UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
PAULA CAROLINE PEREIRA DOS ANJOS
TECENDO SIGNIFICADOS: A IMPORTÂNCIA DAS ILUSTRAÇÕES
DO LIVRO DE LITERATURA INFANTIL “A MOÇA TECELÔ.
Abril, Salvador-Ba
2009.
PAULA CAROLINE PEREIRA DOS ANJOS
TECENDO SIGNIFICADOS: A IMPORTÂNCIA DAS ILUSTRAÇÕES
DO LIVRO DE LITERATURA INFANTIL “A MOÇA TECELÔ.
Monografia apresentada como requisito
parcial de obtenção da graduação em
Pedagogia, habilitação em Anos Iniciais,
do Departamento de Educação, da
Universidade do Estado da Bahia,
sob orientação da Profª.Tânia Dantas.
Abril, Salvador-Bahia
2009.
"Frente ao livro ilustrado a criança (...) vence a parede ilusória da
superfície e, esgueirando-se entre tapetes e bastidores coloridos, penetra em
um palco onde o conto de fadas vive". (BENJAMIN, 1984)
RESUMO
Esta pesquisa foi realizada com intuito de descobrir como as ilustrações de um livro de
literatura infantil, em especial as do livro A Moça Tecelã de autoria de Marina Colasanti,
podem contribuir para o acesso e interesse da criança pela leitura. Através do estudo do
contexto histórico no qual surgiram os livros de literatura infantil e do seu desenvolvimento
ao longo do tempo, foi possível perceber que o livro de literatura infantil é um instrumento
de grande ajuda ao docente, no sentido de auxiliar, como suporte, na elaboração de
atividades significativas capazes de promover aprendizagens importantes, além de ajudar a
criança no processo de aquisição da linguagem tanto oral quanto escrita. É portador de
inúmeros recursos, dos quais a ilustração caracteriza-se como um dos principais, ao passo
que está mais relacionada ao lúdico e o universo infantil. Na pesquisa de campo, que foi
realizada na Escola Municipal Maria Conceição Santiago Imbassahy, foi feita atividade com
os alunos do Ciclo 1, com base nas ilustrações do livro de literatura infantil A Moça Tecelã,
de autoria de Marina Colasanti, sendo possível constatar que o trabalho com base nas
ilustrações de livros de literatura infantil é extremamente importante e compensador, no
sentido de aprimorar os conhecimentos dos alunos, despertar capacidades e interesses, antes
adormecidos, contribuindo significativamente ao processo de desenvolvimento do qual as
crianças estão vivenciando. Diante deste estudo, fica inevitável pensar na ilustração como
uma ferramenta capaz de promover aprendizagens muito significativas, ao passo que
possibilita ao aluno o acesso à leitura antes mesmo deste dominar a linguagem do código
escrito.
Palavras – Chave: Ilustração. Livro de literatura infantil. Leitura.
ABSTRACT
This research was made in order to discover how the illustrations for a book of children's
literature, particularly the book. The authors of the Orb Weaver Young Woman Marina
Colasanti, can access and contribute to the interest of the child for reading. By studying the
historical context in which emerged the books children's books and their development over
time, could see that the book of children's literature is an instrument of great help to
teachers, to help and support in development of significant activities able to promote
significant learning, help the child in the process of language acquisition both oral as
written. It is the bearer of many resources, of which the illustration is characterized as a
major, while is more related to the universe and playful child. In field research, which was
held at the Municipal School Conceição Maria Santiago Imbassahy, was active with the
students of Cycle 1, based on the book illustrations of children's books The Young Woman
Orb Weaver, by Marina Colasanti, and can see that the work based on the illustrations of
books of children's literature is extremely important and rewarding, to improve students'
knowledge, awakening skills and interests, before sleeping, contributes significantly to the
development process of which children are experiencing. In this study, it is thought
inevitable in the illustration as a tool to promote learning very significant, while allowing
the student access to reading this before they master the language of the written code.
Key - words: Illustration. Book of the Child Literature. Reading.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 7
1. CONTRIBUIÇÕES DAS ILUSTRAÇÕES DOS LIVROS DE LITERATURA
INFANTIL ......................................................................................................................... 9
1.1. O LIVRO INFANTIL: BREVE RETROSPECTIVA HISTÓRICA ...........................10
1.2. O LIVRO DE LITERATURA INFANTIL ILUSTRADO ..........................................14
1.3. UMA BREVE HISTÓRIA SOBRE A ILUSTRAÇÃO ..............................................16
1.3.1. PARTICULARIDADES DA ILUSTRAÇÃO: CONHECENDO SUAS
FUNÇÕES.......................................................................................................................... 22
1.4. RELAÇÕES ENTRE A ILUSTRAÇÃO E O LEITOR.............................................. 23
2. O LÓCUS E OS ENVOLVIDOS NA PESQUISA DE CAMPO...............................26
2.1. A ESCOLA...................................................................................................................27
3. ANÁLISE DAS CONTRIBUIÇÕES DAS ILUSTRAÇÕES DO LIVRO “A MOÇA
TECELÔ ......................................................................................................................... 29
3.1. O LIVRO: A MOÇA TECELÃ – MARINA COLASANTI....................................... 32
3.2. CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DAS PERCEPÇÕES, DOS ALUNOS DA CLASSE
PESQUISADA, PRESENTES NA ESCOLHA DO LIVRO...............................................34
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................37
REFERÊNCIAS..................................................................................................................40
Introdução
O presente trabalho aborda a importância das ilustrações dos livros de literatura infantil (em
especial as do livro A Moça Tecelã de autoria de Marina Colasanti), como estimuladora do
gosto pela leitura, a fim de descobrir como estas contribuem para despertar esse interesse
na criança (problemática). Tem como objetivo central a identificação e a avaliação dessas
contribuições determinantes para este estímulo.
Já os objetivos específicos se pautam no levantamento de informações bibliográficas sobre
a importância da ilustração e sistematização de suas relações com o texto escrito do livro de
literatura infantil, realizando coleta de informações sobre a contribuição das ilustrações
como facilitadora no ensino-aprendizagem da leitura.
Após fazer o levantamento bibliográfico dos aspectos que auxiliam a construção do
conceito de ilustração no livro de literatura infantil, comecei a minha pesquisa de campo, na
qual observei e registrei como os alunos do 1º Ciclo, do turno vespertino, da Escola
Municipal Maria Conceição Santiago Imbassahy “lêem” as ilustrações do livro de literatura
infantil “A Moça Tecelã”, de autoria de Marina Colasanti, que foi selecionado por
apresentar riqueza da linguagem visual e por oferecer subsídios necessários à minha
pesquisa no que tange aos aspectos relacionados às ilustrações dos livros contemporâneos
de literatura infantil.
Depois de ter coletado os dados necessários à pesquisa, analisei-os à luz dos teóricos
estudados e citados no decorrer do trabalho.
Contudo, é possível perceber (mesmo no começo da pesquisa bibliográfica) que,
atualmente, algumas mídias estão prendendo, cada vez mais, a atenção e o interesse de
adultos, jovens e crianças, principalmente do público infantil, que está em permanente
contato com diferentes tipos de mídias visuais como, televisão, vídeo-game, computadores
e Internet.
Dessa forma, as crianças têm se afastado da leitura de livros de literatura infantil, agentes
importantes na formação de leitores ativos e na obtenção da escrita.
Nesse sentido, o resgate de livros de literatura infantil pelas crianças é algo de grande
necessidade e importância, já que, é nessa fase que se constrói a necessidade pela leitura, se
forma a personalidade e se desenvolve atitudes de um futuro adulto leitor.
1. Contribuições das ilustrações dos livros de literatura infantil
Segundo Faria (2004, p. 52), a leitura freqüente na infância, contribui de forma direta para
o sucesso no processo de aquisição da escrita. Dentro dessa perspectiva, as ilustrações de
um livro de literatura infantil são de grande importância para ajudar a atrair a atenção da
criança para o livro e, possivelmente, sua leitura, auxiliando na formação de leitores e
contribuindo no processo de aquisição da leitura e escrita por parte das crianças.
