1. INTRODUÇÃO
A realização deste trabalho foi motivada pelas inquietações surgidas no Curso de
Pedagogia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná-UNIOESTE – Campus de Cascavel,
quando, no ano de 2002, uma candidata surda foi aprovada no vestibular do referido curso,
provocando inúmeros questionamentos no Colegiado do Curso, tanto no que se referia à sua
aprovação – na medida em que questionou-se a forma de encaminhamentos da banca especial do
vestibular, a partir do trabalho de uma profissional intérprete de LIBRAS (Língua Brasileira de
Sinais) – quanto com relação aos encaminhamentos teórico-metodológicos de cada disciplina a
ser cursada pela aluna. Dessa forma, houve a preocupação de buscar subsídios, humanos,
teóricos e metodológicos para atender essa demanda nova de estudantes que surgia na
universidade: a dos alunos surdos.
Outro motivo que levou à realização deste trabalho foi que, dentre os objetivos do
Curso de Especialização em História da Educação Brasileira, em seu Projeto Político Pedagógico
(2004, p. 03), consta
a Educação
Especial
como
um
dos
elementos
a serem
pesquisados/estudados, conforme destacado abaixo:
(...) estimular pesquisadores comprometidos com a construção de uma nova sociedade,
uma sociedade verdadeiramente humana . O enfoque na educação regional se justifica
pelo fato de que a História da Educação na Região Oeste e Sudoeste do Paraná é
praticamente inexistente. Em função disso, propomos que os projetos de pesquisas
estejam voltados para a História da Educação Brasileira, preferencialmente, para a
educação regional (Região Oeste, Sudoeste e Costa Oeste do Paraná), para o
levantamento de fontes educacionais, para a história da educação regional, para a
história das instituições escolares, para a história da educação realizada por ou junto a
grupos étnicos (alemães, italianos, japoneses, poloneses....), para a educação especial,
para a educação jesuítica, história dos movimentos e lutas sociais (sem-terra, atingidos
por barragens, índios, mulheres, associações, sindicatos, partidos políticos), para a
história de educadores, etc. (grifos nossos).
Assim, no primeiro capitulo fez-se um relato da temática, objetivando contextualizar
historicamente a educação dos surdos no Brasil, no Paraná e na região Oeste do Paraná, mais
especificamente no município de Cascavel. Posteriormente, buscou-se subsídios para
fundamentar o relato sobre o surgimento da primeira escola especializada para atender alunos
surdos de Cascavel e seu entorno regional. Inicialmente, essa escola não possuía caráter
eminentemente educacional, era
um centro de reabilitação oral, denominada Centro de
Reabilitação Tia Amélia, mantido pela ACAS – Associação Cascavelense de Amigos de Surdos,
mas que sempre foi conhecido como “escola da ACAS”.
Na escola da ACAS, num primeiro momento, acreditava-se que o processo de
aprendizagem dos surdos se daria através da oralidade, posteriormente pela comunicação total e
1
uma última vertente trazia a proposta do bilingüísmo. A discussão sobre as referidas filosofias
propostas pelos teóricos, não acontecia de forma isolada, ela se dava em o todo país; entretanto,
pesquisou-se especificamente a transição da filosofia oralista para a bilingüe e sua repercussão
no município de Cascavel, Paraná, na escola da ACAS, no período de 1993 a 1997.
A vivência das propostas citadas anteriormente, foram consideradas essenciais pelos
educadores da referida escola, para seu amadurecimento teórico-metodológico e posterior opção
pelo bilingüísmo, proposta que vigora até os dias atuais.
Para compreender como se deu esse processo, especialmente a transição da
abordagem oralista para a bilingüe, na escola da ACAS, este trabalho foi efetivado.
O segundo capitulo aborda aspectos gerais da educação de surdos, no Brasil, no
Paraná e o surgimento da escola de educação de surdos em Cascavel, região oeste do Paraná,
motivada pela necessidade evidenciada pelos pais de crianças surdas que, para proporcionarem
educação formal a seus filhos, eram obrigados a levá-los para outras cidades como Londrina, ou
Curitiba.
No terceiro capítulo serão explicitadas as definições e conceitos dos termos “língua”
e “linguagem”; as três principais filosofias educacionais para surdos: Oralismo, Comunicação
Total e o Bilingüísmo na concepção de alguns autores, como: Soares, 1999; Ciccone, 1996;
Goldfeld, 1997; Sckliar, 1998, Quadros, 1997, Vigotski, 1989 entre outros, mostrando a
importância destas filosofias nos estudos sobre surdez, pois a forma utilizada historicamente
para educar os surdos – o Oralismo, a Língua de Sinais, o Bilingüismo, a Comunicação Total –
tem sido denominada pelos estudiosos da área de diferentes maneiras: ora como filosofia (por
autores como Quadros (1997), Goldfeld (1997), Danesi (2001), ora como método (Soares, 1999),
ora como abordagem (Skliar,1998), embora a tendência mais freqüente seja o uso da
terminologia filosofia. Assim, optamos neste trabalho, pela terminologia “filosofia”.
A Língua de Sinais será relatada no capítulo quatro, pois considera-se que o cerne da
questão reside nela e na importância do intérprete nesse processo, portanto existem várias
facetas dessa temática ainda a serem pesquisadas.
O capítulo cinco trata especificamente da transição da filosofia oralista para a
bilingüe na escola da ACAS, tendo em vista a insatisfação dos surdos e dos profissionais da
referida escola com relação aos encaminhamentos teórico-metodológicos que fundamentavam o
trabalho até então.
O tema do capítulo seis é a pesquisa de campo a qual foi desenvolvida a partir dos
resultados das entrevistas com diretores, professores e egressos da escola da ACAS. Neste
2
capítulo procuramos analisar os diferentes discursos, subsidiados pelos fundamentos teóricos
que nortearam este trabalho, buscando explicitar também, os sentimentos, as experiências de
vida e o processo educacional por que passaram os alunos surdos egressos da escola acima
citada e que nela estudaram no período de 1993 a 1997.
Este trabalho não pretende esgotar a temática central que é a educação dos surdos,
mas objetiva servir de instrumento para conduzir o pesquisador a refletir e a instigá-lo a futuras
pesquisas na área, no município de Cascavel e região oeste do Paraná.
3
2. EDUCAÇÃO DE SURDOS: ASPECTOS GERAIS
Conhecer a história, bem como as filosofias educacionais para surdos, é o primeiro
passo para iniciar um estudo mais aprofundado sobre o assunto. A história também pode servir
de base para analisar as conseqüências de cada filosofia no desenvolvimento da linguagem e no
desenvolvimento cognitivo e social dos surdos.
No decorrer da história, a imagem que a sociedade tinha sobre os surdos, na maioria
das vezes apresentava aspectos negativos, porque o tio de organização produtiva não permitia
que estes fossem inseridos na sociedade e esta não havia produzido condições para inseri-los
para que pudessem sobreviver, “Na antiguidade, os surdos foram percebidos de formas variadas:
com piedade e compaixão, como pessoas castigadas pelos deuses ou como pessoas enfeitiçadas,
e por isso eram abandonadas ou sacrificadas” (GOLDFELD, 1997, p. 24).
A educação dos surdos data de cerca de 400 anos, sendo que nos seus primórdios
havia pouca compreensão da psicologia dessa condição, e os indivíduos com deficiência eram
colocados em asilos. A surdez, e a conseqüente mudez, eram confundidas com uma inferioridade
de inteligência. A falta da linguagem implicou profundamente no desenvolvimento psico-social
dos surdos. Até mesmo na bíblia pode-se perceber uma posição negativa em relação à surdez,
conforme Sacks (1989, P. 31), “A condição sub-humana dos mudos era parte do código mosaico
e foi reforçada pela exaltação bíblica da voz e do ouvido como a única e verdadeira maneira pela
qual o homem e Deus podiam se falar (‘no princípio era o verbo’)”. No entanto, com o passar do
tempo a pessoa com deficiência auditiva pôde aprender a se comunicar utilizando a língua dos
sinais, ou a própria língua falada.
Os primeiros educadores de surdos surgiram na Europa, no século XVI, criando
diferentes metodologias de ensino, nas quais se utilizava a língua auditiva-oral nativa, língua de
sinais, datilologia (representação manual do alfabeto) e outros códigos visuais, podendo ou não
associar estes diferentes meios de comunicação. Houve assim, desde então, uma certa “disputa”
na predominância das diferentes abordagens – línguas oralistas ou de sinais – na educação dos
surdos, explicitada por Bueno (1993, p. 64),
No âmbito da educação da criança surda, a querela entre Pereira, L´Epée e Deschamps é
uma excelente ilustração dessa negligência, na medida em que foi quase que
exclusivamente tratada como uma disputa entre defensores de “métodos de ensino
especial” (oralismo versus gestualismo), sem que se explicitasse os determinantes que
subjaziam a essa disputa.
Dentre os educadores anteriormente citados, está Jacob Rodriguez Pereira, que
4
nasceu em 1715, em Berlanga, na Espanha e foi o educador de sua própria irmã, que era surda.
Na Academia de Bordéus, recebeu informações sobre a obra de Bonet, Wallis entre outros. Em
1744, em Paris, continuou seus trabalhos com crianças surdas, fazendo apresentações públicas
sobre eles, recebendo assim, pensão do rei Luiz XV. Pereira educou de 1744 a 1780, vindo a
falecer neste ano. A metodologia adotada se baseava na desmutização através da vista e do tato,
para em seguida ensinar noções de gramática.1
O Abade de Deschamps, nasceu em Orleans, em 1745; era capelão da Igreja de Santa
Cruz de Orleans e em 1778, em sua casa, atendia crianças surdas, tanto as que podiam pagar ou
não o atendimento. Defendia a desmutização da criança surda e apresentou seu método à Real
Sociedade de Medicina, sendo considerado de muita importância. No entanto, não conseguiu
ajuda real, tendo que encerrar suas atividades. Faleceu em 1791 em Paris, sem sua escola ter
sido reconhecida.2
O Abade de L´Epée, nasceu em 1712, na França; em 1760 iniciou seu trabalho com
crianças surdas, motivado pelo modo com que duas irmãs gêmeas, surdas, se comunicavam
entre si. Estudou os gestos e criou outros, os quais chamou de Signos Metódicos. Transformou
sua casa em escola para surdos. Atendia em regime de internato os surdos pobres e
de
externato, os surdos ricos. L´Epée conseguiu junto à Corte Real, pensão e salas de aula no
Convento dos Celestinos para ensinar os surdos. Em 1789 faleceu e no ano de 1791 sua escola
foi reconhecida.3
Dessa “disputa” saiu vencedor o Abade de L´Epée, defensor do gestualismo, pois
sua escola que já recebia subvenção real foi também reconhecida pelos revolucionários de 1789,
que a promoveram à classe de Instituto Nacional.
Pereira não possuía escola; no entanto, recebia pensão como preceptor, mas seu
trabalho não teve continuidade após sua morte. Já Deschamamps, tinha escola com
reconhecimento científico, mas não recebia pensão oficial, por esse motivo teve que fechar suas
portas.
O sucesso de L´Epée se justifica, tendo em vista o baixo resultado obtido pelo
método oral de Pereira e Deschamamps e também pelo precário conhecimento que se tinha sobre
a relação entre linguagem e surdez e também por ter divulgado e defendido amplamente seu
método.
Sendo assim, Quirós e Gueler (1966, p. 290 apud SILVEIRA BUENO, 1993, p. 65),
1
2
3
Fonte: In: SILVEIRA BUENO, 1993, P. 64; Cf. QUIRÓS E GUELER, 1966.
Fonte: In: SILVEIRA BUENO, 1993, P. 65; Cf. QUIRÓS E GUELER, 1966.
Fonte: In: SILVEIRA BUENO, 1993, P. 65; Cf. QUIRÓS E GUELER, 1966.
5
afirma que após a Revolução, em 1791, a Assembléia Constituinte reconheceu
(...) o nome do Abade de L´Epée entre os cidadãos que melhor têm merecido o
reconhecimento da humanidade e da pátria, elevando a escola por ele criada ao nível de
Instituto Nacional, a primeira escola pública de surdos do mundo.
A partir do século XVIII, a língua dos sinais passou a ser mais difundida, alcançando
grande êxito do ponto de vista qualitativo e quantitativo e permitindo, que alguns surdos
conquistassem sua cidadania, segundo Sacks.
Esse período que agora parece uma espécie de época áurea na história dos surdos
testemunhou a rápida criação de escolas para surdos, de um modo geral dirigidos por
professores surdos, em todo o mundo civilizado, a saída dos surdos da negligência e da
obscuridade, sua emancipação e cidadania, a rápida conquista de posições de eminência
e responsabilidade – escritores surdos, engenheiros surdos, filósofos surdos, intelectuais
surdos, antes inconcebíveis, tornaram-se subitamente possíveis (SACKS, 1989, p. 37).
Com os avanços tecnológicos que facilitaram o aprendizado da fala pelo surdo, o
oralismo começou a ganhar força a partir da segunda metade do século XIX, em prejuízo da
língua de sinais, que acabou sendo proibida. A filosofia oralista baseou-se na crença de que a
modalidade oral da língua, é a única forma de comunicação para o surdo, e que, qualquer forma
de gesticulação deveria ser evitada.
Soares define oralismo como
Oralismo, ou método oral, é o processo pelo qual se pretende capacitar o surdo na
compreensão e na produção de linguagem oral e que parte do princípio de que o
indivíduo surdo, mesmo não possuindo o nível de audição para receber os sons da fala,
pode se constituir em interlocutor por meio da linguagem oral. (SOARES, 1999, p. 01).
Na década de 60 do século XX, a língua dos sinais tornou a ressurgir associada à
forma oral, com o aparecimento de novas correntes, como a Comunicação Total e, mais
recentemente, o Bilingüismo.
Para Ciccone, a Comunicação Total
(...) é uma proposta educacional, cujos critérios básicos se constroem a partir de uma
visão do surdo como pessoa, em quem não se pode isolar uma privação sensorial; a
partir de uma conceituação de pessoa-que-não-ouve como portador de uma diferença; a
partir de um entendimento do surdo como alguém que, como tal, será aceito e, portanto,
respeitado em suas necessidades e capacidades.(CICCONE, 1996, p. 07).
A Comunicação Total também defende a utilização de todos os recursos lingüísticos,
orais ou visuais, simultaneamente, privilegiando a comunicação, e não apenas a língua. De
6
acordo com Denton (1976, p. 04, apud Freeman, Carbin, Boese, 1999, p. 171), a definição
freqüentemente citada é a seguinte:
A Comunicação Total implica em que a criança com surdez congênita seja introduzida
precocemente em um sistema de símbolos expressivos e receptivos, os quais ela
aprenderá a manipular livremente e por meio dos quais poderá abstrair significados ao
interagir irrestritamente com outras pessoas. A Comunicação Total inclui todo o
espectro dos modos lingüísticos: gestos criados pelas crianças, língua de sinais, fala,
leitura orofacial, alfabeto manual, leitura e escrita. A Comunicação Total incorpora o
desenvolvimento de quaisquer restos de audição para a melhoria das habilidades de fala
ou de leitura orofacial, através de uso constante, por um longo período de tempo, de
aparelhos auditivos individuais e/ou sistemas de alta fidelidade para amplificação em
grupo.
