Trabalhadores na luta por saúde pública com qualidade e universal CUT e a CNTSS/CUT são a favor do Programa Mais Médicos e defendem o direito da população à saúde por meio do SUS A chegada de médicos cubanos ao país vem sendo tratada de maneira polêmica e, por vezes, com argumentações que deixam de lado o motivo da medida tomada pelo governo da presidenta Dilma Rousseff e resvalam em interesses corporativistas e até mesmo ideologizados. Fazer um exercício de fugir das armadilhas desta lógica simplista é fundamental para compreender o propósito desta decisão e o benefício que procura trazer para o usuário do sistema público de saúde. A proposta do “Programa Mais Médicos” é consequência de uma situação real, ou seja, a intenção de ver atendidos princípios básicos da condição humana: o direito à saúde e à vida. Premissas com fundamentos éticos e morais que, graças à mobilização social e dos trabalhadores, estão presentes no texto da Constituição Federal, de 1988, por meio da consolidação do SUS – Sistema Único de Saúde como universal e gratuito. Com isto, Estado e sociedade se tornam responsáveis para que este direito se transforme em realidade. Se olharmos por este prisma, veremos que o esforço do governo representa a determinação política de cumprir o que de fato é seu dever. Fica fácil compreender de imediato que o governo brasileiro “não inventou a roda” com a medida tomada, mas respondeu a uma demanda. A opção por chamar médicos estrangeiros também não é original. Várias Nações fazem isto para dar conta de seus sistemas de saúde. No Brasil, apenas 1,79% dos médicos tem formação no exterior, na Inglaterra, que tem um sistema de saúde semelhante ao nosso, este percentual chega a 40%, nos Estados Unidos, 25% e Austrália, 22%. Pesquisa feita por técnicos do Programa junto aos municípios demonstra um déficit de 15,6 mil profissionais. Indicadores utilizados para demonstrar a proporção médico x população apontam que o Brasil possui 1,8 médicos por mil habitantes. É um índice menor que o encontrado na Argentina (3,2), no Uruguai (3,7), no Reino Unido (2,7), em Portugal (3,9) e Espanha (4). 22 Estados brasileiros possuem número de médicos inferior à média nacional. Cinco deles contam com menos de um médico por mil habitantes. Lugares “esquecidos” por médicos brasileiros O balanço recente do “Mais Médicos” demonstrou que 701 municípios não foram selecionados nesta etapa por nenhum candidato inscrito no programa. Destas localidades, 68% possuem os piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) e 84% estão em regiões de extrema pobreza no Norte e Nordeste. As populações somam 11 milhões de pessoas, com índice de mortalidade infantil 1,5 vezes maior que a média nacional. São lugares onde as pessoas estão morrendo por falta de atendimento médico mínimo. Estes municípios “esquecidos” ou “desinteressantes” deverão ser atendidos pelos médicos de Cuba. Como resposta a esta situação, o governo federal firmou um acordo de cooperação com a OPAS - Organização Pan-americana de Saúde, vinculada à OMS - Organização Mundial da Saúde, visando a contratação de profissionais para as vagas não escolhidas por médicos brasileiros e estrangeiros. O “acordo de cooperação técnica para ampliar o acesso da população brasileira à atenção básica em saúde” sustenta-se na cooperação internacional em saúde, mas a partir dos valores presentes no SUS, e prioriza os municípios onde as condições de saúde são precárias ou inexistentes. O convênio com a OPAS segue critérios rigorosos e são estabelecidos a partir de mecanismos legais e jurídicos. Este tipo de contrato já foi firmado com outros 58 países. No Brasil, os médicos terão direito a Previdência paga pelo Ministério da Saúde e alimentação e moradia pagas pelas Prefeituras. A OPAS continua a busca por parcerias com outros países, universidades e organizações internacionais para trazer mais profissionais ao Brasil. Mas já será possível contratar 4 mil médicos cubanos, sendo que os primeiros 400 já estão em território brasileiro. Mais investimentos e mais SUS O diagnóstico de precariedade do sistema não é recente por parte do governo federal. Investimentos nos últimos dez anos permitiram o aumento de vagas em cursos de medicina em 61,7%. Em 2002, eram 11 mil vagas; em 2012 este número chegou 18 mil. Nos últimos dois anos houve ampliação do acesso a Bolsas de Residência em instituições públicas para auxiliar no atendimento prestado no SUS. Estima-se que até 2026 o Brasil sairá de 374 mil médicos para 600 mil. Para que isto aconteça o governo deve investir na ampliação