UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA PAULA CAROLINE PEREIRA DOS ANJOS TECENDO SIGNIFICADOS: A IMPORTÂNCIA DAS ILUSTRAÇÕES DO LIVRO DE LITERATURA INFANTIL “A MOÇA TECELÔ. Abril, Salvador-Ba 2009. PAULA CAROLINE PEREIRA DOS ANJOS TECENDO SIGNIFICADOS: A IMPORTÂNCIA DAS ILUSTRAÇÕES DO LIVRO DE LITERATURA INFANTIL “A MOÇA TECELÔ. Monografia apresentada como requisito parcial de obtenção da graduação em Pedagogia, habilitação em Anos Iniciais, do Departamento de Educação, da Universidade do Estado da Bahia, sob orientação da Profª.Tânia Dantas. Abril, Salvador-Bahia 2009. "Frente ao livro ilustrado a criança (...) vence a parede ilusória da superfície e, esgueirando-se entre tapetes e bastidores coloridos, penetra em um palco onde o conto de fadas vive". (BENJAMIN, 1984) RESUMO Esta pesquisa foi realizada com intuito de descobrir como as ilustrações de um livro de literatura infantil, em especial as do livro A Moça Tecelã de autoria de Marina Colasanti, podem contribuir para o acesso e interesse da criança pela leitura. Através do estudo do contexto histórico no qual surgiram os livros de literatura infantil e do seu desenvolvimento ao longo do tempo, foi possível perceber que o livro de literatura infantil é um instrumento de grande ajuda ao docente, no sentido de auxiliar, como suporte, na elaboração de atividades significativas capazes de promover aprendizagens importantes, além de ajudar a criança no processo de aquisição da linguagem tanto oral quanto escrita. É portador de inúmeros recursos, dos quais a ilustração caracteriza-se como um dos principais, ao passo que está mais relacionada ao lúdico e o universo infantil. Na pesquisa de campo, que foi realizada na Escola Municipal Maria Conceição Santiago Imbassahy, foi feita atividade com os alunos do Ciclo 1, com base nas ilustrações do livro de literatura infantil A Moça Tecelã, de autoria de Marina Colasanti, sendo possível constatar que o trabalho com base nas ilustrações de livros de literatura infantil é extremamente importante e compensador, no sentido de aprimorar os conhecimentos dos alunos, despertar capacidades e interesses, antes adormecidos, contribuindo significativamente ao processo de desenvolvimento do qual as crianças estão vivenciando. Diante deste estudo, fica inevitável pensar na ilustração como uma ferramenta capaz de promover aprendizagens muito significativas, ao passo que possibilita ao aluno o acesso à leitura antes mesmo deste dominar a linguagem do código escrito. Palavras – Chave: Ilustração. Livro de literatura infantil. Leitura. ABSTRACT This research was made in order to discover how the illustrations for a book of children's literature, particularly the book. The authors of the Orb Weaver Young Woman Marina Colasanti, can access and contribute to the interest of the child for reading. By studying the historical context in which emerged the books children's books and their development over time, could see that the book of children's literature is an instrument of great help to teachers, to help and support in development of significant activities able to promote significant learning, help the child in the process of language acquisition both oral as written. It is the bearer of many resources, of which the illustration is characterized as a major, while is more related to the universe and playful child. In field research, which was held at the Municipal School Conceição Maria Santiago Imbassahy, was active with the students of Cycle 1, based on the book illustrations of children's books The Young Woman Orb Weaver, by Marina Colasanti, and can see that the work based on the illustrations of books of children's literature is extremely important and rewarding, to improve students' knowledge, awakening skills and interests, before sleeping, contributes significantly to the development process of which children are experiencing. In this study, it is thought inevitable in the illustration as a tool to promote learning very significant, while allowing the student access to reading this before they master the language of the written code. Key - words: Illustration. Book of the Child Literature. Reading. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 7 1. CONTRIBUIÇÕES DAS ILUSTRAÇÕES DOS LIVROS DE LITERATURA INFANTIL ......................................................................................................................... 9 1.1. O LIVRO INFANTIL: BREVE RETROSPECTIVA HISTÓRICA ...........................10 1.2. O LIVRO DE LITERATURA INFANTIL ILUSTRADO ..........................................14 1.3. UMA BREVE HISTÓRIA SOBRE A ILUSTRAÇÃO ..............................................16 1.3.1. PARTICULARIDADES DA ILUSTRAÇÃO: CONHECENDO SUAS FUNÇÕES.......................................................................................................................... 22 1.4. RELAÇÕES ENTRE A ILUSTRAÇÃO E O LEITOR.............................................. 23 2. O LÓCUS E OS ENVOLVIDOS NA PESQUISA DE CAMPO...............................26 2.1. A ESCOLA...................................................................................................................27 3. ANÁLISE DAS CONTRIBUIÇÕES DAS ILUSTRAÇÕES DO LIVRO “A MOÇA TECELÔ ......................................................................................................................... 29 3.1. O LIVRO: A MOÇA TECELà – MARINA COLASANTI....................................... 32 3.2. CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DAS PERCEPÇÕES, DOS ALUNOS DA CLASSE PESQUISADA, PRESENTES NA ESCOLHA DO LIVRO...............................................34 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................37 REFERÊNCIAS..................................................................................................................40 Introdução O presente trabalho aborda a importância das ilustrações dos livros de literatura infantil (em especial as do livro A Moça Tecelã de autoria de Marina Colasanti), como estimuladora do gosto pela leitura, a fim de descobrir como estas contribuem para despertar esse interesse na criança (problemática). Tem como objetivo central a identificação e a avaliação dessas contribuições determinantes para este estímulo. Já os objetivos específicos se pautam no levantamento de informações bibliográficas sobre a importância da ilustração e sistematização de suas relações com o texto escrito do livro de literatura infantil, realizando coleta de informações sobre a contribuição das ilustrações como facilitadora no ensino-aprendizagem da leitura. Após fazer o levantamento bibliográfico dos aspectos que auxiliam a construção do conceito de ilustração no livro de literatura infantil, comecei a minha pesquisa de campo, na qual observei e registrei como os alunos do 1º Ciclo, do turno vespertino, da Escola Municipal Maria Conceição Santiago Imbassahy “lêem” as ilustrações do livro de literatura infantil “A Moça Tecelã”, de autoria de Marina Colasanti, que foi selecionado por apresentar riqueza da linguagem visual e por oferecer subsídios necessários à minha pesquisa no que tange aos aspectos relacionados às ilustrações dos livros contemporâneos de literatura infantil. Depois de ter coletado os dados necessários à pesquisa, analisei-os à luz dos teóricos estudados e citados no decorrer do trabalho. Contudo, é possível perceber (mesmo no começo da pesquisa bibliográfica) que, atualmente, algumas mídias estão prendendo, cada vez mais, a atenção e o interesse de adultos, jovens e crianças, principalmente do público infantil, que está em permanente contato com diferentes tipos de mídias visuais como, televisão, vídeo-game, computadores e Internet. Dessa forma, as crianças têm se afastado da leitura de livros de literatura infantil, agentes importantes na formação de leitores ativos e na obtenção da escrita. Nesse sentido, o resgate de livros de literatura infantil pelas crianças é algo de grande necessidade e importância, já que, é nessa fase que se constrói a necessidade pela leitura, se forma a personalidade e se desenvolve atitudes de um futuro adulto leitor. 