Liliane Bernardes Carneiro
LEITURA DE IMAGENS NA LITERATURA INFANTIL:
DESAFIOS E PERSPECTIVAS NA ERA DA INFORMAÇÃO
Brasília
2008
Liliane Bernardes Carneiro
LEITURA DE IMAGENS NA LITERATURA INFANTIL:
DESAFIOS E PERSPECTIVAS NA ERA DA INFORMAÇÃO
Dissertação apresentada ao programa de PósGraduação
em
Ciência
da
Informação,
Departamento de Ciência da Informação e
Documentação da Universidade de Brasília como
exigência parcial à obtenção do grau de Mestre
em Ciência da Informação.
Orientadora: Profa. Dra. Miriam Paula Manini
Linha de pesquisa: Gestão da Informação e do Conhecimento
Brasília
2008
FOLHA DE APROVAÇÃO
Titulo: Leitura de Imagens na Literatura Infantil: desafios e perspectivas na era da
informação
Autora : Liliane Bernardes Carneiro
Área de concentração: Transferência da Informação
Linha de pesquisa: Gestão da Informação e do Conhecimento
Dissertação submetida à Comissão Examinadora, designada pelo Colegiado do Programa
de Pós-Graduação em Ciência da Informação ao Departamento de Ciência de Informação e
Documentação da Universidade de Brasília como requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre em Ciência da Informação.
Dissertação aprovada em: ____/____/2008.
Aprovada por:
_________________________________
Profa. Dra. Miriam Paula Manini
Presidente - Orientadora (UNB/PPGCInf)
_________________________________
Profa. Dra. Sueli Angélica do Amaral
Membro interno: (UNB/PPGCInf)
________________________________
Profa. Dra. Anna Cristina Bentes da Silva
Membro externo (UNICAMP/IEL)
________________________________
Profa. Dra. Erika Zimmermann
Membro suplente (UNB/ FE)
Carneiro, Liliane Bernardes
Leitura de imagens na Literatura Infantil: desafios e perspectivas
na era da informação / Liliane Bernardes Carneiro. – Brasília:
Universidade de Brasília, 2008.
ix, 160 f.: il
Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) – Universidade
de Brasília.
1. Leitura de Imagem. 2. Literatura Infantil. 4. Ciência da
Informação. I. Carneiro, Liliane Bernardes. II. Título.
Ao
Reinaldo,
meu
grande
amor,
o
meu
reconhecimento e gratidão pelo carinho, apoio,
cumplicidade e compreensão, dedicados em todos
os momentos desta pesquisa.
Aos meus amados filhos, Renato e Luísa, na
esperança de que, acompanhando o meu esforço e
determinação, possam valorizar os caminhos que
levam ao conhecimento, mas, sobretudo, que
enxerguem nesse caminho a felicidade.
ii
AGRADECIMENTOS
A Deus pelo dom da vida e a graça de sua presença constante.
À minha família, especialmente à minha mãe, que, na sua doçura, soube compreender a
importância desta etapa em minha vida, acreditou na minha capacidade em realizar mais este
desafio e perdoou as minhas constantes ausências.
À minha amiga, Graça Pimentel, que abriu o caminho para que eu pudesse iniciar os estudos,
pelas experiências compartilhadas, pela paciência nos momentos de aflição e, sobretudo, pelas
palavras de estímulo e generosa amizade.
À professora Miriam Paula Manini, que me incentivou a escrever sobre a imagem, orientandome com dedicação, profissionalismo e paciência. Agradeço, ainda, as leituras e revisão rigorosa
de cada capítulo, as sugestões, os esclarecimentos e os comentários sempre oportunos.
À professora Sueli Angélica do Amaral, que com muita simpatia orientou-me no estágio de
docência e, cuidadosamente, teceu valiosos comentários sobre a minha dissertação,
aconselhando, corrigindo e indicando leituras fundamentais para a pesquisa, tornando-se
membro fundamental da banca examinadora.
À professora Walda Antunes, que me confiou os seus alunos do curso de Biblioteconomia, no
estágio de docência, e me concedeu livre acesso aos seus livros e arquivos.
À professora Marisa Philbert Lajolo que, gentilmente, qualificou esta dissertação fazendo
observações importantes para a continuidade da pesquisa.
Às professoras Anna Cristina Bentes da Silva e Erika Zimmermann que prontamente aceitaram o
convite para compor a banca examinadora desta dissertação, como membro titular e suplente,
respectivamente.
Ao professor Antônio Miranda, por todo conhecimento transmitido em sala de aula e por me
permitir novas aprendizagens, frutos da convivência diária com a sua poesia e a sua genialidade,
enquanto meu chefe na Biblioteca Nacional de Brasília.
Ao ilustrador Jô Oliveira, que muito antes de iniciar esta pesquisa, plantou em mim o entusiasmo
pelo tema, pelo carinho com que me recebeu em sua casa partilhando sabedoria, idéias, livros,
arquivos e alegrias.
Aos ilustradores André Neves e Roger Mello, que gentilmente se colocaram à minha disposição,
respondendo minhas inúmeras perguntas.
Aos amigos que, de alguma forma, colaboraram na realização desta pesquisa, com incentivos e
sugestões.
À todos os docentes e funcionários do Departamento de Ciência da Informação e Documentação
da UnB, pelo acolhimento.
iii
RESUMO
Esta pesquisa descritiva de caráter exploratório tem como objetivo desenvolver um estudo
sobre as concepções de leitura de imagens e a produção imagética de livros da Literatura
Infantil. Como objetivos específicos busca, na literatura, um embasamento teórico sobre os
métodos de leitura e a sua aplicação na leitura de imagens; realiza um estudo sobre como é
desenvolvido o processo de semiose na leitura de imagens; pesquisa sobre a legitimação e
reconhecimento da Literatura Infantil em instituições de fomento à leitura; e, finalizando,
verifica como se dá o processo de criação de imagens em livros infantis, explorando os
elementos de produção de sentidos e significados. O aporte metodológico constou de
entrevistas com três reconhecidos ilustradores de livros infantis brasileiros com a finalidade
de averiguar o contraste entre intenções da criação e impressões da recepção, e da análise de
quatro livros de Literatura Infantil, a partir do roteiro baseado na Análise Semiótica de
Imagens Paradas. Como resultado da pesquisa, o estudo forneceu subsídios para a leitura de
imagens por meio da apreciação estética e da semiose a pesquisadores interessados na
investigação de textos imagéticos infantis.
Palavras-chave: leitura de imagens, Literatura Infantil, Semiótica.
iv
ABSTRACT
This exploratory research aims to develop a descriptive and analytical study about the
conceptions of image literature and the image production of Children’s Literature Books.
The specific objectives of this study are: aresearch on the literature about the theoretical
basis of the methods for reading and their application on image reading; a study about how
the process of semiosis in image reading is developed; a research about the legitimation
and recognition of Children’s Literature in institutions that foster reading as an activity; and
the verification of how the image creation process in children’s books is done, by exploring
the elements of sense and meaning production. The methodological approach was based on
interviews with three renowned Brazilian Children’s Books illustrators, in order to study
the contrast between creation intentions and reception impressions, as well as the analysis
of four works, based on a script for semiotic analysis of still images. As final result, this
research has provided subsidies to image reading via the esthetic appreciation and semiosis,
to interested researchers working with the investigation of imagetic children’s texts.
Keywords: image reading, Children’s Literature, Semiotics.
v
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1: Truques coloridos, Paula (1986), ilustrações de Marcelo Xavier ............................ 38
Ilustração 2: Truques coloridos, Paula (1986), ilustrações de Marcelo Xavier – Página dupla ... 39
Ilustração 3: A menina do Narizinho Arrebitado, Lobato, 1920. – Capa...................................... 58
Ilustração 4: A menina do Narizinho Arrebitado, Lobato, 1920. .................................................. 59
Ilustração 5: Reinações de Narizinho, Lobato, 1931. ................................................................... 59
Ilustração 6: O passeio de Rosinha, Hutchins, 2004. – Página dupla 1. ....................................... 62
Ilustração 7: O passeio de Rosinha, Hutchins, 2004. – Página dupla 2. ...................................... 62
Ilustração 8: Ida e Volta, Machado,1998. – Capa. ........................................................................ 80
Ilustração 9: A cor da fome, Ribeiro, 2004. – Página dupla.......................................................... 85
Ilustração 10: A cor da fome, Ribeiro, 2004. ................................................................................ 85
Ilustração 11: As Aventuras de Roosevelt e Rondon na Amazônia. Heleno, 1990........................ 93
Ilustração 12: Casulos, Neves, 2007. – Galhos retorcidos............................................................ 94
Ilustração 13: Seca, Neves, 2000.– Capa. ................................................................................... 108
Ilustração 14: Seca, Neves, 2000. – Folha de rosto..................................................................... 108
Ilustração 15: Seca, Neves, 2000. – Cena 1. ............................................................................... 109
Ilustração 16: Seca, Neves, 2000. – Cena 2. ............................................................................... 109
Ilustração 17: Seca, Neves, 2000. – Cena 3. ............................................................................... 110
Ilustração 18: Seca, Neves, 2000. – Cena 4. ............................................................................... 110
Ilustração 19: Seca, Neves, 2000. – Cena 5. ............................................................................... 111
Ilustração 20: Seca, Neves, 2000. – Cena 6. ............................................................................... 111
Ilustração 21: Seca, Neves, 2000. – Cena 7. ............................................................................... 112
Ilustração 22: Seca, Neves, 2000. – Cena 8. ............................................................................... 112
Ilustração 23: Seca, Neves, 2000.– Cena 9. ................................................................................ 113
Ilustração 24: Seca, Neves, 2000. – Cena 10. ............................................................................. 113
Ilustração 25: Seca, Neves, 2000. – Verso da falsa folha de rosto.............................................. 114
Ilustração 26: Casulos, Neves, 2007. – Capa e orelha. ............................................................... 117
Ilustração 27: Casulos, Neves, 2007. – Cena 1. .......................................................................... 118
Ilustração 28: Casulos, Neves, 2007. – Cena 2. .......................................................................... 119
Ilustração 29: Casulos, Neves, 2007. – Cena 3. .......................................................................... 119
vi
Ilustração 30: Casulos, Neves, 2007. – Cena 4. .......................................................................... 120
Ilustração 31: Casulos, Neves, 2007. – Cena 5. ......................................................................... 120
Ilustração 32: Casulos, Neves, 2007. – Cena 3. .......................................................................... 121
Ilustração 33: Casulos, Neves, 2007. – Cena 7. .......................................................................... 122
Ilustração 34: Casulos, Neves, 2007. – Cena 8. .......................................................................... 122
Ilustração 35: Casulos, Neves, 2007. – Cena 9. .......................................................................... 123
Ilustração 36: Casulos, Neves, 2007. – Cena 10. ........................................................................ 123
Ilustração 37: A flor do lado de lá, Mello, 2004. – Capa. ........................................................... 127
Ilustração 38: A flor do lado de lá, Mello, 2004. – Cena 1. ........................................................ 128
Ilustração 39: A flor do lado de lá, Mello, 2004. – Cena 2. ........................................................ 129
Ilustração 40: A flor do lado de lá, Mello, 2004. – Cena 3. ........................................................ 129
Ilustração 41: A flor do lado de lá, Mello, 2004. – Cena 4. ........................................................ 130
Ilustração 42: A flor do lado de lá, Mello, 2004. – Cena 5. ........................................................ 130
Ilustração 43: A flor do lado de lá, Mello, 2004. – Cena 6. ........................................................ 131
Ilustração 44: A flor do lado de lá, Mello, 2004. – Cena 7. ........................................................ 131
Ilustração 45: A flor do lado de lá, Mello, 2004. – Cena 8. ........................................................ 132
Ilustração 46: A flor do lado de lá, Mello, 2004. – Cena 9. ........................................................ 132
Ilustração 47: A flor do lado de lá, Mello, 2004. – Cena 10. ...................................................... 133
Ilustração 48: A flor do lado de lá, Mello, 2004. – Cena 11. ...................................................... 133
Ilustração 49: A flor do lado de lá, Mello, 2004. – Cena 12. ...................................................... 134
Ilustração 50: A flor do lado de lá, Mello, 2004. – Cena 13. ...................................................... 134
Ilustração 51: A flor do lado de lá, Mello, 2004. – Cena 14. ...................................................... 135
Ilustração 52: João por um fio, Mello, 2005. – Capa e marcador. .............................................. 139
Ilustração 53: João por um fio, Mello, 2005. – Página de guarda. ............................................. 139
Ilustração 54: João por um fio, Mello, 2005. – Cena 1............................................................... 140
Ilustração 55: João por um fio, Mello, 2005. – Cena 2............................................................... 141
Ilustração 56: João por um fio, Mello, 2005. – Cena 3............................................................... 141
Ilustração 57: João por um fio, Mello, 2005. – Cena 4............................................................... 142
Ilustração 58: João por um fio, Mello, 2005. – Cena 5............................................................... 142
Ilustração 59: João por um fio, Mello, 2005. – Cena 6............................................................... 143
Ilustração 60: João por um fio, Mello, 2005. – Detalhe da renda. .............................................. 143
Ilustração 61: João por um fio, Mello, 2005. – Cena 7............................................................... 143
Ilustração 62: João por um fio, Mello, 2005 – Cena 8................................................................ 144
Ilustração 63: João por um fio, Mello, 2005. – Cena 9............................................................... 144
vii
Ilustração 64: João por um fio, Mello, 2005. – Cena 10............................................................. 145
Ilustração 65: João por um fio, Mello, 2005. – Cena 11............................................................. 145
Ilustração 66: João por um fio, Mello, 2005. – Cena 12............................................................. 146
Ilustração 67: João por um fio, Mello, 2005. – Cena 13............................................................. 146
Ilustração 68: João por um fio, Mello, 2005. – Cena 14............................................................. 147
Ilustração 69: João por um fio, Mello, 2005. – Cena 15............................................................. 147
Ilustração 70: João por um fio, Mello, 2005. – Cena 16............................................................. 148
viii
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Associação das cores .................................................................................................. 42
Quadro 2 – Premiação FNLIJ – 1974............................................................................................ 66
Quadro 3 – Premiação FNLIJ – 2007............................................................................................ 66
Quadro 4 – Leitores por Estado..................................................................................................... 70
Quadro 5 – Categoria de premiação/ FNLIJ ................................................................................. 70
Quadro 6 – Vencedores do 49º Prêmio Jabuti 2007...................................................................... 73
Quadro 7 – Sugestões de metodologia de leitura do livro infantil .............................................. 101
Quadro 8 – Relação entre as etapas de Feldman e as categorias de Peirce................................. 102
Quadro 9 – Roteiro para a Análise Semiótica de Imagens Paradas ............................................ 102
Quadro 10 – Roteiro para a análise dos livros infantis. .............................................................. 106
ix
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: O ciclo da informação.................................................................................................... 20
Figura 2: Signo .............................................................................................................................. 31
Figura 3: Processo de criação de Marcelo Xavier......................................................................... 37
Figura 4: Roda das cores ............................................................................................................... 41
Figura 5: Luz e sombra em formas simples. ................................................................................. 44
Figura 6: Exemplo de perspectiva. ................................................................................................ 46
Figura 7: Modelo contemporâneo da compreensão na leitura. ..................................................... 48
Figura 8: Exemplos de balões ....................................................................................................... 82
x
LISTA DE SIGLAS
ABL
Academia Brasileira de Letras
BIB
Bienal de Ilustração de Bratislava
BNDES
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
BPERJ
Biblioteca Pública do Estado do Rio de Janeiro
CBL
Câmara Brasileira do Livro
CELIJU
Centro de Estudos de Literatura Infantil
CEDOP
Centro de Documentação e Pesquisa
EMC
Empresa de Marketing Cultural
FIPE
Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas
FNLIJ
Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil
FNDE
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
HQ
Histórias em Quadrinhos
IAB
Instituto de Arquitetos do Brasil
IBBY
International Board on Books for Young People
MAM/RJ
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro
MARGS
Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli
MPAS
Ministério da Previdência e Assistência Social
PNBE
Programa Nacional Biblioteca da Escola
SENAC
Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SNEL
Sindicato Nacional de Editores de Livros
UBE
União Brasileira de Escritores
UERJ
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
SUMÁRIO
1
APRESENTAÇÃO............................................................................................................ 3
2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA ....................................... 6
3 OBJETIVOS DA PESQUISA ......................................................................................... 10
4
REVISÃO DE LITERATURA ...................................................................................... 11
4.1 CONSTRUÇÃO E APLICAÇÃO DA IMAGEM COMO INFORMAÇÃO............. 13
4.1.1 Sobre a Ciência da Informação e sua ligação com a Arte ............................................ 16
4.1.2 A informação e a leitura de imagens ............................................................................ 18
4.1.3 Imagem artística: iconologia, concepções e leitura...................................................... 21
4.1.4 Semiótica...................................................................................................................... 26
4.1.5 A semiótica de Charles Sanders Peirce ........................................................................ 28
4.1.6 Os signos na concepção peirceana ............................................................................... 30
4.1.7 A semiótica visual: processo de textualização ............................................................. 33
4.2 A LEITURA E A IMAGEM .......................................................................................... 47
4.2.1 A Literatura Infantil e sua função na informação ........................................................ 51
4.2.2 Perfazendo o caminho da Literatura Infantil................................................................ 53
4.2.3 Trajetória da ilustração na Literatura Infantil .............................................................. 57
4.2.4 Mercado Editorial e valorização da Literatura Infantil ................................................ 63
4.3 A NARRATIVA IMAGÉTICA NO LIVRO INFANTIL .......................................... 76
4.3.1 O livro de imagens ou de narrativa muda .................................................................... 79
4.3.2 A narrativa seqüencial: histórias em quadrinhos.......................................................... 81
4.3.3 A construção de significados no contexto sociocultural .............................................. 84
5
METODOLOGIA ........................................................................................................... 87
5.1 Universo da pesquisa e amostra ...................................................................................... 89
5.2 Coleta de informações ..................................................................................................... 90
5.3 A leitura do ilustrador: entrevista narrativa..................................................................... 91
5.4 A leitura do ilustrador: entrevista semi-estruturada ........................................................ 95
5.5 Sobre os ilustradores ....................................................................................................... 98
2
6 ANÁLISE DE LIVROS DE LITERATURA INFANTIL .......................................... 101
6.1 Roteiro para a análise das imagens no livro infantil ..................................................... 105
6.2
Livros analisados.......................................................................................................... 107
6.3
Análise 1 – Seca ........................................................................................................... 107
6.4
Análise 2 – Casulos ...................................................................................................... 117
6.5
Análise 3 – A flor do lado de lá ................................................................................... 127
5.6 Análise 4 – João por um fio ......................................................................................... 138
6.7 Conclusões sobre a análise dos livros e recomendações............................................... 153
7
CONCLUSÕES ............................................................................................................. 157
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 161
ANEXO ................................................................................................................................ 166
3
1
APRESENTAÇÃO
As figuras de linguagem são formas de nos expressarmos por meio da nossa
comunicação verbal e de acordo com a nossa percepção do mundo, de manifestar a informação
que se recebe por meio do outro ou de algo. Usam-se, continuamente, muitas figuras de
linguagem e expressões populares relativas ao olhar que nem sempre levam à atividade de fitar
os olhos, mirar, contemplar. O olho e o olhar, de certa forma, remetem-nos a uma idéia, a uma
imagem fabricada a partir de uma situação vivida, visualizada.
Castanha (2002, p. 47-49) comenta sobre esta forma de expressar por meio de
palavras que evocam imagens. Pode-se ser perfeitamente compreendido quando se diz que uma
pessoa tem olho gordo, ou olho de peixe morto, ou que alguém nos dirigiu um olhar frio, ou
ainda quando uma pessoa é atenta, tem olhar de águia, ou olho clínico. Num diálogo, em que se
afirma estar correto em determinada situação, diz-se: logo se vê, ou está vendo? Para chamar a
atenção de alguém sobre a nossa fala, geralmente se diz olhe aqui e não – como seria lógico – a
expressão escute aqui. Temos ainda expressões bem comuns como: olho da rua, olho grande,
olho vivo, abrir os olhos, a olhos vistos, encher os olhos, saltar aos olhos, ver com bons olhos.
Assim, passa-se a construir conceitos e valores a partir do que se visualiza.
Entretanto, se as imagens que o olhar capta constantemente são tão importantes e se
elas determinam o que se pensa e, conseqüentemente, o que se expressa, por que, então, muitas
vezes se tem a dificuldade de ver ou de querer ver? Apesar de vivermos envoltos em grandes
estímulos visuais e de comunicação rápida, por que tanto despreparo ao ler as imagens?
Na verdade, pode-se fazer diferentes leituras de uma mesma imagem, mas poucas
vezes se desperta para a pluralidade e a diversidade do mundo. O olhar é padronizado, deixando
detalhes e minúcias passarem despercebidos. Banaliza-se o olhar e essa também banalização
aparente da imagem dá a impressão, freqüentemente ilusória, de que ela nos é bem conhecida.
Como explica Castanha (2002), esse distanciamento pode nos afastar de uma postura e de um
olhar mais perceptivo e humano, tornando o olhar mecanizado, inebriado por uma apatia herdada
pela rotina ou pela mesmice. Como olhamos sem ver, não conseguimos dar novos significados às
imagens cotidianas. Por isto, é comum dizer nunca vi por este ângulo ou nunca reparei nisto.
Essa mecanização do olhar acaba por tornar as pessoas espectadores passivos e consumidores de
qualquer tipo de imagem, sem tempo de deter sobre ela um olhar mais reflexivo que a transforme
em imagem verdadeiramente significativa.
A competência do olhar enquanto leitor não está vinculada apenas à atividade de
enxergar; ela está relacionada a dimensões de conteúdos e também a dimensões socioculturais do
leitor, como ser inventivo de si e do mundo. A leitura está no olhar que descobre, aquele que é
4
multi-sensível, capaz de aprender, apreender e, então, devolver. Ler uma imagem é fazer-lhe,
implicitamente, perguntas. Compreendê-la consiste em ter as perguntas respondidas. Consiste,
ainda, no mergulho dentro de si para, então, trazer para fora todo o desejo de conhecimento
latente.
A linguagem verbal só é efetiva quando este olhar atento capta, lê e dá significado à
imagem, colocando-se nesta perspectiva dialética. É desta percepção (olhar) de mundo por meio
de estímulos às emoções e da organização do pensamento que depende o desenvolvimento da
linguagem.
Silva (2000, p. 152), em artigo que analisa o objeto imagético, afirma que “a cultura
grega unia, através da linguagem, o verbo ver ao pensar, ao ato de conhecimento. E há inúmeras
modalidades do verbo ver, na língua grega, que possuem como traço característico a vinculação
com os modos de conhecer”.
O estar-no-mundo como indivíduos, como apresenta Santaella (1983), é mediado por
uma rede intricada e plural de linguagem. Ora, só se pode constituir uma rede de
relacionamentos quando os homens são capazes de estabelecer uma comunicação que se dá
através da leitura e/ou produção de formas, volumes, massas, interações de forças e movimentos.
A linguagem está onde o homem está. Não há como desassociar a linguagem da
necessidade que o homem tem de interagir, de trocar, de comunicar. A linguagem está presente
em todas as ações do homem, somos seres de linguagem.
No entanto, o ato de olhar por si só pode encontrar a representação de uma
linguagem. Há, também, uma variedade de linguagens, externa ao olhar, que constitui o sistema
social de representação do mundo. Não se pode ignorar as outras possibilidades, mas é o olhar
que domina, quase sempre, a primeira recepção da comunicação.
Portanto, o ser humano é leitor e/ou produtor das diversas formas de comunicação:
imagens, gráficos, sinais, luzes, setas, números, sons, cheiros, gestos, etc. Coloca os seus
sentidos a serviço desta comunicação, a sua fala, a sua expressão corporal, os ouvidos, o olfato, o
tato, o paladar. Apesar da grande quantidade de estímulos visuais que nos cerca e da avançada
tecnologia na produção de imagens, percebe-se, na sociedade contemporânea, as dificuldades de
leitura e de narrativa das imagens, consolidando cada vez mais a necessidade de analisar as
informações constituídas pelo recurso imagem.
Neste contexto, o olhar diferenciado apresenta-se como uma importante modalidade
de percepção que o ser humano dispõe para aprender e conhecer o mundo. É um recurso
cognitivo e inclui representações internas (imagens mentais) e representações externas (imagens
reais).
5
É compreendendo este olhar que se percebe a necessidade e urgência de se voltar ao
início do aprendizado, preocupar-se com a formação de quem ainda não tem o olhar mecanizado
e, ainda, de quem tem um potencial de leitura livre de preconceitos.
Acredita-se que toda formação que se inicia na infância tende a se firmar na fase
adulta. Então, pode-se afirmar que ao introduzir o leitor infantil na efetiva leitura de imagens,
por meio das ilustrações contidas em livros de Literatura Infantil, ele poderá, no futuro, ampliar
sua capacidade de reagir de forma reflexiva.
6
2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA
Os saltos da evolução na história humana – das pinturas rupestres aos modernos
espetáculos de multimídia, dos hieróglifos à profusão de escritas, da descoberta do papel às mais
novas tecnologias – só se tornaram possíveis porque o homem foi capaz de reagir às diferentes
formas de leitura do mundo. Reagir, neste caso, corresponde a ler, interpretar, refletir e
transformar a realidade.
Em meio a uma avalanche de informações gerada a cada instante, a chamada
explosão informacional, o homem necessita parar, refletir sobre a leitura que faz destas
informações e selecionar o que é útil para a sua efetiva evolução. Nesse contexto, a imagem
ganha relevância por ser de mais fácil atração e dinamismo na capacidade narrativa. Cada vez
mais somos bombardeados pela cultura visual. As imagens invadem-nos a cada instante de
maneira fugaz e efêmera. Elas nos seduzem, levam-nos ao consumo, criam e modificam valores.
Muitas são retiradas do mundo real, registradas pela mídia cotidianamente; outras são
intencionalmente criadas por especialistas e materializadas em várias linguagens e veículos de
comunicação.
A demanda por imagens amplia-se, valorizando os processos de linguagem na
sociedade contemporânea, destacando-se o papel desempenhado pela moderna tecnologia, a
atuação do circuito social da produção de imagens, os elementos que definem a linguagem
eminentemente visual com outros textos de caráter verbal e não-verbal.
É, contudo, em meio a todo este crescimento e desenvolvimento tecnológico, dos
incontáveis recursos de que a mídia dispõe, do elevado número de informações que nos chegam
a cada instante e do dinamismo da imagem, que nos deparamos com um dos grandes problemas
enfrentados na Sociedade da Informação, que é a inabilidade de leitura da imagem:
“Paradoxalmente, na nossa época, quando as imagens ganham novamente preeminência sobre a
palavra escrita, falta-nos esse vocabulário visual compartilhado” (MANGUEL, 2001, p. 143).
Como chegar, entretanto, a esse vocabulário visual compartilhado? É preciso levar
em consideração a maneira como a linguagem visual constrói seus significados, produzindo a
informação. A representação imagética é formada por uma cadeia de elementos que, quando
combinados, geram os sintagmas visuais, e esta linguagem poderá levar a uma interpretação, ou
seja, ao estabelecimento de uma série de relações que, posteriormente, poderão ser verbalizadas
e ou traduzidas por meio de outras linguagens.
Mesmo quando alguém descreve o que está objetivamente à sua frente, está
interpretando. A falas, os registros escritos, normalmente, são a interpretação do que se vê. Tal
7
interpretação é gerada nos contextos vivenciados, pois nada pode ser interpretado sem uma
conexão com o mundo no qual se vive.
Ler imagem, conforme Miguel (2001, p. 7), requer o conhecimento de que ela, por si
só, é soberana, e de que cada espectador, munido de suas experiências das leituras anteriores,
realiza novas etapas de leitura. Faz-se necessário olhar as imagens e deixar que nos incomodem.
A leitura de imagens é, naturalmente, uma das primeiras habilidades a se manifestar
no indivíduo, pois a imagem é uma representação semiconcreta, mais direta que o código verbal
escrito, que se apresenta de forma abstrata. A comunicação do homem nasceu esculpida; foi
antes desenho, arte gravada nas pedras. Nosso contato inicial com o mundo das imagens é
marcado pelo estranhamento; a tarefa de desvendamento do sentimento de familiaridade com a
realidade apresentada é facilitada pelo instrumento da linguagem verbal.
As informações geradas por meio de imagens são produzidas e transmitidas quase
que simultaneamente para todo o mundo. Com a popularização da Internet, gerou-se uma
revolução na forma de se comunicar e as mudanças que esta revolução automaticamente acarreta
estão cada vez mais evidentes e aceleradas. Com tanta imagem circulando, faz-se cada vez mais
necessário que esta informação seja antes analisada para depois ser disponibilizada, de maneira
mais apropriada e adequada.
Como se utiliza muito o olhar – e se olha através de lentes, tubos de televisão, tela de
cinema, monitor de computador –, este vai se aperfeiçoando a cada dia. Ao mesmo tempo em
que se melhora o olhar, também se produz o olhar mecanizado e se é seduzido por todos estes
recursos que conspiram para assumir o controle do pensar, do sentir, do expressar e retornando
ao próprio ver.
Neste contexto, admitindo que a informação é veloz e dinâmica, que estamos em um
mundo inteiramente globalizado e que estamos sujeitos a nos condicionar às informações
fabricadas a partir de certos interesses, fechar a janela que prevê o futuro e não se preocupar com
a alfabetização visual dos leitores que estão na fase de aprendizagem é retardar a evolução.
Em meio a uma vasta produção de bens culturais voltados para o público infantil –
desenhos animados, propagandas, jogos eletrônicos, brinquedos, filmes, histórias em quadrinhos
– temos no livro de Literatura Infantil um forte aliado no desafio de preparar as crianças para a
pós-modernidade da informação.
O livro infantil está associado à arte, no que diz respeito à construção da narrativa
textual, do texto escrito e também, à ilustração – do texto visual que deve ser descrito, analisado,
interpretado, tanto à visão do leitor quanto à luz do contexto e do conteúdo para que foi criada.
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Essa leitura deverá ultrapassar a descrição dos aspectos formais da obra, de maneira a possibilitar
a construção de significados para os leitores.
Do ponto de vista da perspectiva dialógica, o leitor infantil age sobre a imagem do
livro infantil tanto quanto a imagem age sobre ele. Isto não se aplica ao objeto concreto, livro
ilustrado, mas à obra literária, artística, abstrata, que o leitor absorve por meio da leitura e
dificilmente poderá ser mensurável.
No cenário desta pesquisa, os construtores destas informações são os ilustradores e
editores. São eles os principais responsáveis pela qualidade dos livros infantis e, ao lançar mão
de um projeto de educação visual, podem assegurar um repertório de experiências estéticas e um
vocabulário visual que permita ao leitor educar o olhar, fruir ludicamente, julgar e discorrer
criticamente sobre as imagens confrontadas.
Por isso, tendo um público cada vez mais dominado pela dinâmica da “cultura de
imagem”, o estudo da imagem que se apresenta por meio do livro infantil se torna um referencial
para a reflexão de como este receptor se afirmará na sociedade da informação. As imagens dos
livros de Literatura Infantil têm como abordagem uma fértil interpretação, que aparece carregada
de significados dentro do contexto sociocultural, o que instiga a criança a pensar, reproduzir,
recriar e transformar o mundo que a cerca.
É expressivo o crescimento do setor editorial em relação à Literatura Infantil no
Brasil. Dados da pesquisa realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE),
revelam que 3.031 títulos foram lançados em 2006 no mercado brasileiro. Estima-se que, se há
crescimento na produção, é porque há demanda para este produto, mas não se pode afirmar que o
crescimento é proporcional em relação às habilidades de leitura.
No entanto, percebe-se uma movimentação no meio literário infantil, no sentido de
conscientização do público leitor em geral – pais, educadores, bibliotecários e mediadores de
leitura – quanto à qualidade do produto que é colocado à venda para os consumidores. Observase, cada dia mais, a preocupação com um conjunto de aspectos na produção literária infantil:
desde a qualidade do texto escrito até a apreciação estética, imagem e design gráfico.
A imagem é um elemento fundamental no livro de Literatura Infantil e acompanha a
construção da narrativa da história. Alguns livros usam exclusivamente a imagem como
narrativa, dispensando o texto escrito. Tão importante quanto a leitura do texto escrito, a leitura
da imagem constitui objeto de apreciação e estudo por críticos em Literatura Infantil,
ilustradores, profissionais da informação e segmentos do mercado editorial.
O livro de Literatura Infantil também está presente em bibliotecas públicas e
escolares, que, por sua vez, têm, entre outras competências, a promoção de leitura. No entanto,
9
os profissionais que atuam em bibliotecas pouco exploram o potencial de leitura de imagens em
livros infantis, talvez até pela falta de habilidade em lidar com esse tipo de informação. A
preocupação desses profissionais, diante do desafio de formar leitores, deveria girar também, em
torno do potencial de informação que o olhar busca na significação do texto imagético.
A leitura de imagens feita na Literatura Infantil não é um fim, mas o ponto de partida
para o processo de reflexão e construção do conhecimento.
Contudo, vários fatores envolvem a leitura de imagens em livros de Literatura
Infantil, desde a ordenação do olhar até os recursos empregados na criação da imagem, que
podem facilitar, ou não, a significação da imagem.
Considerando esses aspectos, esta pesquisa aponta como questão central: quais são
os parâmetros que devem ser seguidos na leitura de imagens em livros de Literatura Infantil,
frente à necessidade de garantir a produção de sentidos e significados no leitor?
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3 OBJETIVOS DA PESQUISA
O objetivo geral da pesquisa é descrever e analisar as concepções de leitura de
imagens na produção de livros da Literatura Infantil.
Para detalhar as ações necessárias e alcançar esse fim, foram delineados os seguintes
objetivos específicos:
identificar e descrever os métodos de leitura e sua aplicação na leitura de imagens;
caracterizar e descrever o processo de semiose na leitura de imagens, que produz a
interpretação dos signos em uma imagem;
analisar o potencial artístico e informacional das imagens em livros de Literatura Infantil,
premiados pela produção de suas imagens pelas instituições que estimulam a criação
literária;
analisar o uso dos recursos disponíveis para produção das informações imagéticas de
livros de Literatura Infantil.
11
4
REVISÃO DE LITERATURA
A pesquisa bibliográfica buscou um exercício nada usual pela tradição de pesquisas,
em que a análise do objeto concorre com a fundamentação teórica. Parte desta pesquisa foi
motivada a partir de algumas incitações geradas pela leitura de imagens de livros infantis. No
entanto, propõe-se buscar na revisão de literatura subsídios teóricos e práticos para a
fundamentação do tema, subdividido da seguinte forma:
a) Situar a imagem (obra artística) na Ciência da Informação e apresentar os recursos
semióticos na construção da imagem – Não foi pretensão desta pesquisa aprofundar ou explorar
com detalhes o campo teórico da semiótica. A Semiótica é um campo do conhecimento tão
amplo e complexo que exige certamente um espaço-tempo maior. Contudo, com a finalidade de
compreender a sua filosofia para depois aplicá-la na leitura de imagens dos livros de Literatura
Infantil, buscaram-se alguns conceitos básicos dessa ciência, estruturando-se na Semiótica de
Peirce, pois a característica que melhor diferencia a corrente peirciana das demais é a sua
preocupação central com o signo. Aqui, a narrativa imagética será estudada como fenômeno, sob
análise empírica, sem o uso das teorias que subsidiam as áreas da Lingüística e das Letras. Dada
a complexidade da classificação estipulada por Peirce na relação entre os signos, a pesquisa
concentrou-se apenas na relação mantida entre o signo e seu objeto (ícone, índice e símbolo), por
se tratar de argumento importante na leitura de imagens do livro infantil;
b) Estabelecer a leitura de imagens na Literatura Infantil, com a sua devida
valorização e crescimento no mercado editorial – Fez-se necessário, primeiramente, entender o
que é leitura, sendo que as definições elaboradas para a leitura verbal foram aceitas e aplicadas à
leitura visual (imagens), pois o ato de ler requer, praticamente, as mesmas habilidades em
qualquer modalidade de texto. Apoiados nas metodologias de leitura de Capeller (1998) e
Feldman (1970) a partir da obra artística, estruturou-se a leitura de imagens. A obra artística
descrita neste estudo evidencia a obra de arte em geral – escultura, pintura, fotografia – e o livro
infantil está inserido nesta categoria quando referido à imagem, que é uma criação artística. A
proposta não está na dimensão da leitura estética, histórica e crítica da arte, mas no
desenvolvimento da capacidade de formular hipóteses, interpretar e contextualizar julgamentos
acerca da imagem/ilustração do livro infantil. Mais que um estilo de época, as imagens devem
conter uma estratégia de representação e uma organização do pensamento em busca do
conhecimento. Quanto à valorização da Literatura Infantil, pesquisaram-se os organismos que
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mais estimulam a criação literária e a descrição de suas ações junto à cadeia criativa e produtiva
do livro. O destaque foram as premiações referentes à produção da imagens no livro infantil;
c) Exemplificar a narrativa imagética no livro infantil descrevendo o livro de imagens
ou de narrativa muda, a narrativa seqüencial usada nas histórias em quadrinhos e a construção de
significados no contexto sociocultural – Observou-se as características de expressão da narrativa
apenas por imagem, tomando como exemplo o livro Ida e Volta (1998), de Juarez Machado. O
recurso de superposição de palavra e imagem no processo de produção em histórias em
quadrinhos contemplou a idéia de intertextualidade e dinâmica de leitura da linguagem verbal e
visual. Por fim, situou-se a Literatura Infantil no segmento que direciona para os temas do
contexto sociocultural e das relações interpessoais, partindo do exemplo do livro A cor da fome
(2004), de Jonas Ribeiro, com ilustrações de André Neves.
13
4.1 CONSTRUÇÃO E APLICAÇÃO DA IMAGEM COMO INFORMAÇÃO
Para realizar um estudo completo da imagem, faz-se necessário considerar como o
olho vê. Isso supõe vários outros estudos, Biologia, Neurologia, luz, das teorias de percepção.
No entanto, considerando a complexidade do assunto e a necessidade de explorar a imagem
como um elemento pictórico, fez-se um recorte para dar ênfase à sua função de informação e
linguagem.
Apesar do recorte, compreende-se que, com a evolução da linguagem por meio da
imagem, ainda é difícil determinar as fronteiras do que vem a ser a imagem, uma vez que sua
representação pode ser compreendida como tudo o que pode ser visto ou imaginado.
A palavra imagem é proveniente do latim: imago. Abrange qualquer objeto, palpável
ou não, criado ou não pelo ser humano, em forma de pensamentos e demonstrações de
expressão. Como objetos, freqüentemente, as imagens são referidas às obras de arte, às
fotografias, às gravuras, às pinturas, aos desenhos, às esculturas, mas tudo o que pode ser visto
também é uma imagem.
A percepção da imagem está relacionada com a forma pela qual cada indivíduo pode
captar a realidade e, ao mesmo tempo, entre outros fatores, está atrelada à história pessoal e
familiar, à cultura, aos interesses e à motivação de cada um. A imagem é vista e percebida pelo
indivíduo que a recorta e a compõe novamente em sua mente, agregando seus conhecimentos,
valores e emoções.
Silveira (1998a, p. 24-25) busca uma reflexão mais filosófica e apresenta a imagem
como uma extensão do próprio homem:
A imagem nos acompanha, pensantes que somos, desde que, vendo-nos
refletidos nos olhos/espelhos de nossos pais formamos a imagem de nós
mesmos. Todas as imagens, daí para a frente, serão também construídas como
essa, pois, nenhuma imagem nos é dada; elas são produções da pessoa que é
produzida pela sua própria imagem. Essa pessoa é emergente a cada novo
recorte de imagem que produza no mundo.
Silveira (1998a) explica o que é o recorte e a sua relação com o ser ativo e passivo. O
recorte compreende o enquadramento que se pode dar aos objetos à volta do observador: a mesa,
a cadeira, o papel, o livro, etc. Alguns elementos apenas iluminam e ajudam a definir os outros
elementos presentes no enquadramento; olham passivamente, porque o observador os enquadrou.
Nessa passividade, esses elementos são diferentes para um outro pensante que pode estar ao
alcance de seu enquadramento.
14
Capeller (1998) postulou uma interpretação similar da afirmativa de Silveira (1998),
em relação ao ser ativo e passivo no enquadramento que cada observador dá a um cenário e
grupo de imagens. Ele aponta um enquadramento na idiossincrasia de cada observador:
Nós somos tanto algo de muito ativo (os nossos desejos, nossos fantasmas,
nossas pulsões, atividades que procuram coisas no mundo), quanto algo
passivo, reflexivo para o mundo, cego para o que é ativo: nosso olho. Enquanto
o que é ativo “dá-se a ver” como espetáculo do mundo para o olho alheio,
como um objeto para o enquadre que este outro criará, nosso olho,
silenciosamente, enquadra o mundo com a nossa marca, a marca do nosso eu.
Tudo no mundo passa para nós pelo criativo do eu, ilusoriamente passivo como
os olhos de nossos pais foram ilusoriamente passivos quando nos serviram de
espelho, mas muito ativo ao investigar o mundo, procurando nele os sinais de
nossa presença (CAPELLER, 1998, p. 25).
Entregando essas reflexões às avalanches de imagens que invadem o cotidiano das
pessoas – tanto as imagens internas, armazenadas na memória, quanto às externas, que são
“concretas” –, pode-se perceber a complexidade em discorrer sobre a imagem numa única
definição, principalmente devido aos processos de subjetivação aos quais estão submetidas. em
outras palavras parte do princípio de que a recepção de uma imagem pode estar condicionada a
fatores que diferem de uma pessoa para outra, de um ambiente para outro.
A análise da constituição da imagem inclui a compreensão de várias vertentes:
depende da refração da luz, de olho, de células, de nervos, de localização
cerebral, e depende da cultura de quem vê, dos sentidos e significações que lhe
forem atribuídos, do repertório em que está incluída no momento, do veículo em
que está disponível, da quantidade de vezes que foi exposta, das técnicas, dos
materiais, dos suportes, dos recortes etc. e depende, ainda, do mercado: quem
demanda e para quem se destinam os recursos, uma vez que fomentar é, também,
manter controle sobre a produção e a veiculação (SILVEIRA, 1998a, p. 30).