da rede de Faculdades Públicas para geração de vagas, ao invés de estimular as escolas privadas. Não se faz saúde sem a infraestrutura adequada e, principalmente, sem profissionais capacitados. São condições já garantidas com o aporte inicial no valor de R$ 15 bilhões, até 2014, só para expansão e melhoria da rede pública de saúde de todo o país. Serão UBSs – Unidades Básicas de Saúde, UPAs – Unidades de Pronto Atendimento e Hospitais para atendimento em Atenção Básica, principal déficit das comunidades mais carentes. Mas é preciso mais. O subfinanciamento do SUS é um assunto em pauta. Fala-se, inclusive, na necessidade de duplicar o percentual do PIB hoje investido. Debates realizados nos espaços acadêmicos e sindicais apontam para o fim do incentivo fiscal e dos repasses de orçamento público ao setor privado. Neste caso, seriam liberados R$ 20 bilhões ao ano para a saúde pública. Estudos técnicos demonstram que para atender com assistência privada de saúde 25% de brasileiros, é preciso investir 54% dos recursos gastos em saúde. Uma distorção que aparece na distribuição dos médicos: 55% da capacidade de atendimento destes profissionais é absorvida pelo setor privado. O sistema suplementar de saúde cresce permanentemente no país. Atualmente são cerca de 1,3 mil operadoras, com 48 milhões de usuários. Em 2011, como exemplo, o faturamento global foi de R$ 85,5 bilhões. Mas isto não se reverte em qualidade. De acordo com o IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, os planos de saúde lideram o número de reclamações nos últimos 11 anos. O que significa, muitas vezes, em transferência de atendimento para o SUS. Estudo da APM - Associação Paulista de Medicina, realizado com 5 mil profissionais do Estado de São Paulo, aponta que 90% dos entrevistados demonstram descontentamento na relação com as empresas. O aumento da carga horária de trabalho para suprir a defasagem dos honorários pagos pelos planos de saúde é mencionado por quase 80% dos entrevistados. Os valores abusivos cobrados pelas empresas de saúde não revertem em qualidade de atendimento de seus usuários e nem em melhoria das condições de trabalho dos profissionais. Trabalhadores querem mais saúde para todos Acreditamos que a discussão sobre a chegada de médicos cubanos precisa ser feita com o olhar sobre o direito inalienável de todo cidadão à vida e à saúde. Estamos falando de milhões de pessoas que não são atendidas no sistema público pela falta de médicos ou de profissionais técnicos. Uma parcela da população que não tem condição de pagar assistência privada e, por isto, não pode ficar à margem da cidadania. A expectativa que seja possível equilibrar o número de médicos pelo território brasileiro é de todo trabalhador que lutou para ver o SUS implantado. É também uma bandeira da CUT – Central Única dos Trabalhadores e da CNTSS/CUT – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social, que representa o Ramo da Saúde dos setores público e privado. Nós sempre dialogamos com a sociedade e com os governos para consolidar o SUS com qualidade adequada, gratuito e universal. Mas também não abrimos mão dos direitos dos profissionais que atuam em todas as etapas do atendimento prestado aos usuários do sistema. É preciso pensar uma política de recursos humanos que observe a formação dos trabalhadores, suas carreiras e condições de trabalho. Exigimos que o Programa do governo respeite os direitos dos médicos brasileiros ao Regime Geral da Previdência Social. Mesma atenção será dada aos estrangeiros sobre o direito aos acordos internacionais de Seguridade Social. Consideramos legítimas tanto a preocupação das entidades reguladoras, quanto a expectativa da sociedade em ter acesso a serviços públicos de saúde com cada vez mais qualidade. Acreditamos que este equilíbrio se dará por meio do diálogo, da transparência e do acompanhamento sistemático das ações. Vamos acompanhar a implantação do Programa, assim como seus os resultados, para que as preocupações expostas pelas entidades reguladoras não se consolidem. Não deixaremos de lado o princípio de defesa do direito a uma saúde pública com qualidade. Por isto, incluímos o tema na pauta enviada para discussão com o governo federal. O SUS com qualidade é uma reivindicação presente e defendida em todas as mobilizações realizadas pela Central nos últimos meses. O SUS foi, é e sempre será uma bandeira histórica da classe trabalhadora. Vagner Freitas é presidente da CUT Nacional Maria Aparecida Faria é secretária geral adjunta da CUT Nacional e secretária de mulheres da CNTSS/CUT