As “Aparições de Fátima”, Imagens e
Representações (1917-1939)
de Luís Filipe Reis Torgal
Daniel Lacerda
is um trabalho de investigação histórica* pleno de
actualidade, que vem colocar o problema de Fátima em termos racionais, destriçando, na evolução transformadora dos acontecimentos, a parte factual do sentido
sobrenatural que outros lhe atribuíram, gerando a mística conhecida.
Face à pressão dos múltiplos organismos que inscrevem a sua actividade no prolongamento da interpretação sobrenatural do acontecido, esta obra de Luís Filipe Torgal
é de grande oportunidade, ao mostrar, como nenhuma outra até hoje,
como foi elaborado este fenómeno
de crença na intervenção de entendidades sobrenaturais, sobrepondose à visão crítica dos factos.
Antecipando a conclusão e parafraseando o historiador António-José
Saraiva, na sua conhecida dedução:
“a Inquisição é uma fábrica de
judeus”, igualmente podíamos
dizer, neste caso, que os religiosos
(de formação e de simples fé), pelo
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facto de actuarem, criam o fenómeno religioso, sobrenatural, desde
que sejam reunidas certas condições! Como o domínio religioso é
de ordem simbólica e responde a
apelos do inconsciente humano, a
sua forma de existência denega a
confrontação com o real factual.
Acerca das condições históricas
e sociais concretas, que favoreceram a implantação deste acontecimento (porque “visões” semelhantes
se verificaram no mesmo período
noutras terras), o jovem mas pertinente historiador refere: o sofrimento da população portuguesa
com o corpo expedicionário português da I Grande Guerra, a implantação do regime comunista na URSS,
a luta pela restauração do Bispado
de Leiria, e a luta constante da Igreja
contra republicanos, liberais e
maçons, nesse período.
O historiador procede a um
estudo minucioso da imprensa que
acompanha as diversas concentrações de população, segundo o
anúncio dos pastorinhos, após a
“sucessão de alegados fenómenos
sobrenaturais” (p. 33), verificados
entre 13 de Maio e 13 de Outubro
de 1917. Distingue com muita minúcia o papel de uns e outros articulistas, concluindo pelo seu papel
nefasto e partidário: “consagrados
estudiosos e divulgadores de Fátima,
como Manuel Nunes Formigão,
Leopoldo Nunes, Costa Brochado,
Luís Gonzaga da Fonseca, José
Galamba de Oliveira, Sebastião
Martins dos Reis, Giovanni de
Marchi e C. Barthas não deixarão
de dar voz aos citados artigos que
rotulam de sérios, objectivos e reveladores, por parte do seu ímpio
autor, de um acto de fé no carácter
extraordinário do fenómeno.”
Refere-se concretamente a um
artigo de Avelino de Almeida, jornalista anticlerical que credibilizou as
“aparições” de 13 de Outubro de
1917 com uma reportagem publi-
cada no jornal republicano O
Século.
O historiador descreve a seguir
as celebrações cultuais que
membros da igreja começaram a
efectuar localmente, após a compra
de terrenos por parte da entidade
religiosa ,e a sua evolução nos anos
vinte. Mostra o papel determinante
que o Bispo de Leiria D. José Alves
Correia da Silva, entretanto nomeado,
ao reconhecer os acontecimentos,
vai emprestar ao caso, fomentando
um culto místico, severo, longe da
romaria popular das romangens do
Norte.
Essa avalancha de sobrenatural
vai submergir as diversas e repetidas análises racionais e históricas
como as dum Tomás da Fonseca
(Na Cova dos Leões, Lisboa, 1958)
ou de João Ilharco (Fátima
Desmascarada. A Verdade Histórica
acarca de Fátima Documentada
com Provas, Coimbra, 1971). L. F.
Torgal assinala: “já em Agosto de
1917 Tomás da Fonseca denunciava,
numa intervenção efectuada no
Senado, que as ridículas e absurdas
aparições milagrosas de Lindoso
(ocorridas em 10 de Maio de 1917)
e Vila Nova de Ourém não passavam de manobras da reacção clerical contra a política liberal,
positivista e laica e contra a política
intervencionista do Estado na
Primeira Guerra Mundial”. Enfim o
autor prolonga a sua análise,
sempre muito bem documentada,
por mais dois capítulos onde trata
de “Fátima e os católicos” e das
“metamorfoses do discurso fatimista”. E lamenta a concluir não
ter podido consultar os arquivos do
Vaticano, do Santuário de Fátima e
o Arquivo Diocesano de Leiria por
falta de autorização.