No entanto, cada indivíduo, na sua particularidade, faz associações da imagem com a
sua linguagem cultural que é resultado da imagem coletiva. É o grupo cultural em que ele está
inserido que lhe fornece meios de perceber e organizar a imagem particular. A imagem evoca a
experiência com o mundo objetivo e com o contato com as formas determinadas culturalmente;
assim, os indivíduos constroem seus sistemas de signos que, por sua vez, consistirão no código
para a decifração de imagens.
Parte-se do princípio de que a imagem pode ser lida por qualquer pessoa. Manguel
(2001) defende que as imagens devem representar para os analfabetos o mesmo que um texto
representa para um letrado. Considera, por exemplo, que um público não especializado em arte
seja capaz de ler imagens como quem lê palavras, que as imagens encerram um sistema auto-
15
suficiente de signos, possibilitando um diálogo entre a imagem e quem a lê. As imagens emitem
sons vocais próprios; as cores, as linhas, os traços e os contornos podem falar, emanar
sentimentos e representações do real, metáforas, conotações e denotações, que podem ser
interpretadas, decodificadas em vocábulos.
Ao analisar por esse ponto de vista da imagem auto-suficiente, no que diz respeito à
extração do seu conteúdo, ela se torna um recurso poderoso nas mãos de publicitários e
profissionais da comunicação, constituindo, inclusive, instrumento de massificação e dominação
social.
Masahiro Hamashita (2003), em artigo intitulado A palavra, a imagem e as
“humanidades”, reflete sobre o avanço das imagens em diversos suportes, em especial o avanço
da mídia visual, que assume cada vez mais o lugar da informação baseada no suporte impresso.
Ao mesmo tempo que favorece a comunicação entre as pessoas, essa mídia interfere no destino
do livro, que sofre as ameaças das variadas formas de comunicação multimidiáticas e pela
Internet: “Estamos totalmente submersos por uma enxurrada de imagens e ilustrações; enquanto
isso, estamos privados de qualquer veleidade de iconoclasmo”. É preciso analisar a relação entre
linguagem e representação em imagens, pois o papel da representação imagética cresce em
importância e garante a visualização entre as pessoas, uma comunicação, direta, concreta, rápida,
incluindo a visualização de pessoas que são estrangeiras e não se conhecem.
Ao deslocar ligeiramente o olhar, encontramos tentativas para respaldar a
superioridade da vista em relação aos outros sentidos e a idéia de uma
alfabetização visual em uma sociedade multicultural, ou, por outras
palavras, a visão como um meio de comunicação-padrão entre as pessoas de
diferentes origens étnicas e culturais. As novas tecnologias não só
facilitaram a reprodução das imagens e sua acessibilidade, mas também
aumentaram consideravelmente sua precisão (HAMASHITA, 2003, p. 214).
Considerando a preponderância da imagem na sociedade atual e os avançados meios
na sua produção e disseminação, pondera-se a necessidade de uma “alfabetização visual” que
possibilite uma visão crítica do que se apresenta como coletivo. A imagem é um instrumento de
informação que está ao alcance de leitura de qualquer indivíduo, que a formula de acordo com o
seu espelho interior e a devolve nas suas mais diversas formas de expressão e linguagem.
Portanto, pode-se aceitar a premissa de que a imagem traz uma idéia de mundo e a
põe à disposição de seu receptor, que, por sua vez, dotado de experiências anteriores e únicas,
acrescenta, contempla, aceita ou recusa.
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4.1.1 Sobre a Ciência da Informação e sua ligação com a Arte
Inicialmente, é preciso situar a Ciência da Informação em relação à Arte, uma vez que
a Literatura Infantil e a imagem (ilustração) do livro infantil são obras artísticas. Analisar a obra
literária infantil como objeto artístico representa também refletir sobre o livro infantil como fonte
de informação.
Cabe mencionar as três fases do processo evolutivo da Ciência da Informação, essa
nova disciplina no domínio do saber. A primeira, de acordo com Pinheiro (1997, p.96), em que a
disciplina constituía suas discussões iniciais, seus primeiros conceitos e definições, data de 1962
a 1969. A segunda, no período de 1970 a 1989, na tentativa de delimitar o seu terreno
epistemológico, busca os seus princípios, metodologia e teorias próprias. E a terceira e última,
que evidencia a sua natureza interdisciplinar, abriga, naturalmente, a linguagem artística como
fenômeno de estudo.
Durante a sua trajetória, a Ciência da Informação tem assumido diferentes posições
no que diz respeito à Arte. De acordo com Werneck (2000, p. 62), na sua origem, a Arte nasceu
para atender às necessidades da Ciência em sua prática. O posicionamento em relação à arte foi
de que ela era “coerente com os objetivos e com a visão ingênua e positivista que se mantinha na
época: ajudar o cientista/pesquisador, em suas necessidades de coletar, processar através de
análise e síntese, armazenar, recuperar e disseminar a informação científica”. E assim, a autora
argumenta que a Arte era apenas um meio subordinado a um fim e criava condições sentimentais
favoráveis a uma produção intelectual, embora não fizesse parte dela. A Arte, sendo
indispensável para exaltar as faculdades cognitivas, não era considerada capaz de levar ao
conhecimento.
Segundo Werneck (2000, p. 65), os autores Mikailov, Chernyi e Gilyarevskyi
limitaram as propriedades da informação científica por oposição à informação estética e
definiram seus conceitos da seguinte forma: “a informação científica é social, ou seja, ela se dá
entre os humanos e, portanto é semântica”, enquanto a informação estética – informação usada
na arte – “é intraduzível, prepara estados da alma e por isso deve ser estudada no âmbito da
informação pessoal”.
No entanto, Werneck (2000, p. 66) conclui que durante muito tempo a Ciência da
Informação foi uma disciplina especializada a serviço da Ciência, da tecnologia e da
administração. Os “dilemas e contradições”, no início, também eram preocupações com as
humanidades em cujo conceito está implícita a Arte. Tudo isso tem ligações estreitas com a
institucionalização da Ciência e da Arte, esta última com ênfase na modernidade, por meio da
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criação dos museus, academias e galerias de arte que são instâncias reguladoras e legitimadoras
da Arte. Diana Crane (1987, p. 19) apud Werneck (2000, p. 66-67) afirma que a criação artística
é como uma “espécie de rede cultural” e a existência de estilos implica na existência de tradições
artísticas das quais emergem os estilos.
Comparada à criação científica, em que o cientista precisa estar a par do
que se está fazendo no momento, o artista precisa estar a par da tradição
da arte, ou seja: para o cientista interessa o passado recente, para o
artista e para o humanista o passado distante ainda conta (WERNECK,
2000, p. 67).
Silva (2000), analisando as condições e a dimensão da representação da imagem no
campo da cultura contemporânea, explica que o objeto imagético é caracterizado pela dualidade:
é registro documental e é, ao mesmo tempo, obra de criação artística. “Do ponto de vista
documental, é importante que o objeto imagético seja considerado em toda sua extensão, como
objeto, como obra de criação artística e na sua expressão, pois essas partes (in) formam o todo”
(SILVA 2000, p. 152).
Com o crescimento da cultura de consumo e, principalmente, da informação,
consolidam-se os sistemas de informação com objetivos específicos de armazenamento,
recuperação, processamento e distribuição. A Arte ganha novos espaços e se inclui nos sistemas
de informação. É instrumento de especial transmissão de cultura, por sua dinâmica de mostrar os
objetos reais e simulações e em variados suportes físicos e virtuais.
A Ciência da Informação está entrelaçada com as Artes Visuais quando se ocupa em
extrair a informação que nela contém. Em especial, como suporte e condução da informação
estão os meios eletrônicos e tecnologias, como os programas de computadores, a TV a cabo, os
CD, as imagens digitais, etc.
Ao relacionar, em especial, a Literatura Infantil, a Arte (imagem e criação literária) e
a informação, pode-se concluir que a Literatura Infantil, por ser objeto de criação humana, é
sucessível ao sistema de informação – pode ser registrada (codificada), reproduzida, organizada,
processada, recuperada (quando necessário), sendo um mecanismo de transferência de
conhecimento; portanto, objeto de estudo da Ciência da Informação.
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4.1.2 A informação e a leitura de imagens
Foi esculpindo nas cavernas que o homem começou a manifestar seu desejo de
perpetuar a sua história, informar sobre os acontecimentos do seu cotidiano, comunicar. Graças
aos rabiscos em rochas, foi possível o conhecimento sobre aquele momento histórico e sua
evolução. A partir de um olhar crítico, atento às suas necessidades, do olhar multi-sensível, o
homem, nessa primeira etapa de desenvolvimento cultural, fazia da Arte um reflexo da sua vida
social e produzia um certo tipo de informação, que era, essencialmente, a experiência de sua
realidade.
Nas regiões mais frias, uma caverna, protegida por uma fogueira na entrada, era
um abrigo perfeito para os grupos e tribos. A vida durava mais e havia mais
tempo para a observação e o acúmulo de conhecimento. Com o desenvolvimento
da fala, o convívio e a troca de experiências ganhavam uma nova dimensão.
Ouve-se e conta-se histórias: há um aprendizado a partir da palavra, da
observação, da troca de impressões. A terra endurecida em volta do fogo surge a
cerâmica; rabiscos no chão, traçando estratégias de caça, se transformam em
desenhos. Fazendo a ligação entre mão – que amassa, desenha, esculpe e caça – e
o olho – que observa e absorve (COELHO, 1998, p. 33).
Em princípio, esta foi a melhor forma de manifestação do conhecimento que o
homem encontrou para expressar a sua visão de mundo, por meio de imagens, de desenhos. São
várias as formas de manifestar e propagar o conhecimento e a imagem continua sendo a mais
usual, no entanto, aperfeiçoada. Ela ganha espaço nas paredes das salas de estar, outdoors das
grandes avenidas, nos painéis luminosos, nos livros, jornais, revistas, televisões, jogos
eletrônicos, computadores e muitos outros lugares.
É no século XX que a imagem ganha destaque e muitos o consideram como o século
da imagem, quando a informação imagética tramita levando idéias, acontecimentos, fatos reais e
imaginários, registrando o mundo de forma dinâmica. A mídia passa a usar amplamente a
imagem como potencial persuasivo, aprimora produção de comerciais e propagandas, abusa de
recursos como cores, luzes, sombras, sobreposições, movimento, sons, etc.: tudo para atingir de
forma mais eficiente um maior número de espectadores. Nada foi mais visível do que a
revolução que a Internet nos trouxe: veloz, simultânea, antitemporal e antilinear em comunicar
por imagens.
[...] cada vez mais a existência cultural do homem contemporâneo situa-se no
plano da comunicação visual por imagens. Psicólogos, antropólogos,
epistomologistas e educadores são unânimes em afirmar que a maioria absoluta
das informações que o homem moderno recebe, direta ou indiretamente, lhe
vem pelas imagens (ALMEIDA JUNIOR, 1997, p. 14).
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É nessa revolução eletrônica que se observa a imagem como ampliação do universo
da informação e do conhecimento. A imagem, antes paisagem a ser contemplada, agora pode ser
manipulada e oferecida tal como um texto para ser lido, decifrado, interpretado pelo espectador.
Torna-se informação.
Entretanto, como definir a informação?
Conforme Le Coadic (1996, p. 5):
A informação comporta um elemento de sentido. É um significado transmitido
a um ser consciente por meio de uma mensagem inscrita em um suporte
espacial-temporal: impresso, sinal elétrico, onda sonora, etc. Essa inscrição é
feita graças a um sistema de signos (linguagem), signo este que é elemento da
linguagem que associa um significante a um significado: signo alfabético,
palavra, sinal de pontuação.
Portanto, pode-se considerar informação tudo o que nos faz sentir: um odor, um
sabor, um som, uma imagem – desde que se tenha consciência deste sentido. A informação por si
mesma não é dotada de valor; sua relevância depende de sua inclusão num sistema de produção
de conhecimento e, ainda, é muito relacionada ao seu uso social, como um instrumento – e
nenhum instrumento vale por si só, mas pela utilidade que dele se faz.
[...] a qualificação da informação pela etimologia da palavra a associa
objetivamente ao coletivo. Verifica-se, por essa via, que a sua importância
encontra-se relacionada ao fato de a mesma promover modos de organização
social que vão além de noções espaciais e territoriais: a agregação dos
indivíduos, assim como a segregação entre eles, faz-se pela informação, sua
circulação, distribuição e consumo (KOBASHI, SMIT, TÁLAMO, 2001).
Kobashi, Smit, Tálamo (2001) ponderam que a informação está associada não só aos
seus produtos, mas também ao modo de funcionamento de sua produção (processo e produto).
Sobre a cognição na apreensão da informação, Varela (2006, p. 17) esclarece que
compreender a informação não é apenas um ato cognitivo, mas, sobretudo, um ato social em que
estão envolvidos ao menos dois sujeitos: o emissor e o receptor. Varela complementa que se faz
necessário considerar a informação uma estrutura ou uma totalidade relativa, verificando a sua
funcionalidade:
[...] refletir sobre o conhecimento e acompanhar os processos cognitivos são
passos que levam à formação de um receptor que percebe e forma relações com
um texto maior, que descobre e infere informações e significados mediante
estratégias cada vez mais flexíveis e originais. Isto não quer dizer que
compreender informações seja apenas um ato cognitivo; compreender
informações é também um ato social em que interagem ao menos dois sujeitos:
o emissor e o receptor (VARELA, 2006, p. 17).
20
Analisando a informação no contexto das práticas sociais, Araújo (2000) observa que
os sujeitos constroem as práticas informacionais; ações de recepção, geração e transferência de
informação. A informação é imprescindível na conscientização crítica da realidade “pois é
através do intercâmbio informacional que os sujeitos sociais se comunicam e tomam
conhecimento de seus direitos e deveres e, a partir daí, tomam decisões sobre suas vidas, seja em
nível individual ou coletivo” (ARAÚJO, 2000, p. 1).
Para Le Coadic (1996, p. 10), as ciências são produtoras e utilizadoras de
conhecimento científicos e técnicos, sendo que a Ciência da Informação tem por objeto o estudo
das propriedades gerais da informação (natureza, gênese, efeitos), mais precisamente os
processos – construção, comunicação e uso – que se sucedem e se alimentam reciprocamente.
Modelo social
COMUNICAÇÃO
CONSTRUÇÃO
USO
Figura 1: O ciclo da informação
Fonte: Le Coadic (1996, p. 11).
A respeito da construção da informação, é consenso que a produção de informação
tem tido um crescimento exorbitante. Em especial, na literatura científica, Le Coadic (1996,
p. 28) estimou que tudo acontecesse como se a densidade da Ciência em nossa cultura
quadruplicasse a cada geração e dobrasse a cada 15 anos. O autor esclarece que as
características do crescimento do conhecimento e da informação giram em torno da ampliação
dos setores onde se exerce esse conhecimento, no movimento de síntese e de um profundo desejo
de unidade e no aparecimento de novos produtos, processos, atividades e empresas. Portanto, a
prática da construção da informação consiste na compreensão do código utilizado e recepção.
21
O papel da comunicação da informação consiste em assegurar a troca, a difusão e a
promoção de informações junto à sociedade. A comunicação está relacionada ao movimento que
carrega a matéria informação e a disponibiliza.
A respeito do uso da informação, Le Coadic (1996, p.39) conclui que “usar
informação é trabalhar com a matéria informação para obter um efeito que satisfaça a uma
necessidade de informação”. Trata-se de empregar o produto informação para obter a satisfação
de uma necessidade, oriunda da vida social, exigência de saber, de comunicação, etc., e que esse
objeto subsista, modifique, desapareça ou seja consumido.
A imagem como informação também passa, necessariamente, por esses três
processos: construção, uso e comunicação. O homem, desde os primeiros registros na história,
utilizou estes processos para representar o cotidiano. O que se aperfeiçoou foi a ferramenta nos
processos, a forma como é utilizada e a forma de propagar a imagem-informação. No princípio,
para construir, tinha-se um toco de carvão; atualmente, usam-se os mais variados objetos, desde
o lápis, a caneta, o pincel, etc., até as mais modernas tecnologias, em especial o computador. O
uso e a comunicação da imagem são cada vez mais diversificados e modernizados, estão na
propaganda, na Arte, na Educação, enfim, na Ciência. A comunicação também passa pelas novas
tecnologias; a imagem digital e a Internet detêm a maior contribuição nesta tarefa.
Assim, mais do que nunca, devido à evolução do homem na construção, uso e
comunicação, a cognição das informações faz-se, quase que necessariamente, pelo visual. A
imagem instiga a nossa capacidade de imaginar, criar e decodificar a informação do mundo à
nossa volta, daí sua importância como construtora do saber. Ao representar o mundo em seus
mais diversos suportes, as imagens exercem o papel de mediadoras entre o homem e o mundo.
4.1.3 Imagem artística: iconologia, concepções e leitura
Embora alguns autores diferenciem iconologia de iconografia, afirmando que a
primeira está relacionada ao tema ou assunto e a segunda ao significado, entende-se a iconologia
a partir da obra artística, pois, segundo Capeller (1998), a iconologia tem a tarefa de apresentar e
interpretar os conteúdos temáticos de uma obra. Esses conteúdos são estabelecidos pelo
reconhecimento dos objetos e dos temas, pela história na qual são representados, e na
apresentação da apreensão e diferenciação de suas formas. Assim, Capeller (1998) explica a
iconografia pela forma, motivo e tema na composição imagética.
22
A forma, segundo Capeller (1998), caracteriza-se pelos recortes que, por tradição,
aprendizado e experiência pessoal, o indivíduo atribui aos objetos que lhe são apresentados,
logo, o que o indivíduo assimilou ter determinada forma, traço, cor, textura, profundidade, etc.,
de um determinado objeto.
O motivo é o reconhecimento dos traços e materiais na obra, sendo seu uso e
repetição caracterizados como estilo, tecnologia e efeitos imagéticos próprios a uma determinada
época. O reconhecimento dos motivos depende, fundamentalmente, da familiaridade do
observador com os objetos e as ações representadas. Compreendendo, ainda, que os motivos
passam pela história dos estilos, sob quais condições históricas e culturais, objetos e ações
específicos foram representados.
Os temas são as descrições elaboradas das cenas representadas, as idéias veiculadas
pelas reações dos objetos em cena, conforme convenções culturais específicas. A compreensão
dos temas está relacionada ao conhecimento dos elementos iconográficos mais utilizados numa
determinada cultura; sua interpretação é restrita às convenções e aos aspectos históricos do autor
ou sociedade em questão.
Nessa perspectiva, analisando uma obra artística e não simplesmente uma imagem
qualquer, Capeller (1998, p. 175) argumenta que:
O reconhecimento dos objetos não é suficiente para a compreensão da imagem.
A disposição dos objetos em cena, a constituição da cena, o material usado, a
intenção do autor, as influências sofridas pelo autor, os textos escritos pelo
autor e os textos provavelmente lidos por ele, tudo isso contribui para a
compreensão mais correta da obra.
No entanto, para validar a interpretação temática, no que diz respeito à compreensão
da imagem, é necessário a capacidade de ordenar os motivos e os temas numa forma que seja
coerente com os elementos apresentados pela obra.
Capeller (1998) também afirma que é o conteúdo da imagem que permite a mais
ampla liberdade e que atribui sentido a obra. A abordagem da realidade humana extrapola o
conhecimento prévio das intenções do autor, sendo necessária a presença de uma objetividade
interpretante, o observador ativo.
A presença do observador em posição de recuperação do sentido da obra é que
poderá inovar este sentido, fazendo uma síntese entre o experimentado pela
imagem da obra e o experimentado pelo observador, síntese que inserirá a
pessoa na série de repertórios culturais aos quais pertence a imagem. A
nomeação do conteúdo tem caráter informativo; o importante é a presença da
atividade interpretante, atividade desenvolvida pela apresentação de novas
obras, isto é, imagens criadas por indivíduos que tentaram representar temas
por novas sínteses (CAPELLER, 1998, p. 176).
23
Assim, considera-se que uma obra de arte vai além das intenções do autor. O leitor é
capaz de realizar interpretações que têm tanto a dimensão subjetiva quanto a objetiva. A leitura
da obra de arte dependerá de como é o acervo cognitivo do leitor e seu repertório artístico e
experiência estética.
Oliveira e Garcez (2004, p. 11) definem a experiência estética como um conjunto de
sensações: “as obras de arte expressam um pensamento, uma visão do mundo e provocam uma
forma de inquietação no observador, uma sensação especial, uma vontade de contemplar, uma
admiração emocionada ou uma comunicação com a sensibilidade do artista”. Essa experiência
que a arte proporciona é transformadora e, para interagir e apreciar a arte, usam-se as
“experiências anteriores; percepção; habilidades comunicativas, visuais e espaciais; informações;
sensibilidade; imaginação” (OLIVEIRA e GARCEZ, 2004, p. 11). Quanto mais desenvolvidas
essas capacidades, competências e habilidades, mais se aproximam do mundo da arte.
Feldman (1970) afirma que para apreender a linguagem da arte é preciso desenvolver
o conhecimento técnico, a crítica e a criação, assim como a dimensão social, cultural, criativa,
psicológica, antropológica e histórica do homem. Para a apreensão do que se denomina leitura da
imagem, a proposta do autor é apresentada em etapas de leitura do objeto artístico, sendo elas: a
descrição, a análise formal, a interpretação e o julgamento.
A etapa da descrição supõe desde a assimilação do título do trabalho, o lugar, a época
em que a imagem foi criada; até a identificação da linguagem plástica empregada, o material
utilizado, o tipo de representação e a técnica usada pelo artista. Nesse estágio, Feldman (1970)
sugere que se faça uma lista detalhada de objetos e formas contidos na obra, descrevendo tudo o
que se vê. Esse exercício ajuda o leitor a deter o olhar mais demoradamente e ao mesmo tempo
descobrir detalhes que não haviam sido captados à primeira vista.
A etapa da análise formal é a descrição das relações entre os elementos formais da
imagem a partir do contexto histórico-cultural, na possibilidade de apreender os significados e,
ainda, o que as formas criam entre si, como elas se influenciam e como se relacionam. Então, são
observados os modos como as formas estão dispostas, as relações de tamanho, localização das
formas no espaço, a relação cor e textura, textura e superfície, espaço e volume, a relação de
valores tonais, a relação luz-sombra, a qualidade da marca ou forma; descobrem-se as formas
negativas, como também as qualidades emocionais e idéias transmitidas pela obra de arte.
A etapa da interpretação determina o significado da imagem, dando sentido às
observações visuais, organizando as observações significativamente. É a relação que se faz das
idéias com as sensações e sentimentos que são despertados ao se observar uma imagem. O que
24
pode ser diferente em cada observador, que faz a sua interpretação de acordo com suas vivências
e contexto social e temporal; é o estágio em que, baseado nos elementos descritos e analisados da
obra, o leitor dá significado ao trabalho de arte. Afirma-se apenas o que a evidência visual parece
significar. A melhor interpretação é aquela que se baseia apenas num grande corpo de evidência
visual proveniente da própria obra, como também a que faz a mais significativa conexão entre a
obra e as pessoas que a observam. Não se rejeitam as primeiras impressões.
Por fim, a etapa do julgamento implica juízo de valor. Nesse estágio se decide sobre o
valor estético de uma obra de arte. É o momento de explicitar as razões por que a obra em estudo
é boa ou ruim. É a decisão do observador sobre a qualidade de um objeto artístico, a partir do
que foi lido e interpretado nas etapas anteriores. Entretanto, esse processo é complexo quando se
trata de estabelecer juízo de valor. As razões para julgar um trabalho excelente ou pobre devem
ser baseadas numa Filosofia da Arte. Feldman (1970) sugere três enfoques filosóficos sob os
quais uma obra pode ser justificada: formalismo, expressionismo e instrumentalismo.
O formalismo enfatiza a importância e a maneira como os elementos visuais se
agrupam ou se relacionam na obra de arte. A harmonia das partes que compõem o todo é
essencial para quem analisa a obra sob esse enfoque filosófico. Não há uma regra lógica; o
crítico decide apoiar-se na impressão ou nas sensações. A harmonia se expressa através do justo
equilíbrio dos elementos que formam a obra.
Os que optam pela linha do expressionismo estão interessados na profundidade e
intensidade da experiência provocada pelo contato com a obra de arte. Arte deve comunicar
idéias e sentimentos, vigorosamente, com convicção. Não precisa necessariamente ser bela. Duas
regras podem basear o julgamento e a excelência de uma boa obra: a que tem força em provocar
emoção e a que comunica as idéias de maior significância. Assim, a arte tem que ser
convincente, real e emocionalmente efetiva.
No instrumentalismo a arte serve a uma causa importante, às necessidades humanas
estabelecidas por instituições sociais, como a igreja, o Estado, a economia, a política. A
excelência de um trabalho de arte para o instrumentalista está na força da obra que pode
transformar o comportamento de quem a contempla. As qualidades técnicas e imaginativas do
artista precisam ser organizadas por uma idéia que seja superior ou de maior importância às
emoções íntimas do próprio artista. Assim, uma técnica excelente aplicada a um propósito trivial
resultará numa obra medíocre. A grandeza da obra está na grandeza do propósito, na eficácia da
obra para um fim e a qualidade da execução.
Sintetizando, o formalista é interessado na beleza, o expressionista na profundidade ou
intensidade de comunicação e o instrumentalista é interessado na efetividade de propósito da arte.
25
Contudo, conclui-se, a partir de Capeller (1998) e Feldman (1970), que para captar o
significado de uma obra de arte e fazer sua leitura, o melhor meio está em descrever, analisar,
tentar resgatar na singularidade e especificidade da imagem os efeitos de sentido resultantes da
própria organização sensorial e estrutural do objeto, o que implica em construir um
conhecimento a partir das características observadas e apreendidas do texto.
Contemplar uma obra de arte sendo ela a ilustração de um livro de Literatura Infantil
implica muitas leituras entrecruzadas. Quando o leitor se depara com uma ilustração, uma série
de indagações pode ocorrer: que sentimento é despertado? Foi atribuído o significado pretendido
pelo escritor e ilustrador? A forma, o motivo e o tema correspondem ao repertório de
conhecimento do leitor destinatário? Pode-se até mesmo ler na imagem um significado tácito ou
implícito que, na verdade, não estava na intenção do ilustrador no momento da criação.
Nessa perspectiva, a competência semiótica supõe um desempenho de leitura
construído, sentido e vivenciado pelo leitor infantil, que, quando interligado à dimensão do
cognitivo, do inteligível, faz com que o objeto ganhe corporeidade – imagem e discurso
reconstruídos.
Segundo Santaella (1983, p. 30), é da fenomenologia que a semiótica de Peirce extrai
todos os seus princípios. O início de um trabalho filosófico passa pela fenomenologia; ela é a
base fundamental para qualquer ciência, ao observar os fenômenos e, através da análise,
apresentar as propriedades universais desses fenômenos. A fenomenologia descreve o fenômeno
como ele aparece. Conseqüentemente, do resultado dessa descrição surgem as categorias de toda
e qualquer experiência e pensamento.
Santaella (1983, p. 33) propõe três faculdades necessárias para desenvolver a tarefa
da fenomenologia: (1) a capacidade contemplativa, isto é, abrir as janelas do espírito e ver o que
está diante dos olhos; (2) saber distinguir, discriminar resolutamente diferenças nessas
observações; (3) e ser capaz de generalizar as observações em classes ou categorias abrangentes.
Observar, conforme Oliveira e Garcez (2004, p. 25), “é uma habilidade que depende
de olhar com interesse dirigido, examinar minuciosamente, focalizar a atenção, concentrar o
pensamento e os sentidos com vontade de apreender, de perceber os detalhes significativos. É
como usar uma lente de aumento sobre algum objeto”.
Adentrando as diversas abordagens em relação à leitura de imagem, percebe-se que a
leitura de imagem no livro infantil passa pelos três estágios: de contemplação da ilustração,
descriminação e generalização, que efetivamente traz a observação e compreensão do todo, do
cenário narrado pelo ilustrador. No entanto, é por meio da semiótica que se pode abranger as
teorias relacionadas à leitura de imagens.
26
4.1.4 Semiótica
A investigação semiótica abarca todas as áreas do conhecimento ligadas às
linguagens ou sistemas de significação, tais como a Lingüística (linguagem verbal), as Artes
(linguagem estética), a Matemática (linguagem dos números), a Psicologia (linguagem do
pensamento), a Biologia (linguagem da vida), o Direito (linguagem das leis), entre outras. Sua
principal utilidade está na possibilidade de descrever e analisar a dimensão representativa
(estruturação sígnica) de objetos, processos ou fenômenos em categorias ou classes organizadas.
A Semiótica vem do grego semeiotiké e significa arte dos sinais, sintomas. É a ciência
dos signos e da semiose, do processo de significação na natureza, na linguagem e na cultura.
Desde o seu surgimento se preocupa em indagar como um texto, independente da linguagem que
o veicule, constrói um sentido.
A faculdade da linguagem é inerente ao ser humano; ele já nasce com ela. As relações
com o mundo, com o outro ou consigo mesmo se dão pela mediação da linguagem. A Semiótica
estuda essa mediação, que pode ser considerada de representações ou apresentações do mundo.
A Semiótica conduz à compreensão do movimento interno das mensagens, à
produção de sentidos baseadas nas relações entre os signos; possibilita entender os
procedimentos e recursos empregados nas palavras, imagens, diagramas, sons, gestos, nas
relações entre eles, permitindo a análise e uso das mensagens. Considerada a ciência dos signos,
ela estuda todos eles, como se relacionam e a cultura onde estes signos existem.
Portanto, o processo de leitura, em qualquer suporte, é, por natureza, semiótico. A
semiose caracteriza-se como um sistema interpretativo, que se define pela passagem contínua de
signo a signo. A leitura desenvolve-se a partir de experiências e interpretações de signos
anteriores, está sempre em processo de construção e dependente de novos signos para seu
aperfeiçoamento. Por meio de hipóteses, selecionam-se algumas qualidades e propriedades de
um signo que são mais relevantes, pela experiência ou necessidade e, a partir delas, faz-se
generalizações e segmentações, adicionam-se novas características, reorganizam-se ou rejeitamse os modelos anteriores.
A Semiótica é uma das mais jovens ciências a surgir no domínio das chamadas
Ciências Humanas. Surgiu, simultaneamente, em três lugares diferentes: nos EUA, com Charles
Sanders Peirce (1839-1914); na União Soviética, com os filólogos N. Viesselovski e A.
Potiebniá; e na Europa Ocidental, com o lingüista Ferdinand Saussure (1857-1913). Contudo,
Peirce e Saussure são os nomes mais associados à Semiótica, Peirce com uma forte tonalidade
filosófica, enquanto Saussure aborda mais a Lingüística e usa o termo semiologia.
27
A Semiótica é uma ciência de grande amplitude e variedade teórica e prática.
Percebe-se um merecido esforço em formalizar, completar e desenvolver suas teorias e
aplicações, destacando-se estudiosos como Roland Barthes, Umberto Eco e Maria Lúcia
Santaella, sendo esta última o destaque nacional.
Santaella (1983, p. 13) traz esta definição: “a semiótica é a ciência que tem por objeto
de investigação todas as linguagens possíveis, ou seja, que tem por objetivo o exame dos modos
de constituição de todo e qualquer fenômeno de produção de significação e de sentido”. Ela
adverte que o campo de abrangência da Semiótica é vasto, mas não indefinido. O que se busca
descrever e analisar nos fenômenos é a sua constituição como linguagem, ou seja, descrever a
ação de todos os tipos de signos em cada área do conhecimento. Embora a Semiótica esteja
presente e intricada nas mais variadas ciências, desde a Culinária até a Psicanálise, na
Meteorologia como também na Anatomia, na Ciência Política e até na Música, ela não vem para
roubar ou pilhar o campo do saber e da investigação específica de outras ciências, mas fornecer a
elas fundamentações lógicas nas suas elaborações como linguagem que são.
Santaella (1983) preocupa-se, também em alertar sobre a distinção entre as duas
linguagens em crescimento desde o século XX: a Lingüística, ciência da linguagem verbal, e a
Semiótica, ciência de toda e qualquer linguagem.
Contudo, analisando a Semiótica com relação à análise da imagem parada, Penn
(2002, p. 322) realça a diferença entre a linguagem verbal e a linguagem imagética: “tanto na
linguagem escrita como na falada, os signos aparecerem seqüencialmente. Nas imagens,
contudo, os signos estão presentes simultaneamente. Suas relações sintagmáticas são espaciais e
não temporais”.
Penn (2002, p. 322-325) aponta uma segunda distinção entre linguagem verbal e
imagética. Está relacionada à distinção entre o arbitrário e o motivado. Uma das formas de
analisar a questão da motivação está entre os diferentes desníveis de significação que podem ser
denotativo e conotativo. A imagem pode ser portadora de várias mensagens simultaneamente. A
denotativa, ou primeiro nível, é literal ou motivada, o leitor necessita apenas de conhecimentos
lingüísticos e antropológicos. A conotativa, ou de segundo nível, é codificada, requer do leitor
um determinado saber cultural. A partir dessas concepções, Penn (2002, p. 325) estabelece a
ocupação do semiólogo na leitura da imagem:
A tarefa do semiólogo é desmistificar, ou “desmascarar” esse processo de
naturalização, chamando a atenção para a natureza construída da imagem, por
exemplo, identificando os conhecimentos culturais que estão implicitamente
referidos pela imagem ou contrastando os signos escolhidos com outros
elementos de seus conjuntos paradigmáticos.
28
Portanto, o semiólogo usa os conhecimentos da Semiótica para a interpretação das
mensagens obtidas na produção de sentidos resultantes das relações entre os signos. Assim,
objetiva tornar explícitos os conhecimentos culturais necessários para que o leitor compreenda a
imagem. Nesse processo, há que se considerar a importância do modelo semiótico estabelecido
por Peirce (2000) no auxílio ao semiólogo na análise e leitura de imagens.
4.1.5 A semiótica de Charles Sanders Peirce
Charles Sanders Peirce nasceu no ano de 1839. Filho de um importante matemático,
foi, desde criança, um cientista. Atuou em vários campos de interesse, como a Lingüística, a
Filosofia, a História, a Química, a Arquitetura e as Artes Plásticas, e tinha grande conhecimento
da Crítica da Razão Pura, de Kant. Esta diversidade pode ser explicada devido ao fato de que se
devotou ao estudo das mais diversas ciências para se dedicar à Lógica e entender os métodos de
raciocínio de cada ciência. Ao despertar o seu interesse pela Lógica, Peirce, automaticamente,
despertou também para o campo de uma teoria geral dos signos ou Semiótica.
Peirce levou cerca de 30 anos (de 1867 a 1897) para completar sua teoria das
categorias. Somente em 1897 o sistema triádico ficou fundamentalmente completo e só em 1902
ele adotou suas categorias como base geral para toda a sua doutrina lógica.
A princípio, Peirce tentou estabelecer suas categorias a partir da análise do material
dos fenômenos, mas logo abandonou essa idéia, visto a infinidade e a diversidade de matérias,
seguindo, então, a investigação pelo lado formal ou estrutural do fenômeno. Peirce estabelece
suas categorias por meio da análise de como as coisas aparecem na nossa mente e, desta forma,
cria caracteres elementares e universais, pois constituem toda e qualquer experiência que é
necessária à compreensão que possa se ter das coisas reais ou fictícias.
Peirce catalogou em três classes, numericamente compreendidas, denominando os
fenômenos de primeira, segunda e terceira classe, correspondentes às categorias universais:
primeiridade, secundidade e terceiridade. Estabelecidas como uma rede de classificações sempre
triádicas dos tipos possíveis de signo, tomando como base as relações pelas quais o signo se
apresenta. Começou a aplicá-las à mente e, logo após, à natureza. A relação mais elementar entre
essas tríades se dá tomando-se a relação do signo consigo mesmo (primeiridade), com seu objeto
dinâmico (secundidade) e com seu interpretante (terceiridade).
29
Ferrara (1997, p. 10) assim explica as três categorias:
Experiência de primeiridade é aquela de uma qualidade; a de secundidade é
proporcionada pela reação a um choque, a um conflito entre ações e hábitos,
que ocorrem aqui e agora, e apenas uma vez; se repetida e continuada, passa a
ser uma reação com força de lei, e, aí, estamos no domínio da experiência de
terceiridade.
A primeiridade, sendo a primeira das três categorias universais, consiste na primeira
impressão ou sentimento que o indivíduo recebe das coisas, na presença de imagens que lhe vêm
diretamente à consciência, sem uma consciência propriamente dita. Pode-se denominar a
primeiridade como a categoria da percepção, do sentimento imediato e presente das coisas, numa
relação sensível, sem afinidade com outros fenômenos do mundo, onde se vê aquilo tal como é,
por exemplo, a leitura da palavra FLOR. Santaella (1983 p. 46) explica que:
Qualidade de sentir é o modo mais imediato, mas já imperceptivelmente
medializado de nosso estar no mundo. Sentimento é, pois um quase-signo do
mundo: nossa primeira forma rudimentar, vaga, imprecisa e indeterminada de
predicação das coisas.
A secundidade é a categoria do conflito, do relacionamento direto de um fenômeno
de primeiridade com outro. É a ação de um sentimento sobre o indivíduo e a sua reação perante
um estímulo. Essas ações ou excitações externas podem produzir uma reação, conflito entre
esforço e resistência. É a união entre um fenômeno primeiro e um segundo fenômeno qualquer,
que não é somente o perceptível da primeiridade, mas necessita dela para existir. O segundo
representa uma consciência reagindo ante o mundo, em relação dialética; uma relação dual. É o
mundo do pensamento, sem, no entanto, a mediação de signos. É a categoria da comparação, por
exemplo, uma FLOR é o nome genérico para violetas, orquídeas, margaridas, rosas, gérberas, etc.
A terceiridade agrupa as duas primeiras categorias. Acrescenta uma camada
interpretativa, inteligível, entre a consciência (segundo) e o que é percebido (primeiro). É a
categoria de inter-relação de dois fenômenos em direção a uma síntese, lei, regularidade,
convenção, etc. No nível do pensamento, a terceiridade corresponderia ao nível simbólico,
sígnico, onde se representa e se interpreta o mundo. Não é uma relação passiva, primeira, mas a
união dessa com a segunda, acrescentando um fator cognitivo. É o pensamento em signos, o qual
se representa e interpreta o mundo.
Nesse caráter fenomenológico, Peirce (2000) começou a moldar o seu sistema
filosófico. A terceiridade é a categoria que relaciona um fenômeno a um terceiro termo, gerando
assim a representação, a semiose, os signos em si. Por exemplo, uma FLOR pode representar seu
30
objeto – o próprio tipo vegetal, mas pode também representar algo subjetivo como a mocidade, a
pureza, a candura etc.
4.1.6 Os signos na concepção peirceana
Na teoria de Peirce (2000), o pensamento humano é sempre representação. Ele quer dizer
com isso que o homem pensa sempre alguma coisa por meio de outra: representa. Um signo se
refere a outras idéias, a outros objetos do mundo que refletem um passado, a experiências
anteriores. Não há pensamento sem signos e sem uma interpretação, a qual se faz por meio da
estruturação sígnica.
Toda representação é uma imagem, um simulacro do mundo a partir de um
sistema de signos, ou seja, em última ou em primeira instância, toda
representação é gesto que codifica o universo, daí, ao mesmo tempo, mais
exigente de todo processo de comunicação é o próprio universo, o próprio real.
Dessa presença decorre sua exigência, porque este objeto não pode ser
exaurido, visto que todo processo de comunicação é, se não imperfeito,
certamente parcial. Assim, corrigindo, toda codificação é representação parcial
do universo, embora conserve sempre, no horizonte da sua expectativa, o
desejo de esgotá-lo (FERRARA, 1997, p. 7).
Ferrara (1997, p. 67), em seu vocabulário crítico, afirma que representar “é estar em
lugar de, isto é, estar em relação com alguma coisa de modo a poder ser considerado por alguém
como se fosse a própria coisa representada”.
Eco (1980, p. 10) extrai o conceito de signo: “segundo Peirce, um signo é qualquer
coisa que está para alguém no lugar de algo sob determinados aspectos ou capacidades”. Então,
signo pode ser entendido como uma coisa que representa outra coisa, ou seja, ele representa o seu
objeto. Para que um signo seja signo é indispensável que tenha a capacidade de representar,
substituir uma outra coisa diferente dele.
Peirce (2000) estabelece uma relação sígnica entre signo-representâmen ou fundamento,
objeto e interpretante. A noção de interpretante não se define como intérprete do signo, mas através
da relação que o signo mantém com o objeto; é uma representação do conhecimento desse signo.
Eco (1980, p. 58) afirma: “o interpretante é aquilo que assegura a validade do signo mesmo na
ausência do intérprete”. A partir dessa relação, produz-se na mente interpretadora um outro signo
que traduz o significado do primeiro (que é o interpretante do primeiro). Por exemplo, a palavra
CASA é um signo interpretante do signo casa (objeto) constituído unicamente em cada
subjetividade. Dessa forma, o significado de um signo é sempre outro signo, e assim por diante.
31
Santaella (1983, p. 51) explica que:
Diante de qualquer fenômeno, isto é, para conhecer e compreender qualquer
coisa, a consciência produz um signo, ou seja, um pensamento como mediação
irrecusável entre nós e os fenômenos. E isto, já ao nível do que chamamos de
percepção. Perceber não é senão traduzir um objeto de percepção em um
julgamento de percepção, ou melhor, é interpor uma camada interpretativa
entre a consciência e o que é percebido.
O fundamento é o suporte de um signo ou aquilo que funciona como signo,
remetendo a algo para um interpretante. É por meio dele que o signo se remete por alguma causa
a um objeto, seja a semelhança, a indicação ou a convenção.
O objeto que é exterior ao signo, denominado de objeto dinâmico, é espelhado no
interior do signo, imagem esta que se denomina objeto imediato, como ilustra a figura
explicativa, a seguir:
Figura 2: Signo
Fonte: Santaella (1983, p. 59).
32
Portanto, o signo é uma relação indissociável de um fundamento, aquilo que permite
ao signo funcionar como tal; de um objeto, aquilo que determina o que o signo é, ao mesmo
tempo que ele é representado por outro signo; de um interpretante, o efeito que o signo
representa em uma mente interpretadora qualquer, esse efeito que pode ser, por exemplo, um
pensamento, uma reação, uma sensação ou uma simples qualidade de sentimento.