1. Contribuições das ilustrações dos livros de literatura infantil Segundo Faria (2004, p. 52), a leitura freqüente na infância, contribui de forma direta para o sucesso no processo de aquisição da escrita. Dentro dessa perspectiva, as ilustrações de um livro de literatura infantil são de grande importância para ajudar a atrair a atenção da criança para o livro e, possivelmente, sua leitura, auxiliando na formação de leitores e contribuindo no processo de aquisição da leitura e escrita por parte das crianças. Percebendo o interesse despertado pelas imagens, as editoras têm investido, cada vez mais, em livros modernos de literatura infantil, com ilustrações ricas em conteúdos que, em alguns casos, chegam a dispensar a linguagem escrita (texto). Atualmente, alguns livros são elaborados tendo como suporte apenas exposição de imagens. Assim, o ato de ler se inicia pelo contato visual e físico em que o sujeito olha e é atraído ou não pelo que vê e, na seqüência, toca na capa e passa a manusear o livro. Nos processos de apreensão do livro, as significações são atribuídas pelo leitor, a partir da interação entre visualidade da ilustração e o texto. As linguagens presentes no livro, esse objeto cultural, se oferecem como portas de acesso ao sentido ali constituído e cuja escolha inicial do leitor recai na ilustração sedutora, mas complexa em suas articulações ao dialogar com a palavra. Por isso, é imprescindível retirar a ilustração de uma condição secundária ou de invisibilidade e compreendê-la como linguagem impregnada na manifestação do sentido textual (RAMOS, 2004). Segundo Jesualdo (1993), é importante que se tenha preocupação em fazer uma obra voltada para os infantes, pois: “Uma literatura para crianças com pretensões a alcançar completamente as finalidades a que se propôs não pode descurar sua feição material. E isto não apenas para que a leitura se faça mais agradável devido ao formato do livro, á graça e riqueza dos tipos utilizados na impressão, devendo, no caso do livro infantil, predominar os tipos redondos e graúdos, que são atrativos e agradáveis à vista; mas também pela proporção do volume e até pela encadernação, que o torna mais facilmente manuseável, como pelo material nele empregado – papel, tinta, cartão, etc. – e muito especialmente por suas ilustrações.” (Jesualdo, 1993, p.201). Conforme Jesualdo (1993) a criança compreende as belas estampas melhor do que qualquer outra linguagem, e estas coloridas, sem necessidade sequer da presença da palavra, devem ser o seu primeiro livro de leitura. Nada há que se marque tão profundamente na alma da criança como as imagens gráficas. Diante do exposto, é possível afirmar que para as crianças muito pequenas, o desenho das letras é um sinal incompreensível, não significa nada. A imagem (desenho, fotografia, recorte, gravura) é um sinal que elas “traduzem” facilmente, é um ícone. Este sinal (ou “signo”) mantém relações muito próximas, na aparência, com o objeto representado, que é imediatamente “entendido” pelo recebedor. Como ressalta Cunha (1991), quando se quer despertar o interesse pelas histórias nas crianças, em geral lidas para elas, é importante a gravura: deve nesse caso, prevalecer a ilustração. O texto deve ser pequeno para conduzir a atenção na observação das figuras. Para os alunos que começam a ler, ainda deve predominar a ilustração e o texto, também pequeno, deve apresentar-se em letras grandes e redondas. Como percebemos, os livros de literatura infantil atuais, cheios de ilustrações, recursos gráficos dos mais variados, materiais diversos e estilos diversificados, portadores de histórias tradicionais ou contos modernos, são capazes de prender a atenção do pequeno leitor e abrir portas para o universo mágico e misterioso da leitura, resultando em inúmeras e importantes aprendizagens; ao passo que os livros de literatura infantil ajudam também a despertar o gosto pelo ato de ler e conseqüentemente auxiliam no processo não só de alfabetização, mas também no letramento do indivíduo. 1.1. O LIVRO INFANTIL: BREVE RETROSPECTIVA HISTÓRICA Conforme as pesquisas de Lajolo e Zilberman (2006), as primeiras publicações de livros apareceram no século XV, porém, é somente no século XVIII que surgem os livros especificamente voltados para a criança. Até então, obras como as Fábulas de La Fontaine (1668 e 1694) e os Contos da Mamãe Gansa de Charles Perrault1 (1697), atualmente associados ao gênero infantil, haviam sido publicados, visando o público em geral. É após o sucesso das obras de Perrault (1697) que a literatura infantil adquire espaço, caracterizada principalmente pelos contos de fada. Apesar das publicações francesas de La Fontaine e Perrault, é na Inglaterra que a literatura infantil, como produto de consumo, ganha importância, fortalecida pelo grande comércio deste país, abundância de matériaprima e, principalmente, pelo seu desenvolvimento no período da Revolução Industrial. Entre as instituições sociais que garantiram o seu fortalecimento está a família. Cada membro assumia um papel específico na sociedade, até mesmo a criança, “motivando o aparecimento de objetos industrializados (o brinquedo) e culturais (o livro) ou novos ramos da ciência (a psicologia infantil, a pedagogia ou a pediatria)” (LAJOLO E ZILBERMAN, 2006, p.17). Considerando a expansão da industrialização e do comércio nesse período histórico, o livro infantil surgiu com características de produto, com base no consumo. Para tanto, era necessário a alfabetização de grandes massas populares constituindo-se um público leitor. Daí decorreu a relação dos livros com a escola, fazendo com que muitas publicações adotassem uma postura bastante pedagógica. (LAJOLO E ZILBERMAN, 2006, p.18). Destacam-se, nesse século, as publicações adaptadas de clássicos da literatura ao gênero infantil, como Robinson Crusoé (1717) de Daniel Defoe e Viagens de Gulliver (1726) de Jonathan Swiff. No início do século XIX, surgem na Alemanha, as obras dos Irmãos Grimm2 (1812), feitas a partir de adaptações de histórias folclóricas populares. 1 Charles Perrault é considerado o pai da literatura infantil por ter publicado Contos da Mamãe Gansa, uma coletânea de contos populares, em 1697. 2 Jacob Grimm e Wilhelm Grimm publicaram contos populares alemães no início do século XIX. Entre alguns dos seus contos estão: A Bela Adormecida, Os Sete anões e a Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho, Joãozinho e Maria (1825). São também do mesmo século as publicações de Hans Andersen (1835,1842), na Dinamarca, com os contos O Patinho Feio, A Roupa Nova do Imperador, dentre muitos outros. Figura 1 - O Patinho Feio - Hans Andersen (1835). Como apresentado por Lajolo e Zilberman (2006), o livro no Brasil assim como nos outros países, também surgiu numa relação com a industrialização, o comércio, a urbanização e a propagação da escola como instituição. Alguns exemplos de obras brasileiras são: Contos Pátrios de Júlia Lopes de Almeida e Adelino Lopes Vieira (1886) e Contos Pátrios de Olavo Bilac e Coelho Neto (1904). Nessa época, prevalecem nos livros, valores como patriotismo, o civismo, a brasilidade, o moralismo, a obediência, a exaltação à natureza, além de tantos outros temas relacionados ao folclore brasileiro. Em 1912, Monteiro Lobato publica Narizinho Arrebitado3 e, a partir de então, passa a se dedicar a esse gênero literário marcando para sempre a história da literatura no país. 3 Monteiro Lobato publicou uma versão escolar acrescida de aventuras inéditas, com 181 páginas e com o título de Narizinho Arrebitado. Depois de aprovado pelo governo de São Paulo, foi adotado como "Segundo Livro de Leitura" das escolas públicas. Figura 2 - Narizinho Arrebitado – Monteiro Lobato (1912). Posteriormente, surgem e se fortalecem outros nomes como José Lins do Rego, Érico Veríssimo e Graciliano Ramos, falando de temas até então inusitados na literatura infantil. Nas décadas de 30 e 40, período marcado pelo Estado Novo e pela ditadura, ocorreram diversas reformas na área da educação e prevaleceu a preocupação na formação da criança como cidadã. Os livros que remetem à fantasia