ORALIDADE E SUAS REFLEXÕES EM SALA DE AULA Fabiana Juvêncio Aguiar Donato (ULHT) [email protected] RESUMO O presente estudo tem como propósito colocar em relevo a necessidade do ensino da oralidade nas salas de aula. Esta abordagem é recente na prática de ensino, e, principalmente, entre os educadores que atuam no Ensino fundamental I e II. Temos como objetivo refletir sobre o fenômeno oralidade no contexto educativo, sinalizando para o tratamento da língua oral como ação institucional, reafirmando a continuidade das práticas que se estabelecem na e pela linguagem. Segundo Freire (1996), a leitura de mundo revela, evidentemente, a inteligência do mundo que vem cultural e socialmente se constituindo. Revela também o trabalho individual de cada sujeito no próprio processo de assimilação da inteligência do mundo (1996, p. 139). Neste sentido, as bases conceituais para este estudo surgiram a partir de Bakhtin, Dolz, Schneuwly, Marcuschi, Bortoni-Ricardo e Bagno. Abordaremos a necessidade dos educadores enfatizarem a linguagem oral como instrumento de construção individualizada, possibilitando aos educandos a oportunidade de se prepararem para realidades controvérsias que não se resumem ao âmbito escolar. Esta pesquisa visa contribuir academicamente na perspectiva de que a oralidade seja vista como objeto de pesquisa e de ensino, proporcionando aos estudantes o ensino aprendizagem na utilização da mesma, atentando para as novas necessidades do mundo globalizado, que precisa de pessoas capacitadas e multifuncionais, que possuam: fluência verbal e poder de convencimento, concomitante a uma aprendizagem significativa e comunicativa. Desta forma, a escola deve ultrapassar os aspectos teóricos e penetrar no âmbito da prática cotidiana ampliando os conhecimentos e abrindo um novo universo de significado aos educandos, como instrumento para superar obstáculos e perpassar o muro da escola. PALAVRAS-CHAVE: Oralidade. Instituição. Sala de aula. 1 1. INTRODUÇÃO A linguagem maneira interativa que contribui para uma transmissão de informações diversas ao interlocutor, dessa forma, é analisada como uma possibilidade de interação humanística: o contributo para o sujeito que a utiliza e pratica ações que não conseguiria a não ser falando; com ela o usuário atua um papel importante em relação ao ouvinte, constituindo assim, vínculos e comprometimentos antes da existência fala. Destaca-se que o conhecimento vai se ampliando como uma produção de muitos autores de acordo com a visão e amplitude de cada um. Portanto, ocorre a tessitura da teia de saberes que implica uma leitura de mundo não linear, na qual cada tema, cada conceito, remete para conexões com outros saberes, outros sentidos. Sendo assim, a primeira forma registrada da linguagem humana foi através de desenhos pictográficos que representavam o dia a dia dos homens das cavernas. Com a evolução das relações sociais e a organização dos homens em clãs, surge a necessidade de estruturação do trabalho e consequentemente a língua oral como facilitador da comunicação. Segundo citado por Marcuschi (2001): Uma vez adotada a posição de que lidamos com práticas de letramento e oralidade, será fundamental considerar que as línguas se fundam em usos e não o contrário. Assim não serão primeiramente as regras da língua nem a morfologia os merecedores da nossa atenção, mas os usos da língua, pois o que determina toda a variação linguística em todas as suas manifestações são os usos que fazemos dela. (2001, p.16) No início da civilização todas as formas de saber e de conhecimento eram transmitidas oralmente por meio dos relatos de experiências; e a memória humana, essencialmente a auditiva, era o único recurso que as pessoas dispunham para o armazenamento e a transmissão do legado às futuras gerações. Tradicionalmente, os mais velhos eram reconhecidos como os mais sábios, detinham conhecimento acumulado de suas vivências e, eram responsáveis pela transmissão da bagagem cultural às futuras gerações. 2 Para tanto, a língua não é um sistema imutável. Como toda criação humana, está sujeita à ação do tempo e do espaço geográfico, sofrendo constantes alterações e refletindo forçosamente as diferenças individuais dos falantes. A língua falada é mais comunicativa e insinuante, porque as palavras são fortemente subsidiadas pela sonoridade e inflexões da voz, pelo jogo fisionômico e a gesticulação, emergindo, assim, vários níveis de fala: a culta, a popular, a coloquial, dentre outras. Entretanto, desde que o nascimento à linguagem oral está presente em todos os momentos de nossas vidas, por isso ela tem um papel relevante como objeto de ensino da língua materna. A verbalização facilita o processo de