Exemplo: o desenho de uma casa é um signo; o fundamento – que é o corpo do signo
em si – é o próprio desenho que se visualiza; na prática, é o veículo da informação. O objeto é o
fato ou uma casa qualquer. O interpretante pode ser a interpretação que alguém venha a fazer do
fato, é a casa que vem à mente quando deparada com o signo. Para a Semiótica não há
comunicação sem significação e não há significação sem interpretação, isto é, sem a passagem
que se pode fazer de determinados signos para outros signos e de códigos para outros códigos na
busca de uma significação.
Os signos diferenciam-se, dependendo da relação entre os elementos que os
compõem e de suas ações específicas. Quando um signo se relaciona consigo mesmo – primeiro
elemento da tríade – pode ser classificado em quali-signo, sin-signo ou legi-signo. Quando um
signo se relaciona com o seu objeto dinâmico, segundo elemento da tríade, pode ser classificado
como ícone, índice e símbolo. Quando se relaciona com o(s) interpretante(s), terceiro elemento
da tríade, o signo pode ser classificado como rema, dicente e argumento.
Na leitura de imagens, como as usadas em livros infantis, faz-se necessário a
compreensão da relação do signo com o seu objeto dinâmico e segundo elemento da tríade:
ícones, índices e símbolos.
Os ícones são signos que representam seus objetos, com características incorporadas
do próprio objeto, independente de um objeto existir ou não. Nesse caso, o signo remete a um
objeto por apresentar qualidades comuns a ele, na medida em que for semelhante a essa coisa e
utilizado como um seu signo. Podem ser, por exemplo, fotografias, desenhos, diagramas,
fórmulas lógicas e algébricas, imagens mentais.
Quanto ao índice, é um signo que se refere ao objeto. É determinado por uma
conexão física com o objeto que representa e denota em virtude de ser realmente afetado por
esse objeto. "O índice, como seu próprio nome diz, é um signo que como tal funciona porque
indica uma outra coisa como a qual ele está factualmente ligado" (SANTAELLA, 1990, p. 90).
Portanto, constitui-se não na semelhança, como o ícone, mas na dependência física com o
objeto. Exemplos: dedo apontado para um objeto, pegadas na areia, cata-vento, fumaça como
sinal de fogo.
33
O símbolo é um signo que se refere ao objeto, que denota em virtude de uma lei,
extraindo um poder de representação que foi convencionado. O símbolo geralmente é uma
associação de idéias gerais, que fazem com que ele seja interpretado como se referindo àquele
objeto. Nessa categoria, sua definição é por convenção, e sua relação com o objeto é arbitrária.
Exemplos: todas as palavras, frases, livros, bandeiras e outros signos convencionais.
É principalmente pela capacidade de interpretação dos leitores que o signo na sua
modalidade símbolo se relaciona com o seu objeto. As associações mentais ocorrem por meio de
uma agregação de idéias, que atua de forma que o símbolo seja interpretado como se fosse
aquele objeto. Exemplo disso é a bandeira do Brasil (símbolo do Brasil) e as cores verde e
amarelo, associadas à bandeira. Essa associação de cores (símbolo) traz a idéia do Brasil, que,
por sua vez, fez-se referente a um costume, tradição, rotina, hábito ou lei adquirida, que faz esse
símbolo representar algo diferente dele. Afinal, o símbolo é um signo que determinado indivíduo
e/ou grupo convencionou e passou a ser aceito como representante de algo, do objeto dinâmico.
4.1.7 A semiótica visual: processo de textualização
Em princípio, o livro para a criança é um objeto como tantos outros. Aos poucos, ela
começa a perceber que esse objeto possui uma narrativa, uma seqüência que forma uma história
e a conduz à fantasia, à imaginação e ao prazer. Após esta percepção, a criança passa a ter uma
implicação com este objeto, de forma que vê em todo o design do livro (na sua materialidade –
formato, tamanho, espessura) uma narrativa, o que vem propiciar um maior envolvimento do
leitor com a leitura e que significa uma maior responsabilidade do projeto gráfico.
Para Camargo (1995, p.16), o projeto gráfico é o planejamento de qualquer tipo de
impresso. Em relação ao livro infantil, o projeto gráfico corresponde desde à escolha do material
em que o livro será impresso, o tipo de impressão e formato até o número de páginas e tipos de
fonte e ilustrações que irão compor o livro. A ilustração é toda imagem que acompanha um
texto; pode ser um desenho, uma pintura, uma fotografia, um gráfico, e está inserida no projeto
gráfico.
O livro infantil cada vez mais é reconhecido pela crítica especializada. Entre os
quesitos apreciados, o design tem merecido destaque pela capacidade de transportar as idéias da
narrativa à materialidade do livro, que é um diferencial no processo de textualização. Todo o
projeto gráfico deve passar por um processo de criação afinado com as necessidades infantis, o
que só é possível se os autores conseguirem dialogar com as camadas mais profundas, com a
34
própria criança que um dia foi, trazendo para o livro um mundo filtrado pela poesia, fantasia e
sonhos pertencentes ao cotidiano da criança.
Pode-se afirmar que antes de qualquer criação, ela é primeiramente imaginada, nasce
na idéia do seu criador, assim como em toda a produção científica e nas imagens do livro
infantil. Logo, o escritor, o ilustrador e qualquer outro profissional que usa a criação usam a
imagem guardada em suas mentes, suas experiências de vida, ou seja, seus conhecimentos.
Calvino, ao descrever o seu processo de criação literária, justifica:
A primeira coisa que me vem à mente na idealização de um conto é,
pois, uma imagem que por uma razão qualquer apresenta-se a mim
carregada de significado, mesmo que eu não o saiba formular em
termos discursivos ou conceituais. A partir do momento em que a
imagem adquire uma certa nitidez em minha mente, ponho-me a
desenvolvê-la numa história, ou melhor, são as próprias imagens que
desenvolvem suas potencialidades implícitas, o conto que trazem
dentro de si. Em torno de cada imagem escondem-se outras, forma-se
um campo de analogias, simetrias e contraposições. Na organização
desse material, que não é apenas visivo, mas igualmente conceitual,
chega o momento em que intervém minha intenção de ordenar e dar um
sentido ao desenrolar da história (CALVINO, 1990, p. 104).
No momento da criação da imagem, o ilustrador recorre a um movimento de
objetivação que tem suas raízes num produto externo; ainda que produzida na mente, ele busca o
já visto e experimentado. Então, a imagem lineariza-se no espaço e no tempo, demandando uma
organização no processo de criação. Quando essa produção chega às mãos do leitor infantil,
rompe a linearidade, produz sintagmas visuais indeterminados, até mesmo imperceptíveis na
medida em que é acolhido pelo pensamento imagético do leitor.
Entretanto, para atingir o máximo grau de comunicação da mensagem entre o
ilustrador (emissor) e o leitor infantil (receptor), há a necessidade de que o primeiro compreenda
o segundo, seu pensamento, suas limitações, seu raciocínio.
A leitura da imagem no livro de Literatura Infantil pode ser feita de forma superficial
ou de forma mais profunda, que compreende a capacidade de estabelecer relações entre o texto e
as vivências do leitor, capacidade de perceber as idéias e valores transmitidos, a procura de
significados latentes ou implícitos na imagem.
Diante da multiplicidade incontrolável de informações imagéticas, o leitor infantil
pode ser conduzido ao estado que em Semiótica se designa primeiridade, ou seja, a pura
consciência imediata, não analisável; passam a predominar as imagens ligadas à consciência,
sem que ainda haja uma consciência propriamente dita.
35
Na primeiridade não há ação. A generalidade da primeira categoria é muito
vaga e indefinida. Não há como quantificá-la. Isso não quer dizer que o
universo do primeiro (acaso, indeterminação, frescor, originalidade,
espontaneidade, liberdade etc.) não se faça sentir tanto no universo físico,
quanto no psíquico (SANTAELLA, 1990, p. 145).
Com base na tríade da primeiridade (percepção), secundidade (reação) e terceiridade
(representação) construída por Peirce (2000), pode-se ter maior visibilidade do fenômeno da
leitura e compreensão de textos verbais ou não.
Na ilustração do livro infantil, as qualidades puras, imediatamente sentidas, são
típicas da primeiridade. Resultam do momento em que a criança passa as páginas do livro
infantil, sem se deter nos detalhes das imagens; pode até, num comportamento natural de busca
de conhecimento, ser capaz de ficar diante de uma imagem e fazer sua leitura durante longo
tempo. Entretanto, deve-se levar em consideração que essa leitura tem características específicas
e diferentes de outros níveis de leitura ou de outras faixas etárias.
Segundo Parsons (1992), a criança passa por diversos estágios na leitura da obra de
arte, e sua interpretação acerca das imagens vai se aperfeiçoando. No início, ao observar uma
imagem, centra-se em seus elementos isoladamente, sem estabelecer relação entre eles:
identifica-os, observa-os e os enumera (primeiridade). Essa observação pode gerar uma memória
associativa, levando-a a expressar sobre algo que a imagem lhe lembrou, mesmo quando essa
lembrança não esteja claramente relacionada à imagem observada.
No estágio inicial, a criança tem uma leitura bastante egocêntrica, que considera
apenas o próprio ponto de vista, seu próprio interesse. O tema e a cor são os elementos mais
importantes de uma imagem. Não há uma preocupação se a imagem é abstrata ou figurativa,
desde que tenha cores luminosas, nítidas e abundantes. Seu juízo de valor sobre a imagem está
diretamente ligado às suas emoções e às suas experiências. Ela está sempre buscando na imagem
algo que possui uma relação afetiva com a sua vida.
As relações diádicas, analítico-comparativas, são típicas da secundidade. Resultam
quando a criança faz comparações das ilustrações do livro infantil. Na medida em que o grau de
interação da criança com o mundo e também com as imagens é estimulado, isso pode contribuir
para desenvolver a capacidade de distinguir diferenças, explorar e descobrir outras formas na
expressão de preferências. Parsons (1992) reforça que, nessa fase, esteticamente falando, a arte é
um estímulo para experiências agradáveis; gostar ou não gostar é o julgamento possível. Ela não
tem noção do ponto de vista do outro, nem percebe pontos de comparação na sua pequena
experiência; qualquer memória ou associação é permitida, mesmo que não tenha relevância para
a obra a apreciar.
36
Na medida da evolução do estágio do seu crescimento e conhecimento, a criança
começa a dar mais importância ao tema de uma imagem. Uma imagem é bela se apresenta um
belo tema, e sua concepção de beleza nessa etapa está ligada à proximidade com o realismo
apresentado na imagem. Mais adiante, o tema deixa de ter significado em si para ser importante
pelo que nele se associa. O tema passa a ter o sentido do que está se associando a ele e não o
objeto em si da representação, como, por exemplo, a imagem de uma bola, que tem importância
para a criança não apenas por ser uma bola, mas por se associar ao divertimento.
As relações de percepção, comparação e conclusão da cena vista no livro são típicas
da terceiridade. A leitura do texto escrito, das palavras, também são fenômenos da terceiridade.
Segundo Parsons (1992), só em estágios bem mais avançados é que a criança começa a se
interessar pela organização formal da obra ou por seu estilo. É preciso considerar que a evolução
nos estágios de leitura de imagens tem pouco a ver com a idade cronológica e sim com as
experiências de leitura de cada criança; está relacionada à freqüência com que a criança se
relaciona com a imagem, com o seu meio cultural e se há a mediação de um adulto que provoca
leituras cada vez mais aprofundadas.
Segundo Piaget (1975), o desenvolvimento cognitivo está atrelado à capacidade de
criar símbolos, a qual depende da imitação, do jogo, do sonho, da representação. Nos primeiros
anos escolares, as crianças estão em plena fase do jogo simbólico e a literatura pode ser
importante aliada ao desenvolvimento cognitivo, pois ativa a função simbólica, o imaginário, a
linguagem, a compreensão do mundo através do faz-de-conta. Na leitura de livros infantis,
recheados de ilustrações, a criança preenche significados e recria o mundo através do
conhecimento e da emoção. Nesse sentido, cabe ao autor/ilustrador, compreender os mecanismos
de criação que despertam na criança a curiosidade e a vontade de leitura.
O uso do termo alfabetização visual contempla a idéia e associação das práticas de
aprendizagem e técnicas ou recursos utilizados na construção da imagem, possibilitando a
convenção para a leitura de imagens. Segundo Oliveira e Garcez (2004, p. 48), “todas as
linguagens têm um sistema próprio de organização. A linguagem visual também possui seu
código, ou seja, os elementos que servem para formar suas mensagens”. Para compreender e
usufruir melhor essas mensagens é preciso conhecer seus elementos constituintes, as estratégias
utilizadas pelo autor e o funcionamento desses recursos sobre a sensibilidade, ou seja, o
“alfabeto” visual.
A respeito das ilustrações do livro infantil, os recursos ajudam na elaboração de uma
informação mais precisa, ou seja, procuram atrair o olhar para chegar à terceiridade. São
recursos: o enquadramento, a perspectiva, a composição, a distância, o ângulo, o ponto, a linha, a
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cor, o corte, a textura, etc. O ilustrador, de forma consciente, pode, por meio da manipulação dos
recursos, associar elementos da linguagem imagética evitando ou provocando significados
ambíguos e fazer com que o leitor leia o significado desejado por ele, por exemplo, comunicar
encanto ou ironia em um sorriso.
De acordo com Barbosa (2002, p.18), os ilustradores estão cada vez mais associando
as suas produções aos recursos que propiciem melhor compreensão da informação:
Subvertem as convenções e as técnicas, rompem fronteiras entre as
personagens e o leitor. Exploram elementos abstratos da ilustração (a linha, a
forma, a cor e a ordem), bem como traços do Expressionismo, do
Romantismo, da Pop-art e das técnicas variadas como colagem, fotografia,
massa de modelar, etc. Estes elementos plásticos trazem um significado
próprio e revelam um conteúdo que diz respeito à sua linguagem.
O livro Truques coloridos, de Branca de Paula (1986), com ilustrações de Marcelo
Xavier, é um exemplo da utilização irreverente de técnica na ilustração que favorece à criança
alcançar o estágio de terceiridade e conduz a relações de percepção, comparação e conclusão. O
ilustrador usou o recurso da ilustração tridimensional, com a massa de modelar colorida para a
feitura de personagens, objetos de cena e cenários. Entretanto, demandou uma outra forma de
interferência artística que foi a interpretação fotográfica. Após a produção a partir dos bonecos,
seus complementos e acessórios, construiu um suporte para os cenários usando madeira, isopor e
papel-cartão colorido. Cada personagem foi criado e recriado para se adequar ao contexto da
narrativa, acrescentando ou retirando detalhes minúsculos para dar expressividade e produzir
sentido. Finalizado o cenário, procurou o melhor ângulo e a luz conveniente para a fotografia. A
ilustração a seguir mostra o processo de criação do ilustrador Marcelo Xavier.
Figura 3: Processo de criação de Marcelo Xavier
Fonte: PAULA, 1986.
38
Marcelo Xavier ingressou na literatura em 1986, com a ilustração do livro Truques
coloridos. O trabalho recebeu o prestigiado prêmio Jabuti como Melhor Produção Editorial, o
que o incentivou a se dedicar à nova carreira. Em 1993 e em 2001, recebeu novos prêmios
Jabuti, entre outros, ao longo de sua trajetória.
Os cenários fotografados foram inseridos em páginas alternando o plano de fundo nas
cores azul escuro e vermelho. O texto escrito foi impresso na fonte de cor branca contrastando
com as cores forte do plano de fundo e posicionado abaixo das ilustrações ou em páginas vazias.
A evolução do personagem num determinado episódio é retratada variando o ângulo e o
enquadramento, aproximando ou distanciando, incidindo ou retirando a luz, efeitos
cinematográficos que valorizam a narrativa visual.
As ilustrações a seguir apresentam seqüências da narrativa:
Ilustração 1: Truques coloridos, Paula (1986), ilustrações de Marcelo Xavier
39
Ilustração 2: Truques coloridos, Paula (1986), ilustrações de Marcelo Xavier – Página dupla
No ato de criação, alguns recursos combinados são mais expressivos que outros,
cativam mais a criança, produzem efeitos que mantém o leitor motivado a continuar a leitura e
promovem uma expressividade afinada aos gostos infantis.
Entre esses recursos, o uso da textura adiciona uma elegância à ilustração e enfatiza a
perspectiva. A textura é o aspecto da trama e do entrelaçamento das fibras que constituem uma
superfície. Ela pode dar uma idéia da iluminação, de definição dos contornos, acentuar os
detalhes do objeto, dando-lhe diversas aparências, tais como: lisa, rugosa, esponjosa, aveludada,
acetinada, felpuda, granulada, ondulada, entre outras. A textura permite criar zonas claro-escuras
que ressaltam as imagens e dirigem o olhar do leitor e que se desloca pelo contraste.
A linha também é um recurso muito explorado pelos ilustradores, pois traz uma
possibilidade expressiva, principalmente no contorno das figuras. De acordo com Oliveira e
Garcez (2004, p. 50), “a linha é uma marca contínua ou com uma aparência de contínua. Quando
é traçada com a ajuda de qualquer instrumento sobre uma superfície, chama-se linha gráfica e é o
sinal mais versátil, pois pode sugerir movimento e ritmo, comunicar sentimentos e sensações”.
A cor, elemento basilar em qualquer processo de comunicação, merece atenção
especial. É através da cor que se define o mundo à nossa volta, o que existe e o que não existe.
Acredita-se que a luz de diversas cores, que entra pelos olhos, pode afetar diretamente o centro
das emoções. Algumas cores podem transmitir a sensação de felicidade, outras nos fazem
mergulhar na melancolia, outras proporcionam a sensação de relaxamento e outras nos fornecem
energia. Então, cor é, basicamente, sensação, pois afeta o estado de espírito e as emoções das
pessoas.
A difusão e o uso da cor na construção da imagem não se limitam apenas ao valor
40
decorativo, tampouco ao meramente estético. A cor exerce tríplice ação: a de impressionar a
retina, a de expressar sentimentos e a de construir, pois comunica idéias. A coloração não deve
ser encarada apenas como um recurso, mas, acima de tudo, como um procedimento de
linguagem e de expressão, e sua mensagem deve produzir sentido.
É a cor, a arte de colorir que faz o pintor. Para pintar as folhas verdes é
preciso analisar os verdes; não basta um tubo de tintas, é necessário ver as
gradações e descobrir se a folha é lisa, dura, brilhante ou levemente
aveludada, acinzentada, cheia de nervuras. Como se consegue ver a árvore da
floresta? A experiência é a mestra, vemos muitos verdes, mas, para criá-los
num trabalho plástico de qualquer ordem, é preciso entender os materiais: os
pigmentos, as diluições, os toques de lápis ou pincel, as misturas, as
superposições. (SILVEIRA, 1998b, p. 192)
As cores são utilizadas conforme as influências sociais e culturais e pelo efeito
sensorial que elas exercem no ser humano. Elas produzem a sensação de movimento, de espaço,
de afetividade. Não se pode assegurar, contudo, que elas exercem um único efeito em todas as
pessoas. Cada um de nós responde às cores de forma particular. Nem mesmo reconhecer um
mesmo significado dentro de todas as culturas, já que em lugares diferentes, poderá ter efeitos
diferentes. Farina (1982, p. 27), estudioso da teoria das cores, explica esses fenômenos:
Quando a cor é vista, impressiona a retina. Quando é sentida, expressa,
provoca uma emoção. E é construtiva, pois tem um significado próprio, tem
valor de símbolo e capacidade, portanto, de construir uma linguagem que
comunique uma idéia. (...) Na realidade, a cor é uma linguagem individual. O
homem reage a ela subordinado às suas condições físicas e às influências
culturais.
As cores são classificadas em primárias, secundárias e terciárias. As primárias são as
puras ou não misturadas: o vermelho, o amarelo e o azul. As secundárias resultam da mistura das
três anteriores; e as terciárias, o resultado das misturas de uma cor primária com outra
secundária. As cores podem ser quentes, aquelas que são ativas e sugerem vida, ação e calor;
variam do vermelho ao amarelo na roda das cores. As cores frias são mais passivas e trazem a
sensação de calma, de elevação e de dignidade; variam do verde ao violeta na roda das cores. A
figura a seguir, apresenta as variações das cores com suas combinações e as categorizam em
quentes e frias.
41
Figura 4: Roda das cores
Fonte: http://www.cyberartes.com.br/indexAprenda.asp, acesso em 11 out. 2007.
Colorir exige um conhecimento específico de combinações de cores; combinar é
muito mais que juntar duas cores. As combinações constituem comunicações não-verbais. As
cores, quando associadas a uma idéia, funcionam como símbolos. As cores são capazes de
despertar reações físicas; como exemplo, acredita-se que o vermelho tem a capacidade de elevar
a pressão arterial. É fundamental, também, reconhecer no simbolismo cultural de algumas
convenções: o branco, no ocidente, é usado em casamentos, mas em algumas culturas orientais é
a cor para funerais.
Convencionaram-se, em nossa cultura, algumas particularidades no uso das cores;
podem-se fazer representações destas simbolicamente e as associar tanto material como
afetivamente. Existem publicações em diversas áreas sobre o uso das cores; dentre elas se
destacam as pesquisadas pelos psicólogos, designers e naturalistas. Analisando o que há em
comum entre os especialistas em cores, o quadro a seguir apresenta, resumidamente, algumas
características e associações convencionadas para o uso das cores.
42
Quadro 1 – Associação das cores
Cor
Características
Vermelha É uma cor estimulante,
dominadora, excitante,
Associação material
Associação afetiva
Sangue, fogo, maçã, sinal Energia, paixão, pecado,
de parada.
agressiva. É a cor que chega
atividade, revolução,
perigo, força, proibição.
mais rápido aos olhos e as
crianças tendem a ser atraídas
por ela.
Laranja
Amarelo
Aumento de volume e impressão Pôr-do-sol, chama, sol,
Saúde, prazer, festa,
de calor. É vitalizante, motivador laranja (fruta), sinal de
luminosidade, humor.
de euforia.
atenção.
Aumento de volume e
Sol, sinal de atenção.
Luz, ação, vida.
Impressão de limpeza.
Esperança, vigor, vida,
impressão de calor. É a mais
luminosa das cores. Estimula o
sistema nervoso, convida à ação
e ao esforço.
Verde
Acalma e dá sensação de paz.
Natureza, vegetação, bosque. juventude, saúde.
Azul
Diminuição de peso e
Água, mar, céu, frio.
impressão de frescor. Repousa,
Espaço, meditação,
infinito, equilíbrio.
acalma e revigora.
Violeta
Branco
Preto
Diminuição de volume e
A espécie de flor violeta.
Profundidade,
sensação de frio. É mística,
introspecção,
melancólica, fria.
religiosidade.
Aumento de volume.
Aumento de volume.
Bandeira da paz, neve,
Limpeza, paz, pureza,
casamento.
inocência, delicadeza.
Noite, sujeira, sombra,
Pessimismo, luto, temor,
morte.
ou ainda na conotação de
nobreza, elegância,
sobriedade, austeridade.
Guimarães (2001) é categórico no que se refere à redução do significado das cores ao
senso comum, conforme a convenção apresentada no quadro de associações de cores. O autor
argumenta que nem mesmo um mundo desprovido de cor seria tão insignificante como o dessa
43
redução, que mina, aos poucos, toda nossa competência comunicativa diante do uso da cor.
Assegura que a cor pode informar e muito, principalmente quando utilizada com consciência
pelos profissionais da comunicação e que a mídia não pode ignorar que as cores têm uma
relação com o imaginário das pessoas e que, por isso, elas podem ser utilizadas como um outro
código de linguagem.
No entanto, a cor ainda é um dos recursos mais expressivos na ilustração dos livros
infantis. A criança é atraída, ou não, pela vibração da cor usada na imagem.
Luz e sombra são recursos que caminham juntos na composição de um cenário.
Quando o ilustrador opta por este recurso, faz perceber também o volume. O olho percebe
fundamentalmente a luz e, por conseqüência, as sombras que a luz projeta. Quando o objeto está
exposto à luz, tem partes iluminadas e partes que ficam à sombra, e projeta sua sombra na
superfície em que está colocado. Conforme Oliveira e Garcez (2004, p. 64), o contraste entre luz
e sombra é chamado de efeito claro-escuro e sempre que se muda a fonte luminosa,
automaticamente há uma mudança na sombra: “Um mesmo objeto exposto à luz do meio-dia, ou
à luz do fim da tarde, ou à luz de uma vela ou de uma lâmpada pode ser percebido com aspectos
diferentes”.
O acréscimo de sombra ou luz em uma determinada cor pode mudar completamente
as suas características. A sombra pode ser definida com a adição de preto à cor e a luz com a
adição do branco. O sombreado baseia-se na percepção de mudanças de tonalidades de luz e
sombra e percebem-se formas tridimensionais na imagem.
Para Premont e Philippi (1987, p. 43), existem dois tipos de sombra: a que é própria
de cada objeto e a que o objeto projeta sobre o plano em que está colocado. Há igualmente duas
formas de iluminar um objeto: o ponto luminoso que provoca sombras mais nítidas de acordo
com a proximidade e a luz designada por solar, e que constitui a iluminação normal do dia.
A posição da fonte luminosa é que determina a variação da intensidade das sombras.
A parte clara de um objeto é a que está diretamente exposta à luz. A parte sombria está mais
afastada do foco de luz. As partes intermediárias são os meios-tons.
No entanto, a forma de representar luz e sombra depende das formas de seus objetos.
Premont e Philippi (1987, p. 46) exemplificam a luz e sombra própria de objetos com formas
simples por meio das figuras de um cubo, uma casa, um cilindro e uma bilha (ou jarra):
44
Figura 5: Luz e sombra em formas simples.
Fonte: Premont e Philippi, 1987, p. 46.
No cubo, observando que a luz vem de cima à direita, a parte mais sombria é,
portanto, a face esquerda. O canto entre a sombra e a luz fica nitidamente delimitado. Na casa,
observa-se que a luz vem da direita. A parte que sai do telhado projeta uma sombra sobre a
fachada exposta à luz. No cilindro, para dar a impressão de forma arredondada, a iluminação
deve ser progressiva e a sombra mais forte não se localiza na extremidade esquerda. Na bilha ou
jarra, utiliza-se a mesma técnica do cilindro no que se refere à parte de cima, mas a sombra deve
se arredondar para baixo como se fosse uma esfera.
Quanto à sombra projetada por um objeto iluminado sobre um fundo ou sobre um
solo, Premont e Philippi (1987, p. 47) afirmam que a sombra vai depender da forma do objeto e
do afastamento do ponto luminoso. Se a fonte luminosa está mais próxima, isso faz com que o
objeto tenha uma sombra mais curta. Se a fonte luminosa vem de cima, a sombra do objeto é,
portanto, mais baixa que ele. Se a fonte luminosa vem de um ponto mais baixo, a sombra de um
objeto se projeta mais acima e sobre o fundo do mesmo.
São inúmeras as técnicas utilizadas no uso do recurso de luz e sombra em ilustrações,
algumas mais elaboradas exigem do ilustrador um conhecimento mais detalhado, mas vale
ressaltar a importância desse recurso na produção de imagens com mais beleza e volume e para
conduzir o leitor a um grau de sensação mais próximo da realidade.
A perspectiva é a arte de representar a imagem tal qual ela se apresenta na realidade,
num plano, vista a certa distância e numa dada posição, ou seja, permite uma figuração do real
similar ao observado pelo olhar. A perspectiva pode trazer a sensação de longe ou de perto, de
movimento, de velocidade, de altura, de diferentes ângulos, de cima para baixo, de baixo para
cima, entre outros.
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Ostrower (1996, p.104) define perspectiva como “um sistema de representação do
espaço”. As figuras de objetos são projetadas sobre uma superfície e ocupam em planos
superpostos determinadas posições que as aproximam ou as distanciam.
Segundo seu distanciamento, os objetos aparentam certas alterações de
tamanho, de cor, de ângulo de luz e de orientação no espaço. Tanto os objetos
como os espaços intermitentes são vistos afastarem-se progressivamente para o
fundo, partindo de um plano frontal que corresponde à posição do espectador.
Esse afastamento ocorre num movimento visual constante e graduado em
contínuas diminuições, e dele resulta uma visão integrada da profundidade do
espaço na forma de uma seqüência única, unificada e casual. É a visão da
perspectiva (OSTROWER, 1996, p.104).
Oliveira e Garcez (2004, p. 68) definem o efeito produzido pela perspectiva como “a
percepção visual de um espaço por meio de linhas paralelas que convergem a um ponto, o ponto
de fuga. A representação desse fenômeno no desenho, ou seja, aquela estratégia que dá efeito de
profundidade, também é chamada de perspectiva”.
A perspectiva resume-se em fundamentos básicos que, segundo Parramón (1998),
compreendem a linha de horizonte e pontos de fuga. A linha de horizonte é uma linha que pode
ser imaginária e que se encontra sempre diante do observador, na altura de seus olhos, olhando
em frente; é ela que define o ponto de vista a ser observado. Um exemplo claro está ao observar
o mar. A linha de horizonte é a linha que limita o mar com o céu. O observador tem a linha de
horizonte de acordo com a posição em que estiver. Se estiver em pé e se abaixar, a linha de
horizonte abaixa consigo. Os pontos de fuga são pontos que se encontram sempre na linha de
horizonte e têm a função de reunir as linhas para um determinado foco. O desenho em
perspectiva pode ter múltiplos pontos de fuga, e estes, na maioria das vezes, estão localizados na
linha de horizonte.
Como exemplo, a figura a seguir apresenta a idéia de ponto de fuga e linha do
horinzonte:
46
Figura 6: Exemplo de perspectiva.
Fonte: Parramón, 1998, p. 11.
Na Figura 6, o autor denomina PF para o ponto de fuga e LH a linha de horizonte. A
primeira figura corresponde a uma perspectiva de um só ponto de fuga: o trilho de ferro e o
edifício da estação convergem para o ponto de fuga situado na linha de horizonte. Na segunda
figura, o homem se movimenta e provoca uma mudança de posição da linha de horizonte. Na
terceira figura, o ponto de fuga converge para uma linha de horizonte fora do quadro.
No entanto, o que vale ressaltar é a importância da perspectiva na maneira de
representar formas numa superfície bidimensional de maneira que elas pareçam avançar ou
recuar em relação a essa superfície. A perspectiva é um meio de criar uma ilusão de
profundidade espacial em figuras e formas.
A composição é a combinação dos recursos ou elementos do alfabeto visual: cor, luz
e sombra, textura, perspectiva, linha, enquadramento, entre outros. Quando o projeto gráfico é
bem elaborado, a composição possibilita um resultado estético perfeito, provoca um efeito final
com ritmo próprio, movimento e harmonia.
Há um esquema geométrico básico em que as linhas determinam a forma, a
disposição dos elementos, a posição dos corpos, os gestos, os cenários, os
objetos e a paisagem. Esse esquema geométrico pode despertar sensações
diferentes: calma, serenidade, segurança, estabilidade, tranqüilidade, paz ou
agitação, dramaticidade, inquietação, movimento, ou ainda tensão, medo,
terror, aflição... entre outras (OLIVEIRA e GARCEZ, 2004, p. 70).
A composição também é uma forma de ordenar as partes ou elementos de uma
ilustração, ou seja, é o arranjo de formas e espaços dentro do formato.
47
4.2 A LEITURA E A IMAGEM
Do grego, tem-se o pleno sentido de ler como legei – colher, recolher, juntar as letras
dentro das regras da razoabilidade unidimensional e linear que no latim se transformou em lego,
legis, legere –, unir horizontalmente as coisas com o olhar e, dando continuidade, as acepções da
palavra latina interpretare, que significa também ler, com um significado mais intenso: o de ler
verticalmente, sair de um plano para outro, de forma transcendente. Nesta perspectiva, a leitura
ganha um sentido que vai além do visualizar, atirando-se no desconhecido para uma plena
compreensão do sentido do que se vê.
Normalmente, a idéia que vem à mente quando se fala em leitura é de uma pessoa
com um livro, jornal, carta ou qualquer outro tipo de suporte com códigos gráficos, ou seja,
letras. Mas, o escrito não é a única coisa que se lê. Pouco se associa a leitura a outras formas,
como, por exemplo, a leitura de um espetáculo musical, teatral; ou a leitura de uma paisagem, de
uma obra de arquitetura, um anúncio publicitário, um outdoor, um videoclipe. Estas podem ser
consideradas como “leituras de mundo”, do que é ocasional, espontâneo, que parece não
depender de uma necessidade cognitiva.
Outro exemplo de leitura é a do hipertexto, em que se faz necessariamente conexões
com uma textualidade diversa, e sua leitura ocorre de maneira diferente de um livro. Há,
portanto, uma diversidade de escritas, assim como uma diversidade de leituras. A leitura da
palavra escrita é somente uma das possibilidades da “leitura de mundo”, como nos acrescenta
Manguel (1997, p. 19):
Ler as letras de uma página é apenas um de seus muitos disfarces. O
astrônomo lendo um mapa de estrelas que não existe mais; o arquiteto
japonês lendo a terra sobre a qual será erguida uma casa, de modo a protegêla das forças malignas; o zoólogo lendo os rastros de animais na floresta; o
jogador lendo os gestos do parceiro antes de jogar a carta vencedora; a
bailarina lendo as notações do coreógrafo e o público lendo os movimentos
da bailarina no palco; o tecelão lendo o desenho intricado de um tapete sendo
tecido; o organista lendo várias linhas musicais simultâneas orquestradas na
página; os pais lendo no rosto do bebê sinais de alegria, medo ou admiração;
o adivinho chinês lendo as marcas antigas na carapaça de uma tartaruga; o
amante lendo cegamente o corpo amado à noite, sob os lençóis; o psiquiatra
ajudando os pacientes a ler seus sonhos perturbadores; o pescador havaiano
lendo as correntes do oceano ao mergulhar a mão na água; o agricultor lendo
o tempo no céu – todos eles compartilham com os leitores de livros a arte de
decifrar e traduzir signos.
É notório que o texto verbal e o das imagens são fontes de informação diferentes.
Enquanto a leitura do texto verbal é linear, progressiva e se dá numa ordem pré-estabelecida, da
esquerda para direita e de cima para baixo, a leitura de imagens é descritiva e não possui uma
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ordem estabelecida. Entretanto, mesmo não obedecendo a uma estrutura fixa, pode-se afirmar
que, de um modo geral, a leitura de imagens apresenta características em comum com a leitura
verbal. Como propõe Leffa (1996), ler é extrair significado do texto (e a imagem é um texto) e
sua efetiva contribuição poderá ser medida depois do término da leitura. O que mais importa não
é o processo dessa significação, como foi construído o significado, mas o produto final dessa
compreensão.
Quando o autor argumenta que ler é extrair significado do texto, entende-se que
extrair não é transferir o conteúdo para o leitor, mas, antes, reproduz-se o significado no leitor
como se fosse um espelho daquilo que já existe. O significado não está totalmente no texto mas,
também, no leitor, pois a qualidade do ato de leitura não é mensurada pela qualidade contida no
texto, mas pela qualidade da reação do leitor. Então, texto e leitor reagem entre si, para buscar o
processo da compreensão.
Giasson (1993, p. 21) acrescenta o contexto como um terceiro elemento do processo
de compreensão, pois para ele, a leitura é um processo interativo entre texto, leitor e contexto.
De um lado, está o leitor, com o seu contexto e seus objetivos de leitura e, de outro, o texto, com
o contexto e os objetivos do autor. Portanto, a leitura é um ato social quando compreendida no
processo de comunicação entre o autor e o leitor, intermediado pelo texto. A figura a seguir
representa o modelo idealizado por Giasson (1993) com a interação entre os elementos que
constituem a leitura.
Figura 7: Modelo contemporâneo da compreensão na leitura.
Fonte: Giasson (1993, p. 21).
Nesse modelo, o leitor corresponde às estruturas (esquemas), que se referem ao que o
leitor é, seus conhecimentos e suas atitudes. Os processos são as estratégias de leitura que ele
49
utiliza e as habilidades que possui. O texto é o material a ser lido e agrega a intenção do autor, a
estrutura e o conteúdo. O autor determina o que quer transmitir e como vai fazê-lo; ele determina
cada um dos aspectos ao organizar suas idéias. O contexto corresponde aos elementos extratexto, que podem influenciar na compreensão da leitura; são eles: o contexto psicológico do
leitor, sua intenção de leitura, seu interesse e envolvimento pelo texto; o contexto social, que está
associado às intervenções das pessoas que estão ao redor do leitor; e o contexto físico, que diz
respeito, por exemplo, ao tempo disponível, ao ambiente e à disposição física do leitor.
Segundo o modelo de Giasson (1993, p. 21), pode-se afirmar que qualquer processo de
leitura se dá a partir da interação de três variáveis: o leitor com sua bagagem de experiências, o
texto expresso pelas idéias do autor e o contexto em que o leitor está inserido. Quanto mais essas
variáveis estivem interligadas, melhor será o nível de compreensão. O leitor é visto como um
sujeito que “cria o sentido do texto, servindo-se simultaneamente dele, dos seus próprios
conhecimentos e da sua intenção de leitura” (GIASSON, 1993, p. 19).
Giasson (1993, p. 23) apresenta situações possíveis de relação entre as variáveis
leitor, texto e contexto que possam dificultar a compreensão do texto; exemplo: (1) o texto
utilizado corresponde ao nível de habilidade do leitor, mas o contexto não é pertinente; (2) o
leitor é colocado num contexto favorável, mas o texto não é adequado às suas capacidades;
(3) nenhuma das variáveis se relaciona: o leitor lê um texto que não está no seu nível e o
contexto da leitura não é adequado.
Outros escritores documentaram opinião similar em relação ao contexto social. Silva
(1989, p. 48) ressalta a importância dos estímulos para uma base da dinâmica geral do
desenvolvimento humano e, sabendo que a base se constitui a partir da dialética “indivíduo-meio
sócio-cultural”, argumenta que
a criança constrói a sua experiência ao longo do seu processo de
desenvolvimento, em função da densidade de estímulos e das incitações do seu
meio sócio-cultural. Sem esses estímulos e sem essas incitações, colocados nos
picos de cada uma das transições do desenvolvimento infantil, as novas
capacidades ou funções, próprias de cada estágio evolutivo, permanecem como
latentes, ou seja, não afloram e nem se consolidam, pois que não permitem a
sua expressão nas ações, nos conhecimentos e nas experiências da criança.
(SILVA, 1989, p. 48)
Neste contexto, são inseridas as variáveis descritas, os aspectos afetivos, culturais,
emocionais que envolvem o ato de ler; o entrelaçamento do imaginário contido no texto com o
imaginário do leitor. O processo de leitura realiza-se fundamentalmente através dessas relações.
Frente a um fenômeno desconhecido, "reagimos por aproximação, procuramos aquele recorte de
50
conteúdo, já presente na nossa enciclopédia, que bem ou mal parece prestar contas do novo fato"
(ECO, 1998, p. 55).
A expressão leitura de imagens começou a ser utilizada na área de comunicação e
artes no final da década de 1970 com a explosão dos sistemas audiovisuais. Foi, então,
influenciada pelo formalismo, fundamentado na teoria da Gestalt e pela Semiótica.
Outra expressão amplamente divulgada nas áreas que estudam a imagem é a
produção de sentido, o que nada mais é que a própria hermenêutica da leitura da imagem. Para
Cordeiro (2006), a produção de sentido resulta de três perspectivas que podem ser assim
sintetizadas: “a) o sentido centrado no enunciador da imagem (ou texto); b) o sentido centrado
nas possíveis interpretações do interpretante; c) a interação enunciador-interpretante, através da
mediação da imagem (ou texto)”. Como se pode verificar, há uma concordância entre a leitura
textual descrita por Giasson (1993) com a produção de sentido da imagem aplicada por Cordeiro
(2006): sendo o primeiro elemento o leitor, o segundo elemento o texto e o terceiro elemento o
contexto, que na verdade é a mediação.
Ao fazer uma leitura, a objetividade da produção de sentido está na abertura que se
dá à opinião anexada ao texto. Tal receptividade não pressupõe uma neutralidade, uma negação
de opinião própria, mas se move numa dialética entre a opinião que está no texto e a que está no
leitor.
A concepção de leitura reiterada pelos autores Manguel (1997), Leffa (1996), Giasson
(1993), Silva (1989) e Cordeiro (2006) recai sobre um critério pragmático: pode-se afirmar que
leitura é relacionar cada texto lido, ou seja, letras, imagem, sons, etc., aos textos lidos
anteriormente para reconhecê-los, processá-los, assimilá-los e os significar. A leitura é uma
prática de interação por meio da linguagem, onde a construção de sentidos e significados vai
sendo edificada ao longo do próprio processo de descortinar e desvendar o texto.
A leitura é sempre uma atividade complexa, pois envolve o entrelaçamento de uma
grande variedade de ações como: percepção, decodificação e processamento de informações;
memória, predição, inferência, dedução, evocação, analogia, síntese, análise, avaliação e
interpretação. A habilidade de leitura não se resume em apenas decodificar, traduzir
automaticamente um conjunto de sinais, mas fazer interagir diversos níveis de conhecimento
para construir significados.
51
4.2.1 A Literatura Infantil e sua função na informação
A Literatura Infantil é uma modalidade artística, que possui características estéticas
como qualquer outra obra. É, sobretudo, um efetivo suporte de informação. No entanto, o livro
infantil é, muitas vezes, confundido com tantos outros objetos culturais ou apenas lúdicos, feitos
ou adaptados para crianças, como jogos, vídeos, brinquedos e CD-ROMs.
Por ser infantil, o livro não diminui seu valor, nem significa perda de qualidade, pois
sua elaboração exige do autor igual empatia às demais formas literárias. Segundo Zilberman
(1981), o livro infantil, ainda que seja um tipo de texto literário que traz a peculiaridade de se
definir pelo destinatário, é uma produção artística assegurada quando rompe com o normativo,
com o pedagógico, quando se vincula ao interesse e à realidade infantil, enfim, quando leva o
leitor a uma abrangente compreensão da existência. Entende-se que o autor de Literatura Infantil
deve ser capaz de ver o mundo através dos olhos da criança e de ajudá-la na ampliação deste
olhar em outras direções.
Refletir sobre a Literatura Infantil muitas vezes pode provocar um movimento no
sentido de querer adequar o conteúdo para um produto facilitado, de pouco esforço cognitivo da
criança. Essa postura revela o preconceito de que as crianças sejam indivíduos que não
consiguem lidar com a subjetividade e com a plurissignificação que a arte literária oferece. É
uma postura que subestima a capacidade de imaginação e do desenvolvimento do pensamento
lógico, minimizando a capacidade crítica da criança. É certo que há uma especificidade nas
crianças, como leitores, reconhecida pela Medicina, pela Pedagogia, pela Psicologia; de serem
indivíduos em fase de formação, porém capazes de formular hipóteses e solucionar problemas.