passaram a ser considerados inadequados à infância (RADINO, 2003). Os anos 50 são marcados pelos avanços tecnológicos e o advento dos meios de comunicação audiovisuais. Acontece a massificação da imagem, levando ao que Radino (2003, p.107) considera uma crise na leitura. Já, a década de 70, é caracterizada por um grande salto de qualidade e criatividade, com inovações no gênero infantil, assumindo finalmente uma postura crítica. “Valoriza-se neste momento, o espírito questionador, lúdico, irreverente e bem-humorado” (ibid, p.108). São alguns títulos dessa nova fase: Bisa Bia Bisa Bel e História do Contrário de Ana Maria Machado; A Fada que tinha idéias, de Fernanda Lopes de Almeida e A Bolsa Amarela, de Lygia Bojunga Nunes. Os temas abordados nos livros infantis também se ampliam, aparecendo as histórias policiais e as ficções científicas, ambas associadas ao cenário urbano contemporâneo: ”mistérios a serem resolvidos e a manipulação de engenhos e fórmulas são atributos do homem urbano, mesmo quando reduzido à faixa etária de uma criança. [...], se originam grandes inventos e superpoderes” (LAJOLO e ZILBERMAN, 2006, p.161). Já nos últimos anos, o imaginário passa a ser bastante explorado, através de histórias baseadas em temas tanto universais como regionais, como elementos de nosso folclore, ocupando espaço de destaque dentro da literatura. “[...] após ter conquistado a duras penas o direito de falar com realismo e sem retoques da realidade histórica, e ao mesmo tempo em que redescobre as fontes do fantástico e imaginário, a literatura infantil contempla-se a si mesma em seus textos” (ibid, p.161). 1.2. O LIVRO DE LITERATURA INFANTIL ILUSTRADO Os livros religiosos, as cartilhas escolares, principalmente as gramáticas e enciclopédias com imagens são considerados, por muitos, os precursores do livro infantil ilustrado. Nesse período, são raros os ilustradores que assinavam os seus trabalhos, permanecendo, na maioria das vezes, no anonimato. Além disso, a participação de diferentes “gravadores” (profissionais responsáveis pela reprodução dos originais nas matrizes de impressão) em uma mesma obra dificulta ainda mais a identificação da autoria. Um exemplo dos quais se tem conhecimento é o Orbis Sensualium Pictus (o livro visível em imagens) de John Amos Comenius (1658) (BURLINGHAM, 2007). No final do século XVII (1697), são publicados os contos de fadas de Perrault, ilustrados por Gustave Doré, com imagens em preto e branco caracterizadas, principalmente, pela grande riqueza de detalhes. Em contrapartida às fábulas, aparecem publicações de caráter moralista e religioso como Songs of Innocence do Illuminated Book (1789), de Willian Blake, que inovou no gênero ao trabalhar imagem e texto de forma integrada (QUENTIN BLAKE, 2003). Já no século XIX, na Inglaterra, destacam-se as traduções dos Irmãos Grimm, German Popular Stories ilustradas por George Cruikshank4 (1823), com ilustrações carregadas de humor e ritmo (QUENTIN BLAKE, 2003). Outra importante publicação deste mesmo século é Alice no País das Maravilhas, publicada em 1865, escrita por Lewis Carrol e ilustrada por John Tenniel. Até hoje, suas ilustrações da obra são as mais memoráveis, apesar do grande número de reedições feitas por diferentes ilustradores. In Fairyland, livro ilustrado por Richard Doyle e escrito por Willian Allingham, em 1870, também obteve grande sucesso entre o público infantil por suas imagens povoadas por duendes e fadas. É também deste século um grande número de publicações elaboradas com efeitos de popup (ilustrações tridimensionais), cortes especiais, peças para serem recortadas, livros que se tornavam cenários, bonecas de papel e os chamados harlequinade (ilustrações em abas móveis com imagens escondidas). Com a Iª Guerra Mundial esse tipo de livro deixou de ser publicado em função de seu alto custo e das dificuldades de importação. (BURLINGHAM, 2007). No início do século XX, destacam-se as obras de Beatrix Potter, que inovou ao associar comportamentos humanos a animais como em The Peter Rabbit (1900), além de demonstrar grande preocupação com as características físicas do livro, de forma a ser facilmente manuseável pelas crianças. Outro nome importante nesse período é E. H. Shepard, criador do até hoje famoso ursinho Pooh (1969). Este personagem chama a atenção por ser, não apenas um urso, mas também, um bicho de pelúcia que, em alguns momentos, deixa de ser um brinquedo e ganha vida. (QUENTIN BLAKE, 2003). 4 George Cruikshank (1792-1878) artista e caricaturista inglês. O final do século é marcado pela grande variedade de estilos de ilustrações, estimulada pelo desenvolvimento tecnológico na área editorial. No Brasil, é apenas nesse período que a ilustração começa a receber atenção dentro do livro infantil e nomes de ilustradores passam finalmente a serem conhecidos, como Eva Furnari, Roger Mello, Graça Lima, Nelson Cruz, entre outros. Cada vez mais ilustradores passam a escrever seus próprios livros, como Ziraldo, com a célebre publicação de O Menino Maluquinho (1980), entre muitos outros, além do aparecimento dos livros de imagens, ou seja, livros sem texto, como o Cântico dos Cânticos (1992) de Ângela Lago, mostrando que é possível construir uma história usando apenas ilustrações. Figura 3- O Menino maluquinho, Ziraldo (1980). No Brasil, nomes como o de Mariana Massarani, Elizabeth Teixeira e André Neves, têm conquistado o público infantil por explorarem o imaginário da criança através do inusitado. (BENJAMIM, 1984, p. 54). 2. UMA BREVE HISTÓRIA SOBRE A ILUSTRAÇÃO Tanto crianças, como jovens e até mesmo adultos de todas as faixas etárias apreciam uma boa narrativa apresentada por um contador que sabe dar vida a um conflito. A palavra oral adapta o conflito ao ouvinte e a história ouvida é o primeiro “livro” de diversos leitores. São livros ouvidos e vividos, literalmente. Mediante nossas experiências enquanto infantes, há histórias ouvidas que se transformam dentro do leitor e com ele vão crescendo e o transformam. Porém, elas só acompanham determinado sujeito porque alguém lhe propiciou o contato inicial, normalmente a própria família e até mesmo a escola podem exercer esse papel. Cecília Meireles (1979) afirma que a literatura tradicional, entendida como a popular, é a primeira a instalar-se na memória da criança, ela representa o primeiro livro, antes mesmo da alfabetização, e para grupos sociais iletrados, pode até ser o único, ou seja, o texto escutado. Ainda, de acordo com a autora, enquanto a figura do narrador vai desaparecendo ou pelo menos vai sendo reduzida, surge o livro, enquanto objeto, com uma aura de significados. Trata-se de um bem cultural com o qual a criança precisa aprender a interagir, pois possui possibilidades de apropriação de sistemas de linguagem diversos, como verbal, visual, gestual e expressiva, principalmente. Conforme estudos realizados nas obras de autores como Camargo (1995), Mokarzel (1998) e Floch (1991), com o surgimento da escrita e da transposição da oralidade para a escritura ocorre um distanciamento entre texto e o leitor, que antes era ouvinte, pois não há mais o contato direto entre contador e ouvinte. De acordo com Coelho (2000, p.188) o texto imagético passa pela instância de mediação do olhar e essa mediação propiciada pelo contador é substituída por aspectos visuais como o planejamento gráfico e, mais especificamente, pela ilustração. Portanto, a ilustração na literatura para as crianças aparece como uma linguagem de acesso mais imediato, auxiliando o leitor mirim a interagir com a palavra. As duas linguagens (visual e verbal) compartilham o mesmo suporte e na ilustração, geralmente, predomina o figurativo, referindo modelos da natureza ou figuras fantásticas oriundas do imaginário (COELHO, 2000, p.189). A natureza figurativa é de reconhecimento rápido e permite ao leitor estabelecer conexões com o mundo e elaborar redes interpretativas. “Frente ao livro ilustrado a criança [...] vence a parede ilusória da superfície e, esgueirando-se entre tapetes e bastidores coloridos, penetra em um palco onde o conto de fadas vive” (BENJAMIN, 1984, p.55). Confirmando