UMA ABORDAGEM DE SAUDADE (1919) DE THALES CASTANHO DE ANDRADE E SUA RELAÇÃO COM A LEITURA ESCOLAR Cleila de Fátima Siqueira Stanislavski/UNESP INTRODUÇÃO Para compreender melhor o aparecimento de uma literatura infantil brasileira e os problemas envolvidos na sua constituição, apresento neste artigo um estudo sobre o livro Saudade (1919), do autor Thales Castanho de Andrade. Este livro pode ser considerado representante da transição entre a fase final da literatura escolar e o início da literatura infantil brasileira, além de ter sido amplamente utilizado nas escolas. Quanto ao método, utilizo neste trabalho procedimentos metodológicos de pesquisa documental e bibliográfica, com contribuições de fontes primárias e secundárias. Essa abordagem histórica está centrada, sob a ótica metodológica, nas idéias desenvolvidas por Roger Chartier numa abordagem identificada como “história cultural”. Segundo Roger Chartier (1991) esta metodologia está focada na compreensão, manipulação e estudo de textos, impressos de formas variadas, em seu contexto histórico e social. Segundo Tambara (2003) a análise das práticas de leitura por pesquisadores, no campo da história da educação no Brasil, e nas contribuições para preencher eventuais lacunas, permite uma melhor compreensão do processo de constituição do ato de ler no Brasil. Neste texto apresentarei as principais idéias sobre a trajetória do aparecimento da literatura infantil brasileira e uma abordagem sobre as idéias da Escola Nova e a leitura escolar, seguindo do fenômeno do ruralismo e do nacionalismo e de aspectos sobre o livro Saudade e seu autor, finalizando com as Considerações finais, as Referências Bibliográficas e a Bibliografia Consultada para elaboração deste artigo. Em vista do exposto, espero, com o desenvolvimento deste artigo, poder contribuir tanto para o desenvolvimento de outras pesquisas correlatas, como conhecer a obra de um escritor que é integrante da história da literatura infantil no Brasil, e elucidar aspectos pouco estudados sobre a educação brasileira. A FORMAÇÃO DA LITERATURA INFANTIL BRASILEIRA Na sociedade em que vivemos, a leitura é fundamental no trabalho do professor para desenvolver em sala de aula o processo de ensino-aprendizagem. Os textos de literatura infantil desempenham uma função importante na formação das crianças, e, de acordo com estudiosos do tema, deve ocupar um espaço privilegiado no processo de ensino-aprendizagem especialmente no início da escolarização de crianças. De acordo com leituras e estudos preliminares que fiz de textos de alguns estudiosos do tema, no entanto, é relativamente recente o reconhecimento dessa função e importância da literatura infantil, a produção de livros para esse público leitor e de estudos sobre textos do gênero. Para o educador Lourenço Filho (1943), desde os tempos mais remotos existia literatura infantil na forma da tradição oral, embora não fosse denominada como tal. Segundo o historiador e escritor Leonardo Arroyo (1968, p. 26-28), a necessidade de leituras destinadas às crianças, sejam elas educativas, didáticas, informativas ou recreativas, é muito recente, datando dos fins do século XVII, quando, principalmente nos países europeus, procurou-se diversificar as tradicionais leituras de livros com histórias de santos e das sagradas escrituras, buscando proporcionar uma leitura adequada à idade e interesses intelectuais da infância. Acrescentando às idéias de Lourenço Filho e Arroyo, para as pesquisadoras Lajolo e Zilberman (1999), as primeiras obras de literatura infantil européia apareceram na primeira metade do século XVIII, que foi assinalado pela industrialização e pelo surgimento de novas concepções de família, criança e escola, surgindo no século XIX os contos de fadas e iniciando uma definição dos livros que agradam mais às crianças. Conforme as idéias de Lajolo e Zilberman (1999), no Brasil, a literatura infantil tem início no século XIX com a mudança do regime monárquico para o republicano, com a crescente