Os valores e os sentimentos percebidos pelas crianças e pelos adultos são atemporais, como o
amor, a alegria, a tristeza, o medo, a saudade, a honestidade, o poder, a vingança, a raiva, a
decepção, entre outros.
Nos primeiros anos escolares, as crianças estão em plena fase do jogo simbólico e a
literatura pode ser importante aliada no desenvolvimento cognitivo, pois ativa a função
simbólica, o imaginário, a linguagem, a compreensão do mundo através do faz-de-conta. Na
literatura, a criança preenche significados e recria o mundo através do conhecimento e da
emoção.
Nesse sentido, a criança, por meio da literatura, pode extrair a informação e ao
mesmo tempo desenvolver a criatividade e a personalidade em relação ao desenvolvimento
intelectual e afetivo; organizar sua realidade e resolver os conflitos através da repetição da
solução (é por isso, que, às vezes, as crianças pedem tanto para repetir a mesma história).
52
Enquanto experiência de linguagem e, ao mesmo tempo, de revelação,
descoberta e aprofundamento de referenciais de realidade, a leitura da literatura
infantil influi significantemente no processo de desenvolvimento da criança.
Além da usufruição do texto literário, que é, em si mesmo, um processo criativo,
a aventura do ler vai permitir à criança um refinamento de sua razão
(inteligência) pelas reflexões feitas acerca do possível e do impossível, acerca
dos problemas do seu tempo e do seu contexto. Por outro lado, conduzida pela
sua capacidade de imaginação e pela inventividade da sua linguagem, a criança é
capaz de criar novas sínteses, novas funções ou prolongamentos dos elementos
extraídos de uma ou mais histórias. Dessa forma, as incursões da criança no
imaginário proposto pelos livros de ficção não se constituem apenas em
instrumentos de revelação do real, mas devem ser entendidas, também, como
condições para a construção e transformação do real (SILVA, 1989, p. 50).
No entanto, há contradições entre os teóricos ao descrever a Literatura Infantil. A
discussão envolve a conceituação, a concepção da infância e do leitor, a Literatura Infantil como
função utilitário-pedagógica, até o caráter literário dessas obras para crianças e, ainda, seu uso
como fonte de lazer. A produção da Literatura Infantil teve, em princípio, o objetivo de ensinar
valores com um caráter didático e propiciar a adoção de hábitos. Em resumo, a função
pedagógica do livro infantil implicava a ação educativa do livro sobre a criança.
A existência da Literatura Infantil ainda é questionada por muitos que a incluem
simplesmente na literatura. Lajolo (1997) afirma que não foi sempre que as categorias dentro da
Literatura existiram, muito embora as pessoas sempre tenham classificado a obra literária infantil
e infanto-juvenil por idades. Alguns autores relutam em confirmar que escrevem para crianças e
preferem afirmar que escrevem sem destinatário. Carlos Drummond de Andrade, mesmo
questionando a existência da Literatura Infantil, não deixou de valorizá-la e admitir que ela tenha
características especiais, quando assim se expressou:
O gênero “literatura infantil” tem, a meu ver, existência duvidosa. Haverá
música infantil? Pintura infantil? A partir de que ponto uma obra literária deixa
de constituir alimento para o espírito da criança ou do jovem e se dirige ao
espírito do adulto? Qual o bom livro para crianças, que não seja lido com
interesse pelo homem feito? Qual o livro de viagens ou aventuras, destinado a
adultos, que não possa ser dado a crianças, desde que vazado em linguagem
simples e isento de matéria de escândalo? Observados alguns cuidados de
linguagem e decência, a distinção preconceituosa se desfaz. Será a criança um
ser à parte, estranho ao homem, e reclamando uma literatura também à parte?
Ou será literatura primária, fabricada na persuasão de que a imitação da
infância é a própria infância? (ANDRADE, 1964, p. 591).
Lampião & Lancelote, de Fernando Vilela (2006), livro considerado infantil pela
crítica, foi premiado pela FNLIJ, edição 2006, vencendo nas categorias “Melhor Livro de
Poesia”, “Melhor Projeto Editorial”, “Revelação Escritor” e “Melhor Ilustração”. Rogério (2007)
53
questiona se a riqueza da poesia, em tom de cordel e a intensidade dos traços do livro Lampião &
Lancelote seriam sofisticadas demais para o público infantil. Rogério (2007) comenta que,
durante uma conversa, o autor teve a oportunidade de perguntar se ele faz separação por faixa
etária quando escreve um livro. De acordo com Rogério (2007), obteve a seguinte resposta do
autor:
Não, não penso em nada, nem faixa etária, nem para quem é diretamente. Eu
tenho claro, um cuidado para não fazer uma linguagem hermética, mas também
não o meu tom de usar vocábulos muito complicados. Mas, para mim,
escrever, como pintar, desenhar (venho das artes plásticas) é um exercício de
liberdade. Acho que nenhum escritor pensa no público.
Neste exemplo, observa-se um autor com criação independente e sem vínculos com
qualquer segmento literário. Mas, quando o autor é motivado a criar uma narrativa específica e
com determinação do tipo de público, sua abordagem deve consistir em buscar elementos que se
identifiquem com o público almejado.
A Literatura Infantil é uma arte que, como qualquer outra, proporciona uma
experiência estética, o desenvolvimento cognitivo, o lazer, desenvolve a criatividade, entre
outras habilidades, mas, sobretudo, está atrelada ao potencial de transferência de informação.
4.2.2 Perfazendo o caminho da Literatura Infantil
Para compreender a Literatura Infantil e contextualizar a sua existência, é importante
conhecer sua trajetória e refletir o quanto ela vem crescendo e mudando de enfoque, libertandose dos preconceitos e contribuindo para uma nova mentalidade.
O aparecimento da Literatura Infantil pode ser marcado no século XVIII, lembrando
que anterior a este período já existiam algumas obras que, embora não elaboradas para crianças,
também serviam para este fim, como as histórias de La Fontaine (1669-1691), Fenelon (16511715), Charles Perraut (1628-1703) e os contos de fadas na Idade Média, que tinham função de
expressar, de forma simbólica, os conflitos dos camponeses e demoraram algum tempo para
serem recontados às crianças. A gênese da Literatura Infantil caracteriza-se por duas práticas:
apropriação e posterior adaptação.
A Literatura Infantil surgiu na sociedade européia com a ascensão da burguesia, o
crescimento de sua capacidade econômica e conquista de poder político, resultando uma nova
ordem social e cultural. Logo, a educação passou a ser de fundamental importância como
formadora de competência para o trabalho. As crianças começaram a receber atenção e,
54
conseqüentemente, a Literatura Infantil adquiriu força como proposta burguesa de formar
mentalidades e de impor sua ideologia.
Antes da constituição deste modelo familiar burguês, inexistia uma consideração
especial para com a infância. Essa faixa etária não era percebida como um tempo
diferente, nem o mundo da criança como um espaço separado. Pequenos e
grandes compartilhavam dos mesmos eventos, porém nenhum laço amoroso
especial os aproximava. A nova valorização da infância gerou maior união
familiar, mas igualmente os meios de controle do desenvolvimento intelectual da
criança e manipulação de suas emoções (ZILBERMAN, 1981, p.15).
Nesse período, fica evidente a preocupação com a Pedagogia, as intenções da
Literatura Infantil como fonte formativa e informativa, até mesmo, enciclopédicas. Os
educadores assumem grande importância perante a sociedade, os clássicos da literatura sofrem
adaptações, os contos de fadas – que até então não eram voltados para crianças – foram
republicados e igualmente adaptados, modificados uma infinidade de vezes para atender esta
urgência social.
No Brasil, as primeiras edições tiveram marco no século XIX, com a implantação da
Imprensa Régia e se consolidaram a partir da Proclamação da República. Segundo Zilberman e
Lajolo (1993, p. 15):
Antes das últimas décadas dos oitocentos, a circulação de livros infantis era
precária e irregular, representada principalmente por edições portuguesas. Só
aos poucos é que estas passaram a coexistir com tentativas pioneiras e
esporádicas de traduções nacionais como as de Carlos Jansen.
O modelo de literatura europeu com todo enfoque pedagógico e, principalmente, as
traduções e adaptações inspiradas nos seus clássicos infantis europeus, foram ganhando formas
abrasileiradas, aumentando com isso sua penetração junto às crianças e marcando as primeiras
produções literárias infantis no Brasil.
Por outro lado, junto com a adaptação do acervo infantil europeu à realidade
lingüística brasileira, surgiu o movimento de nacionalização no qual se insere um instrumento de
difusão das imagens de grandeza e modernidade que o país precisava propagar nas classes
médias ou aspirantes, através das formulações de suas classes dominantes. Inseria-se, ainda, uma
corrente mais complexa de nacionalismo, do culto cívico e do patriotismo como pretexto
legitimador. Além disso, muitos textos eram carregados de temas como a caridade, a obediência,
a aplicação nos estudos, constância e dedicação ao trabalho e família.
A grande novidade ocorreu com a publicação, em 1921, de A menina do narizinho
arrebitado, por Monteiro Lobato, contista e editor, homem público e ativista político – talvez o
55
mais importante escritor na história da Literatura Infantil no Brasil por escrever histórias
especialmente para crianças num período histórico em que não havia perspectivas no mercado
editorial.
Usando uma linguagem criativa, Lobato rompeu a dependência com o padrão
culto: introduziu a oralidade tanto na fala das personagens como no discurso do
narrador. Em seus textos, o discurso flui espontaneamente, com o resgate da
situação original que dá sentido ao processo comunicativo (AGUIAR, 2001, p. 25).
Cunha (1999, p. 24) reafirma a importância de Monteiro Lobato para a literatura
infantil no Brasil e argumenta que esse autor cria uma literatura diversificada quanto a gêneros e
orientação; que, ao lado de obras marcadamente didáticas, Lobato escreve outras de “exploração
do folclore ou de pura imaginação, com ou sem o reaproveitamento de elementos e personagens
da Literatura Infantil tradicional”. Acrescenta:
Em todas as obras, porém, observa-se o mesmo questionamento e inquietação
intelectual, a preocupação com as questões nacionais ou os grandes problemas
mundiais, expressa essa temática numa língua marcada pelo aproveitamento do
dialeto brasileiro. Foi ainda um grande adaptador dos contos de fadas e das
obras Peter Pan e Pinóquio. (CUNHA, 1999, p. 24).
Monteiro Lobato consagrou-se na Literatura Infantil como crítico irreverente do
mundo, conhecedor da História, da Geografia, dos mitos gregos e dos personagens dos contos de
fadas. Lobato escreveu 23 livros infantis e sua receita de criação literária inspirou vários
escritores e introduziu milhares de crianças no mundo da leitura.
De 1945 até meados da década de 1960, pouco se avançou em termos de criatividade
literária. Como afirma Aguiar (2001, p. 26-27), “o modelo lobatiano de contar histórias foi
absorvido pelos novos autores e repetido à exaustão, sem qualquer inventividade ou preocupação
em retratar a diversidade cultural brasileira no seu linguajar próprio”.
Nos anos 60 do século XX, embora vigorando uma concepção bem mais moderna de
política cultural, a Literatura Infantil sofreu as influências da revolução militar e, como afirma
Aguiar (2001), muitas obras serviram de instrumento por onde vozes adultas, tolhidas,
expressaram os não-ditos da sociedade de então. Surgiram daí obras de grande criatividade no
uso de metáforas e símbolos.
Com a reforma do ensino, nos anos 1970, motivado, principalmente, pela lei que
obrigava a adoção de autores nacionais nas escolas brasileiras, o livro passou a ser privilegiado e
a criança um consumidor em potencial. As editoras passaram a especializar seus catálogos
infanto-juvenis, organizando suas produções em séries e coleções, a fim de explorar de uma
forma mais eficiente e lucrativa os temas, personagens e autores.
56
Com isto, duas vertentes marcaram a Literatura Infantil na época: a primeira
propiciou edições de qualidade gráfica e estética com textos renovados através da reescrita dos
contos de fadas, das obras que polemizavam a realidade social e o cotidiano infantil, da
construção de personagens com profundidade psicológica. A segunda caracterizou-se pelas obras
sem muito significado para o mundo da criança e pecaram pelo pedagogismo, pela imbecilização
da infância.
Na década de 1980, o grande marco, com a abertura política, foi a explosão de
publicações e a especialização da Literatura Infantil, o que se estende até os dias atuais.
Segundo Zilberman e Lajolo (1993, p. 171):
Decorridos quase cem anos dos primeiros e tímidos esforços de criação de uma
literatura para a infância brasileira, é notável a quantidade de títulos
disponíveis e muito diversificados os projetos aos quais eles parecem
corresponder. Tais fatos sugerem tanto a consecução dos objetivos assumidos
pela literatura infantil brasileira ao tempo de sua formação, como um
desdobramento das características presentes na longínqua iniciativa de seus
pioneiros.
A produção editorial infantil é muito rica e novos autores despontam trazendo textos
cada vez mais próximos da realidade da criança com infinitas possibilidades de linguagens e
gêneros literários, especializando desde os contos clássicos à poesia tradicional e visual, a literatura
de cordel, a mitologia, dos livros ilustrados aos livros de imagens, entre outros. O mercado
editorial também inovou, colocando à disposição do seu consumidor uma gama de suportes com
design que vão desde o livro tradicional de capa dura até os livros-brinquedo, livros-jogo, livros
manipuláveis com estruturas movediças, livros surpresa, livros de pano, livros de banho, entre
outros. É claro que ainda se vê alguns resquícios do discurso pedagógico, da redução da criança e
da má qualidade literária e tipográfica. Assim como qualquer outra manifestação artística, a
Literatura Infantil também enfrenta lamentáveis equívocos. Conforme Aguiar (2001, p. 34):
[...] o percurso da produção literária para a criança no Brasil é a tensão entre
dois pólos: pedagogismo e proposta emancipatória, massificação e liberdade
expressiva. Hoje, quantidade e qualidade coexistem na literatura infantil, na
qual grande produção de textos estereotipados compete com sucesso no
mercado de bens culturais. Contudo, a emergência de autores criativos e
críticos garante a excelência de algumas obras. A situação, entretanto, não é
tranqüila para o leitor, que precisa se salvar do bombardeio dos livros
meramente comerciais para chegar ao bom texto.
Nesse sentido, Cunha (1999, p. 27) também salienta a importância em valorizar a
qualidade de leitura oferecida às crianças e confere à Literatura Infantil o seu devido destaque
como uma obra de arte que necessita ser lapidada:
57
Ora, na medida em que tivermos diante de nós uma obra de arte, realizada
através de palavras, ela se caracterizará certamente pela abertura, pela
possibilidade de vários níveis de leitura, pelo grau de atenção e consciência a que
nos obriga, pelo fato de ser única, imprevisível – original, enfim, seja no
conteúdo, seja na forma. Essa obra, maçada pela conotação e pela
plurissignificação, não poderá ser pedagógica, no sentido de encaminhar o leitor
para um único ponto, uma única interpretação da vida (CUNHA, 1999, p. 27).
Ainda assim, percorrendo caminhos difíceis, adequando seus conteúdos à realidade
de cada época e impregnando de pedagogismo, a Literatura Infantil no Brasil tem seus méritos,
como se pode concluir:
Embora experimentando limites de ordem narrativa, apenas ocasionalmente
resolvidos, a literatura infantil nunca deixou de se integrar à sua época e
representá-la à sua maneira. Posicionou-se perante seus projetos e beneficiouse de alguns. Se grande parte das obras hoje desagrada, cumpre lembrar que,
em seu tempo, foram apreciadas e até estimuladas (ZILBERMAN e LAJOLO
1993, p. 67).
A análise e avaliação do livro infantil estão condicionadas ao seu contexto histórico.
O livro publicado em décadas passadas que pode ser visto com um olhar crítico no sentido
negativo, em sua época recebeu um olhar de admiração e teve seus méritos diante de seus
críticos e leitores.
4.2.3 Trajetória da ilustração na Literatura Infantil
Assim como a linguagem escrita na Literatura Infantil, a linguagem imagética
também possui a sua história. As convenções da linguagem escrita e da imagética foram, desde
os seus primórdios, consolidadas na sociedade da informação. Inicialmente, percebeu-se uma
interiorização paulatina, que encobria algumas facetas dos códigos de linguagem, que atribuíam
ao texto escrito seu grande suporte para transmissão informacional, conhecimentos e registros.
Com isso, a linguagem imagética, durante muito tempo, foi relegada a segundo plano.
Subestimada como meio de informação, a imagem no livro infantil teve um caráter apenas
persuasivo e lúdico. Os ilustradores sequer tinham seus nomes publicados nas capas dos livros.
No início, a ilustração nos livros infantis era inserida apenas no frontispício ou capa.
Com o tempo, veio a ilustração informativa: “Os primeiros livros voltados para crianças eram
ilustrados porque eram informativos”, observa Nodelman (1988, p. 2). O fato de a ilustração ter
58
sido empregada desde cedo nos primeiros materiais informativos está relacionado à convicção de
que livros infantis deveriam ter caráter pedagógico.
Acompanhando o estilo das ilustrações dos livros infantis do século XIX, a ilustração
do livro infantil brasileiro teve as primeiras aplicações obedecendo a um determinado modelo,
no qual a imagem era aplicada numa página separada do texto.
Em artigo intitulado A ilustração: uma pedra de toque, Barbosa (2002) apresenta um
breve histórico da ilustração no Brasil e faz referência por décadas, aos ilustradores que foram
surgindo e se destacando em cada época. Segundo Barbosa (2002), a ilustração surgiu no Brasil
com as obras de Monteiro Lobato, este que, por mais uma vez, desempenhou um papel inovador
na área de ilustração de livros infantis. A convite de Lobato, em 1920, Voltolino, o mais popular
ilustrador de São Paulo, acostumado a fazer charges para revistas e jornais, ilustrou em cores a
obra A menina do nariz arrebitado. Como não havia um projeto gráfico do livro, e com pouca
experiência em livros infantis, Voltolino criou a capa ilustrada e cartonada, de 22 x 29 cm e
apenas duas seqüências de cinco quadros com Narizinho e os insetos mexendo no seu nariz e a
passagem de Narizinho chegando ao reino das Águas Claras, como mostram as ilustrações a
seguir.
Ilustração 3: A menina do Narizinho Arrebitado, Lobato, 1920. – Capa.
Fonte: Arquivo pessoal do ilustrador Jô Oliveira
59
Ilustração 4: A menina do Narizinho Arrebitado, Lobato, 1920.
Fonte: (AZEVEDO, 1997, p.159)
Já o livro Reinações de Narizinho teve a participação do ilustrador Jean G. Villin, em
1931. Classificado como “livro de gravuras” e seguindo a tendência européia de se popularizar
um modelo muito próximo ao padrão atual era ricamente ilustrado, leve, adaptado ao porte físico
e aos interesses da criança e conforme as diretrizes da Escola Nova, as quais preconizaram as
imagens nos livros infantis – uma inovação no gênero. Percebe-se nesta edição uma ilustração
mais elaborada, sugestiva e imaginativa, conforme demonstra a ilustração 5.
Ilustração 5: Reinações de Narizinho, Lobato, 1931.
Fonte: (AZEVEDO, 1997, p. 315)
O ilustrador Jean G. Villin usou a técnica da litografia na edição de Reinações de
Narizinho. Litografia é um tipo de gravura que utiliza a técnica de impressão na pedra. O
desenho é feito por meio de marcas e do acúmulo de gordura, obtendo um ligeiro alto relevo
sobre uma matriz e se baseia na repulsão entre a água e as substâncias gordurosas. Essa técnica
se tornou muito popular como meio de impressão nos primórdios da imprensa moderna no
século XIX e permitia criar ilustrações coloridas para livros, etiquetas, mapas, jornais, panfletos
e pôsteres, além de reproduzir centenas de exemplares de uma única matriz.
60
Em paralelo a essa fase de Monteiro Lobato, na década de 1930, o Ministro da
Educação, Gustavo Capanema, com a intenção de criar “álbuns-estampa”, promoveu um
concurso de textos e ilustração infantil. Obtiveram premiação os livros O circo, de Santa Rosa, e
A lenda de carnaubeira, de Paulo Werneck.
Após a morte de Monteiro Lobato, no início da década de 1950, André Le Blanc,
ilustrador haitiano radicado no Brasil, ilustrou a obra completa de Lobato. Segundo Barbosa
(2002, p.14), “com um traço solto e leve, conseguiu, durante vários anos, realizar um trabalho
ilustrativo muito valioso”.
Na década de 1970, Barbosa (2002) destacou a publicação da Revista Recreio, que
projetou muitos ilustradores, e a editora Ática, que investiu numa proposta gráfica ousada e
lançou obras inéditas e bem ilustradas. Naquela mesma época, com o incentivo da FNLIJ, no Rio
de Janeiro, e pelo CELIJU, em São Paulo, começaram a surgir estudos sobre a ilustração.
Conforme analisa Necyk (2007), é nessa década que a ilustração do livro infantil
brasileiro se define. De acordo com a autora, a partir dos anos 1970, o livro infantil passa por
uma extraordinária renovação. Tudo é praticamente reinventado: das concepções gráficas à
qualidade técnica do produto. As editoras viram-se na necessidade de especializar seus catálogos
infanto-juvenis e organizar os livros em séries e coleções, motivadas principalmente pela lei que
obrigava a adoção de autores nacionais nas escolas brasileiras e visando a explorar uma forma
mais eficiente e lucrativa de circulação dos livros.
De acordo com Necyk (2007, p. 24):
Aos poucos a ilustração do livro infantil foi ganhando características próprias,
como, por exemplo, a estilização de imagens; a “infantilização” dos
personagens; a antropomorfização dos animais e objetos; e o uso de cores.
Com a introdução da cor nos processos de reprodução gráfica e o barateamento
desta última, a ilustração a traço (uma cor) perdeu espaço para impressos
coloridos, como os livros em policromia (quatro cores), processo utilizado nas
publicações infantis atuais.
Para Barbosa (2002), é na década de 1990 que a ilustração realmente se consagra
como possuidora de um papel importante na formação do leitor. O poder da comunicação da
imagem consolida-se como imediato e de fácil decodificação. O mercado editorial passa a dar
maior importância à imagem e ao projeto gráfico.
61
As editoras perceberam que a infância vive na era da visualidade, dominada
pelos meios de comunicação de massa. Naquele momento, o boom da
imagem invadiu o mercado editorial, utilizando diferentes linguagens – a
caricatura, o desenho clássico, a pintura, a ilustração pura, a colagem e a
fotografia. Revelou-se um momento criativo único na ilustração brasileira
(BARBOSA, 2002, p. 15).
Durante muito tempo, editoras, educadores e demais responsáveis pela produção e
avaliação do livro infantil convencionaram que a composição do livro se dava exclusivamente a
partir do texto, da idéia e da estrutura da história. Valorizava-se apenas o escritor, sendo este o
único autor. No processo de produção, ilustrador e designer, normalmente, eram chamados após
a aprovação do texto e tinham uma participação através da prestação de serviço. Aos poucos,
percebem-se uma mudança de paradigma, quando o ilustrador e o designer passaram a ser
considerados autores do livro tanto quanto o escritor.
A ilustração constitui parte essencial do livro infantil, a ponto de parecer impossível
pensar em livro infantil sem esse elemento. Os ilustradores são autores quando ajudam na
composição do texto escrito, explorando as idéias do autor a fim de ajudar na compreensão do
texto. Em outros momentos narram mais que o texto escrito e invertem a posição: o texto escrito
é somente um complemento da ilustração e, ainda, há livros que narram exclusivamente por
meio da ilustração: são chamados de livros ilustrados ou, paradoxalmente, de narrativa muda,
como se as ilustrações não tivessem nada a dizer.
O livro O passeio de Rosinha, de Pat Hutchins (2004) é um clássico exemplo da
valorização da ilustração sobre o texto. O livro utilizou a estrutura do texto escrito como auxiliar
da narrativa imagética, ou seja, a ilustração conta a história e as palavras apenas complementam
e, quando lidas sem a leitura da imagem, não motivam o leitor à imaginação, tornam-se pobres,
sem contexto significativo. O texto escrito acompanha algumas páginas duplas, dando um
suporte quase desnecessário à narrativa. Consiste em frases curtas e simples:
A galinha Rosinha foi passear à tardinha
andou pelo quintal
caminhou em volta do lago
passou por cima do monte de capim
em frente ao moinho
atravessou a cerca
passou por baixo das colméias
e voltou bem na hora do jantar.
62
Ilustração 6: O passeio de Rosinha, Hutchins, 2004. – Página dupla 1.
O passeio de Rosinha recebeu o prêmio Livro Notável, concedido pela American
Library Association – USA. Com ilustrações em cores, rica em detalhes, estabelece uma criativa
seqüência de acontecimentos. Com muito humor, a narrativa consiste numa raposa o tempo todo
seguindo a galinha Rosinha, tentando caçá-la. Em cada bote ou movimento que a raposa faz para
pegar a galinha, termina num acidente: pula em cima de um ancinho que bate em seu focinho;
cai dentro do lago e no monte de capim; é soterrada pela farinha do moinho; quando salta a
cerca, cai em cima de um carrinho e este dispara e passa batendo nas colméias e as abelhas,
enfurecidas, saem em sua perseguição. Enquanto a galinha, sem perceber tais acontecimentos,
volta tranqüilamente a tempo para o jantar.
Ilustração 7: O passeio de Rosinha, Hutchins, 2004. – Página dupla 2.
Na trajetória da ilustração do livro infantil, percebe-se uma acelerada evolução a
partir de 1990, com muitas inovações no conceito de design gráfico. O mercado editorial lança
63
uma grande quantidade de livros como O passeio de Rosinha e impõe uma marca imagética, de
valorização da ilustração na Literatura Infantil contemporânea.
Entretanto, o que caracteriza a Literatura Infantil contemporânea não deve ser
entendido apenas no sentido histórico da imagem. Necyk (2007) argumenta que “o termo
contemporâneo, aplicado ao livro infantil, configura característica bem evidente na sociedade
atual: a superposição de linguagens simultâneas”. Uma das principais características da arte pósmoderna está na colisão e superposição de diferentes mundos ontológicos, como o encontro da
imagem e da palavra. É no caráter de se readequar a estas qualidades transitórias da vida
moderna que os produtores culturais necessitam aprender a explorar as novas tecnologias e
possibilidades multimídias, e aí está o grande investimento das editoras.
Assim, Necyk (2007) reconhece que o livro infantil contemporâneo possui
características próprias como gênero literário. Este reconhecimento da Literatura Infantil como
gênero específico faz com que ela ganhe autonomia em relação aos parâmetros norteadores de
outras edições ilustradas. O livro infantil contemporâneo é uma peça única, sem igual no campo
da literatura e das artes visuais. Seu modo de leitura também se faz distinto em relação a outros
tipos de edições ilustradas.
Acompanhar os caminhos e transformações da Literatura Infantil ao logo do tempo,
em especial ao que se refere à imagem, significa deparar-se com suas contradições, mas também
com seus esforços de superação.
4.2.4 Mercado Editorial e valorização da Literatura Infantil
No decorrer da história da Literatura Infantil, percebem-se os paradigmas sendo
consolidados aos poucos. No início, a desvalorização do que é infantil; em outro momento, a
exploração apenas da narrativa escrita e, recentemente, a valorização do conjunto: texto,
ilustração e projeto gráfico. É neste contexto que surge a necessidade de compreender, mesmo
que superficialmente, as estratégias do mercado editorial na garantia de consolidar as relações
com o consumidor do livro infantil. Faz-se necessário ressaltar também os motivos desse
mercado ter se mostrado atrativo, o que se resume na valorização em vários setores do segmento
literário infantil.
O editor, cada dia mais, preocupa-se com a organização da produção, no
investimento em tecnologia e em mão-de-obra especializada, não apenas em busca de
premiações, mas também em busca de competitividade de mercado. O livro é um produto
64
comercial, criado dentro da economia de escala, ou seja, quanto maior a tiragem, menor o preço
e o menor preço significa capacidade competitiva. Como alertam Earp e Komis (2005),
o problema fundamental do editor não é colocar o seu produto no mercado,
mas encontrar o leitor certo para cada um dos seus títulos. O problema
fundamental do consumidor é encontrar os livros que o interessam em meio à
multiplicidade de títulos produzidos. Juntando a oferta fácil com a demanda
difícil, temos de fazer com que os editores e os compradores de livros se
encontrem mutuamente.
Uma verdadeira revolução acontece na produção editorial para crianças no Brasil. O
relatório baseado nas pesquisas realizadas em 2006 pela Fundação Instituto de Pesquisas
Econômicas (FIPE), conforme acordo de cooperação técnica com a Câmara Brasileira do Livro
(CBL) e Sindicato Nacional de Editores de Livros (SNEL) com finalidade de apresentar o
desempenho do Mercado Editorial Brasileiro, mostrou um resultado relevante em relação à
produção literária infantil. Em 2006, foram lançados no mercado 3.031 títulos de livros infantis,
com um crescimento em 9.51% em relação ao ano anterior. Pode-se afirmar que a Literatura
Infantil representa um nicho promissor no que se refere às oportunidades mercadológicas, tendo
como comparativo a classificação de literatura adulta, que, no mesmo ano, colocou no mercado
5.853 títulos e teve um crescimento em 8,42% em relação ao ano anterior.
Esse resultado pode ser interpretado pela valorização da Literatura Infantil em várias
instâncias, como, por exemplo, o destaque dado ao segmento nas feiras e bienais do livro e, em
especial, a 1ª e a 2ª Feira Internacional do Livro Infantil, Juvenil & Quadrinhos, realizada em
São Paulo nos anos de 2003 e 2005, respectivamente.
Um grande prestígio para a Literatura Infantil também foi a posse da escritora Ana
Maria Machado, em 2003, na Academia Brasileira de Letras (ABL), eleita para ocupar a cadeira
número 1, substituindo o Dr. Evandro Lins e Silva. Pela primeira vez, um autor com uma obra
significativa para o público infantil foi escolhido para a Academia.
Um evento muito importante para a valorização da imagem nos livros infantis é a
mostra Traçando Histórias que integrou a programação da Feira do Livro de Porto Alegre. A
Traçando Histórias, com o objetivo de divulgar e valorizar o trabalho dos ilustradores de
Literatura Infantil e Juvenil, foi inspirada nas mostras internacionais, em especial a de Sarmede,
Itália. O que se apresenta em Sarmede adquire caráter itinerante e, durante um ano, passa por
várias cidades italianas e países vizinhos. Sarmede auto-intitula-se Paese delle Fiabe (cidade das
fábulas) e promove constantemente cursos, mostras, festas e workshops que atraem ilustradores
de todo o mundo.
65
Em 2001, a Feira do Livro de Porto Alegre criou a Alameda dos Ilustradores, na
Praça da Alfândega e, no ano seguinte, em função de seu crescimento, passou para outro espaço,
que se decidiu denominar de Largo dos Ilustradores, localizado diante do Memorial do Rio
Grande do Sul, na mesma Praça. Em 2004, com as comemorações do Cinqüentenário da Feira do
Livro de Porto Alegre, a mostra Traçando Histórias adquiriu nova dimensão, com a realização
entre as Salas Negras do MARGS – Ado Malagoli, com originais das ilustrações e produção de
catálogo em papel couchê fosco com 96 páginas. Ao ser levada para esse espaço nobre, a
Traçando Histórias teve repercussão e importância, passando a ser considerada como uma das
mais importantes mostras do gênero do país.
Paralelo aos eventos de valorização da imagem, observa-se que o design do livro
infantil brasileiro e o trabalho do ilustrador cada vez mais ganham méritos por parte da crítica
especializada. Normalmente, no Brasil, o critério de escolha ou compra dos livros infantis passa
pelo aval de instâncias de legitimação, como a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil
(FNLIJ) e a CBL que são instituições de grande importância no processo de valorização do livro.
Cabe aqui descrever ações desses organismos nesse processo de reconhecimento e valorização
do livro.
A FNLIJ foi criada em 1968, com o objetivo institucional de promoção da leitura e
de divulgação de livros de qualidade para crianças e jovens. É a seção brasileira do International
Board on Books for Young People (IBBY), que, por sua vez, é uma associação internacional de
Literatura Infantil e Juvenil, existente em 64 países.
Para atingir seu principal objetivo, a FNLIJ desenvolve várias atividades. No âmbito
da leitura e seleção de livros para crianças e jovens, as editoras doam as primeiras edições dos
livros publicados para análise e seleção. Os livros considerados de melhor qualidade são
selecionados para fazer parte do acervo básico e formam a seleção Altamente
Recomendáveis/FNLIJ. Fazem parte dessa seleção os dez melhores livros nas categorias:
criança, jovem, imagem, poesia, informativo, tradução (criança, jovem e informativo), cujos
escritores, ilustradores, tradutores e editores recebem a láurea Altamente Recomendável, criada
em 1975. Desse mesmo acervo, também são retirados os livros para o Prêmio FNLIJ - O Melhor
para Criança, distinção máxima concedida aos melhores livros infantis e juvenis. A primeira
premiação, em 1974, consistiu de apenas uma categoria infantil, conforme quadro a seguir:
66
Quadro 2 – Premiação FNLIJ – 1974
Categoria
Título
Criança
Autor
Ilustrador
O rei de quase tudo Eliardo França Eliardo França
Editora
Orientação Cultural
Fonte: http://www.fnlij.org.br/ , acesso em 15 out. 2007.
Aos poucos foram surgindo novas premiações como as categorias: criança, jovem,
imagem, poesia, informativo, tradução (criança, jovem e informativo), projeto editorial,
revelação (autor e ilustrador), melhor ilustração, teatro, livro brinquedo, teórico e reconto.
Conforme o quadro a seguir, pode-se observar as premiações em 2007 (produção 2006).
Quadro 3 – Premiação FNLIJ – 2007
TÍTULO
AUTOR
ILUSTRADOR
EDITORA
Prêmio FNLIJ Ofélia Fontes - O melhor livro para a criança
Felpo Filva
Eva Furnari
Eva Furnari
Moderna
O menino, o cachorro
Simone Bibian
Mariana Massarani
Manati
Prêmio FNLIJ Orígenes Lessa - O melhor livro para o jovem
O rapaz que não era
Caio Riter
-
Edições SM
de Liverpool
Prêmio FNLIJ Luís Jardim - O melhor livro de imagem
A linha do Mário
Mário Vale
Mário Vale
RHJ
Vale
Prêmio FNLIJ Monteiro Lobato - Tradução ou adaptação
Os corvos de
Aldous Huxley
Pearblossom
Trad.: Luiz Antonio
Beatrice Alemagna
Record
-
Martins Fontes
Janice Nadeau
Edições SM
Octaviana Monaco
Edições SM
Aguiar
Andar duas luas
Sharon Creech
Trad.: Fernando Santos
Nenhum peixe aonde
Marie-Francine Hébert.
ir
Trad. Maria Luiza X. de
A. Borges
Com vocês, Klimt!
Bérénice Capatti
Trad. Mônica
Esmanhotto.
67
Histórias de Ananse
Adwoa Badoe.
Baba Wagué Diakité
Edições SM
Trad. Marcelo Pen
Prêmio FNLIJ Malba Tahan - O Melhor Livro Informativo
Almanaque dos
Carlos Patati e Flávio
quadrinhos: 100 anos
-
Editora Ediouro
Braga
de uma mídia popular
Prêmio FNLIJ Odylo Costa, Filho - O melhor livro de poesia
Lampião & Lancelote
Fernando Vilela
Fernando Vilela
Cosac Naify
Prêmio FNLIJ Gianni Rodari - O melhor livro brinquedo
Os três porquinhos
Cyril Hahn. Trad.
Cyril Hahn
Companhia das
Eduardo Brandão
Letrinhas
Prêmio FNLIJ Cecília Meireles - O melhor livro teórico
História universal da
Fernando Léo
destruição dos livros:
Schlafman
-
Ediouro
das tábuas sumérias à
guerra do Iraque
Prêmio FNLIJ Figueiredo Pimentel - O melhor livro reconto
Viagem pelo Brasil
Silvana Salerno.
Cárcamo
em 52 histórias
Companhia das
Letrinhas
Prêmio FNLIJ Henriqueta Lisboa - O melhor de literatura em Língua Portuguesa
Contos e lendas de
Alice Vieira
Alain Corbel
Edições SM
Macau
Prêmio FNLIJ - A melhor ilustração
Lampião & Lancelote
Fernando Vilela
Fernando Vilela
Cosac Naify
Prêmio FNLIJ - O melhor projeto editorial
Lampião & Lancelote
Fernando Vilela
Fernando Vilela
Cosac Naify
Prêmio FNLIJ - Revelação escritor
Lampião & Lancelote
Fernando Vilela
Fernando Vilela
Fonte: http://www.fnlij.org.br/, acesso em 15 out. 2007.
Cosac Naify
68
Vale ressaltar como destaque as Edições SM, que sobressaíram recebendo prêmios
nas categorias melhor livro para os jovens, tradução ou adaptação (com três prêmios nessa
categoria) e melhor livro de literatura em língua portuguesa; e a Editora Cosac Naify, que
recebeu prêmios nas categorias melhor livro de poesia, melhor ilustração e melhor projeto
editorial. O livro Lampião & Lancelote, de Fernando Vilela (2006), foi premiado nas categorias
melhor livro de poesia, melhor ilustração e melhor projeto editorial.
No âmbito da formação do educador, a FNLIJ entende que a formação do leitor é
uma ação educativa e cultural, sempre mediada e promovida por um adulto. Portanto, investe na
formação de professores e bibliotecários realizando oficinas, cursos, seminários e prestando
assessorias junto a entidades públicas e privadas.
Na esfera de projetos de promoção de leitura, a FNLIJ promove projetos de estímulo
à leitura, entre eles: Bibliotecas Comunitárias Ler é Preciso; 4° Salão do Livro para Crianças e
Jovens; 3° Salão do Livro para Crianças e Jovens; 1° e 2° Salão do Livro para Crianças e Jovens;
Ateliê do Artista; Concurso "Os Melhores Programas de Incentivo à Leitura para Crianças e
Jovens em todo o País"; Concurso “Uma Carta para Lobato”; Programa Nacional de Incentivo à
Leitura; Promoção de Leitura Literária na Televisão; Meu Livro, meu Companheiro; Leia,
Criança, Leia; Biblioteca para o projeto Recriança/Ministério da Previdência Social (MPAS);
Viagem da Leitura; Livro Mindinho, seu Vizinho; e Ciranda de Livros.
A FNLIJ, por meio do seu Centro de Documentação e Pesquisa (CEDOP), garante
manutenção, implementação e disseminação do acervo de Literatura Infantil e Juvenil (22.000
volumes brasileiros e 11.000 internacionais) capaz de subsidiar as mais diversas ações de
promoção de leitura. O CEDOP possui uma coleção de 15.000 periódicos nacionais e
internacionais especializados em leitura, educação, Literatura Infantil e Juvenil e áreas afins,
além de monografias, catálogos, teses, relatórios, manuais, artigos de periódicos, vídeos,
cartazes, fotos e material iconográfico.
A FNLIJ tem como objetivo realizar concursos para promover a leitura e os livros de
qualidade. Como seção brasileira do IBBY, desenvolve as atividades internacionais:
- Prêmio Hans Christian Andersen do IBBY – o Nobel da Literatura Infantil e
Juvenil: indica, desde 1978, a cada dois anos, os candidatos (um escritor e um ilustrador);
- Lista de Honra do IBBY: seleciona, desde 1970, a cada dois anos, um escritor, um
ilustrador e um tradutor, para a Lista de Honra, que circula por todo o mundo editorial;
69
- Bienal de Ilustrações de Bratislava (BIB) na Eslováquia: seleciona, desde 1968, os
artistas brasileiros que participam da Bienal;
- Feira de Livros Infantis de Bolonha, na Itália: organiza a participação brasileira
anual, tendo participado de outras Feiras de Livros em que o Brasil foi o país homenageado, tais
como Frankfurt (1994), o Salão do Livro em Paris (1998) e Guadalajara (2001);
- Exposições de ilustrações e de livros de Literatura Infantil e Juvenil brasileiros no
Brasil (BIB 1969 no MAM/RJ; I Exposição Retrospectiva de ilustrações de Livros Infantis
Brasileiros, Caixa Econômica, 1972; Mostra de Ilustrações para crianças – Rio 1987 – BNDES;
Bolonha 1988 – BPERJ; BIB 1990 – IAB/RJ e Goiânia);
- Exposições de ilustrações e de livros de Literatura Infantil no exterior (O Livro para
Crianças no Brasil – Frankfurt 1994 – CBL/EMC; Brasil! a bright blend of colours – Bolonha
1995 – CBL/EMC; Rio de Janeiro – Estocolmo 1995; Rio de Janeiro – Quito 1995; Rio de
Janeiro – Lisboa 1996; Roma 1998; Jardim Secreto, da Feira de Bolonha 1996; Mostra de
Ilustradores de Bolonha 1997);
- Presta consultoria a editores e especialistas estrangeiros;
- Revista Latino-americana de Literatura Infantil e Juvenil das seções latinoamericanas do IBBY; co-editora brasileira;
- Congressos bienais do IBBY;
- Comitê Executivo do IBBY – participa desde 2000;
- Congresso Cuba – "Para Ler o Século XXI", desde 1999.
Em 1998, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) contratou a
FNLIJ para selecionar 106 títulos de Literatura Infantil destinados a compor o acervo de 36.000
escolas públicas do primeiro segmento do ensino fundamental por meio do Programa Nacional
Biblioteca da Escola (PNBE). Após a seleção, foram redigidos dois pareceres para cada título,
totalizando 212 pareceres, elaborados por especialistas de Literatura Infantil e Juvenil votantes
da FNLIJ.
O processo de seleção de títulos atendeu aos critérios solicitados pelo FNDE: "A
seleção deverá ser feita entre as Obras Altamente Recomendadas e Premiadas, sendo que o
principal critério de escolha será a qualidade do livro, observando-se, em iguais condições, texto,
imagem e projeto gráfico” (FNLIJ, 2007).