o que foi exposto anteriormente, Ramos ressalta que: “A presença de ilustrações/imagens acompanhando os textos, desde os primórdios de seu aparecimento, tinha a finalidade de enfeitar ou esclarecer, ilustrar/informar para educar ou criar e propiciar prazer estético. Essa noção ainda é explicitada nos dicionários contemporâneos, entretanto, várias outras funções podem surgir, reunindo-se a estas, predominando ou mesmo anulando-as”. (RAMOS, 2002, p.84). Assim, esse caráter de apoio destinado à ilustração vai sendo alterado. A ilustração produzida para a literatura infantil ganha também reconhecimento no mundo artístico pelo aprimoramento de suas qualidades estéticas e como manifestação atual de cultura. Além disso, solidifica sua posição como parte integrante das diferentes manifestações da linguagem visual, possui características próprias e instala-se no texto, entendido como um todo de sentido. “A ilustração convive e faz parte do contexto da história da arte. Ela é um objeto de reprodução e está inserida em uma indústria cultural. Interrelaciona-se com outras linguagens, transita em um espaço multifacetado. Dialoga com o verbal, mas pode utilizar recursos adivinhos do cinema, da pintura, dos quadrinhos. Pertence a um período em que diferentes manifestações artísticas interagem, se interpenetram. Não há, ou não deveria ter mais a divisão preconceituosa em arte maior e menor, nem a divisão rígida de categorias artísticas. Picasso, Matisse ou Miro pintam, produzem cartazes, criam cenários”. (MOKARZEL, 1998, p.65). Para compreender-se a relação entre os livros infantis ilustrados e a criança, considera-se indispensável, segundo Benjamin (1984, p.51), o estudo do histórico da ilustração e do livro, visando destacar o momento em que ambos se encontram e passam a ser desenvolvidos especificamente para o leitor infantil, com características específicas e objetivos diversos que vão se modificando dentro de cada período histórico. O estudo dessas modificações, relacionado, principalmente, aos acontecimentos sociais, econômicos e tecnológicos, pelos quais a sociedade tem passado nos permitem melhor entender o valor atribuído ao livro na infância, tanto no passado, quanto no presente. No livro Alice no País das Maravilhas5 (Carrol, 2001) a personagem principal tenta acompanhar a leitura de um livro com sua irmã, mas se sente entediada, pois o livro “não tinha figuras nem diálogos; ‘para que serve um livro’, pensou Alice, ‘sem figuras ou diálogos’?” (Carrol, 2001, p.37). Essas figuras, das quais Alice fala, são as ilustrações do livro, que, principalmente na infância, instigam a curiosidade e convidam à leitura. Para a Associação dos Designers Gráficos (2000, p. 59) uma imagem é considerada ilustração quando seu objetivo for “corroborar ou exemplificar o conteúdo de um texto de livro, jornal, revista ou qualquer outro tipo de publicação”. Completando esta definição, a ilustração pode ser também uma imagem que substitui um texto, que o amplia, que adiciona a ele informações, ou que o questiona. Segundo pesquisas realizadas por Dalley (1982 - apud Lajolo e Zilberman, 2006), não se tem exatidão de quando datam as primeiras ilustrações, principalmente devido às diferentes definições que o termo apresenta. Para alguns autores, como o próprio Dalley, tanto a ilustração, como a escrita, possuem suas origens na pré-história, a partir das inscrições rupestres6. 5 Tradução de Neli Freitas (2001). A arte rupestre (ou parietal) consiste em pinturas e gravuras efetuadas sobre a rocha (ao ar livre ou, mais frequentemente nas paredes e tetos de grutas) pelo homem do Paleolítico Superior. Na maior parte das vezes são representados animais em liberdade e cenas de caça. A arte rupestre constitui a primeira forma de manifestação artística do homem. 6 Figura 4 -Pintura Rupestre As ilustrações que tinham como objetivo registrar acontecimentos da época, como por exemplo, a construção dos monumentos, aparecem no Antigo Egito. É também desse período os primeiros pergaminhos ilustrados (DALLEY, 1982, apud LAJOLO E ZILBERMAN, 2006). Já na Idade Média, conforme Manguel (1997), a ilustração aparece a serviço da religião levando os ideais da igreja à grande parte da população analfabeta. Um exemplo desse período é a Bíblia Pauperum7, reproduzida através da xilogravura, que é uma técnica de gravura na qual se utiliza madeira como matriz e possibilita a reprodução da imagem gravada sobre papel ou outro suporte adequado. Figura 5- Bíblia Pauperum Conforme ressalta Freitas (2005, p.85), com o retorno à cultura greco-romana e conseqüentemente, ao predomínio da razão e da ciência, durante o Renascimento, as ilustrações aparecem fortemente voltadas ao desenho técnico. Leonardo da Vinci é considerado o mais importante ilustrador técnico dessa época. 7 Bíblia pauperum ou Bíblia dos pobres: um dos primeiros livros xilografados e, certamente, também um dos mais conhecidos. Consistia de 40 quadros, ilustrando conhecimentos da vida de Cristo e cenas do Antigo Testamento; desta forma, foram feitas perto de onze edições. A medida que novas técnicas de impressão surgem, a ilustração ganha maior espaço dentro das “editoras” (área editorial). Outro importante invento, segundo Freitas (2005, p. 85), do século XIX é a fotografia (1839)8 que, por seu realismo, fez com que ilustradores se voltassem mais ao estímulo à imaginação do que ao realismo. Ainda segundo Freitas (2005, p.85), no início do século XX surge no ocidente a serigrafia, são feitos avanços consideráveis na área de produção de tintas, além do desenvolvimento da impressão em meio tom, aumentando substancialmente, ao ilustrador, as possibilidades técnicas de reprodução. A ilustração passa então a ser reconhecida como arte comercial. Nos últimos anos, entre as mais recentes e importantes inovações na área estão a introdução e o aperfeiçoamento da computação gráfica, além do surgimento das mídias digitais, como jornais, livros, revistas eletrônicas e websites, abrindo novos campos de atuação para ilustradores. No caso da obra destinada à infância ou mesmo ao jovem, considera–se ilustração não apenas os desenhos que acompanham a palavra, mas todo e qualquer recurso de produção de imagem, seja uma vinheta (pequena imagem de até um quarto do tamanho da página), a capitular (letra que inicia um capítulo, geralmente em tamanho maior do que as outras e em fonte diferente), figuras ou manchas (CAMARGO, 1995, p.16)9. Complementando o que Camargo (1995) enfatiza nos parágrafos anteriores, Ramos informa que: “A ilustração não é privilégio do texto destinado à criança. Ela aparece em diferentes mídias, como na publicidade, visando dar um caráter de verdade, auxiliar na recepção da peça ou mesmo na constituição da vaguidade semântica, 8 9 Ano de surgimento da fotografia. Luis Camargo afirma que, no livro, o projeto gráfico consiste no formato, número de páginas, tipo de papel, tamanho das letras, mancha, diagramação, encadernação, tipo de impressão, número de cores da impressão, etc. características da linguagem publicitária. Acreditamos, porém, que a ilustração não deva somente dar brilho à palavra, pois estaria na condição de texto de apoio. Ela, juntamente com a linguagem verbal, forma um texto, ou seja, o fenômeno apreendido pelo receptor constitui-se pelo enlace visual e verbal”. (RAMOS, 2004, p.32). Tais aspectos devem ser considerados ao selecionar uma obra para a infância. Enfim, tudo que se apresenta aos olhos do leitor. Cada modo de ilustrar, desde a técnica, o material, o suporte, aliado a um texto verbal, constrói determinado sentido, como nos revela Camargo (1998) através do estudo de diferentes obras da literatura infantil. Portanto, foi possível perceber diante das pesquisas bibliográficas que, ao longo do tempo, tanto o conteúdo quanto a forma do livro infantil ilustrado sofreram adaptações graduais para o público infantil, ao ponto de hoje, ser um produto de fácil identificação como gênero específico. 