compreensão de mundo além de construção e reconstrução de significados. Hoje, não há mais questionamentos sobre a importância de se trabalhar o componente oral na sala de aula. Autores como RAMOS (1999), TRAVAGLIA (2000), FÁVERO et al (2005) e MARCUSCHI (1996, 2003), por exemplo, têm argumentado a favor do desenvolvimento de competências orais na escola. Neste sentido, a partir da observação da relevância da língua oral surgiu o questionamento de como trabalhar a oralidade na sala de aula. Este tema é fruto das interrogações surgidas no âmbito educativo, a partir de vivências e de reflexões teóricas, que visam atentar para as novas necessidades do mundo profissional que precisa de pessoas capacitadas e multifuncionais que possuam fluência verbal, se comuniquem bem, possuam poder de persuasão, defendam suas ideias e seus direitos. De acordo com Marcuschi (1996) parte de váras premissas para argumentar a favor do trabalho com a língua falada, com base no fato de que a fala já conseguiu um lugar no ensino de língua materna. Primeiramente, afirma que a língua é heterogênea e variável. Assim: O sentido é efeito das condições de uso da língua; Os usuários têm a ver com textos e discursos quando interagem entre si (e não com estruturas gramaticais); O foco do ensino é deslocado do código linguístico para o uso da língua, ou para a análise de textos e discursos. A premissa, tratada pelo autor, é que a escola deve ocupar-se da fala propondo um paralelo de análise com a escrita. Concorda com Kato (1987:7) sobre o consenso de que a escola se dedique preferencialmente ao ensino da escrita, pois esta ocupa papel central na vida das sociedades letradas. Contudo, “no início da escolarização a fala 3 exerce influência sobre a escrita” (MARCUSCHI, 1996: 3) Além disso, Kato afirma que “a chamada norma padrão, ou língua falada culta, é consequência do letramento, motivo por que, indiretamente, é função da escola desenvolver no aluno o domínio da linguagem falada institucionalmente aceita” (KATO, 1987:7). Entretanto, a escola deve ultrapassar os aspectos teóricos e penetrar no âmbito da prática cotidiana ampliando os conhecimentos e abrindo um novo universo de significado aos educandos. Em sala de aula experiências e vivências estão reunidas num mesmo espaço esperando o momento de serem exploradas. Para tanto, a escola deve encontrar uma forma de ensinar, incentivar e impulsionar a expressão da oralidade desde a mais tenra infância, pois é a democratização do acesso ao conhecimento que obriga a escola a criar espaços que viabilizem a formação de sujeitos cidadãos na dimensão política e pedagógica da participação, tentando romper as barreiras culturais que separam a escola da comunidade, propiciando uma articulação do educador com o contexto cultural em que está inserido. De acordo com Azevedo (2001), é a identidade cultural entre a comunidade e as ações pedagógicas que ressignifica a escola contribuindo para a consolidação da visão de que a escola é responsável pela garantia da universalização de uma aprendizagem significativa e colaborativa. Miranda (2005: 167) propõe, embora podendo parecer contraditório ao que aqui propomos uma pedagogia do silêncio. Ela explica que, atualmente, nas diversas situações sociais, convivemos com uma “elasticidade” em termos de padrões interacionais e de comportamentos linguísticos. A falta de compostura e polidez nas instâncias públicas e privadas de interação sinalizam para uma necessidade de avaliação dos padrões interacionais e linguísticos da oralidade. Ainda segundo a mesma autora, no que tange ao ensino de língua portuguesa, a mesma esclarece que muitos professores ainda estão voltados ao ensino ineficiente da gramática. Mesmo aqueles que já tomaram conhecimento da necessidade de um trabalho profícuo voltado para o domínio das práticas sociais de leitura e escrita, a maioria ainda não sabem como fazer isso. Assim, apontado pela mesma como uma das razões para haver, sob o rótulo de indisciplina, uma crise constante em sala de aula é justamente a falta de legitimação dos papéis de professor/aluno. Dessa forma, os gêneros da oralidade letrada são de todas as formas, rechaçados pela maioria. Isso fica agravado pelo massacre da cultura grafocêntrica em que estamos mergulhados. Os 4 alunos, como consequência, independente do nível social, não reconhecem as regras que regulam as diferentes interações sociais. A ausência da oralidade nas escolas está confirmada pelas nossas pesquisas: tanto as entrevistas com os professores (cf.CYRANKA et al, 2006) quanto os livros didáticos revelam descaso com o componente oral, deixando no aluno uma lacuna não somente no conhecimento referente à linguagem, formador de um