Percebendo o interesse despertado pelas imagens, as editoras têm investido, cada vez mais,
em livros modernos de literatura infantil, com ilustrações ricas em conteúdos que, em
alguns casos, chegam a dispensar a linguagem escrita (texto). Atualmente, alguns livros são
elaborados tendo como suporte apenas exposição de imagens.
Assim, o ato de ler se inicia pelo contato visual e físico em que o sujeito olha e é atraído ou
não pelo que vê e, na seqüência, toca na capa e passa a manusear o livro. Nos processos de
apreensão do livro, as significações são atribuídas pelo leitor, a partir da interação entre
visualidade da ilustração e o texto.
As linguagens presentes no livro, esse objeto cultural, se oferecem como portas de acesso
ao sentido ali constituído e cuja escolha inicial do leitor recai na ilustração sedutora, mas
complexa em suas articulações ao dialogar com a palavra. Por isso, é imprescindível retirar
a ilustração de uma condição secundária ou de invisibilidade e compreendê-la como
linguagem impregnada na manifestação do sentido textual (RAMOS, 2004).
Segundo Jesualdo (1993), é importante que se tenha preocupação em fazer uma obra
voltada para os infantes, pois:
“Uma literatura para crianças com pretensões a alcançar completamente as
finalidades a que se propôs não pode descurar sua feição material. E isto não
apenas para que a leitura se faça mais agradável devido ao formato do livro, á
graça e riqueza dos tipos utilizados na impressão, devendo, no caso do livro
infantil, predominar os tipos redondos e graúdos, que são atrativos e agradáveis à
vista; mas também pela proporção do volume e até pela encadernação, que o
torna mais facilmente manuseável, como pelo material nele empregado – papel,
tinta, cartão, etc. – e muito especialmente por suas ilustrações.” (Jesualdo, 1993,
p.201).
Conforme Jesualdo (1993) a criança compreende as belas estampas melhor do que qualquer
outra linguagem, e estas coloridas, sem necessidade sequer da presença da palavra, devem
ser o seu primeiro livro de leitura. Nada há que se marque tão profundamente na alma da
criança como as imagens gráficas.
Diante do exposto, é possível afirmar que para as crianças muito pequenas, o desenho das
letras é um sinal incompreensível, não significa nada. A imagem (desenho, fotografia,
recorte, gravura) é um sinal que elas “traduzem” facilmente, é um ícone. Este sinal (ou
“signo”) mantém relações muito próximas, na aparência, com o objeto representado, que é
imediatamente “entendido” pelo recebedor.
Como ressalta Cunha (1991), quando se quer despertar o interesse pelas histórias nas
crianças, em geral lidas para elas, é importante a gravura: deve nesse caso, prevalecer a
ilustração. O texto deve ser pequeno para conduzir a atenção na observação das figuras.
Para os alunos que começam a ler, ainda deve predominar a ilustração e o texto, também
pequeno, deve apresentar-se em letras grandes e redondas.
Como percebemos, os livros de literatura infantil atuais, cheios de ilustrações, recursos
gráficos dos mais variados, materiais diversos e estilos diversificados, portadores de
histórias tradicionais ou contos modernos, são capazes de prender a atenção do pequeno
leitor e abrir portas para o universo mágico e misterioso da leitura, resultando em inúmeras
e importantes aprendizagens; ao passo que os livros de literatura infantil ajudam também a
despertar o gosto pelo ato de ler e conseqüentemente auxiliam no processo não só de
alfabetização, mas também no letramento do indivíduo.
1.1. O LIVRO INFANTIL: BREVE RETROSPECTIVA HISTÓRICA
Conforme as pesquisas de Lajolo e Zilberman (2006), as primeiras publicações de livros
apareceram no século XV, porém, é somente no século XVIII que surgem os livros
especificamente voltados para a criança. Até então, obras como as Fábulas de La Fontaine
(1668 e 1694) e os Contos da Mamãe Gansa de Charles Perrault1 (1697), atualmente
associados ao gênero infantil, haviam sido publicados, visando o público em geral.
É após o sucesso das obras de Perrault (1697) que a literatura infantil adquire espaço,
caracterizada principalmente pelos contos de fada. Apesar das publicações francesas de La
Fontaine e Perrault, é na Inglaterra que a literatura infantil, como produto de consumo,
ganha importância, fortalecida pelo grande comércio deste país, abundância de matériaprima e, principalmente, pelo seu desenvolvimento no período da Revolução Industrial.
Entre as instituições sociais que garantiram o seu fortalecimento está a família. Cada
membro assumia um papel específico na sociedade, até mesmo a criança, “motivando o
aparecimento de objetos industrializados (o brinquedo) e culturais (o livro) ou novos ramos
da ciência (a psicologia infantil, a pedagogia ou a pediatria)” (LAJOLO E ZILBERMAN,
2006, p.17).
Considerando a expansão da industrialização e do comércio nesse período histórico, o livro
infantil surgiu com características de produto, com base no consumo. Para tanto, era
necessário a alfabetização de grandes massas populares constituindo-se um público leitor.
Daí decorreu a relação dos livros com a escola, fazendo com que muitas publicações
adotassem uma postura bastante pedagógica. (LAJOLO E ZILBERMAN, 2006, p.18).
Destacam-se, nesse século, as publicações adaptadas de clássicos da literatura ao gênero
infantil, como Robinson Crusoé (1717) de Daniel Defoe e Viagens de Gulliver (1726) de
Jonathan Swiff. No início do século XIX, surgem na Alemanha, as obras dos Irmãos
Grimm2 (1812), feitas a partir de adaptações de histórias folclóricas populares.
1
Charles Perrault é considerado o pai da literatura infantil por ter publicado Contos da Mamãe Gansa, uma
coletânea de contos populares, em 1697.
2
Jacob Grimm e Wilhelm Grimm publicaram contos populares alemães no início do século XIX.
Entre alguns dos seus contos estão: A Bela Adormecida, Os Sete anões e a Branca de Neve,
Chapeuzinho Vermelho, Joãozinho e Maria (1825). São também do mesmo século as
publicações de Hans Andersen (1835,1842), na Dinamarca, com os contos O Patinho Feio,
A Roupa Nova do Imperador, dentre muitos outros.
Figura 1 - O Patinho Feio - Hans Andersen (1835).
Como apresentado por Lajolo e Zilberman (2006), o livro no Brasil assim como nos outros
países, também surgiu numa relação com a industrialização, o comércio, a urbanização e a
propagação da escola como instituição. Alguns exemplos de obras brasileiras são: Contos
Pátrios de Júlia Lopes de Almeida e Adelino Lopes Vieira (1886) e Contos Pátrios de
Olavo Bilac e Coelho Neto (1904).
Nessa época, prevalecem nos livros, valores como patriotismo, o civismo, a brasilidade, o
moralismo, a obediência, a exaltação à natureza, além de tantos outros temas relacionados
ao folclore brasileiro. Em 1912, Monteiro Lobato publica Narizinho Arrebitado3 e, a partir
de então, passa a se dedicar a esse gênero literário marcando para sempre a história da
literatura no país.
3
Monteiro Lobato publicou uma versão escolar acrescida de aventuras inéditas, com 181 páginas e com o
título de Narizinho Arrebitado. Depois de aprovado pelo governo de São Paulo, foi adotado como "Segundo
Livro de Leitura" das escolas públicas.
Figura 2 - Narizinho Arrebitado – Monteiro Lobato (1912).
Posteriormente, surgem e se fortalecem outros nomes como José Lins do Rego, Érico
Veríssimo e Graciliano Ramos, falando de temas até então inusitados na literatura infantil.
Nas décadas de 30 e 40, período marcado pelo Estado Novo e pela ditadura, ocorreram
diversas reformas na área da educação e prevaleceu a preocupação na formação da criança
como cidadã. Os livros que remetem à fantasia passaram a ser considerados inadequados à
infância (RADINO, 2003).
Os anos 50 são marcados pelos avanços tecnológicos e o advento dos meios de
comunicação audiovisuais. Acontece a massificação da imagem, levando ao que Radino
(2003, p.107) considera uma crise na leitura.