2.1. PARTICULARIDADES DA ILUSTRAÇÃO - CONHECENDO SUAS FUNÇÕES. Camargo (1995) faz um estudo das funções da ilustração na estrutura do teto, a partir das funções da linguagem propostas por Jakobson (1984). De acordo com Camargo (ibid, p.33), seja no livro ilustrado, em que a visualidade dialoga com o texto, seja no livro de imagem, em que a ilustração é a única linguagem, várias são as funções que ela assume no texto, ao descrever, narrar, simbolizar, brincar, persuadir, normatizar e pontuar pela linguagem plástica. A ilustração desempenha o papel de pontuação ao destacar um aspecto da trama ou demarcar o início e o término do texto, como a vinheta, capitular e cabeção. Tal função pode ser encontrada, segundo Camargo (1995, p.33), em diversos livros, marcando o início ou final de um capítulo, por exemplo, em Armazém de folclore, de autoria de Ricardo Azevedo (2001), a capitular em A casa da madrinha, de autoria de Lygia Bojunga Nunes (1998). Quando objetos, cenários, animais são mostrados mais detalhadamente ocorre a função descritiva, como se observa em Poemas para brincar, de José Paulo Paes (1991). Essa função é predominante nos livros informativos e didáticos, mas aparece também em obras infantis, afirma Camargo (ibid, p.34). A ilustração, segundo o autor, terá uma função narrativa quando orientada ao seu referente, a fim de situar o representado e mostrar transformações ou ações realizadas pelos personagens em diferentes graus de narratividade, contando uma história. Outra função atribuída à ilustração, por Camargo (1995), refere-se ao caráter simbólico. A ilustração pode ser investida de significados convencionais que representam uma idéia. Ela pode abrigar convenções de domínio público que servem para dar sentido à narrativa, como por exemplo, quando se evidencia o emprego da sinalização de trânsito para contar uma história. Já a função expressiva ou ética, mostra emoções, sentimentos, valores, através de postura, gestos, expressões faciais, elementos plásticos em linha, cor, espaço, luz. A ilustração dentro desta função pode permitir abordagens psicológicas, sociais e culturais (Camargo, 1995, p.35). A ilustração ainda pode apresentar a função estética quando chama a atenção para a forma ou configuração visual. Essa configuração pode ser representada por efeitos plásticos provocados por linha, cor, gesto, mancha, sobreposição de pinceladas, transparências, luz, brilho, enquadramento, contrastes. O autor ressalta que a função estética não se identifica com a de ornamentação, seu papel é sensibilizar o leitor através de efeitos estéticos. Outra funcionalidade apontada é a lúdica. Nesse caso, a ilustração orienta-se para o jogo, incluindo-se a brincadeira e o humor. Tal função é predominante em livros e jogos. A ilustração ainda pode desempenhar uma função metalingüística, quando orientada para o código, no caso, código visual, em que ocorram situações de produção e recepção de mensagens visuais que remetem ao universo visual da arte. Camargo (1995) apresenta funções para a ilustração a partir do papel desempenhado por ela no livro. Essa classificação é realizada a partir do papel na estrutura do texto e não da sua recepção. Assim, a partir da função que ela desempenha no ato da recepção do livro infantil, pensamos que ela pode orientar a concretização do livro, atuar como um enigma a ser decifrado, como também revelar a interação entre as linguagens. Esses são aspectos que implicam a leitura como compreensão e apropriação do texto para a produção de sentido pelo leitor. 3. RELAÇÕES ENTRE A ILUSTRAÇÃO E O LEITOR A ilustração, a partir da relação que ela estabelece com a palavra e com o leitor, pode orientar este na concretização do livro, através da interação entre as linguagens. A ilustração, assim, é vista em confluência com a linguagem verbal, ampliando as possibilidades semânticas. Ao pensar um livro para a criança que começa a manipular o objeto artístico é importante observar o tipo de suporte utilizado. Para refletirmos sobre essa questão, tomamos como referência alguns exemplos de obras literárias sugeridas por Camargo (1995) e apontadas por Ramos (2004). Dentre elas está a obra Feliz Natal, Ninoca! de autoria de Lucy Cousins (2000), apresenta encadernação resistente aos impulsos dos leitores iniciantes que ainda tem dificuldade de segurar o livro, porque sua motricidade fina está pouco desenvolvida. O tipo de papel e a utilização do plastificado da capa dão ao livro mais durabilidade e, principalmente, mais firmeza ao infante que precisa segurá-lo para efetuar a interação. (RAMOS, 2004, p. 34). Ramos (2004) ainda ressalta, comentando sobre o papel utilizado nas páginas, assim como a ausência da folha de rosto, segundo a autora, este indício pressupõe um leitor principiante que tem dificuldade de virá-las, uma vez que ao abrir o livro, o leitor já entra em contato com a história, sem preâmbulos iniciais. O modo como os desenhos são efetuados também prevê a identificação do leitor infantil, porque os traços são simplificados, ou seja, a ilustração não se fixa no detalhe, mas no conjunto da cena e, curiosamente, antecipa informações que só serão confirmadas no decorrer da narrativa. Assim, por exemplo, nas duas primeiras páginas vimos Ninoca com três cartões de Natal e recebendo o carteiro. O leitor (alfabetizado ou não) pode abrir os cartões já recebidos e ficar sabendo que em cada um deles está representado um animal: galinha, urso e jacaré (...). RAMOS (2004, p.35). É possível perceber, diante do relato da autora, que a ilustração na obra, além de ajudar a criança na construção do sentido, também é um elemento lúdico de interação física, já que o leitor pode ir mexendo, alterando a configuração da imagem através, como por exemplo, “o ato de puxar o tronco da árvore, iluminando-a” (RAMOS, 2004, p.35). O leitor assume um papel ativo na constituição dos sentidos do texto, uma vez que esses sentidos dependem da sua atuação sobre o livro (leitor co-participante). Os significados constituem-se por meio da oralização do texto verbal pelo adulto e pela ação da criança sobre as imagens. Portanto, constata-se que “o livro possui em sua estrutura elementos de modalização do sujeito leitor, que é provocado para um fazer transformador, tanto do texto como do leitor”, ressalta Ferreiro e Teberosky (1985, p. 135). Nesse caso, a criança apreende o texto pela visualidade pela mediação dos elementos materiais do livro, “instigadores da atuação” (RAMOS, 2004, p.35) e ou do adulto, que traduz os sinais gráficos para o leitor iniciante. Há também autores que se preocupam ainda com certos aspectos como, por exemplo, crianças que já estão familiarizadas com o objeto livro. A proposta de sentido da ilustração, nessas obras, não implica apenas a interferência nas imagens, mas a apreensão visual das mesmas. A exemplo de obras deste gênero destacam-se dentre muitas, de acordo com Ramos (2004), A Casa Sonolenta, de Audrey Wood, ilustrado por Don Wood (2003) e Tanto, tanto! de Trish Cooke, ilustrado por Helen Oxenbury (2000). Essas obras destacam-se pela riqueza visual que é um aspecto relevante na caracterização do texto, por suas condições de produção e circulação o que implica uma visibilidade. O texto torna-se visível ao convocar para si o olhar, ao impor-se ao leitor, ao conquistar sua atenção e adesão. (CAMARGO, 1995, p. 36). Para tanto, são utilizados recursos do jogo plástico e criam-se efeitos estésicos e estéticos. O tratamento particular dos traços constituintes das ilustrações e o projeto gráfico conferem plasticidade ao texto que pode ser observada, ocorrendo o mesmo nos enunciados lingüísticos (FLOCH, 1991, p.75). 