Já o Bilingüismo defende que o surdo deve aprender a língua de sinais como língua
materna, com a qual poderá desenvolver-se e comunicar-se com os surdos, e a língua oficial de
seu país como segunda língua (na modalidade oral ou escrita).
Goldfeld (1997, p. 39), caracteriza o Bilingüismo da seguinte forma:
O Bilingüismo tem como pressuposto básico que o surdo deve ser Bilíngüe, ou seja deve
adquirir como língua materna a língua de sinais, que é considerada a língua natural dos
surdos e, como segunda língua, a língua oficial de seu país (...) os autores ligados ao
Bilingüísmo percebem o surdo de forma bastante diferente dos autores oralistas e da
Comunicação Total. Para os bilingüistas, o surdo não precisa almejar uma vida
semelhante ao ouvinte, podendo assumir e aceitar sua surdez.
Como a organização das demais minorias em âmbito mundial para, minimamente,
poderem garantir seus direitos de cidadãs, as pessoas com deficiência passaram a apresentar suas
reivindicações que, no caso dos surdos, são: respeito à língua de sinais; ensino de qualidade;
acesso aos meios de comunicação (legendas e uso do TDD 4) e serviços de intérpretes, entre
outras.
Estudos sobre Surdez, Linguagem e Educação, já no final do Século XX, mostram
ainda que os surdos assumiram a direção da única Universidade para Surdos do Mundo
(Gallaudet University Library - Washington - EUA) e passaram a divulgar a Filosofia da
Comunicação Total. Mais recentemente, os avanços nas pesquisas sobre as línguas de sinais,
preconizam o acesso da criança surda, o mais precocemente possível, a duas línguas: à língua de
sinais e à língua oral de seu país, na perspectiva de uma filosofia de educação bilíngüe.
4Telefone legendado para surdo, ou seja, adaptado. Ou ligar para o número 1402, para que mantenha conversa simultaneamente com outro
interlocutor, tenha ele TDD ou não.
7
2.1 A educação de surdos no Brasil
A primeira escola para educação de surdos no Brasil, teve início em 1857, no Rio de
Janeiro e o principal personagem da história dos surdos em nosso país, não é um brasileiro e sim
um francês. Hernest Huet nasceu em 1822 e aos 12 anos ficou surdo. Sua família pertencia à
nobreza daquele país. Huet se formou professor e emigrou para o Brasil em 1855. Em 1857, o
professor francês Hernest Huet (surdo e partidário de L'Epée, que usava o Método Combinado,
ou seja, língua de sinais - já conhecida pelos alunos - e o ensino da fala), a convite de D. Pedro
II, foi convidado para fundar a primeira escola para meninos surdos de nosso país: o Instituto
Imperial de Surdos-Mudos, segundo documentação encontrada no próprio Instituto; Maria Luíza
S. Ribeiro (1986) situa essa criação como sendo em 1885. Hoje, o Instituto Nacional de
Educação de Surdos (INES) é mantido pelo Governo Federal, atendendo em seu Colégio de
Aplicação, crianças, jovens e adultos surdos, de ambos os sexos.
O Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), começou alfabetizando sete
crianças com o mesmo método do abade de L'Epée: a língua de sinais. Essa foi a primeira escola
a aplicar a língua de sinais como metodologia de ensino. Assim como na França, a educação por
meio da língua de sinais, no Brasil, deixou de se desenvolver a partir do Congresso de Milão 5,
porque no dia 11 de setembro de 1880, os participantes desse Congresso decidiram, por 160
votos contra 4, a favor da exclusividade dos métodos oralistas na educação dos surdos.
Embora a influência do oralismo fosse forte, os surdos brasileiros buscaram outras
alternativas para se comunicarem, como por exemplo, a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS),
criada e instituída no Brasil a partir da Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Organizaram-se
ainda, em Associações, para viverem sua cultura. As associações são lugares onde há uma rica
convivência de surdos, com troca de experiências, atividades de lazer, esporte e, principalmente,
o fortalecimento de sua identidade.
Neste sentido Widell (1992, p. 21), afirma:
(...) é graças à socialização terciária na associação dos surdos-mudos que a comunidade
surda aprendeu a ascender socialmente no emprego. Era na associação que as soluções
para problemas como afrontas, sindicatos, operários, etc. , eram discutidos.
No passado, os surdos eram considerados incapazes de ser ensinados, por isso eles
5Congresso de Milão: O Congresso de Milão, realizado em 11 de setembro de 1880, considerou a superioridade do método Oral Puro em relação
ao ensino que combinava fala e gesto para o desenvolvimento da linguagem do surdo e declarou : (...) o meio mais natural e efetivo pelo qual o
surdo que fala adquire o conhecimento da linguagem é o método “intuitivo”, que consiste em expor, primeiro pela fala, e depois pela escrita, os
objetos e os fatos que ocorrem diante dos olhos dos alunos . (International Congress of The Educacion of The Deaf, 1880, p. 05) In: SOARES,
(1999, p. 45).
8
não freqüentavam escolas. As pessoas surdas, principalmente as que não falavam, eram
excluídas da sociedade, sendo proibidas de casar, possuir ou herdar bens e viver como as demais
pessoas. Assim, privadas de seus direitos básicos, ficavam com a própria sobrevivência
comprometida.
No final do século XV onde não havia escolas especializadas para surdos. Pessoas
ouvintes tentaram ensinar aos surdos, como Girolamo Cardano, um italiano que utilizava sinais e
linguagem escrita. Pedro Ponce de Leon, um monge beneditino espanhol, utilizava além de
sinais, treinamento da voz e leitura dos lábios.
Nos séculos seguintes, alguns professores dedicaram-se à educação dos surdos. Entre
eles, destacaram-se Ivan Pablo Bonet (Espanha), Abbé Charles Michel de L'Epée (França),
Samuel Heinicke e Moritz Hill (Alemanha), Alexandre Gran Bell (Canadá e EUA)- Ovide
Decroly (Bélgica).
Esses professores divergiam quanto ao método mais indicado para ser adotado no
ensino dos surdos. Uns acreditavam que o ensino deveria priorizar a língua falada (Método Oral
Puro) e outros, que se deveria utilizar a língua de sinais - já conhecida pelos alunos - e o ensino
da fala (Método Combinado).
Em 1880, conforme anteriormente mencionado, chegou-se à conclusão de que todos
os surdos deveriam ser ensinados pelo Método Oral Puro.
A.J. de Moura e Silva, um professor do INES, viajou para o Instituto Francês de
Surdos (1896), a pedido do governo brasileiro, para avaliar a decisão do Congresso de Milão e
concluiu que o Método Oral Puro não se prestava para todos os surdos.
No século XX, houve ampliação do número de escolas para surdos em todo o
mundo. No Brasil, surgiram o Instituto Santa Terezinha para meninas surdas (SP), a Escola
Concórdia (Porto Alegre - RS), a Escola de Surdos de Vitória/ES, o Centro de Audição e
Linguagem “Ludovico Pavoni” - CEAL/LP - em Brasília-DF e várias outras instituições que,
assim como INES e a maioria das escolas de surdos do mundo, passaram a adotar o Método
Oral.
No Brasil, nos anos 90 do século XX, as Secretarias Estaduais e Municipais de
Educação passaram a coordenar o ensino das crianças com necessidades especiais (inicialmente
denominadas portadoras de deficiências) e surgiram as Salas de Recursos e os CAEDAs (Centro
de Atendimento Especializado para alunos com Deficiência Auditiva para surdos), além de
algumas Escolas Especiais, mantidas tanto com recursos públicos como privados.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a LDB nº 9394, de 1996, assegurou que a
9
criança com algum tipo de deficiência, pode e deve estudar em classes comuns desde que
observadas suas necessidades específicas.
Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de
educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para
educandos portadores de necessidades especiais.
§ 1º. Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para
atender às peculiaridades da clientela de educação especial.
§ 2º. O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços
especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for
possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular.
§ 3º. A oferta de educação especial, dever constitucional do Estado, tem início na faixa
etária de zero a seis anos, durante a educação infantil.
Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais:
I - currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para
atender às suas necessidades;
II - terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a
conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para
concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados;
III - professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para
atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a
integração desses educandos nas classes comuns;
IV - educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em
sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de
inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins,
bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística,
intelectual ou psicomotora;
V - acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis
para o respectivo nível do ensino regular.
A realidade brasileira é muito diferente da realidade de outros países e faz muito
pouco tempo que a visão sócio-antropológica da surdez, ou seja, apresenta uma ideologia
diferente da visão clínica da surdez, aborda o modelo social, cultural e antropológico da surdez e
aprofunda os conceitos de bilingüismo e biculturalismo, dessa forma, passou a ser discutida
academicamente.
Segundo Carlos Skliar (1998, p. 68),
o surdo é um ser sociolingüístico diferente, pertencente a uma comunidade lingüística
minoritária caracterizada por compartilhar o uso da Língua de Sinais e valores culturais,
hábitos e modos de socialização. A Língua de Sinais é um elemento aglutinante e
identificatório dos surdos, constituindo seu modo de apropriação com o mundo, o meio
de construção de sua identidade, sendo através dela que o surdo põe em funcionamento a
faculdade da linguagem, inerente à sua condição humana.
Certamente ainda vamos enfrentar muitos desafios, antes de termos uma proposta
brasileira sobre o bilingüismo, que permita aos profissionais um bom trabalho e às pessoas
surdas melhores condições de aprendizado, de participação e, sobretudo, que respeite mais o
contexto individual e cultural do surdo.
10
No entanto, é essencial lembrar que a educação de Surdos no Brasil, foi influenciada
pelas metodologias que surgiram nos séculos XVI a XIX. O Brasil conta com várias escolas e
classes especiais, salas de recursos, ou seja espaços educacionais para surdos dentro de Escolas
Regulares e escolas inclusivas para surdos, a fim de garantir o atendimento desses alunos,
matriculados nas diferentes escolas brasileiras.
Historicamente, segundo Soares (1999, p. 48),
A educação do surdo voltou-se mais ao desenvolvimento da comunicação do que à
transmissão de conhecimentos, situando-se no âmbito da caridade e filantropia,
desvinculada da educação como direito de liberdade e igualdade. Manteve assim o
estereótipo da incapacidade de aprender por não ouvir.
No Brasil, a maioria dos surdos que tem acesso à escola e atendimento especializado,
tem sido trabalhada por meio de filosofias que visam a comunicação oral. Muitas crianças
apresentam bons resultados com esta filosofia; outras, devido à perda auditiva profunda, a
dificuldades próprias e/ou familiares, ou ainda pelo contexto em que se inserem, não conseguem
o mesmo aproveitamento do conhecimento escolar.
De acordo com dados do Censo Escolar do MEC (BRASIL, 2001), até 1999 os
surdos eram 12,8% dos alunos com necessidades especiais matriculados. A grande maioria
(31.825 de um total de 47.810) estava no ensino fundamental. Apenas 899 tinham chegado ao
ensino médio. A pré-escola, essencial para o desenvolvimento da criança com deficiência
auditiva, contava com apenas 6.618 alunos matriculados. Tais números mostram o insucesso
escolar do aluno com deficiência auditiva no sistema mantido até então, apesar dos recursos
disponíveis: ensino itinerante, sala de recursos e classe especial.
2.2 Educação de surdos no Paraná
Para compreender as transformações na Educação de Surdos nestes últimos 50 anos e
11
o surgimento das escolas no estado do Paraná, é necessário resgatar um pouco do histórico da
educação dos surdos e do seu atendimento educacional nesse Estado, que acabou por refletir o
momento histórico por que passava a educação dos Surdos no mundo.
Nas décadas de 50 e 60, no Paraná, a surdez era vista como doença,devido à ausência
de trabalhos e pesquisas científicas desenvolvidas na área educacional sobre essa temática. O
atendimento era basicamente filantrópico e assistencialista. Os surdos eram entregues pelas
famílias às instituições localizadas em Curitiba ou no interior do estado e cabia ao estado a
manutenção desses internatos, até que os surdos estivessem aptos a retornar para o convívio
familiar o que, constantemente, ocorria no início da idade adulta.
Não havia por parte das instituições, a preocupação com a formação educacional ou
profissional dessas pessoas, uma vez que não eram vistas como cidadãs produtivas, com
possibilidades reais de se integrarem à sociedade.
Nas décadas de 70 e 80, a surdez era considerada como deficiência. A preocupação
ficava em torno de resgatar os surdos do anonimato e trazê-los ao convívio social como pessoas
com direitos que mereciam a atenção de toda a sociedade, inclusive dos órgãos governamentais.
Com isto, ocorreu a ampliação do atendimento especializado em todos os municípios do estado.
Com as campanhas de prevenção e identificação de graus de surdez, muitos alunos surdos foram
avaliados e encaminhados a classes especiais6 em escolas públicas. É importante observar que
as Classes Especiais que atualmente são exclusivas para atendimento à área da deficiência
mental eram, inicialmente também para atendimento a outras áreas de deficiência. Nos grandes
centros urbanos foi estimulada a criação de instituições especializadas, particulares.
A educação de surdos se caracterizou neste período, pelo predomínio de modelos
clínicos, nos quais, em detrimento dos objetivos educacionais, estavam os objetivos de
reabilitação, persistindo a aplicação da filosofia/método oralista, ficando assim a proposta
educacional direcionada somente para a reabilitação da fala. Apesar dos esforços, ocorreu um
desequilíbrio provocado pela falta de escolarização dos alunos surdos, apesar de terem recebido
muitos anos de atendimento educacional e a reabilitação da oralização. Dessa forma, houve a
ausência de comunicação sistematizada entre os Surdos, seja oral, escrita ou sinalizada.
6A Classe Especial é um serviço especializado, em escola de ensino regular, para alunos que apresentam casos
graves de deficiência mental ou múltipla. É realizado um trabalho pedagógico específico e individualizado em 200
dias letivos e 800 horas aula/ano. O máximo é de 10 alunos por classe. Os professores são habilitados ou
especializados na área de Deficiência Mental. Cada sala de aula conta com equipamentos e recursos pedagógicos
adequados às necessidades educacionais especiais dos alunos atendidos. Para ingressar nas classes especiais, os
alunos, a partir de 0 ano, são avaliados por professores especializados, equipe técnico-pedagógica e equipe
multidisciplinar. Os alunos recebem avaliação contínua, tendo acompanhamento constante do desenvolvimento
educacional. (PARANÁ/SEED/DEE, 2005, 16)
12
A discussão sobre a educação de surdos, geralmente situava-se fora da conjuntura
geral da educação, faltando conhecimentos e pesquisas nesta área, já que o conhecimento era
fragmentado e sem reflexão. Os surdos eram vistos como deficientes, sendo poupados dos
conteúdos escolares mais complexos; eram “empurrados” de uma série para outra e também
foram proibidos de compartilhar uma língua comum; muitas vezes eram tratados como pessoas
com deficiência mental.
