Luís Filipe Carvalho
“Há um distanciamento gritante entre os advogados e a Ordem”
Se for eleito, Luís Filipe Carvalho, 43 anos, natural de Angola, acaba imediatamente com o
exame de acesso ao estágio na ordem dos Advogados. É “ilegal” e “inconstitucional”, diz o
advogado que lidera a Lista F. Por Paula Torres de Carvalho
d
Vinte e três mil quilómetros depois (em campanha) o que destaca da experiência de
candidato à Ordem dos Advogados?
Luis Filipe Carvalho - Conheço bem a profissão, estive sempre muito ligado às estruturas do
terreno da Ordem, as delegações e os conselhos distritais. Ser candidato é conseguir transmitir
aos colegas as minhas ideias de liderança e isso não é fácil.
Porquê?
Há um distanciamento que é gritante entre os advogados e a Ordem, há um distanciamento
crescente dos advogados para com o sistema de justiça e para com a participação cívica
Mas que maiores dificuldades detecta?
Falta de interesse
Pelo quê? Pela Ordem? Pela profissão?
Pela Ordem e pela profissão. A profissão atravessa hoje uma crise de valores. Que tem uma
vertente interna, mas também externa. A vertente externa é o pouco positivo funcionamento do
sistema de justiça. E depois temos causas internas. O facto de nestes três anos ter surgido
uma clivagem muito grande entre os advogados e a Ordem por razões que são públicas.
Há dias, a falar com um jovem advogado, ele interrogava-se: para que serve a Ordem? E
agora, eu pergunto-lhe: Para que serve a Ordem?
A Ordem serve, antes de mais, para exercer poderes de auto-regulação. Nós podemos ter esta
profissão, como uma profissão em roda livre. Que não tenha regras próprias, que seja regida
por aquilo que o Estado quiser. Ou então podemos defender uma profissão cujos poderes de
regulação são entregues pelo próprio Estado à Ordem. É a primeira coisas que temos de fazer
chegar aos jovens. O distanciamento entre os jovens advogados e a Ordem é negativo porque
enfraquece a nossa capacidade de defesa da auto-regulação. Depois a Ordem tem uma
componente de intervenção no sistema de Justiça que é muito relevante.
Se for eleito bastonário, acaba imediatamente com o quê?
Com o exame de acesso ao estágio. Para além de ilegal, de inconstitucional, não consigo
perceber a insensibilidade de um bastonário que deixa as famílias portuguesas com os seus
filhos licenciados, em casa, sem os poder inscrever na Ordem com fundamento numa norma
que é totalmente ilegal. Mas, acima de tudo, não tenho muito mais para acabar porque aquilo
que o dr. Marinho Pinto fez durante estes três anos, foi muito pouco, para não dizer
praticamente nada.
Há demasiados advogados para o mercado?
Há. A massificação em Portugal está revelada em dois dados. A primeira, é estarmos em
segundo lugar, imediatamente abaixo da Itália, no ranking europeu com o maior número de
advogados per capita. Mas é mais grave do que isso. Estamos num país em que o mercado de
serviços jurídicos ainda é pequeno e em que se vê os advogados fundamentalmente para a
litigância. Os cidadãos e as pequenas e médias empresas, a esmagadora maioria daquilo que
poderá ser o mercado dos serviços jurídicos tem, por princípio, só recorrer a advogado quando
tem um problema.
Como se contraria isso?
Com a consulta jurídica. Temos de enraizar essa consulta como um dever de cidadania e com
isso, evitar litígios. Quanto ao elevado número de advogados, a Ordem deve estabelecer quais
são os requisitos mínimos de exercício da profissão. ´
Chega?
E fiscalizar essas condições. Primeiro, as incompatibilidades. A Ordem não se deve manter
numa situação de passividade, tem de actuar. É uma forma de defender a profissão.
Um advogado, pode ser deputado?
Sempre entendi que há uma incompatibilidade. Até entendo que essa incompatibilidade deveria
estar consagrada no estatuto do deputado e não no estatuto da Ordem. Porque isso tem mais a
ver com a natureza temporária do cargo, do que com as obrigações que se impõem ao
advogado. O que defendo é que não há disponibilidade em Portugal para ver isto aprovado
porque quem aprova a alteração ao nosso estatuto ou ao estatuto dos advogados, são os
deputados. Não há vontade política para que isso seja uma realidade.
Chamou à sua candidatura “um projecto de ambição”. O que quer dizer com isso?
A minha candidatura distingue-se das outras exactamente por isso. A candidatura do dr.
Marinho Pinto é um projecto pessoal. O projecto do dr. Fragoso Marques nasce como luta a
esse projecto. Nós não quisemos nada disso. Constituí a minha equipa na perspectiva de
serem os melhores para executar este projecto. Um projecto com alma, de ambição. O nosso
cuidado foi prever aquilo que a Ordem poderia fazer pela profissão, pelo sistema de justiça e
pela cidadania nos próximos dez anos e não em medidas conjunturais de três anos.
De que forma é que a Ordem pode contribuir para devolver credibilidade ao sistema de
Justiça?
O diagnóstico do sistema de justiça está feito. Está velho, não tem meios, não tem critérios de
gestão, é burocrático e formalista. A Ordem tem de assumir um papel público de liderança, de
defesa do sistema. Nos últimos três anos assistimos precisamente ao contrário. O dr. Marinho
levou a justiça para a falta de credibilidade. E temos hoje esse problema a juntar aos outros,
que é talvez o mais grave.
Um bastonário deve ser crítico do sistema de justiça?
Deve e deve acima de tudo identificar onde estão os sinais de ruptura.
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Luís Filipe Carvalho