Participaram da elaboração dos pareceres 17 leitores dos estados conforme o quadro a
seguir:
70
Quadro 4 – Leitores por Estado
Rio de Janeiro
10
São Paulo
01
Distrito Federal
01
Minas Gerais
02
Rio Grande do Sul
01
Goiás
01
Espírito Santo
01
As categorias dos Prêmios/FNLIJ que atenderam aos critérios do FNDE foram
agrupadas conforme o quadro a seguir:
Quadro 5 – Categoria de premiação/ FNLIJ
TOTAL DE LIVROS
%
Nacionais
Livros de Narrativa
49
46%
Livros de Poesia
15
15%
Livros de imagem (sem texto)
6
5%
Livro Informativo
16
15%
20
19%
106
100%
Traduzidos
Livros de Ficção e não ficção
compreendendo
os
gêneros
acima
Total
Fonte: http://www.fnlij.org.br/, acesso em 15 out. 2007
71
Percebe-se, naquela data (1998), um percentual baixo (5%) no que se refere aos livros
de imagens. A CBL esclareceu que “os percentuais correspondem ao peso dos livros recebidos
pela FNLIJ, o que por sua vez, reproduz, aproximadamente, a posição das categorias no mercado
nacional”. A variedade do acervo contempla os clássicos e contemporâneos brasileiros e
estrangeiros, além de várias editoras especializadas. Ao utilizar esta experiência no campo da
seleção de livros, a FNLIJ iniciou a sua argumentação para proceder à seleção dos títulos,
baseando-se em documentos internacionais e nacionais, que defendem os direitos de acesso ao
conhecimento da humanidade como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração
dos Direitos da Criança, a Constituição Brasileira e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
A CBL é uma entidade de âmbito nacional, fundada em 1964. Com mais de 400
associados, reúne editoras, livrarias, distribuidoras e empresas de venda direta. Tem como meta
estimular a difusão do livro e do hábito de leitura, promover a indústria e o comércio do livro e
divulgar a produção editorial brasileira no país e no exterior. Em seu calendário permanente de
atividades consta o Prêmio Jabuti, que tem como proposta destacar o melhor da produção
editorial do país. Conforme a própria CBL:
Receber o Jabuti é um desejo acalentado por todos aqueles que têm o livro
como seu ideal de vida. É uma distinção que dá ao seu ganhador muito mais do
que uma recompensa financeira. Ganhar o Jabuti representa dar à obra
vencedora o lastro da comunidade intelectual brasileira, significa ser admitido
em uma seleção de notáveis da literatura nacional (CBL, 2007).
Um dos diferenciais do Prêmio Jabuti está na sua abrangência, contemplando todas as
esferas envolvidas na produção de um livro, num total de 20 categorias de premiações, passando
pela tradução, ilustração, capa e projeto editorial. São elas:
1. Melhor Tradução
2. Melhor Livro de Arquitetura e Urbanismo, Fotografia, Comunicação e Artes
3. Melhor Livro de Teoria/Crítica Literária
4. Melhor Projeto Gráfico
5. Melhor Ilustração de Livro Infantil ou Juvenil
6. Melhor Livro de Ciências Exatas, Tecnologia e Informática
7. Melhor Livro de Educação, Psicologia e Psicanálise
8. Melhor Livro de Reportagem
9. Melhor Livro Didático e Paradidático de Ensino Fundamental ou Médio
10. Melhor Livro de Economia, Administração, Negócios
11. Melhor Livro de Direito
72
12. Melhor Livro de Biografia
13. Melhor Capa
14. Melhor Livro de Poesia
15. Melhor Livro de Ciências Humanas
16. Melhor Livro de Ciências Naturais e Ciências da Saúde
17. Melhor Livro de Contos e Crônicas
18. Melhor Livro Infantil
19. Melhor Livro Juvenil
20. Melhor Livro de Romance
Vale ressaltar as especificações das categorias:
•
Melhor Projeto Gráfico – refere-se à concepção de livro avulso ou de coleção, produzida
originalmente no Brasil e que ressalte o conceito editorial da obra por intermédio do design e
pela adequação dos materiais utilizados;
•
Melhor Ilustração de Livro Infantil ou Juvenil – refere-se às ilustrações de obras destinadas a
crianças, pré-adolescentes ou adolescentes;
•
Melhor Capa – referente à concepção e desenvolvimento gráfico da capa ou sobrecapa do
livro como elemento autônomo; e
•
Melhor Livro Infantil – refere-se ao texto ficcional ilustrado, que pode ou não mesclar
elementos do “real”, destinado ao público infantil.
A Câmara Brasileira do Livro anunciou, em 21 de agosto de 2007, os vencedores do
49º Prêmio Jabuti 2007. Esta é a segunda fase do Prêmio, na qual são relacionados dez títulos
finalistas nas 20 categorias. Em cada uma delas, três jurados votam, isoladamente e por escrito,
nos três livros que consideram merecedores dos primeiros lugares. A apuração ocorreu em
audiência pública na sede da entidade, em São Paulo. Conforme o quadro a seguir, foram
selecionados para receber o 49º Prêmio Jabuti – 2007:
73
Quadro 6 – Vencedores do 49º Prêmio Jabuti 2007
TÍTULO
MÉRITO
EDITORA
Melhor Projeto Gráfico
1º
Arquivinho de Otto Lara
Mariana Lara
Bem-Te-Vi Produções
Resende
2º
3º
Literárias
Mam na Oca - Arte Brasileira
Carlito Carvalhosa, Martha
do Acervo do Museu de Arte
Tadaieski, Ana Basaglia
Moderna de São Paulo
Luiz Carlos C G Carvalhosa
Margaret Mee
Nair de Paula Soares e
PVDI e Arte Padilla
PVDI e Arte Padilla
Joana de Paula Soares
Melhor Ilustração de Livro Infantil ou Juvenil
1º
Lampião & Lancelote
Fernando Vilela
Cosac Naify
2º
Cores das cores
Marcelo Cipis
Cosac Naify
Suppa
Editora Manole
3º Contos de Grimm - Branca de Neve
e rosa vermelha e outras histórias
Melhor Capa
1º
Ferdydurke
Elisa Cardoso
Companhia das Letras
2º
Lampião & Lancelote
Luciana Facchini
Cosac Naify
3º
50 poemas escolhidos pelo autor
Elaine Ramos
Cosac Naify
Melhor Livro Infantil
1º
Lampião & Lancelote
Fernando Vilela
Cosac Naify
2º
João por um fio
Roger Mello
Companhia das Letras
3º
Felpo Filva
Eva Furnari
Moderna
Fonte: http://www.premiojabuti.com.br/BR/sobre.php, acesso em 15 out. 2007.
Consagrando-se como um livro de excelente qualidade, Lampião & Lancelote de
Fernando Vilela (2006), recebe pela CBL as premiações de Melhor Ilustração de Livro Infantil
ou Juvenil, Melhor Capa e Melhor Livro Infantil.
Ao analisar as conceituadas premiações brasileiras em Literatura, das entidades
FNLIJ e CBL, observa-se a preocupação, cada vez maior, em valorizar o livro de uma forma
global, na sua completude – texto, ilustração e projeto gráfico – o que enfatiza a idéia de
aperfeiçoamento na qualidade editorial e, conseqüentemente, no crescimento do setor.
74
A cadeia produtiva do livro reúne os setores autoral, editorial, gráfico, distribuidor,
livreiro, entre outros. O mercado editorial é a interface desses setores. Cabe destacar a cadeia
criativa do livro infantil, ou seja, o processo de construção e a sua concepção até a mídia impressa.
O livro passa, necessariamente, por etapas, sendo o editor o responsável por
coordenar equipes de redação, revisão, ilustração, layout e diagramação do miolo e capa,
produção gráfica e mercado. A má apresentação pode comprometer um ótimo conteúdo.
Portanto, é de grande importância o trabalho de toda a equipe de criação do livro infantil.
Muitos pensam que somente o texto e a imagem garantem a qualidade do livro
infantil, mas existe um outro elemento importantíssimo que faz parte da significação da
narrativa: o projeto de design.
A forma de se ler o livro infantil está intensamente relacionada em referências
visuais. Desde a disposição do texto gráfico e do texto imagético até o formato material do livro,
tudo pressupõe uma leitura. A diagramação sinaliza o olhar do leitor e chama a sua atenção para
o que merece destaque. O editor, o escritor, o ilustrador e o designer, além do talento e dos
conhecimentos técnicos e artísticos, necessitam dominar os processos sob os quais se constrói
toda narrativa visual do livro infantil.
Com a influência de outras tecnologias da mídia, o livro infantil absorveu as
inovações tipográficas e incorporou um estilo eclético. As aplicações do texto gráfico, por meio
do alfabeto, passam pela tendência de serem aplicadas como imagem, potencializando a sua
dimensão gráfica, passando pela produção de efeitos visuais muito bem estudados e criando
significados simbólicos da mesma forma que o texto imagético. O texto gráfico é aplicado como
elemento gráfico e como imagem. Conforme Necyk (2007), “o código escrito permanece
obediente a seu sistema de diferenciação, mas a forma da letra e a tipografia aplicada operam por
um sistema que funciona de forma relacional com o restante da peça gráfica”.
O design do livro infantil é um diferencial competitivo, não só no que se refere ao
mercado editorial, mas também na conquista do leitor infantil, que convive com dinâmicas
formas de entretenimento. É ao romper com a estética tradicional e ao desenvolver soluções
inovadoras, integrando texto, ilustração e design, que o livro infantil chega ao mercado
influenciando na decisão e opção da criança, sobretudo como fonte de lazer.
As aparências externas comprometem as características internas. É a primeira
impressão que o leitor tem, pelo visual do livro, que são criadas as expectativas quanto ao
conteúdo. Uma mesma história pode ter uma resposta diferenciada quando inserida em designs
diferentes; como exemplo, se o livro foi impresso em capa dura com sofisticados recursos
gráficos, poderá despertar maior interesse da criança que quando impresso em monocromia e
75
com capa simples. Um bom editor, preocupado com o marketing, sabe que a capa vai ser exposta
junto a muitas outras no comércio; então, empenha-se na criação de uma capa que, no meio de
tantas outras, possa chamar a atenção do futuro comprador, que o atraia, o seduza e o convença.
Para Necyk (2007), o formato é muito significativo na relação entre criança e livro, o
que faz o editor ter um cuidado especial na sua apresentação. As publicações infantis ganham
formatos poucos convencionais. Um formato bem aceito pelas crianças é o quadrado; como
explica Necyk (2007), ele constitui uma forma básica de fácil reconhecimento e associação para
a criança, estabelece uma proporção igualitária entre altura e largura e gera uma relação espacial
diferenciada para a disposição do texto e da ilustração. Quando aberto, as páginas duplas do
quadrado dão origem a uma visualização horizontal parecidas com as proporções da tela do
cinema. Porém, percebe-se, no mercado, uma infinidade de formatos, muitos assemelhados ao
conteúdo ou personagem central da história. Existem livros em formatos de animais, casas,
carros e outros bem inovadores.
As ilustrações, principalmente as dos livros infantis brasileiros, apresentam uma
gama de linguagens. Muito se tem discutido sobre a importância de reavaliar a produção gráfica,
de forma que nenhuma informação imagética possa distorcer a riqueza cultural e gerar
preconceitos. Os profissionais envolvidos na cadeia criativa do livro infantil estão, cada vez
mais, conscientizando-se de que a informação extraída da imagem pode levar ao conhecimento
do mundo, das diferentes culturas, histórias e modos de ser das pessoas e de cada povo.
Entendendo que a imagem, na produção gráfica, não deve ser tratada apenas como
ilustração da palavra, nem o texto como explicação da imagem, mas que ambos contribuem para
a condução da informação; o estudo das possibilidades da forma de representação onde os
discursos verbal e visual dão origem a novas formas de leituras fazem um diferencial no mercado
editorial. A ilustração de livros infantis apóia-se em estudos e pesquisas, e não apenas no talento
do ilustrador para o desenho. Cada vez mais se investe na qualidade e na variedade da produção
gráfica para que a ilustração seja uma fonte de produção de sentidos.
76
4.3 A NARRATIVA IMAGÉTICA NO LIVRO INFANTIL
É por meio da Literatura Infantil que se possibilita à criança incluir alguns
fragmentos da realidade, do mundo, da sociedade, do ambiente próximo ou longínquo, mediante
um conjunto de representações, quase sempre com uma chamada à fantasia. A Literatura Infantil,
bem como a imagem impressa em seus livros, pode comunicar vários sentimentos que devem ser
vivenciados pela criança: alegria, tristeza, descoberta, medo, enfim, o universo da criança que
precisa ser explorado e trabalhado para que ela cresça construindo conhecimentos que a
permitam lidar com esses sentimentos.
Yolanda (2001, p. 44) acrescenta, em síntese, a respeito das ilustrações nos livros:
- O livro ilustrado possibilita a permanência da imagem no leitor, permitindo
interpretações pessoais.
- O livro ilustrado introduz o leitor na aprendizagem da escrita e proporciona
uma crescente velocidade de sua compreensão.
- O livro ilustrado pode apresentar as relatividades da cor, da forma e da
posição dos objetos no tempo e no espaço.
- Além da percepção, o livro ilustrado contribui para o enriquecimento do senso
ético-estético da criança, desenvolvendo múltiplos pontos de vista – o livro
ilustrado pode projetar o indivíduo num mundo de imaginação e devaneio,
importante para o desenvolvimento de sua expressão criadora.
A imagem do livro infantil permite ao leitor superar os bloqueios peculiares do
pensamento concreto, conduzindo-o a estabelecer relações e a construir pensamentos abstratos.
Tudo isto para responder às suas necessidades mais íntimas, que a criança tem sem sequer saber
formulá-las, e assim aprender a lidar com as imagens da realidade, e a construir, dessa forma, a
sua própria cosmovisão.
Normalmente, a imagem permite uma leitura particular e de vocabulário abstrato,
muitas vezes, nem carece de muitas explicações. O leitor infantil de imagens, aos poucos,
formula o seu próprio vocabulário. No entanto, alguns ilustradores usam recursos complexos ao
criar a imagem, com linguagens cultas ou com signos simbólicos, que precisam de uma
mediação. Alguns recursos, códigos e linguagens naturais ou convencionados em determinadas
culturas se fazem imprescindíveis dominar para uma leitura efetiva.
Tratada como ilustração, a imagem no livro infantil tem como função ajudar a
organizar o pensamento e a entender a informação que está na linguagem verbal. Ela não precisa,
necessariamente, acompanhar um texto escrito; pode ter um conteúdo independente. Lúdica, a
imagem ajuda na visualização agradável da página; quebra o ritmo em textos longos, muitas
vezes cansativos para leitura; apóia a leitura de textos escritos do ponto de vista do enredo, ao
77
construir formas, personagens, cenários, enfim, compõe junto com o texto verbal uma leitura
dinâmica.
Yolanda (2001, p.13) afirma que “a ilustração de um livro, mesmo que escrito em
língua estrangeira, pode ser compreendida por outros povos e outras culturas”. No livro infantil,
a criança resgata a imagem por meio de uma representação lúdica e, muitas vezes, percebe muito
mais a imagem como narrativa que o próprio texto. Ela reage instigando a imaginação frente à
leitura de imagens e passa a incluir no seu repertório de atividades culturais a apreciação estética.
A ilustração no livro infantil aparece impregnada de significados dentro da narrativa
da história. No entanto, o livro infantil também deve ser apreciado como uma obra de arte pelo
seu potencial expressivo, que vai além da mera narrativa. Segundo Barbosa (2002), mais como
um filme que como uma pintura, sua força estética deriva da continuidade de imagens, do
relacionamento das páginas, à medida que são passadas.
Oliveira (1994) defende a ilustração no livro infantil como um ato de narrar,
informar ou persuadir através de imagens. Com embasamento nessa afirmativa, pode-se
acrescentar que a ilustração é um recurso consistente de expressão visual para a
representação de uma mensagem verbal. Mas, acima de tudo, a leitura de imagens na
Literatura Infantil deve ser um instrumento de prazer, que permite explorar outros mundos
reais ou imaginários, que nos aproxima de outras pessoas e de outras idéias.
No entanto, observa-se que, na medida em que a criança vai dominando o código
escrito, a ilustração tende a perder espaço para o texto. Conforme Necyk (2007), esse fenômeno
induz à suposição de que a ilustração utilizada nos livros infantis funciona apenas como auxílio à
leitura do iniciante. Em outras palavras, a suposição de que após o domínio do código escrito, a
ilustração se torna irrelevante como fonte de informação.
Na relação entre palavra e imagem e nas diferenças na representação, a palavra pode
representar o material e o imaterial, em contraposição com as imagens, que só podem representar
o visível, objetos materiais. A imagem é incapaz de representar o invisível, que o expressa por
meio de intenções, sentimentos, emoções, mas ela pode ser um meio visível para se atingir o
invisível. Quanto ao seu aspecto descritivo, a imagem do livro infantil é universal. Considerando
a forma de registro, é necessário muito texto para descrever uma cena comum, representada
numa única imagem e apreendida num simples olhar.
No livro infantil, a imagem pode descrever os objetos materiais com mais detalhes
que o texto escrito, pois é mais direta. Em uma única cena, a ilustração pode fornecer grande
parte da informação quanto à aparência física, personalidade e estado de espírito dos
personagens. É possível ainda informar sobre o cenário e a ação que está sendo executada na
78
narrativa. A imagem descreve o visível com maior facilidade que o texto. No entanto, verifica-se
que a linguagem verbal é bem mais eficiente na sua capacidade de articular idéias, o que, por sua
vez, constitui quase uma incapacidade da imagem que não representa um conceito, por exemplo.
Os versos tão conhecidos de Vinícius de Morais “era uma casa muito engraçada/ não tinha teto
não tinha nada/ ninguém podia entrar nela não/ porque na casa não tinha chão...” são
imaginativos, mas como ilustrar tal texto?
Necyk (2007, p. 60), ao refletir sobre a questão do tempo na imagem, pondera que o
tempo da imagem é o presente, ela desconhece o passado e o futuro – os marcadores do tempo.
Mesmo que relate uma cena no passado, a imagem é representada no seu presente, no seu
momento. Não existe a possibilidade de representar “foi”, pois mesmo uma representação do
passado é mostrada como “é”. O texto, por sua vez, expressa o tempo e a própria conjugação dos
verbos é o maior indício do tempo da ação descrita, se presente, passado ou futuro.
Conforme Brandão (2002, p.9), alguns ilustradores utilizam vários gêneros na
construção da sua obra, podendo a ilustração ser:
a representação realista e descritiva, que se prende totalmente ao texto
escrito (de caráter objetivo);
a imagem simbólica, de grafismo novo e de grande riqueza de cores, que
permite à criança exercer sua capacidade de imaginação e criação (de caráter
subjetivo, estético, social ou cultural);
por fim, aquela imagem que une as duas anteriores, conseguindo aliar os
elementos objetivos e os subjetivos, permitindo leituras múltiplas que
dependerão do repertório do leitor (parco ou vasto) e que independem da faixa
etária do indivíduo.
A representação que se prende totalmente ao texto escrito ocasiona uma redundância;
talvez se justifique pela tentativa de explicar o texto na sua objetividade. A representação de
caráter subjetivo, estético, social ou cultural, instiga o leitor a elaborar a sua narrativa pessoal, a
acrescentar conhecimentos anteriores a uma nova informação e moldar o conhecimento. A
representação que une os elementos objetivos e subjetivos proporciona uma organização do
pensamento de forma mais clara. O objetivo ajuda o leitor a completar a informação que está
subjetiva e vai depender do repertório do leitor.
No entanto, o imaginário só se desenvolve quando dispõe de experiências que se
alimentam e que se reorganizam. A narrativa imagética no livro infantil contribui para a
construção de um acervo de informações, um banco de imagens que poderão ser utilizadas em
situações interativas. Dispor dessas imagens, quando organizadas no imaginário, é fundamental
para instrumentalizar a criança na aprendizagem e na sua socialização. Com leitura constante da
79
imagem no livro infantil, a criança aprende a criar significações, a comunicar suas idéias, a
decodificar signos, expressar a linguagem e se socializar.
4.3.1 O livro de imagens ou de narrativa muda
Conhecidos como livros infantis sem texto, os livros usualmente chamados de livros
de imagens ou de narrativa muda usam apenas imagens na composição da história e permitem
uma elaboração fértil da linguagem visual. Ensinam que é possível dizer coisas sem usar
palavras. O suplemento verbal é utilizado nas partes pré-textuais e pós-textuais da estrutura
tradicional de um livro.
A seqüência lógica dos fatos que narram a história pela imagem possibilita à criança
uma habilidade de construção do início, meio e fim. Possibilita, ainda, a ordenação do
pensamento, como num quebra-cabeça que se encaixa e que, juntadas as partes, completa o todo.
Normalmente, nos livros infantis com texto, as ilustrações são mais descritivas que
narrativas. No caso do livro de imagens, uma boa ilustração se apresenta e faz ver o que no texto
não está escrito, integrando e enriquecendo a história. Dessa maneira, o enquadramento
normalmente privilegia a visão do todo, da cena completa ou daquilo que deve ser mais
importante na narrativa. As ilustrações têm seqüências e cada quadro é precedido e seguido de
outro quadro. Dessa forma, a capacidade narrativa da imagem é utilizada na seqüência das cenas
que possuem vínculos com as imagens da página anterior e da página seguinte, e um vínculo
global com toda a narrativa. A leitura dessa narrativa por meio da seqüência de cenas sugere um
texto criado pelo receptor, enquanto este visualiza as ilustrações com ampla margem de
interpretação. O texto imagético é uma transposição verbal da narrativa, e não uma tradução,
pois imagens são intraduzíveis.
No entanto, a tendência da imagem na Literatura Infantil é abrir, explorar a
interpretação; enquanto a tendência do texto é fechá-la, controlá-la ou delimitá-la. Uma narrativa
feita apenas de imagens pode dar margem a inúmeras interpretações e, a partir do momento que
não vem acompanhada de texto, faz com que o leitor feche uma versão para si mesmo, fazendo
do texto algo único, original e verdadeiro. A atribuição de sentido passa a ser de
responsabilidade de um expectador criativo.
Os elementos da estrutura narrativa precisam ser coesos e apresentar uma surpresa
para estimular o leitor a dar continuidade à leitura. É importante ressaltar que essas narrativas
necessitam de uma produção especificamente pensada. As cenas ilustradas devem ser idealizadas
80
de forma a elucidar uma série de informações que poderiam ser fornecidas verbalmente. Para
alcançar tal intuito, muitas vezes os ilustradores recorrem às convenções do cinema e das
histórias em quadrinhos (HQ).
Um bom exemplo do recurso expressivo alcançado exclusivamente por meio de
ilustrações é o livro Ida e Volta (1998). Nele, o ilustrador Juarez Machado conta uma história
onde um personagem invisível vai sendo construído mediante uma seqüência de acontecimentos
que são explorados desde a capa até a contracapa. Camargo (1995) afirma que este foi o nosso
primeiro livro só de imagens, desenhado em 1969 e publicado somente em 1975, primeiramente
em uma co-edição Holanda/Alemanha, em seguida na França, Holanda, Itália e, por fim, em
1976, no Brasil, pela editora Primor. A ilustração a seguir apresenta a capa com re-edição da
editora Agir.
Ilustração 8: Ida e Volta, Machado,1998. – Capa.
A narrativa é construída pelas pegadas molhadas (índices) e impressas pelo
personagem no seu trajeto. Não há uma descrição física através de desenho, abrindo espaço para
a imaginação do leitor. A presença do personagem é notada apenas pelas pegadas;
primeiramente, descalço e, depois, de sapatos, que são deixados no trajeto e pelas alterações
sofridas em todo o ambiente narrativo por onde ele passa. Outros personagens aparecem em
cena; o cachorro e o homem-anúncio com pernas de pau, além da velhinha e do pintor de
letreiros, que é atropelado pela bicicleta do personagem misterioso.
O cenário é composto também pela ausência de algum objeto extraído – o cabide de
roupa vazio no armário; o chapéu retirado da chapeleira; a maçã arrancada da árvore e, depois de
comida, jogada no cesto de lixo da rua; o vaso de flores que desaparece da banca do florista e, na
81
cena seguinte, vai parar nas mãos de uma velhinha; e também pelas marcas deixadas pela roda da
bicicleta, além de outros detalhes que compõem o ambiente narrativo.
O livro Ida e Volta recebeu vários prêmios nacionais e internacionais, entre eles, pela
FNLIJ, a Láurea Altamente Recomendável – Criança, em 1976 e o Prêmio Luís Jardim, na
categoria Melhor Livro de Imagem, em 1981.
Muitos autores no Brasil vêm explorando este recurso artístico de narrativa, como Eva
Furnari, Ângela Lago, Roger Mello, Ziraldo, Ciça Fitipaldi, Zélio, Cláudio Martins, Rogério
Borges, Eliardo França, Ana Raquel, Luís Camargo, Helena Alexandrino, Rubens Matuck, Ricardo
Azevedo, Nelson Cruz, Regina Rennó, Regina Yolanda, André Neves, entre outros.
4.3.2
A narrativa seqüencial: histórias em quadrinhos
Ao longo de mais de um século de existência, muitas têm sido as definições para as
HQ, que podem ser entendidas como um encadeamento entre textos e imagens, sugerindo uma
seqüência lógica, utilizando ao mesmo tempo os recursos do desenho e narrativas próprias da
Literatura, tornando-se, assim, uma técnica narrativa e não propriamente uma linguagem.
Portanto, define-se, resumidamente, que HQ é uma técnica em que textos e imagens, colocados
de forma complementar e em seqüência, tem o objetivo de contar histórias dos mais variados
gêneros e estilos.
As HQs caracterizaram-se por serem produtos de uma cultura de massa e, portanto,
nem sempre têm a assinatura presente dos profissionais envolvidos em sua produção, que
envolvem, entres outros profissionais, os da área de cores, desenho, roteiro e arte-final. A sua
produção é bem típica da produção em série, uma das facetas do capitalismo de consumo.
Eisner (1995) afirma que, durante o processo de criação de quadrinhos, os autores
conseguiram uma hibridação bem-sucedida de ilustração e prosa e a configuração geral, e a HQ
apresenta uma sobreposição de palavra e imagem, e, assim, é preciso que o
leitor exerça as suas habilidades interpretativas visuais e verbais. As regências
da arte (por exemplo, perspectiva, simetria, pincelada) e as regências da
literatura (por exemplo, gramática, enredo, sintaxe) superpõem-se mutuamente
(EISNER , 1995, p. 8).
O conhecimento e a utilização prática dos recursos narrativos das HQs, por muito
tempo publicadas apenas no formato de revistinhas – usualmente chamadas de gibis – ou de
pequenos trechos editados em jornais e revistas, foram aos poucos sendo apreendidos e
utilizados na Literatura Infantil. Essa disposição veio, principalmente, da popularidade das HQs
82
entre as crianças, pois, a princípio, as HQs consagraram-se como leituras que privilegiaram o
caráter recreativo.
A narrativa de uma HQ se dá basicamente dentro de vinhetas, que são representações
gráficas de um espaço de tempo, quadrada ou retangular, um quadro que contém as imagens da
história. O tamanho das vinhetas é diferenciado de acordo com o interesse da ação que esta
narra, com o andamento da história e com o grau de emoção a transmitir ao leitor, assim como o
tempo de leitura.
A leitura de HQ não é considerada tarefa simples. A leitura baseia-se,
fundamentalmente, na comunicação visual de elementos pré-estabelecidos, com linguagem
convencionada. Aparentemente, o texto visual é de fácil compreensão, mas a leitura efetiva só se
dará se o leitor reconhecer os diversos recursos de linguagem, pois suas convenções sugerem um
conhecimento prévio dos códigos usados na narrativa. Em outras palavras, a leitura só será
completa aos leitores que foram iniciados nessa linguagem e a ela têm acesso.
Um exemplo de convenção na HQs é o uso de balões. O balão é o espaço que
determina os diálogos ou os pensamentos dos personagens. O balão pode ser colocado em
qualquer lugar na história, porém de maneira que seja perfeitamente visualizado pelo leitor, pois
mesmo na leitura de livros infantis em HQs lê-se da esquerda para a direita e de cima para baixo.
O conteúdo dos balões pode ser constituído apenas de um sinal lingüístico ou um grafema: um
ponto de interrogação ou de exclamação, ou apenas uma letra. Estes sinais são índices de
dúvidas, surpresas, ou que o personagem está dormindo para o balão com da letra Z. A figura a
seguir apresenta alguns exemplos de balões:
Figura 8: Exemplos de balões
83
Fonte: http://www.chinitarte.com/bd5.html, acesso em 8 jan. 2008.
Na convenção, diálogos e pensamentos são representados em balões parecidos, com
uma linha contínua, a diferença está apenas na seta ou rabicho que sai em direção ao
personagem, para indicar o diálogo; enquanto que no de pensamento esse caminho é formado por
pequenos círculos ou borbulhas. Na Figura 8, os balões 1, 2 e 3 representam o diálogo, e o 4
representa o pensamento.
O sussurrar ou a fala em voz baixa é representada em balões com limites ou risos
tracejados, exemplificado pelo balão 7 na Figura 8. Este balão serve também para representar
segredos, confidências ou a voz fraca de alguém prestes a morrer.
O balão elétrico, número 6 da Figura 8, em forma de dentes de serra, pode representar
a voz saída de um robô, um grito ou uma voz ao telefone, por exemplo. O balão 5 na Figura 8
representa a voz trêmula de alguém em fim de vida ou que sente muito frio, ou, ainda,
aterrorizada.
O efeito do duplo balão é o que se pode ver na ilustração 8 da Figura 8; são dois
balões unidos por uma junção e servem para indicar que entre um balão e outro o personagem
fez uma pausa no diálogo ou mudou de assunto.
Além dos balões, podem ser destacadas as convenções: o uso de sinais gráficos como
as onomatopéias, para a tradução de um ruído específico – “POF”, “SOC”, ”TUMPT”,
“CRASH”, “SPLASH” –; as pequenas estrelas sobre a cabeça de um personagem, indicando dor
ou tontura; o uso de linhas para separar um quadro de outro e estabelecer um sentido de evolução
no tempo entre as cenas representadas; o uso de tiras para mostrar uma "voz do narrador" dentro
da história; entre outros.
Outro detalhe importante na leitura de livros infantis em HQs é o percurso visual,
que é a direção que o leitor deve seguir para acompanhar a história sem esforço e sem se perder,
dando atenção à totalidade das vinhetas e, o que é mais importante, ao centro de interesse de
cada vinheta. No entanto, o percurso visual, com a prática, torna-se algo instintivo.
Na Literatura Infantil, vários autores usam narrativas em HQs, buscando a
intertextualidade e a dinâmica apresentada na sua estrutura de linguagem verbal e não verbal.
Dessa forma, as HQs empregam uma série de imagens repetitivas e símbolos reconhecíveis para
expressar idéias similares, é essa aplicação que designa a narrativa seqüencial.
84
4.3.3 A construção de significados no contexto sociocultural
A Literatura Infantil, no Brasil, cresce com uma tendência para a retomada de
clássicos universais, de clássicos da cultura popular brasileira, de contos de fadas, de histórias
exemplares e das mitologias. Nesse conjunto, uma grande produção se direciona para o segmento
das relações no contexto sociocultural e com temas voltados para as relações interpessoais.
Multiplicam-se as edições cujas narrativas se assentam sobre o cotidiano da
sociedade, refletindo a mentalidade das crianças modernas. Schimidt (2006, p. 57) afirma que:
De qualquer maneira, ficou para trás o tempo em que cabia ao livro infantil
ensinar a escovar os dentes, atravessar a rua ou se comportar bem. Atualmente,
a vertente moralizadora do livro deu lugar ao politicamente correto, ao que
instiga a pensar no pobre, no marginal, e também na sensibilidade social, na
ecologia, na consciência da injustiça e da exclusão.
Nesta perspectiva, uma grande preocupação dos educadores está na abordagem dos
conteúdos dos livros que muitas vezes tendem a pasteurizar um tema difícil, narrando de maneira
superficial ou apresentando soluções simplistas para assuntos como a morte, a desagregação
familiar, a miséria, a sexualidade, as drogas, a violência urbana, entre outros. Se, nesta situação,
a abordagem de um tema por meio do texto escrito parece complicada, a imagem que acompanha
ou que narra uma história pode carregar ainda mais complexidade por se tratar de uma
representação semiconcreta.
As imagens no livro de Literatura Infantil voltado para temas sociais, de alguma
forma, oferecem um registro dos acontecimentos reais, espaciais, temporais e concretos das
práticas discursivas nos seus contextos. Os sentidos produzidos na leitura resultam das posições
ideológicas estabelecidas nas relações sociais. Cabe aos autores – escritor e ilustrador –
buscarem soluções de narrativas que contextualizem de forma a não agredir o imaginário
infantil, a não subestimar a capacidade de compreensão, mas de forma a conduzi-lo à reflexão.
O livro A cor da fome, como o próprio título sugere, aborda um tema social muito
polêmico e discutido: a fome. O autor do texto escrito, Jonas Ribeiro (2004), utiliza a figura de
um imigrante (Tonico) de forma poética, para retratar a fome. O personagem principal
comunica-se com a esposa (Francisca) deixada na terra natal, quando de sua busca por uma vida
melhor.
O ilustrador, André Neves, sintonizado com a “poesia” do texto, remete o leitor ao
comum e cria um cenário que é, ao mesmo tempo, simples e inovador. Bem diferente das
imagens vistas em suas outras ilustrações, Neves utiliza recortes de papel de lista telefônica em
85
todas as páginas. Combina a colagem destes recortes com desenho, dobraduras, imagens reais de
cartões telefônicos e moedas e com uma imagem de pintura em tela, que retrata a Família
Sagrada, no Natal.
Dividindo a narrativa ao meio, em única ilustração em página dupla, o ilustrador faz
um mosaico com os cartões telefônicos sobrepostos e insere, em colagem e em desenho, os
personagens principais. Os cartões telefônicos escolhidos para essa montagem abordam temas de
campanhas sociais, homenagem ao dia dos pais, fotografias de cidades, entre outros. São
símbolos do cotidiano da cidade grande e exigem uma leitura não linear, extra-textual.
Ilustração 9: A cor da fome, Ribeiro, 2004. – Página dupla.
Retratando a fome, ao lado da narrativa em que Francisca a expõe ao Tonico, estão as
dobraduras de cobras, de formatos diferentes, vindas de várias direções. O ilustrador dá forma à
“cor da fome” ou à própria fome.
Ilustração 10: A cor da fome, Ribeiro, 2004.
86
No livro A cor da fome, texto e ilustração estão em completa sintonia. Do tema social
tão complexo para a criança vem a suavidade poética, deixando uma mensagem de esperança e
de possibilidade de ser feliz, mesmo não tendo do que se alimentar. As ilustrações reforçam o
efeito gerado pelo texto, brincam e informam, tratam da cruel realidade com um toque de
esperança.
Abramovich (1997) pontua que a melhor forma de um autor abordar temas complexos
é se expressar sem reservas, sem fugir das questões principais ou fazer de conta que elas não
existem, sem destacar com muitas justificativas, às vezes confusas e não permitindo que a
criança pense e elabore a questão como ela deve ser vivida e resolvida.
Desta forma, texto escrito e imagem apresentam uma especificidade que caracterizam
os livros com um potencial de informação sem perder o caráter lúdico e literário, refletindo o
contexto sociocultural, sem apelar para o didatismo ou paternalismo, e marcam a produção de
livros infantis brasileiros que espelham esteticamente a sociedade contemporânea.
87
5
METODOLOGIA
A pesquisa descritiva procurou conhecer o fenômeno da leitura de imagens
direcionando as aplicações para a Literatura Infantil. Foi de natureza exploratória, visou à
verificação empírica de como acontece o processo de textualização da imagem no livro infantil.
Buscou-se estabelecer a compreensão de como as imagens dos livros infantis produzem sentido e
significado no receptor e quais são as suas potencialidades de leitura, de forma a estreitar as
relações do leitor com a linguagem imagética em livros de Literatura Infantil.
Partindo da preocupação com a qualidade da informação imagética e na atuação do
ilustrador nesse processo, foram realizadas entrevistas com três reconhecidos ilustradores de
livros infantis, avaliando o perfil de cada um e seus pontos de vista diante da informação
imagética.
Para essa etapa foram utilizadas duas formas de entrevistas: a narrativa (seguindo as
orientações de Jovchelovitch e Bauer, 2002) e a semi-estruturada; procurou-se entender o
processo de criação da imagem e as relações entre talento e formação técnica ao construir a
informação/ilustração. Os relatos obtidos pelas entrevistas com os ilustradores foram utilizados
como base de averiguação das intenções da criação, produção e impressões geradas na recepção,
na leitura que se faz da imagem da obra literária e artística do livro de Literatura Infantil.
A entrevista narrativa teve ênfase nas particularidades das obras de cada ilustrador,
no trajeto profissional e de formação, nas rotinas de criação, recursos gráficos e plásticos
preferidos e generalidades do meio artístico e literário.
Conforme Jovchelovitch e Bauer (2002, p. 103):
As narrativas revelam as diversas perspectivas dos informantes sobre
acontecimentos e sobre si mesmos, enquanto que perguntas padronizadas nos
possibilitam fazer comparações diretas percorrendo várias entrevistas sobre o
mesmo assunto. Além disso, uma entrevista pode percorrer várias seqüências
de narração e subseqüente questionamento. A interação entre narração e o
questionamento pode ocasionalmente diluir fronteiras entre a EN [entrevista
narrativa] e a entrevista semi-estruturada.
Valendo-se de algumas proposições levantadas no decorrer da pesquisa, a entrevista
narrativa permitiu construir um panorama do processo de criação a partir do ponto de vista de
cada ilustrador. Segundo Jovchelovitch e Bauer (2002, p. 110), a entrevista narrativa: privilegia a
realidade de experiências do informante; propõe interpretações particulares do mundo; não está
aberta à comprovação; expressa a verdade de um ponto de vista, de uma situação específica, no
tempo e no espaço; e está sempre inserida no contexto histórico.
88
Quanto à análise da entrevista narrativa, Jovchelovitch e Bauer (2002, p. 105)
afirmam que, por ser “uma técnica para gerar histórias; ela é aberta quanto aos procedimentos
analíticos que seguem a coleta de dados”; portanto, o conteúdo e a análise da entrevista narrativa
estão diluídos, sobretudo no corpo da pesquisa, por meio de informações sobre os recursos
empregados nas obras literárias; no confronto da leitura dos livros escolhidos para análise, sob o
olhar da pesquisadora, com a intenção do ilustrador no ato da criação; na exposição da trajetória
de formação e profissionalização dos ilustradores selecionados; e na descrição, resultado das
entrevistas narrativas.
A entrevista semi-estruturada teve como ênfase explorar o espectro de opiniões, as
diferentes representações sobre o assunto em questão. As perguntas do questionário (anexo)
foram elaboradas com as seguintes finalidades:
•
verificar o processo de criação da imagem em livros infantis e as relações entre
talento e formação técnica ao construir a informação/ilustração;
•
verificar o posicionamento do ilustrador na produção das imagens, sobre a
importância da ilustração no livro infantil e os parâmetros para atingir uma
ilustração de qualidade;
•
averiguar se no ato de criação o ilustrador direciona a informação ao público
infantil, se há alguma diferença em ilustrar para crianças e para adultos;
•
constatar se a fonte de inspiração ao ilustrar um livro está apenas no texto escrito
ou se há uma pesquisa, uma busca de informações sobre o tema;
•
verificar o ponto de vista do ilustrador quanto ao mercado editorial de livros
infantis, o crescimento ou não desta fatia do mercado;
•
verificar a opinião do ilustrador quanto ao uso dos recursos mediáticos, se estes
processos ajudam ou não na capacitação do leitor de imagens.
Por fim, aliando a teoria e a práxis, consistiu em apresentar a análise das imagens de
quatro livros de Literatura Infantil. A escolha dos livros foi feita por amostragem sistemática e
teve como estratégia a análise da produção literária infantil de autores e ilustradores com
premiações da Câmara Brasileira do Livro e da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil
entre os anos 2000 e 2006. No entanto, o recorte fez-se independente da produção por faixa
etária. A opção foi por concentrar a análise em livros cujos destinatários sejam crianças em
qualquer tempo do processo de alfabetização.
89
5.1 Universo da pesquisa e amostra
A produção literária infantil resulta em milhares de livros lançados por ano no
mercado brasileiro. Concorrem entre si, nesse mercado editorial, livros de boa qualidade e livros
produzidos apenas com o objetivo comercial de massa. Nesse montante, muitos livros de autores
estrangeiros são traduzidos e adaptados para a língua portuguesa.
Ao considerar a publicação de livros infantis, verifica-se que o número de elementos
existentes no universo de pesquisa é demasiado grande e, após a leitura de cerca de 200 livros
infantis, lançando mão de um julgamento elementar, foram selecionados para amostra sistemática
os seguintes livros premiados por instituições de fomento à leitura: Seca e Casulos, de André
Neves (2000, 2007); A flor do lado de lá e João por um fio, de Roger Mello (2004, 2005).
A escolha do material teve forte predominância de publicações nacionais; no entanto,
foi apresentado na pesquisa bibliográfica o livro estrangeiro O passeio de Rosinha, de Pat
Hutchins (2004), que utiliza o texto escrito como auxiliar da ilustração e não da forma mais usual
encontrada na Literatura Infantil, em que a ilustração é usada como suporte complementar para o
texto escrito. O destaque para essa obra se refere ao seu aspecto lúdico, de humor e de
expressividade infantil.
Ainda, a título de exemplo, foram apresentados alguns livros antigos no mercado, tais
como: A menina do nariz arrebitado, de Monteiro Lobato (1920), que estabeleceu um marco na
Literatura Infantil; o livro Ida e Volta, de Juarez Machado (1998), que balizou um estilo na
narrativa, ou recurso de ilustração com a narrativa apenas por imagem; Truques coloridos, de
Branca Maria de Paula (1986), ilustrado por Marcelo Xavier, que trouxe uma inovação ao usar a
massa de modelar e a fotografia como possibilidade no recurso de ilustração; As Aventuras de
Roosevelt e Rondon na Amazônia, de Guido Heleno (1990), com ilustrações de Jô Oliveira,
citado como exemplo na habilidade de construir narrativas imagéticas paralelas às narrativas
escritas, adicionando um trabalho de pesquisa em busca da representação mais próxima do real,
ou do que propõe o texto escrito; e, finalmente, para exemplificar a linguagem usada na
Literatura Infantil para temas do contexto social, A cor da fome, de Jonas Ribeiro (2004) com
ilustrações de André Neves.
