletiva. A genética seletiva é
a semente do gado que vai fazer as mães que vão produzir os touros de corte. Então
temos que melhorar não só o nível do topo da pirâmide, mas também agregar valor
aquele produtor comercial, aquele que vende o seu bezerro no leilão de corte, no
Norte do Estado, no Sindicato Rural. Não adianta um criador querer vender um touro
caro se ele não remunera o produtor de bezerro, Num setor que funciona em cadeia,
você tem que vender bem o touro, mas também quem vai fazer o bezerro . É uma
causa e consequência. Ninguém vai vender um touro caro se o bezerro não tiver um
valor agregado.
Por isso temos que buscar não só ser o maior, mas o melhor em carne, em rebanho
com qualidade.
ACNMT – Fazendo um comparativo do gado de Mato Grosso com os demais Estados,
onde estamos? Como está a raça num contexto nacional?
JOSÉ FERREIRA – Com as biotecnologias de reprodução, como a fertilização in
vitro, alguns criadores têm chegado rapidamente a obter bons resultados, ou seja,
compra o material genético e multiplica. Em Mato Grosso temos uns 10 criadores que
fazem isso, e isso é muito pouco ainda. Nós temos um longo caminho a percorrer para
atingir um nível satisfatório. Se me perguntar se temos um gado competitivo, eu
respondo que temos sim, mas é muito pouco. Então temos que massificar mais. Temos
qualidade com poucos criadores, por essa característica de fazerem FIV e TE.
ACNMT – Como fazer isso?
JOSÉ FERREIRA – É o que eu falei anteriormente: é a profissionalização. Não
podemos produzir como hobby, mas como atividade principal, atividade produtiva,
rentável e lucrativa.
ACNMT – Nessa busca do melhoramento, qual o papel do Ranking na evolução da
raça?
JOSÉ FERREIRA – O ranking é um comparativo para demonstrar em que nível nós
estamos entre nós mesmo. Com o ranking conseguimos mensurar quantos criadores
em Mato Grosso estão fazendo seleção e comparar esses nossos criadores com os de
outros Estados . O ranking proporciona a visualização do resultado do trabalho. Essa é
a intenção principal do ranking.
ACNMT – O ranking da raça Nelore é realizado há 16 anos em MT, essa evolução já
pode ser sentida ou ainda precisa de mais alguns anos?
JOSÉ FERREIRA – Nós temos que levar em contar que o investimento esta sendo
feita, que já existem criadores de um nível bem profissional, mas o que acontece no
caso dos bovinos, que o ciclo de produção de uma geração de bovino é de 5 anos.
Então, desde o inicio do ranking estamos entrando na terceira geração. São 9 meses
de gestação, 2 anos para emprenhar uma vaca. Então é isso que temos que fazer,
temos que ter número. Nós estamos no início e genética a gente trabalha assim, com
tempo e números. O melhoramento genético a gente faz com população, quanto
maior a população, melhor fica a seleção. Nesse sentido a tendência de Mato Grosso é
chegar rapidamente na qualidade do rebanho, do que os demais Estados porque nós
temos o maior número, o maior rebanho, e esse é um dos requisitos do
melhoramento.
ACNMT – Antes dos animais seguirem para a pista de julgamento durante o ranking
acontecem a pesagem e o diagnóstico de gestão. Qual a importância desses dois
procedimentos dentro do processo de avaliação?
JOSÉ FERREIRA – Em se tratando de uma raça de corte a gente mensura peso, é
importantíssimo, e quando se fala em diagnóstico de gestação você está atingindo um
peso, o animal já se desenvolveu a parte reprodutiva. A precocidade e terminação são
proporcional a precocidade reprodutiva, quanto antes ele termina ele também
apresenta puberdade mais cedo, mais precoce.
Agora é importante destacar que quando a gente fala em pesagem, nós podemos olhar
dois animais do mesmo peso, da mesma categoria, da mesma idade, porém quando
você vai avaliar, o que interessa e a distribuição do peso. Nesse caso, qual o mais
interessante, o animal mais alto ou o mediano? Não estou dizendo o baixinho,
pequeno, mas o mais interessante é o animal mediando. É o mediano por quê? Porque
ele vai ser mais precoce, vai atingir o peso mais cedo, vai acabar o crescimento mais
cedo dos ossos, da musculatura, enfim, ele vai acabar mais cedo. É isso que a gente
quer: precocidade. Então se você tem 2 animais, a pesagem é determinante, depois
entra o papel do juiz na hora de avaliar essa distribuição de peso.
Vamos voltar a analisar os animais: tardio, mediano, baixinho, curtinho. Eu sempre falo
que essa análise vale para vida da gente e para seleção de animais: temos que cortar
os extremos, eles são indesejáveis. É melhor pegar a média, o animal mediano. Animal
muito grande, muito cumprido, é tardio, vai custar a por carne, vai precisar de muito
mais tempo e também vai retardar a reprodução. No caso da fêmea, quando ela parir
vai ficar descarnada, vai ter um intervalo entre partos maior porque o bezerro vai
sugar o leite e ela não vai ter tempo de se recuperar para dar outro cio fértil, a
concepção é muito mais difícil. Então você vê como está interligado, um animal mais
tardio ele é ruim não vai ganhar peso, vai parir mais tarde, vai ter um intervalo maior e
a tendência desse animal é ser descartado. Então a gente tem que entender essa
dinâmica para chegar na pista e o juiz avaliar 2 animais do mesmo tipo e optar pelo
animal mais alto , mais tardio, tá errado , tem que julgar o outro, o mediano, para se
aproximar do gado de produção. O que a gente quer da pista é o que queremos ver no
campo. Não pode ser antagônico com o gado de pista e gado de produção. O caminho
é par aos dois se encontrarem, o gado de pista e o de produção, porque a finalidade
da pista e produzir as matrizes que vão fazer os touros que vão gerar o gado de
corte, que vão gerar o bezerro de corte , que vão produzir um touro adequado, um
touro mediano , sempre. Então peso é determinante, vamos avaliar o biotipo, corta as
pontas e vai no do meio que a seleção dá certo, pode ter certeza.