urbanização e com o aparecimento e implantação da imprensa editorial de livros. As primeiras obras do gênero eram traduzidas ou adaptadas de obras estrangeiras, modeladas à imagem nacional, como a natureza, os costumes, a língua, a pátria e a sociedade brasileira, e destinadas ao uso das escolas. Somente no início do século XX surgem autores nacionais de literatura infantil, a partir da produção de Monteiro Lobato e outros autores, como Viriato Correia e Thales Castanho de Andrade, que, nas décadas de 1930, 1940 e 1950, revelam tendências regionalistas, nacionalistas e rurais com ênfase na tradição oral e popular, indicando uma integração entre a escola e a literatura. Considerando então a trajetória e constituição de uma literatura infantil brasileira, há a necessidade de buscar o conceito de literatura infantil que, segundo Arroyo (1968, p. 65), varia muito no espaço e no tempo e tem ligações com a escola. No caso brasileiro, especialmente a partir da proclamação da República, o desenvolvimento da instrução pública, a criação de escolas primárias e de formação de professores e o uso de livros-texto na atividade didática, são fatores que possibilitaram condições para o surgimento de uma “literatura escolar”, constituída de livros traduzidos e/ou produzidos por brasileiros, dedicados à infância, no entanto, para o uso vinculado à escola, com finalidade de ensinar valores morais e sociais, de forma agradável. Ainda segundo Arroyo (1968), é dessa “literatura escolar” que se origina a literatura infantil brasileira, a qual se desenvolve e se consolida como gênero literário a partir da produção de Monteiro Lobato, nos anos de 1920 e seguintes. Nas décadas de 1940 e 1960 houve um grande crescimento da produção de literatura infantil, devido ao aumento do mercado consumidor, e da dinamização da produção e circulação de livros. Segundo estudiosos do tema, como Lajolo e Zilberman (1999, p. 124) e Magnani (1998, p. 248) somente a partir dos anos de 1970 que se tem, em nosso país, o início de uma produção em massa de livros para crianças e jovens, e um aumento de número de pesquisas e estudos acadêmicos sobre literatura infantil e juvenil . NOVAS IDÉIAS EDUCACIONAIS A educação em diferentes sociedades e em tempos variados sofre mudanças na tentativa de melhorá-la. Nas últimas décadas do século XIX, em vários países, muitos educadores perceberam problemas referentes às crianças e tentavam resolvê-los através de descobertas sobre o seu desenvolvimento. Assim, na área da educação, iniciou-se uma modificação para variar os procedimentos de ensino para torná-los diferentes dos que já existiam. (LOURENÇO FILHO, 1963, p. 15) No campo educacional brasileiro, após a Proclamação da República e o desenvolvimento da instrução pública, por volta dos anos de 1920 foi sendo introduzida nas escolas uma nova concepção de ensino chamada de Escola Nova. Segundo Nagle (1976, p. 250), devido a todas as transformações que decorreram das idéias da Escola Nova, “ [...] o movimento escolanovista representa na história da educação o espírito de crítica e de revolta contra os padrões de educação e cultura existentes até a penúltima década do século XIX.” A Escola Nova, conhecida e difundida mundialmente, refere-se ao conjunto de princípios que buscavam rever as formas tradicionais do ensino, com base numa nova compreensão das necessidades da infância e da sociedade em reação à função da escola, para reajustar a educação de modo geral aos novos fins e objetivos da realidade social. Segundo Vidal (1999, p. 336) a Escola Nova caracterizava-se por um ensino moderno, qualificado de prático e ativo, com estratégias de movimento e atividades como trabalhos em grupo, realização de experiências pelos alunos, enquanto a Escola Tradicional era vista como “[...] escola livresca (que) baseava-se no ensino por informação [...], portanto, passividade do aluno na relação ensino-aprendizagem. (Vidal, 1999, p. 336). Assim, com essa nova postura afastava o livro da escola, associando-o