No Estado do Paraná, segundo a SEED/DEE (2000, p. 16), a primeira classe especial
para surdos foi criada pela professora Nydia Moreira Garcez, em Curitiba, e era de caráter
experimental, tendo como público-alvo, meninas surdas. O atendimento buscava desenvolver a
linguagem oral e escrita, assim como o preparo para tarefas domésticas e formação religiosa. A
partir desta escola, foi estruturada a Escola Epheta, e em junho de 1953, foi criado o Instituto de
Recuperação de Surdos-Mudos do Paraná, subordinado ao Departamento de Serviço Social da
Secretaria do Trabalho e Assistência Social, e mais tarde passou a ser o Instituto do Menor Surdo
do Paraná, com o objetivo de atender crianças surdas de ambos os sexos, em regime de internato,
semi-internato e externato.
Em 1959, a partir de iniciativa da Igreja Católica, foi criado na região Norte do
Paraná, o Instituto Londrinense de Educação de Surdos (ILES).
Foi a partir da Escola Epheta, do Centro de Reabilitação Alcindo Fanaya e do
Instituto Londrinense de Educação de Surdos, que se iniciou realmente, o processo de educação
dos surdos do Estado do Paraná.
Na década de 1970, a Associação de Pais e Amigos dos Surdos (APAS), de Curitiba,
cria uma escola visando o atendimento de adolescentes e adultos, sendo a primeira escola do
Paraná a utilizar linguagem gestual e datilologia, o que mais tarde foi implementado pela
Comunicação Total.
Atualmente o Estado do Paraná conta com atendimento especializado nas redes
pública e particular de ensino, visando ao atendimento de alunos com necessidades educacionais
especiais nas áreas das Deficiências Mental, Visual, Física, Auditiva, de Condutas típicas de
quadros neurológicos, psiquiátricos ou psicológicos graves e Altas Habilidades, compreendendo:
7
7
•
Salas de Recursos – 552
•
Programas de escolaridade regular com atendimento especializado (PERAE) – 13
Fonte: Dados de arquivo
PARANÁ/SEED/DEE, 2004.
13
•
Centros de atendimento especializado – 377
•
Professores de apoio permanente – 10
•
Profissionais intérpretes – 79
•
Instrutores surdos – 40
•
Classes Especiais – 1064
•
Escolas Especiais – 361
Quanto à inclusão escolar de alunos com deficiência nas escolas regulares, o
Ministério da Educação e a Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED),
(...) estão divergindo quanto ao número de alunos com deficiência inscritos nas escolas.
A base estatística é a mesma: o censo escolar de 2004. O problema está na interpretação
de ambos para os mesmos números, pois as estatísticas do governo federal apontam que
dos 63.303 alunos com deficiência no Paraná, apenas 14.012 estão matriculados em
turmas convencionais. Para o MEC, o Estado tem apenas 22% desses alunos incluídos
em salas de aulas regulares, enquanto a média nacional é de 34,4%. Já para a SEED, o
índice no estado é de 38,6%, acima do nível nacional. O que diverge é a concepção de
inclusão escolar. A SEED não considera os alunos que freqüentam escolas normais, mas
estão em classes especiais; e o Ministério em contrapartida só considera os alunos
matriculados em turmas comuns, junto a outros estudantes.
(Gazeta do Povo,
02/06/2005).
2.3 O surgimento da escola de educação de surdos em Cascavel – Paraná
Em Cascavel, município com cerca de 280 mil habitantes, situado na região Oeste do
Paraná, a Educação de Surdos foi iniciada com uma campanha feita pelos pais das crianças
surdas, objetivando educar e proporcionar meios adequados à educação de seus filhos surdos.
O movimento também teve amplo apoio da Escola Epheta de Curitiba, que enviou
um grupo de pessoas com experiência na organização desse tipo de atividade, para auxiliar os
pais das crianças surdas de Cascavel a criar um local apropriado para a educação e orientação
dessas crianças.
Desse modo, em novembro de 1975, foi criada a Associação Cascavelense de
Amigos dos Surdos (ACAS), que posteriormente passa a ser a mantenedora do Centro de
Reabilitação Tia Amélia, considerada a “escola da ACAS”, conforme veremos na seqüência. Em
1976, foi iniciado o primeiro CAEDA (Centro de Atendimento Especializado para Deficientes
Auditivos) - funcionando no Colégio Estadual Washington Luís, permanecendo neste Colégio
até meados de 1978.
14
Nesse período, as mães de crianças surdas e professores, iam em busca de outras
crianças na mesma condição (surdez) para ampliar o número de alunos e para estender o
atendimento a outras crianças surdas que necessitavam ser educadas. Em decorrência deste
trabalho, houve um aumento da demanda e a necessidade de ampliar as salas de aula. Foi assim
então, que foi criado o Centro de Reabilitação “Tia Amélia”, que passou a funcionar em uma
casa cedida pela Igreja Presbiteriana.
A partir de 1985, o Centro de Reabilitação Tia Amélia passou a ser administrado
pelas Irmãs da Pequena Missão para Surdos, as quais, junto com a ACAS, os pais, a comunidade,
e através de convênios com órgãos governamentais, doações de entidades da Itália e da
Alemanha, construíram o prédio próprio, que foi inaugurado em 02 de dezembro de 1988, na rua
Rio de Janeiro, 1206, em Cascavel, no Estado do Paraná. Hoje, a ACAS atende a
aproximadamente 140 alunos, sem limite de idade, dos quais, trinta alunos em período integral.
Ao longo de sua história, a ACAS (Associação Cascavelense dos Amigos dos
Surdos) passou por diferentes adequações; inicialmente, a criação do Centro de Reabilitação “Tia
Amélia” que se deu em 24/10/1977, pela Resolução 1.941/77 – fundamentada pela filosofia
oralista, numa abordagem
clínica, com a crença de que o surdo poderia falar através do
treinamento da fala e da audição, de forma a possibilitar-lhe a freqüentar a escola comum, junto
com crianças ouvintes.
Com o passar dos anos, a constatação do fracasso escolar, principalmente das
crianças surdas profundas, ou com algum outro comprometimento associado e da necessidade de
se oferecer escolarização para essas crianças, solicitou-se ao Estado o funcionamento do ensino
das quatro primeiras séries do Ensino Fundamental, alterando assim, o nome da escola para –
Escola do Centro de Reabilitação “Tia Amélia”, autorizada a funcionar através da Resolução nº
901/91, iniciando o ano letivo em 1991.
Com a criação do ensino de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental, houve ampliação
da demanda de alunos, e também um avanço significativo no aprendizado dos surdos. No
entanto, os problemas continuaram com os alunos da 5ª a 8ª séries do Ensino Fundamental. Eles
eram encaminhados
para as escolas regulares e por falta de estrutura adequada, ou seja,
professores capacitados em Língua de Sinais, acabavam evadindo-se das escolas. Sendo assim, a
Escola da ACAS novamente solicitou autorização de funcionamento para o ensino das quatro
séries finais do Ensino Fundamental, a qual foi autorizada pelo Estado, através da Resolução nº
104/99 para funcionar a partir do ano letivo de 1999.
Com a mudança da filosofia Oralista para a Bilingüe, e respondendo aos anseios dos
surdos, foi solicitado ao Conselho Estadual de Educação, a alteração da nomenclatura de Centro
15
de Reabilitação, para Escola da ACAS – Educação Infantil e Ensino Fundamental para Surdos.
E isto se concretizou pela Resolução nº 4005/02, a partir do ano letivo de 2002. O significado
dessa alteração expressa-se no medida em que deixa-se uma abordagem clinica, reabilitadora, na
educação dos surdos, em direção a outra, com caráter eminentemente pedagógico.
3.
EDUCAÇÃO
DE
SURDOS:
ORALISMO,
COMUNICAÇÃO
TOTAL
E
16
BILINGÜÍSMO
Antes de iniciar esta discussão, torna-se essencial esclarecer os termos "língua" e
"linguagem". Saussure (1991, apud Goldfeld, 1997, p. 15-16), afirma que,
A linguagem é formada pela língua e pela fala. A língua é tida como um sistema de
regras abstratas composto por elementos significativos inter-relacionados. Este sistema
é auto-suficiente, é um todo em sí, e seus elementos devem ser estudados pelas suas
oposições. (...) a língua é o aspecto social 8 da linguagem, já que é compartilhada por
todos os falantes de uma comunidade linguística e foi considerada pelo autor o objeto de
estudos da Lingüística. A fala, (...), é o aspecto individual da linguagem, são as
características pessoais que os falantes imprimem na sua linguagem.
Goldfeld (1997, p.16), afirma “que a linguagem está sempre presente no sujeito, até
quando este não está se comunicando com outras pessoas; assim ela constitui o sujeito, a forma
como este recorta e percebe o mundo e a si próprio”.
Quadros (1997, 7-11), define “língua” e “linguagem” respectivamente da seguinte
forma:
Língua: É uma sistema de signos compartilhado por uma comunidade lingüística
comum. A fala ou os sinais são expressões de diferentes línguas. A língua é um fato
social, ou seja, um sistema coletivo de uma determinada comunidade linguüística. A
língua é a expressão lingüística que é tecida em meio a trocas sociais, culturais e
políticas. As línguas naturais apresentam propriedades específicas da espécie humana.
As línguas naturais apresentam propriedades específicas da espécie humana: são
recursivas (a partir de um número reduzido de regras, produz-se um número infinito de
frases possíveis), são criativas (ou seja, independentes de estímulo), dispõem de uma
multiplicidade de funções (função argumentativa, função poética, função conotativa,
função informativa, função persuasiva, função emotiva, etc.) e apresentam dupla
articulação (as unidades são decomponíveis e apresentam forma e significado).
Linguagem: É utilizado num sentido mais abstrato do que língua, ou seja, refere ao
conhecimento interno dos falantes-ouvintes de uma língua. Também pode ser entendida
num sentido mais amplo, ou seja, incluindo qualquer tipo de manifestação de intenção
comunicativa, como por exemplo a linguagem animal e todas as formas que o próprio
ser humano utiliza para comunicar e expressar idéias e sentimentos além da expressão
lingüística (expressões corporais, mímica, gestos, etc.).
Apesar de este tema - Educação de Surdos: Oralismo, Comunicação Total e
Bilingüísmo não ter como objetivo desenvolver um estudo aprofundado de tais questões, e
pretender compreender qual o atendimento educacional mais adequado aos surdos – percebe-se
nas pesquisas que as instituições escolares ainda estão, em sua maioria, engajadas numa prática
na qual a oralidade é tida como o principal foco de seu desenvolvimento.
Sendo assim, no Brasil, e também na Escola da ACAS, até então o método oral para
8
O termo utilizado por Saussure se refere apenas à condição de a língua ser compartilhada por toda a comunidade lingüística, não tendo o
indivíduo condições de modificá-la (GOLDFELD, 1997, p. 15).
17
o ensino dos Surdos era a principal filosofia educacional, porém com estudos sobre os sinais e
sua contribuição para a educação dos mesmos, aos poucos as escolas foram adotando o método
de ensino dos sinais. Atualmente ainda existem pessoas extremamente defensoras da filosofia
oralista, que acreditam que as pessoas surdas precisam aprender a falar como a maioria da
comunidade, que é ouvinte. Mas na verdade, anteriormente se pensava no aprendizado da língua
oral como uma verdadeira integração do surdo ao mundo ouvinte, mas a Língua de Sinais a cada
dia ganha espaços na sociedade ouvinte.
Nas décadas de 20 e 30 do século XX, a filosofia oralista na educação de surdos,
era predominante. Vigotski (1989, p. 69), já questionava essa filosofia “de todos os métodos de
ensino, o método oral é o que mais contradiz a natureza do surdo, mas nenhum método está em
condições de devolver o surdo à sociedade humana, como pode fazer o método oral”.
A crítica de Vigotski à filosofia oralista, era porque esta valorizava a articulação das
palavras e não as frases inseridas em seus contextos. Dessa forma, Vigotski (1989, p. 92), propôs
uma reformulação desta filosofia
Se esperássemos a criança aprender a pronunciar corretamente cada som e só depois lhe
ensinássemos a juntar os sons em sílabas, as sílabas em palavras, se fôssemos dos
elementos da linguagem a sua síntese, nunca chegaríamos à linguagem viva e verdadeira
da criança. Na realidade acontece exatamente o caminho inverso, que é o natural, das
formas íntegras da atividade articulatória ao domínio dos elementos de linguagem e de
suas combinações. Tanto no desenvolvimento filogenético quanto no ontogenético, a
frase antecede a palavra; a palavra, a sílaba; a sílaba; o som. Uma frase isolada é quase
uma abstração, a linguagem surge inteira, maior que a oração. Por isso dá-se à criança a
linguagem com sentido, indispensável para a vida, isto é, a linguagem lógica e não a
articulação.
Deste modo, Vigotski conclui
que as crianças surdas devam adquirir a
linguagem da mesma forma que as crianças ouvintes, seguindo as mesmas etapas, ou
seja, na educação pré-escolar, como local adequado para estimulação da língua oral e
como meio de incorporar a criança surda à comunidade ouvinte.
Em 1930, segundo (GOLDFELD, 1997, p. 81), Vigotski publica um artigo
com idéias diferentes acerca da língua de sinais. Ele fala que é necessário revisar as
diferentes formas de linguagem utilizadas pelos surdos, dando ênfase a mímica e a
escrita.
Portanto, naquela época Vigotski (1989, p. 190), já não defendia mais somente
a filosofia oralista, pois na educação tradicional para surdos, afirma ele:
(...) a linguagem devora como um parasita todos os demais aspectos da educação, se
converte em objetivo próprio, por isso perde sua vitalidade, a criança surda (...) não
18
aprende a falar, a utilizar a linguagem como um meio de comunicação e de pensamento
(...). A luta da linguagem oral contra a mímica, apesar de todas as boas intenções dos
pedagogos, mas regra geral, sempre termina com a vitória da mímica, não porque
precisamente a mímica, desde o ponto de vista psicológico, seja a linguagem verdadeira
do surdo, nem porque a mímica seja mais fácil, como dizem muitos pedagogos, assim
porque a mímica é uma linguagem verdadeira em toda a riqueza de sua importância
funcional e a pronúncia oral das palavras, formadas artificialmente, está desprovida de
riqueza vital e é só uma cópia sem vida da linguagem viva.
Após a morte de Vigostski e baseados nos estudos de Goldfeld (1997, p, 83),
(...) houve uma conferência sobre educação na União Soviética e, baseados nos estudos
do autor, os profissionais mudaram a filosofia educacional vigente (oralismo), passando
a utilizar o alfabeto manual e a língua de sinais russa como auxiliares na educação e na
vida dos surdos.
Assim, ao longo da história, três filosofias educacionais se destacaram na
educação de surdos, e continuam presentes em maior ou menor intensidade nas
instituições e/ou escolas que atendem alunos com deficiência auditiva. De acordo com
Dorziat (1999, p. 13), “apesar das diferentes opiniões que dividem e subdividem as
metodologias específicas ao ensino de surdos, em termos de pressupostos básicos,
existem três grandes correntes filosóficas: a do Oralismo, da Comunicação Total e do
Bilingüismo”.