Já, a década de 70, é caracterizada por um grande salto de qualidade e criatividade, com
inovações no gênero infantil, assumindo finalmente uma postura crítica. “Valoriza-se neste
momento, o espírito questionador, lúdico, irreverente e bem-humorado” (ibid, p.108). São
alguns títulos dessa nova fase: Bisa Bia Bisa Bel e História do Contrário de Ana Maria
Machado; A Fada que tinha idéias, de Fernanda Lopes de Almeida e A Bolsa Amarela, de
Lygia Bojunga Nunes.
Os temas abordados nos livros infantis também se ampliam, aparecendo as histórias
policiais e as ficções científicas, ambas associadas ao cenário urbano contemporâneo:
”mistérios a serem resolvidos e a manipulação de engenhos e fórmulas são atributos do
homem urbano, mesmo quando reduzido à faixa etária de uma criança. [...], se originam
grandes inventos e superpoderes” (LAJOLO e ZILBERMAN, 2006, p.161).
Já nos últimos anos, o imaginário passa a ser bastante explorado, através de histórias
baseadas em temas tanto universais como regionais, como elementos de nosso folclore,
ocupando espaço de destaque dentro da literatura. “[...] após ter conquistado a duras penas
o direito de falar com realismo e sem retoques da realidade histórica, e ao mesmo tempo em
que redescobre as fontes do fantástico e imaginário, a literatura infantil contempla-se a si
mesma em seus textos” (ibid, p.161).
1.2. O LIVRO DE LITERATURA INFANTIL ILUSTRADO
Os livros religiosos, as cartilhas escolares, principalmente as gramáticas e enciclopédias
com imagens são considerados, por muitos, os precursores do livro infantil ilustrado. Nesse
período, são raros os ilustradores que assinavam os seus trabalhos, permanecendo, na
maioria das vezes, no anonimato.
Além disso, a participação de diferentes “gravadores” (profissionais responsáveis pela
reprodução dos originais nas matrizes de impressão) em uma mesma obra dificulta ainda
mais a identificação da autoria. Um exemplo dos quais se tem conhecimento é o Orbis
Sensualium Pictus (o livro visível em imagens) de John Amos Comenius (1658)
(BURLINGHAM, 2007).
No final do século XVII (1697), são publicados os contos de fadas de Perrault, ilustrados
por Gustave Doré, com imagens em preto e branco caracterizadas, principalmente, pela
grande riqueza de detalhes.
Em contrapartida às fábulas, aparecem publicações de caráter moralista e religioso como
Songs of Innocence do Illuminated Book (1789), de Willian Blake, que inovou no gênero ao
trabalhar imagem e texto de forma integrada (QUENTIN BLAKE, 2003).
Já no século XIX, na Inglaterra, destacam-se as traduções dos Irmãos Grimm, German
Popular Stories ilustradas por George Cruikshank4 (1823), com ilustrações carregadas de
humor e ritmo (QUENTIN BLAKE, 2003).
Outra importante publicação deste mesmo século é Alice no País das Maravilhas,
publicada em 1865, escrita por Lewis Carrol e ilustrada por John Tenniel. Até hoje, suas
ilustrações da obra são as mais memoráveis, apesar do grande número de reedições feitas
por diferentes ilustradores.
In Fairyland, livro ilustrado por Richard Doyle e escrito por Willian Allingham, em 1870,
também obteve grande sucesso entre o público infantil por suas imagens povoadas por
duendes e fadas.
É também deste século um grande número de publicações elaboradas com efeitos de popup (ilustrações tridimensionais), cortes especiais, peças para serem recortadas, livros que se
tornavam cenários, bonecas de papel e os chamados harlequinade (ilustrações em abas
móveis com imagens escondidas). Com a Iª Guerra Mundial esse tipo de livro deixou de ser
publicado em função de seu alto custo e das dificuldades de importação. (BURLINGHAM,
2007).
No início do século XX, destacam-se as obras de Beatrix Potter, que inovou ao associar
comportamentos humanos a animais como em The Peter Rabbit (1900), além de
demonstrar grande preocupação com as características físicas do livro, de forma a ser
facilmente manuseável pelas crianças.
Outro nome importante nesse período é E. H. Shepard, criador do até hoje famoso ursinho
Pooh (1969). Este personagem chama a atenção por ser, não apenas um urso, mas também,
um bicho de pelúcia que, em alguns momentos, deixa de ser um brinquedo e ganha vida.
(QUENTIN BLAKE, 2003).
4
George Cruikshank (1792-1878) artista e caricaturista inglês.
O final do século é marcado pela grande variedade de estilos de ilustrações, estimulada pelo
desenvolvimento tecnológico na área editorial. No Brasil, é apenas nesse período que a
ilustração começa a receber atenção dentro do livro infantil e nomes de ilustradores
passam finalmente a serem conhecidos, como Eva Furnari, Roger Mello, Graça Lima,
Nelson Cruz, entre outros.
Cada vez mais ilustradores passam a escrever seus próprios livros, como Ziraldo, com a
célebre publicação de O Menino Maluquinho (1980), entre muitos outros, além do
aparecimento dos livros de imagens, ou seja, livros sem texto, como o Cântico dos Cânticos
(1992) de Ângela Lago, mostrando que é possível construir uma história usando apenas
ilustrações.
Figura 3- O Menino maluquinho, Ziraldo (1980).
No Brasil, nomes como o de Mariana Massarani, Elizabeth Teixeira e André Neves, têm
conquistado o público infantil por explorarem o imaginário da criança através do inusitado.
(BENJAMIM, 1984, p. 54).
2. UMA BREVE HISTÓRIA SOBRE A ILUSTRAÇÃO
Tanto crianças, como jovens e até mesmo adultos de todas as faixas etárias apreciam uma
boa narrativa apresentada por um contador que sabe dar vida a um conflito. A palavra oral
adapta o conflito ao ouvinte e a história ouvida é o primeiro “livro” de diversos leitores.
São livros ouvidos e vividos, literalmente.
Mediante nossas experiências enquanto infantes, há histórias ouvidas que se transformam
dentro do leitor e com ele vão crescendo e o transformam. Porém, elas só acompanham
determinado sujeito porque alguém lhe propiciou o contato inicial, normalmente a própria
família e até mesmo a escola podem exercer esse papel.
Cecília Meireles (1979) afirma que a literatura tradicional, entendida como a popular, é a
primeira a instalar-se na memória da criança, ela representa o primeiro livro, antes mesmo
da alfabetização, e para grupos sociais iletrados, pode até ser o único, ou seja, o texto
escutado.
Ainda, de acordo com a autora, enquanto a figura do narrador vai desaparecendo ou pelo
menos vai sendo reduzida, surge o livro, enquanto objeto, com uma aura de significados.
Trata-se de um bem cultural com o qual a criança precisa aprender a interagir, pois possui
possibilidades de apropriação de sistemas de linguagem diversos, como verbal, visual,
gestual e expressiva, principalmente.
Conforme estudos realizados nas obras de autores como Camargo (1995), Mokarzel (1998)
e Floch (1991), com o surgimento da escrita e da transposição da oralidade para a escritura
ocorre um distanciamento entre texto e o leitor, que antes era ouvinte, pois não há mais o
contato direto entre contador e ouvinte.
De acordo com Coelho (2000, p.188) o texto imagético passa pela instância de mediação do
olhar e essa mediação propiciada pelo contador é substituída por aspectos visuais como o
planejamento gráfico e, mais especificamente, pela ilustração.
Portanto, a ilustração na literatura para as crianças aparece como uma linguagem de acesso
mais imediato, auxiliando o leitor mirim a interagir com a palavra. As duas linguagens
(visual e verbal) compartilham o mesmo suporte e na ilustração, geralmente, predomina o
figurativo, referindo modelos da natureza ou figuras fantásticas oriundas do imaginário
(COELHO, 2000, p.189).
A natureza figurativa é de reconhecimento rápido e permite ao leitor estabelecer conexões
com o mundo e elaborar redes interpretativas. “Frente ao livro ilustrado a criança [...] vence
a parede ilusória da superfície e, esgueirando-se entre tapetes e bastidores coloridos,
penetra em um palco onde o conto de fadas vive” (BENJAMIN, 1984, p.55).