arcabouço teórico ao longo da escolarização, mas também quanto às regras de conduta que permeiam alguns eventos. Para tanto, sendo apoiada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, a oralidade deve ser estimulada como objeto discursivo que se produz em sala de aula tornando-se instrumento de conhecimento. Pesquisas recentes têm colocado em destaque a necessidade do ensino da oralidade nas instituições escolares, principalmente, entre os educadores que atuam no Ensino Fundamental I e II. No tocante ao trabalho com a modalidade oral, os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL/MEC, 1998) afirmam a necessidade de seu desenvolvimento na medida em que os alunos serão avaliados na hora de responder a diferentes exigências de fala e de adequação às características próprias de diferentes gêneros do oral. O intuito desta pesquisa será propor aos professores uma reflexão sobre a modalidade oral como ferramenta fundamental para o desenvolvimento do educando, abrindo caminhos para o tratamento da língua oral como ação social, reafirmando a continuidade das práticas escolares que se estabelecem na e pela linguagem. Essa nova visão direciona o ensino de língua para outra abordagem: “Eleger a língua oral como conteúdo escolar exige o planejamento da ação pedagógica de forma a garantir, na sala de aula, atividades sistemáticas de fala, escuta e reflexão sobre a língua.” (BRASIL, 1998, p. 49). Diante do exposto, o objetivo primordial deste trabalho será despertar um novo olhar para a fala e seu uso na instituição escolar, como instrumento para superar obstáculos e perpassar o muro da escola. 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1 Oralidade e seu desenvolvimento teórico Com o desenvolvimento dos estudos sobre linguagem e o surgimento de disciplinas voltadas para sua compreensão, à oralidade tornou-se mais presente nos estudo da Linguística. Num primeiro momento enfatizava-se o estudo das estruturas e 5 sistemas linguísticos, sem haver uma real preocupação com a fala autêntica (MARCUSCHI, 2003). Mesmo com o avanço dos estudos de Chomsky sobre a competência, buscando uma gramática universal que não refletisse as interferências sociais através de uma análise neuropsicológica da linguagem, além de diversas teorias de outros estudiosos (Saussure, Salmásio, Humboldt, Grimm), a oralidade continuava a assumir o papel de simples manifestação da linguagem, do sistema. Contudo, na metade do século XX, houve uma inversão de valores dentre os quais a oralidade foi valorizada como objeto de estudo de linguistas que se debruçavam sobre os fenômenos mais diretamente ligados ao uso que os falantes fazem da língua (WEEDWOOD, 2002). Assim, a linguagem passou a ser considerada como um conjunto de fenômenos de natureza humana e social, assumindo um papel fundamental na compreensão dos processos de interação do homem com o meio social em que vive. Nesta visão enfatiza-se a língua falada compreendida por Marcuschi (2003, p.2) quando assim se expressa: [...] toda produção linguística dialogada ou monologada naturalmente, realizada livremente em tempo real, em contextos e situações autênticos, formais ou informais, na relação face a face em condições de proximidade física, caso não haja interferência de meios eletrônicos tais como rádio, TV, telefone, rede internet ou semelhantes. Por este prisma, o estudo da oralidade começa a ser concebido como um contínuo em relação à escrita, o que já era defendido por Marcushi (2003) ao ressaltar que a fala é produzida e organizada com um conjunto de recursos relativamente amplos, construindo suas unidades em perspectiva diferente (às vezes divergentes) da escrita, de modo que as categorias gramaticais desenvolvidas para a análise da escrita nem sempre são adequadas para a análise da fala. Outro ponto fundamental para a compreensão deste tema é considerar o fato das condições de produção do discurso serem influenciadas pelo contexto sócio histórico e pelas ideologias, responsáveis pelo estabelecimento das relações de força no interior do discurso. De acordo com Bakhtin (2002, p.124), “a língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta”. Entretanto, estes fenômenos nem sempre são analisados e em muitos casos a oralidade fica submissa à herança da tradição escrita. Desta forma, a oralidade não 6 encontra eco numa sociedade que considerada a escrita como modelo perfeito de manifestação da língua. Com esses exemplos e argumentos, Austin questiona e rompe com as bases de uma concepção que associava a linguagem à lógica formal como puramente descritiva, o que para ele não é um critério suficiente, fazendo intervir um novo pensamento em relação à questão da referência. Assim, podemos