No primeiro caso, segundo Bernardino (2000, p. 29),
(...) a aprendizagem da língua oral tem o objetivo de aproximar o surdo, o máximo
possível, do modelo ouvinte, a fim de integrá-lo socialmente, sendo a língua oral vista
mais como objetivo do que como instrumento do aprendizado global e da
comunicação. A proposta oralista fundamenta-se na “recuperação” da pessoa surda,
sendo esta denominada “deficiente auditivo”.
O Oralismo entende a surdez como uma deficiência que deve ser minimizada através
da estimulação auditiva, conforme afirma Goldfed (1997, p. 31),
Essa estimulação possibilitaria a aprendizagem da língua portuguesa e levaria a criança
surda a integrar-se na comunidade ouvinte e desenvolver uma personalidade como a de
um ouvinte. Ou seja, o objetivo do Oralismo é fazer uma reabilitação da criança surda
em direção à normalidade, à “não surdez”.
No caso da Comunicação Total, Ciccone (1996, p. 06-08) afirma,
A comunicação Total é uma filosofia de trabalho voltada para o atendimento e a
educação de pessoas surdas. Não é, tão somente, mais um método na área e seria
realmente, um equívoco considerá-la, inicialmente, como tal (...). A Comunicação Total,
19
entretanto, não é uma filosofia educacional que se preocupa com ideais paternalistas. O
que ela postula, isto sim, é uma valorização de abordagens alternativas, que possam
permitir ao surdo ser alguém, com quem se possa trocar idéias, sentimentos,
informações, desde sua mais tenra idade. Condições estas que permitam aos seus
familiares (ouvintes, na grande maioria das vezes) e às escolas especializadas, as
possibilidades de, verdadeiramente, liberarem as ofertas de chances reais para um seu
desenvolvimento harmônico. Condições, portanto, para que lhe sejam franqueadas mais
justas oportunidades, de modo que possa ele, por si mesmo lutar em busca de espaços
sociais a que, inquestionavelmente, tem direito.
Sobre a língua no sentido de se comunicar, Sánchez (1996, p. 31), afirma que,
a língua é um instrumento mental que todos os seres humanos possuem e que nos
permite duas coisas: 1) comunicar, entendendo tudo o que se passa conosco e com o
mundo à nossa volta, como nenhum animal ou nenhuma máquina, por mais sofisticada
que seja, pode fazê-lo; 2) pensar, ser inteligente, desenvolver o pensamento abstrato, o
que nos permite observar, aprender, experimentar, explicar, inventar, criar, transformar
o mundo e a nós mesmos.
Nas escolas em que a Comunicação Total é adotada como filosofia, a proposta se
flexibiliza através do uso da comunicação oral e gestual.
Neste sentido Ciccone (1990, p. 47), diz que,
Essa filosofia possui uma maneira própria de entender o surdo, ou seja, longe de
considerá-lo como portador de uma patologia de ordem “médica”, entende o surdo como
uma pessoa, e a surdez como uma marca, cujos efeitos adquirem, inclusive,
características de um fenômeno com significações sociais. Por não explicitar claramente
procedimentos de ensino, a Comunicação Total é incorporada, em diferentes lugares, em
versões muito variadas, caracterizando-se, basicamente pela aceitação de vários recursos
comunicativos, com a finalidade de ensinar a língua majoritária e promover a
comunicação.
Apesar da concepção generalizada e contrária entre Comunicação Total e Oralismo,
devido à inclusão de sinais na prática daquela, Marchesi (1987, p. 59) afirma que,
a Comunicação Total não está em oposição à utilização da língua oral, mas apresenta-se
como um sistema de comunicação complementar. Os adeptos da comunicação total
consideram a língua oral um código imprescindível para que se possa incorporar a vida
social e cultural, receber informações, intensificar relações sociais e ampliar o
conhecimento geral de mundo, mesmo admitindo as dificuldades de aquisição, pelos
surdos, dessa língua. Entretanto, a lentidão e limitações que as crianças surdas
apresentam na aprendizagem da língua oral, quando utilizam o oralismo puro, são
fatores decisivos para a introdução, no ensino, de um código lingüístico estruturado que
possa contribuir também para realizar as funções que são da língua oral, ou seja, a
comunicação entre as pessoas e a elaboração de processos cognitivos mais refinados.
Nessa perspectiva, essa filosofia educacional propõe como metodologia de ensino, de
20
acordo com Moura (1993, p. 38), “a utilização simultânea de sinais e fala, uso de aparelhos de
amplificação sonora, trabalho de desenvolvimento das pistas auditivas e trabalho com fala tanto
em leitura oro-facial como em produção”.
As experiências mais recentes de práticas educacionais sob a denominação de
Comunicação Total são restritas aos recursos do bimodalismo9. No Brasil, a característica dessa
filosofia, complementando os recursos utilizados por métodos exclusivamente orais, é a
utilização dos sinais extraídos da LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), inseridos à estrutura da
Língua Portuguesa, a língua majoritária. Como não existem na língua de sinais certos
componentes da estrutura frasal do português (preposição, conjunção, etc), são criados sinais
para expressá-los. Além disso, utiliza-se marcadores de tempo 10, número11 e gênero12 para
descrever a Língua Portuguesa através de sinais. A isto se chama de Português Sinalizado.
Para Ferreira-Brito (1993, p. 28),
com a prática da Comunicação Total, a intenção de reconhecimento das línguas de
sinais é eliminada tanto em termos de filosofia, como de implementação, porque, além
de artificializar a comunicação, perde-se de vista as implicações sociais da surdez,
reduzindo o uso de sinais ao papel de um recurso de ensino que apóia a fala.
Sobre os sinais ajustados, Sánchez (1990, p. 26 ), afirma que,
considera que os sinais ajustados não têm a mesma funcionalidade para os surdos,
equivalente à fala para os ouvintes. Segundo ele, a maneira de as pessoas se
comunicarem (a língua) é determinada pela comunidade onde elas estão inseridas. Entre
as línguas, ele cita o francês, o inglês, o chinês e o russo. Todas elas são línguas orais
porque empregam palavras faladas-ouvidas. Estas línguas são utilizadas por pessoas
ouvintes. As pessoas surdas, impossibilitadas de utilizar a fala devido à complexidade
que é sua apropriação sem o auxilio da audição, usam os sinais, caracterizados como
uma língua gestual.
A opinião de Marchesi (1995, p. 28 ) sobre a prática da Comunicação Total é a de
que “seus procedimentos comunicativos serviram mais aos pais e professores ouvintes, que aos
9 Português sinalizado, quando a língua de referência é a Língua Brasileira de Sinais/LIBRAS.
10 Marcador de tempo: para tempo passado, depois de se fazer alusão a um verbo, jogar a mão para trás, acima do
ombro. Para tempo futuro, utilizar a locução verbal (ex: vou comer). Desse modo, são utilizados dois sinais: o verbo
ir + o verbo que se deseja. O tempo presente é formado também com a locução verbal, utilizando o verbo auxiliar no
presente + gerúndio do verbo principal (ex: estou comendo) Marchesi ( 1995, p. 29).
11 Marcador de número: para palavras como "casas", é feito o sinal de casa + o sinal de plural (mão direita com
dedos voltados para a esquerda, apenas o polegar e médio estendidos, demais dedos fechados; movimentar a mão
para a frente, movendo os dedos).Marchesi (1995, p. 29).
12 Marcador de gênero: em alguns casos existem sinais diferenciados para masculino e feminino (ex: homem e
mulher) em outros, o sinal é o mesmo (ex: gato e gata). Para diferenciá-los o feminino é sinalizado, digitando ao
final do sinal do masculino a letra A .Marchesi (1995, p. 29).
21
alunos surdos”.
A partir de discussões dessa natureza, surge uma orientação educacional que
considera a língua de sinais, na sua forma natural, chamada Bilingüismo.
Sobre o Bilingüismo, Bernardino (2000, p. 29),
(...) a língua é considerada importante via de acesso para o desenvolvimento do surdo
em todas as esferas do conhecimento, propiciando não apenas a comunicação do surdo
com o ouvinte, mas também com o surdo, desempenhando também a função de suporte
do pensamento e de estimuladora do desenvolvimento cognitivo e social.
O objetivo da educação bilíngüe conforme Moura (2000, p. 105), é que
(...) a criança surda possa ter um desenvolvimento equivalente ao verificado na criança
ouvinte, e que possa desenvolver uma relação harmoniosa também com ouvintes, tendo
acesso às duas línguas: a língua de sinais e a língua majoritária. Pode-se dizer que
educação bilíngüe ainda é recente, pois sua aplicação não é simples , exige cuidados
especiais, formação de profissionais habilitados, intérpretes e nem sempre é possível
conseguir todas essas exigências. A filosofia bilíngüe possibilita também que, dada a
relação entre o adulto surdo e a criança, esta possa construir uma auto-imagem positiva
como sujeito surdo, sem perder a possibilidade de se inteirar numa comunidade de
ouvintes.
Moura (2000, p. 96 ), ainda define o Bilingüismo como “uma filosofia educativa que
permite o acesso pela criança, o mais precocemente possível, a duas línguas: a língua brasileira
de sinais e a língua portuguesa na modalidade oral”.
Quadros (1997, p. 38), explicita que “a nova proposta bilíngüe visa assegurar o
acesso dos surdos às duas línguas, no contexto escolar, ou seja, respeitar a autonomia da Língua
de Sinais e da língua majoritária do país, no nosso caso o Português”.
Assim como a Comunicação Total, a prática bilíngüe possui também aspectos
variantes. Esses aspectos são explicados por Goés (1994, p. 48), da seguinte forma:
(...) o momento em que devem ser introduzidas as experiências sistemáticas com a
segunda língua; a ênfase na modalidade falada e escrita (há quem defenda a aquisição da
língua majoritária só na modalidade escrita); e à extensão em que se considera o
processo de identidade cultural da pessoa surda que convive em comunidades de surdos
e de ouvintes, caracterizando-se como um ser bicultural ou não, isto é, o nível de
vinculação com a língua, de identidade cultural e de participação em comunidades
ouvintes e de surdos.
Diante desse quadro, é possível constatar que, de alguma maneira, as três principais
22
filosofias educacionais na educação de surdos existem simultaneamente, com adeptos de todas
elas. Cada qual com seus prós e contras, essas abordagens abrem espaço para reflexões na busca
de um caminho educacional que de fato favoreça o desenvolvimento integral dos sujeitos surdos,
contribuindo para que sejam cidadãos plenos, com direitos e deveres na sociedade sociedade em
que estão inseridos.
4. A LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS – LIBRAS
Muitas pessoas acreditam que as línguas de sinais são somente um conjunto de
gestos que servem para interpretar as línguas orais.
Pesquisas vêm mostrando que estas línguas são comparáveis em complexidade e
expressividade a quaisquer línguas orais. Estas línguas expressam idéias sutis, complexas e
abstratas. Os seus usuários podem discutir filosofia, literatura ou política, além de esportes,
23
trabalho, moda e utiliza-las com função estética para fazer poesias, contar histórias, criar peças
de teatro, humor, etc.
Silva (2001, p. 94), afirma que o “uso da LIBRAS se constitui numa atividade
intelectual e lingüística, encaminhando o surdo para ser capaz de escolher e decidir”.
Como toda língua, as línguas de sinais ampliam seus vocabulários com a
incorporação de novos sinais inseridos pelos surdos em resposta às mudanças culturais e
tecnológicas. Assim, a cada necessidade, surge um novo sinal e, desde que se torne aceito, será
utilizado pelos surdos.
A estrutura da LIBRAS é organizada a partir de parâmetros que se combinam; esses
parâmetros são, conforme Ferreira-Brito,(1995, apud BERNARDINO, 2000, p. 84),
- Configuração das mãos (CM), que seriam as diversas formas de uma ou as duas
mãos tomam na realização do sinal;
- Movimento (M), que, segundo Klima e Bellugi (1979), é um parâmetro tão
complexo que pode envolver uma grande quantidade de formas e direções, desde os
movimentos internos da mão, os movimentos do pulso, movimentos direcionais no
espaço e até conjuntos de movimentos no mesmo sinal;
- Ponto de Articulação (PA), que seria o espaço diante do corpo, ou uma região do
próprio corpo, onde os sinais são articulados.
Os componentes não manuais, como a expressão facial e o movimento do corpo, são
elementos muito importantes, sendo que Ferreira-Brito (1995, p. 96), diz que “há a possibilidade
de que esses sejam outros parâmetros, dada a sua importância para diferenciar significados”.
Acredita-se que somente exista uma língua de sinais no mundo, mas assim como as
pessoas ouvintes em países diferentes, que estão inseridas em “Culturas Surdas” falam diferentes
línguas, também as pessoas surdas por toda parte do mundo, possuem suas próprias línguas,
existindo, portanto, muitas línguas de sinais diferentes, como: Língua de Sinais Francesa,
Chilena, Portuguesa, Americana, Argentina, Venezuelana, Peruana, Inglesa, Italiana, Japonesa,
Chilena, Uruguaia, Russa, Urubus-Kaapor, etc. Essas línguas são diferentes umas das outras e
independem das línguas orais-auditivas utilizadas nesses e em outros países. O Brasil e Portugal
possuem a mesma língua oficial, o português, mas as línguas de sinais destes países são
diferentes. O mesmo acontece com os Estados Unidos e a Inglaterra, entre outros.
Embora cada língua de sinais tenha sua própria estrutura gramatical, surdos de países
com línguas de sinais diferentes, comunicam-se com mais facilidade uns com os outros, o que
não ocorre entre falantes de línguas orais, que necessitam de um tempo bem maior para
estabelecerem interação e a compreensão da língua. Isso se deve à capacidade que as pessoas
surdas têm em desenvolver e aproveitar gestos e pantomimas para a comunicação e estarem
24
atentas às expressões faciais e corporais das outras pessoas e devido ao fato de essas línguas
terem muitos sinais que se assemelham às coisas representadas.
No Brasil, os serviços prestados aos surdos ainda são poucos. Diferentemente de
diversos países desenvolvidos, raros são os programas na televisão brasileira apresentados em
LIBRAS, ou que sequer possuam legenda oculta. Além disso, há um total descaso quanto à
necessidade de intérpretes em locais como hospitais, repartições públicas, delegacias, fóruns, etc.
No entanto, a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, transcrita abaixo, que dispõe
sobre a Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS e dá outras providências assegura esses serviços
que ainda não vêm sendo cumpridos,
O Presidente da República. Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono
a seguinte Lei: Art. 1º É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a
Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados.
Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de
comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com
estrutura gramatical própria, constitui um sistema lingüístico de transmissão de idéias e
fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. Art. 2º Deve ser garantido,
por parte do poder público em geral e empresas concessionárias de serviços públicos,
formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais Libras como meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades
surdas do Brasil. Art. 3º As instituições públicas e empresas concessionárias de serviços
públicos de assistência à saúde devem garantir atendimento e tratamento adequado aos
portadores de deficiência auditiva, de acordo com as normas legais em vigor. Art. 4º O
sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e do
Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de Educação
Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seu nível médio e superior, do ensino
da Língua Brasileira de Sinais - Libras, como parte integrante dos Parâmetros
Curriculares Nacionais - PCNs, conforme legislação vigente. Parágrafo único. A Língua
Brasileira de Sinais - Libras não poderá substituir a modalidade escrita da língua
portuguesa. Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 24 de
abril de 2002; 181º da Independência e 114º da República. FERNANDO HENRIQUE
CARDOSO. Paulo Renato Souza (Texto publicado no D.O.U. de 25.04.2002).