Confirmando o que foi exposto anteriormente, Ramos ressalta que:
“A presença de ilustrações/imagens acompanhando os textos, desde os primórdios de seu
aparecimento, tinha a finalidade de enfeitar ou esclarecer, ilustrar/informar para educar
ou criar e propiciar prazer estético. Essa noção ainda é explicitada nos dicionários
contemporâneos, entretanto, várias outras funções podem surgir, reunindo-se a estas,
predominando ou mesmo anulando-as”. (RAMOS, 2002, p.84).
Assim, esse caráter de apoio destinado à ilustração vai sendo alterado. A ilustração
produzida para a literatura infantil ganha também reconhecimento no mundo artístico pelo
aprimoramento de suas qualidades estéticas e como manifestação atual de cultura.
Além disso, solidifica sua posição como parte integrante das diferentes manifestações da
linguagem visual, possui características próprias e instala-se no texto, entendido como um
todo de sentido.
“A ilustração convive e faz parte do contexto da história da arte. Ela é um objeto de
reprodução e está inserida em uma indústria cultural. Interrelaciona-se com outras
linguagens, transita em um espaço multifacetado. Dialoga com o verbal, mas pode
utilizar recursos adivinhos do cinema, da pintura, dos quadrinhos. Pertence a um período
em que diferentes manifestações artísticas interagem, se interpenetram. Não há, ou não
deveria ter mais a divisão preconceituosa em arte maior e menor, nem a divisão rígida de
categorias artísticas. Picasso, Matisse ou Miro pintam, produzem cartazes, criam
cenários”. (MOKARZEL, 1998, p.65).
Para compreender-se a relação entre os livros infantis ilustrados e a criança, considera-se
indispensável, segundo Benjamin (1984, p.51), o estudo do histórico da ilustração e do
livro, visando destacar o momento em que ambos se encontram e passam a ser
desenvolvidos especificamente para o leitor infantil, com características específicas e
objetivos diversos que vão se modificando dentro de cada período histórico.
O estudo dessas modificações, relacionado, principalmente, aos acontecimentos sociais,
econômicos e tecnológicos, pelos quais a sociedade tem passado nos permitem melhor
entender o valor atribuído ao livro na infância, tanto no passado, quanto no presente.
No livro Alice no País das Maravilhas5 (Carrol, 2001) a personagem principal tenta
acompanhar a leitura de um livro com sua irmã, mas se sente entediada, pois o livro “não
tinha figuras nem diálogos; ‘para que serve um livro’, pensou Alice, ‘sem figuras ou
diálogos’?” (Carrol, 2001, p.37).
Essas figuras, das quais Alice fala, são as ilustrações do livro, que, principalmente na
infância, instigam a curiosidade e convidam à leitura. Para a Associação dos Designers
Gráficos (2000, p. 59) uma imagem é considerada ilustração quando seu objetivo for
“corroborar ou exemplificar o conteúdo de um texto de livro, jornal, revista ou qualquer
outro tipo de publicação”.
Completando esta definição, a ilustração pode ser também uma imagem que substitui um
texto, que o amplia, que adiciona a ele informações, ou que o questiona.
Segundo pesquisas realizadas por Dalley (1982 - apud Lajolo e Zilberman, 2006), não se
tem exatidão de quando datam as primeiras ilustrações, principalmente devido às diferentes
definições que o termo apresenta. Para alguns autores, como o próprio Dalley, tanto a
ilustração, como a escrita, possuem suas origens na pré-história, a partir das inscrições
rupestres6.
5
Tradução de Neli Freitas (2001).
A arte rupestre (ou parietal) consiste em pinturas e gravuras efetuadas sobre a rocha (ao ar livre ou, mais
frequentemente nas paredes e tetos de grutas) pelo homem do Paleolítico Superior. Na maior parte das vezes
são representados animais em liberdade e cenas de caça. A arte rupestre constitui a primeira forma de
manifestação artística do homem.
6
Figura 4 -Pintura Rupestre
As ilustrações que tinham como objetivo registrar acontecimentos da época, como por
exemplo, a construção dos monumentos, aparecem no Antigo Egito. É também desse
período os primeiros pergaminhos ilustrados (DALLEY, 1982, apud LAJOLO E
ZILBERMAN, 2006).
Já na Idade Média, conforme Manguel (1997), a ilustração aparece a serviço da religião
levando os ideais da igreja à grande parte da população analfabeta. Um exemplo desse
período é a Bíblia Pauperum7, reproduzida através da xilogravura, que é uma técnica de
gravura na qual se utiliza madeira como matriz e possibilita a reprodução da imagem
gravada sobre papel ou outro suporte adequado.
Figura 5- Bíblia Pauperum
Conforme ressalta Freitas (2005, p.85), com o retorno à cultura greco-romana e
conseqüentemente, ao predomínio da razão e da ciência, durante o Renascimento, as
ilustrações aparecem fortemente voltadas ao desenho técnico. Leonardo da Vinci é
considerado o mais importante ilustrador técnico dessa época.
7
Bíblia pauperum ou Bíblia dos pobres: um dos primeiros livros xilografados e, certamente, também um
dos mais conhecidos. Consistia de 40 quadros, ilustrando conhecimentos da vida de Cristo e cenas do Antigo
Testamento; desta forma, foram feitas perto de onze edições.
A medida que novas técnicas de impressão surgem, a ilustração ganha maior espaço dentro
das “editoras” (área editorial). Outro importante invento, segundo Freitas (2005, p. 85), do
século XIX é a fotografia (1839)8 que, por seu realismo, fez com que ilustradores se
voltassem mais ao estímulo à imaginação do que ao realismo.
Ainda segundo Freitas (2005, p.85), no início do século XX surge no ocidente a serigrafia,
são feitos avanços consideráveis na área de produção de tintas, além do desenvolvimento da
impressão em meio tom, aumentando substancialmente, ao ilustrador, as possibilidades
técnicas de reprodução. A ilustração passa então a ser reconhecida como arte comercial.
Nos últimos anos, entre as mais recentes e importantes inovações na área estão a introdução
e o aperfeiçoamento da computação gráfica, além do surgimento das mídias digitais, como
jornais, livros, revistas eletrônicas e websites, abrindo novos campos de atuação para
ilustradores.
No caso da obra destinada à infância ou mesmo ao jovem, considera–se ilustração não
apenas os desenhos que acompanham a palavra, mas todo e qualquer recurso de produção
de imagem, seja uma vinheta (pequena imagem de até um quarto do tamanho da página), a
capitular (letra que inicia um capítulo, geralmente em tamanho maior do que as outras e em
fonte diferente), figuras ou manchas (CAMARGO, 1995, p.16)9.
Complementando o que Camargo (1995) enfatiza nos parágrafos anteriores, Ramos informa
que:
“A ilustração não é privilégio do texto destinado à criança. Ela aparece em
diferentes mídias, como na publicidade, visando dar um caráter de verdade,
auxiliar na recepção da peça ou mesmo na constituição da vaguidade semântica,
8
9
Ano de surgimento da fotografia.
Luis Camargo afirma que, no livro, o projeto gráfico consiste no formato, número de páginas, tipo de papel,
tamanho das letras, mancha, diagramação, encadernação, tipo de impressão, número de cores da impressão,
etc.
características da linguagem publicitária. Acreditamos, porém, que a ilustração
não deva somente dar brilho à palavra, pois estaria na condição de texto de apoio.
Ela, juntamente com a linguagem verbal, forma um texto, ou seja, o fenômeno
apreendido pelo receptor constitui-se pelo enlace visual e verbal”. (RAMOS,
2004, p.32).
Tais aspectos devem ser considerados ao selecionar uma obra para a infância. Enfim, tudo
que se apresenta aos olhos do leitor. Cada modo de ilustrar, desde a técnica, o material, o
suporte, aliado a um texto verbal, constrói determinado sentido, como nos revela Camargo
(1998) através do estudo de diferentes obras da literatura infantil.
Portanto, foi possível perceber diante das pesquisas bibliográficas que, ao longo do tempo,
tanto o conteúdo quanto a forma do livro infantil ilustrado sofreram adaptações graduais
para o público infantil, ao ponto de hoje, ser um produto de fácil identificação como gênero
específico.