ACNMT – Quais as principais características avaliadas na pista de julgamento do gado
Nelore?
JOSÉ FERREIRA – O padrão racial são 62 características, que eu não vou falar
todas, pois vamos ter que fazer um curso de uma semana. Mas, o primeiro item a ser
selecionado é o da fertilidade. O macho com cara de macho e fêmea com cara de
fêmea. Parece estranho, o que é isso? O macho da raça Nelore, por exemplo, tem que
ter um cupim maior, tem que ter um chanfro mais curto, a fronte mais larga, o satura
mais forte, são características de macho. Se você pegou um macho com chanfro
cumprido, mais afeminado, cupim menor, não serve. Chamamos isso tecnicamente de
dimorfismo sexual, cada um tem que ter a sua forma. A fêmea com a cabeça leve, com
pescoço curto, paleta grossa, cupim mais delicado, tem que ser feminina, tem que ter
características femininas.
ACNMT – O papel do ranking é importante nesse processo todo para o entendimento
do criador?
JOSÉ FERREIRA – Sem dúvida. O juiz avalia muita coisa dentro da pista. Observa o
biotipo maior e menor, a masculinidade, a precocidade , a cor do animal que define a
puberdade e a parte hormonal , o comportamento se é ou não arisco. Outro fator
observado é o aprumo do animal, pois não adianta por peso, ter mil quilos e o animal
não dar conta de caminhar. Esse é um dos grandes problemas da raça nelore hoje, que
esta se botando muito peso, tem que fazer um casqueamento adequado, e nessa hora
volto a ressaltar, que o mediano é o que dá certo, fazer demais acaba errando. Enfim,
tudo é levado em conta. O juiz tem um papel muito importante.
ACNMT – Você acredita que a raça Nelore tem um bom mercado, um bom futuro?
JOSÉ FERREIRA – Eu acredito tanto no Nelore, que hoje o Nelore produzido no
Brasil é o melhor Nelore do mundo. O Nelore que veio da Índia, como o zebu é sagrado
naquele país, ele não foi melhorado, só é usado para tração e para leite. Nós
trouxemos a raça para o Brasil e aprimoramos. Temos o Guzerá, mas o caso Nelore
específico ele tem um melhoramento que não tem no mundo, porque os grandes
países norte americanos e europeus fizeram os chamados mestiços, 5/8 - 3/8 de
sangue, misturando raças, eles não conseguiram fixar a raça com isso e nós estamos
mantendo a raça pura. Então a nossa responsabilidade no mundo é o de melhorar a
cada dia mais e não erar, tentar minimizar os erros, porque os grandes países fizeram
esses cruzamentos e não conseguiram segurar o grau de sangue. Quem vive nesse
setor sabe que heterose genética a gente faz com raça pura, você pega uma raça
europeia pura com o nelore puro e cruza, assim que acontece o choque de sangue.
Agora se você misturar aqui, misturar lá, mistura essas duas, com o tempo você não
segura o grau de sangue. Então a importância do Nelore como raça pura, é a raça mãe
da pecuária brasileira, porque em cima dele você usa para todo o tipo de cruzamento
europeu.
O Nelore tinha fama de ser rústico, do trópico, mas nunca se falava em precocidade,
hoje não, nós temos animais pesados e que dão resultado tanto quando o europeu
quanto cruzado. Agora é uma questão de custo benefício, pois o Nelore come um
pouco menos, ele eleva 30 dias a mais para ficar pronto que o europeu, claro que o
europeu é mais precoce, não vamos discutir precocidade, mas se fizer uma análise do
chamado custo benefício, fico com o Nelore.
ACNMT – Qual a mensagem para o associado da Nelore MT?
JOSÉ FERREIRA – Participe mais. É a união que faz a força, não tenha duvida. Tem
que ter mais união de todos. Não importa se não cria gado de baia, não tem
problema, venha participar das decisões, participar das reunião, pois é daqui que
saem as ideias para depois semear e promover as mudanças necessárias no campo. O
importante é a gente ter as diretrizes e quem faz as diretrizes são todos os associados.
É importante estarmos juntos para tomadas de decisões. O momento que estamos
vivendo no Brasil é de participar, estamos vendo isso nas ruas, não é depois da tomada
de decisão que você deve reclamar, reclama na hora certa. É o que eu sempre falo, não
adianta ser como o Fox Paulistinha (raça canina), que sobe em cima do sofá e late. Tem
que participar na hora certa, falar o que tem que falar, criticar depois é fácil. Vamos
tomar as decisões juntos, que é muito mais difícil. A palavra associado é participar, não
tem problema que não faça elite, se não cria gado registrado também não tem
problema, mas ele é nelorista. Venha participar, venha somar, a associação é para isso.
As decisões aqui tomadas são muito importantes para pecuária brasileira.
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José Ferreira Pankowski