A seleção buscou caracterizar a Literatura Infantil como fonte de lazer, sem a
predominância do pedagogismo e do utilitarismo, observando que esta forma não impede a
transmissão de informações e propicia o conhecimento. Os livros selecionados retratam uma
particularidade na linguagem imagética, nem sempre de fácil leitura.
90
Com relação aos ilustradores e produtores dos livros infantis, pode-se afirmar que
muitos se especializam e procuram fazer da ilustração uma arte. Outros, porém, seguem apenas a
intuição e o talento, o que pode comprometer a qualidade da obra literária infantil. Esta pesquisa
procurou cercar-se de ilustradores brasileiros reconhecidos pela excelência na arte de ilustrar. No
entanto, centenas de ilustradores estão nesta categoria e, por amostragem, em sintonia com as
obras literárias escolhidas, os ilustradores selecionados para a entrevista foram: Jô Oliveira
(Brasília), André Neves (Porto Alegre) e Roger Mello (Rio de Janeiro). O primeiro entrevistado,
Jô Oliveira, colaborou na validação do questionário em caráter de pré-teste, com o objetivo de
verificar a clareza, a consistência do instrumento de coleta de dados e se houve entendimento das
questões, além de realizar adequações que se fizessem necessárias.
5.2 Coleta de informações
A coleta de informações foi feita por meio da revisão de literatura, da realização de
entrevistas narrativas e entrevistas semi-estruturadas com ilustradores de livros infantis.
A princípio, a intenção da coleta de informações por meio de entrevistas foi
ponderada apenas para a entrevista semi-estruturada, questionário (anexo) com oito perguntas
abertas enviado por e-mail para todos os entrevistados. Porém, ao contatar alguns entrevistados e
ao ter a oportunidade de participar de palestras e de conversas informais, algumas
particularidades foram evidenciadas, oportunizando a entrevista narrativa, que permitiu aos
entrevistados desenvolverem suas opiniões e informações da maneira que estimaram
convenientes e, ainda, realizar uma coleta mais diretiva, explorando detalhes individuais de
algumas obras selecionadas para análise.
A afirmativa de Richardson (1999, p. 207) sobre o termo entrevista reflete a situação
vivenciada na presente pesquisa:
[...] construído a partir de duas palavras, entre e vista. Vista refere-se ao ato de
ver, ter preocupação com algo. Entre indica a relação de lugar ou estado no
espaço que separa duas pessoas e coisas. Portanto, o termo entrevista refere-se
ao ato de perceber realizado entre duas pessoas.
A coleta por meio da entrevista não teve como pressuposto apenas a resposta direta às
questões levantadas pelo problema da pesquisa, mas buscou alcançar a visão dos ilustradores
inseridos no fenômeno investigado. Foi necessário mais de um encontro com cada entrevistado,
91
em fases diferentes da pesquisa e, evidentemente, alguns recortes na entrevista implicaram em
nova busca de informações.
A entrevista narrativa compartilhou algumas idéias da entrevista não-estruturada e,
seguindo a orientação de Richardson (1999, p. 208) para a entrevista não-estruturada, buscaramse os objetivos em comum, para garantir a qualidade do seu registro, a saber:
• obter informações do entrevistado, seja de fatos que ele conhece, seja do seu
comportamento;
• conhecer a opinião do entrevistado, explorar suas atividades e motivações;
• tratar de um problema comum.
5.3 A leitura do ilustrador: entrevista narrativa
Para os ilustradores entrevistados, criar é basicamente compor, moldar o que já está
na imaginação. O ato criador, como nos apresenta Ostrower (1996), abarca a capacidade de
compreender, e esta, por sua vez, a de classificar, ordenar, relacionar e significar. A criação faz
parte de todo ser humano, e não apenas do artista, que possui a ação formadora inerente ao
processo de criação. A arte, a criação, implica em construção, expressão e conhecimento. Assim,
diante da ilustração, a intuição, o raciocínio e a imaginação atuam tanto no ilustrador quanto no
leitor. Mello (2002, p. 1) vê, no artista, sobretudo um leitor, e assim argumenta:
O artista recorta fragmentos, delimita, transforma, subverte, experimenta a
maleabilidade das coisas, a estabilidade do preestabelecido. O artista é um
experimentador porque lê a forma do objeto antes de ler sua função, lê os
significados sem deixar de ler as possibilidades. Antes de mais nada, o artista
é um artista porque lê.
Comparando a leitura de uma obra de arte a uma hélice, no seu incessante movimento
em que o artista lê a obra de arte atingindo o observador, que também faz a sua leitura e retorna
ao artista influenciando-o em um movimento sem fim, Mello (2002, p.1) afirma que a leitura do
olhar é dinâmica e conduz ao ponto de vista, pois, “ao direcionar o olhar, cada artista fabrica a
sua própria verdade, e muitas vezes acredita nessa verdade como única”. O artista leitor constrói
a sua verdade fundamentada nas suas experiências estéticas, nas suas leituras anteriores, nas
influências que recebe do meio e “não é à toa que a verdade individual recebe o nome sugestivo
de ‘ponto de vista’. Ao inaugurar pontos de vista, o artista percorre a complexidade do humano,
já que a arte é um instrumento de experimentação, de reflexão. A arte iguala a criança, o artista,
o filósofo e o cientista” (MELLO, 2002, p. 1).
92
É importante considerar também que a ilustração vai além das intenções do artista. O
leitor pode realizar várias interpretações tanto na dimensão subjetiva quanto na objetiva. O
ilustrador, ao fabricar a ilustração, traça linhas e contornos que vão dar visibilidade à fantasia e à
imaginação do leitor. No entanto, a leitura visual de um texto imagético nem sempre conduz à
expressividade verbal. Como argumenta Mello (2002, p. 1):
A leitura visual não se restringe a decodificar os elementos narrativos,
simbólicos, e o contexto em que se insere o objeto artístico. A imagem possui
ritmo, contraste, dinâmica, direção e, ainda, uma série de outras características
que não suportam ser traduzidas em palavras. A imagem tem lá os seus
silêncios.
A relação entre produtores e leitores de imagens se manifesta numa constante
negociação de sentidos e significados. Nos seus silêncios, a imagem interage com o mundo de
dentro e de fora de cada leitor. O silêncio não é interpretado como ausência de significação, mas
de expressão que não se verbaliza, um sentimento intraduzível. A vibração de uma determinada
combinação de cores, por exemplo, pode transmitir uma mensagem difícil de expressar.
Através da manipulação das técnicas, o ilustrador faz com que o leitor perceba os
significados desejados por ele, ou seja, a informação é tratada para ser transmitida. Usando
determinados recursos, como ângulo, enquadramento, efeitos de cor ou tonalidade e iluminação,
o ilustrador consegue realçar ou disfarçar determinados aspectos da imagem. Assim como as
palavras, a imagem pode trazer conotações e fazer da ilustração um meio de transmissão de
significados sociais capazes de estimular interpretações que não estão contidas no texto.
O ilustrador, assim como o escritor, escolhe o sentido que quer dar ao texto. Da
mesma forma que o autor brinca com as palavras para dar beleza, suavidade ou, ainda, abusa das
palavras para expressar a força, determinação ou qualquer outra característica necessária à
expressividade do texto, o ilustrador usa um repertório plástico singular que determina o que ele
quer narrar. A imagem fala do texto a seu modo, e o ilustrador escolhe o momento a ser
visualmente narrado.
Conforme a afirmação de um dos entrevistados,
muitas vezes o ilustrador pode optar por uma linguagem visual mais culta,
escolhe signos que exigem uma reflexão detalhada da obra, às vezes de difícil
compreensão para quem desconhece o repertório artístico, seja criança ou
adulto. No entanto, um novo nicho de livros mais sofisticados, pensados como
objetos de lazer e com cuidados na produção editorial, mostra que a criança
tem interesse pela arte e a obra literária a instiga a refletir sobre a forma e o
conteúdo.
93
Cada dia mais, na produção do livro infantil, percebe-se o profissionalismo do
ilustrador, que entrelaça talento e arte com pesquisa. Muitos ilustradores afirmam que, antes de
criar, buscam o estudo sobre o conteúdo a ser narrado visualmente. A informação é a molamestra para a criação.
O ilustrador Jô Oliveira é um exemplo na habilidade de construir narrativas
imagéticas paralelas às narrativas escritas, adicionando um trabalho de pesquisa em busca da
representação mais próxima do real, ou do que propõe o texto escrito. Ele trabalha com cores
fortes, traços bem definidos, mudanças de perspectiva, e consegue sobrepor detalhes que
aproximam o leitor do contexto, do clima, do tempo e do espaço sugeridos pela narrativa escrita.
Um exemplo deste estilo de ilustrar de Jô Oliveira está no livro As aventuras de
Roosevelt e Rondon na Amazônia. O texto, escrito por Guido Heleno (1990), narra,
didaticamente, a expedição científica de Theodore Roosevelt e Cândico Rondon pela selva
amazônica, desbravando o rio da Dúvida, no ano de 1913.
Para a criação imagética dos personagens e composição do cenário, considerando
que a narrativa tem por base fatos reais, o ilustrador valeu-se de pesquisa sobre os aspectos
físicos dos personagens, o vestuário, a fauna e a flora da Amazônia, entre outras. As ilustrações
mesclam-se em cores, narrando a cena delineada pelo escritor e, acompanhando o quadro onde
foi impresso o texto escrito, em preto-e-branco, foi ilustrada a representação de um animal
originário da região: sucuri, tamanduá, capivara, bicho preguiça, onça, etc.
Ilustração 11: As Aventuras de Roosevelt e Rondon na Amazônia. Heleno, 1990.
94
Percebe-se, na Ilustração 11, numa perspectiva de cima para baixo, a narrativa de um
dos trajetos da expedição com seus personagens e a interação com a selva. A ilustração apresenta
uma ampliação do discurso narrativo, visto que o leitor retirou do texto escrito a seguinte
informação:
Foram em frente, enfrentando os terríveis mosquitos, tendo o cuidado com as
sucuris, onças e as ferozes piranhas. Fala, um americano, registrava cenas com
sua câmera de cinema ou tirava fotos. Aquilo tudo era tão extraordinário.
Principalmente para quem estava ali pela primeira vez (HELENO, 1990, p.13).
O ilustrador buscou uma narrativa complementar para o texto e acrescentou histórias
à parte em uma única cena, como, por exemplo, a narrativa que se pode extrair do caçador de
borboletas que avança a mata sem perceber a presença de uma onça entre as folhagens. Esta
estratégia usada pelo ilustrador cria motivações no leitor e contribui para o acréscimo da
narrativa.
Há ainda ilustradores que, no decorrer do ofício, utilizam várias formas de expressões
ou de linguagens para narrar por meio de imagens. Alguns apresentam uma opção estética bem
definida, na formação profissional, ou de uma opção estética enquanto expressão, o que pode ser
nas Artes Plásticas, no Cartum, na HQ, ou no Desenho.
Há uma tendência em identificar as obras pelos estilos criados pelos ilustradores,
que muitas vezes deixam nítidas marcas em seus trabalhos. Jô Oliveira afirmou que costuma
ilustrar um cachorro em suas narrativas em busca de uma identidade com o leitor infantil. André
Neves segue um estilo próprio e, em seus últimos trabalhos, tem empregado uma variedade de
texturas – que dão um charme especial às edições – e criou uma marca em seus livros ao ilustrar
num único estilo os galhos retorcidos das árvores com folhas finas e compridas.
Ilustração 12: Casulos, Neves, 2007. – Galhos retorcidos.
95
Conforme André Neves, ao criar ilustrações, ele usa diferentes técnicas, e emprega
como material desde os mais variados tipos de tecidos e papéis de parede até o papel higiênico,
adicionados à tinta acrílica e a ecoline¹. O ilustrador afirmou que o resultado final é fundamental,
portanto, ele faz as provas 20% maiores que o tamanho original do livro e solicita à produção da
editora uma prova impressa para confirmar a qualidade de cor, entre outros detalhes.
Criatividade, pesquisa, percepção, experimentação, leitura do mundo, leitura de
livros: assim se pode definir a receita de sucesso dos ilustradores que buscam a qualidade da
Literatura Infantil no Brasil.
5.4 A leitura do ilustrador: entrevista semi-estruturada
Como resultado da entrevista semi-estruturada, vários pontos em acordo foram
verificados; há um senso comum quanto à importância da ilustração no livro infantil. Os
entrevistados compartilham da idéia de que a ilustração é um complemento muito forte na
narrativa do livro infantil, que ela tem a função de seduzir, principalmente, o leitor iniciante, e
segurá-lo na leitura. A ilustração desperta o interesse pelo objeto livro e, conseqüentemente, pelo
código escrito. É ainda um elemento narrativo e um outro canal que facilita o encontro com o
imaginário.
Um dos entrevistados enfatizou que a ilustração pode ser vista como um adorno, e
“ter um fator narrativo instigante, embora algumas pessoas pensem no adorno como uma coisa
menor. A ilustração pode ser um elemento de redundância do texto, um elemento complementar,
ou pode ser um elemento narrativo mais forte que o texto, ou seja, o texto adorna a ilustração”.
Quanto aos parâmetros para identificar uma ilustração de qualidade, vários aspectos
influenciam uma boa narrativa visual. Em alguns casos, a imagem não é suficiente, ela se
mistura ao design e à composição gráfica. “A definição de qualidade da imagem pode ser tão
complexa assim como é complexo definir o que é de qualidade em qualquer elemento de arte. É
evidente que existe o fator gosto, preferência e até mesmo cultura”: assim se prenunciou um dos
ilustradores ao definir qualidade na imagem de livros infantil. Em entrevista com outro
ilustrador, destacou-se a seguinte resposta:
_____________________
¹ Ecoline é uma marca comercial de uma aquarela líquida que é fabricada pela Talens, na Holanda, mas
que acabou virando um nome genérico deste tipo de tinta.
96
se ilustrar é narrar, então não basta que a ilustração seja bonita: tem que levar à
reflexão; a leitura não pode se esgotar no primeiro olhar. Mesmo que não seja
primorosa, a ilustração deve contar algo. Uma única ilustração pode trazer toda
uma narrativa, mas, na narrativa seqüencial, a boa ilustração parte da
preocupação em fazer com que o leitor seja impulsionado a passar para a página
seguinte; que ele questione: qual é a ilustração da próxima página?
Ao responderem sobre a existência de diferenças no processo de criação de
ilustrações para livros infantis e demais tipos de ilustrações, os ilustradores divergiram em
alguns pontos. Entre as respostas, foi mencionado que a ilustração do livro infantil ocupa mais
espaço que as demais ilustrações. A ilustração para a propaganda, por exemplo, pode ser única e
completa; o cartaz contém em si mesmo uma única imagem. A ilustração do livro infantil precisa
ser seqüencial; ela traz uma corrente narrativa que precisa se completar, pois possui elementos
narrativos que funcionam numa cadeia de seqüência, com a preocupação de ligar uma página à
outra. Conforme um dos ilustradores, “A ilustração do livro infantil precisa de elementos de
identificação com a criança, pois é uma composição dentro do universo infantil; faz-se
necessário pensar neste público. Mas quando a ilustração é feita para a criança, deve ser capaz de
agradar a todos”.
Para um dos ilustradores entrevistados, não existe diferença em ilustrar para crianças
ou para adultos. Assim como não existe diferença entre texto escrito infantil e texto escrito para
adulto. A diferença é, talvez, somente uma questão de adequação de linguagem: “A criança vê o
mundo à sua volta sem filtros. Cria-se estereótipos, como o uso de cores que a criança não gosta;
por exemplo, de tom pastel ou de chapado de preto”. O ilustrador afirmou que da mesma forma
que não se deve usar uma palavra ou várias palavras que dificultam a compreensão, na ilustração
também não se deve usar elementos que criam barreiras para o leitor. Isto vale para qualquer
leitor: criança, jovem ou adulto.
A respeito da existência da preocupação no ato da criação com a leitura que a criança
poderá vir a fazer da ilustração, dois ilustradores disseram que não dá para se reportar ao leitor
infantil sem interagir com a criança interna que há dentro de si. Mesmo não se preocupando com
o leitor final, o ilustrador usa a sensibilidade; se for possível provocar algo em si, será possível
provocar a mesma coisa no outro. Um dos ilustradores assim se expressou sobre esse assunto:
“Para compor, particularmente, entro na minha infância. No mundo guardado dentro de mim”.
Para eles, mesmo que no texto escrito não tenha um componente infantil, é importante trazer
97
uma imagem infantil, um elemento comum na vida da criança. O ilustrador de livros infantis não
pode perder o imaginário da infância.
Um dos ilustradores foi enfático ao afirmar que faz a ilustração para agradar a si
mesmo, que não pensa em público-alvo ou em faixa etária. A compreensão de uma imagem é
muito pessoal e depende da cultura e gosto de cada um, adulto ou criança.
Ao se reportarem sobre a origem da inspiração ao criarem para um livro escrito por
outro autor, os ilustradores responderam que o texto é a inspiração, mas é importante buscar a
pesquisa dos temas trabalhados pelo escritor, e fazer estudos dos elementos que se identificam
com tema. Como exemplo, se for um livro de um determinado período da história, é preciso
pesquisar as roupas da época, se for folclórico, é preciso estudar os detalhes da cultura de seus
personagens.
Quanto aos recursos usados pelo ilustrador para melhor expressar a linguagem
imagética, os ilustradores responderam que, assim como as estruturas lingüísticas, a imagem, nas
suas estruturas visuais, remetem-nos a uma produção de sentidos e significados. Desta forma,
levam-nos a diferentes interpretações e variadas formas de interação social. Se na linguagem
escrita ou verbal se opta entre diferentes classes de palavras e estruturas semânticas para se
expressar, na ilustração dirigida ao público infantil o ilustrador utiliza, para compor a sua idéia,
os mais variados recursos e elementos de linguagem visual, que compreendem desde a
sensibilidade ao criar até o uso das cores, do enquadramento, da composição e do contraste.
Um dos ilustradores mencionou que o uso do computador como recurso possibilita
aprimorar, em questão de minutos, os recursos de narração feitos à mão, embora o referido
ilustrador prefira o lado artesanal, o prazer de trabalhar com o pincel, de construir, do processo
do ensaio e erro, e de observação do que está pronto. Conforme um dos respondentes, a
composição é o ápice da narração. A composição pode ser por meio de elementos visuais que
assinalam para o que se quer mostrar; como exemplo, aplicar uma fila de elementos, como uma
luz ou uma cor mais forte, que, quando colocados na narrativa, apontam em direção à idéia
principal. Esses são caminhos não muito óbvios, que apontam e fazem o olho correr em direção
ao que deve ser destaque.
Em relação ao mercado editorial da Literatura Infantil, foi unânime a resposta dos
ilustradores de que existe um crescimento. No entanto, faltam bibliotecas e políticas de fomento
à leitura. Numa quantidade exagerada de produção, provavelmente muito maior que a quantidade
de consumidores, não existe uma preocupação com a formação de leitores. Para eles, existem
editoras primorosas que cuidam da apresentação do livro, e muitas outras nem tanto. Muitos
livros bons são colocados no mercado, mas também muitos livros de péssima qualidade. Um dos
98
entrevistados afirmou que as melhores edições estão dentro de pequenas editoras. Estas se
preocupam com a arte, têm visão editorial, fazem revisão com o autor e com o ilustrador. O
mercado é enganoso em relação ao que deveria ser um consumo adequado. No entanto, os
ilustradores citaram a FNLIJ e a CBL como órgãos de incentivo a produção literária.
Ao opinar sobre a globalização, a Internet e demais tecnologias que fazem as imagens
mais acessíveis, e sobre a possibilidade destes recursos mediáticos serem instrumentos de
capacitação de leitura de imagens, os ilustradores responderam que o processo de aprendizagem/
capacitação depende da orientação e da forma como é apresentado, que o uso do computador e
da Internet só contribui para o progresso, mas estes não capacitam, necessariamente. Estes
recursos são mais um elemento irreversível na vida das pessoas. Os entrevistados afirmaram que
o excesso de informação pode ser uma preocupação e que é preciso ter o cuidado de não diluir a
essência em meio a tanta informação, pois, ao passar a ter a visão globalizada, perdem-se
detalhes importantes. Concluíram que se deve criar uma identidade visual, saber o que se deve
aproveitar e o que deve ser descartado. É preciso aguçar o olhar para se defender e aprender a ler
a imagem. Para isso, existem bons profissionais de ilustração, bons escritores, editoras que
investem em parques gráficos de qualidade, bons profissionais de design e autores
contemporâneos para explorar o que há de novidade.
5.5 Sobre os ilustradores
Ao selecionar os ilustradores para a pesquisa, foi imprescindível cercar-se de
profissionais reconhecidos pela excelência na arte de ilustrar. Particularmente, o Brasil possui
centenas de ilustradores nesta categoria e, por amostragem, os ilustradores selecionados para a
entrevista foram: Jô Oliveira, que, com a sua experiência, orientou e conduziu determinados
assuntos relevantes para a pesquisa; André Neves e Roger Mello, que aceitaram o desafio de
leitura e análise de suas obras.
Faz-se necessário conhecer o trajeto de formação destes ilustradores e a trajetória que
percorreram para alcançar o resultado de trabalhos reconhecidos e devidamente premiados.
O ilustrador Jô Oliveira é pernambucano de Itamaracá. Atuou como jornalista,
professor do Instituto de Artes da UnB e técnico em Comunicação Visual. Ilustrou vários livros
didáticos e infanto-juvenis, como Kuarup - A Festa dos Mortos e a versão de Alice no País das
Maravilhas, de Lewis Carroll, pela qual recebeu o Certificado de Altamente Recomendável da
99
FNLIJ, na 58ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, em 1998. São dele também as
ilustrações para centenas de selos dos Correios.
Jô Oliveira publicou diversas HQs e mais de 20 livros no Brasil e no Exterior: Itália,
Grécia e Argentina, entre outros. Muitos desses livros de autoria própria e outros em parceria
com outros escritores, entre eles: O Papagaio Bravo, texto de Gueorgui Konstantinov, da editora
Balgarski Pisatel (Bulgária); Bumba Meu Boi, publicado pela Escola Superior de Artes
Industriais da Hungria; Compare Gatto Impara la Lezione, da editora Quadragono Libri (Itália) e
editora José Olympio (Rio de Janeiro); Cangaceiros: Ballata Tragica, texto de Mario Fiorani,
editado em três línguas: italiano pela editora Quadragono Libri, francês pela Editions Cimarron
(Paris) e alemão pela editora Arena - Verlag; L’Uomo di Canudos, com texto de Wanderley
Diniz, pela editora Cepim (Itália) e a 2ª edição pela Hobby & Work italiana editrice; As
Aventuras da Família Tamanduá, texto de Nira Foster; A Guerra do Reino Divino, H.Q.,
Pasquim; A Lenda da Noite; O Pavão Misterioso; Maurício de Nassau, texto de Guido Heleno;
Hans Staden - O Aventureiro do Novo Mundo; As Aventuras de Roosevelt e Rondon na
Amazônia, texto de Guido Heleno; Zé Caré em Busca do Rabo Perdido, texto de Carlos Gentil
Vasconcelos; Bernardo Sayão e o caminho das onças, texto de Pedro Tierra.
O ilustrador André Neves nasceu em Recife e mora em Porto Alegre, onde trabalha
pesquisando, escrevendo e ilustrando livros infantis. Formado em Relações Públicas e em Artes
Plásticas, é também um arte-educador que percorre o Brasil promovendo palestras e oficinas
sobre Literatura Infantil e Juvenil. Participou do curso de ilustração para infância em Sarmede,
na Itália. Em 2002, seu trabalho como ilustrador do livro Sebastiana e Severina foi selecionado
para a mostra itinerante “XX Mostra Internazionale d’ Illustrazione per I’infanzia Stepan Zavrel”
na Itália. Entre os prêmios recebidos, contam o Prêmio Luís Jardim, da FNLIJ; Prêmio Jabuti
2003 e o Prêmio Açorianos 2004 de melhor ilustração. Em 2002, participou da La Immagini
Della Fantasia, mostra internacional de ilustração infantil. É autor e ilustrador dos livros
infantis: Um pé de vento; Caligrafia e Dona Sofia; Colecionador de Pedras; O enigma das
caixas; Menino chuva na rua do sol; Mestre Vitalino; O ovo e vovô; A seca; O segredo da arca
de Troncoso; Uma história sem pé nem cabeça; Vira, vira, vira lobisomem; Maria Peçonha;
Sebastiana e Severina, entre outros. Ilustrou para reconhecidos escritores como Mario Quintana,
Bartolomeu Campos de Queirós, Elias José e Jonas Ribeiro, entre outros.
O ilustrador Roger Mello nasceu em Brasília e mora no Rio de Janeiro. É artista
plástico, dramaturgo, ilustrador e autor de livros infantis. Formou-se em Desenho Industrial e
Programação Visual, pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ e ilustrou cerca de
100 livros. Trabalhou ao lado de Ziraldo, na Zappin, e também se dedicou ao desenho animado:
100
cursos no Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial - SENAC, na UERJ e no grupo
Animation, com a equipe do National Film Board, do Canadá. Na televisão, fez as vinhetas de
encerramento da novela Vamp, para a TV Globo, além de diversas participações na TV
Educativa do Rio de Janeiro, nos programas Canta Conto e Um Salto Para o Futuro. É autor dos
livros: Maria Teresa; Griso, o unicórnio; Bumba meu boi bumbá; A flor do lado de lá; Uma
história de boto-vermelho; A pipa; O gato Viriato; Viriato e o leão; O próximo dinossauro; Em
cima da hora; Cavalhadas em Pirenópolis; Meninos do mangue; Vizinho, vizinha; Todo cuidado
é pouco; Desertos; João por um fio; Zubair e os Labirintos. Ilustrou cerca de 60 livros de
autores brasileiros, entre eles Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Ana Maria Machado, José
Louzeiro e Jorge Amado. Roger Mello teve seus trabalhos incluídos em feiras internacionais de
Ilustração e Literatura como as de Bolonha, Gotemburgo, Catalunha e Frankfurt. Recebeu da
FNLIJ os prêmios Malba Tahan, Luís Jardim, Ofélia Fontes, Melhor Ilustração e 15 prêmios
Altamente Recomendável. Recebeu ainda outros prêmios como o Jabuti de Ilustração; o
Especial Adolfo Aizen; pelo Conjunto da Obra, da União Brasileira de Escritores - UBE; o
Monteiro Lobato; o Adolfo Bloch. Recebeu por duas vezes o selo White Ravens da Biblioteca
Internacional de Munique.
101
6 ANÁLISE DE LIVROS DE LITERATURA INFANTIL
Após a visão geral a respeito da informação veiculada pela imagem, da representação
da própria imagem, da leitura na Literatura Infantil e, especialmente, dos diversos meios
utilizados na tarefa de leitura da imagem, faz-se necessário a aplicação de tais conhecimentos.
Um dos aspectos a ser diferenciado na leitura da obra artística em comparação à
imagem da Literatura Infantil é quanto à análise da ilustração no que se refere a estilos e
técnicas, condições históricas e culturais, linguagem plástica empregada, contexto histórico do
autor – que talvez sejam complexos demais para a criança. Sobretudo, as aplicações de leitura
nesta pesquisa podem ser adaptadas ao olhar da criança e às suas condições cognitivas.
Capeller (1998) sugere a leitura a partir da análise da obra artística; Feldman (1970)
propõe etapas de leitura para apreensão do objeto artístico; Santaella (1983), a partir do estudo
da Semiótica de Peirce, analisa os fenômenos sugerindo três faculdades; e o próprio Peirce
(2000), aprofundando a teoria dos signos, estabeleceu três categorias universais que podem
nortear a leitura conforme teceram os demais autores.
O quadro a seguir apresenta e sintetiza as metodologias para a leitura de imagens,
conforme os autores Capeller (1998), Feldman (1970) e Santaella (1983), com o propósito de
realçar os parâmetros a serem seguidos para a leitura das imagens das obras literárias infantis.
Quadro 7 – Sugestões de metodologia de leitura do livro infantil
Autor
Metodologia de leitura
Capeller (1998)
Análise da forma, motivo e tema.
Feldman (1970)
Cumprimento de etapas: descrição, análise formal,
interpretação e julgamento.
Santaella (1983)
Avaliação da capacidade contemplativa, de saber distinguir e
discriminar, de generalizar as observações em classes ou
categorias.
Ao adaptar as etapas de Feldman (1970) à leitura de imagens na Literatura Infantil às
categorias de Peirce (2000), observou-se que há uma relação entre elas; que as categorias de
102
primeiridade, secundidade e terceiridade seguem, necessariamente, as etapas de Feldman (1970).
O quadro a seguir apresenta a síntese da conclusão:
Quadro 8 – Relação entre as etapas de Feldman e as categorias de Peirce.
Categorias de Peirce
Etapas de Feldman (1970)
Primeiridade
Descrição.
Secundidade
Análise formal e interpretação.
Terceiridade
Julgamento.
Ao apreciar essas aproximações e a elaboração do seu corpo textual para a análise de
imagens e, em especial, as dos livros infantis, faz-se necessário, desenvolver algumas
ferramentas conceptuais para uma abordagem sistemática dos sistemas de signos, com a
finalidade de desvendar como eles produzem sentido. Portanto, amparado pelo roteiro sugerido
por Penn (2002) para a Análise Semiótica de Imagens Paradas, foi possível esquematizar a
leitura de imagens nos livros infantis, de forma a padronizar a análise. O quadro a seguir
apresenta os estágios para a análise das imagens:
Quadro 9 – Roteiro para a Análise Semiótica de Imagens Paradas
Estágio
Metodologia
Primeiro
Escolha do material.
Segundo
Inventário denotativo das imagens.
Terceiro
Inventário conotativo, análise de níveis de significação mais altos.
Quarto
Elaboração do relatório.
No primeiro estágio, a escolha das imagens para serem analisadas, Penn (2002,
p. 325) afirma que a escolha dependerá do objetivo do estudo e da disponibilidade do
material; que, se o propósito da análise for apresentar uma explicação de uma amostra
representativa, deve-se empregar uma amostra apropriada, de preferência randômica, em
que se extrai de uma população uma amostra representativa de todo o universo,
proporcionando a cada um dos elementos igual probabilidade de ser escolhido.
No entanto, a pesquisa por amostragem sistemática, em que a seleção dos elementos
da amostra é feita por um sistema imposto pelo pesquisador, foi a opção viável para os objetivos
propostos e a efetivação da análise de alguns livros de autores e ilustradores premiados entre os
anos de 2000 a 2006, nas instituições FNLIJ e CBL.
103
Na pesquisa, foi fundamental analisar o projeto gráfico e o estilo utilizado na
produção desde o material à ocupação dos espaços. Há, muitas vezes, livros de capa dura e boa
encadernação, e com textos e ilustrações pobres. Nem sempre o investimento com a apresentação
do livro, sua materialidade, representam uma obra de qualidade literária. Portanto, na escolha,
observou-se a apresentação física do material e, para contemplar este estágio, optou-se por
descrever o material apresentando-o por meio dos itens: título, autor, editora, ano de publicação,
prêmios recebidos e características físicas do livro.
O segundo estágio, de inventário denotativo das imagens, consiste em identificar os
elementos no material, listando sistematicamente, ou fazendo anotações no traçado da ilustração.
Segundo Penn (2002, p. 326), “a abordagem sistemática ajuda a assegurar que a análise não seja
seletivamente auto-afirmativa”. Para o inventário denotativo, basta a catalogação do sentido
literal do material e o conhecimento da linguagem escrita e falada. Esse estágio compreende a
listagem da linguagem dos elementos textuais e lingüísticos e dos elementos visuais da imagem.
No terceiro estágio, constrói-se um inventário conotativo a partir do inventário
denotativo, buscando significados correspondentes de níveis de significação mais altos. A
relação de significação entre o signo e o conceito que ele representa pode ser objetiva ou
subjetiva – ou seja, pode ser denotativa ou conotativa. Nesse estágio, buscam-se associações, a
relação de elementos, correspondências internas, contrastes, etc. No âmbito da conotação, o
leitor/analista necessita de conhecimentos culturais para ir além da interpretação da imagem.
Na leitura dos signos, de acordo com a sua tipologia, são feitas as leituras: icônica ou
de imagens, indicial ou de indícios, simbólica ou de símbolos.
A leitura icônica é a mais imediata e evidente, pois o ícone (representante) tem uma
semelhança com o representado. A ilustração de um cachorro lembra o animal cachorro e tem
semelhança com ele. O retrato de uma casa permite a leitura de reconhecimento de uma casa. O
ícone, pela semelhança com o referente, cultiva seu significado mesmo tendo uma distância do
objeto representado. As ilustrações dos livros infantis, geralmente, são representações por meio
de ícones, que apresentam o objeto no todo ou em parte.
A leitura indicial sugere um possível relacionamento direto ou próximo do
representante com o representado. São as pistas deixadas nas ilustrações que denunciam uma
ligação com o objeto. O uso de índices em várias ilustrações pode ser, por exemplo, a colocação
de pegadas de um animal, indicando que por ali ele passou, a posição do sol para sinalizar o
amanhecer ou o entardecer, o uso da perspectiva para indicar a distância entre os objetos, as
expressões faciais de um personagem que denotam alegria ou tristeza.
104
A leitura simbólica gera uma complexidade por não existir uma ligação real entre o
representante com o representado. Exige-se uma convenção para que seja lida. É preciso
aprender ou descobrir o código; como exemplos, as letras impressas no livro e o desenho de um
personagem com o indicador na boca sinalizando o silêncio.
No entanto, um único signo pode ser ao mesmo tempo ícone e índice, ou ícone e
símbolo, ou índice e símbolo, ou os três simultaneamente. No exemplo das expressões faciais de
um personagem que indicia que ele está alegre também há o recurso do símbolo que foi
convencionado de que os cantos da boca voltados para cima representam o sorriso e, este, a
alegria. Um retrato que é tipicamente um ícone pode apresentar índices e símbolos: por exemplo,
a representação de uma casa com chaminé de onde sai uma fumaça traz o indício de que dentro
dela há uma lareira acesa, com fogo. Essa imagem pode estar simbolizando uma região durante o
inverno.
Assim, encontram-se, nas ilustrações dos livros infantis, ícones, índices e símbolos,
que conferem ao livro, além do seu valor estético, uma pausa necessária para o devaneio e,
conseqüentemente, para a organização do pensamento. De acordo com o nível de leitura do
leitor, essa pausa leva à construção da informação.
Portanto, a leitura de níveis mais altos de significação refere-se às associações
trazidas à mente no ato da leitura e as relações entre os elementos da imagem. O âmbito da
conotação exige conhecimentos culturais específicos para ir além da interpretação denotativa,
que leva à simples listagem dos elementos que compõem a imagem.
Contudo, Penn (2002, p.331) conclui que “o processo de análise nunca se exaure e,
por conseguinte, nunca está completo”, há sempre uma nova forma de ler uma imagem e, para
fins práticos, o analista declara a análise terminada a certa altura.
O quarto estágio corresponde à apresentação dos resultados de análises semióticas,
em forma de tabelas ou pela narrativa discursiva. O ideal é fazer referências a cada nível de
significação, identificado tanto no texto como na imagem, denotação e conotação, e o
conhecimento cultural exigido a fim de produzir a leitura.
Nos livros de Literatura Infantil com texto escrito, a coerência das imagens com o
texto é fundamental. No entanto, procura-se detectar se há uso criativo das figuras de linguagem,
como metáforas visuais, a metonímia (um objeto retratado por uma das partes) e a personificação
(atribuir vida a coisas inanimadas).
Nesse estágio, deve-se observar se a obra como um todo expressa sentimentos.
Oliveira e Garcez (2004, p. 40) sugerem que “não é suficiente ver, é preciso perceber por meio
da sensibilidade e intuição” e, então, lançar mão da memória para trazer o conhecimento acerca
105
do tema ou assunto que apresente semelhanças com o objeto em análise. Além disso, é preciso
ter uma base prévia de informações, permitindo saber quais são as partes componentes do objeto
analisado para, em seguida, decompô-lo no processo de análise.
O analista necessita do conhecimento técnico, assim como da observação da
dimensão social, cultural, criativa e psicológica que a obra carrega em si, mesmo que
inconscientemente, construída pelo autor no ato de criação. As etapas de leitura compreendem a
descrição, a análise formal, a interpretação e o julgamento. No entanto, esta leitura/análise parte
da interação descrita por Giasson (1993): leitor, texto e contexto. A análise carrega todas as
experiências de leitura, únicas e pessoais, da leitora/pesquisadora.
Penn (2002, p. 334) pondera que a leitura da imagem traz a subjetividade como
característica de leituras idiossincráticas e culturalmente partilhadas: “Algumas leituras, tanto
denotativas como conotativas, serão mais ou menos universais, enquanto outras serão mais
idiossincráticas”. Portanto, a imagem limita o potencial de leitura do semiólogo. “O que será
mais importante para o analista não é o idiossincrático, mas as associações e os mitos
culturalmente partilhados que os leitores empregam” (PENN, 2002, p. 334).
No entanto, a habilidade do analista milita contra a possibilidade de estabelecer
consistência e fidedignidade. Penn (2002, p.336) questiona a importância da explicação do
semiólogo, visto que o leitor não se entretem no dia-a-dia com a análise meticulosa e sistemática
da imagem. Em seguida, argumenta que “uma resposta poderia ser a precisão: a explicação
semiológica afina e torna explícito aquilo que será implícito na imagem”. As referências que são
muito precisas numa imagem podem distrair o leitor da ação mítica ou cultural que uma imagem
está reservada a cumprir, e o semiólogo desempenha um valioso trabalho ao atentar para a
natureza construída da imagem.
6.1 Roteiro para a análise das imagens no livro infantil
Ao descrever os procedimentos de análise da imagem, Oliveira e Garcez (2004, p. 38)
destacam que:
Analisar é desenvolver e aprofundar a observação. De uma percepção mais
geral, o analista segue para a decomposição das partes do objeto observado.
Para isso utiliza-se de um método apropriado a cada objetivo. O método é uma
espécie de roteiro a ser seguido na análise dos elementos que compõem o
objeto.
106
Partindo desse pressuposto, e considerando as orientações de Penn (2002) para o
roteiro da Análise Semiótica de Imagens Paradas, desenhou-se um roteiro adaptado para a
análise de livros infantis.
Quadro 10 – Roteiro para a análise dos livros infantis.
Primeiro estágio:
•
Título;
escolha do material
•
Autor;
•
Editora;
•
Ano de publicação;
•
Prêmios recebidos;
•
Características físicas do livro.
•
Identificação dos elementos da narrativa;
Segundo estágio:
inventário denotativo das •
Descrição dos elementos textuais, lingüísticos e visuais.
imagens
Terceiro estágio: inventário
conotativo,
análise
altos.
Quarto estágio: elaboração
Identificação
de
significados
correspondentes
à
associações, a relação de elementos, correspondências
de
níveis de significação mais
do relatório.
•
internas, contrastes, etc.;
•
Identificação de ícones, índices e símbolos.
•
Descrição da análise semiótica.
A descrição dos elementos dos textos será fundamentada nas cenas ou cenários que
compõem as seqüências da narrativa. Para cada cena apresentada se realiza uma análise
buscando informações de maior significado para o contexto da narrativa como um todo. Por se
tratar de livros e conjuntos de imagens, não é viável se ater em cenas isoladas, explorando
extensamente uma única imagem, mas identificar os elementos que se correlacionam com o
tema/objetivo da narrativa.
107
6.2 Livros analisados
Optando por analisar uma amostragem do que há de melhor na produção literária
infantil, analisou-se as obras premiadas e de grande expressão no mercado editorial brasileiro.
Mas, sobretudo, estas obras consistiram uma forma de provocação na leitora/pesquisadora ao
estabelecer uma experiência dialógica e subjetiva. As narrativas são abertas e dão oportunidades
ao leitor de entrar e dar forma, de desvendar o não dito e de buscar novas significações.
Embora defendendo a Literatura Infantil como fonte de lazer, sem a predominância
do pedagogismo e do utilitarismo, é notório que qualquer manifestação artística carrega
informações que conduzem ao conhecimento. Portanto, de forma lúdica, os livros aqui
analisados retratam um terreno mais abrangente, como os sentimentos e os temas atuais e
importantes na formação da criança: seca, trabalho, solidão, esperança, medo, relacionamentos
sociais, fantasia e brincadeiras, entre outros.
Um outro aspecto importante na escolha do material para análise incidiu no emprego
das diferentes técnicas de criação e produção de sentidos, como as texturas, os contrastes de luz e
sombra, os brilhos e as combinações de cores, a profundidade e a perspectiva, o movimento e
demais elementos constitutivos das imagens. As cenas exploram os vários ângulos de visão,
aproximando e distanciando o leitor da narrativa, apresentando cenários de frente, de costas, de
lado, como se o leitor estivesse assistindo a um filme. Os recursos empregados nas ilustrações
encerraram narrativas mais fluentes e poéticas.
Observou-se, ainda, em cada obra analisada, o projeto gráfico, desde o acabamento
necessário à boa apresentação da obra, quanto aos tipos de papel, distribuição e ocupação das
ilustrações nas páginas, diagramação, cortes gráficos e paginação. Os projetos destas obras
primaram pela excelência e condução ao que é surpreendente e inovador.
6.3 Análise 1 – Seca
PRIMEIRO ESTÁGIO: Escolha do Material
•
Título: Seca;
•
Autor: André Neves;
•
Editora: Paulinas – São Paulo;
•
Ano de publicação: 2000;
•
Prêmio recebido: Prêmio Luis Jardim da FNLIJ/2000 como melhor livro de imagem.
108
•
Características físicas do livro: formato quadrado, 21 x 21 cm, em cores, livro de imagens.
Para criar a ilustração, o autor utilizou a técnica do pastel-seco, um tipo de lápis que dá um
efeito parecido com o do giz de cera. Com esta técnica as páginas ganharam um colorido
especial, forte e atraente aos olhos do leitor.
Ilustração 13: Seca, Neves, 2000.– Capa.
SEGUNDO ESTÁGIO: (inventário denotativo das imagens)
• Identificação dos elementos da narrativa: crianças nordestinas, casal nordestino, barcos de
papel, lunetas, latas d’água, sol, agreste, cactos, açude; a folha de rosto apresenta a ilustração
de três crianças sorrindo e de mãos dadas, cada uma com uma lata d’água na cabeça e, nos
pés, sandálias de dedo.