2.1.
PARTICULARIDADES
DA
ILUSTRAÇÃO
-
CONHECENDO
SUAS
FUNÇÕES.
Camargo (1995) faz um estudo das funções da ilustração na estrutura do teto, a partir das
funções da linguagem propostas por Jakobson (1984). De acordo com Camargo (ibid, p.33),
seja no livro ilustrado, em que a visualidade dialoga com o texto, seja no livro de imagem,
em que a ilustração é a única linguagem, várias são as funções que ela assume no texto, ao
descrever, narrar, simbolizar, brincar, persuadir, normatizar e pontuar pela linguagem
plástica.
A ilustração desempenha o papel de pontuação ao destacar um aspecto da trama ou
demarcar o início e o término do texto, como a vinheta, capitular e cabeção. Tal função
pode ser encontrada, segundo Camargo (1995, p.33), em diversos livros, marcando o início
ou final de um capítulo, por exemplo, em Armazém de folclore, de autoria de Ricardo
Azevedo (2001), a capitular em A casa da madrinha, de autoria de Lygia Bojunga Nunes
(1998).
Quando objetos, cenários, animais são mostrados mais detalhadamente ocorre a função
descritiva, como se observa em Poemas para brincar, de José Paulo Paes (1991). Essa
função é predominante nos livros informativos e didáticos, mas aparece também em obras
infantis, afirma Camargo (ibid, p.34).
A ilustração, segundo o autor, terá uma função narrativa quando orientada ao seu referente,
a fim de situar o representado e mostrar transformações ou ações realizadas pelos
personagens em diferentes graus de narratividade, contando uma história.
Outra função atribuída à ilustração, por Camargo (1995), refere-se ao caráter simbólico. A
ilustração pode ser investida de significados convencionais que representam uma idéia. Ela
pode abrigar convenções de domínio público que servem para dar sentido à narrativa, como
por exemplo, quando se evidencia o emprego da sinalização de trânsito para contar uma
história.
Já a função expressiva ou ética, mostra emoções, sentimentos, valores, através de postura,
gestos, expressões faciais, elementos plásticos em linha, cor, espaço, luz. A ilustração
dentro desta função pode permitir abordagens psicológicas, sociais e culturais (Camargo,
1995, p.35).
A ilustração ainda pode apresentar a função estética quando chama a atenção para a forma
ou configuração visual. Essa configuração pode ser representada por efeitos plásticos
provocados por linha, cor, gesto, mancha, sobreposição de pinceladas, transparências, luz,
brilho, enquadramento, contrastes. O autor ressalta que a função estética não se identifica
com a de ornamentação, seu papel é sensibilizar o leitor através de efeitos estéticos.
Outra funcionalidade apontada é a lúdica. Nesse caso, a ilustração orienta-se para o jogo,
incluindo-se a brincadeira e o humor. Tal função é predominante em livros e jogos. A
ilustração ainda pode desempenhar uma função metalingüística, quando orientada para o
código, no caso, código visual, em que ocorram situações de produção e recepção de
mensagens visuais que remetem ao universo visual da arte.
Camargo (1995) apresenta funções para a ilustração a partir do papel desempenhado por ela
no livro. Essa classificação é realizada a partir do papel na estrutura do texto e não da sua
recepção.
Assim, a partir da função que ela desempenha no ato da recepção do livro infantil,
pensamos que ela pode orientar a concretização do livro, atuar como um enigma a ser
decifrado, como também revelar a interação entre as linguagens. Esses são aspectos que
implicam a leitura como compreensão e apropriação do texto para a produção de sentido
pelo leitor.
3. RELAÇÕES ENTRE A ILUSTRAÇÃO E O LEITOR
A ilustração, a partir da relação que ela estabelece com a palavra e com o leitor, pode
orientar este na concretização do livro, através da interação entre as linguagens. A
ilustração, assim, é vista em confluência com a linguagem verbal, ampliando as
possibilidades semânticas.
Ao pensar um livro para a criança que começa a manipular o objeto artístico é importante
observar o tipo de suporte utilizado. Para refletirmos sobre essa questão, tomamos como
referência alguns exemplos de obras literárias sugeridas por Camargo (1995) e apontadas
por Ramos (2004).
Dentre elas está a obra Feliz Natal, Ninoca! de autoria de Lucy Cousins (2000), apresenta
encadernação resistente aos impulsos dos leitores iniciantes que ainda tem dificuldade de
segurar o livro, porque sua motricidade fina está pouco desenvolvida. O tipo de papel e a
utilização do plastificado da capa dão ao livro mais durabilidade e, principalmente, mais
firmeza ao infante que precisa segurá-lo para efetuar a interação. (RAMOS, 2004, p. 34).
Ramos (2004) ainda ressalta, comentando sobre o papel utilizado nas páginas, assim como
a ausência da folha de rosto, segundo a autora, este indício pressupõe um leitor principiante
que tem dificuldade de virá-las, uma vez que ao abrir o livro, o leitor já entra em contato
com a história, sem preâmbulos iniciais.
O modo como os desenhos são efetuados também prevê a identificação do leitor
infantil, porque os traços são simplificados, ou seja, a ilustração não se fixa no
detalhe, mas no conjunto da cena e, curiosamente, antecipa informações que só
serão confirmadas no decorrer da narrativa. Assim, por exemplo, nas duas
primeiras páginas vimos Ninoca com três cartões de Natal e recebendo o carteiro.
O leitor (alfabetizado ou não) pode abrir os cartões já recebidos e ficar sabendo
que em cada um deles está representado um animal: galinha, urso e jacaré (...).
RAMOS (2004, p.35).
É possível perceber, diante do relato da autora, que a ilustração na obra, além de ajudar a
criança na construção do sentido, também é um elemento lúdico de interação física, já que
o leitor pode ir mexendo, alterando a configuração da imagem através, como por exemplo,
“o ato de puxar o tronco da árvore, iluminando-a” (RAMOS, 2004, p.35). O leitor assume
um papel ativo na constituição dos sentidos do texto, uma vez que esses sentidos dependem
da sua atuação sobre o livro (leitor co-participante).
Os significados constituem-se por meio da oralização do texto verbal pelo adulto e pela
ação da criança sobre as imagens. Portanto, constata-se que “o livro possui em sua estrutura
elementos de modalização do sujeito leitor, que é provocado para um fazer transformador,
tanto do texto como do leitor”, ressalta Ferreiro e Teberosky (1985, p. 135).
Nesse caso, a criança apreende o texto pela visualidade pela mediação dos elementos
materiais do livro, “instigadores da atuação” (RAMOS, 2004, p.35) e ou do adulto, que
traduz os sinais gráficos para o leitor iniciante.
Há também autores que se preocupam ainda com certos aspectos como, por exemplo,
crianças que já estão familiarizadas com o objeto livro. A proposta de sentido da ilustração,
nessas obras, não implica apenas a interferência nas imagens, mas a apreensão visual das
mesmas.
A exemplo de obras deste gênero destacam-se dentre muitas, de acordo com Ramos (2004),
A Casa Sonolenta, de Audrey Wood, ilustrado por Don Wood (2003) e Tanto, tanto! de
Trish Cooke, ilustrado por Helen Oxenbury (2000).
Essas obras destacam-se pela riqueza visual que é um aspecto relevante na caracterização
do texto, por suas condições de produção e circulação o que implica uma visibilidade. O
texto torna-se visível ao convocar para si o olhar, ao impor-se ao leitor, ao conquistar sua
atenção e adesão. (CAMARGO, 1995, p. 36).
Para tanto, são utilizados recursos do jogo plástico e criam-se efeitos estésicos e estéticos.
O tratamento particular dos traços constituintes das ilustrações e o projeto gráfico conferem
plasticidade ao texto que pode ser observada, ocorrendo o mesmo nos enunciados
lingüísticos (FLOCH, 1991, p.75).
2. O LÓCUS E OS ENVOLVIDOS NA PESQUISA DE CAMPO.
Neste capítulo serão apresentados os dados dos alunos, da escola (lócus da pesquisa), da
comunidade, do bairro no qual está localizada a instituição.