a um modo ultrapassado de ensinar e aprender, segundo o imaginário social e escolar da época. (Vidal, 1999, p. 337). No discurso pronunciado por Fernando de Azevedo em 28 de outubro de 1933, no encerramento da Semana do Livro no Instituto de Educação da Universidade de São Paulo, ele destacava que a atividade infantil gira em torno do livro escolar, e esse, por sua vez, influencia o trabalho total da escola. (AZEVEDO, 1948, p. 197) No ponto de vista da escola tradicional, segundo Fernando de Azevedo (1948, p. 197) o “livro de texto” assume uma posição de regulador de atividades, que no ponto de vista dos ideais do escolanovismo, o livro não poderia desaparecer, mas abrir-se à consulta e ao manuseio, transformando-se num “instrumento de trabalho” e fonte de informação. Segundo Vidal (1999, p. 339), depois da leitura ter sido condenada por intelectuais da educação, como sistema velho, alguns autores, como por exemplo, Anísio Teixeira, analisaram o conceito impregnado nos livros de leitura escolar e elucidando aspectos significativos da aquisição de novos conhecimentos através da experiência com o meio e os objetos mostraram que [...] o saber da experiência humana, assim, passava à condição de possibilidade de construção das futuras experiências individuais – criação – e poderia se atingido por meio da leitura, permitindo o avanço da ciência, percebida como conhecimento cumulativo e contínuo. (Vidal, 1999, p. 339) Para Fernando de Azevedo (1948, p. 198) na escola tradicional o livro utilizado nas atividades escolares era chamado de “livro de texto”, e dentro das novas concepções da escola nova passou a ser chamado de “livro escolar”, onde sua função consiste em “obter dados e informações, esclarecer dúvidas, recolher material de estudos e reflexão, e ‘por simples prazer’[...]. (AZEVEDO, 1948, p. 197) Então, a visão sobre leitura, e principalmente o uso dos livros transforma-se e passa a ser visto não mais como um instrumento de atitude não dinâmica, mas como uma “obra aberta” , pois as leituras eram ativas no sentido que o saber encontrado nos livros não se ofereciam mais a memorização, todavia emulavam a produção de novos saberes. (Vidal, 1999, p. 339). Dessa forma, o livro de vilão da Escola Nova passou a assumir, juntamente com a leitura, um papel de destaque na formação dos alunos. Segundo Azevedo (1948, p. 201) a ofensiva contra o livro de leitura ou de texto não era uma investida contra o livro e a cultura, mas dando-lhe nova função, tornando-o instrumento de trabalho, um “elemento de cultura”, desfazendo qualquer equivoco, completa: “Bem vindos sejam, pois, à escola nova os livros de literatura, de ciência e de arte, [...]” (Fernando de Azevedo, 1948, p. 202). O NACIONALISMO E O RURALISMO Com as novas mudanças ocorrendo no âmbito escolar advindo dos pressupostos de uma nova concepção de ensino aparece o fenômeno do nacionalismo e do ruralismo no âmbito social, que são refletidos no campo educacional. O fenômeno do nacionalismo que se estruturava sob a forma de uma corrente de idéias sistematizada num amplo movimento político-social e que se baseava no fenômeno de exaltação do homem e das coisas brasileiras, também penetrou no pensamento sobre educação, mas não com tanta intensidade, o fenômeno do ruralismo, que influenciou parcialmente a legislação e as práticas escolares, e que se constituía numa ideologia de desenvolvimento. (NAGLE, 1976, p. 231) Muitos aspectos do fenômeno ruralismo e do nacionalismo cruzaram-se, ocorrendo principalmente quando o nacionalismo tratava da exaltação da “terra” e da gente brasileira. Assim “terra” se traduziu em “ produtos da terra” e tornou-se sinônimo de “agricultura”. É por esse caminho que a ruralização do ensino significou, na década de vinte, a colaboração da escola na tarefa de formar a mentalidade de acordo com as características da ideologia do “Brasil-país-essencialmente-agrícola”, o que importava, também, em operar como instrumento de fixação do homem no campo. (NAGLE, 1976, p . 