perceber que o sujeito falante e as condições exteriores passam a ter papel fundamental na construção do sentido. Não há mais espaço para a cisão entre o sujeito (falante) e seu objeto (fala), o que trás uma maior dificuldade nas análises linguísticas, por não se tratar de linguagem ideal, mas real. Nesse sentido, Ottoni (2002:126) menciona: ...a separação sujeito-objeto que é característica fundamental de uma ciência (da linguagem) de base descritiva e formal foi combatida por Austin. Podemos dizer que, na visão performativa, há inevitavelmente uma fusão do sujeito e do seu objeto, a fala; por isso as dificuldades de uma análise empírica em torno do performativo. Ainda segundo o pensamento do mesmo autor, percebe-se que o contexto em que as palavra estão inseridas, bem como as condições de produção é determinante para a significação do enunciado, reforçando a importância dos elementos extralinguísticos como constitutivos do sentido e o fato de que este, como efeito sobre o interlocutor, “pode ocorrer à revelia de uma intencionalidade e ser outro” (ZANDWAIS; 2002:110) . Ainda dentro desta perspectiva, Ottoni (1998:85) menciona: “a intenção não pertence somente ao sujeito falante que a transmite, mas é garantida, via uptake, pelo sujeito ouvinte para assegurar a apreensão”. Assim sendo, a Fala é a materialização da Língua na variante fónica, sendo realizada através de um processo de articulação de sons. Traduz-se no meio de comunicação mais comum e eficaz por constituir a forma que exige menos esforço e ser mais facilmente compreendida pelas pessoas. Contudo existe um número significativo de população que apresenta dificuldades em comunicar através da fala (BEUKELMAN & MIRENDA, 1998). Portanto, o conceito de fala na elaboração saussuriana é um dos mais controversos. O Curso de Linguística Geral o traz de forma negativa, ou seja, ao construir o conceito de língua, Saussure deixa surgir o que vem a ser a fala enquanto o que não é a língua. A fala aparece enquanto excesso da língua. Saussure também a situa como secundária nos estudos linguísticos, ela por si não seria capaz de ocupar o lugar de 7 objeto da linguística. A fala está em lugar de falta para a linguística. Considerando esse lugar, de excesso e de falta, que a fala ocupa em relação á língua na fundação da linguística, é possível, pelo menos, assinalar com Saussure, que “Sem dúvida, esses dois objetos estão estreitamente ligados e se implicam mutuamente (...)” (op.cit.p.27). Nesse percurso podemos apreender o que é a fala em relação à língua bem como as relações entre uma e outra e, mais do que isso, empreender uma reflexão sobre o lugar da fala na constituição da linguística. Segundo a nossa perspectiva (SILVEIRA, 2007), os manuscritos saussureanos, presentes na Biblioteca pública de Genebra e mesmo os Escritos de Linguística Geral, uma edição dos manuscritos de Saussure realizada por Bouquet e Engler em 2002, trazem algumas informações importantes sobre o processo de escrita de Saussure, em especial no que diz respeito aos ‘conceitos incompletos’ como é o caso da fala. Por conseguinte, a noção de não satisfação, é conquistada a partir da perspectiva própria da Psicanálise em que a considera como essencial na constituição do sujeito. Assim sendo, considerando a importância de um conceito como fala, especialmente quando se trata da pesquisa com essa temática onde trabalha a noção de sujeito a partir de Lacan (1901-1980), que seguiremos a trilha saussuriana. Na elaboração lacaniana, apoiada na reflexão freudiana, a fala ganha importância ao longo da sua reflexão visto que é somente na fala que é possível ao ser advir como sujeito. Entretanto, a oralidade traz consigo a manifestação de uma identidade social e cultural. Como estas teorias ignoram fatores como variação, dialetos e gírias, percebe-se que há um movimento de exclusão social dos que não falam conforme a norma culta. Assim, a norma culta baseada em critérios sociais encontra sua legitimação na própria classe que a determina perpetuando os preconceitos linguísticos contra os que se diferenciam dela. Marcuschi (2003) alerta para o descaso para com a oralidade: “as instituições escolares dão à fala a atenção quase inversa à sua centralidade na relação com a escrita” (p.1). Não se quer aqui protestar contra o ensino da escrita, mas reconhecer que não seria possível o ensino da escrita ou mesmo a aprendizagem escolar em qualquer nível sem as atividades de interação humana que se manifestam, em sua grande maioria, por meio das manifestações orais. Com o intuito de incentivar debates e reflexões acerca das funções da escola, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) propuseram que a escola