Diante do que foi exposto no capítulo anterior, foi possível perceber, mediante prévia
constatação, de que as ilustrações podem contribuir no despertar do interesse das crianças
pela leitura, mesmo que seja a visual, principalmente se esta criança se encontra na fase
inicial de leitura, na qual as imagens e por que não as ilustrações desempenham papel
fundamental contribuindo para a aquisição da escrita, de acordo com relatos de autores
renomados e incessantes pesquisas realizadas pelos mesmos.
A partir deste capítulo, pretendo colocar em prática o meu objetivo central que é identificar
e avaliar as contribuições da ilustração como estimuladora do gosto pela leitura. Desta
forma, realizei pesquisa de campo com intuito de descobrir dentre os alunos da Escola
Municipal Maria Conceição Santiago Imbassahy, do Ciclo inicial (1º Ciclo), série
correspondente à alfabetização, no turno vespertino, como eles lêem as ilustrações e como
estas podem contribuir para a compreensão da história do livro A Moça Tecelã de autoria
de Marina Colasanti.
A pesquisa de campo foi utilizada com a finalidade de conseguir informações e/ou
conhecimentos acerca da problemática da pesquisa, sendo baseada na observação
participante, na qual apliquei a atividade proposta para ser trabalhada com a turma do Ciclo
1, que será apresentada posteriormente.
Em outro momento, depois de coletado os dados, realizei a análise dos mesmos, baseandose nos teóricos pesquisados e citados nos capítulos anteriores.
A obra foi selecionada por apresentar riqueza visual, e por apresentar uma história
interessante, apresentando, assim, subsídios para se trabalhar tais ilustrações com os alunos
de maneiras diversificadas. Delimitei a atividade a ser aplicada com os alunos, baseada no
objetivo da presente pesquisa na qual pretendo descobrir se realmente as ilustrações de um
livro de literatura infantil, especialmente a obra selecionada, podem contribuir para o
interesse do aluno pela leitura (mesmo que seja visual, vai depender da fase na qual o aluno
se encontre para realizar determinada atividade).
2.1. A Escola
A Escola Municipal Maria Conceição Santiago Imbassahy, na qual foi realizada a pesquisa
de campo, fica localizada em Tancredo Neves, também conhecido como Beirú, bairro
periférico e residencial, habitado por comunidade de baixa renda. O bairro possui mais de
120 mil habitantes e vive a realidade da carência e da falta de infra-estrutura presentes na
maioria dos bairros surgidos pelo crescimento populacional desordenado das grandes
cidades.
Como a maioria dos bairros populosos e de baixa renda, Tancredo Neves/ Beirú apresenta
um elevado índice de violência, que é estampada diariamente nas folhas dos jornais. Como
se pode constatar, a falta de infra-estrutura, de acesso à educação e saúde, leva as pessoas
dessa comunidade a uma sensação angustiante de abandono.
A escola fica situada em uma curva conhecida como “curva da morte” e não possui
sinalização, havendo apenas uma faixa de pedestres. A escola foi inaugurada no dia 16 de
fevereiro de 2004 e recebeu esse nome em homenagem à mãe do ex-prefeito da cidade de
Salvador, Dr. Antônio Imbassahy.
A escola possui 10 amplas salas de aula, biblioteca, laboratório de tecnologia com 22
computadores, uma sala de professores, um pátio coberto, uma cantina, dois depósitos, uma
secretaria, uma sala de direção, uma sala de professores, seis banheiros e conta, também,
com uma rampa, no intuito de receber crianças com necessidades especiais. A escola é
bem arejada, iluminada e conservada.
Esta escola funciona nos dois
turnos
(matutino
e
vespertino), atendendo
preferencialmente, às crianças da comunidade local, distribuídas em vinte turmas,
aproximadamente 620 crianças, e conta com uma equipe de 19 professores, Direção Vice-direção no turno matutino e Vice-direção no turno vespertino. A escola conta com
projetos como:
MUNDO DA LITERATURA - Contos e Textos lidos e recontados, conforme
a imaginação e criatividade dos alunos.
PALMARES - UM PROJETO EM PARCERIA COM A SECRETARIA
DE EDUCAÇÃO - Criação de um texto sobre a vida de Zumbi. Um dos
ganhadores foi um aluno do 4º Ciclo, que ganhou, como prêmio, uma viagem para
Alagoas.
PETI-PROGRAMA DE EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA INTELIGENTE Se desenvolvem projetos articulados à prática pedagógica. Sala de aula X
Laboratório de Tecnologia.
REVITALIZAÇÃO DA BIBLIOTECA 10- Depois de uma concorrida seleção
para escolha de um novo nome, onde todos os alunos deram suas sugestões,
finalmente se chegou a conclusão que passaria a chamar de SALA MÁGICA.
CEB inicial - Turma pesquisada
A turma do Ciclo Inicial é constituída por 20 alunos, sendo que, efetivamente, conta com
16 alunos na faixa etária de seis anos, referente ao processo de alfabetização, ou seja,
referente ao 1º ano de escolaridade.
Perfil dos alunos de acordo com o nível de aprendizagem
Conforme relatos da professora, observação de algumas das atividades realizadas pelos
alunos e mediante atividade proposta na co-participação de algumas atividades realizadas
pela professora responsável pela classe, constatamos que no nível de escrita os mesmos se
10
É necessário salientar que este Projeto é o que está menos adiantado, pois o acervo da “Sala mágica”, antiga
Biblioteca, está sendo restaurado e renovado.
apóiam na escrita do outro, ou seja, transcrevem o que está escrito.
Somente quando tive a oportunidade de observar uma atividade que possibilitou demonstrar
a hipótese alfabética foi que encontrei uma variedade de níveis presentes na teoria da
psicogênese da língua escrita, da bióloga argentina Emília Ferreiro.
3. Análise das contribuições das ilustrações do livro “A Moça Tecelã”.
No presente capítulo serão abordadas as atividades realizadas em sala de aula e a análise
dos dados coletados na observação.
”Tomando de empréstimo a metáfora topológica utilizada por Löwy (1994),
pode-se dizer que a finalidade deste trabalho é a leitura de determinada realidade,
de uma ‘paisagem’, dentro das possibilidades e limites determinados, por um
lado, pelo horizonte de visibilidade, pelo ‘observatório’ e, por outro lado, pela
forma de ‘olhar’ e pela ‘arte de pintar’ do observador, fatores que fazem com que
uma mesma ‘paisagem’ possa ser percebida sob ângulos distintos e
complementares, sem que se perca de vista a totalidade na qual ela está
circunscrita.” (ROCHA, 1999, p.34).
Em meio às ilustrações criativas, que instigam a curiosidade dos leitores, o livro A Moça
Tecelã da autora Marina Colasanti foi apresentado a classe do Ciclo 1, do turno vespertino,
da Escola Municipal Maria Conceição Santiago Imbassahy. Foram disponibilizados o total
de 5 (cinco) livros da mesma obra para o início da apreciação dos alunos.
A priori, os discentes ficaram um pouco tímidos com este primeiro contato, pois pelo que
pude perceber, não é de costume destes terem contato tão próximo com livros de literatura
infantil, geralmente, conforme relatos da docente responsável pela turma, estas ouvem as
histórias contadas por ela mas, em sua maioria, não se interessam em manusear tais obras.
A escola até possui uma biblioteca, mas esta se encontra em reforma.
Como não tive a oportunidade de acompanhar alguns desses momentos de narração de
histórias na classe pesquisada, não tenho conhecimento como se realiza esta didática e qual
o método utilizado pela docente em fazer tal atividade. Poderá ser simplesmente um
passatempo criado pela docente para com os alunos, com a finalidade de deixá-los mais
calmos, como podemos perceber em várias classes de educação infantil, em determinadas
instituições de ensino.
Foi possível perceber, através de uma conversa informal com a docente, tais histórias são
contadas sem nenhuma “intencionalidade pedagógica”, como ela própria denomina, sendo
assim contadas meramente com o intuito de esperar o horário do término da aula, já que são
contadas sempre no período final da aula.