234) Alguns livros de leitura deixaram transparecer um comprometimento com o ruralismo e o nacionalismo, como o livro Saudade, de Thales Castanho de Andrade: ‘Saudade é um romance para crianças. (...) É história de uma família que abandonou a vida da fazenda pela da cidade e que, reconhecendo as vantagens daquela em face dos prejuízos desta, retorna ao campo e prospera admiravelmente. Tem, pois, intuitos mais elevados que o simples ensino da leitura. Incute, na criança, o amor pelo cultivo da terra, de que tanto carecemos.’ (NAGLE, 1976, p. 360) No estado de São Paulo, o livro Saudade, que sendo uma obra didática para o ensino da leitura, estava comprometido com o processo de ruralização de ensino. SOBRE A LEITURA ESCOLAR Segundo Leonardo Arroyo (1988, p. 65), a literatura infantil tem ligações com a escola, principalmente no caso brasileiro, que a partir da criação de escolas primárias e de formação de professores, e o uso de livros-texto na atividade didática, possibilitaram o surgimento de uma “literatura escolar”, constituída de livros traduzidos e/ou produzidos por brasileiros para o público infantil e com uso vinculado à escola, com finalidade de ensinar valores morais e sociais, de forma agradável. Ainda segundo Arroyo (1988), é dessa “literatura escolar” que se origina a literatura infantil brasileira, a qual se desenvolve e se consolida como gênero literário a partir da produção de Monteiro Lobato, nos anos de 1920 e seguintes. A literatura escolar surgiu como reação às traduções de livros vindos de outros países, e “caracterizou-se este período por uma farta literatura dedicada à infância, mas comprometida com o sistema pedagógico então vigorante, sem o descompromisso da literatura infantil que a caracteriza hoje, no campo da pura ficção” (ARROYO, 1968, p. 24). Deste período é grande a quantidade de livros para as crianças abordando temas patrióticos, aventuras, poesias, teatro, contos, todos de autores nacionais, ao mesmo tempo que as editoras da época começavam apresentar traduções dos clássicos da literatura infantil. O livro Saudade (1919) escrito por Thales Castanho de Andrade, segundo Arroyo (1968) pode ser considerado representante do momento inicial de formação da literatura infantil brasileira. Esse livro foi escrito em um momento histórico em que, de acordo com Arroyo (1988), inicia-se a publicação de uma “literatura escolar”; dentre outras obras, segundo Lajolo e Zilberman (1999, p. 30), Saudade estava disponível para a leitura da infância brasileira, em particular das crianças que freqüentavam a escola. O livro Saudade (1919) de Thales de Andrade é considerado por Leonardo Arroyo (1988, p. 65) um livro clássico: Desse prolífico período da literatura escolar, enquanto reação brasileira às traduções e originais portugueses, e que cobriu vários anos no panorama cultural brasileiro e dentro do qual todo professor se sentiu na obrigação de fazer pelo menos um livro – ao final de tanto papel gasto, de tantas edições, de tanto esforço, restaram apenas dois livros superiores: Através do Brasil, de Manuel Bonfim e Olavo Bilac, Saudade, de Tales de Andrade. (ARROYO, 1988, p. 187) No período da literatura escolar todo professor, segundo Arroyo (1988), sentia-se na obrigação de escrever pelo menos um livro, assim, Thales de Andrade escreveu Saudade (1919) que é considerado, dentre outros livros escritos, como um livro superior. Os livros escritos nesse período eram para uso didático e eram sobrecarregados de idéias nacionalistas, as quais muitas vezes não condiziam com os verdadeiros sentimentos que as pessoas tinham por sua pátria. (ARROYO, 1988, p. 188). Esta obra de Tales [sic] de Andrade, na verdade, em que pesem suas excelentes qualidades literárias, inaugurava, na área escolar, um esforço concentrado, aplaudido pelo Governo, de retorno ao campo, à mentalidade de país essencialmente agrícola [...] (ARROYO, 1988, p.188) Segundo Arroyo (1988) o livro Saudade (1919) foi influente no panorama da literatura infantil brasileira: “[...] é um rasgo do gênio” (ARROYO, 1988, p. 191), pois nasceu e surpreendeu muitos escritos na fase da literatura escolar. Muitos dos livros utilizados nas leituras escolares começaram, inclusive, a invadir o campo da ficção, dentre eles ficaram alguns livros que se destacaram, como por exemplo, o Através do Brasil, de Manuel Bonfim e Olavo Bilac, Saudade, de Thales de Andrade, ambos, contudo, com fundamentos na realidade.” (ARROYO, 1988, p. 163) Um dos aspectos que diferenciava Saudade de outros livros, era a linguagem que Thales de Andrade utilizava, sendo vista como “a língua que todas as crianças deste país falam, que do Norte ao Sul todos nós falamos [...]” (ARROYO, 1988, p.188), ou seja, o livro mostra através de sua linguagem a realidade do país na época em que foi escrito, de maneira reveladora, destacando o espaço e as características ainda agrícolas que havia na população. No livro de Thales Castanho de Andrade via Monteiro Lobato a coragem de contrariar os “moldes estabelecidos e aborrecidos” somada à sua originalidade e audácia “pela língua em que está vazado”. (ARROYO, 1988, p. 188) Além do livro Saudade, outros livros apareciam com as mesmas características, entre eles: Sombras que vivem escrito por João de Toledo, Coração Brasileiro de Faria Neto, Campos e Arrebóis escrito por Túlio Espíndola de Castro, e As Férias no Pontal de Rodolfo von Ihering. Leonardo Arroyo (1988, p. 189) aponta críticas feitas por Monteiro Lobato ao livro Saudade (1919) de Thales de Andrade: “ ‘é um livro para a infância das escolas que cai em nossos meios pedagógicos com o fulgor e o estrondo de um raio’ ”; e por Sud Mennucci que o consagrou como “ padrão da nossa literatura didática”. Assim Saudade (1919), escrito por Thales de Andrade, é considerado um dos três grandes livros da literatura escolar brasileira, entre outros dois: Através do Brasil escrito por Manuel Bonfim e Olavo Bica, e Narizinho Arrebitado, de Monteiro Lobato. THALES E SUA OBRA Thales Castanho de Andrade nasceu em Piracicaba, estado de São Paulo, no dia 15 de agosto de 1890. Filho de um industrial com fábrica de bebidas, José Miguel de Andrade e de sua esposa Castorina Castanho de Andrade. Além de exercer o magistério em escolas da zona urbana, o autor também foi professor de escolas em zona rural, as quais lhe permitiram o aproximamento com questões de ordem agrária e rural possibilitando, mais tarde o aparecimento do seu livro Saudade. Ele utilizou a sua convivência e aproximação com as pessoas e o cotidiano rural para escrever o livro Saudade, o qual mostrava a realidade com muita clareza e assim satisfazia os seus leitores. Participante da vida rural de sua época foi iniciador dos clubes de horticultura com o apoio da Sociedade Amigos de Alberto Tôrres, participando, também, do 1º Congresso Normalista de Ensino Rural realizado em Campinas, estado de São Paulo. Thales de Andrade publicou Saudade com muito sucesso no país, e despertou muitas críticas a respeito do seu livro, influenciando mesmo Monteiro Lobato, atualmente considerado uma das celebridades na literatura infantil brasileira. Segundo Arroyo (1988), Thales de Andrade escreveu Saudade que marcou e delimitou a fase da literatura escolar, especialmente porque seu livro promoveu uma nova visão de como escrever a literatura infantil, a qual enfatizava a vida rural do país. O LIVRO SAUDADE Saudade (1919), escrito por Thales Castanho de Andrade, nasceu em um pequeno artigo com o título de “Instrução e Agricultura” publicado em 1911 no Jornal O Monitor da Escola Complementar de Piracicaba. Thales Castanho de Andrade esteve ligado com as questões que envolviam a vida rural e agrícola, assim quando foi professor de uma escola rural pode ter mais contato contribuindo com observações e elementos para o surgimento do seu livro Saudade. Segundo Arroyo (1988), em um depoimento, Thales Castanho de Andrade conta que Saudade (1919) foi escrito em 40 manhãs. O livro Saudade (1919) teve sua primeira edição impressa em Pocai, estado