fosse um espaço a serviço da construção da cidadania, que junto ao governo e a sociedade, proporcionariam a formação e o amadurecimento do ser humano, além de prepará-lo 8 para situações adversas tanto nos estudos quanto no trabalho, nas relações interpessoais e no meio em que vive. Em relação aos processos de comunicação, este referencial enfatiza aspectos como: o texto enquanto objeto de ensino, o respeito às normas linguísticas que o aluno traz consigo para sala de aula, a ideia de que a escrita não é a representação da fala, dentre outros avanços qualitativos. Para assumir seu papel de inserção e inclusão social a escola deveria reconhecer que a oralidade e a escrita são modalidades igualmente importantes do uso da língua e que ambas são necessárias para o desenvolvimento da humanidade, bem como, é preciso que os educandos sejam submetidos a um determinado número de práticas linguísticas orais e escritas, pois o domínio efetivo destas práticas permitirá que eles atuem de maneira decisiva num mundo que estará avaliando-os integralmente. Algumas formas de expressão podem estigmatizar socialmente seus falantes, enquanto outras podem valorizá-los socialmente. Segundo Bortoni-Ricardo (2004), a expressão erros de português é inadequada e preconceituosa, pois são simplesmente diferenças entre variedade da língua; a usada no domínio do lar, onde predomina uma cultura de oralidade (de afeto e informalidade), e a cultura de letramento (cultivada na escola). É comum acreditar que o desenvolvimento da capacidade de expressão oral seja atribuição única da família, mas deve-se observar para as inúmeras possibilidades de aproveitamento da fala em uma sala de aula. O exercício do falar deve ser o alicerce da construção de conteúdos significativos para os alunos, pois como já dizia Paulo Freire (1993), “a leitura do mundo precede à leitura da palavra”. Este processo é bastante positivo e serve de referência ao educando, na perspectiva de desenvolver competência e habilidade para enfrentarem as solicitações impostas pelo mundo globalizado. Entretanto a realidade escolar distancia-se disto. É comum nas escolas o desejo de terminar o programa escolar, alguns professores sentemse pressionados a correr com o conteúdo, ministrando aulas unicamente expositivas e suprimindo as discussões e os debates em grupo, os quais enriqueceriam o senso crítico e o aprendizado do educando. Esta supressão da fala em sala de aula acarreta algumas consequências, tais como: dificuldades ao falar e expor suas opiniões, medo de se pronunciar perante a turma com receio de sofrer críticas pejorativas e, consequente, minimização da construção crítica da realidade e das opiniões dos alunos que ficam presos a reproduzirem os discursos dos professores. 9 De acordo com Dolz (1994), às vezes o trabalho realizado sobre argumentação escrita tem um efeito de retorno sobre a argumentação oral; embora a análise das formas de interação entre oral e escrita são diferentes em função das situações de interação e dos objetivos observados no trabalho de sala de aula (onde a alternância entre atividades orais e escritas são frequentes). No tocante ao desenvolvimento da expressão oral, didaticamente o essencial não é caracterizar o oral de modo geral e trabalhar a superfície da fala, mas conhecer diversas práticas orais de linguagem e as relações que mantêm com a escrita. Para que o oral se configure como objeto de ensino deve-se ter um esclarecimento das práticas orais de linguagem a serem trabalhadas na escola, adequando as especificidades linguísticas e os saberes práticos. O ensino do oral poderá ser estruturado como instrumento de comunicação e de aprendizagem sociocultural considerando as práticas de interação na construção das capacidades de linguagem, produzindo um efeito de carência sobre seu destinatário. Nessa perspectiva é fundamental a escolha de textos, que se diferenciem segundo o contexto, para compor o material básico no trabalho com a oralidade em sala de aula. Neste sentido, Bakhtin (1979) dá exemplos da vida cotidiana onde são encontrados facilmente materiais para a exploração da oralidade, tais como, contar uma fábula a uma criança, assistir a exposição de um professor ou uma conferência pública, apresentar as regras de um jogo a um grupo de amigos, estabelecer um diálogo para pedir informações num guichê, apresentar-se para uma entrevista profissional para obter um emprego, escutar conversas ou debates no radio ou na televisão, dentre outros. O papel da escola será levar os alunos a ultrapassarem as formas de produção oral cotidiana, confrontando-as com outras formas mais institucionalizadas que exigem antecipação e necessitam, portanto, preparação. Uma