No primeiro momento da atividade realizada, foi colocado à disposição dos alunos os
livros, no total de 5 (cinco), como dito anteriormente no começo deste capítulo. Após este
contato, organizamos a sala, arrumando as carteiras em um lado reservado do espaço e
colocando os alunos sentados sobre papel metro no chão, dispostos em semicírculo.
Quando tiveram a oportunidade de visualizar as ilustrações do livro A Moça Tecelã, eles
demonstravam estarem surpresos com a riqueza de detalhes, cores, formas. E se
perguntaram num primeiro momento como aqueles “desenhos” feitos por uma “costureira”
(já que o livro é ilustrado através de bordados feitos pela família Dumont) poderiam estar
em livros?
Isso demonstra que estão acostumados a visualizar desenhos, imagens pouco associadas à
realidade. Neste momento foi explicado para os mesmos que tais ilustrações foram
realizadas através do tecer da família Dumont. A partir do exposto, pode-se comprovar
também que a ilustração é um elemento definidor na escolha do livro a ser lido.
Esclarecido a dúvida dos discentes, em um segundo momento foi dada continuidade à
apresentação da obra, na qual foi contada a história. Pode-se perceber a feição das crianças
ao desenrolar do conto, demonstrando surpresa e interesse pelo enredo da história. A partir
dessas impressões, foi possível perceber que os alunos começaram a entender a relação e a
fazer associações entre a ilustração e o texto apresentado (contado).
Dentro desta perspectiva, Nikolajeva e Scott (apud Coelho, 2005) ao examinarem livros
infantis, afirmam que tais livros requerem uma análise detalhada; o leitor começa com o
todo, olha os detalhes, então volta-se para o todo da imagem, quando o processo se inicia
novamente.
“Quer comecemos com a linguagem verbal ou visual, uma expectativa é
criada em relação à outra, o que, por seu turno, propicia novas experiências e
expectativas. O leitor muda da linguagem verbal para visual, e vice-versa, num
processo crescente de entendimento. Provavelmente, as crianças que sabem disso
por intuição nos pedem para lermos repetidamente o mesmo livro em voz alta. Na
realidade, elas não estão lendo o mesmo livro; a cada leitura, elas aprofundam o
seu significado.” ( NIKOLAJEVA e SCOTT apud COELHO, 2005, p.09)
O contato, no primeiro momento, com as ilustrações do livro, juntamente com a história
contada para os alunos desta classe, neste segundo momento, contribuiu para a
concretização da narrativa oral (onde o conteúdo imagético é construído por palavras –
imagens verbais), fazendo valer o conceito de Camargo (1999) sobre ilustração (imagem
que acompanha um texto).
O autor ainda complementa que:
“A ilustração estabelece uma relação semântica com o texto. Nos casos ideais,
uma relação de coerência, aqui denominada coerência intersemiótica pelo fato de
articular dois sistemas semióticos: as linguagens verbal e visual. Entre a
contradição e o desvio não há diferença de natureza, mas variação de intensidade,
cujo limite é difícil de estabelecer com precisão.” (CAMARGO, 1999, p.4).
Portanto, fica claro que a ilustração é uma imagem que acompanha um texto e não seu
substituto; e que a relação entre ilustração e texto não é de paráfrase ou tradução, mas de
coerência.
Contudo, foi possível constatar, através das reações dos alunos desta turma, diante do livro
apresentado, que foi unânime a aceitação da obra literária, cuidadosamente criada para o
público infantil.
A literatura infantil, nessa perspectiva, vem a ser um instrumento de grande ajuda ao
professor, no sentido de auxiliar, como suporte, na elaboração de atividades significativas
capazes de promover aprendizagens importantes, além de ajudar a criança no processo de
aquisição da linguagem tanto oral quanto escrita.
Por meio do estudo de autores que tratam da temática da literatura infantil como ferramenta
para melhorar a qualidade do trabalho educativo e auxiliar no processo de ensino e de
aprendizagem por parte das crianças (FARIA, 2004, HUCK, 1997), pôde-se perceber que
além do texto escrito, existem muitos recursos que o professor pode utilizar em sala de
aula, mas são pouco estudados, ou, nem ao menos notados quando se trabalha com
literatura infantil nas escolas, como é o caso das ilustrações dos livros de literatura infantil.
3.1. O livro: “A Moça Tecelã” – Marina Colasanti
Figura 5 – Capa do livro A Moça Tecelã
“A Moça Tecelã”, livro de autoria de Marina Colasanti, com ilustrações da família
Dumont11, é um presente para o olhar, principalmente das crianças, e uma leitura deleitosa.
Na obra, o tecer encontra a mais alta expressão na prosa poética da autora e nas mãos
dessas hábeis bordadeiras.
11
Família mineira de Pirapora: Antônia Zulma Dumont, a mãe; Ângela, Marilu, Martha, Sávia, filhas; e
Demóstenes (desenhista).
Para ilustrar com bordados o texto de Marina Colasanti, a família Dumont recorreu aos
tecidos de algodão colorido da Paraíba, teçumes de Pirenópolis e aos panos de Minas
Gerais. Há um perfeito acasalamento entre o tecer palavras e o tecer fios.
A tecelã da palavra (Marina Colasanti) encontra perfeitas parceiras no ato de tecer fios.
Escritora e ilustradoras caminham por um conto tradicional que mostra um trabalho
feminino (ato de tecer) explorado pelo marido e senhor. Pode-se dizer que este é um conto
de fadas moderno que narra o dia-a-dia de uma moça que tece, que passa seus dias a tecer
com cuidado e amor ao trabalho que executa. A moça usa seu tear para expressar seus
sentimentos, através das cores e das linhas, a moça tece a vida e seus humores.
A tecelã é feliz em seu ofício e tece tudo que sua imaginação lhe permite. Os dias passam e
nada lhe falta, porque tece tudo de que necessita: leite, peixe... Porém chega um tempo em
que começa a se sentir sozinha e começa a sentir necessidade de uma companhia, um
marido a seu lado. Imediatamente pega os fios e começa a tecer o marido imaginário com
que sonha.
Figuras 6 e 7 – Ilustrações do livro A Moça Tecelã.
Com cuidado, escolhe os fios mais bonitos e delicados e inicia a sua grande obra. O marido
imaginado ganha chapéu, corpo e rosto bem desenhados e um belo par de sapatos bem
engraxados. Terminada a obra, a porta de sua casa se abre, e eis que surge o marido
esperado. Feliz, a moça tecelã dorme no ombro do companheiro e sonha com os lindos
filhos que teriam.
Ela foi muito feliz por algum tempo, porém os propósitos de seu amado eram diferentes dos
seus. Ao invés de filhos, ele queria uma casa melhor, maior e mais bonita, e exigiu que a
esposa logo começasse a tecê-la. Terminada a casa, o marido desejou um palácio com
arremates de prata. A moça tecelã dedicou semanas e meses na construção do tal palácio,
sem tempo sequer para ver a luz do dia. Pronto o palácio, o marido exigiu que ele tivesse
uma torre bem alta para abrigar a esposa em seu ofício de tecer.
Encerrada na mais alta torre do palácio, a moça tecia e entristecia. Seus pensamentos se
voltaram para o passado, para a casa simples em que vivia e para todas as coisas boas que
um dia teve. Chegando à noite, a moça resolve destecer o marido e puxa o primeiro fio e
antes que ele acorde já estava destecido completamente. A moça tecelã volta a sua vida
simples e feliz de tecer com simplicidade e alegria seus sonhos de mulher.
Através da leitura do conto, foi permitido perceber os desejos e anseios da personagem
central. Ela busca através de seu trabalho, algo que a transporte para além de seu minúsculo
mundo, levando embora os seus dias de solidão. O texto revela de modo envolvente, o
universo expresso através de um singelo tear e suas lãs coloridas que a moça utilizava para
tecer e concretizar os seus sonhos.
O conto dirige-se ao público infantil. Em lugar de conduzir a uma acomodação, investiga.
No conto, a fantasia desmistifica o real, em vez de camuflá-lo. O imaginário é uma
ferramenta convincente. Em sua riqueza e abertura há várias leituras, o conto dá ênfase
entre algumas questões abordadas, à importância de se repensar o conceito de um
relacionamento conjugal, bem como o relacionamento da personagem consigo mesma.