Esta presente obra opera uma
análise extremamente fina das
representações que esses acontecimentos conheceram, estando estas
bem caracterizadas quanto ao posi-
LATITUDES
n° 23 - avril 2005
cionamento ideológico e mental dos
seus autores, fornecendo ao leitor
uma leitura precisa das forças que
actuaram, passo a passo, para criar
no país um local de romagem e de
culto comparável a outros, como
Lourdes em França, em fortalecimento das estruturas e da mística
religiosa. Assente na perpectiva do
historiador, que se debruça sobre
factos imbuídos de interpretações
pessoais que admitem o sobrenatural, a sua reconstitução é de um
grande rigor e permite localizar as
forças e os personagens que transformaram uma visão de pastores
adolescentes num fenómeno espiritual e social. Daí a importância
deste estudo, que não se limita a
uma descrição linear, mas soube
antes captar as forças que o dinamizaram e o tranformaram. O resultado é tanto mais de salientar
quanto resulta dum trabalho universitário a efectuar num curto espaço
de tempo.
Estabelecidas aí as condições
concretas da sua fenomenologia
histórica, persiste o acontecimento
na sua dinâmica religiosa, enquanto
manifestação que os organismos
católicos gerem, enquadrando-a e
propondo-a a quem sente necessidade dessa extensão ao sobrenatural, que caracterizou os primeiros
homens no seu espanto perante o
mundo. Esta faceta mais actual, bem
como as suas motivações espirituais, não puderam ser aí estudadas
por Luís Filipe Torgal, por pertencerem ao domínio da antropologia,
embora sejam referidas algumas
atitudes e obras, como as do padre
Mário de Oliveira e de Moisés
Espírito Santo, que se inscrevem
nessa área. O leitor fica, porém,
perfeitamente, informado do fenómeno histórico e social que deu
origem à crença na virtualidade de
Fátima, para além do facto de
nenhuma “aparição” ter sido confirmada * Luís Filipe Reis Torgal, As “Aparições
de Fátima”, Imagens e Representações
(1917-1939), Lisboa, Temas e
Debates, 2002, 241 p.
“Um Estudante em Paris,
1950-1952”
de Cláudio Veiga
Dominique Stoenesco
ntre la France et le Brésil, au
plan culturel notamment, il
y a toujours eu un intense
chassé-croisé. Si en cette année
2005, la France rend hommage à la
culture brésilienne en la plaçant au
devant de la scène, beaucoup de
Brésiliens, depuis longtemps, nous
ont montré abondamment leur
grande connaissance et leur admiration pour notre culture. Parmi ceuxci, Claudio Veiga, actuel président
de l’Académie des Lettres de Bahia,
occupe une place de premier rang.
Ecrivain, chercheur, traducteur
réputé et auteur de nombreux livres
sur la littérature française, Claudio
Veiga vient de publier ce récit autobiographique, Um estudante em
Paris, 1950-1952, d’une grande
richesse documentaire et littéraire.
En été 2000, lors d’une visite à
l’Académie des Lettres de Bahia,
Claudio Veiga nous dédicaçait la
deuxième édition bilingue de son
Antologia da poesia francesa (do
século IX ao século XX (éd. Record,
507 p.), un des ouvrages les plus
complets dans ce domaine, publié
dans un pays d’expression portugaise et qui reçut le prix de
l’Académie française, ainsi que celui
E
de l’Union des Ecrivains Brésiliens.
Parmi ses nombreux autres travaux,
citons Um brasileiro soldado de
Napoleão, qui est une biographie
de l’écrivain brésilien Caetano
Lopes de Moura, engagé comme
médecin militaire pendant les guerres napoléoniennes, Sete tons de
uma poesia maior, étude sur le
poète symboliste bahianais Arthur
de Salles, ou bien encore Um brasilianista francês Librairie Lusophone
LIVRES - DISQUES ET PRESSE
des pays de langue portugaise
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