exposição oral não se improvisa, mesmo que ao longo do processo de produção aquilo que foi previamente preparado requeira uma adaptação à situação. METODOLOGIA Participantes. Previu-se inicialmente que 15 professoras participariam do estudo, educadores atuantes do Ensino Fundamental I e II da rede pública. Depois de feito o convite, apenas 10 professoras aceitaram participar. Com relação à idade das participantes, houve uma variação de 21 a 39 anos, sendo que todas se concentraram na 10 faixa etária de 20 a 39 anos. As maiores frequências encontradas, quatro, tinham entre 20 a 25 anos, três, entre 26 a 29 anos, e uma estava na faixa etária de 30 a 39 anos. No que diz respeito à experiência profissional com sala de aula, houve uma variação de um a 15 anos, sendo que nove dentre as 10 participantes concentraram-se na faixa de um a dez anos de experiência, cinco na faixa de um a três anos, e as demais na faixa de 5 a 10 anos. Em relação à formação profissional, o curso mais citado foi o de pedagogia, sendo que nove que disseram se encontram cursando e dentre estas, uma mencionou conclusão do curso de formação. Quanto aos procedimentos, foram expostas explicações e importância sobre o estudo para seus discentes. Antes da realização da mesma, foram simuladas com educadoras algumas situações que embasam a pesquisa. Tal simulação permitiu formulações identificadas como necessárias para a aprendizagem da oralidade, tal qual, sua utilização no âmbito educacional. Fez-se um pedido de autorização a diretora da escola, por meio de uma visita formal para solicitação em ingressar na escola e efetivação da pesquisa com o corpo docente escolar. CONSIDERAÇÕES FINAIS Por mais evidente que esteja à necessidade da escola mudar a sua forma de atuar e acrescer o aprendizado de seus alunos há ainda instituições que acreditam que a melhor forma dos alunos aprenderem é através da transmissão tradicionalista de conhecimentos. Contudo, hoje, já se sabe que essa não garante que haja aprendizagem. O que tem ocorrido, na maioria das vezes, é o comodismo, ausência de inovação, o confronto entre professor e aluno. Com este estudo, pode-se analisar não apenas que o trabalho pedagógico vai além do ensino de conteúdos e técnicas na sala de aula, mas também que não tivemos a pretensão de esgotar os estudos sobre letramento, aprendizagem, leitura e produção textual. Em relação à oralidade, vimos quanto ela é de suma importância para fundamentar a escrita. Vimos, também, como a escrita serve de emancipação humana, quando valorizada para resgatar as histórias de mundo, que se formam a partir de seu contexto social. É importante registrar também o fato de que os educandos demonstraram contentamento em produzir os textos orais e escritos. Podemos então, supor, que não tem ocorrido em nosso meio, um trabalho de conscientização e criticidade cidadã, o que vem a impedir uma valorização da oralidade 11 no sistema educacional. Mesmo assim, a maioria dos docentes deste estudo, manifestou vontade de encontrar formas diversificadas para utilização da prática oral e sugeriram alguns projetos. Entre outros, deram as seguintes sugestões: trabalhar a oralidade desde a pré-escola, pois não é a escrita apenas de suma importância, mas sim o que se é capaz de produzir; esforçar-se por compreender e saber de forma mais harmoniosa com os resultados apresentados pela fala; desencadear projetos no interior da escola que tratem destas questões; promover palestras e debates sobre o assunto; procurar manter sempre grupos de trabalho heterogêneos e, por último, a necessidade de capacitação regular dos educadores sobre esta problemática. Por conseguinte espera-se, que a partir destas observações possam ser elaboradas estratégias metodológicas nos cursos de formação e capacitação de professores do Ensino Fundamental para que estes possam utilizar a modalidade oral de forma sistematizada como meio de facilitar a relação ensino-aprendizagem proporcionando um acréscimo à aprendizagem e a prática da utilização em sala de aula como uma estratégia avaliativa, mas prazerosa para os demais sujeitos envolvidos no sistema educacional. Conclui-se, portanto, que toda mudança implica uma escolha entre uma trajetória metodológica e sistemática a seguir e a convicção de se aceitar desafios. As opções que fizermos dependerão, em última instância, da profundidade deste entendimento, mas também da criatividade das nossas estratégias, da coragem das nossas convicções e da orientação dos nossos valores educativos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZEVEDO, J. C. Escola Cidadã: construção coletiva e participação popular. SILVA, L. H. 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