Ilustração 14: Seca, Neves, 2000. – Folha de rosto.
109
• Descrição dos elementos textuais, lingüísticos e visuais:
A narrativa é descrita por seqüências que ocupam página dupla para cada cena
apresentada. Na cena 1 (Ilustração 15), observa-se três crianças dentro de barcos de papel que
flutuam em um rio; cada criança possui uma luneta e elas miram à frente.
Ilustração 15: Seca, Neves, 2000. – Cena 1.
Mudando as posições do barco, dando idéia de movimento, nos cenários 2 e 3
(Ilustrações 16 e 17), as crianças olham algo que está próximo, abaixo do barco de papel, no rio;
primeiramente com expressões descontraídas e, depois, com espanto, como se vissem algo
surpreendente.
Ilustração 16: Seca, Neves, 2000. – Cena 2.
110
Ilustração 17: Seca, Neves, 2000. – Cena 3.
Na cena 4 (Ilustração 18), cada barco com sua respectiva criança aparecem dentro de
latas d’água separadas e carregadas por três pessoas, que são identificadas apenas pela ilustração
de uma das cabeças e par de mãos que sustentam a lata (o corte da ilustração se faz no meio da
cabeça de uma delas). Elas caminham em uma estrada de terra sob um forte sol.
Ilustração 18: Seca, Neves, 2000. – Cena 4.
111
Na cena 5 (Ilustração19), as mesmas crianças que ocupam os barcos aparecem entre
um homem e uma mulher, caminhando de costas, cada uma com a sua lata d’água e barco de
papel. O casal também carrega latas d’água; o homem com um chapéu de palha e a mulher com
um lenço na cabeça.
Ilustração 19: Seca, Neves, 2000. – Cena 5.
A cena 6 (Ilustração 20), dando continuidade a seqüência anterior, apresenta uma
cena completa: uma estrada com uma árvore e cactos à beira da estrada e os personagens
caminhando em direção ao sol.
Ilustração 20: Seca, Neves, 2000. – Cena 6.
112
A cena 7 (Ilustração 21) apresenta o objetivo do grupo. É o centro da narrativa, com
os mesmos personagens de costas para o leitor e diante de um pequeno açude com águas
esverdeadas.
Ilustração 21: Seca, Neves, 2000. – Cena 7.
A cena 8 (Ilustração 22) muda o ângulo de visão e os personagens se posicionam de
frente para o leitor, duas crianças brincam com seus barcos de papel, uma outra acompanha os
adultos, enchem suas latas d’água, ou se preparam para esta tarefa.
Ilustração 22: Seca, Neves, 2000. – Cena 8.
113
A cena 9 (Ilustração 23) elucida somente as crianças agachadas à beira do açude;
assumem novamente o núcleo da narrativa. Elas estão com suas latas em volta e cada uma segura
o seu barco de papel, preparando-se na intenção de soltá-los no açude.
Ilustração 23: Seca, Neves, 2000.– Cena 9.
Finalizando, a cena 10 (Ilustração 24) apresenta, em primeiro plano, os barcos
deixados no açude e, em segundo plano, mais distante, os personagens indo embora. As crianças
e a mulher estão com suas latas d’água na cabeça e o homem carrega sobre os ombros um
pedaço de pau, tendo nas extremidades uma corda com uma lata amarrada. Nos barquinhos de
papel-jornal, com os quais as crianças brincavam, destacam-se palavras e textos com uma leitura
parcial do conteúdo. Tais textos reportam a letras de canções nordestinas, como a conhecida Asa
Branca, de Luiz Gonzaga; os nomes dos estados do nordeste e de outros estados do Brasil;
poesias e matérias jornalísticas pesquisadas por Neves (2000) e que falam dos problemas
causados pela seca na vida dos nordestinos.
Ilustração 24: Seca, Neves, 2000. – Cena 10.
114
A narrativa acontece através das ilustrações; no entanto, no verso da falsa folha de
rosto (Ilustração 25) foi inserido em movimento um verso/ilustração de João Cabral de Melo
Neto:
“Desde que no alto sertão um rio seca. A vegetação em volta, embora unhas, embora
sagres, integráveis e agressivas, faz alto à beira daquele rio tumba”.
Ilustração 25: Seca, Neves, 2000. – Verso da falsa folha de rosto.
TERCEIRO ESTÁGIO: Inventário Conotativo, Análise de Níveis de Significação Mais Altos.
As ilustrações do livro Seca foram feitas com cores quentes, vibrantes, numa sintonia
com a temperatura da narrativa. De certa forma, o colorido ajuda a amenizar o desconforto
causado pelo tema da narrativa, que parece muito rude para se apresentar a uma criança.
Nas primeiras cenas (Ilustrações 15, 16 e 17), as imagens apresentam elementos
lúdicos infantis: barcos feitos de papel e lunetas. O barco de papel é um componente corriqueiro
nas brincadeiras das crianças e de fácil confecção. Tem a simbologia de viagem e de sonho.
Suscita o sentimento de partida, de saída do comum para o desconhecido e para a aventura. As
lunetas podem simbolizar o futuro, o ver mais além, a atitude das crianças de exploração e de
curiosidade.
Das crianças, personagens principais, representadas por uma menina e dois meninos,
emana uma intenção de empatia com o leitor; são crianças humildes que, na inocência peculiar a
esta fase, buscam na brincadeira a descoberta do mundo. Navegam dentro dos barcos de papel
que elucidam suas histórias. Os papéis dobrados trazem as reportagens que retratam a dureza
com que a seca castiga os nordestinos, mas os barcos também trazem fragmentos dos versos da
canção popular, uma forma de amenizar a situação de sofrimento. Tanto a canção como as
reportagens são formas de catarse. Em um dos barcos está impressa uma matéria jornalística com
a seguinte informação: “(...) a situação na área seca é tenebrosa. A fome está apenas começando
115
em alguns municípios mais castigados. Mas deve piorar; não há sinal de chuva nem previsão de
que venha”.
Observa-se, nas duas primeiras cenas (Ilustrações 15 e 16), um sorriso nos rostos das
crianças; elas brincam e a brincadeira ajuda a esquecer as dificuldades da vida. Ao olhar pela
luneta, elas talvez procurem outros barcos de papel com histórias mais otimistas, o que
demonstra uma atitude de esperança.
Na cena 4 (Ilustração 18), as crianças estão em seus barcos, separadas em latas
d’água diferentes. Por meio de suas lunetas, olham para baixo e adquirem uma expressão triste: é
o retorno ao mundo real. Como se revela nas cenas seguintes (Ilustrações 19, 20 e 21), elas estão
dentro das suas próprias latas, sendo carregadas por elas mesmas e olham para dentro de si
mesmas e despertam para a realidade. Caminham eretas, para não se desequilibrarem e para não
deixar que caiam suas latas e seus barcos de papel com suas histórias.
O amarelo intenso estampado no horizonte predomina nas cenas de 4 a 6 (Ilustrações
18, 19 e 20), contrastando com o vermelho da terra e indicando o forte sol. Os personagens
formam uma jovem família, todos com silhuetas alongadas, o que evidencia a escassez de
comida.
Em uma única cena (Ilustração 22) aparece parte da fisionomia do pai com um
chapéu sobre a cabeça cabisbaixa; o ilustrador deixa aparente apenas o nariz e o bigode. A mãe,
na mesma cena, aparece curvada sobre uma lata, numa posição em que expressa disposição para
o trabalho, enquanto as crianças brincam com seus barcos de papel. Há uma diferença no
formato das latas: as dos adultos são arredondadas, em formato de baldes e de cores lisas; as das
crianças, retangulares e coloridas, como as latas de tinta de parede. As latas das crianças, porque
menores, diferenciadas e coloridas, sugerem um esforço menor por parte das crianças, uma
brandura no árduo ofício ao qual foram designadas. A menina está sentada na sua lata segurando
o seu barco na altura dos olhos, como se estivesse conversando com ele, ou até se despedindo.
Um dos meninos, ajoelhado diante da lata, ajeita o seu barco, reforçando-o para que não se
desmanche na água e não se perca com ele o sonho. O outro menino, também ajoelhado, mas
quase de encontro ao chão, tem o seu barco de lado e se preocupa, no momento, em encher a sua
lata com água, suprir a sua real necessidade.
A cena seguinte (Ilustração 23) retrata uma despedida: as crianças, agachadas à beira
do açude, estão prontas para depositar na água os seus barcos e os seus sonhos, parecem
confiantes na viagem que os barcos vão fazer. E, finalizando a narrativa (Ilustração 24), observase os barcos de papel em primeiro plano, com as letras impressas em destaque: é a representação
116
das histórias do povo nordestino. A água, num tom de verde mais escuro, revela a pouca
profundidade. Em segundo plano, a família aparece indo embora, com suas latas d’água. Duas
das crianças estão de mãos dadas, num gesto de companheirismo e amizade. Além da terra
vermelha, vê-se um horizonte amarelo intenso: a seca continua.
QUARTO ESTÁGIO: Elaboração do Relatório
A seqüência da narrativa do livro Seca vai sendo ampliada aos poucos: primeiro
mostrando os sonhos, um mundo particular infantil de brincadeiras e fantasias, para em seguida
apresentar a difícil realidade de uma família nordestina.
Para introduzir o leitor na narrativa, o autor ilustra um fragmento do poema Na morte
dos rios, de João Cabral de Melo Neto, que na poesia-imagem, retrata em versos ásperos o
cenário sertanejo quase como um deserto, de modo que o leitor imagine a natureza dura e rústica
de uma população sofrida: “Desde que no alto sertão um rio seca. A vegetação em volta, embora
unhas, embora sagres, integráveis e agressivas, faz alto à beira daquele rio tumba”.
Usando o recurso cinematográfico, por meio de cenas que se ajeitam por planos, a
história retrata a cruel realidade das crianças nordestinas, vítimas da seca e da fome, ao mesmo
tempo em que apresenta a perspectiva da criança no brincar e no fantasiar. Compondo o
imaginário infantil, o livro evidencia uma narrativa psicológica não linear, o que leva o leitor a
uma compreensão completa do texto apenas ao final da leitura das imagens.
A história tem como personagens principais três crianças, mas participam também da
narrativa um homem e uma mulher, provavelmente, os pais das crianças. A família está em
busca da água para se manter e as crianças também vêem a possibilidade de brincar com seus
barquinhos feitos de jornal. Elas olham para várias direções com suas lunetas para ver mais além.
Em uma das cenas elas encontram algo: são elas mesmas, carregando as latas na cabeça.
A seguir, como se a cena abrisse, vê-se a família toda caminhando em direção a um
açude para buscar água. Sob um forte sol e muito calor, a família pára à beira do açude para
abastecer suas latas. O açude está secando.
O ilustrador, sutilmente, muda o ângulo de visão, como se girasse o cenário em 180
graus, muito bem retratado pela incidência de luz sobre os personagens gerando as sombras no
chão, pela posição de frente e a ausência do ícone do sol. O ilustrador usa, em todas as cenas, um
amarelo forte no horizonte representando a luminosidade do dia e o calor. Os recursos de luz e
sombra estão presentes nas ilustrações compondo formas, volumes e perspectivas.
A família alcança o seu objetivo: encher as latas com água. Enquanto os pais
trabalham, as crianças brincam com seus barcos e suas latas. Depois da brincadeira, as crianças
117
despedem-se dos seus brinquedos e os barquinhos são deixados na água. É como se deixassem
ficar os sonhos, a brincadeira, a fantasia e, assim, a família segue o caminho de volta para casa.
Por meio da evolução de cada cena, aumentando ou diminuindo o enquadramento das
imagens que ocupam páginas duplas, as ilustrações vão revelando a realidade na qual estão
inseridos os personagens, evidenciando a capacidade humana de imaginar e de brincar,
principalmente na ingenuidade infantil, pois a criança, apesar de todas as adversidades naturais,
não deixa de fantasiar.
6.4 Análise 2 – Casulos
PRIMEIRO ESTÁGIO: Escolha do Material
•
Título: Casulos;
•
Autor: André Neves;
•
Editora: Global – São Paulo;
•
Ano de publicação: 2007;
•
Características físicas do livro: a começar pelo projeto gráfico, o livro Casulos sugere
a investigação. Num formato quadrado grande, de 23 x 23 cm, suas páginas se abrem
no sentido vertical e possui uma charmosa orelha que pode ser aberta e sobreposta à
capa, ou embutida na encadernação. O ilustrador usa texturas, algumas feitas com a
mistura de colagem de papel tipo jornal e papel de parede. Para as ilustrações em
primeiro plano foi usada tinta acrílica e ecoline.
orelha aberta
orelha fechada e sobreposta
Ilustração 26: Casulos, Neves, 2007. – Capa e orelha.
118
SEGUNDO ESTÁGIO: Inventário Denotativo das Imagens
•
Identificação dos elementos da narrativa: menina, galhos, borboletas, insetos, mão, rosa
vermelha, quadro com coleção de borboletas, casulo;
•
Descrição dos elementos textuais, lingüísticos e visuais:
A capa do livro (Ilustração 26) funciona como uma introdução da narrativa e
apresenta a personagem principal da história: uma menina com uma expressão triste no olhar.
Ela está sentada sobre um imenso botão de rosa vermelho e segura outro botão nas mãos.
As seqüências ocupam páginas duplas com texturas inseridas em todos os planos de
fundo e demais componentes do primeiro plano (botão de rosa, galho, folhas, asas, etc.).
A cena 1 (Ilustração 27) parte da leitura na direção de baixo para cima e apresenta
uma mão segurando um galho por onde caminham formigas. Uma menina está delicadamente
apoiada sobre esta mão fechada. Ela tem a cabeça inclinada para cima. Outros insetos fazem
parte do cenário: joaninha, libélula e outros tipos de insetos.
Ilustração 27: Casulos, Neves, 2007. – Cena 1.
Na cena 2 (Ilustração 28) a menina sobe pelo galho. Novos insetos aparecem e um
sapo se destaca apoiado em uma das folhas do galho. Recortes de letras isoladas estão
espalhados na textura híbrida com colagem de papel-jornal e pinturas variadas. Esta textura
continua nas próximas seqüências.
119
Ilustração 28: Casulos, Neves, 2007. – Cena 2.
Na cena 3 (Ilustração 29), a menina está no topo do botão de rosa vermelho, de
braços abertos, de costas para o leitor. Uma borboleta gigante, acima da menina, está em posição
de pouso e parece vir ao seu encontro. As pétalas do botão de rosa possuem texturas e
contrastam com as texturas quadriculadas do plano de fundo.
Ilustração 29: Casulos, Neves, 2007. – Cena 3.
120
Na cena 4, (Ilustração 30), a borboleta pousa na rosa e a menina sobe em seu dorso.
Elas voam. Este movimento tem continuidade na página a seguir, na cena 5 (Ilustração 31), onde
se observa a menina e a borboleta voando até um outro botão de rosa que está em um
enquadramento especial, um quadro fixo na parede com moldura de madeira e textura do plano
de fundo quadriculada em tons verdes. A menina é depositada no botão de rosa.
Ilustração 30: Casulos, Neves, 2007. – Cena 4.
Ilustração 31: Casulos, Neves, 2007. – Cena 5.
121
A seguir, na cena 6 (Ilustração 32), a menina, ainda próxima ao topo da rosa, mantém
o olhar fixo na borboleta e começa a descer. Do lado de fora do quadro várias borboletas de
cores e tamanhos diferentes voam em sua direção. Nesta cena, em um dos quadriculados do
plano de fundo do quadro, está uma marca de mão aberta, carimbada.
Mão carimbada.
Ilustração 32: Casulos, Neves, 2007. – Cena 3.
Partindo para a leitura de cima para baixo, em uma nova seqüência (Ilustração 33),
uma textura quadriculada aparece no plano de fundo, assemelhada à do plano de fundo do
quadro da seqüência anterior; cada quadro recebe uma textura diferenciada e, em dois quadrados,
observa-se algumas letras soltas, recortes colados casualmente. A menina desce cuidadosamente
pela haste até chegar à mão que segura o botão de rosa.
122
Ilustração 33: Casulos, Neves, 2007. – Cena 7.
Na próxima página (Ilustração 34), dando continuidade à textura anterior, aparece um
quadro com a mesma moldura de madeira: é um quadro de coleção de borboletas. A menina está
no chão e ergue o corpo e o braço na tentativa de entregar o botão de rosa às borboletas do
quadro, mas a distância entre a rosa e o quadro é grande.
Ilustração 34: Casulos, Neves, 2007. – Cena 8.
123
Finalizando a narrativa (Ilustrações 35 e 36), as ilustrações não estabelecem a direção
de leitura e trazem o desfecho: com o quadro inerte na parede, a menina cabisbaixa abandona a
sua intenção e sai de cena deixando caído no chão o botão de rosa. Da última seqüência,
privilegiando o ângulo ampliado, apresenta somente o botão de rosa caído e, saindo de dentro
dele, uma lagarta ainda no casulo.
Ilustração 35: Casulos, Neves, 2007. – Cena 9.
Ilustração 36: Casulos, Neves, 2007. – Cena 10.
TERCEIRO ESTÁGIO: Inventário Conotativo, Análise de Níveis de Significação Mais Altos
Uma mão segura com firmeza a haste. Parece uma mão forte e detentora de poder.
Quase que flutuando, uma menina frágil e delicada se apóia na mão. Ela olha para cima na
intenção de subir. Formigas caminham na haste e representam a determinação e o trabalho e,
principalmente, uma motivação para a menina subir. Outros insetos inertes compõem o cenário;
foram colados na página como decalques e possuem uma fina camada que o
diferem do plano de fundo. Eles representam o imaginário e as brincadeiras, pois é comum na
infância as crianças brincarem com pequenos insetos e imaginar diálogos com eles, buscando
companhia e segurança.
124
Na cena 2 (Ilustração 28), a menina sobe pela haste. O indício de subida está no olhar
para cima e na posição dos pés. A leitura é feita de baixo para cima; a descrição da personagem
em três diferentes posturas (uma delas quase imperceptível, mostrando apenas os pés e a barra da
saia) e em condições diferentes, sugere uma sucessão de momentos separados e indica o fluxo de
tempo entre cada ação. Além dos insetos da cena anterior, a menina divide a cena com um sapo,
que nos contos maravilhosos personificam os príncipes.
A menina chega ao topo de um botão de rosa vermelho (Ilustração 29). Lá, de braços
abertos, numa posição que sugere liberdade e, ao mesmo tempo, um aceno a uma borboleta corde-rosa que a sobrevoa. A cor rosa lembra a adolescência. A borboleta significa a transformação,
o ritual de passagem de um estado a outro. Suas asas possuem delicadas texturas e transmite uma
sensação de leveza. O corpo da borboleta foi desenhado com traços pretos e delicados.
A borboleta pousa no botão de rosa e a menina sobe em seu dorso (Ilustração 30).
Seguindo, numa mesma sucessão de posturas temporais e em planos diferentes, a menina voa de
“carona” na borboleta. O vôo representa a liberdade, o sonho e a imaginação. A estamparia das
asas da borboleta fica ainda mais evidente e se assemelha a uma colcha feita de retalhos. Elas
fazem um vôo de longo percurso – o indício da distância está nas seqüências de ilustrações em
perspectivas diferenciadas que aprofundam a imagem.
Na parte inferior da cena 5 (Ilustração 31), a menina está sentada de costas para o
leitor, de braços abertos novamente, ampliando a sensação de liberdade e prazer. Na parte
superior da cena, a menina é depositada em um outro botão de rosa vermelho, diferenciado do
primeiro pelas texturas xadrez em suas pétalas. O botão está dentro de um quadro com moldura
em madeira, e a madeira pode representar o mundo real pela sua rigidez e sua forma de
sustentação na parede.
Já amparada pela rosa e como se entrasse por uma janela (Ilustração 32), a menina
apóia-se no botão simulando uma decida. Várias borboletas são atraídas e se aproximam do
quadro. A menina olha a borboleta cor-de-rosa com os cantos dos olhos, numa expressão de que
gostaria de ter continuado o vôo, mas consentindo a sua atitude.
Na cena 7 (Ilustração 33), a leitura toma outra direção: de cima para baixo,
novamente numa sucessão de posturas temporais com a menina em planos e posições diferentes.
É a descida da menina pela haste do botão de rosa. O indício da descida é o olhar da menina para
baixo e a disposição dos seus braços e suas pernas. Finalizando a leitura deste cenário, visualizase a descida da menina na mesma mão do início da narrativa. A mão segura com firmeza a haste
do botão de rosa. O plano de fundo quadriculado corresponde ao do quadro na cena anterior,
indicando que a menina está dentro deste cenário. As letras recortadas e coladas aleatoriamente
125
em dois quadros da textura são: C, A, S, U, L, O e formam a palavra correspondente ao título do
livro.
O curioso é que, na cena seguinte (Ilustração 34), a menina, em solo firme, segura um
botão de rosa. A posição da mão da menina é a mesma da mão que a sustentava nas cenas
anteriores, o que leva a concluir que esta cena é a “realidade” e as demais a “imaginação”.
Poderia ser a 1ª cena da narrativa. A menina aponta a rosa para o quadro com a intenção de
aproximá-la das inertes borboletas e, assim, facilitar o pouso. O gesto da menina supõe que, na
rosa, as borboletas poderiam encontrar o alimento para ganhar vida novamente. O quadro com as
borboletas possui o plano de fundo das cenas anteriores, da “imaginação”.
Como não alcança o quadro, a menina deixa cair o botão de rosa e se prepara para
sair de cena, desolada, cabisbaixa (Ilustração 35). Na cena final, (Ilustração 36), ampliando o
ângulo de visão, observa-se a rosa caída no chão e uma pequena lagarta saindo de dentro dela.
O casulo é o lugar onde ocorre a metamorfose da lagarta em borboleta. A simbologia
que a borboleta representa é a da transformação. O casulo simboliza o fechar-se em si, o
amadurecimento e, ao mesmo tempo, o local onde se pode sonhar sem a interferência de outros
seres. O botão de rosa também tem a simbologia da transformação, pois está em formação e
precisa desabrochar para se tornar rosa.
QUARTO ESTÁGIO: Elaboração do Relatório
A leitura do livro Casulos requer muita atenção às delicadas minúcias, o que a torna
densa e reflexiva. As ilustrações são de cores fortes, com riqueza de detalhes, traços marcantes
do ilustrador. A transposição da personagem principal de um quadro a outro, percebida
principalmente pela mudança de cenário – os planos de fundo – remete ao mundo da fantasia e
divide a narrativa em duas seqüências, em dois tempos. O uso da textura como estampa de plano
de fundo está, em algumas cenas, em tons fortes e, em outras, quase que uma marca d’água, mas
ainda se fazendo destacar. Predomina na textura o quadriculado, sendo que, no cenário das
primeiras seqüências, ela está e tons discretos, apenas compondo a estampa, e na textura das
segundas seqüências ela ocupa todo o espaço.
No release dos diversos sítios eletrônicos de vendas de livros e também da Editora
Global, a chamada para a sinopse consiste no texto “uma magia de detalhes e símbolos, abrindo
um imenso leque de possibilidades...”, deixando claro que cada leitor fica livre para compor a
sua história. Sem uma única palavra escrita, a narrativa visual permite que cada um faça a
construção da história acompanhando as ilustrações, onde uma menina interage com um botão de
126
rosa e alguns insetos como formigas, libélulas, moscas, lagartas, borboletas e joaninhas. Na
contracapa do livro estão impressos os versos:
Na imaginação,
há uma liberdade infinita,
que permite entrar
e sair da realidade,
subir, voar, pousar no agora,
no antes e no depois.
Casulos abre a possibilidade
de imaginar, sem palavras,
só com imagens, e viajar...
Seguindo esta orientação, arrisca-se a leitura.
A menina entra no seu casulo e solta a imaginação, o que é muito comum na infância:
a fantasia, o brincar com seres inanimados. A imaginação é um lugar onde se encontra a
liberdade, o leitor pode fazer o que quiser, não existem limites para a fantasia. A liberdade
também está simbolizada no vôo, “que permite entrar e sair da realidade, subir, voar, pousar no
agora, no antes e no depois”.
A menina sobe a mão que segura a haste do botão de rosa, é a sua própria mão e a
leitura da narrativa poderia começar na cena 8 (Ilustração 34), em que a menina tenta aproximar
o botão das borboletas do quadro; mas o ilustrador preferiu narrar a partir do sonho.
Como não alcança o seu objetivo, a menina parte para o sonho e tenta resolver o seu
problema através da fantasia. Ela imagina todo o trajeto necessário para chegar até as borboletas:
sobe pela haste na companhia e motivação de vários insetos e de um sapo; faz-se ver pela
borboleta abrindo os braços e, num vôo fascinante no dorso da borboleta, encontra todas as
outras borboletas. De forma alguma a menina interrompe o sonho ou permanece na melhor fase
dele. É um sonho completo, mesmo que deseje ficar mais tempo voando, ela sabe que precisa
voltar à realidade.
É ao voltar do sonho, no encontro com a realidade, que a menina perde a esperança e
desiste do encontro entre o botão e a borboleta, ou seja, de reanimar as borboletas inertes com o
possível alimento presente na rosa. Esta desistência também significa transformação: é o
amadurecimento da menina, que resulta na compreensão da sua limitação. Mas o ilustrador
surpreende e deposita a esperança no leitor ao fazer sair do botão uma lagarta, ainda no casulo,
127
prestes a se transformar em uma borboleta. E com a borboleta quase despontando, o sonho volta
a habitar, agora na imaginação do leitor.
6.5 Análise 3 – A flor do lado de lá
PRIMEIRO ESTÁGIO: Escolha do Material
•
Título: A flor do lado de lá;
•
Autor: Roger Mello;
•
Editora: Global;
•
Ano de publicação: 2004;
•
Prêmios recebidos: FNLIJ – Altamente Recomendável – Imagem – 1991;
•
Características físicas do livro: no formato quadrado de 20 x 20 cm, o livro, quando
aberto (ilustração 37), capa e contracapa, apresenta o conflito da narrativa: a separação
dos personagens por uma faixa de água e a tristeza da anta com esta situação.
Ilustração 37: A flor do lado de lá, Mello, 2004. – Capa.
SEGUNDO ESTÁGIO: Inventário Denotativo das Imagens
•
Identificação dos elementos da narrativa: anta, flor, água, golfinho, baleia, caranguejo, lua;
•
Descrição dos elementos textuais, lingüísticos e visuais: na contracapa do livro foi impresso
um texto de autoria da editora:
128
É humano chorar
pelo que não se tem,
desejar a beleza distante.
Só que, às vezes,
há tanta beleza pertinho
e a gente não vê.
Com as imagens deste
livro sem texto
Roger Mello conta a
história humaníssima
de uma anta.
A cena 1 (Ilustração 38), em preto-e-branco, apresenta as personagens centrais da
história: uma anta e uma flor. Elas estão em superfícies separadas por um pequeno espaço de
água. A flor ainda com as pétalas fechadas e a anta encolhida, com uma expressão triste e uma
lágrima despontando no olhar.
Ilustração 38: A flor do lado de lá, Mello, 2004. – Cena 1.
129
A cena 2 (Ilustração 39), em cores que contrastam com o fundo branco, narra a
alegria da anta ao perceber que a flor desabrochou. Toda a expressão da anta se modifica: o olho
está arregalado, surge um sorriso em sua boca e seu corpo está suspenso, simulando um pulo.
Ilustração 39: A flor do lado de lá, Mello, 2004. – Cena 2.
A cena 3 (Ilustração 40) apresenta o conflito da anta ao ver a distância que a separa
da flor. Ela apresenta um olhar de apreensão e coloca uma das patas na água como se estivesse
fazendo uma avaliação da profundidade, temperatura, distância e demais possibilidades e
obstáculos para chegar até a flor.
Ilustração 40: A flor do lado de lá, Mello, 2004. – Cena 3.
130
Na cena 4 (Ilustração 41), a anta toma a decisão de saltar a barreira que a separa da
flor. A anta está com os olhos fechados e uma expressão de alegria. A flor foi ilustrada num
ângulo de trás para frente, como se estivesse acompanhando a trajetória da anta.
Ilustração 41: A flor do lado de lá, Mello, 2004. – Cena 4.
A cena 5 (Ilustração 42) mostra apenas a flor, no mesmo ângulo da cena anterior. Do
outro lado, a superfície está vazia, nenhum sinal da anta, o que se conclui que ela afundou na
água. A ilustração é em preto-e-branco.
Ilustração 42: A flor do lado de lá, Mello, 2004. – Cena 5.
131
A cena 6 (Ilustração 43) apresenta um golfinho que, num salto, salva a anta e a lança
para fora da água. A flor foi ilustrada num ângulo lateral e continua como espectadora. A anta,
ainda no ar, tem uma expressão de cansaço e descontentamento. O autor usou o fundo amarelo,
dando um realce e luminosidade à ilustração.
Ilustração 43: A flor do lado de lá, Mello, 2004. – Cena 6.
Na cena 7 (Ilustração 44), a anta está deitada com a barriga para cima e se refaz do
susto. Ela tem a companhia de um caranguejo. A ilustração é em preto-e-branco.
Ilustração 44: A flor do lado de lá, Mello, 2004. – Cena 7.
132
A cena 8 (Ilustração 45) marca o tempo e dá continuidade ao conflito: é noite de lua
cheia. Anta e flor continuam separadas. A ilustração apresenta um giro leve mudando o ângulo
da visão. Para o fundo da página e para a água o autor usou a cor azul escura, contrastando com
o branco que dá forma a lua.
Ilustração 45: A flor do lado de lá, Mello, 2004. – Cena 8.
Na cena 9 (Ilustração 46), a anta aparece encolhida com a cabeça apoiada na
superfície, mas com o olhar em direção à flor do lado de lá. A ilustração é em preto-e-branco.
Ilustração 46: A flor do lado de lá, Mello, 2004. – Cena 9.
133
Na cena 10 (Ilustração 47), um novo elemento surge na narrativa: distanciando o
ângulo para ampliar o cenário, o autor revela que a flor está na superfície de uma baleia imóvel
sob a água. Apenas uma pequena parte da baleia está fora da água. A anta parece notar algo
diferente, pois está em posição de alerta, com a cabeça levantada e olhar fixo na flor.
Ilustração 47: A flor do lado de lá, Mello, 2004. – Cena 10.
A cena 11 (Ilustração 48), em preto e branco, narra o movimento da baleia em sentido
oposto ao da superfície onde se encontra a anta. Ela está indo embora e se distancia da anta que
tem os olhos arregalados.
Ilustração 48: A flor do lado de lá, Mello, 2004. – Cena 11.
134
Novamente aproximando a imagem, a cena 12 (Ilustração 49) traz a seqüência que dá
desfecho à narrativa. A cena mostra somente a cauda da baleia num mergulho e a anta com a
boca aberta e os olhos arregalados, do outro lado, em sua superfície.
Ilustração 49: A flor do lado de lá, Mello, 2004. – Cena 12.
Na cena 13 (Ilustração 50), em preto-e-branco, a anta aparece só, seu corpo está
inclinado para frente e a pata levantada. Uma pequena lágrima parece brotar do seu olho.
Ilustração 50: A flor do lado de lá, Mello, 2004. – Cena 13.
Concluindo a narrativa, a cena 14 (Ilustração 51) abre o ângulo à direita e a anta
aparece na margem esquerda do cenário. Ela está esgoelando, num choro desesperador, pela
partida da flor. Logo atrás dela, ilustradas na margem direita da página, estão várias flores da
135
mesma espécie da flor almejada pela anta. As flores estão ao alcance da anta e ela não as
percebe.
Ilustração 51: A flor do lado de lá, Mello, 2004. – Cena 14.
TERCEIRO ESTÁGIO: Inventário Conotativo, Análise de Níveis de Significação Mais Altos.
A fábula conta a história de uma anta, encantada por uma flor separada dela por um
trecho de mar. O ícone da anta gera dúvidas quanto ao animal representante e é por meio do
texto da contracapa que se evidencia ser uma anta: “Roger Mello conta a história humaníssima
de uma anta”. O texto também traz uma interpretação da narrativa associando a atitude e o desejo
da anta com reações humanas: “é humano chorar pelo que não se tem, desejar a beleza distante”.
O signo anta pode representar uma figura de linguagem. Como sugere Ferreira (1986,
p.127) no Novo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, anta pode ter o sentido de pouco
inteligente, tolo. No desfecho da história esse sentido fica bem evidente, ao apresentar várias
flores da mesma espécie ao alcance da anta.
As primeiras seqüências da narrativa (cenas de 1 a 7) sugerem, por meio da
alternância de cenários em preto-e-branco e em cores, o estado de humor da anta. Para as
seqüências em preto-e-branco, observa-se a personagem em momentos de tristeza, dúvida e
desolação. Para as seqüências em cores, observa-se a personagem alegre, tomando uma decisão e
sendo salva. As demais seqüências (cenas de 8 a 14), embora sigam a mesma alternância de
cores, ilustram a desolação, o espanto e o desespero da personagem.
A narrativa desperta no leitor uma sensação de constante movimento, a começar pelas
pequenas ondas do mar que balançam, pelos saltos da anta, pela movimentação do golfinho e da
baleia, até mesmo pelo choro da personagem que desperta a impressão de uma seqüência
ritmada.
136
Na cena 1 (Ilustração 38), o indício de tristeza está na expressão da anta, com a curva
da boca voltada para baixo e a lágrima despontando nos olhos. Não é somente a distância que
provoca a tristeza da anta, mas também o fato da flor não ter desabrochado. O não desabrochar
significa a falta de percepção da flor para a vida, um estado de sonolência, o amor não
correspondido. No entanto, a posição da anta é de espera.
Na cena 2 (Ilustração 39), a flor abre-se e gera o contentamento da anta, que salta ao
perceber o despertar da flor. O único indício de amor correspondido está no desabrochar da flor,
pois as demais seqüências narram uma flor espectadora. Um recurso que poderia indicar alguma
reação na flor poderia ser, por exemplo, a representação da haste em posições diferentes: ereta ou
com maior inclinação.
A cena 3 (Ilustração 40) retrata a dúvida, a insegurança da personagem sobre a atitude
de se lançar ao mar e alcançar a flor. Na cena 4 (Ilustração 41), a anta toma uma decisão e esta
atitude de coragem gera novo contentamento.
Na cena 5 (Ilustração 42) há uma sensação de vazio, pois a personagem principal não
está retratada. Conclui-se que a anta afundou na água. A leitura desta cena gera uma ligeira
quebra no movimento, preparando o leitor para a súbita ação da cena 6 (Ilustração 43). Até a cor
amarelo intenso no plano de fundo traz o efeito de ação. Um golfinho arremessa a anta para fora
da água. O golfinho simboliza a amizade, o companheirismo e a brincadeira.
Um caranguejo faz companhia para a anta na cena 7 (Ilustração 44). A anta está
deitada de barriga para cima, refazendo-se do susto. O caranguejo representa uma ação mal
sucedida, o andar para trás e voltar ao ponto inicial.
A cena 8 (Ilustração 45) apresenta o forte indício da passagem do tempo. É noite, céu
e mar ganham uma tonalidade azul escuro. Uma imensa lua cheia traz a luminosidade para o
cenário. A lua cheia pode ser um sinal de maré alta. Anta e flor permanecem imóveis, em atitude
de espera. Esta cena produz no leitor uma sensação de esperança e solução para o conflito, mas o
que se vê na cena seguinte (Ilustração 46) é a anta em total desolação, encolhida e cabisbaixa.
Na cena 10 (Ilustração 47), por meio de um recurso de distanciamento das imagens
(um zoom), a ilustração ganha nova dimensão revelando mais o mar e o que há submerso: uma
imensa baleia que serve de superfície para a flor, ela é uma “baleia-ilha”. A baleia provoca um
movimento diferente no cenário e deixa a anta em posição de alerta. Os olhos abertos da baleia
indicam o seu despertar e gera no leitor uma tensão. Há naturalmente um fascínio pela baleia que
simboliza a escuridão abissal e misteriosa, o inconsciente. Simboliza também a grande-mãe do
mar e a sabedoria. No mito do herói, a luta contra a baleia ou contra outra espécie de animal
marinho de grande porte se constitui num símbolo da luta pela libertação da consciência, da
137
vitória do consciente sobre o inconsciente. Nesta fábula, a anta precisa despertar para outras
possibilidades ao seu redor.
Na cena 11 (Ilustração 48) é confirmada a intenção da baleia em se retirar. O indício
do movimento de saída está na posição oposta da baleia e da flor, em relação à anta. A expressão
da anta é de espanto, pois ainda não lhe foi revelado que a baleia é a ilha. Espanto maior é a sua
expressão na cena seguinte (Ilustração 49) em que a baleia mergulha levando a flor.
Na cena 13 (Ilustração 50), a anta está só, triste, com uma das patas levantadas, como
se estivesse acenando um adeus. E finalizando, na última cena (Ilustração 51), o autor amplia o
cenário para a direita, para mostrar mais detalhes da superfície em que a anta está amparada. Esta
cena apresenta a anta em prantos, esgoelando desesperadamente, enquanto surgem às suas costas
várias flores da mesma espécie da flor levada pela baleia. São ramos de flores viçosas, algumas
ainda em botão. As gotas de água e as joaninhas que passeiam por elas dão à sensação de frescor,
alegria e juventude. As flores comunicam ao leitor que o desespero da anta é desnecessário.
QUARTO ESTÁGIO: Elaboração do Relatório
O livro A flor do lado de lá, de Roger Mello (2004), retrata a possível cegueira de
uma anta ao que lhe é próximo. A narrativa é composta apenas por imagens, em seqüências
alternadas em preto-e-branco e coloridas.
A primeira impressão que se tem é a de que as páginas foram propositalmente feitas
em preto-e-branco para sugerir momentos de conflito da personagem, e as imagens em cores
para sugerir os momentos de superação, alegria, idéia. Na primeira seqüência de imagens em
preto-e-branco, a anta está triste porque a flor está do lado de lá e não desabrochou. Na segunda,
que é colorida, ela está feliz porque tem uma idéia. Na terceira seqüência, entristece novamente,
indecisa, com medo da água ou pela incapacidade de pular; e na quarta se investe de coragem e
resolve pular para o lado de lá. Porém, as últimas seqüências deixam esta disposição e narram
uma seqüência de conflitos tanto em cores quanto em preto-e-branco.
Em entrevista informal com o ilustrador Roger Mello, na 26ª Feira do Livro de
Brasília (2007), ao relatar a leitura feita das imagens, ele afirmou que não teve a intenção de
conduzir a narrativa por esta interpretação e que a alternância das seqüências em preto-e-branco
foi para diminuir o custo da edição. Nas edições seguintes, o ilustrador foi consultado sobre a
possibilidade de colorir todo o livro e ele decidiu que deveria manter a disposição. Como bem
lembrado por Roger Mello nessa ocasião, o preto e o branco também são cores, no entanto, para
explicar melhor as seqüências, foi usado o termo “em cores” para as ilustrações que usam muitas
cores.
138
É tentando vencer a distância que a separa da flor que a anta passa pelos conflitos –
indicados pelas expressões faciais da personagem. Em alguns momentos ela está triste e
desanimada, em outros vê a possibilidade de vencer o obstáculo e se alegra. No entanto, toma
uma importante decisão: saltar o obstáculo. Sua intenção é mal sucedida, o que gera uma
frustração. A anta afunda no mar e é salva por um golfinho que a arremessa de volta à sua
superfície. O golfinho representa a amizade, o companheirismo. Para se refazer do susto, a anta
tem a companhia de um caranguejo. A presença do caranguejo é o sinal da tarefa incompleta, é
andar para trás, voltar ao ponto inicial. Muito tempo se passa e a anta continua na mesma
posição: a de contemplar a sua flor sem encontrar uma solução para o conflito. Usando o recurso
do distanciamento da imagem, o ilustrador apresenta o cenário que completa a idéia desta
separação: a superfície em que a flor se instalou é uma baleia. A resolução se dá de forma
inesperada, pois a baleia acorda e desaparece no mar. A baleia representa a sabedoria, a grande
mãe do mar que liberta a anta de uma idéia fixa e por isso não consegue enxergar o que está ao
seu redor. A anta acompanha a movimentação da baleia com perplexidade e quando não vê mais
a flor, chora desesperadamente. O desfecho da narrativa pode conduzir a uma interpretação de
frustração pela anta não ter conseguido atingir o seu objetivo ou, para o leitor imaginativo, a
narrativa pode conduzir ao entendimento que, em breve, a anta será consolada por várias outras
flores. A grande mãe do mar a libertou da paralisia gerada pelo seu fascínio pela flor.
5.6 Análise 4 – João por um fio
PRIMEIRO ESTÁGIO: Escolha do Material
•
Título: João por um fio;
•
Autor: André Neves;
•
Editora: Companhia das Letrinhas;
•
Ano de publicação: 2005;
•
Prêmios recebidos: o livro ganhou o 2º lugar na categoria Melhor Livro Infantil, do
49º Prêmio Jabuti, em 2007;
•
Características físicas do livro: com formato retangular 23 x 15,5 cm, capa dura, o
livro foi ilustrado em três cores: branco, preto e vermelho, sendo esta última a
predominante. O texto escrito, todo em caixa alta, usa uma fonte que lembra a escrita
à mão. De dentro da encadernação sai um marcador-brinquedo, feito com barbante e
um peixe de papel com fundo branco colado na ponta; que quando retirado para fora
139
do livro, parece acompanhar o fio da ilustração da capa, onde João, o personagem
principal, está dependurado.
Ilustração 52: João por um fio, Mello, 2005. – Capa e marcador.
SEGUNDO ESTÁGIO: Inventário Denotativo das Imagens
•
Identificação dos elementos da narrativa: garoto, rede, libélula, caminhão, vidros, concha do
mar, aviões, peixes, girinos, flores, renda, artesãos, arraias, pescadores, barcos, ondas;
•
Descrição dos elementos textuais, lingüísticos e visuais:
Abrindo e finalizando a narrativa, nas páginas de guarda, o autor ilustrou uma mesma
cena: uma rede de pescar com vários elementos (Ilustração 53): libélulas, peixes, caminhão,
vidros e concha do mar.
Ilustração 53: João por um fio, Mello, 2005. – Página de guarda.
140
Capa, folha de rosto e dedicatória do livro introduzem o leitor ao tema da narrativa de
modo especial: texto em forma manuscrita e delicadas ilustrações foram inseridos em plano de
fundo na cor vermelha, produzindo no leitor uma impressão de edição artesanal.