Assim, os surdos ainda têm muitas barreiras a serem derrubadas. A questão
educacional está em fase de mudanças quanto à inclusão de alunos em salas regulares; o que se
observa são inúmeras leis favorecendo pessoas com deficiência em geral sendo criadas, porém
nem sempre sendo cumpridas. É evidente o descaso de algumas pessoas/instituições quanto à
importância de recursos específicos para o ensino de surdos e quanto à especialização de
professores, além do que, ainda existe muito preconceito por parte da sociedade em relação à
comunicação utilizada pelos surdos. Os próprios profissionais que estão em contato diário com
os surdos, muitas vezes não são adequadamente preparados em relação a novos conhecimentos.
Para conversar em LIBRAS não basta apenas conhecer os sinais aleatóriamente; é
25
necessário conhecer a sua estrutura gramatical, combinando-os em frases.
4.1 O intérprete de Língua de Sinais
Em vários países há tradutores e intérpretes de língua de sinais. Pesquisas
demonstram que a história da constituição deste profissional, se deu a partir de atividades
voluntárias que foram sendo valorizadas como trabalho/profissão, na medida em que os surdos
foram conquistando seus direitos de cidadania.
Para os estudiosos da área, a participação de surdos nas discussões sociais,
representou e representa a chave para a profissionalização dos tradutores e intérpretes de língua
de sinais. Outro elemento fundamental nesse processo, é o reconhecimento da língua de sinais
em cada país. À medida em que a língua de sinais do país, passou a ser reconhecida como língua
de fato, como resultado da luta os surdos passaram a ter garantias de acesso a ela como direito
lingüístico. Assim, conseqüentemente, as instituições se viram obrigadas a garantir
acessibilidade através do profissional intérprete de língua de sinais.
O papel do intérprete é receber uma mensagem em uma língua e em poucas
“palavras” convertê-la em outra. Isso não é tão simples quanto parece; interpretar é um processo
complexo que exige altas habilidades lingüísticas, cognitivas e conhecimento técnico.
O intérprete de língua de sinais é a pessoa que, sendo fluente em língua de sinais,
também possui a capacidade de traduzir - verter em tempo real (interpretação simultânea) ou
com pequeno lapso de tempo (interpretação consecutiva) - uma língua sinalizada para um língua
oral (ou vice-versa), ou então, para outra língua sinalizada.
O intérprete atua nas diversas situações em que há interação entre surdos e ouvintes
que não sinalizam, sendo mediador entre os surdos e os ouvintes. A sociedade majoritária utiliza
a língua oral e a maioria das pessoas ouvintes não conhece a língua de sinais, então existem
profissionais que possibilitam esta comunicação, que são os intérpretes de língua de sinais.
Em Cascavel-Pr a situação não deixa de ser diferente,
De acordo com o Núcleo Regional de Educação de Cascavel-PR, no município existem
apenas três profissionais da rede pública habilitados para atender 36 estudantes
deficientes auditivos. Um dos motivos está nas exigências feitas pela Federação
Nacional de Intérpretes (Feneis), que seleciona os intérpretes. No último curso realizado
há dois anos, dos 12 participantes, apenas dois foram aprovados A inclusão de alunos
26
deficientes na rede pública de ensino, cresceu nos últimos seis anos, exige uma mudança
de visão sobre esse profissional (GAZETA DO PARANÁ, 2005, p. 1).
Há vários níveis de formação de intérpretes para surdos no mundo. Desde o nível
secundário ao nível de mestrado, podendo-se encontrar pessoas especializando-se para se
tornarem profissionais mais qualificados.
Assim, para pensarmos em formação de intérpretes, precisa-se estar atento ao nível
de participação da comunidade surda na sociedade. Dependendo desse nível de participação, a
comunidade surda estará mais ou menos envolvida na formação dos intérpretes, implicando no
sucesso ou não dessa implementação. Em países, tais como Dinamarca, Suécia e Finlândia, têm
sido detectado alguns aspectos no desenvolvimento de intérpretes que precisam ser considerados.
Pires (2000, p. 26), apresenta os seguintes aspectos:
1. a aceitação da Lingua de Sinais na sociedade e na educação dos surdos;
2. o direito das pessoas surdas a oportunidades sociais, educacionais e vocacionais
como a maioria da sociedade;
3. a legalização do direito das pessoas surdas de terem disponíveis serviços de
interpretação gratuitamente;
o reconhecimento do intérprete de Língua de Sinais como um profissional
qualificado com possibilidades de emprego e carreira;
5. a correspondência entre o número de intérpretes requeridos e a demanda;
6. o estabelecimento de cursos de formação de intérpretes com treinamento e
educação formal; e
6. as atitudes das pessoas surdas e ouvintes quanto à necessidade dos serviços de
intérprete.
4.
Segundo, a FENEIS13, os principais códigos de ética dos intérpretes de língua de
sinais são:
–
–
–
–
–
–
–
–
O intérprete deve ser uma pessoa de alto caráter moral, honesto, consciente,
confidente e de equilíbrio emocional. Ele guardará informações confidenciais e não
poderá trair confidências, as quais foram confiadas a ele;
Manter uma atitude imparcial durante o transcurso da interpretação, evitando
interferências e opiniões próprias, a menos que seja perguntado pelo grupo a fazêlo;
Interpretar fielmente e com o melhor da sua habilidade, sempre transmitindo o
pensamento, a intenção e o espírito do palestrante. Ele deve lembrar os limites da
sua função particular - de forma neutra - e não ir além da sua responsabilidade;
Reconhecer seu próprio nível de competência e usar prudência em aceitar tarefas,
procurando assistência de outros intérpretes e/ou profissionais, quando necessário,
especialmente em palestras técnicas;
Adotar uma conduta adequada de se vestir, sem adereços, mantendo a dignidade da
profissão e não chamando atenção indevida sobre si mesmo, durante o exercício da
função;
Ser remunerado por serviços prestados e se dispor a providenciar serviços de
interpretação, em situações onde fundos não são disponíveis;
Acordos a níveis profissionais devem ter remuneração de acordo com a tabela de
cada estado, aprovada pela FENEIS;
Jamais encorajar pessoas surdas a buscarem decisões legais ou outras em seu
13 FENEIS: Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos.
27
–
–
–
–
–
–
favor;
Considerar os diversos níveis da Língua Brasileira de Sinais;
Em casos legais, informar à autoridade quando o nível de comunicação da pessoa
surda envolvida é tal, que a interpretação literal não é possível e o intérprete, então,
terá de parafrasear de modo crasso o que se está dizendo para a pessoa surda e o
que ela está dizendo à autoridade;
Esforçar para reconhecer os vários tipos de assistência necessitados pelo surdo e
fazer o melhor para atender as suas necessidades particulares;
Reconhecendo a necessidade para o seu desenvolvimento profissional, o intérprete
deve se agrupar com colegas profissionais com o próposito de dividir novos
conhecimentos e desenvolvimentos, procurar compreender as implicações da
surdez e as necessidades particulares da pessoa surda alargando sua educação e
conhecimento da vida, e desenvolver suas capacidades expressivas e receptivas em
interpretação e tradução;
Procurar manter a dignidade, o respeito e a pureza da Língua de Sinais. Ele
também deve estar pronto para aprender e aceitar sinais novos, se isto for
necessário para o entendimento;
Esclarecer o público no que diz respeito ao surdo sempre que possível,
reconhecendo que muitos equívocos (má informação) tem surgido por causa da
falta de conhecimento do público na área da surdez e comunicação com o surdo.
Pesquisas na área, também demonstram que avanços na área da interpretação já
foram alcançados. No entanto, a realidade brasileira e também de Cascavel-Pr, em relação à
interpretação, é bastante difícil, pois o intérprete encontra poucas possibilidades de exercício
profissional, com remuneração muitas vezes injusta, e difícil acesso a estudos na sua área de
atuação. A FENEIS é a entidade que oferece cursos de formação de intérpretes, dentro e fora do
Rio de Janeiro. Essa Federação também é responsável por manter o cumprimento do Código de
Ética dos Intérpretes para Surdos, com seus direitos, deveres e responsabilidades.
No Paraná, cursos de formação de intérpretes existem (ou não são ofertados) pela
SEED e, ao mesmo tempo em que os profissionais-intérpretes encontram-se em situação de
estudo nos cursos, são avaliados para obterem a certificação/licença, que os habilita para
exercerem a profissão de intérpretes. Assim, é a SEED, em Curitiba, uma sub-sede da FENEIS
no Paraná, com a prerrogativa de formar/certificar/habilitar novos intérpretes no estado.
5. ACAS: TRANSIÇÃO DO ORALISMO PARA O BILINGÜISMO
A descrição das filosofias educacionais na educação dos surdos nos remete a uma
definição pedagógica, que é sem dúvida, o maior motivo de toda a educação de Surdos em
Cascavel.
Dessa forma, a educação de surdos tem se mostrado como um tema polêmico, que
requer
atenção
especial,
tanto
por
parte
de
pesquisadores,
dos
professores,
28
coordenadores/diretores e estudiosos da educação.
As filosofias ou propostas educacionais vigentes até então, não mostraram eficiência,
pois um grande número de alunos surdos, após anos de escolarização apresentavam uma série de
limitações, não sendo capazes de ler e escrever satisfatoriamente. Os surdos vinham sendo
escolarizados, mas essa escolarização produzia poucos resultados realmente eficientes.
Na Escola da ACAS, o trabalho desenvolvido desde sua fundação ou seja, o “fazer
pedagógico” na educação dos surdos, foi fundamentado nos modelos vigentes na época, isto é,
na filosofia oralista e na reabilitação clínica. Conforme Skliar,
As idéias dominantes nos últimos cem anos são um claro testemunho de um sentido
comum segundo o qual os surdos correspondem, encaixam-se e adaptam-se com
naturalidade a um modelo clínico - terapêutico, versão amplificada e exagerada da
pedagogia corretiva de princípios do século XX e vigentes até o momento (SKLIAR,
1997, p. 248).
Para a atual direção/coordenação da Escola da ACAS, a insatisfação com relação à
filosofia oralista, por parte dos surdos e dos profissionais que atuavam na escola, no ano de 1993,
fez surgir a necessidade de discutir os encaminhamentos pedagógicos até então realizados. Para
tanto, foram realizados encontros, debates e grupos de estudos em toda a região. Desses
encontros resultou o I Seminário sobre Deficiência Auditiva e Cidadania do Oeste do Paraná,
ocorrido no período de 08 a 10 de dezembro de 1993, em Cascavel – Paraná, no Centro
Diocesano de Formação e promovido pela Associação de Surdos de Cascavel, Umuarama, Foz
do Iguaçu e Toledo. Segundo relatório (em anexo) “o seminário contou com a presença de
oitenta e dois participantes: educadores, surdos, familiares de surdos, assistentes sociais,
psicólogos de vários município do Paraná”.
No primeiro seminário foram abordados temas de interesse dos surdos, bem como
prevenção, aspectos bio-psico-socio-culturais da deficiência auditiva, cidadania entre outros.
Também, conforme relatório (em anexo), foram aprovadas as seguintes propostas:
“a) que os órgãos governamentais consultem as entidades representativas dos surdos
na elaboração de leis e programas referentes aos mesmos; b) que se propicie a organização da
comunidade de surdos através de associações, grupos, etc... nas cidades onde estas não existem,
para propiciar a integração dos surdos; c) que as prefeituras promovam campanhas de
conscientizarão junto as empresas para inserção do surdo no mercado de trabalho; d) maior
divulgação sobre os Centros de Atendimento e Estudos Especiais para Surdos; d) que sejam
realizados na Secretaria Estadual e Secretaria Municipal de Educação, cursos de capacitação em
língua de sinais para educadores e familiares; e) que seja incluído no curso de magistério uma
29
das áreas de deficiência; f) utilização de interprete nas emissoras de TV para surdos; g)
realização de campanhas efetivas de prevenção a rubéola; h) realização, trabalho concientização
sobre os direitos dos surdos nas associações; i) realização de campanha de esclarecimento na
sociedade sobre surdez; j) realização de cursos sobre bilingüísmo e comunicação total, através
da Secretaria de Educação Estadual; l) realização de seminário anual para troca de experiências
sendo que o mesmo deverá ser realizado em municípios diferentes; m) que as Associações de
Surdos, trabalhem temas como: Cidadania, Sexualidade, Direitos, Familia, etc. n) que seja
realizado um encontro Estadual de Surdos.
O II Seminário aconteceu em Foz do Iguaçu no período de 11 a 13 de outubro de
1995, com a seguinte temática: A Educação do Surdo e Cidadania - promovido pelas ACAS
(Cascavel); APASFI (Foz do Iguaçu); APADA(Toledo) e ASUMU (Umuarama), tendo por
objetivos criar um momento para a reflexão da surdez, processo educacional e cidadania,
soluções para os problemas enfrentados pelos surdos da região.
O III Seminário foi realizado na cidade de Umuarama-Pr. No período de 23 a 25 de
outubro de 1997, promovido pela ACAS (Associação Cascavelense de Amigos de Surdos);
APASFI (Associação de pais e Amigos de Surdos de Foz do Igauçu); APADA (Associação de
Pais e Amigos de Deficientes Auditivos de Toledo); ASSUMU (Associação de Assistência aos
Surdos de Umuarama) e AMESFI (Associação Medianeirense de Surdos e Fissurados). A
tamática deste seminário foi: Surdes e Cidadania, tendo como objetivo geral criar espaço para o
aprofundamento das questões específicas da pessoa surda, em relação à sua vivência no sentido
de buscar soluções para a problemática em torno da surdez e objetivos específicos chamar a
atenção da sociedade em geral para a questão da surdez, assim como propiciar um processo de
informação aos educadores e profissionais através da troca de experiências e refletir sobre
soluções para os problemas dos surdos da região.
Para a atual direção da Escola da ACAS, a transição da filosofia oralista para a
filosofia bilingüe foi muito difícil. Segundo a coordenação da referida escola, essa transição
exigiu da equipe uma segurança e “um acreditar” muito grandes nesta nova filosofia.
No I Seminário, sobre Surdez e Cidadania do Oeste do Paraná (1993), além das
temáticas discutidas sobre os processos de ensino-aprendizagem dos surdos e o uso da Língua de
Sinais em sala de aula, as discussões geraram muitos conflitos, que foram desde o desejo
imediato de mudança, até a resistência em assumir uma abordagem bilingüe, chegando ao
radicalismo quanto à manutenção da filosofia oralista. No entanto, para a atual Coordenadora da
Escola da ACAS “o bom senso prevaleceu e houve um movimento de reflexão em torno das
30
questões relativas à surdez, principalmente no aprendizado da Língua de Sinais pelos professores
ouvintes e na contratação de profissionais surdos para atuarem na escola” (Marta Silva – atual
Coordenadora Pedagógica da escola da ACAS, em entrevista dia 03/07/05), na qual afirma ainda
“A filosofia oralista e a metodologia oralista, baseadas na oralidade, partia de uma oralidade que não existia, então
se ensinava a partir do nada, se partia do vazio, a partir do vazio, porque se o aluno não tem linguagem nenhuma,
você vai ensinar uma linguagem em cima do quê? Porque é diferente, você pega a criança ouvinte, ela já tem uma
linguagem oral, você vai alfabetizar essa criança a partir da linguagem oral, e nós tínhamos as crianças sem língua
nenhuma, sem nenhum tipo de comunicação e deveríamos ensinar a Língua Portuguesa. Nesse caso como primeira
língua; isto é complicado, porque uma primeira língua você não aprende, você adquire, você produz sentido nesta
primeira língua, você ouve e vai adquirindo e construindo sentido nessa língua. No caso dos surdos, você vai
ensinar a língua portuguesa sem nenhum acesso de construção de sentido; então era um processo completamente
artificial”.