Figuras 8 e 9 – Ilustrações do livro A Moça Tecelã.
3.2. Considerações a respeito das percepções, dos alunos da classe pesquisada,
presentes na escolha do livro.
Quando se procura apreender o processo empreendido pela criança ao “eleger” determinado
livro, os posicionamentos relacionados à quantidade de texto dada a freqüência com que
evidenciam-se, podem, à primeira vista, serem considerados banais ou triviais e dar a
impressão de que indicam uma clara oposição: “menos escrito” x “mais escrito”.
Entretanto, é preciso indagar o que, de fato, podem estar revelando esses posicionamentos.
A resposta a essa proposição permite delinear a hipótese de que a opção pelo livro com
“menos escrito” seja decorrente de um domínio ainda inicial da leitura e/ou do desejo de
terminar depressa para pegar outro livro; para ser mais rápido que o colega. Nessas duas
últimas situações o “menos escrito” estaria paradoxalmente relacionado ao ler mais.
Tendo em vista que as crianças da classe pesquisada estão ainda no início do processo de
escolarização obrigatória e de apropriação de habilidades de leitura e de escrita e o fato de
que, no contexto investigado, a imposição da leitura como dever ainda não se configura de
modo significativo, pode-se inferir que os dois critérios aparentemente opostos estão
associados a um período inicial de aproximação “mais autônoma” com o objeto livro.
Segundo Rocha (1999), em relação à forma como são apresentadas, “as crianças parecem
estabelecer, com as ilustrações, um “contrato” flutuante”, que pode ou não estar vinculado
à características referentes ao estilo das ilustrações e/ou à(s) função(ões) que assumem.
Observou-se, também, que esse “contrato” de escolha do livro, mediado pela interação com
a imagem e que é, muitas vezes, diferente daqueles que editor, ilustrador e/ou autor
pretendem estabelecer, começa desde muito cedo, a constituir-se em torno de configurações
mais amplas, baseadas, fundamentalmente na interseção entre imagem e título.
É necessário destacar que, embora no discurso oral as observações infantis pareçam
constituir-se de forma isolada, durante a interação com o livro as crianças construíram,
como já foi mencionado, uma interlocução entre o título e a ilustração, a partir da análise
integrada desses elementos, na capa do livro.
A dúvida na observação do conteúdo da capa era, em determinadas circunstâncias,
resolvida com rápidas incursões à páginas internas, a fim de checar as ilustrações e, em
alguns casos, o tamanho do texto. Outro item percebido nas escolhas infantis, foi referente
à configuração do livro, à apresentação de livros em formatos e/ou tamanhos diferentes,
pouco comuns no cotidiano dos infantes, em decorrência desses diferenciais, mais
atraentes.
Os itens aqui evidenciados, não se tratam de elementos excludentes. Estes evidenciam a
existência de interações da criança com o objeto livro, revelando-se como decorrência de
uma maior “intimidade” com esse objeto cultural.
O trabalho com base nas ilustrações do livro de literatura infantil “A Moça Tecelã”, se
mostrou extremamente importante e compensador, no sentido de aprimorar os
conhecimentos dos alunos, despertar capacidades e interesses, antes adormecidos,
contribuindo significativamente ao processo de desenvolvimento do qual as crianças estão
vivenciando.
Ao fazer uma reflexão da atividade realizada, pude rever minha prática pedagógica e iniciar
uma mudança de ações e pensar enquanto professor, além de promover uma prática
diferenciada às crianças envolvidas. Nesse sentido caracteriza-se a maior contribuição da
metodologia da pesquisa-ação a esta pesquisa: a mudança positiva por parte do pesquisador
e do público pesquisado, visando uma educação mais crítica reflexiva consciente e
significativa.
Pode-se concluir que hoje há a disposição do professor inúmeros materiais e recursos
simples e fáceis de serem encontrados, mas que, muitas vezes não são percebidos ou são
menosprezados. É necessário um olhar mais atento do professor não só a estes materiais e
recursos, mas principalmente a seus alunos de modo a conhecê-los e juntos adquirirem seus
conhecimentos. Afinal, a criança de hoje será o adulto da sociedade de amanhã, cabe aos
professores pensar, qual a sociedade que almejam formar.
Considerações Finais
Pelo exposto pode-se inferir que, diante de um livro aprendemos os seus atributos pela
percepção e pela espontaneidade inicial, de adesão ou descaso, de um gostar ou não. Mas à
medida que a compreensão avança, que a freqüência e o aprofundamento com as ilustrações
ocorrem, olhar e gostar são modificados, porque esse é um saber que se amplia. O contato e
o diálogo com a visualidade em suas múltiplas formas e manifestações criam e
transformam estruturas internas e promovem o refinamento das abstrações.
Gostar de ver e gostar de ler são duas dimensões da apropriação do objeto livro e do texto
ali contido. O instante mágico, momento único e pessoal de prazer deve iniciar na infância,
quando o leitor é seduzido inicialmente pela visualidade, pelo reconhecimento figurativo e
movido pela curiosidade, pela alegria da descoberta e pela ativação da fantasia.
Evidencia-se que o ingresso ao texto de literatura infantil, tem na ilustração um primeiro
elemento mediador e orientador, através da utilização do pensamento concreto e
dependente das próprias experiências com o mundo. E as crianças são evidentemente
espontâneas e tratam a ilustração como seu principal ponto de apoio para desencadear o
processo de leitura.
As ilustrações presentes nas obras de literatura infantil concorrem para “alfabetizar” na
linguagem visual, aquela que compreende o universo das imagens, e cuja leitura permite
que se amplie o instante fugidio do prazer da admiração, para compreender o sentido de que
se reveste o texto e que o leitor atribui.
Esse é um processo que ocorre inicialmente pelo contato, a ver imagens, e pelo acesso,
aprender a olhar criteriosamente, ir além do gostar ou não gostar, dialogar com o objeto
visual e atribuir-lhe significado.
Descobrir a aparência figurativa das formas é um primeiro passo, é literal; em seguida é
necessário decifrar seus códigos e símbolos, abstrair sentido através de relações e conexões
entre formas, entre palavras e essas entre si que se articulam no texto.
Como toda escrita, para que possa ser lida, o observador não pode apenas contemplar,
precisa adentrar-se nas linguagens do texto, num todo. Assim, desde a infância se educa o
olhar do leitor para compreender, tanto verbal como visualmente.
Cada indivíduo possui diferenciadas percepções, advindas de suas vivências pessoais e
culturais, influenciando o desenvolvimento da compreensão dos diferentes textos
disponíveis em seu meio. Olhar uma obra de arte ou uma imagem da mídia pode passar
pelo gosto individual, considerá-la bonita ou feia, gostar ou não.
Esta é uma apreciação perceptiva, comum a qualquer pessoa. Educar o olhar é capacitar
para a crítica, processo complexo e que requer acesso e diálogo com a visualidade.
Essa capacidade de criticar, ocorre através de aquisições culturais e escolares, que se
manifestam diante de objetos de natureza artística, através de um caminho próprio da
recepção de um objeto estético, traduzido em seus códigos, interpretado em seu universo de
sentido, como um saber especial.
O leitor, que até bem pouco tempo foi tratado como um aprendiz da linguagem verbal, hoje
se defronta com a complexidade do entrelaçamento de linguagens num mesmo suporte de
leitura e ainda aprende intuitivamente a atribuir sentido para o que lê. É preciso superar
essa postura, aprofundando e qualificando o conhecimento dos sistemas de linguagem
construídos pela humanidade.
Paulo Freire (1992) aponta a primeira leitura como aquela que se dá diretamente como
explicação para o mundo que se apresenta, como um diálogo abrangente com a natureza e
em todas as possibilidades de relação entre sujeitos e seus produtos culturais.
Portanto, RAMOS (2004) tem razão ao dizer que “as linguagens presentes no livro, objeto
cultural se oferecem como portas de acesso ao sentido ali constituído e cuja escolha inicial
do leitor recai na ilustração, sedutora, mas complexa em suas articulações ao dialogar
com a palavra”.
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