2. O LÓCUS E OS ENVOLVIDOS NA PESQUISA DE CAMPO. Neste capítulo serão apresentados os dados dos alunos, da escola (lócus da pesquisa), da comunidade, do bairro no qual está localizada a instituição. Diante do que foi exposto no capítulo anterior, foi possível perceber, mediante prévia constatação, de que as ilustrações podem contribuir no despertar do interesse das crianças pela leitura, mesmo que seja a visual, principalmente se esta criança se encontra na fase inicial de leitura, na qual as imagens e por que não as ilustrações desempenham papel fundamental contribuindo para a aquisição da escrita, de acordo com relatos de autores renomados e incessantes pesquisas realizadas pelos mesmos. A partir deste capítulo, pretendo colocar em prática o meu objetivo central que é identificar e avaliar as contribuições da ilustração como estimuladora do gosto pela leitura. Desta forma, realizei pesquisa de campo com intuito de descobrir dentre os alunos da Escola Municipal Maria Conceição Santiago Imbassahy, do Ciclo inicial (1º Ciclo), série correspondente à alfabetização, no turno vespertino, como eles lêem as ilustrações e como estas podem contribuir para a compreensão da história do livro A Moça Tecelã de autoria de Marina Colasanti. A pesquisa de campo foi utilizada com a finalidade de conseguir informações e/ou conhecimentos acerca da problemática da pesquisa, sendo baseada na observação participante, na qual apliquei a atividade proposta para ser trabalhada com a turma do Ciclo 1, que será apresentada posteriormente. Em outro momento, depois de coletado os dados, realizei a análise dos mesmos, baseandose nos teóricos pesquisados e citados nos capítulos anteriores. A obra foi selecionada por apresentar riqueza visual, e por apresentar uma história interessante, apresentando, assim, subsídios para se trabalhar tais ilustrações com os alunos de maneiras diversificadas. Delimitei a atividade a ser aplicada com os alunos, baseada no objetivo da presente pesquisa na qual pretendo descobrir se realmente as ilustrações de um livro de literatura infantil, especialmente a obra selecionada, podem contribuir para o interesse do aluno pela leitura (mesmo que seja visual, vai depender da fase na qual o aluno se encontre para realizar determinada atividade). 2.1. A Escola A Escola Municipal Maria Conceição Santiago Imbassahy, na qual foi realizada a pesquisa de campo, fica localizada em Tancredo Neves, também conhecido como Beirú, bairro periférico e residencial, habitado por comunidade de baixa renda. O bairro possui mais de 120 mil habitantes e vive a realidade da carência e da falta de infra-estrutura presentes na maioria dos bairros surgidos pelo crescimento populacional desordenado das grandes cidades. Como a maioria dos bairros populosos e de baixa renda, Tancredo Neves/ Beirú apresenta um elevado índice de violência, que é estampada diariamente nas folhas dos jornais. Como se pode constatar, a falta de infra-estrutura, de acesso à educação e saúde, leva as pessoas dessa comunidade a uma sensação angustiante de abandono. A escola fica situada em uma curva conhecida como “curva da morte” e não possui sinalização, havendo apenas uma faixa de pedestres. A escola foi inaugurada no dia 16 de fevereiro de 2004 e recebeu esse nome em homenagem à mãe do ex-prefeito da cidade de Salvador, Dr. Antônio Imbassahy. A escola possui 10 amplas salas de aula, biblioteca, laboratório de tecnologia com 22 computadores, uma sala de professores, um pátio coberto, uma cantina, dois depósitos, uma secretaria, uma sala de direção, uma sala de professores, seis banheiros e conta, também, com uma rampa, no intuito de receber crianças com necessidades especiais. A escola é bem arejada, iluminada e conservada. Esta escola funciona nos dois turnos (matutino e vespertino), atendendo preferencialmente, às crianças da comunidade local, distribuídas em vinte turmas, aproximadamente 620 crianças, e conta com uma equipe de 19 professores, Direção Vice-direção no turno matutino e Vice-direção no turno vespertino. A escola conta com projetos como: MUNDO DA LITERATURA - Contos e Textos lidos e recontados, conforme a imaginação e criatividade dos alunos. PALMARES - UM PROJETO EM PARCERIA COM A SECRETARIA DE EDUCAÇÃO - Criação de um texto sobre a vida de Zumbi. Um dos ganhadores foi um aluno do 4º Ciclo, que ganhou, como prêmio, uma viagem para Alagoas. PETI-PROGRAMA DE EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA INTELIGENTE Se desenvolvem projetos articulados à prática pedagógica. Sala de aula X Laboratório de Tecnologia. REVITALIZAÇÃO DA BIBLIOTECA 10- Depois de uma concorrida seleção para escolha de um novo nome, onde todos os alunos deram suas sugestões, finalmente se chegou a conclusão que passaria a chamar de SALA MÁGICA. CEB inicial - Turma pesquisada A turma do Ciclo Inicial é constituída por 20 alunos, sendo que, efetivamente, conta com 16 alunos na faixa etária de seis anos, referente ao processo de alfabetização, ou seja, referente ao 1º ano de escolaridade. Perfil dos alunos de acordo com o nível de aprendizagem Conforme relatos da professora, observação de algumas das atividades realizadas pelos alunos e mediante atividade proposta na co-participação de algumas atividades realizadas pela professora responsável pela classe, constatamos que no nível de escrita os mesmos se 10 É necessário salientar que este Projeto é o que está menos adiantado, pois o acervo da “Sala mágica”, antiga Biblioteca, está sendo restaurado e renovado. apóiam na escrita do outro, ou seja, transcrevem o que está escrito. Somente quando tive a oportunidade de observar uma atividade que possibilitou demonstrar a hipótese alfabética foi que encontrei uma variedade de níveis presentes na teoria da psicogênese da língua escrita, da bióloga argentina Emília Ferreiro. 3. Análise das contribuições das ilustrações do livro “A Moça Tecelã”. No presente capítulo serão abordadas as atividades realizadas em sala de aula e a análise dos dados coletados na observação. ”Tomando de empréstimo a metáfora topológica utilizada por Löwy (1994), pode-se dizer que a finalidade deste trabalho é a leitura de determinada realidade, de uma ‘paisagem’, dentro das possibilidades e limites determinados, por um lado, pelo horizonte de visibilidade, pelo ‘observatório’ e, por outro lado, pela forma de ‘olhar’ e pela ‘arte de pintar’ do observador, fatores que fazem com que uma mesma ‘paisagem’ possa ser percebida sob ângulos distintos e complementares, sem que se perca de vista a totalidade na qual ela está circunscrita.” (ROCHA, 1999, p.34). Em meio às ilustrações criativas, que instigam a curiosidade dos leitores, o livro A Moça Tecelã da autora Marina Colasanti foi apresentado a classe do Ciclo 1, do turno vespertino, da Escola Municipal Maria Conceição Santiago Imbassahy. Foram disponibilizados o total de 5 (cinco) livros da mesma obra para o início da apreciação dos alunos. A priori, os discentes ficaram um pouco tímidos com este primeiro contato, pois pelo que pude perceber, não é de costume destes terem contato tão próximo com livros de literatura infantil, geralmente, conforme relatos da docente responsável pela turma, estas ouvem as histórias contadas por ela mas, em sua maioria, não se interessam em manusear tais obras. A escola até possui uma biblioteca, mas esta se encontra em reforma. Como não tive a oportunidade de acompanhar alguns desses momentos de narração de histórias na classe pesquisada, não tenho conhecimento como se realiza esta didática e qual o método utilizado pela docente em fazer tal atividade. Poderá ser simplesmente um passatempo criado pela docente para com os alunos, com a finalidade de deixá-los mais calmos, como podemos perceber em várias classes de educação infantil, em determinadas instituições de ensino. Foi possível perceber, através de uma conversa informal com a docente, tais histórias são contadas sem nenhuma “intencionalidade pedagógica”, como ela própria denomina, sendo assim contadas meramente com o intuito de esperar o horário do término da aula, já que são contadas sempre no período final da aula. No primeiro momento da atividade realizada, foi colocado à disposição dos alunos os livros, no total de 5 (cinco), como dito anteriormente no começo deste capítulo. Após este contato, organizamos a sala, arrumando as carteiras em um lado reservado do espaço e colocando os alunos sentados sobre papel metro no chão, dispostos em semicírculo. Quando tiveram a oportunidade de visualizar as ilustrações do livro A Moça Tecelã, eles demonstravam estarem surpresos com a riqueza de detalhes, cores, formas. E se perguntaram num primeiro momento como aqueles “desenhos” feitos por uma “costureira” (já que o livro é ilustrado através de bordados feitos pela