A narrativa marca seu efetivo início com o texto escrito na cor preta sobre o fundo
vermelho: “antes de dormir o menino puxa a coberta: – Agora sou só eu comigo?”. Embora
façam parte da narrativa, as páginas do livro que apresentam apenas o texto escrito como
imagem são mencionadas como introdução das cenas. A leitura tem uma direção estabelecida
pelo autor: quando o texto escrito está destacado na lateral da página, a leitura é direcionada da
esquerda para a direita e, quando o texto escrito está impresso abaixo da ilustração, a leitura é
direcionada de cima para baixo.
A cena 1 (Ilustração 54) tem o texto escrito separado do texto imagético pela cor do
plano de fundo: vermelha para o primeiro e preta para o segundo. O texto questiona o tamanho
da colcha do personagem principal: “De que tamanho é a colcha que cobre João? Do tamanho da
cama? Ou do tamanho da noite”. A ilustração em fundo preto com desenhos em branco apresenta
João deitado num cantinho de uma imensa colcha de renda, com tramas em forma de flores,
aviões e peixes.
Ilustração 54: João por um fio, Mello, 2005. – Cena 1.
141
A cena 2 (Ilustração 55) apresenta João brincando com uma lua minguante, deitado
em um dos círculos que compõem os detalhes da colcha de renda; dentro de outro círculo
aparece uma bússola. Os outros detalhes da renda formam flores. O texto escrito está inserido
logo abaixo da ilustração e faz um questionamento que segue nas próximas páginas: “Um beijo
na testa ainda beija. Onde é que se esconde a noite que beija João?”.
Ilustração 55: João por um fio, Mello, 2005. – Cena 2.
Na cena 3 (Ilustração 56), o texto imagético está separado do escrito pela cor de plano
de fundo: preta para o primeiro e vermelho para o segundo e expõe a pergunta: “No fio de uma
cantiga?”. A ilustração mostra João segurando um fio interligado ao trabalho de artesãos e estes
fazem parte da trama da colcha.
Ilustração 56: João por um fio, Mello, 2005. – Cena 3.
142
Na cena 4 (Ilustração 57) surge João segurando a ponta da colcha, feita de tramas em
formato de círculos vermelhos e quadrados brancos, sendo que nos quadrados as tramas abrigam
uma arraia. O texto discretamente abaixo da ilustração questiona: “Dependurada no vento?”.
Ilustração 57: João por um fio, Mello, 2005. – Cena 4.
Na cena 5 (Ilustração 58), João está deitado numa ponta da colcha de renda, mas pela
posição de suas pernas se percebe que ele se movimenta. O texto escrito sugere um outro local
para a noite se esconder: “Ou na cordilheira de linhas que cobrem João?”. Nesta ilustração, a
colcha é composta por um conjunto de desenhos que se parecem com montanhas.
Ilustração 58: João por um fio, Mello, 2005. – Cena 5.
A cena 6 (Ilustração 59) dá continuidade a renda da cena anterior, embora com um
acréscimo sutil nas tramas que formam figuras humanas em posições diversas (Ilustração 60).
João segura a ponta do lado oposto da colcha. O texto anuncia o que João está fazendo: “A
143
brincadeira dos pés é fazer terremotos debaixo da colcha. Montanhas trocam de lugar com vales.
Enquanto isso, as cidadezinhas de pano tentam prever terremotos. Quem tem medo de um
gigante chamado João?”.
Ilustração 59: João por um fio, Mello, 2005. – Cena 6.
Ilustração 60: João por um fio, Mello, 2005. – Detalhe da renda.
Na cena 7 (Ilustração 61), a colcha aparece completa, com a renda em formato de
ondas; João está deitado em uma das pontas e há um barco com pescadores na outra. O texto
abaixo da ilustração indaga: “Quando é que o gigante dorme? Quando seu pai vai pescar?”.
Ilustração 61: João por um fio, Mello, 2005. – Cena 7.
144
A cena 8 (Ilustração 62) apresenta na lateral esquerda uma faixa com fundo preto para
o texto escrito: “Se João cai no somo, com que paisagens ele sonha? Rios macios? Lençóis
d’água? Lagoas? Represas? Sonhos molhados de medo? E se o medo derrama, João é que abre a
torneira?”. A ilustração, em fundo vermelho, mostra João dormindo no meio da colcha rendada
de peixes.
Ilustração 62: João por um fio, Mello, 2005 – Cena 8..
A cena 9 (Ilustração 63) segue a mesma disposição de organização de texto e imagem
da cena anterior, com o texto: “João deixa escorrer um lago feito de medo, para girinos e
conchas. Um lago redondo inundando o colchão. Peixes deslizam mais que sabonete. Que rede
segura um peixe maior que a gente?”. Percebe-se que a ilustração da colcha se transforma em
uma rede, cheia de conchas e girinos, e João está segurando com os pés e uma das mãos a boca
de um peixe gigante feito da trama da rede.
Ilustração 63: João por um fio, Mello, 2005. – Cena 9.
145
A cena 10 (Ilustração 64) apresenta uma colcha com tramas de peixes de uma mesma
espécie. João nada na colcha em direção a um furo deixado pelo peixe gigante. O peixe está livre
da rede, do lado de fora da colcha; é o mesmo peixe do marcador-brinquedo, só que em fundo
vermelho. O texto escrito abaixo explica a cena e indaga: “O peixe furou a trama da rede. De que
tamanho é o furo na colcha que cobre João?”.
Ilustração 64: João por um fio, Mello, 2005. – Cena 10.
A cena 11 (Ilustração 65) mostra o tamanho do furo da colcha e João parece avaliar o
tamanho do estrago feito pelo peixe gigante. Três espécies diferentes de peixes formam a trama
da colcha. O texto sugere o tamanho do furo da colcha em forma de perguntas: “Um palmo?
Dois palmos? Três metros? Ou é do tamanho da cama?”.
Ilustração 65: João por um fio, Mello, 2005. – Cena 11.
146
A cena 12 (Ilustração 66) tem início com o texto na lateral esquerda em fundo
vermelho: “Um furo engolindo tudo: bordados, caseados, cordilheiras, barco de junco. Como
pára um furo que não pára?”. A ilustração, em fundo preto, mostra João no centro de um imenso
furo na colcha-rede. Ele está sendo engolido pelo furo. As tramas desfazem-se e algumas formas
ainda estão intactas: dois peixes, um avião e dois barcos.
Ilustração 66: João por um fio, Mello, 2005. – Cena 12.
A cena 13 (Ilustração 67) integra texto e ilustração no mesmo contexto. Na lateral
esquerda, acompanhando um fio, está impresso: ”João acordou no susto.” Andando a passos
largos e segurando a ponta do fio, João questiona: “– Quem desfiou minha colcha?”.
Ilustração 67: João por um fio, Mello, 2005. – Cena 13.
Na próxima seqüência, sem ilustração, um texto escrito, em fundo vermelho, inserido
na página direita indaga: “De que tamanho é o vazio onde antes estava a colcha que cobria
João?”. A cena 14 (Ilustração 68) apresenta João no canto esquerdo da página, com as mãos no
joelho, observando várias palavras soltas e desalinhadas em fundo vermelho. São elas: comigo,
colcha, vento, paisagens, pescar, descoberto, tamanho, medo, espalhadas, onde, terremotos,
147
enquanto, brincadeira, linhas, cordilheiras, debaixo, escorrer, cidadezinhas, molhados, ainda,
ninar, sonhos, macios, noite, gigante, girinos, tentam, cantiga, represas, esconde, isso e acordou.
Uma faixa preta abaixo da ilustração separa o texto: “João sem sono não sabe dormir descoberto.
No meio do vazio viu palavras espalhadas no chão. Espalhadas no chão?”.
Ilustração 68: João por um fio, Mello, 2005. – Cena 14.
Na cena 15 (Ilustração 69) aparece nova seqüência de palavras soltas, algumas
repetidas da cena anterior. São elas: molhados, paisagens, terremotos, vento, furou, macios,
comigo, pano, lugar, dormir, peixe, testa, abre, lagoas, rios, quando, colcha, palmo, beijo,
cordilheiras, descoberto, de, quem, cidadezinhas, feito, caseados, debaixo, medo, trama, gigante,
antes, noite, espalhadas, deslizam, pescar, brincadeira, vazio, linhas, furo, junco, trocam,
colchão, boca, girinos, cama, rede, fio e será. João está sentado e segura uma agulha em formato
de ponto de interrogação. Ele costura palavras formando uma seqüência emendada:
bordadosderramapanolugarmontanhasbocaengolindocobriacotamanhopés.
O
texto
escrito
impresso explica a ação de João: “Costurou palavras como retalhos numa colcha. Na falta de
agulha, serve um ponto de interrogação?”.
Ilustração 69: João por um fio, Mello, 2005. – Cena 15.
148
A cena 16 (Ilustração 70) apresenta João concluindo seu trabalho; todas as palavras
foram emendadas, formando uma imensa colcha, em fundo preto. O texto escrito está destacado
numa faixa abaixo da ilustração, em fundo vermelho e conclui a narrativa dizendo que João
costura e inventa uma cantiga de ninar e sugere uma continuação da narrativa com a pergunta:
“Enquanto costura, João inventa uma cantiga de ninar. De que tamanho é a colcha de palavras
que cobre João?”.
Ilustração 70: João por um fio, Mello, 2005. – Cena 16.
TERCEIRO ESTÁGIO: Inventário Conotativo, Análise de Níveis de Significação Mais Altos.
No início da narrativa o texto escrito revela o sentimento de João quando ele se deita
para dormir. João sente-se só, puxa a colcha/coberta e faz a indagação a ele mesmo: “– Agora
sou só eu comigo?”. A narrativa é marcada por perguntas e supostas respostas também
formuladas em novas perguntas. Na cena 1 (Ilustração 54) o texto escrito questiona de que
tamanho é a colcha que cobre João, se é do tamanho da cama ou se é do tamanho da noite. Essa
comparação de tamanho indica a dimensão que João dá para a noite. A ilustração da colcha
sangra a página, ou seja, a sua medida passa o espaço do papel, dando a impressão ao leitor de
que a colcha não tem fim. Desta forma, a ilustração responde indiretamente à pergunta sobre o
tamanho da colcha. Outro indício está no tamanho pequeno do personagem em proporção ao
tamanho da colcha ilustrada. A colcha faz parte da sua vida e significa conforto, estar aquecido.
As tramas da colcha formam flores, peixes e aviões, sendo que os peixes e as flores o
conectam com a realidade e os aviões com a viagem que são seus sonhos. A mesma comparação
pode ser feita com a cama e a noite; a cama é algo palpável e a noite está no imaginário do
personagem. As flores e os peixes podem representar, ainda, a alegria e a fartura.
Na cena 2 (Ilustração 55), João está dentro de um círculo de renda, ele brinca com
uma lua minguante. O círculo é o limite do seu mundo e a lua representa a noite, minguada,
149
inofensiva. O texto escrito confirma a interpretação ao narrar o gesto de mansidão da noite “um
beijo na testa ainda beija”, João ainda sente o frescor do beijo, mas não vê a noite. O texto
escrito traz a indagação: “Onde é que se esconde a noite que beija João?”. Uma bússola faz parte
da trama da colcha e tem o sentido de direção, João deseja encontrar a noite mansa.
Na cena 3 (Ilustração 56), João aparece segurando uma linha vermelha: ele ainda tem
o controle sobre a trama e sobre quem as tece. São homens e mulheres dos países andinos que
compartilham do mesmo fio. A origem dos artesãos é revelada pela caracterização de suas
roupas típicas. As cholas, como são chamadas as mestiças dessa região, mantêm por muitos anos
a mesma forma de se vestir: tranças nos seus longos cabelos, vestidos encorpados de rendas com
anáguas e panos coloridos nas costas. Mas o autor deixa outras pistas no decorrer da narrativa ao
citar o barco de junco e as cordilheiras. O texto escrito faz uma pergunta/resposta dando
continuidade ao paradeiro da noite. A suposição é de que ela pode estar escondida no fio de uma
cantiga. Certamente as cholas e seus homens cantam enquanto fiam e a cantiga sugere um
embalo, um gesto carinhoso.
Na cena 4 (Ilustração 57), João flutua arrastando a colcha. Observa-se o movimento
da colcha pela forma não linear da ilustração. As tramas são feitas em forma de círculos
vermelhos e quadrados brancos. Nos quadrados as tramas abrigam arraias. O texto confirma o
movimento ao mencionar a pergunta/resposta do esconderijo da noite: “Dependurada no vento?”.
Na cena 5 (Ilustração 58), o texto escrito dá outra dica e sugere que a noite pode estar
na “cordilheira de linhas que cobrem João”. A cordilheira de linhas é a própria colcha, que mais
uma vez aparece ilustrada sangrando a página, supondo uma continuidade que logo se confirma
na cena 6 (Ilustração 59). João é levado pela cordilheira e chega à outra extremidade da colcha.
O movimento de João é sinalizado também pelo texto escrito que diz que ele faz brincadeiras
com os pés. Na imaginação de João seus movimentos fazem terremotos debaixo da colcha e
montanhas trocam de lugar com os vales, enquanto cidadezinhas tentam prever terremotos. O
terremoto simboliza a desordem dos pensamentos de João quando está sonolento, mas, ao
mesmo tempo, ele tem um certo poder sobre seus terremotos quando se compara a um gigante:
“Quem tem medo de um gigante chamado João?”. A ilustração da trama da renda contempla
pequenas figuras humanas em posições variadas, formando a civilização das cidadezinhas
citadas no texto escrito, assim como as ondulações representam as montanhas e os vales.
Na cena 7 (Ilustração 61), João dorme embalado pelas ondas e, na outra ponta da
colcha, dois pescadores navegam em um pequeno barco. O texto escrito esclarece com as
perguntas: “Quando é que o gigante dorme? Quando seu pai vai pescar?”. O dormir de João é
150
sinal de quietação do corpo, mas não de calmaria nos pensamentos, pois as águas estão agitadas
e os pescadores revelam ação. As águas revoltas são os sonhos de João.
Na cena 8 (Ilustração 62), João está completamente adormecido numa colcha repleta
de peixes. O indício De que dorme está nos braços e pernas do personagem largados na colcha e
no texto escrito na expressão “cai no sono”. O texto também indaga sobre quais são os sonhos de
João, se são rios macios, lençóis d’água, lagoas ou represas. O simbolismo da água é altamente
espiritual; ela representa o fluxo da vida. Mas a água é um elemento muito importante para João,
pois seu pai é pescador e dela tira o sustento, o alimento. O texto escrito também se refere a
“sonhos molhados de medo” e lança a dúvida se é João que “abre a torneira” do medo,
sinalizando o poder de João sobre seus pensamentos.
Na cena 9 (Ilustração 63), o texto escrito denuncia que João deixou “escorrer o medo”
para girinos e conchas. O girino está relacionado à sua vida dupla, sobrevive dentro da água, mas
depois de adulto, perde a cauda e se transforma em um anuro (espécies dos sapos, rãs e
pererecas). As conchas, opostamente, fecham-se. O girino e a concha representam as dúvidas de
João quanto à decisão de crescer ou não. O “lago feito de medo” e o “lago redondo” descritos no
texto são a materialização do medo de João, que perde o controle, faz xixi e inunda o colchão. A
seguir o texto revela: “peixes deslizam mais que sabonete. Que rede segura um peixe maior que a
gente?”. João tem um problema: a vontade de fazer xixi. Seu problema é comparado a um peixe
que é maior que a rede, ou seja, o seu controle. Na ilustração, a colcha ganhou uma aparência de
rede e o personagem é retratado em tamanho menor que o peixe. João luta para não ser engolido
por ele.
Na cena 10 (Ilustração 64) João nada na mesma direção do cardume; ele vai ao
encontro do furo feito pelo peixe. O peixe está livre. O texto escrito evidencia a ação: “O peixe
furou a trama da rede”. João percebe que perdeu o controle e analisa o prejuízo: “De que
tamanho é o furo na colcha que cobre João?”.
Na cena 11 (Ilustração 65), João está avaliando o tamanho do furo, a extensão da
colcha molhada. Peixes de espécies variadas fazem parte da trama da colcha. Eles não seguem
uma única direção e simbolizam o conflito de João ao avaliar a importância do seu problema. O
texto escrito reforça: “Um palmo? Dois palmos? Três metros? Ou é do tamanho da cama?”.
Na cena 12 (Ilustração 66), o texto evidencia que toda a cama está molhada,
“bordados, caseados, cordilheiras, barcos de junco”. Na ilustração, a colcha está se desfazendo,
apenas alguns elementos na trama ainda sobressaem: dois peixes, dois barcos e um avião. Ele
próprio está sendo engolido pelo furo. Estes indícios sinalizam o estágio de sonolência de João, o
egresso do sono profundo.
151
Na cena 13 (Ilustração 67), há uma súbita mudança no cenário. A colcha desaparece,
João acorda e puxa uma linha. A linha representa os restos da colcha. No texto a pergunta de
João: “– Quem desfiou minha colcha?”. Essa reação demonstra a insatisfação do personagem,
que anda a passos largos. Ele se vê sem a proteção que é a sua colcha, mas ao mesmo tempo
reage e sai em busca de uma solução. Na seqüência seguinte, há um vazio, nenhuma ilustração e
apenas a pergunta escrita: “De que tamanho é o vazio onde antes estava a colcha que cobria
João?”. A página vazia representa a dimensão da colcha ou um grande conflito de João ao ver a
sua cama molhada.
Na cena 14 (Ilustração 68), João está com as mãos no joelho olhando as palavras
soltas. O texto escrito completa o sentido da ilustração: “João sem sono não sabe dormir
descoberto. No meio do vazio viu palavras espalhadas no chão.” A atitude de João é de reflexão,
ele pensa na solução do seu problema e o texto “espalhadas no chão?”, indicam uma idéia.
Na cena 15 (Ilustração 69), muitas palavras estão soltas, flutuando, e João segura uma
interrogação e dela faz uma agulha com a intenção de emendá-las. As palavras correspondem a
elementos do cotidiano do personagem, são subsídios da sua história de vida. Ele está confiante,
refazendo a sua colcha, ou seja, os seus sentimentos e auto-estima. A interrogação indica que o
questionamento o levou a uma reflexão e, conseqüentemente, a uma atitude.
A cena 16 (Ilustração 70) apresenta a ilustração de uma grande colcha feita de
palavras e João segurando a agulha/interrogação. Ele concluiu com êxito a tarefa de tecer a
colcha de palavras, ou seja, a superação do conflito. O que indica o término da tarefa é o fato de
não ter palavras soltas na página.
Embora a ilustração apresente uma enorme colcha com centenas de palavras,
representado o árduo trabalho; o texto evoca uma docilidade na ação do personagem, que inventa
uma cantiga de ninar enquanto costura. A cantiga de ninar embala o personagem enquanto ele
trabalha. Há um reconforto na construção da colcha, no fiar as palavras.
O último questionamento sugere uma continuação da narrativa: “De que tamanho é a
colcha de palavras que cobre João?”. Conclui-se que outros conflitos, questionamentos e
construção de idéias ainda farão parte da história de João.
QUARTO ESTÁGIO: Elaboração do Relatório
A narrativa do livro João por um fio (Mello, 2005) envolve o conflito de um menino,
filho de pescador, quando chega a hora de dormir. A noite, para ele, é mansa e doce a ponto de
beijá-lo e, ao mesmo tempo, é cheia de temores e o faz sentir solidão. O personagem, que é
representado por um ícone de única cor e sem traços de fisionomia definidos, está sempre
152
interagindo com a colcha, misturando-se na trama. Em alguns momentos João está brincando,
em outros lutando contra o medo ou, ainda, fiando.
A primeira leitura das ilustrações dá a entender que o artesanato da colcha é feito
com as tramas dos bordados e rendas brasileiros. Mas, analisando os detalhes, observa-se em
uma das estamparias da colcha as cholas da região da Bolívia e do Peru, tecendo e dividindo o
fio com João. Mais adiante, o texto revela outro traço da cultura desse povo; o barco de junco:
“um furo engolindo tudo: bordados, caseados, cordilheiras, barcos de junco”. Outro indício está
logo no início do livro: o autor dedicou o livro às crianças da Ilha de Uros, no Lago Titicaca. Em
palestra realizada na 26ª Feira do Livro de Brasília, o autor confirmou essa investigação e
comentou sobre a visita que fez a essa região, sobre seus costumes, a pesca, a ilha flutuante, a
totora, que é uma espécie de junco do Peru da qual se faz as embarcações típicas e
usadas no Lago Titicaca.
Toda a narrativa permeia um mundo simbólico, dos sonhos e da imaginação. A noite
pode conter um significado de introspecção, solidão e reflexão. É a noite que causa medo nas
crianças. Não é uma leitura fácil e de única interpretação; exige do leitor uma atenção para
perceber os detalhes. No início, o beijo da noite, demonstração de afago. Depois, a brincadeira
debaixo da colcha, representa a inocência infantil. “Quem tem medo de um gigante chamado
João?”. O gigante pode ser comparado à coragem. Mas quando o personagem dorme, ele pode
ficar desprotegido. O sono traz insegurança e dela vêem os temores. O peixe grande pode
simbolizar o perigo e o que destrói; é ele quem faz o furo que engole o bordado, o caseado, a
cordilheira, o barco de junco, signos que representam o cotidiano do personagem. O acordar do
personagem representa a ação, o reconstruir, muito bem expresso no texto pela palavra costura.
“Enquanto costura, João inventa uma cantiga de ninar”. A cantiga é o acalento.
À noite, depois que João se deita, os pensamentos rolam soltos e são representados
pela estamparia rendada da colcha que o cobre. João procura distrair-se enquanto o sono não
vem e brinca. O ilustrador usa traços e palavras para narrar os sonhos e os medos que preenchem
a noite de sono de João. Em cada seqüência, uma nova estampa é ilustrada com aviões, peixes,
flores, raias, cordilheiras, rios, girinos, redes de pesca, caseados, etc. O texto escrito baseia-se
nas interrogações do personagem, são perguntas/respostas que norteiam os seus conflitos e dão
pistas para uma provável solução.
O texto inicia com a seqüência de página dupla vermelha, sem ilustração, apenas a
indagação em preto na página à direita: “Antes de dormir o menino puxa a coberta: – Agora sou
só eu comigo?”. Em seguida, deitado numa colcha imensa e branca, na escuridão da noite, parece
não ter nada a temer – aviões, peixes e flores formam a trama, podem simbolizar sonhos, fartura
153
e alegria, respectivamente – continuam as indagações: “De que tamanho é a colcha que cobre
João? Do tamanho da cama? Ou do tamanho da noite?”. As evidências mostram que o tamanho
do cobertor imaginário de João é muito grande. De colcha costurada à mão, a trama vira mar,
lago, rio e depois a própria rede cheia de peixes.
João adormece e um grande peixe fura a trama da rede. O texto escrito “um lago
redondo inundando o colchão” é um indício de que o personagem fez xixi e molha a colcha. E a
pergunta “que rede segura um peixe maior que a gente?” está associada ao sono de João que é
maior que o controle da sua necessidade fisiológica e que deixa molhar a colcha.
João acorda e pergunta: “– Quem desfiou minha colcha?”. Na seqüência seguinte, a
página com fundo vermelho está vazia, sem ilustração, somente um texto escrito em preto na
página à direita. O vazio na página representa o tamanho do problema de João, que é o vazio
onde antes estava a colcha que o cobria. Logo João vê palavras espalhadas no chão, são palavras
retiradas do próprio texto e representam o seu dia-a-dia, a sua história: colcha, vento, pescar,
terremotos, noite, gigante, cantiga, linhas, medo, girinos, ninar, etc. João encontra uma forma de
superação ao costurar as palavras como retalhos numa colcha. Ele refaz a própria história.
Nas páginas de guarda está impressa a ilustração de uma rede que apanhou elementos
do dia-a-dia de João: pequenos peixes, libélulas, caminhão de brinquedo, vidros com bolinhas,
concha do mar e um tatuí. Essa ilustração produz uma sensação de continuidade, ela abre e fecha
a narrativa de uma parte da história do personagem, apenas uma noite. Outro indício da
impressão de continuidade está na última cena, na pergunta sem resposta do texto escrito: “de
que tamanho é a colcha de palavras que cobre João?”.
O livro João por um fio é uma obra lúdica, ilustrada em traços minúsculos, um
bordado em pontilhismo, que sensibiliza e estabelece uma experiência dialógica e de
subjetivação no leitor. Um peixe preso artesanalmente por um cordão pode ser deslocado e
sugere a interação do leitor com a narrativa e com o objeto, brinquedo e livro.
6.7 Conclusões sobre a análise dos livros e recomendações
Ao analisar as narrativas das imagens dos livros infantis: Seca (Neves, 2000),
Casulos (Neves, 2007), Uma flor do lado de lá (Mello, 2004) e João por um fio (Mello, 2005),
surgiu uma inquietação ao refletir quanto à provável leitura que as crianças fazem destas obras.
Embora as narrativas possuam grande riqueza narrativa visual – fonte de fruição tanto para
crianças quanto para adultos –, as ilustrações destes livros têm uma gama de significações
que precisam de mediação para que se alcance uma leitura plena. Provavelmente, faz-se
154
necessário trabalhar o processo de conversão de significado à narrativa, para que a criança
chegue à mensagem que o autor quis transmitir.
A criança, naturalmente, possui uma imaginação fértil e um repertório capaz de
buscar as suas próprias significações, atingindo uma independência que a pode distanciar do
objetivo imaginado pelo autor. Evidentemente, não há problema algum em buscar outras
significações, em recriar a narrativa, visto que a análise meticulosa e sistemática da imagem não
é imposição do autor nem intenção do leitor comum. Até mesmo a análise semiótica pode
incorrer em pretensões contrárias ao desejado pelo autor. No entanto, um mínimo de
conhecimento faz-se necessário para a compreensão da narrativa ou se corre o risco de fazer uma
leitura de imagens isoladas, superficial, sem o comprometimento com o enredo; enfim, como
apresentado na teoria semiótica, nesta condição, o leitor atingiria apenas a primeiridade.
No livro infantil, as crianças assimilam as primeiras convenções da imagem no
suporte impresso, observando que as convenções da linguagem visual não se encontram nas
obras em si, mas fora destas, nas estruturas sociais. Nesse sentido, é comum observarmos
crianças solicitando uma nova leitura. Esse pedido pode ter várias interpretações, entre elas, que
a criança ainda não entendeu tudo ainda e necessita que se proceda à narração mais uma vez para
abarcar todas as informações necessárias à sua produção de sentido; ou que ela entendeu e busca
um reforço, um entendimento diferente, ampliando seus horizontes cognitivos.
Entretanto, bem diferente do que acontece no processo de aprendizagem da leitura
verbal, em que há uma conduta formal; a aprendizagem da leitura imagética, normalmente se dá
por iniciativa informal e é auxiliada pelos diversos meios de comunicação social como a
televisão, o cinema e as mídias digitais.
Nessa informalidade, os leitores assimilam, mesmo sem tomar consciência, algumas
convenções culturais básicas à leitura das narrativas imagéticas. No caso dos livros analisados,
basicamente para a compreensão da narrativa do livro Seca (Neves, 2000), é preciso saber que
seca se refere à falta de água provocada pela escassez de chuva no Nordeste do Brasil e que a
lata é um objeto comum entre os nordestinos para o transporte de água. No livro Casulos (Neves,
2007), é importante o conhecimento do processo de metamorfose da borboleta, e que casulo se
refere ao invólucro que protege a lagarta em fase de formação. No livro Uma flor do lado de lá
(Mello, 2004), é fundamental a leitura das expressões que convencionam a tristeza, a alegria, o
espanto e o desespero da anta. No livro João por um fio (Mello, 2005), o leitor precisa buscar
uma identificação com a cultura dos pescadores e com a linguagem poética.
Contudo, o desafio do ilustrador é, justamente, fazer com que a sua idéia seja
compreendida pelo leitor, e para isto recorre aos recursos e técnicas de ilustração e de outras
155
habilidades subjetivas, como a criatividade, a intuição e a sensibilidade. Cabe ao ilustrador
identificar e utilizar a força destes recursos e habilidades em prol da conversão de significados
voltados aos objetivos pretendidos.
A análise desses livros permitiu, ainda, a observação de que os autores buscam novas
formas de narrar, instigando o leitor à reflexão, a construir a narrativa seguindo as pistas
deixadas por eles. Há uma profundidade textual que requer um tempo diferenciado para a leitura,
em constante provocação e, muitas vezes, são necessárias repetidas leituras para se chegar a uma
compreensão. Constatou-se que os estilos usados pelos ilustradores para narrar trazem em seus
núcleos, diversas significações que permeiam camadas objetivas e subjetivas, submetendo o
leitor a uma constante introspecção.
Os livros analisados apresentaram uma leitura a partir dos projetos gráficos, que
impactam pela inovação, destacando a abertura das páginas no sentido vertical (Casulos, Neves,
2007) e a inclusão no projeto de um marcador-brinquedo (João por um fio, Mello, 2005). Outro
aspecto inovador é a disposição das ilustrações nas páginas, aproveitando o recurso
cinematográfico (zoom) que distancia e aproxima a imagem do leitor (Seca, Neves, 2000 e A flor
do lado de lá, Mello, 2004). Destaque, também, para o uso de recursos com a tendência de
aplicações que interagem texto e ilustração, uma forma híbrida na narrativa (Seca, Neves, 2000 e
João por um fio, Mello, 2005).
Na análise, as percepções detalhadas de leitura tiveram êxito graças ao roteiro para a
Análise Semiótica de Imagens Paradas (Penn, 2002). No entanto, cabe mencionar que, no
decorrer da análise, apesar de compreender a finalidade de cada estágio no roteiro, houve a
preocupação em descrever o conteúdo pertinente a cada estágio, implicando na repetição de
algumas informações. Porém, esse procedimento foi de fundamental importância para a
compreensão do processo descritivo e analítico dos livros infantis.
Entretanto, volta-se à inquietação inicial, que questiona como uma criança interpreta
esses textos e se a leitura flui de forma a ampliar seus conhecimentos. E, ainda, pode-se
questionar como a sociedade da informação prepara os futuros leitores de imagens sobretudo
aqueles que serão tratadores de informações imagéticas, assunto considerado da maior
importância na Ciência da Informação. Não há como não se preocupar com os meandros da
análise documentária de imagens, com a sua indexação e com a confiabilidade na fidelidade da
recuperação de imagens. Não foi objetivo desta pesquisa, na sua concepção, a investigação
desses problemas. No entanto, muito se tem a discorrer sobre esses assuntos e a análise dos
livros trouxe essa motivação, reservada para oportunidades futuras.
156
Pode-se considerar que o domínio de uma criança na leitura de imagens interfere no
seu desenvolvimento cognitivo, cultural e artístico. Considera-se, que a criança constrói a sua
experiência ao longo do seu processo de desenvolvimento, em função da densidade de estímulos
e das incitações do seu meio sociocultural.
Contudo, como se caracteriza este desenvolvimento? Em que medida essa forma de
linguagem – imagem – aparece como meio de aprendizagem? Quais são as características do
desenvolvimento social, intelectual, lingüístico e afetivo dos receptores infantis em sua relação
direta com as práticas de leitura de imagem? Quais são as formas de mediação de leitura de
imagem que aproximam o leitor dessa atividade?
Por mais que sejamos evoluídos tecnologicamente, por mais que sejam feitos estudos
para que esta informação chegue com melhor qualidade ao seu destino, por mais que se invista
na produção literária e gráfica de livros infantis, se não houver a mediação pouco se construirá
conhecimento por meio das narrativas imagéticas.
A análise semiótica de imagens em livros infantis impõe sua importância ao auxiliar o
mediador na tarefa de desvendar as possíveis interpretações dos textos imagéticos e de conduzir
o leitor à leitura com produção de sentidos e significados.
Portanto, sugere-se o desenvolvimento de futuras pesquisas que abordem o estudo da
mediação da informação imagética na Literatura Infantil, visto que não basta ter acesso a livros
infantis de qualidade, pois, sem os estímulos e incitações provocados pela mediação, as novas
habilidades próprias do estágio evolutivo permanecem latentes e não permitem a sua expressão
no dia-a-dia, no contexto social no qual a criança está inserida, nos seus conhecimentos e nas
suas experiências.
157
7
CONCLUSÕES
A necessidade de se defrontar com o movimento inevitável da imagem visual na era
da informação instaura, no âmbito da Ciência da Informação, a importância do estudo da imagem
na Literatura Infantil como fonte de leitura. Esta pesquisa buscou a reflexão sobre os desafios e
as perspectivas das etapas de leitura de imagem, atentando para as diferentes possibilidades da
ilustração no livro infantil, para a observância de seus signos, suas implicações discursivas e para
a compreensão do processo da produção de imagens na Literatura Infantil.
A pesquisa bibliográfica fundamentou o estudo e se constituiu como um instrumento
para a investigação dos parâmetros que devem ser seguidos para se efetivar a leitura de imagens
em livros de Literatura Infantil e quais são os recursos empregados na criação destas, frente à
necessidade de garantir a produção de sentidos e significados no leitor.
Conclui-se que a percepção da imagem está relacionada com a motivação de cada
indivíduo, da forma pela qual ele capta a realidade à sua volta, com a sua história pessoal e
cultural. No entanto, verificou-se a necessidade de uma alfabetização visual que possibilite uma
leitura da imagem do livro de Literatura Infantil.
Toda produção artística – neste caso, a ilustração do livro de Literatura Infantil – é
resultado de uma elaboração sígnica que é única, exclusiva de quem a produz. A leitura que se
faz dessa criação pode carregar tanto as referências pessoais e culturais presentes no autor como
também as do leitor. A leitura não é passiva; acontece por meio de uma seleção, de um recorte da
realidade, produto da recepção feita do mundo por meio dos sentidos, da percepção, da
imaginação, da intuição e do intelecto.
A partir de Capeller (1998) e Feldman (1970), verificou-se que, para captar o
significado de uma obra de arte e fazer sua leitura, o melhor meio está em descrever, analisar,
resgatar na imagem os efeitos de sentido da própria organização sensórica e estrutural do objeto,
o que implica em construir um conhecimento a partir das características observadas e
apreendidas do texto.
A pesquisa tomou como base a teoria semiótica de Peirce (2000) para a compreensão
de como o homem adquire, processa e responde as informações com seus significados. A
investigação semiótica abarca todas as áreas do conhecimento ligadas às linguagens ou sistemas
de significação e conduz à compreensão do movimento interno das mensagens e à produção de
sentidos baseadas nas relações entre os signos. Sua principal utilidade está na possibilidade de
descrever e analisar a dimensão representativa de objetos, processos ou fenômenos em categorias
ou classes organizadas.
158
No entanto, verificou-se que apesar dos inúmeros avanços em pesquisas, a
investigação dos processos de leitura e análise de imagens continuam sendo tarefas complexas,
sobretudo se considerarmos a condição simbólica, abstrata, que a imagem representa para cada
leitor. Cada indivíduo reage aos estímulos da imagem de forma particular e especial, de acordo
com a sua formação, cultura, sensibilidade e interesse.
Como exemplo, a leitura da imagem de um livro de Literatura Infantil pode ser
desenvolvida permitindo que o leitor consiga uma série de informações e significados
enriquecendo seus conhecimentos, mas se percebe que uma mesma ilustração pode ter várias
interpretações, de acordo com o repertório e o contexto social de cada leitor. Além disso, um
mesmo leitor, deparando-se com a mesma ilustração no dia seguinte ou em outro momento,
pode produzir uma descrição com idéias bem diferentes das que produziu quando a viu pela
primeira vez.
Diante da multiplicidade de informações imagéticas, o leitor pode ser conduzido a
três estágios de leitura que em Semiótica designa de primeiridade, que é a pura consciência
imediata, não analisável; a secundidade, que são relações diádicas, analítico-comparativas; e a
terceiridade, que entende-se pelas relações de percepção, comparação e conclusão.
A imagem é fundamental no livro infantil e acompanha ou constrói a narrativa da
história. Por ser tão importante, a leitura de imagens constitui objeto de apreciação e estudo por
críticos em Literatura Infantil, ilustradores e segmentos do mercado editorial.
Contemplando a idéia e associação das práticas de aprendizagem e técnicas ou
recursos utilizados no processo de textualização da imagem, o uso da alfabetização visual,
verificou-se ser possível a organização do pensamento e a efetiva leitura de imagens em livros de
Literatura Infantil.
Para tal empreendimento, constatou-se que a excelência na criação de imagens em
livros infantis envolve aspectos como o da formação dos profissionais da imagem, e não apenas
o domínio de técnicas de ilustração, mas também um conhecimento da linguagem infantil que é
específica e exigente. Todo o projeto gráfico destinado ao público infantil deve passar por um
processo de criação afinado com as necessidades desse leitor.
A tarefa de toda produção gráfica – ilustradores, designer gráficos, editores – está
também na possibilidade de fazer da imagem do livro infantil – capa, corte, formato, ilustração,
texto escrito – um fio condutor para novas experiências e provocador das idéias para levar à
compreensão e à crítica da realidade. Em grande parte, a primorosa qualidade gráfica e o elevado
padrão de design são pensados apenas como atrativos para os consumidores.
159
Embora se esteja em meio à acelerada evolução tecnológica, a imagem ganha cada
vez mais espaço na vida das pessoas. Com isso, alcança o público infantil que acompanha e
interage, naturalmente, com estas evoluções. Mas, mesmo inseridas neste contexto, as crianças
passam da condição de leitor para internautas, mesmo antes de dominar os códigos de linguagem
verbal e visual. O resultado desta ação está na inabilidade de construção do pensamento lógico,
inabilidade de leitura que requer automaticamente a ordenação das idéias e a compreensão da
linguagem. Queimam etapas importantes na construção do conhecimento. A habilidade de leitura
de imagens do livro infantil vem preencher parte desta lacuna na era da informação.
A relevância para a pesquisa específica está em que esta perspectiva teórica considera
que o fator aprendizagem na leitura de imagem – o aspecto pedagógico – precisa ser examinado
sob muitos ângulos, abarcando-os em diferentes seriações e repertórios, estabelecendo relações
variadas, capazes de ensinar a pensar e gerar autonomia intelectual nas novas gerações. Entre
outras contribuições, essa pesquisa manifesta a perspectiva de orientação para os profissionais da
informação que lidam com esse produto no fomento à leitura.
Como resultado da pesquisa, verificou-se que a leitura de imagens, principalmente
quando direcionada à criança, não precisa dispor de uma análise sistemática como a disposta na
pesquisa, mas deve contemplar algumas etapas como as sugeridas por Feldman (1970), que
propõe a descrição, a análise formal, interpretação e o julgamento da obra. Mas o objetivo da
pesquisa buscou ir além desta proposta de leitura e procurou desenvolver um estudo de como a
informação por meio da imagem em livros infantis pode ser analisada academicamente.
No entanto, os profissionais da informação, certamente, poderão aplicar o roteiro
sugerido por Penn (2002) para a Análise Semiótica de Imagens Paradas, com o intuito de
analisar e descrever precisamente os processos narrativos das imagens dos livros de Literatura
Infantil. O roteiro contempla quatro estágios que envolvem a escolha do material; um inventário
denotativo das imagens; um inventário conotativo, análise de níveis de significação mais altos; e
a elaboração de um relatório.
Para a análise da imagem algumas habilidades são fundamentais, como a observação,
capacidade de síntese, orientação espacial, sentido de dimensão, etc., e tais habilidades permitem
perceber como os elementos da linguagem artística foram organizados. Além disso, precisa-se
associar o que foi observado a outras informações provenientes dos conhecimentos acumulados e
pela cultura humana através dos tempos. No entanto, faz-se necessário uma participação ativa
que envolve a sensibilidade, a inteligência, ao mesmo tempo intelectual e emocional,
denominada experiência estética.
160
Conclui-se ainda, que a ilustração no livro de Literatura Infantil, enquanto objeto do
saber e de arte, não deve se limitar à auto-expressão e à criatividade; ela deve, principalmente,
desenvolver na criança a habilidade perceptiva, a capacidade reflexiva, de formação de
consciência crítica e, sobretudo, respeitando a sua transição de desenvolvimento cognitivo,
introduzir a autonomia do conhecimento.
Na Sociedade a Informação, em que se propaga excessivamente a imagem no
cotidiano das relações sociais como instrumento de comunicação de massa, a leitura de imagens
no livro infantil constitui-se uma importante ferramenta de aprendizagem, capaz de introduzir a
criança no contexto imagético, de forma que ela supere os bloqueios peculiares do pensamento
concreto e passe a formular pensamentos abstratos, construindo a sua própria cosmovisão.
161
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166
ANEXO
167
Universidade de Brasília
Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Ciência da Informação e
Documentação – FACE
Departamento de Ciência da Informação e Documentação
Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação
Pesquisa sobre a leitura de imagens na Literatura Infantil
Prezado Ilustrador,
Estas perguntas fazem parte de uma pesquisa do Curso de Mestrado em Ciência da
Informação da Universidade de Brasília, cujo objetivo é conhecer o processo de criação de
imagens em livros de Literatura Infantil.
Muito agradeceria a sua gentil colaboração em responder e enviar para um dos
endereços:
[email protected]
[email protected]
Liliane Bernardes Carneiro
(61) 3562 9224 / 9100 9334
Entrevista:
1- Qual é a importância da ilustração no livro infantil?
2- Quais parâmetros se devem seguir para identificar uma ilustração de qualidade?
3- Existe alguma diferença entre o processo de criação de ilustrações para livros infantis e
demais tipos de ilustrações? Comente.
4- No ato de criação da ilustração do livro infantil, o Senhor preocupa-se, de alguma forma, com
a leitura que a criança virá a fazer desta imagem? Comente.
5- Ao ilustrar livros infantis de outros autores, a inspiração está nos textos escritos, ou há algo
mais no decorrer do processo criativo?
6- O escritor, para melhor expressar a linguagem verbal, pode usar de recursos como o da
escolha de diferentes classes de palavras e estruturas semânticas. Quais recursos o ilustrador
pode utilizar para melhor expressar a linguagem imagética?
7- Em relação à Literatura Infantil, como o Senhor avalia o mercado editorial no Brasil?
8- Em época de globalização, internet e tecnologia avançada, onde as imagens estão cada vez
mais acessíveis, pode-se afirmar que a criança em contato com os recursos mediáticos estará
mais capacitada a fazer a leitura de imagens? Comente.
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Dissert_Liliane Carneiro - Repositório Institucional da UnB