de São Paulo, no ano de 1919, sendo que para Lajolo e Zilberman (1999, p. 30) com este romance, Thales Castanho de Andrade encerra esse primeiro período da literatura infantil brasileira. A 1º edição de Saudade foi feita pelo Governo do Estado de São Paulo através da Secretaria da Agricultura, totalizando 15 mil exemplares. A 2º edição foi feita, alguns meses depois, pelo Jornal de Piracicaba, totalizando uma tiragem de 20 mil exemplares, e da 3º à 13º edição, os livros saíram com uma chancela da Gráfica Editora Monteiro Lobato, e depois sob a égide da Companhia Editora Nacional. (ARROYO, 1988, p. 191). Saudade (1919) foi um livro que na sua época foi utilizada na atividade didáticaescolar e possibilitava uma leitura real da situação das pessoas daquela época, contrariando outros livros que traziam visões ilusórias sobre o cotidiano e a vida das pessoas. Thales Castanho de Andrade escreveu livros utilizados no momento da literatura escolar: Ler Brincando; Espelho; Alegria; Vida na Roça; Milho; Trabalho; Na Oficina; O Irmão Café e Saudade. Também escreveu vários contos e pequenas novelas infantis: A filha da Floresta; El-Rei Dom Sapo; Bem- te- vi feiticeiro; Dona Içá Rainha; Bela, a Verdureira; Árvores Milagrosas; O Pequeno Mágico; Fim do Mundo; Totó Judeu; Caminho do Céu; O Sono do Monstro; A Rainha dos Reis; Praga e Feitiço; Capitão Feliz; A Fonte Maravilhosa; A Bruxa Branca; O Grito Milagroso; O Gigante das Ondas; Morto e Vivo; A Cadeira Encantada; o Mistério das Cores; A Estrela Mágica; O Melhor Presente; Como Nasceu a Cidade Maravilhosa; Flor de Ipê. Dentre o livros que Thales Castanho de Andrade escreveu nenhum alcançou o mesmo êxito de Saudade, que continha histórias interessantes com senso de comunicação e simplicidade, e gerou muitas críticas a seu favor. (ARROYO, 1988, p. 191) CONSIDERAÇÕES FINAIS Considerando o exposto, até o momento posso concluir que o livro Saudade (1919) de Thales Castanho de Andrade marcou e delimitou a fase de transição da literatura escolar para a literatura infantil, enfatizando a vida rural do país à sua época e sendo utilizado na atividade didática-escolar. O livro Saudade, publicado em 1919, e escrito por um autor nacional de literatura infantil, revelou tendências regionalistas, nacionalistas e rurais com ênfase na tradição oral e popular, indicando uma integração entre a escola e a literatura. A utilização de livros-texto na atividade didática possibilitou o surgimento de uma “literatura escolar”, que era constituída de livros traduzidos e/ou produzidos por brasileiros, dedicados à infância, para o uso vinculado apenas à escola, com finalidade de ensinar valores morais e sociais, de forma agradável, e dessa “literatura escolar” que se origina a literatura infantil brasileira. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ANDRADE, Tales de. Saudade . 63º ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1974. ARROYO, Leonardo. O Tempo e o Modo. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1968. (Coleção Ensaio) ______, Leonardo. Literatura infantil brasileira. São Paulo: Melhoramentos, 1988. AZEVEDO, Fernando de. A Educação e seus Problemas. 4 ed. São Paulo: Melhoramentos, 1948. CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Por uma história cultural dos saberes pedagógicos. In: SOUSA, Cynthia Pereira de; CATANI, Denice Barbara. 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Campinas, SP: Mercado das Letras, 1999. p. 335 - 355 Trabalho realizado com o apoio do CNPq – Brasil, sob orientação da Dra Ana Clara Bortoleto Nery. Mestranda em Educação pela Universidade Estadual Paulista / Câmpus de Marília. Lourenço Filho (1943), Leonardo Arroyo (1968), Lajolo e Zilberman (1999), Mortatti (2000a). Informações extraídas de MENEZES (1969, vol. 1). Neste trabalho optei por escrever o primeiro nome do autor da seguinte forma: “THALES”, exceto nas citações onde preservarei o texto do autor da referência, uma vez que na escola, em Piracicaba, que leva seu nome a grafia é com H.