Em se tratando da questão do significado na apropriação de um língua, Quadros
(2004, p. 95), afirma que se as crianças surdas vierem para a escola sem uma língua adquirida,
(...) a escola precisa estar atenta a programas que garantam o acesso à língua de sinais
brasileira mediante a interação social e cultural com pessoas surdas. O processo
educacional ocorre mediante interação lingüística e deve ocorrer portanto, na língua de
sinais brasileira. Se a criança chega na escola sem linguagem, é fundamental que o
trabalho seja direcionado para a retomada do processo de aquisição da linguagem
através de uma língua visual-espacial. (...) a aquisição da linguagem é essencial, pois
através dela, mediante as relações sóciais, se constituirá os modos de ser e agir, ou seja,
a construção do sujeito.
Na escola da ACAS, pôde-se perceber através das entrevistas com a coordenadora,
professores e egressos que, a partir do I Seminário, houve mudanças gradativas da filosofia
oralista para a filosofia de educação bilíngüe, isto é, a educação compreendida como aquisição
da língua de sinais como primeira língua (L1) e o aprendizado da Língua Portuguesa escrita,
como segunda língua (L2), trabalhada com características de língua estrangeira, deixando
opcional para os pais e os alunos surdos, o aprendizado da Língua Portuguesa Oral.
Dessa forma, o aspecto mais importante observado nas entrevistas realizadas neste
trabalho, foi o de que a proposta implantada na escola da ACAS, é a de proporcionar à criança
surda a possibilidade de adquirir a linguagem através da sua língua natural, que é a língua de
sinais, pois na concepção de Sánchez, (1990), (apud Quadros, (1997, p. 35-36),
(...) a criança não pode ser privada da linguagem já que essa é um instrumento mental a
que todo o ser tem direito. (...) nesse sentido, a proposta é idealizada a partir do
pressuposto de que os surdos fazem parte de uma comunidade minoritária, com valores,
31
cultura e língua natural próprios.
Para Ferreira-Brito (1990, p. 45), “a língua é um dos mais importantes veículos de
comunicação e de identidade do indivíduo com sua cultura, seu meio, enfim, de inter-relação
com a comunidade a que pertence”. Sendo assim, percebe-se que a escola não pôde mais manter
uma atitude indiferente em relação ao que a língua de sinais pode representar para o surdo.
Quadros (2004, p. 45), afirma ainda, que é,
Interessante observar que nas experiências mais avançadas relatadas pelas escolas que
atendem surdos, a resistência que ainda persiste em relação à língua de sinais está
relacionada com a interação científica. Os profissionais não acreditam que através da
língua de sinais seja, de fato, possível discutir os avanços científicos e tecnológicos que
cabem à escola trabalhar. Assim, delega-se à escrita o papel de assumir tal função. Mais
uma vez perpassa-se a sobreposição do português (língua da maioria) à língua de sinais
como aconteceu ao longo da história da educação dos surdos.
Interessante também salientar, que este é o argumento dos surdos sobre o domínio da
Língua Portuguesa que os ouvintes lhes querem impor dificultando assim, sua inclusão
escolar/social. Dessa forma, grande parcela de surdos tem optado por ficarem “na sua”, como
costumam dizer, os surdos, e se apropriarem da Língua Portuguesa escrita, apenas como meio
para melhor expresão/comunicação com os ouvintes e, portanto como forma de inclusão.
Na Escola da ACAS, no período da filosofia oralista, segundo relatos da
coordenação, havia a visão clínica da surdez, entendendo-a como doença a ser curada. Por essa
razão, a hoje denominada Escola da ACAS, tinha o nome de Centro de Reabilitação e recebeu
esta dominação, por se tratar de um espaço que trabalharia com a Reabilitação da Fala e
Audição, sem preocupação específica com a escolaridade dos alunos.
Skliar (1997, p. 111), argumenta a respeito do modelo clínico-terapêutico da surdez,
(...) os surdos têm sido objeto de uma única e constante preocupação por parte dos
ouvintes: a aprendizagem de uma língua oral, e conseqüentemente sua integração ao
mundo dos demais “ouvintes e normais”. (...) ele diz que medicalizar a surdez significa
orientar toda a atenção à cura do problema auditivo, à correção dos defeitos da fala e ao
treinamento de certas habilidades menores, como a leitura labial e a articulação, como se
fossem mais importantes que a interiorização de instrumentos culturais significativos,
como a língua de sinais. (...) significa também opor e dar prioridade ao poderoso
discurso da medicina frente à débil mensagem da pedagogia, explicitando que é mais
importante esperar a cura medicinal-encarnada atualmente nos implantes cocleares – que
compensar o déficit de audição através de mecanismos psicológicos funcionalmente
equivalentes.
Percebeu-se, com as entrevistas com os egressos da escola da ACAS, Coordenação e
professores, que dentre os muitos ganhos advindos da adoção do Bilingüismo, considera-se que o
maior deles diz respeito à verdadeira aceitação das crianças e adultos surdos, de sua condição de
32
surdos, por parte de suas famílias, abrindo uma nova perspectiva para suas vidas.
As contribuições com a realização dos grupos de estudos, palestras e seminários,
foram imprescindíveis para aprofundar as discussões e encaminhar sugestões para os problemas
de ensino-aprendizagem, na medida em que se mostraram meios eficientes para que a
compreensão dessa nova filosofia fosse assimilada pelos alunos surdos, seus pais e famíliares,
atendidos na Escola da ACAS. Iniciativas como as da Escola da ACAS, com projetos idealizados
para surdos, conforme relata Goldfeld (1992, p. 35), que permitem “participação em movimentos
reivindicatórios que visam melhorar a condição de vida dos surdos e a preocupação em se
viabilizar a legenda na televisão, entre outras, são algumas das conseqüências determinadas por
essa nova forma de se olhar o surdo e a surdez”.
Com base em tais medidas, e como salientamos anteriormente, iniciou-se um
movimento visando incorporar as língua de sinais aos surdos e às práticas educacionais da escola
da ACAS, conforme relato da coordenadora,
“(...) a primeira pessoa que foi aprender a LIBRAS foi a diretora (Irmã Silvana). Foi fazer o curso de intérprete de
LIBRAS; aí começou-se a trazer pessoas para ministrar cursos. Vinham de Londrina, porque na época eram poucos
instrutores. Também vinham do Rio de Janeiro; a Mirna , do Rio de Janeiro, Ana Regina, então foi um momento que
foi se construindo aos poucos” (Marta R. Silva – Cordenadora da ACAS, 03/07/2005).
A partir desses cursos, foi implantada gradativamente a filosofia bilingüe para a
educação de surdos, a qual preconiza que o surdo deve ser exposto o mais prococemente possível
a uma língua de sinais, identificada como a língua passível de ser adquirida por ele, sem que
sejam necessárias condições especiais de “aprendizagem”.
Dessa forma, a proposta educacional que envolveu a língua de sinais, permitiu o
desenvolvimento da linguagem, possibilitando ao surdo um melhor desenvolvimento em relação
ao aprendizado dos conteúdos de uma foram geral.
Na escola da ACAS, observou-se nos relatos, que a proposta da educação bilingüe
defende que seja ensinada ao surdo a língua da comunidade ouvinte na qual está inserido, em sua
modalidade escrita, sendo que esta será ensinada com base nos conhecimentos adquiridos por
intermédio da língua de sinais.
No entanto, o processo de transição da filosofia oralista para a bilingüe, conforme já
abordado anteriormente e segundo relatos da coordenadora, foi um processo trabalhoso e não
está concluído, ao contrário está se construindo a cada etapa,
33
“Foi um processo muito complicado, porque nós, conforme Sckiar diz, “sofremos de ouvintismo”, porque nós temos
a nossa concepção de que nós ouvintes, sempre mandamos nos processos educacionais; assim nós somos formados
desde o Magistério, nós temos o domínio. Nós tínhamos o domínio da língua, domínio dos conteúdos, domínio da
metodologia e,
de repente, nós deveríamos discutir com as pessoas que até então eram responsáveis pelos
encaminhamentos metodológicos. Nós não tínhamos valorizado nem a língua que eles tinham, nenhum processo,
nós não conseguimos compreender que eles poderiam produzir um processo educacional próprio foi um processo
que ainda não está consolidado, levará alguns anos ainda para se consolidar, (...) o processo nunca será concluído, é
essa a grande sacada dos pedagogos. E essa compreensão de que educação é um processo e fazer esse processo ser
construído dentro de uma escola de surdos e saber que esse processo vai ser desenvolvido a longo prazo e que todas
as pessoas que estão envolvidas compreendam, não tem sido fácil, mas eu acho que já conseguimos alguns passos,
já temos os surdos trabalhando dentro da escola, uma série de coisas que nós não tínhamos há dez anos atrás. Os
surdos no ensino superior (...), os surdos já podem falar do que estão sentindo; durante a filosofia oralista, os surdos
não conseguiam expressar o que estavam sentido, eles não tinham como falar, não tinham como discutir, agora eu
posso sentar com os surdos e discutir o processo de ensino, a metodologia de ensino, o que estão aprendendo, quais
são as expectativas...”
Percebeu-se ao longo da pesquisa, que as conseqüências de “implantar” uma nova
filosofia educacional para os surdos, tornou evidente o reconhecimento da língua de sinais como
base do trabalho com os surdos, mesmo se considerarmos que existem dificuldades para o
aprendizado da mesma.
Dessa forma, torna-se imprescindível, além de refletir sobre as práticas pedagógicas
utilizadas e sobre os métodos educacionais que delas fazem parte, instrumentalizar-se
teoricamente, no sentido de conhecer os variados estudos e enfoques que têm permeado as
discussões sobre a educação de surdos
nos diferentes níveis e modalidades da educação
brasileira.
6. PESQUISA DE CAMPO
Com o objetivo de investigar o processo de transição do Oralismo para o
Bilingüismo na Escola da ACAS em Cascavel-Pr, entrevistamos egressos surdos desta escola,
que a freqüentaram no período compreendido entre 1993 a 1997.
A proposta metodológica que norteia esse trabalho, foi a abordagem qualitativa 14,
pela qual realizou-se neste estudo, uma descrição pautada na revisão bibliográfica sobre a
temática proposta e a análise dos dados obtidos através da entrevista semi-estruturada, de
14Os investigadores qualitativos estabelecem estratégias e procedimentos que lhes permitem tomar em consideração as
experiências do ponto de vista do informador. O processo de condução de investigação qualitativa reflete uma espécie de diálogo
entre os investigadores e os respectivos sujeitos, dado estes não serem abordados por aqueles de uma forma neutra. Bogdan e
Biklen (1994, p.51)
34
maneira aexplicitar, os sentimentos e os pensamentos dos entrevistados a respeito de suas
experiências de vida, de seus relacionamentos, tanto com os demais surdos, como com a
comunidade e, principalmente, as diferentes filosofias vivenciadas na escola durante o período
em que lá permaneceram e de como eles desejariam ter sido educados na Escola da ACAS.
Utilizamos as entrevistas como estratégia para a construção dos dados e elas só
puderam ser viabilizadas, pela disponibilidade da Intérprete de LIBRAS/Língua Brasileira de
Sinais da Universidade Estadual do Oeste do Paraná-Unioeste, Campus de Cascavel, Soelge
Mendes da Silva, que se propôs a acompanhar, interpretar e traduzir as perguntas feitas aos
surdos egressos da escola da ACAS. As entrevistas foram realizadas pessoalmente com cada
sujeito, dependendo da disponibilidade de cada um deles em participar da pesquisa. Essas
entrevistas foram filmadas e, após a realização das mesmas com a colaboração e autorização dos
entrevistados, transcritas na íntegra.
As entrevistas foram aplicadas a sete egressos (anexo II) desta escola, com idades
entre 16 a 20 anos. Nas análises dos dados, os depoimentos serão identificados por letras,
conforme a fala correspondente de A a G. Atualmente todos continuam estudando e estão
matriculados no Ensino Médio regular, em escola para ouvintes. Quatro são do sexo masculino e
três do sexo feminino. Seis dos egressos que foram entrevistados nasceram surdos. O outro
ensurdeceu antes de adquirir a linguagem. Embora algumas doenças causadoras da surdez muitas
vezes também provoquem outras seqüelas, a maioria não aparenta ter outros sintomas além da
surdez. Dos sete entrevistados, seis são os únicos surdos na família e apenas uma tem parentes
que também são surdos. A forma de comunicação em casa com a família, comunidade e amigos,
para a maioria dos entrevistados gira em torno da
mímica 15, gestos16, fala17, alfabeto
manual18; com raras exceções a comunicação é através da LIBRAS19.
Para grande parte dos entrevistados, o acesso à escola deu-se muito cedo, a partir
dos dois anos de idade. Três dos egressos entrevistados ingressaram na própria Escola da ACAS;
os outro cinco iniciaram seus estudos em outra escola; desses, somente dois iniciaram seus
estudos em escola para ouvintes.
15 Mímica: (Fem. Substantivado da adj. Mímica) 1. Pantomima. 2. Arte de fazer acompanhar de gestos precisos e adequados a idéia ou
sentimento que se exprime; gesticulações. 3. cf. Mímica, do v. Mimicar). (HOLANDA, A.B. 1986, p. 1135).
16 Gestos: (do latim gestus) 1. Movimento do corpo, em especial da cabeça e dos braços, ou para exprimir idéias ou sentimentos, ou para realçar
a expressão, mímica: 2. v. Gesticulação. 3. Aparência, semblante, fisionomia, rosto (HOLANDA, A.B. 1986, p. 849).
17 Fala: (Do verbo falar) 1. Ação ou faculdade de falar (1): a fala é uma característica humana. 2. Aquilo que se exprime por palavras. 3.
Emissão de sons por parte de animais. 4. Palavra dicção, vocábulo. 5. Alocução, discurso. 6. Parte do diálogo dito por um dos interlocutores.
7. Timbre ou tom de voz. 8. Modo de falar (HOLANDA, A.B. 1986, p. 752).
18 Alfabeto Manual ou datilologia: Sistema de escritura manual, ou seja, letra por letra (FENEIS, 1995)
19 LIBRAS: Língua Brasileira de Sinais ou Língua de Sinais: As Línguas de Sinais são Línguas naturais, que utilizam o canal visuo-manual,
criadas por comunidades surdas através de gerações. Estas línguas, sendo diferentes em cada comunidade, têm estruturas gramaticais
próprias, independentes das línguas orais dos países em que são utilizadas. As Línguas de Sinais possuem todas as características das línguas
orais como a polissemia, possibilidade de utilização de metáforas, piadas, jogos de linguagem e etc (GOLDFELD, 1997, p. 11).