família Dumont) poderiam estar em livros? Isso demonstra que estão acostumados a visualizar desenhos, imagens pouco associadas à realidade. Neste momento foi explicado para os mesmos que tais ilustrações foram realizadas através do tecer da família Dumont. A partir do exposto, pode-se comprovar também que a ilustração é um elemento definidor na escolha do livro a ser lido. Esclarecido a dúvida dos discentes, em um segundo momento foi dada continuidade à apresentação da obra, na qual foi contada a história. Pode-se perceber a feição das crianças ao desenrolar do conto, demonstrando surpresa e interesse pelo enredo da história. A partir dessas impressões, foi possível perceber que os alunos começaram a entender a relação e a fazer associações entre a ilustração e o texto apresentado (contado). Dentro desta perspectiva, Nikolajeva e Scott (apud Coelho, 2005) ao examinarem livros infantis, afirmam que tais livros requerem uma análise detalhada; o leitor começa com o todo, olha os detalhes, então volta-se para o todo da imagem, quando o processo se inicia novamente. “Quer comecemos com a linguagem verbal ou visual, uma expectativa é criada em relação à outra, o que, por seu turno, propicia novas experiências e expectativas. O leitor muda da linguagem verbal para visual, e vice-versa, num processo crescente de entendimento. Provavelmente, as crianças que sabem disso por intuição nos pedem para lermos repetidamente o mesmo livro em voz alta. Na realidade, elas não estão lendo o mesmo livro; a cada leitura, elas aprofundam o seu significado.” ( NIKOLAJEVA e SCOTT apud COELHO, 2005, p.09) O contato, no primeiro momento, com as ilustrações do livro, juntamente com a história contada para os alunos desta classe, neste segundo momento, contribuiu para a concretização da narrativa oral (onde o conteúdo imagético é construído por palavras – imagens verbais), fazendo valer o conceito de Camargo (1999) sobre ilustração (imagem que acompanha um texto). O autor ainda complementa que: “A ilustração estabelece uma relação semântica com o texto. Nos casos ideais, uma relação de coerência, aqui denominada coerência intersemiótica pelo fato de articular dois sistemas semióticos: as linguagens verbal e visual. Entre a contradição e o desvio não há diferença de natureza, mas variação de intensidade, cujo limite é difícil de estabelecer com precisão.” (CAMARGO, 1999, p.4). Portanto, fica claro que a ilustração é uma imagem que acompanha um texto e não seu substituto; e que a relação entre ilustração e texto não é de paráfrase ou tradução, mas de coerência. Contudo, foi possível constatar, através das reações dos alunos desta turma, diante do livro apresentado, que foi unânime a aceitação da obra literária, cuidadosamente criada para o público infantil. A literatura infantil, nessa perspectiva, vem a ser um instrumento de grande ajuda ao professor, no sentido de auxiliar, como suporte, na elaboração de atividades significativas capazes de promover aprendizagens importantes, além de ajudar a criança no processo de aquisição da linguagem tanto oral quanto escrita. Por meio do estudo de autores que tratam da temática da literatura infantil como ferramenta para melhorar a qualidade do trabalho educativo e auxiliar no processo de ensino e de aprendizagem por parte das crianças (FARIA, 2004, HUCK, 1997), pôde-se perceber que além do texto escrito, existem muitos recursos que o professor pode utilizar em sala de aula, mas são pouco estudados, ou, nem ao menos notados quando se trabalha com literatura infantil nas escolas, como é o caso das ilustrações dos livros de literatura infantil. 3.1. O livro: “A Moça Tecelã” – Marina Colasanti Figura 5 – Capa do livro A Moça Tecelã “A Moça Tecelã”, livro de autoria de Marina Colasanti, com ilustrações da família Dumont11, é um presente para o olhar, principalmente das crianças, e uma leitura deleitosa. Na obra, o tecer encontra a mais alta expressão na prosa poética da autora e nas mãos dessas hábeis bordadeiras. 11 Família mineira de Pirapora: Antônia Zulma Dumont, a mãe; Ângela, Marilu, Martha, Sávia, filhas; e Demóstenes (desenhista). Para ilustrar com bordados o texto de Marina Colasanti, a família Dumont recorreu aos tecidos de algodão colorido da Paraíba, teçumes de Pirenópolis e aos panos de Minas Gerais. Há um perfeito acasalamento entre o tecer palavras e o tecer fios. A tecelã da palavra (Marina Colasanti) encontra perfeitas parceiras no ato de tecer fios. Escritora e ilustradoras caminham por um conto tradicional que mostra um trabalho feminino (ato de tecer) explorado pelo marido e senhor. Pode-se dizer que este é um conto de fadas moderno que narra o dia-a-dia de uma moça que tece, que passa seus dias a tecer com cuidado e amor ao trabalho que executa. A moça usa seu tear para expressar seus sentimentos, através das cores e das linhas, a moça tece a vida e seus humores. A tecelã é feliz em seu ofício e tece tudo que sua imaginação lhe permite. Os dias passam e nada lhe falta, porque tece tudo de que necessita: leite, peixe... Porém chega um tempo em que começa a se sentir sozinha e começa a sentir necessidade de uma companhia, um marido a seu lado. Imediatamente pega os fios e começa a tecer o marido imaginário com que sonha. Figuras 6 e 7 – Ilustrações do livro A Moça Tecelã. Com cuidado, escolhe os fios mais bonitos e delicados e inicia a sua grande obra. O marido imaginado ganha chapéu, corpo e rosto bem desenhados e um belo par de sapatos bem engraxados. Terminada a obra, a porta de sua casa se abre, e eis que surge o marido esperado. Feliz, a moça tecelã dorme no ombro do companheiro e sonha com os lindos filhos que teriam. Ela foi muito feliz por algum tempo, porém os propósitos de seu amado eram diferentes dos seus. Ao invés de filhos, ele queria uma casa melhor, maior e mais bonita, e exigiu que a esposa logo começasse a tecê-la. Terminada a casa, o marido desejou um palácio com arremates de prata. A moça tecelã dedicou semanas e meses na construção do tal palácio, sem tempo sequer para ver a luz do dia. Pronto o palácio, o marido exigiu que ele tivesse uma torre bem alta para abrigar a esposa em seu ofício de tecer. Encerrada na mais alta torre do palácio, a moça tecia e entristecia. Seus pensamentos se voltaram para o passado, para a casa simples em que vivia e para todas as coisas boas que um dia teve. Chegando à noite, a moça resolve destecer o marido e puxa o primeiro fio e antes que ele acorde já estava destecido completamente. A moça tecelã volta a sua vida simples e feliz de tecer com simplicidade e alegria seus sonhos de mulher. Através da leitura do conto, foi permitido perceber os desejos e anseios da personagem central. Ela busca através de seu trabalho, algo que a transporte para além de seu minúsculo mundo, levando embora os seus dias de solidão. O texto revela de modo envolvente, o universo expresso através de um singelo tear e suas lãs coloridas que a moça utilizava para tecer e concretizar os seus sonhos. O conto dirige-se ao público infantil. Em lugar de conduzir a uma acomodação, investiga. No conto, a fantasia desmistifica o real, em vez de camuflá-lo. O imaginário é uma ferramenta convincente. Em sua riqueza e abertura há várias leituras, o conto dá ênfase entre algumas questões abordadas, à importância de se repensar o conceito de um relacionamento conjugal, bem como o relacionamento da personagem consigo mesma. Figuras 8 e 9 – Ilustrações do livro A Moça Tecelã. 