35
Das discussões realizadas sobre as questões com relação às filosofias educacionais
Oralista, Comunicação Total e Bilingüismo, perguntamos se eles as conheciam; a maioria disse
que sim, conforme relatam alguns dos entrevistados.
“No Oralismo quando o professor falava, eu não entendia nada, depois quando começou a Comunicação Total,
algumas letras eu comecei a relacionar com teatro; enfim conheci os sinais, (vontade, delicioso, amo...) alguns
sinaizinhos, aí começou a despertar o interesse pela Comunicação Total. Com a LIBRAS (bilingüismo), a relação é
boa. Foi muito bom, APRENDI RÁPIDO (Grifos do entrevistado). Quando o professor é novo tenho que ensinar a
ele, mostramos um objeto, apontamos para ele aprender a Língua de Sinais” (Entrevistado “B”).
“Agora que você me falou eu pensei, é, tem a ver, não sei o que é (Bilingüismo, Oralismo, Comunicação Total)
Bilingüismo, eu sei muito pouco, você que me falou (...) a intérprete (...) aí eu pensei: é, tem a ver. A proposta da
educação de surdos aconteceu geral no Brasil, no mundo, em vários países, pois o objetivo era a fala, havia a
influência dos fonoaudiólogos, porque eles acreditavam que primeiro vinha a fala para depois vir os conteúdos
(leitura), escrita, enfim. Eu vi um filme, agora estou lembrado, o filme dizia que nos Estados Unidos era obrigado o
surdo a falar. Um filme que falava sobre os surdos” (Entrevistado “C”).
Em relação à comunicação dos surdos com outros surdos na Escola da ACAS e com
os professores e demais integrantes da escola, os depoimentos demonstram que, na maioria das
vezes, utilizava-se uma “mistura”, um hibridismo de metodologias, ou seja, ora se utilizava
gestos, ora a fala e a LIBRAS foi inserida posteriormente, como demonstram os depoimentos
abaixo.
“Sinais, gestos. Em sala de aula usava muita fala, poucos gestos. Fora da sala de aula usavam gestos, não conhecia a
LIBRAS. Os surdos falavam mais ou menos” (Entrevistado “A”).
“Não tinha comunicação com ouvinte, no começo nível escolar usavam gestos e os sinais que eu aprendia eu ia e
ensinava para os surdos meus amigos daí a comunicação melhorou (...). Na Escola da ACAS os surdos se
comunicavam através de gestos, mímicas” (Entrevistado “B”).
“Um pouco de fala e um pouco de gestos, mais foi pouco tempo só com o Oralismo, um ano mais ou mesmo, eu era
muito novo, não compreendo, dentro da sala de aula só podia falar oralmente, não podia usar gestos, era proibido, só
algumas expressões, mas muito sutilmente, só fora da sala de aula, passando um tempo mais ou menos um ano,
depois, foi liberado, podia usar gestos, fala, na sala de aula e fora dela. (...) Bem no início era proibido gestos, bem
no iniciozinho, mas depois foi liberado” (Entrevistado “C”).
36
“Na verdade, poucos surdos da Escola da ACAS falam, aí a gente se comunicava com gestos, mímicas, expressões,
indicações. Aí depois dessa mudança, quando começamos a usar a LIBRAS foi rápido. Quando eu me mudei para a
Escola da ACAS eu via os surdos mexendo as mãos, eu não entendia nada, nada, depois quando nós começamos a
Língua de Sinais aí eu aprendi muito rápido. Fiquei muito alegre com isso” (Entrevistado “E”).
“A gente ficava mexendo a boca, gestos, mas era uma confusão só. Muito poucos gestos, com os surdos e com os
ouvintes também, a comunicação era quase nada. Gestos quase não usava. A comunicação era muito difícil. Antes
não tinha como perguntar ao professor, a gente não sabia se comunicar, era impossível” (Entrevistado “G”).
Analisando estes e outros depoimentos, não podemos deixar de nos reportar a
Vygotski (apud SKLIAR, 1999, p. 45), quando ele afirma que “o resultado do ensino da língua
oral aos Surdos não foi outro que o de uma língua morta”.
Mencionando esta afirmação não intencionamos concluir que o surdo não deve
aprender a falar ou se comunicar através de mímicas, gestos. O objetivo é, conforme esclarece
Danesi (2001, p. 45), “destacar que a fala e linguagem são coisas distintas e que a Língua de
Sinais é essencial para o acesso à informação e ao conhecimento e indispensável para a
integração do surdo com sua própria comunidade”.
Em relação à educação que receberam na Escola da ACAS, e como deveria ser a
educação dos surdos, a maioria deles afirma que deveria ser “mais forte”, que deveriam receber
as informações e conteúdos em Língua de Sinais, a única maneira de poder ter acesso ao
conhecimento. Os surdos também expressam a preocupação em relação à postura dos professores
ouvintes, em relação à Língua de Sinais, como também quanto à sua própria educação. Na
opinião deles, ainda precisa melhorar muito.
“È necessário que seja um ensino mais forte, melhor, de uma forma mais desenvolvida, com textos, porque a gente
precisa aprender para passar na faculdade e a usar as palavras. No passado e hoje continua a mesma coisa (forma de
ensinar). Do Oralismo para a Comunicação Total não lembro muito bem, só lembro da Comunicação Total, quando
começamos a usar LIBRAS, aí aprendi muito rápido a LIBRAS. Tenho vontade de falar, mas tenho vergonha de
falar alto por causa da minha voz. Eu acho que quando eu estudava na Escola da ACAS era muito fácil, quando vim
para outro Colégio, eu fiquei apavorada, porque achava muito difícil as disciplinas. Na Escola da ACAS era muito
fácil, achava que não ia aprender nada neste Colégio, aqui é muito difícil, os professores lá não ensinam igual aqui.
Com o passar do tempo foi ficando mais fácil, e ficando melhor. Na Escola da ACAS estudei até a 8ª Série. Não
estou indo muito bem no Colégio, não consigo muito aproveitamento” (Entrevistado “A”).
“Bom, bastante tempo, faltava ensinar melhor, no começo foi ruim, depois mudou a coordenadora, daí ficou bom, a
37
coordenadora de antes era muito ruim só pensava em campeonato, em futebol e menos na questão do surdo. Ia
passando os surdos assim sem saber nada, ia aumentando as notas deles, eram aprovados rapidamente, aí a
aprendizagem dos surdos ficava muito atrasada porque o tempo que se perdia com a oralização. E (...) havia (...)
pouco tempo para aprendizagem. Perde muito tempo fazendo oralização, o dia inteiro só fazendo oralização; há
muito tempo atrás, mais ou menos 1996, aí começou a usar a Língua de Sinais nas Séries Iniciais, não está bem
bom, mas o que acontece é que deste período em diante abriu matrícula para a 5ª a 8ª Série, aí os surdos começaram
a se matricular, eu mesmo reprovei na 5ª Série, e na 8ª Série, mas foi bom, daí aprendi mais, porque tinha LIBRAS,
aí consegui aprender. No momento estava difícil, pois estou trabalhando e não tenho muito tempo de estudar”
(Entrevistado “C”).
“Lá é bom, mas falta LIBRAS em contexto, falta ensinar a língua portuguesa em contexto, falta também expressão
facial por parte dos professores” (Entrevistado “D”).
“É bom, os professores usavam as palavras, antes era oral, agora não, eles explicam as palavras com gestos, a gente
entendia mais ou menos; poderiam explicar melhor o significado das palavras em LIBRAS” (Entrevistado “E”).
“Os professores escrevem no quadro, escrevem um monte de coisas, aí a gente copia e eles só ficam falando lá,
memorizava alguma coisa só, depois quando ia fazer atividade a gente não sabia. O que acontece, depois tem a
prova e a gente não sabe fazer a prova, os alunos chamam muito pouco os professores para explicar, e os professores
para explicar só usam o alfabeto manual, ou gestos, apontam para o quadro, e com o alfabeto manual, com criança
pequena é bem pior, o que você acha que a criança pequena vai aprender? Quase nada” (Entrevistado “F”).
Estas afirmações dos egressos da Escola da ACAS nos remetem novamente ao que
afirma Skliar, quando se refere especificamente aos sistemas de comunicação criados por
terapeutas e também pelos professores ouvintes, que os usam por não saberem ou dominarem a
Língua de Sinais.
Skliar (1997, p. 132) diz:
(...) nenhum destes sistemas, sejam facilitadores para o reconhecimento de palavras, de
letras, etc. ou mecanismos intermediários entre a língua oral e a Língua de Sinais – como
os idiomas de sinais em suas múltiplas versões – demonstram alguma vantagem
comunicativa, lingüística e cognitiva em comparação com o uso direto e pleno da Língua
de Sinais.
É interessante observar que as opiniões, explicitadas pelos entrevistados, também
estão em sintonia com as idéias de um surdo entrevistado por Danesi (2001, p. 26), que aponta
como fatores principais pela má qualidade da educação oferecida aos surdos, os seguintes: “Falta
de professores habilitados e preparados, que estejam capacitados para interpretar o pensamento
de cada aluno e que oportunizem espaço para os alunos expressarem idéias e sentimentos. A
ausência significativa do professor surdo nas escolas”.
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Além disso, percebe-se nas entrevistas, que as práticas pedagógicas e políticas da
escola da ACAS, podendo não ter contribuído para a interação dos seus alunos surdos e,
conseqüentemente, para a sua aprendizagem, pois eles sentiam-se isolados em sala de aula, pela
falta do retorno/resposta auditivo necessário nesse ambiente. Não interagiam durante as
atividades escolares e sentiam-se estrangeiros ali. A escola propunha atividades mecanicistas,
treinos auditivos e leitural-labial, tudo isso visando a "reprodução da fala". Os surdos não
aprendiam a sua língua natural, a língua de sinais (LS), pois lhes era proibida; a língua da
maioria ouvinte, era a única permitida. Com isso, as crianças surdas não aprendiam a estruturar
seu pensamento, pois lhes faltava uma língua que as instrumentalizasse, que lhes servisse como
instrumento do pensamento.
Examinando os depoimentos dos egressos com relação à idade em que começaram a
usar LIBRAS, a grande maioria começou a se comunicar em LIBRAS a partir de nove anos, pois
não tinha acesso à Língua de Sinais. Eles eram impedidos de usarem gestos, mímicas. Na Escola
da ACAS predominava o Oralismo, conforme alguns relatos.
“Deixa eu lembrar, sete ou oito anos, não sei aproximadamente, mas acho que foi a partir dos sete anos, antes era só
gestos, fala, gestos bem menos. Na Escola da ACAS era quase só fala, era ruim, essa obrigatoriedade de só falar, na
minha opinião falta respeito com os surdos. Tem que ter paciência com os surdos, os professores de lá não tinham
paciência com os surdos, não tinham respeito, se o surdo não conseguia falar, eles ficavam nervosos, pegavam com
força, assim (mostra os braços e mãos), diziam assim: você é burro, não consegue falar, enfim, são essas coisas que
eu lembro, aconteceu umas vezes que eu lembro, os surdos eram forçados a falar. Primeira vez, segunda vez,
aconteceu umas duas vezes comigo, eles me forçando a falar, me dando bronca. Eles não tinham paciência, agora de
vez em quando eu encontro eles, os professores na rua, aí eles dizem: – oi, tudo bem? Eu digo: - Tudo. Aí eu penso:
tudo bem nada, hâ,hã, tô nem aí, com a vida deles. Daí eles dizem: – Eu estou feliz em te encontrar. Eu penso: Hã,
tá bom. O que você me fala, passa batido. Nem ligo (Para elaborar essa frase o entrevistado usou o alfabeto
manual)” (Entrevistado “C”).
“Com três anos usava gestos, mímicas, Comunicação Total. Então dos três anos até os nove anos, só gestos e fala
(oralmente). A partir dos nove anos é que comecei a aprender LIBRAS” (Entrevistado “F”).
Pelos relatos dos entrevistados também pôde-se observar que a vigilância por parte
dos professores era de tal mando, que ao notar uma comunicação gestual ou outra que não fosse
a oral, providenciavam logo o encerramento do assunto. Observa-se que foi muito “estranho” o
clima de intolerância que prevaleceu em relação à comunicação gestual, durante a época em que
predominava quase absoluto o Oralismo na Escola da ACAS.
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Quanto à questão os surdos consideram a LIBRAS como fundamental para suas
vidas, todos foram unânimes em assinalar que a convivência com outros surdos e o uso da
Língua de Sinais estimulam a vontade de conhecer e compreender o mundo, conforme pode-se
observar nos relatos.
“Porque melhora a comunicação do surdo; se por exemplo, o surdo vai só trabalhar a fala, a comunicação é muito
reduzida, é muito limitada, a compreensão é limitada. A LIBRAS é própria do surdo, por exemplo é tão própria,
assim como o cego se utiliza dos recursos do Braille. É preciso ter respeito com a língua do surdo, o ouvinte não é
acostumado com a língua do surdo, ele é capaz de aprender a Língua de Sinais. Se o ouvinte quer só a fala, daí fica
difícil para o surdo se comunicar com o ouvinte. Na minha opinião eu gosto da Língua de Sinais, porque é própria
do surdo; pessoa ouvinte, não precisa da Língua de Sinais, tem surdos que não gostam dos sinais porque a família
obriga a falar; daí ele não aceita a Língua de Sinais, outras famílias de surdos se preocupam com ele, aí deixa livre
para ele escolher como quer se comunicar, aí fica bom, família respeita o surdo” (Entrevistado “C”).
“Sim, muito importante a Língua de Sinais, para comunicação com a família, os amigos, com as pessoas, enfim em
diversas situações” (Entrevistado “D”).
“Muito importante, na escola, no estudo, com a família para me entender e comunicar com os amigos, enfim com
todos de uma forma geral” (Entrevistado “E”).
“É importante, facilita comunicação, se o surdo não tem Língua de Sinais, como ele vai se comunicar? Precisa
aprender a LIBRAS. A LIBRAS facilita a vida, entender as coisas; antes eu só usava gestos, me comunicava com
gestos, quando eu comecei a usar a Língua de Sinais eu gostei muito, a minha vida fluiu. Antes eu sofria muito, só
fala, muito cansativo; aí desenvolvi a Língua de Sinais, fiquei muito, muito alegre” (Entrevistado “E”).
Skliar (1997, p. 143), afirma que “o fato de uma criança surda utilizar a língua de
sinais como meio de instrução não significa que perca a capacidade de adquirir um segunda
língua, mas que a introdução desta segunda língua através da língua natural da criança, lhe
assegura o domínio de ambas”.
Para Danesi (2001, p. 35), “a Língua de Sinais proporciona aos surdos a descoberta
do mundo, as mãos vão ajudar os olhos a compreender a realidade”.
Além de considerar a Língua de sinais fundamental para suas vidas, os surdos
demonstraram que consideram ser importante saber escrever corretamente.