3.2. Considerações a respeito das percepções, dos alunos da classe pesquisada, presentes na escolha do livro. Quando se procura apreender o processo empreendido pela criança ao “eleger” determinado livro, os posicionamentos relacionados à quantidade de texto dada a freqüência com que evidenciam-se, podem, à primeira vista, serem considerados banais ou triviais e dar a impressão de que indicam uma clara oposição: “menos escrito” x “mais escrito”. Entretanto, é preciso indagar o que, de fato, podem estar revelando esses posicionamentos. A resposta a essa proposição permite delinear a hipótese de que a opção pelo livro com “menos escrito” seja decorrente de um domínio ainda inicial da leitura e/ou do desejo de terminar depressa para pegar outro livro; para ser mais rápido que o colega. Nessas duas últimas situações o “menos escrito” estaria paradoxalmente relacionado ao ler mais. Tendo em vista que as crianças da classe pesquisada estão ainda no início do processo de escolarização obrigatória e de apropriação de habilidades de leitura e de escrita e o fato de que, no contexto investigado, a imposição da leitura como dever ainda não se configura de modo significativo, pode-se inferir que os dois critérios aparentemente opostos estão associados a um período inicial de aproximação “mais autônoma” com o objeto livro. Segundo Rocha (1999), em relação à forma como são apresentadas, “as crianças parecem estabelecer, com as ilustrações, um “contrato” flutuante”, que pode ou não estar vinculado à características referentes ao estilo das ilustrações e/ou à(s) função(ões) que assumem. Observou-se, também, que esse “contrato” de escolha do livro, mediado pela interação com a imagem e que é, muitas vezes, diferente daqueles que editor, ilustrador e/ou autor pretendem estabelecer, começa desde muito cedo, a constituir-se em torno de configurações mais amplas, baseadas, fundamentalmente na interseção entre imagem e título. É necessário destacar que, embora no discurso oral as observações infantis pareçam constituir-se de forma isolada, durante a interação com o livro as crianças construíram, como já foi mencionado, uma interlocução entre o título e a ilustração, a partir da análise integrada desses elementos, na capa do livro. A dúvida na observação do conteúdo da capa era, em determinadas circunstâncias, resolvida com rápidas incursões à páginas internas, a fim de checar as ilustrações e, em alguns casos, o tamanho do texto. Outro item percebido nas escolhas infantis, foi referente à configuração do livro, à apresentação de livros em formatos e/ou tamanhos diferentes, pouco comuns no cotidiano dos infantes, em decorrência desses diferenciais, mais atraentes. Os itens aqui evidenciados, não se tratam de elementos excludentes. Estes evidenciam a existência de interações da criança com o objeto livro, revelando-se como decorrência de uma maior “intimidade” com esse objeto cultural. O trabalho com base nas ilustrações do livro de literatura infantil “A Moça Tecelã”, se mostrou extremamente importante e compensador, no sentido de aprimorar os conhecimentos dos alunos, despertar capacidades e interesses, antes adormecidos, contribuindo significativamente ao processo de desenvolvimento do qual as crianças estão vivenciando. Ao fazer uma reflexão da atividade realizada, pude rever minha prática pedagógica e iniciar uma mudança de ações e pensar enquanto professor, além de promover uma prática diferenciada às crianças envolvidas. Nesse sentido caracteriza-se a maior contribuição da metodologia da pesquisa-ação a esta pesquisa: a mudança positiva por parte do pesquisador e do público pesquisado, visando uma educação mais crítica reflexiva consciente e significativa. Pode-se concluir que hoje há a disposição do professor inúmeros materiais e recursos simples e fáceis de serem encontrados, mas que, muitas vezes não são percebidos ou são menosprezados. É necessário um olhar mais atento do professor não só a estes materiais e recursos, mas principalmente a seus alunos de modo a conhecê-los e juntos adquirirem seus conhecimentos. Afinal, a criança de hoje será o adulto da sociedade de amanhã, cabe aos professores pensar, qual a sociedade que almejam formar. Considerações Finais Pelo exposto pode-se inferir que, diante de um livro aprendemos os seus atributos pela percepção e pela espontaneidade inicial, de adesão ou descaso, de um gostar ou não. Mas à medida que a compreensão avança, que a freqüência e o aprofundamento com as ilustrações ocorrem, olhar e gostar são modificados, porque esse é um saber que se amplia. O contato e o diálogo com a visualidade em suas múltiplas formas e manifestações criam e transformam estruturas internas e promovem o refinamento das abstrações. Gostar de ver e gostar de ler são duas dimensões da apropriação do objeto livro e do texto ali contido. O instante mágico, momento único e pessoal de prazer deve iniciar na infância, quando o leitor é seduzido inicialmente pela visualidade, pelo reconhecimento figurativo e movido pela curiosidade, pela alegria da descoberta e pela ativação da fantasia. Evidencia-se que o ingresso ao texto de literatura infantil, tem na ilustração um primeiro elemento mediador e orientador, através da utilização do pensamento concreto e dependente das próprias experiências com o mundo. E as crianças são evidentemente espontâneas e tratam a ilustração como seu principal ponto de apoio para desencadear o processo de leitura. As ilustrações presentes nas obras de literatura infantil concorrem para “alfabetizar” na linguagem visual, aquela que compreende o universo das imagens, e cuja leitura permite que se amplie o instante fugidio do prazer da admiração, para compreender o sentido de que se reveste o texto e que o leitor atribui. Esse é um processo que ocorre inicialmente pelo contato, a ver imagens, e pelo acesso, aprender a olhar criteriosamente, ir além do gostar ou não gostar, dialogar com o objeto visual e atribuir-lhe significado. Descobrir a aparência figurativa das formas é um primeiro passo, é literal; em seguida é necessário decifrar seus códigos e símbolos, abstrair sentido através de relações e conexões entre formas, entre palavras e essas entre si que se articulam no texto. Como toda escrita, para que possa ser lida, o observador não pode apenas contemplar, precisa adentrar-se nas linguagens do texto, num todo. Assim, desde a infância se educa o olhar do leitor para compreender, tanto verbal como visualmente. Cada indivíduo possui diferenciadas percepções, advindas de suas vivências pessoais e culturais, influenciando o desenvolvimento da compreensão dos diferentes textos disponíveis em seu meio. Olhar uma obra de arte ou uma imagem da mídia pode passar pelo gosto individual, considerá-la bonita ou feia, gostar ou não. Esta é uma apreciação perceptiva, comum a qualquer pessoa. Educar o olhar é capacitar para a crítica, processo complexo e que requer acesso e diálogo com a visualidade. Essa capacidade de criticar, ocorre através de aquisições culturais e escolares, que se manifestam diante de objetos de natureza artística, através de um caminho próprio da recepção de um objeto estético, traduzido em seus códigos, interpretado em seu universo de sentido, como um saber especial. O leitor, que até bem pouco tempo foi tratado como um aprendiz da linguagem verbal, hoje se defronta com a complexidade do entrelaçamento de linguagens num mesmo suporte de leitura e ainda aprende intuitivamente a atribuir sentido para o que lê. É preciso superar essa postura, aprofundando e qualificando o conhecimento dos sistemas de linguagem construídos pela humanidade. Paulo Freire (1992) aponta a primeira leitura como aquela que se dá diretamente como explicação para o mundo que se apresenta, como um diálogo abrangente com a natureza e em todas as possibilidades de relação entre sujeitos e seus produtos culturais. Portanto, RAMOS (2004) tem razão ao dizer que “as linguagens presentes no livro, objeto cultural se oferecem como portas de acesso ao sentido ali constituído e cuja escolha inicial do leitor recai na ilustração, sedutora, mas complexa em suas articulações ao dialogar com a palavra”. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMOVICH, Fanny. Literatura Infantil – Gostosuras e Bobices. São Paulo: Scipione, Série Pensamento e Ação no Magistério, 2ª ed. 1991. AZEVEDO. Ricardo. Armazém do folclore. São Paulo: Ática, 2001. BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 7. ed, 1984. BLAKE, Quentin (selec.). Magic Pencil. Children’s book illustration today. London: The British Library, 2003. (Lápis mágico. Ilustração do livro das crianças hoje) Tradução de Rui Grácio. BURLINGHAM, Cynthia. Picturing childhood. The evolution of the illustrated children's book. 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