Respondendo a pergunta sobre o que está faltando para o surdo aprender melhor a
Língua Portuguesa escrita, vejamos os depoimentos de alguns entrevistados:
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“Sozinha não consigo aprender, preciso da intérprete, vejo a palavra daí eu pergunto, o que é isso, aí ela fala e eu
vou aprendendo, e fica mais fácil, direto sozinho eu não vou aprender. As palavras dependem do contexto, as
palavras estão relacionadas ao contexto, o professor explica, aí eu consigo entender melhor” (Entrevistado “E”).
“No passado ficava mais complicado ensinar. Os professores ficavam batendo papo com os outros professores,
perdendo tempo, conteúdo. Mandar os professores trabalhar. Ensinar mais, não entendo as palavras, não sei mais o
que significa; no passado o professor pode explicar mas perde tempo interrompe e não continua explicando. Faço
texto, professor corrige, pergunto professor, agora tá bom, ele responde, hoje tá bom. Eu testemunhei, fala
(oralmente) e LIBRAS – falo pouco LIBRAS com professor. Em casa eles se acostumaram com alguns gestos. Com
amigos de longe me comunico com gestos, coisas muito simples, básicas, voz é fraca, com amigos surdos
conversamos com LIBRAS” (Entrevistado “C”).
“Os professores usavam mais gestos, objetos, faziam só alguns sinais isolados, falta os professores estar assistindo,
observando, vendo os instrutores usarem a Língua de Sinais. Por exemplo, eu vou lá e escrevo uma palavra, então
pego um material. Eu pergunto o que é isso aqui, e o professor vai me dizer em LIBRAS. Aí eu compreendo e tudo
fica mais fácil. Falta os professores perguntar para os surdos, qual é o sinal disso, como é esse sinal para uma
determinada palavra. por exemplo em português eu não sei a palavra, aí eu vou lá e o professor me explica, aí ele
não sabe o sinal e ele pergunta para os professores surdos, fazem essa troca. Falta o professor explicar em LIBRAS,
aí a compreensão melhora muito, evitar o português sinalizado para aprender melhor a língua portuguesa escrita”
(Entrevistado “F”).
“Quando os professores estejam escrevendo, passem o significado do que está escrito, os sinais correspondentes. Os
textos, o que acontece, os textos no momento da prova difícil de responder, é preciso preparar bem, o que foi escrito,
o que foi preparado, mas é muito difícil aprender a escrever em português. Ler, é difícil, tem um certo grau de
dificuldade, porque estar lendo, pega pelo contexto, aí lembra, mas escrever é muito difícil, é mais difícil escrever
do que ler. No momento de ler, é mais fácil, tem algumas palavras que não sabe, aí pergunta e o professor responde;
no momento de escrever é mais difícil, aí, como é a palavra, não consigo. Agora tem intérprete em sala de aula, mas
ela não consegue interpretar na mesma proporção que os ouvintes falam, tinha que ser na mesma proporção, a gente
perde muito, ela interpreta pouco o que os ouvintes falam, eu percebo que ela, parece que fica dormindo, que está
travada. Também a fluência é muito ruim, intérprete muito devagar, resume muito, retira partes , interpreta pouco. O
professor ajuda um pouco, mas podia ajudar mais, alguns ajudam mais outros menos. Eu uso Língua de Sinais na
escola, mas quando eu chego em casa não, fica essa comunicação, aí eu vejo os lábios e pela expressão eu tento,
pelo contexto eu tento saber o que estão tentando me dizer” (Entrevistado “G”).
Em relação às respostas dos entrevistados, Danesi (2001, p. 36) cita Carlos Sánchez
(1990), quando este afirma que, “a imensa maioria das pessoas surdas não sabe utilizar a língua
escrita em toda a amplitude de suas possibilidades, como meio de comunicação, para a reflexão e
41
o enriquecimento do pensamento como fonte de prazer”.
Continuando Danesi (2001, p. 36) afirma,
As razões de os surdos não saberem utilizar a Língua escrita, estão relacionadas com a
falta de oportunidades disponíveis para uma interação significativa com materiais
escritos. Além disso, as crianças surdas, em geral, não contam com a presença de surdos
adultos, que possam lhes narrar histórias e conversar com elas sobre estes contos, de
maneira inteligível, isto é, em Língua de Sinais. (...) somente há uma maneira de
aprender a ler e escrever, que é extrair do texto escrito o significado e vice-versa, sem a
mediação da Língua oral. A criança surda precisa receber as mesmas oportunidades que
recebem as ouvintes. É preciso criar um ambiente de leitura, em torno da criança surda,
no qual a Língua escrita seja utilizada de maneira pertinente e significativa.
Para Ferreira Brito (1993, p. 59),
(...) numa linha bilíngüe, o ensino do português deve ser ministrado para os surdos da
mesma forma como são tratadas as línguas estrangeiras, ou seja, em primeiro lugar
devem ser proporcionadas todas as experiências lingüísticas na primeira língua dos
surdos (língua de sinais) e depois, sedimentada a linguagem nas crianças, ensina-se a
língua majoritária, (a Língua Portuguesa) como segunda língua.
Tomando como base o ensino desenvolvido na Escola da ACAS, constata-se que o
Oralismo sempre foi e continua sendo uma experiência que apresenta resultados nada atraentes
para o desenvolvimento da linguagem e da comunicação dos surdos. Sacks assim se expressa,
sobre essa questão:
O oralismo e a supressão do Sinal resultam numa deterioração dramática das conquistas
educacionais das criancas surdas e no grau de intrução do surdo em geral. (...) muitos
dos surdos hoje em dia são iletrados. Um estudo realizado pelo Colégio Gallaudet em
1972 revelou que o nível médio de leitura dos graduados surdos de dezoito anos em
escolas secundárias nos Estados Unidos era equivalente apenas à quarta série; outro
estudo, efetuado pelo psicólogo britânico R. Conrad, indica uma situação similar na
Inglaterra, com os estudantes surdos, por ocasião da graduação, lendo no nível de
crianças de nove anos (...) (SACKS, 1990, p. 45).
Em pesquisas realizadas, e de acordo com os relatos dos egressos, dos professores,
da coordenação na Escola da ACAS, a realidade não é diferente. Apesar de não haver um
levantamento extenso sobre o desempenho escolar dos surdos, os profissionais e os surdos
reconhecem as defasagens escolares que impedem o adulto surdo de avançar em seu processo de
escolarização e, também de acessar o mercado de trabalho. Nas escolas, de modo geral, é comum
a existência de surdos com muitos anos de vida escolar e ainda nas séries iniciais, sem uma
42
produção escrita compatível com a série. Além disso, há defasagens (em termos de conteúdos
escolares), nas demais áreas previstas para as séries, considerando o currículo escolar.
Publicações da FENEIS (1995, p.07), a respeito do desempenho escolar, trazem que:
Através de pesquisas realizadas por profissionais da PUC do Paraná em convênio com o
CENESP (Centro Nacional de Educação Especial) publicada em 1986 em Curitiba,
constatou-se que o surdo apresenta muitas dificuldades em relação aos pré-requisitos
quanto à escolaridade, e em 74% não chega a concluir o 1º grau. Segundo a FENEIS, o
Brasil tem aproximadamente 5% da população surda total estudando em universidades e
a maioria é incapaz de lidar com o português escrito (FENEIS, 1995, p. 07).
Ainda que seja uma publicação sobre dados de quase duas década atrás, deve-se
questionar o quanto pôde-se avançar desde então.
Para a atual coordenadora pedagógica da Escola da ACAS as dificuldades
encontradas pelos alunos se apropriarem do conhecimento, podem ser expressas nas seguintes
afirmações:
“O fundamental é que os surdos tenham a sua língua natural desde que nascem; a possibilidade de desenvolver a
língua natural, isso é fundamental e a outra coisa é que ainda falta um pouco de formação para os professores
ouvintes para ensinar a Língua Portuguesa com segunda língua para surdos porque é diferente você ensinar a
segunda língua e nós estamos buscando ainda esse caminho para ensinar a segunda língua para os surdos. Nós ainda
estamos buscando esse caminho, não encontramos ainda o caminho realmente. Esse é o caminho que a gente talvez
nunca vá encontrar, cada pessoa vai fazer o seu processo. Ainda falta um pouco de reflexão teórica”.
É importante lembrar que “a competência do aluno surdo na escrita melhora
conforme aumenta seu nível de escolaridade e sua exposição à Língua de Sinais nas salas de aula
(por meio do intérprete)” (SILVA, 2001, p. 92).
Além dos comentários e das reflexões já feitas, em relação à educação dos surdos na
Escola da ACAS, observa-se ainda, que é de extrema importância discutir a possibilidades reais
da participação dos surdos nos debates sobre língua, escola, trabalho, cidadania, etc.
43
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estudos que nortearam este trabalho, assim como o percurso desta investigação
foi estabelecido com a finalidade de historicizar a transição da filosofia oralista para a bilíngüe
na escola da ACAS, bem como compreender por que os princípios norteadores da educação de
surdos em nosso país, ainda são baseados na normalização e integração, quando se trabalha sob
a proposta da filosofia oralista.
Este estudo pautou-se ainda, pela necessidade de avançar rumo a propostas que
priorizassem o respeito às diferenças, o que se contempla quando se implementa um trabalho
educativo sob a proposta bilingüe.
Quando se fala de educação para Surdos em Cascavel/Pr, vislumbram-se diferentes
realidades durante o processo de aprendizagem e desenvolvimento educacional, das quais
podem-se citar: classes especiais em escola de ensino regular, CAEDA (Centro de Atendimento
Especializado para alunos com Deficiência Auditiva), surdos inseridos em classes de ouvintes,
atendimentos complementares e a Escola da ACAS.
Dessa forma a realidade de Cascavel, provavelmente, sob alguns aspectos, não se
diferencia do resto do país em sua caminhada de trabalho desenvolvido na área da surdez,
registrando períodos em que a educação de surdos concentrava-se na concepção educacional
44
oralista, chegando hoje a uma busca mais concreta de implementação da abordagem bilíngüe de
educação para Surdos.
Pelos depoimentos dos surdos egressos da Escola da ACAS, pôde-se perceber que
inúmeros deles ao recordar sua trajetória escolar representam suas dificuldades associadas a
imagens relacionadas ao isolamento, fazem referência também à libertação que significou, em
suas vidas, s implantação da Língua de Sinais e a convivência com outros sudos. No entanto, não
foi possível, analisar e discutir, estes depoimentos com os próprios surdos, porque só a partir da
reconstrução histórica, do processo de desenvolvimento de cada um, é que será possível para os
surdos, iniciar debates e movimentos que levem a uma educação mais apropriada para os
surdos.
Em tendo havido um avanço na democratização do acesso à educação - embora a
grande maioria dos alunos com deficiência auditiva ainda não freqüente as escolas - a política
educacional ainda é frágil, a ação conjunta da educação regular e especial ainda não é
consistente, os professores ainda sofrem pelo despreparo, o apoio de equipes especializadas que
auxiliem no esclarecimento das potencialidades dos alunos ainda não é uma realidade.
A análise crítica das filosofias oralista, da comunicação total e bilíngüe, relatadas no
presente trabalho estão de acordo com a conclusão de Goldfed (1997, p. 42),
Em relação às três filosofias educacionais, podemos perceber que elas defendem
aspectos diferentes em relação à aquisição da linguagem pela criança surda. A visão que
estas filosofias têm em relação à linguagem e sua importância para o desenvolvimento
infantil são divergentes, no entanto estas divergências não são claramente explicitadas.
A maior parte da bibliografia relacionada à aquisição da linguagem pelos surdos não se
aprofunda nas questões teóricas, mas somente nas questões práticas do atendimento à
criança surda, o que prejudica bastante os estudos nesta área. (...) não é possível analisar
as conseqüências que cada filosofia provoca no desenvolvimento das crianças surdas
sem conhecer, a princípio, uma teoria que trate da linguagem e de sua importância no
desenvolvimento global da criança.
Constata-se que a implantação de um programa bilingüe para indivíduos surdos,
tendo a língua de sinais como primeira língua e uma língua oral como segunda língua, não é
simples. O objetivo de uma educação bilingüe/bicultural é permitir aos indivíduos surdos um
acesso completo a uma língua natural (a de sinais), que permite uma aquisição normal da
linguagem nesta primeira língua. O primeiro passo para a implementação de um modelo
bilingüe/bicultural é a aceitação da língua de sinais como uma língua verdadeira e completa.
Aceitando-se a língua de sinais, aceita-se o surdo.
Dessa forma, percebe-se que ao optar por uma proposta de educação de surdo
bilingüe estaremos admitindo que a educação estará inserida no meio social e político de uma
comunidade e assim deve ser encarada e respeitada. O compromisso, portanto, deve ser mútuo
45
para a real concretização dessa proposta, ou seja no passado, a língua de sinais como linguagem
dos surdos, foi desvalorizada, afetando o desenvolvimento dos mesmos, e essa postura é hoje
rechaçada com vigor pelos principais movimentos de surdos em todo o mundo.
A respeito da implantação da filosofia bilíngüe, podemos citar Brito (1993, p. 67),
Como se sabe, a língua, além de ser o principal veículo de comunicação, é também o
mais importante meio de identificação do indivíduo com sua cultura e o suporte do
conhecimento da realidade que nos circunda. O problema das minorias lingüística é,
pois, muitas vezes, não apenas a privação de sua língua materna, mas sobretudo a
privação de sua identidade cultural.
Constata-se, também, que inicialmente a escola da ACAS, tanto quanto muitas outras
escolas brasileiras, trabalharam por meio do uso de metodologias que hoje nos parecem
equivocadas, numa visão clínica da surdez e com expressivo fracasso escolar por parte dos
alunos. Assim, se fez urgente a reestruturação de seus encaminhamentos teórico-metodológicos,
como um primeiro caminho para a busca de alternativas efetivas que a auxiliassem na melhoria
da estruturação da linguagem dos surdos.
Finalizando este estudo, percebe-se a importância de ouvir os usuários do sistema
educacional, para garantir propostas curriculares capazes de atender, realmente, as necessidades
de seus alunos, considerando que há muito, ainda, a conhecer sobre o processo educacional dos
surdos.
Também constata-se que o bilingüismo está sendo implementado na escola da ACAS
e que essa concepção está sendo construída aos poucos, contando com os professores ouvintes e
com a participação essencial dos alunos surdos, instrutores e dos professores surdos. Conclui-se
que a expectativa da direção, coordenação, dos professores e também dos surdos, é contemplar
todos os anseios dos surdos. Através das entrevistas, percebeu-se que, realmente, todos os
profissionais, assim como a comunidade da escola, estão conscientes e desencadeando um
processo de construção coletiva de mudanças, para que a referida escola seja um ambiente que
favoreça a aprendizagem e o desenvolvimento de seus alunos, considerando as características
específicas da surdez, vislumbrando uma educação bilíngüe para os surdos.
No entanto, as pesquisas e as entrevistas com os egressos, nos mostraram que não
basta que o surdo aprenda a língua de sinais na escola. Esta língua deve estar sempre presente
em todos os momentos de suas vidas, no seu cotidiano, e, assim como para os ouvintes, os temas
e conceitos abordados, devem ser cada vez mais complexos e abstratos.
46
8. REFERÊNCIAS
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47
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